Projeto: Vestindo Memórias - Legado e Identidade
Entrevista de William Pereira Cordeiro
Entrevistado por Grazielle Pellicel e Luiza Gallo
São Paulo, 26 de junho de 2023
Código da entrevista: VES_HV005
Transcrita por Selma Paiva
Revisada por Grazielle Pellicel
(00:31) P1 – William, primeiramente, muito obrigada por ter aceitado participar. E a pergunta mais básica é por onde a gente começa, que é: qual o seu nome, o local que você nasceu e sua data de nascimento.
R1 – Perfeito. Obrigado a todos também, pela oportunidade, primeiramente. Obrigado, Grazielle. Acho que é um momento único que a gente vai vivenciar, a gente poder se abrir um pouco, falar um pouco sobre a nossa história. É um ‘mergulho’ pro nosso interior, pras nossas histórias, pras nossas raízes. Então, meu nome é William Pereira Cordeiro, sou casado, tenho um filho de três anos e, desculpa...
(01:17) P1 – Onde que você nasceu e data de nascimento.
R1 – Nasci em São Caetano do Sul, São Paulo, e minha data de nascimento é 26 de julho de 1990.
(01:27) P1 – Você sabe por que seu nome é William?
R1 – Não, acho que não tem um significado.
(01:32) P1 – Não?
R1 – Não. Até hoje eu não descobri o significado.
(01:37) P1 – E você sabe como foi o dia do seu nascimento?
R1 – Bom, conforme minha mãe disse na história anterior, foi um nascimento bem complicado, que meu pai tinha feito cirurgia e minha mãe não poderia ter mais filhos, mas ela até brincou: a ‘raspinha do tacho’, né? (risos) Chegou a vir a ‘raspinha do tacho’. E a gente encara como se fosse um predestino, que tinha que ter nascido, realmente. Então, eu sou muito feliz de ter a mãe que eu tenho, o pai que eu tenho e a família que eu tenho, também.
(02:15) P1 – Que bom! A gente já falou com a sua mãe, mas tem como falar o nome dela e como você a descreveria?
R1 – Minha mãe, pra mim, é minha base. Desculpe se eu me emocionar em falar, mas minha mãe é super...
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Entrevista de William Pereira Cordeiro
Entrevistado por Grazielle Pellicel e Luiza Gallo
São Paulo, 26 de junho de 2023
Código da entrevista: VES_HV005
Transcrita por Selma Paiva
Revisada por Grazielle Pellicel
(00:31) P1 – William, primeiramente, muito obrigada por ter aceitado participar. E a pergunta mais básica é por onde a gente começa, que é: qual o seu nome, o local que você nasceu e sua data de nascimento.
R1 – Perfeito. Obrigado a todos também, pela oportunidade, primeiramente. Obrigado, Grazielle. Acho que é um momento único que a gente vai vivenciar, a gente poder se abrir um pouco, falar um pouco sobre a nossa história. É um ‘mergulho’ pro nosso interior, pras nossas histórias, pras nossas raízes. Então, meu nome é William Pereira Cordeiro, sou casado, tenho um filho de três anos e, desculpa...
(01:17) P1 – Onde que você nasceu e data de nascimento.
R1 – Nasci em São Caetano do Sul, São Paulo, e minha data de nascimento é 26 de julho de 1990.
(01:27) P1 – Você sabe por que seu nome é William?
R1 – Não, acho que não tem um significado.
(01:32) P1 – Não?
R1 – Não. Até hoje eu não descobri o significado.
(01:37) P1 – E você sabe como foi o dia do seu nascimento?
R1 – Bom, conforme minha mãe disse na história anterior, foi um nascimento bem complicado, que meu pai tinha feito cirurgia e minha mãe não poderia ter mais filhos, mas ela até brincou: a ‘raspinha do tacho’, né? (risos) Chegou a vir a ‘raspinha do tacho’. E a gente encara como se fosse um predestino, que tinha que ter nascido, realmente. Então, eu sou muito feliz de ter a mãe que eu tenho, o pai que eu tenho e a família que eu tenho, também.
(02:15) P1 – Que bom! A gente já falou com a sua mãe, mas tem como falar o nome dela e como você a descreveria?
R1 – Minha mãe, pra mim, é minha base. Desculpe se eu me emocionar em falar, mas minha mãe é super importante pra mim, é o meu ‘norte’. Todas as vezes que eu me chateio com algumas situações de vida, até nos meus primeiros relacionamentos de vida, com pessoas e até mulheres, sempre que eu me chateava minha mãe está ali, o braço acolhedor. Minha mãe é meu ‘porto seguro’. É como se um bebê ali estivesse sempre no berço, [com] alguém vigiando pra ele não cair. Então minha mãe é sempre pra onde que eu corro, pra procurar as orientações de como me portar. Até no casamento hoje, que eu sou casado, tenho um filho de três anos, meu filho é autista, então é um novo ‘mundo’ pra mim, um novo momento, então às vezes a gente está em desequilíbrio, desarmonioso e minha mãe me direciona ali: “William, calma, tenha paciência, é assim que deve ser, que se deve agir”. Por mais que eu seja um pouquinho teimoso, ela vai discordar (risos) um pouquinho desse tamanho, mas minha mãe é minha base, como eu disse, ela me orienta. Se minha parte emocional e carinhosa que eu tenho pra com a minha esposa, o respeito que eu tenho para o ser mulher que é a minha esposa, com todas as mulheres, foi minha mãe que me deu essa base. E meu respeito para com todos os outros também, minha mãe trouxe toda essa parte afetiva pra mim. Meu pai trouxe o senso da responsabilidade e da razão. Minha mãe trouxe o senso do sentimento, da emoção, do amor e do carinho.
(04:18) P1 – E o seu pai, qual é o nome dele?
R1 – Osvaldo.
(04:22) P1 – E como é que você o descreveria?
R1 – Bom, meu pai, como eu disse, teve uma criação bem dura. Geralmente, quando a gente tem uma criação dura, escusa de afetividade, a gente se torna automático uma pessoa sendo dura também, né? Então, meu pai é um guerreiro, nunca deixou faltar nada dentro de casa, o pão de cada dia estava ali, sempre batalhando. Meu pai saía pra trabalhar, minha mãe dava o equilíbrio na casa, então um cuidava dos filhos e o outro cuidava do trabalho. Ele nunca deixou de trabalhar. Inclusive, mesmo aposentado, hoje ele trabalha. Então ele é o exemplo, pra mim, de perseverar, sabe, de ‘correr atrás’, de lutar, de conseguir as coisas através do suor do trabalho. Hoje o espaço que a gente está aqui, o terreiro, foi meu pai... minha mãe preparando a massa e meu pai assentando tijolos. Então, tudo é um equilíbrio, uma base. Chegou até o momento deles efetivamente estarem juntos, ou não, mas essa base foi construída... eu sou uma pessoa construída da minha mãe e do meu pai. Acho que não dá pra descrevê-lo melhor, mas ele dá o senso da razão pra mim, algumas vezes. Não tem emoção em lidar com determinadas coisas da vida. Principalmente quando... hoje eu sou pai, então toda base que ele me deu hoje eu tento passar pro meu filho, a criação, a responsabilidade e tudo o mais. Por mais que ele tenha três anos, mas tem que ter responsabilidade.
(06:01) P1 – Sim. Você tem irmãos?
R1 – Tenho, três irmãos, um adotado e uma irmã.
(06:07) P1 – Você pode contar pra gente... a gente ouviu da sua mãe, mas ouvir de você como é que é toda essa história de que você chegou inesperadamente.
R1 – Olha, eu sou o caçula, então você imagina três irmãos já bem crescidinhos, por volta de quatorze, quinze anos. Minha irmã é a mais velha; meu irmão, um ano depois, já nasceu; depois veio o do meio, com três ou quatro anos de diferença; e depois tem um irmão adotado também, que era sobrinho da minha mãe e minha mãe adotou, devido ao falecimento da irmã dela, minha tia. Então, eu cheguei como a ‘raspinha do tacho’, sempre fui um pouco judiado pelos meus irmãos, devido ao ciúme, eu sempre ser muito apegado da minha mãe, mas os meus irmãos sempre cuidaram de mim quando meus pais estavam ausentes, sempre deram um suporte pra mim na adolescência também, na vida adulta. Hoje também. Meu irmão, devido a algumas situações da nossa vida, do meu pai e da minha mãe terem tomado caminhos diferentes, o Wellington, super assume o papel de pai hoje perante a nossa família, ele sempre está perguntando: “William, está tudo bem? Sua esposa está bem? Seu filho está bem?”. Ele sempre tenta agregar e unir a família. Então, essa é uma coisa pessoal dele, mesmo. Eu o tomo como maior exemplo também. Meu irmão Kleber é muito ponderado, na família dele tudo conquistado com luta, com suor também. Ele é da Igreja Católica, ele toca contrabaixo, teclado, piano também. É um motivo de orgulho pra gente. Às vezes a gente dá umas escapadas aqui no terreiro e vai assisti-lo tocar. Mas é muito prazeroso ter bons irmãos como esses. Ninguém seguiu o mau caminho.
(07:58) P1 – Legal. E tem algum outro parente que você gosta muito?
R1 – Bom, acho que os meus tios [por] parte da minha mãe e tem um tio também, que agora recentemente foi no casamento da minha prima Viviane, meu tio Etelvino. Ele é maravilhoso, é o exemplo que eu quero ser como pai, aquele pai fraternal, que une a família naquele domingo de almoço e beija o filho dele, beija a filha, tem o maior orgulho. Vendo-os entrarem no altar, eu super me emocionei, porque ele tem uma história muito forte de vida. Ele sofreu um acidente no emprego dele, onde ele veio a queimar todo o membro esquerdo e um pouco do rosto, então ele perdeu totalmente a movimentação da mão, mas ele não desistiu em nenhum momento da vida.
R2 – O olho enxerga só 20%.
R1 – Por mais que ele ficou numa UTI, internado, por tempos, ele nunca desistiu da vida. Pelo contrário, ele acendeu ainda mais interiormente em luz. Então, você vê uma pessoa carinhosa, agregadora, como eu disse e ele é super tudo de bom, então eu me apego muito a ele. Ele é meu super exemplo, sabe?
(09:25) P1 – Você sabe sobre a origem da sua família?
R1 – Conforme minha mãe disse anteriormente, a gente é uma mistura de negros com índios. Essa é a maior origem, referência que a gente tem da nossa família. Nossos bisavós, tataravós eram negros e índios e teve essa mistura. Minha mãe tem muitos traços de índios, como vocês viram: os cabelos, os olhos, o nariz, o jeito de se portar, não só aqui dentro, no nosso espaço, mas lá fora também. Essa espontaneidade, essa alegria de viver. A conexão com a natureza. Então, quando ela vai no mar, ela sente a brisa. Quando ela vai nas matas, ela quer abraçar uma árvore. Essa é a raiz que eu tenho hoje, deles todos. Então, sou super orgulhoso das nossas raízes serem brasileiras e eu traçar tudo isso dentro do meu sangue, do meu orgulho, do meu amor que eu tenho com os meus ancestrais.
(10:38) P1 – E do lado do seu pai, você sabe?
R1 – Do lado do meu pai são todos mineiros. Minha avó é viva ainda hoje, ela tem noventa e poucos anos, 93 anos, se não me engano, e é viva até hoje. Meus avós e tataravós eu não cheguei a conhecê-los, também. Mas minha avó, hoje ela é até ‘bisa’, porque meu filho e todos os meus sobrinhos, sempre que a gente consegue se reunir a gente vai lá, comemorar os anos de vida dela.
(11:09) P1 – Quando você era criança, você gostava de ouvir histórias? Alguém te contava?
R1 – Gostava. Meu pai sempre contava as histórias clássicas: Chapeuzinho Vermelho, Lobo Mau. Nossa, ele fazia até os barulhinhos do Lobo Mau, a gente lembra até hoje, eu e meu irmão. Mas nessa parte ele era muito carinhoso. Ele é muito carinhoso. Antes de dormir, na maioria dos dias ele contava as historinhas, essas clássicas, como eu disse. Era bem prazeroso.
(11:40) P1 – Mas eles também contavam histórias da vida deles, alguma coisa que aconteceu com eles?
R1 – Não, dificilmente, porque nessa época aí que eu me identifiquei como gente, em 1994 que eu vim adquirir uma consciência de lembrar as coisas, as crianças, antigamente, tinham um tratamento diferente: criança era com criança e adulto era com adulto, então pouco se falava conosco, até então. (risos)
(12:14) P1 – A sua família tem algum costume que vocês gostam de comemorar? Por exemplo, gostam de se reunir no Natal.
R1 – A gente gostava muito de se reunir na Páscoa, no Natal e nos aniversários da minha avó, que até então ela morava aqui em São Paulo, no Jardim Colonial. Aí ela mudou pra Campinas, então quase todos os anos a gente se reunia nas datas comemorativas do aniversário dela e reunia as partes da família da minha mãe e partes da família do meu pai, então era um pouco mais de vinte, trinta pessoas numa casa, pra comemorar o aniversário. Era muito prazeroso também. (risos) Infelizmente se perdeu essas datas comemorativas. Natal e Ano Novo também é de praxe a família passar junto.
(12:59) P1 – Sim. E hoje em dia, com os seus irmãos, seus pais, vocês também se reúnem?
R1 – Difícil. Hoje ficou mais difícil. Minha mãe costuma ir pro Paraná no final do ano. A gente se reúne, muito, no Natal. Eu, William, divido muito: costumo passar o Natal com a minha mãe e o Ano Novo a gente vai pra Joanópolis, meu sogro tem um sítio lá e a gente costuma ver a parte da família da minha esposa. Os meus irmãos costumam se reunir no Natal também e depois, no Ano Novo, cada um passa com a família, um pouco, da esposa, pra ter aquele equilíbrio de comemoração.
(13:52) P1 – Você falou que nasceu em São Caetano, mas você foi criado lá também?
R1 – Não. Só nasci no Hospital Beneficência de São Caetano e fui criado e morei aqui, em São Mateus mesmo.
(14:05) P1 – Não foi nessa casa?
R1 – Não. Eu só nasci em São Caetano e me criei aqui e me formei em São Mateus, mesmo, Jardim Promorar.
(14:18) P1 – E como é que era essa primeira casa que vocês moraram?
R1 – Em 1994, como eu identifiquei, sempre minha mãe e meu pai construíram do zero, tudo barro. Eles pegaram aqueles três, quatro cômodos ali, foram trabalhando na casa, com suor, com trabalho, com tempo, com dedicação e a casa foi crescendo, virou um quintal, dois quintais, aí subiu o segundo andar. Cada um tinha seu quarto, sua divisão, o quarto dos meninos, minha irmã adquiriu um quarto pra ela, meu pai e minha mãe o quarto do casal, a sala de estar e os dois quintais, que todo final de ano se reunia, toda a família vinha de Campinas e do Paraná pra passar na nossa casa, que era muito aconchegante, muito próspera. É uma casa muito próspera, até hoje. Mas em questão de espaço acomodava todos. Então, todas as famílias se reuniam numa só casa e a gente comemorava os finais do ano, tudo juntos.
(15:25) P1 – E você morou lá até quantos anos?
R1 – Até os meus dezessete anos. Foi quando a minha mãe decidiu que teria que mudar de casa, devido às atividades espirituais, e foi um choque pra toda família, porque meu irmão Kleber já estava predestinado pra casar, então ele já pegou as coisas dele (risos) e já foi. Os meus outros dois irmãos já tinham ido morar sozinhos e só fiquei eu morando com meus pais. Então, mesmo que cada um tivesse tomado o rumo da sua vida, a gente se reunia nos finais de semana pra almoçar, pra aproveitar um pouco, conversar, ‘botar’ o papo em dia, mas como decidimos mudar depois de dezessete anos morando junto, ali, foi um choque não só pra família, mas pros vizinhos também, ninguém acreditava e eu fui muito relutante, no começo, porque toda a base que eu tinha ali, meus amigos de infância, que eu dividi escola, pré, eu imaginei que ia se perder tudo isso, mas a gente tem facilidade hoje. Eu esquecia dessa parte, fui muito egoísta também. Esquecia que dava pra gente pegar um ônibus e ir lá, visitar os amigos. Mas, depois disso, minha mãe e meu pai mudaram, venderam tudo e eu fui morar com os meus irmãos, pra terminar o ensino médio. Então, eu comecei a adquirir muita responsabilidade depois disso, também, independência.
(17:02) P1 – Aproveitando que você falou da escola, como é que foi o período da escola pra você?
R1 – A escola foi muito boa, desde o meu período de pré. Graças a Deus, eu sempre fui afetivo com as pessoas, as pessoas sempre me respeitaram do jeito que eu sou, sempre consegui me comunicar bem. Entrei no pré, tive uma grande dificuldade pra aprender a ler, fui aprender lá na quarta série, fiz muitas aulas de reforço. (risos) Acho que vem daí, agora minha mãe explicando a história dela, dessa herança dela, meio que uma preguiça de estudar. Mas a escola trouxe um bom aproveitamento pra mim, acho que a boa formação vem da escola, o que a gente aprende com os pais, em casa, é educação, mas a desenvoltura que a gente tem pra se formar realmente é na escola, com os exemplos dos professores, que são tão maltratados hoje, mas é uma das profissões que deveriam ser mais bem valorizadas. Os amigos de escola, eu tenho até hoje, inclusive uns são padrinhos do meu casamento. São vínculos que a gente soma pra nossa vida. Cada historinha ali vai formando o que a gente é. Então, são grandes exemplos pra gente, como vivenciar boas memórias e bons momentos futuros. Então, eu tenho contato até hoje com eles.
(18:32) P1 – E quando você era criança, você tinha alguma brincadeira favorita?
R1 – Pra mim tudo era diversão. (risos) Jogar bola era bom, esconde-esconde era bom. Era tão bom antigamente, que a gente podia ficar até uma hora e meia, duas horas da manhã na rua. E minha mãe... às vezes os adultos iam brincar com as crianças, na rua, porque era um bairro que todo mundo se conhecia. Você imagina aquela vila daquelas novelas de tempos, de temporada, que todo mundo conhece. O fulano vai buscar leite na quitanda do ‘seu’ Joaquim. Era muito disso, muito prazeroso, porque todo mundo se conhecia, se protegia, cuidava um do outro. Às vezes falava: “Mãe, vou dormir na casa do Alexandre”, “Tá bom, William, não faz bagunça na casa” e no outro dia a gente brincava, assistia filme, tudo era compartilhado, até as chuteiras que a gente jogava bola: “Deixa eu vestir o seu calçado esquerdo, fica com o meu direito”. Então, tudo era muito bom. Na minha época de infância eu aproveitei bastante, também.
(19:46) P1 – Desde criança você já tinha um sonho de ser alguma coisa quando crescesse, alguma profissão?
R1 – Sim. Todo sonho de moleque é ser jogador de futebol, né? (risos) Minha família investiu muito nisso também, eu ‘corri muito atrás’ do futebol, cheguei a jogar na escolinha do Santos, consegui oportunidades de fazer ‘peneiras’ em times, clubes grandes, como o Palmeiras, mas nada disso, foi tudo ilusório pra mim, acabei me decepcionando nessas partes aí e minha profissão é formada pela minha experiência espiritual que eu tenho hoje. Um amigo meu, de infância, como eu já disse agora há pouco, teve câncer e a gente tinha treze, quatorze anos, aquela época todo mundo saía junto, ‘curtia’ ‘balada’ e do nada ele ficou doente e todo mundo ficou apavorado. Aí que veio minha experiência profissional. O cuidado que os profissionais da Saúde tiveram com ele, todo carinho, todo respeito, todo acolhimento que eles tiveram conosco também, quando a gente ia visitá-lo. A gente ia pra levar alegria e saía de lá muito ruim, então eles falavam: “Gente, tenha paciência, confia em Deus, a gente está aqui, cuidando bem do seu amigo, do Bruno. Tenha paciência”. Então, esse foi o meu maior contato que eu tive com a experiência profissional que eu exerço hoje, o contato com o orixá Obaluaiê também, ele falou dentro do meu coração e da minha mente: “Esse é o caminho que você mais vai aprender a ser humilde. Você vai ver a ‘mão de Deus’ ali”, por que dentro do hospital o que a gente vê? É o nascimento de uma criança. A gente vê a cura de uma pessoa enferma e a gente vê o desligamento desse plano para o outro que a gente acredita, né? Então, a minha experiência profissional, eu exerço com muito orgulho, com muito amor, com muita dedicação. Em todos os dias que eu levanto pra fazer o meu trabalho, eu dedico o máximo. Trabalho em centro cirúrgico, então a gente vê as crianças, os adultos operarem ali e saírem dali com uma esperança. Eles já chegam muito aflitos e o meu trabalho é confortá-los: “Tenha confiança, vai tudo certo” - as palavras que eu escutei antigamente – “confia em Deus, eu vou cuidar bem do senhor, da senhora e vamos seguir em frente, vamos sair daqui muito melhor, está certo? Confia em Deus e a gente vai fazer o nosso trabalho aqui, pra dar tudo certo”. Essa é a melhor experiência que eu tenho e o espiritual que me encaminhou pra tudo isso.
(22:31) P1 – Qual que é seu trabalho?
R1 – Eu sou técnico de enfermagem em centro cirúrgico.
(22:36) P1 – Legal! Quando você terminou a escola você já foi fazer o técnico, ou alguma coisa? Por exemplo, um trabalho.
R1 – Não. Percorri muitos trabalhos antes de virar técnico de enfermagem. (risos) Meu primeiro emprego foi com quinze anos, office-boy. Eu fiz um curso técnico na instituição Vila Mirim de Vila Prudente. Então, ali são cursos específicos profissionalizantes. Ou eu ia pra Armarinhos Fernandes, ou era office-boy, então eu quis ser office-boy. Foi a melhor coisa que eu fiz, arrumei emprego rápido. Ajudar em casa com quinze anos, mesmo que seja com setenta, oitenta reais, cinquenta reais, já dava todo aquele orgulho do exemplo que eu falei anteriormente, do meu pai, da minha mãe, que saíram pra trabalhar tão cedo. Ajudar em casa [me] dava o maior orgulho. Pô, chegava na escola e falava pros amigos: “Estou ajudando em casa, pô, (risos) estou trabalhando, já”. A minha mãe sempre foi muito caridosa comigo: “William, guarda um pouco de dinheiro pra você”. Então, sempre tive a liberdade de ajudar em casa com pouco e utilizar o que era preciso pra mim, sabe? Comprar um tênis, uma roupa, uma camisa que eu gostava ou aproveitar com os meus amigos, saindo. Sempre fui regrado nessa questão do emprego. Depois eu passei por áreas alimentícias, de logística e falei: “Mãe, acho que não dá, acho que eu vou entrar na área da Saúde”. Minha mãe até falou: “William, tem certeza?”, porque a Saúde é muito difícil. Além da gente lidar com as doenças, a gente lida com o ego das pessoas. Então, é muito difícil a gente lidar com o ego, a aceitação das pessoas que estão doentes e dos médicos, que têm um pouco de dificuldade de aceitar os outros trabalhos, que são essenciais no serviço. E é isso. (risos)
(24:44) P2 – Posso fazer uma? Como foi morar com seus irmãos?
R1 – Foi uma experiência ótima, porque fora dos olhos da mãe e do pai você pode fazer o que você quer, né? (risos) Mas a gente sempre era cuidadoso em não fazer coisas erradas, porque a gente não tem, na nossa família... na nossa infância e adolescência, a gente morava em um bairro muito perigoso, então a gente viu crianças, nossos amigos virarem, querendo ou não, bandidos. Isso daí meio que retarda o nosso processo evolutivo e como pessoa também. Então, meus irmãos, a gente sempre era muito organizado na casa, sempre dividia as atividades: um lavava roupa, outro limpava a casa, outro fazia comida. Na hora de fazer a despesa, todo mundo se juntava. Então, acho que o maior exemplo que a gente teve em casa, a gente levou aí, pra fora, e sempre se deu bem, até o meu irmão querer casar e colocar a mulher, aí... morávamos em três irmãos, aí eu e meu outro irmão falamos: “Deixa o meu irmão com a esposa e a gente vai procurar outro lugar”e assim foi. A gente se dividiu, moramos um pouco juntos também, aí daqui a pouco cada um foi ‘arrumando’ suas esposas e morando sozinhos, nas suas casas. Acho que esse é o ciclo da vida. (risos)
(26:15) P2 – Quantos anos você tinha?
R1 – Tinha dezessete pra dezoito anos, já. Com quinze anos já comecei a virar ‘homem’, adquirir responsabilidade e com dezessete, dezoito já estava morando sozinho, mas sempre com saudade da minha mãe. Eu ligava pra ela chorando, às vezes: “Mãe, estou com saudade” e ela já trabalhando no quartinho, lá em cima, e a gente com a maior saudade dela. É isso aí. (risos)
(26:42) P1 – Esse relacionamento que você teve, já era sua atual esposa, ou não?
R1 – Não. Essa era uma conhecida, também colega de infância. A gente acabou... aqueles namoros de infância, sabe, que entrega cartinha um pro outro e acabou se relacionando. Aí a gente decidiu morar junto também. Foi um grande processo da minha vida também, porque eu morando junto já era responsável por uma outra pessoa também. Então, eu sempre procurei dar do bom, do melhor, respeitar, sempre procurando fazer as coisas junto. A gente até vivenciou um período tão difícil, que ela teve uma gravidez ectópica e teve que fazer um procedimento às pressas, estava com muita dor e a gente, naquela correria da madrugada, indo pra cima e pra baixo, procurando auxílio pra levar ao médico e ela acabou fazendo uma cirurgia de alto risco, uma laparotomia, pra descobrir o que estava acontecendo, que ela estava com sangramento interno, hemorragia já. Então você imagina um rapaz de dezessete, dezoito anos, com essa responsabilidade tão grande e a família cobrando, mas, graças a Deus, eu sempre fui responsável, sempre fui trabalhador, acho que ninguém tira esse crédito de mim e a gente vivenciou um pouco mais de tempo, ficamos juntos mais dois, três anos e decidimos separar e cada um seguir sua vida, hoje ela está muito bem e eu estou também estou muito bem, graças a Deus. (risos)
(28:19) P2 – Como foi esse momento, pra vocês?
R1 – Da separação?
(28:23) P2 – Não, da descoberta dessa gravidez.
R1 – Quando ela entrou no centro cirúrgico, no pronto-socorro, eu já não podia responder por ela, porque eu era menor, dezessete pra dezoito, então tive que acionar os familiares dela o mais urgente possível e ela entrou em cirurgia de ‘porta aberta’. O que a gente costuma falar no hospital: de ‘porta aberta’ é quando não tem diagnóstico previamente dito, então qual é o nome desse procedimento? Laparotomia exploradora. Vai explorar o que está acontecendo. Então, eles fazem uma incisão cirúrgica da altura do abdômen até a pelve e ali começa a vasculhar os órgãos, o que está acontecendo, a hemorragia, então, e depois que ela já estava na recuperação anestésica, que veio o diagnóstico pra família e a família me disse: “Ela estava com uma gravidez ectópica, vai nascer...”. O ovário estava nascendo dentro da trompa, a fecundação estava sendo dentro da trompa. Eu fiquei em choque totalmente, não sabia o que dizer. Inclusive, nesse dia, minha mãe estava trabalhando aqui, espiritualmente, no quartinho, lá em cima, quando eu voltei pra casa, eu falei diretamente com o guia chefe da casa, o Caboclo Sete Flechas, que é a representatividade da imagem que vocês estão vendo aqui, a maior, na base de madeira e ele me disse: “Esse não é tempo de chorar. É tempo de você refletir o que vocês estavam fazendo”. Então, eu acho que de dezessete pra dezoito anos a gente não está com formação emocional, profissional e estrutural pra ter uma vida tão pequena nas suas mãos, pra você ter essa responsabilidade grande. Então, ele foi super duro comigo, eu até não entendi, na hora. Eu esperava um acolhimento do Pai, né? (risos) Mas, na verdade, o Pai bom é aquele que dá uma palmada, pra depois falar: “Calma”. Então, o maior exemplo que eu tive, emocional, nessa parte, foi isso. Acho que a maior lição que eu tive da vida, nesse momento, foi isso, da minha adolescência pra adulto ter uma coisa tão severa quanto isso: perder uma vida tão cedo. Mas, graças a Deus, como eu disse a vocês, minha ex-esposa, Laís, minha colega hoje, está super bem, super vivendo a vida dela e eu também estou muito feliz com a minha esposa. Minha esposa é tudo pra mim também, ela dá uma superbase pra mim. Meu filho também. Nós somos pais hoje, [meu filho] veio com autismo, é um mundo muito bom, diferente, é um amor incondicional e é uma coisa que está muito aflorada nesses últimos dez, quinze anos pra frente, aqui, e a gente só tem que ‘abrir o coração’ e entender o que os autistas querem, de verdade. É isso. (risos)
(31:35) P1 – E como é que você conheceu sua esposa?
R1 – Como minha mãe disse, tudo é descrito e escrito por Deus: as nossas histórias, as nossas vidas, os nossos destinos. Assim que eu terminei meu curso técnico, eu continuei vivendo minha vida, ‘curtindo’ minhas ‘baladas’, meus pagodes, Thiaguinho. (risos) Enfim, uma entidade que trabalhava muito aqui, com minha mãe, uma falecida, nossa querida Vilma, que Deus a tenha, trabalhava com uma entidade chamada Dona Sete Saias e essa Dona Sete Saias gostava muito de mim, muito me respeitava, eu também super gostava, super respeitava, ela e a médium também, e um dia ela, aqui, numa consulta informal mesmo, como se a gente estivesse conversando aqui, porque ela vinha pra tomar um café e às vezes a entidade vinha junto, (risos) e conversava uma boa prosa, de amigos, aqui, à tarde, pra colher os ensinamentos também, uma boa prosa… enfim, um dia eu estava vindo do meu curso, ela: “Moço, entra aqui”. Eu entrei pra conversar, saudar, cumprimentar e ela disse: “Olha, moço, não fica mais afligido com seu coração, porque o seu amor já está na sua vida, basta você, no primeiro emprego que você tiver, nessa área que você está procurando agora, você vai encontrar aquela que vai ser a mãe dos seus filhos” e foi dito e feito: eu comecei a trabalhar no Hospital Santa Marcelina, aqui na Tiradentes, rápido, em 2015, mais ou menos, 2016, eu comecei a trabalhar no Santa Marcelina, fiquei um ano, tudo bem, tudo tranquilo, aí entrou... e lá a gente tem um ‘rodiziamento’ de serviço. A gente está no centro cirúrgico, a gente vai pra CME (Central de Material Esterilizado) e lá existe o horário de porta, onde todos os setores vão lá buscar material, trocar material e veio aquela moça dos cabelos negros, da cor branca, dos cabelos bem negros e eu sempre tive um amor platônico pelo orixá Iemanjá, porque ela é mãe e muito linda, fisicamente [e] como espírito, e a imagem dela reflete a uma mulher muito linda: uma moça branca, dos cabelos negros, longos e eu sempre fui apaixonado por essa fisionomia. Minha dedicação… tanto que ela é minha mãe de coroa também. O orixá Iemanjá está na minha coroa hoje. E eu vi aquela moça, então meu coração já bateu bem forte, foi um amor platônico, mesmo. Acho que... (risos) não sei se vocês já sentiram o que é o amor platônico, mas é aquele que faz a gente suar, vibrar e ter um pouco de medo até. Fica nervoso, tem um pouco de medo. E eu, brincando com meu colega que estava trabalhando ali comigo, falei: “Nossa!”. Eu peguei o nome dela assim, que ela trocou os materiais comigo: Camila. Eu falei: “Nossa, essa moça é muito linda. Se eu sair com ela, eu vou casar com ela”. Eu falei isso, joguei isso no ar e meu amigo falou: “Você está louco. Está vendo a menina agora e tal”. Aí todos os dias a gente chegava um pouco mais cedo, sentava lá fora, pra conversar e ela passava, eu falava: “Olha lá, ela lá, minha sereia”. Sempre brinquei: “A sereia lá”. Uma colega que entrou no centro cirúrgico tinha entrado com ela, junto, na integração, eu falei: “Pô, convence sua amiga lá pra me conhecer. Me ajuda lá, pô, gostei tanto dela. Pega o telefone dela pra mim”. Aí a Camila, que é minha esposa hoje, disse que não entregaria o telefone a ninguém se não fosse a própria pessoa a ir buscar. (risos) Eu sou supertímido, como vocês podem ver, eu estou sorrindo aqui e nessa época era mais tímido ainda. Enfim, consegui achar o Facebook dela, graças a Deus a Santa Internet hoje, né? (risos) Entrei em contato com ela, a gente começou a conversar, ela era muito tímida também, ela é muito tímida ainda hoje, estava saindo de um relacionamento difícil ela também, por isso não queria se machucar e eu também estava flagelado de três, quatro anos que tinha acontecido tudo isso comigo e a gente decidiu sair, comprei dois ingresso pro show do Thiaguinho mesmo, um pagode que eu gostava, a Turma do Pagode, ela super gostou também. No aniversário dela, 25 de janeiro, falei: “Pô, vou comprar de presente pra você, vamos no show”. Isso foi em novembro, gente. Em janeiro, a gente saiu. Eu comprei com três meses de antecedência. (risos) Mas chegou lá, deu tudo certo, falei pra ela: “Pô, eu gosto de você, não sei o que aconteceu, mas aqui a gente está dentro de uma ‘balada’, você é muito bonita, os homens podem vir a mexer com você, se perceber que a gente é só colega, então eu acho que a gente vai ter que ser namorado aqui. O que você acha?”. (risos) Daí ela ficou assustada, assim, com os olhos, espantada e eu fui e dei um beijo nela, eu falei: “Pronto, agora ‘quebrou o gelo’”. Aí três meses já a pedi em noivado, porque eu sabia que ela era a mulher [da minha vida] mesmo e tudo que ela faz combina comigo, tudo que a gente faz junto anda pra frente, sabe? A gente tem uma super conexão. Quando eu não estou bem, ela sabe, quando ela não está bem, eu sei também e nosso amor é tão genuíno que a gente teve o nosso pequeno Rafael, ela teve uma mensagem do espiritual, que sonhou com três crianças, São Cosme e São Damião doou um pra gente e depois sonhou com o Arcanjo Rafael, então a gente falou: “É uma confirmação”. A gente já tinha escolhido o nome Rafael, então depois ela teve a confirmação do nome. Ela sonhou com arcanjo, a gente falou: “É Rafael, mesmo”. Então, a gente é superfeliz, a gente adquiriu nossa casinha, a gente está construindo tijolinho por tijolinho, pra chegar nos quarenta, cinquenta anos a gente estar ali, comemorando ainda, também. (risos)
(38:10) P1 – E seu chamado espiritual, [foi] desde criança ou surgiu em algum momento na sua vida?
R1 – Desde os meus cinco, sete anos eu super era interessado quando minha mãe ia pros terreiros, ou fazia as festividades dentro da nossa casa, ali mesmo, que antigamente todo terreiro nasceu no fundo de um quintal. A gente não tem grandes catedrais, grandes espaços, então todas as festividades eram realizadas no fundinho do quintal ou num quartinho separado, que é considerado religioso, então nunca pude tocar atabaque, porque era muito pequenininho, então quando minha mãe e meu pai iam levar as pessoas embora, eu aproveitava que o atabaque estava ali, disponível e ia lá bater. (risos) Meu chamamento espiritual veio através da herança espiritual que eu tenho, através do meu vô Otávio, da minha mãe, da minha vó, todo esse legado eu encaro com muita felicidade, com muita alegria, com muito amor, com muita responsabilidade, acima de tudo. Como foi dito anteriormente, a gente mexe muito com vidas espirituais, vêm espíritos aqui semicurados, regenerados, encaminhados e vêm pessoas aqui com problemas com esposo, agredidas, mulheres agredidas, vêm homens que perderam o emprego e são pais de família, crianças com fome, e a gente sai pra rua também, pra entregar comida, pessoas com vícios de droga, de bebida, ou pessoas que estão com dificuldade física também, como essas pessoas de cadeira de rodas, pessoas com Parkinson, qualquer tipo de doença que vocês possam imaginar, gente, e é uma missão espiritual que a gente tem. Então a gente tem que encarar isso com toda a humildade, com todo o amor, porque é a mão de Deus que cura, mas aqui a gente encara como se fosse um instrumento da espiritualidade, a gente não é nada mais que isso. A gente é o intermédio pra que o espiritual possa agir na vida dessas pessoas. Então, não só quando os guias da minha mãe falaram que eu era a sucessão da casa, que eu me contentei, falei: “Mãe, se eu sou a sucessão da casa, eu vou procurar estudar, então, vou procurar me portar como pessoa, como um bom médium, pra eu ter frutos também disso". Não frutos físicos, não dinheiro no bolso, nada disso, isso daí não importa, pra mim, mas eu conseguir realmente transformar a minha vida pro bem e transformar a vida dos meus semelhantes. Acho que todas as pessoas que vêm a um terreiro ou vão a uma igreja, precisam de uma oportunidade de enxergar o mundo melhor. Elas estão direcionadas a um sofrimento e se a gente falar: “Olha pra sua direita, de repente esse caminho pode ser melhor” a gente transforma a vida de uma pessoa. Então, acho que tudo isso é muito importante. Dentro da minha vida espiritual, eu, William, como pessoa também e a gente está aqui pra espalhar o amor, graças a Deus. (risos)
(41:34) P2 – Você falou que se interessou pela umbanda muito cedo, muito novo, mas quando você começou a participar mesmo? Você lembra?
R1 - Aos meus sete, oito anos.
(41:46) P2 – Já, logo no começo?
R1 – Já, logo ‘de cara’. Eu não tenho experiência em outra religião. A não ser quando bebê, que a gente é batizado, mas a gente não tem o poder da auto escolha, mas toda a minha doutrina espiritual é dentro da umbanda. Eu não posso discriminar, nem descrever outra religião, porque eu sou isso aqui que vocês estão vendo hoje, eu sou branco com suas guias, eu sou preto velho, sou caboclo, sou erê, os orixás, a dança, o atabaque. Minha vida é pautada através disso aqui, minha vida espiritual, e tudo que eu aprendo aqui com os guias, com a minha mãe, com os meus irmãos, que vêm aqui compartilhar suas histórias também, eu tento levar lá pra fora. Às vezes as pessoas não entendem a linguagem das religiões de matriz africana, então a gente fala de Bíblia também, lá fora: “Gente, vamos seguir o maior exemplo que a gente teve: Jesus Cristo, que passou na Terra como filho do Criador e deixou a simples mensagem de ‘amar o seu próximo, como ama a ti mesmo’”. Então, esse é um dos maiores ensinamentos que levo na minha vida, dentro do meu coração. Tanto que Jesus Cristo é a imagem da Igreja Católica, é o maior símbolo, mas aqui, pra gente, dentro da umbanda também, vocês veem um quadro aí, uma imagem prostada acima de todas, que é o próprio Cristo.
(43:12) P1 – É um sincretismo religioso, são várias religiões.
R1 – Sim, é a mistura. A umbanda está sincretizada junto com o catolicismo, traz a prática do índio, do negro e tem o seu fundamento dentro da Mesa Branca, que são os passes, o trabalho das luzes, da emanação das orações. A gente aprende muito com isso. É maravilhoso. (risos)
(43:42) P1 – Sua mãe comentou que ela tinha medo de incorporar. Você também tinha isso, ou não? (risos)
R1 – Na verdade, eu fui muito relutante no incorporar. Eu fui muito relutante no começo, eu digo, porque meu negócio era tocar atabaque, então eu queria tocar atabaque, cantar, ver os guias dançarem, baixarem em Terra, a gente fala ‘baixar no seu médium’, no ‘seu aparelho’. Eu queria ver, muito, isso. Eu queria, muito, realizar isso. Mas desde lá do nosso quartinho quatro por quatro que os guias chefes e mentores dessa casa falaram: “Não, filho, seu caminho não é só esse aí. Você tem que vir aqui também”. Tanto que a primeira vez que eu tive uma incorporação eu quase que não lembro de nada, porque foi uma coisa muito forte e eu me conectei muito com o espiritual, então falei: “Caramba, se for assim, eu não quero, porque eu tenho que vivenciar” e hoje, a maioria das incorporações são de uma leve consciência, uma semiconsciência, pra consciência, porque os guias querem que a gente aprenda, junto com os passes que eles estão dando, com as orientações que eles estão aplicando às pessoas, porque o que serve ao meu irmão, serve a mim também; o que serve ao cambone que está assistindo, ajudando, serve a mim também. Então, eles aplicam as orientações querendo que a gente escute, que a gente aplique isso em prática, em vida. Então, minha vivência na incorporação foi através disso. Fui muito resistente no começo, (risos) mas depois eu fui me ‘soltando’, deixando os guias virem e a gente, todos os médiuns incorporantes têm muito receio de passar à frente das entidades. É a tal da mistificação. A gente não está bem emocionalmente, não teve uma boa semana, uma semana conturbada e a gente vem aqui no sábado, toma nossos banhos de ervas, afirma nossos anjos de guarda, faz as nossas firmezas, mas deixa de se conectar com o espiritual, realmente. É aí que a gente passa à frente. O guia está passando uma coisa e você vai, interfere e passa outra. Essa é a prática que a gente não quer dentro da nossa religião: mistificar, o exibicionismo, a vaidade, tudo isso atrapalha um bom médium, um bom trabalho.
(46:22) P1 – Pra quem não sabe como é a sensação, como você descreveria o ato de incorporar? Você se sente fora do corpo, como é que é?
R1 – Não. O ato de incorporar é o poder da sua mentalização. Eu posso descrever o ato da incorporação. Vou descrever da minha maneira, o médium William: bom, tudo, dentro da nossa religião de umbanda, é energia. Então, eu tenho que trabalhar o meu preceito na quinta-feira, começa na quinta-feira, então eu já me abstenho de carnes vermelhas, do contato físico com a minha esposa, eu tenho que manter a energia do William natural, não uma energia compartilhada. Não que os atos de casais sejam uma coisa discriminada, mas se a gente trocar energias fluidas, a gente desequilibra a energia do outro. Por mais que seja uma coisa benéfica, minha energia contamina a dela e a energia dela me contamina. Então, na sexta-feira, eu já me abstenho de tudo isso, no sábado, eu já tomo meu banho espiritual, colho minhas ervas, rezo as minhas ervas, tomo meu banho espiritual. No sábado já venho, faço as firmezas de anjo de guarda, que é o mensageiro de todos nós, que acreditamos na espiritualidade, ele que fortalece nosso campos áureo e uma vez que nosso campo áureo está fortalecido, ele é atrativo, então consigo me conectar aqui, nos atos, através das rezas, dos pontos cantados, da percussão do atabaque, da defumação, da queima de ervas através do carvão, da pemba pilada, que é muito sagrada aqui, pra gente também. Coloco minhas guias. Cada um desses cordões aqui é como se fosse um círculo mágico pra todos nós, então a gente está vestindo Ogum aqui, está vestindo Iemanjá, então a gente está vestindo a energia dos orixás. Uma vez que eu vesti todas essas energias basta eu ter auto concentração. Elevo meus pensamentos até Deus, primeiramente. Se for incorporar um orixá, [por exemplo], Iemanjá, das águas, eu penso no mar brilhoso, na figura de Iemanjá e assim a gente começa a se conectar, o corpo começa a vibrar, a gente começa a ter essa leve cadência e quando você vê você já é envolvido por uma energia. Sua mente está trabalhando, seus olhos estão vendo. Se for um guia espiritual de trabalho como um preto velho, um caboclo, pretos velhos são um pouco mais encurvados pela idade, o peso da idade deles, então seu corpo começa a encurvar. Automaticamente. Gente, isso é uma coisa totalmente automática. Seu dialeto fica diferente, porque o dialeto deles é muito mais retrógrado: “Zin fio, zin fia, suncê”. Então, isso é uma coisa automática, a gente não tem poder sobre isso, mas os guias têm. Então, a gente está trabalhando com a nossa mente aqui, mas o guia está dando a orientação. Ele passa à sua frente, você fica um pouco excluso. Seu corpo e sua matéria você já não tem mais controle, mas vocês estão trabalhando aqui. É o que eu costumo falar dentro da nossa casa, aqui: 50/50. O guia dá orientação, mas você está dando respaldo pra ele. Quando a pessoa vem aqui: “Preto Velho, Pai, eu preciso dessa ajuda”, o Preto Velho orienta e você está do outro lado aqui: “Pai, Criador de tudo e de todos, olhe pra essa filha, que vem aqui pedir, em Vosso santo nome, que através do meu Pai, Preto Velho, fulano de tal, Pai João das Matas, Vovó Rosa, trabalha a energia dessa filha, Pai, pra que ela seja auto curada, elevada espiritualmente e que ela alcance as graças dela”. Então, o guia está aplicando orientação e você está aqui do lado dele, trabalhando. Hoje ninguém mais é inconsciente, gente. Inconsciência é no tempo do Pai Zélio Fernandino de Morais, primeiro médium da umbanda. O primeiro.
(50:43) P1 – Ah, é? (risos) Nossa, muito interessante! Não fazia ideia. Incrível!
(50:49) P3 – Como que é a atuação de alguém que está inconsciente? Só pra entender.
R1 – Inconsciente ele está totalmente apagado. Então, é 100% do guia espiritual ali, trabalhando. Nesse tempo era preciso, porque era a criação de uma nova religião, através do Caboclo das Sete Encruzilhadas, do Pai Zélio Fernandino de Morais. Então tem literaturas que descrevem a história de Pai Zélio, os acontecimentos que aconteceram em 1908, dia 15 de novembro de 1908, onde o Pai Zélio incorporou o Caboclo das Sete Encruzilhadas e trabalhos pós essa primeira sessão, de pessoas que realmente eram paraplégicas, enfermas e precisavam de uma cura o Caboclo das Sete Encruzilhadas, Pai Antônio, que era o Preto Velho que ele incorporava curava essas pessoas, porque a semiconsciência e a inconsciência do Pai Zélio e os milagres que aconteceram através disso, porque era uma religião que estava se fomentando. Então, filhos de Tomé, como somos, precisamos ver pra acreditar. (risos) Não é isso o apóstolo de Cristo? Precisamos ver pra acreditar. O próprio Cristo falou pra ele: “Toque nas minhas feridas, pra você acreditar que realmente eu estou aqui”, em outras palavras. Não sou muito conhecedor assíduo da Bíblia, mas as histórias que a gente escuta é mais ou menos isso. Mas nós, como humanos e limitados, como somos, precisamos ver pra acreditar. Então, muito desse tempo, a inconsciência e semiconsciência do Pai Zélio e os milagres curados através dos guias, eram devido a isso: o fortalecimento da religião que estava pra acontecer, a grande expansão da umbanda, o que é hoje. Somos pequenos, com 114 anos, mas temos nossa base, nossa história, nossas ancestralidades, e o maior fundamento que a nossa religião tem hoje é a prática do bem, do amor e da caridade. E é isso. E nosso Pai Ronaldo, que sempre fala: “Praticar o bem. Sejam bons e pratiquem o bem”.
(53:08) P1 – Você passou por algum processo até se tornar o Pai William?
R1 – Sim, passei por muitos processos. Minha formação vem toda da Curimba, então toda herança que eu trago é da Curimba, mas passei... todos aqui, dentro da nossa casa, a gente faz dois rituais de iniciação... três rituais de iniciação. O primeiro é o batismo dentro da nossa religião de umbanda, onde a gente utiliza elementos das florestas, das matas; a gente utiliza as águas da cachoeira, do mar. São só as grandes yabás, mães de coroa. E foi realizado o meu batismo, depois comecei a fazer o sacerdócio, onde que minha mãe também estudou. Eu também sou filho do próprio Pai Ronaldo, o maior disseminador da religião de umbanda. Inclusive, vocês podem ter reparado que a gente tem o mesmo colar. Ela é filha de Ogum, eu também. Então, a gente estudou no mesmo local. Quando foi determinado pelos guias dela que eu seria a sucessão da casa, eu fui procurar estudar, concluí meu sacerdócio, minha mãe falou: “Vamos dar sua obrigação agora”. Dei minha primeira obrigação com a saída de meu Pai Ogum, orixá e mentor da minha coroa, junto com Mãe Iemanjá, então eu tive toda essa preparação antes de adentrar firmemente na minha missão, que eu posso dizer assim, de me prostrar à frente de um altar como esse. Então, é como os mais velhos dizem, até dentro do candomblé mesmo: “Só levanta pra falar e ensinar aquele que já sentou pra escutar”. Então, eu acho que eu escutei das melhores fontes que eu tenho: minha mãe foi minha grande inspiradora dentro da religião, depois eu fui buscar mais a fundo na raiz, que é o próprio Pai Ronaldo e a Babá Dirce, que deram minhas obrigações, me explicaram tudo sobre umbanda. Ele, o Pai Ronaldo, pra vocês terem uma ideia, foi procurar saber quem é o primeiro médium umbandista. Ele conheceu Pai Zélio Fernandino de Morais. Então, eu tenho o maior orgulho de ser filho e neto também do Pai Ronaldo, porque minha mãe é filha dele, então eu sou filho e neto também, dele. Então, eu procurei da fonte, eu bebi da fonte, dessa fonte eu bebi, eu posso ser muito grato à espiritualidade, eu sempre falo aqui dentro desse terreiro, que os nossos heróis estão vivos: Pai Ronaldo, Pai Jamil, que lutaram contra a ditadura também, nesse tempo tão difícil, onde bater um tambor na encruzilhada você já era preso. Por que você está preso? Por profetizar a sua fé. Então, muitos deles foram presos no tempo da ditadura e soltos, porque não tinha jurisprudência pra mantê-los presos.
(56:08) P1 – E como é que é ser filho da sua mãe espiritualmente (risos) e biologicamente?
R1 – Pra mim é motivo de orgulho. A palavra orgulho... eu sou um pouco de vaidade, mas igual o Pai Ronaldo diz: “Se orgulho é uma coisa negativa, eu posso ser punido por isso depois”, porque minha mãe é, como eu disse a vocês, o maior exemplo de vida que eu tenho, de superação, de ser uma pessoa digna e boa. Ela é sempre caridosa com todos. Às vezes eu chamo um pouquinho da atenção: “Mãe, cuidado, as pessoas (risos) utilizam da nossa bondade às vezes”, mas isso é uma coisa pessoal, não tem como transformar o sentimento de uma pessoa. Então, a gente foi procurar ensinamento, se realmente ela poderia colocar a mão na minha coroa, porque nos ritos de candomblé pessoas do mesmo sangue não podem fazer fundamentações do filho, mas dentro da umbanda, não, graças a Deus minha mãe é minha mãe de santo, ela sempre está me inspirando. Hoje eu estou à frente do altar, ela está ao meu lado esquerdo, minha esposa do meu lado direito, eu abro as ingiras da casa, mas eu nunca deixo de perguntar: “Mãe, o que eu falei está certo? Está tudo bem o trabalho, a ingira? A energia da casa está bem? A gente está evoluindo, mãe? O que você acha?”. E quando vai dar as obrigações também é uma troca simultânea de energia, de amores e de respeitos, que é muito bom. (risos)
(57:54) P1 – A sua esposa também tem algum papel espiritual? Você comentou que sua esposa fica à esquerda, à direita. Ela tem algum papel espiritual também?
R1 – Sim. Hoje, dentro da hierarquia da casa, aqui, nós somos pais, mães... a matriarca da casa é minha mãe, ela é mais velha, ela fundamentou a pedra magma dessa casa. Depois vem eu, como papel de Pai e filho dela também e minha esposa sucessivamente, porque eu sou o Pai e ela é a Mãe da casa, então ela se preparou também, espiritualmente, já deu as obrigações dela, fez o curso de sacerdócio também, junto com os outros filhos também, mais velhos da casa, que entregaram o sacerdócio e hoje ela exerce o papel de Mãe. Quando eu estou ausente, ela abre a ingira também, junto com a mãe. Quando minha mãe está ausente, ela tem o papel fundamental de abrir a ingira e cuidar de todos, como filha de Iemanjá, boa como é e filha de Pai Oxóssi. Ela foi muito relutante também, ela era de outro terreiro e engraçado que nossas histórias se cruzam, porque quando eu a conheci, lá no terreiro onde ela ia falou que eu tinha um segredo. Eu falei: “Que segredo era esse?”. É que eu era umbandista, gente, porque nossa religião, infelizmente, é muito discriminada. Todas as vezes que eu tinha um bom relacionamento, que eu achava que ia pra frente, quando chegava nessa parte de tocar de Deus, eu falava: “Eu sou umbandista”. Aí a pessoa já: “Opa, macumbeiro do meu lado? (risos) Deixa pra lá, né?”. Então, acabava os relacionamentos. Por isso que eu digo aqui, pra todos os filhos e pras pessoas que vêm aqui: “Quer um bom relacionamento? Aceite uma pessoa que aceite também a sua religião, porque isso é um bom convívio. Se ela não for com você, que ela, simplesmente, pelo menos respeite, né, gente? Deixa você com seu livre arbítrio, de acreditar em Deus onde você quer”. Minha esposa teve um papel super fundamental nisso. No terreiro que ela ia lá, foi revelado que eu tinha esse segredo, quando eu contei pra ela, ela falou: “Eu também sou”. Então, eu falei: “Realmente essa é a mulher da minha vida”, porque tudo ‘casou’: a fé ‘casou’, os nossos costumes ‘casaram’. Ela tem uma boa família também, estruturada e lá no terreiro ela não teve muita oportunidade, que são muitas pessoas, muitos médiuns, então a primeira casa que ela frequenta espiritualmente é aqui. Então, dei total livre arbítrio pra ela, falei: “Olha, não é porque eu estou dentro do terreiro, não é porque é minha mãe, que você tem que entrar também. Você tem que entrar quando seu coração pedir. Se essa é sua casa, você tem que entrar quando for dar tudo certo, senão você fica... ajuda de outra maneira. Não é preciso vestir as guias e o branco pra exercer sua espiritualidade”. Então, passou-se o tempo, ela foi começando a sentir as coisas, entrava pra tomar um passe e incorporava. Quando a gente foi [fazer] o primeiro ritual, na cachoeira, ela entrou na cachoeira, já incorporou. A primeira vez dela foi a incorporação dentro da cachoeira. Então, a experiência dela foi única. Ela é muito feliz hoje, também, graças a Deus. Ela exerce um bom papel aqui dentro. Quando as pessoas têm vergonha de perguntar pra Mãe Dora e o pro Pai William, vão nela, porque sabem que ela é muito mais carinhosa, às vezes, com a palavra. (risos) Então, ela exerce um super papel aqui dentro, também. Graças a Deus a gente está bem estruturado nessa base.
R2 – Trabalho da famosa Sete Saias.
R1 – É, as Sete Saias que falei lá atrás: “Você vai encontrar o amor da sua vida no seu emprego”. Ela também trabalha nas Sete Saias, com a Pomba Gira Sete Saias. Então, pra gente existe um guia espiritual chefe de falange, Dona Sete Saias e abaixo dela existem vários espíritos que trabalham pra essa mesma falange, nos seus terreiros de umbanda, ou candomblé, ou até o próprio espiritismo e ela traz um espírito da falange da Dona Sete Saias. Então, (risos) tudo ‘casou’ perfeitamente.
(01:02:22) P1 – Sim. E você falou do branco. A roupa branca é a do Pai e da Mãe?
R1 – Não. A roupa branca, dentro da religião de umbanda, vem desde os ensinamentos de Pai Zélio Fernandino também. O branco, além de representar a cor da paz, não sei se vocês sabem essa história, mas as pessoas começaram a vestir o branco depois que os umbandistas e candomblecistas, o pessoal do ritual de matriz africana começaram as suas oferendas na praia. Então, viram aquele branco como um ato de paz e desde então as pessoas, na virada do ano, costumam vestir o branco, simbolizando a paz, a gratidão e tudo que o branco representa. Dentro do nosso ritual o branco representa, além da paz, todas as cores. Então, não é preciso que eu vista uma capa de Exu, eu posso trabalhar com meu Exu, que trabalha na energia do preto e do vermelho, com essas cores simbólicas do preto e do vermelho, de branco, porque o branco representa Exu também. Tem Exus que trabalham somente de branco, são curandeiros. Posso incorporar um erê, ou um cigano, uma cigana, que são supercoloridos nas suas vestimentas, não só espiritualmente falando, mas simbolicamente, no mundo afora, que vocês veem os ciganos, eles são dotados de cores, mas dentro da nossa prática, se for ter um trabalho específico de cura de cigano, um atendimento com cigano, a gente pode trabalhar de branco. Então, o branco reflete todas as cores pra gente, aqui dentro, além da pureza, da neutralidade. Branco é tudo isso. Branco é maravilhoso, uma cor ótima.
(01:04:13) P1 – Sim. Que ótimo! E você tinha comentado da primeira roupa que sua mãe te deu. Qual é o nome?
R1 – A paramenta de Ogum?
(01:04:24) P1 – É.
R1 – Ou a capa de Exu?
(01:04:26) P1 – A paramenta de Ogum.
R1 – Foi a minha primeira obrigação, que minha mãe me deu.
(01:04:31) P1 – Você pode mostrar pra gente?
R1 – Claro! Antes da capa, veio essa paramenta de Ogum. Quer dar o capacete também? Essa aqui é a primeira paramenta que eu ganhei da minha mãe, foi num ato simbólico, representa a armadura de Ogum, o orixá do ferro e do metal, então você pensa num guerreiro, ele traz consigo sua armadura, então Ogum vem com seu capacete, o seu bombacho. Tecnicamente, não dá pra gente vestir uma armadura aqui, de um soldado romano, mas a gente faz como forma de representação ao orixá Ogum. Algumas espadas dentro do nosso rito são de metal, mas sem pontiagudos, então são guardadas simbolicamente, representando o orixá, tanto Ogum, ou os orixás que vêm com espada. Essa roupa aqui é a mais importante pra mim, é da minha primeira obrigação, então o que a gente costuma falar aqui, quando a gente se inicia, quando a gente faz uma obrigação, a primeira, que a gente está se iniciando como um bebê, dentro da religião. A gente nasce como bebê, cresce como um jovem e envelhece e adquire sabedoria como uma pessoa idosa, um velho. Então, a tríade da umbanda é essa: a criança, que representa jovialidade; o caboclo, que representa a maturidade; e o preto velho, que representa a experiência e a sabedoria da vida, né? Então, junta tudo isso, eu nasci aqui dentro, quando Ogum baixou na minha matéria, quando minha mãe fez minha feitura. Como ela disse anteriormente, meu orixá vem das heranças do candomblé, então é um Ogum que se chama Ogunjá, que é a mistura de Ogum com Iemanjá, Ogunjá é o nome dele. Então, eu fiz a minha feitura de candomblé, sou raspado, sou catulado e ela fez todos os procedimentos que eram cabíveis dentro da religião de umbanda, pra eu fazer a minha obrigação. Junto com esse, eles me presentearam com essa paramenta. Sem dúvida foi muito emocionante pra mim o pós, porque o antes a gente vê, mas durante o ritual que o orixá está dançando aqui é uma energia muito forte, a gente adquire esse grau da semiconsciência, realmente, é uma incorporação do intermediário da energia do orixá. Então, a gente adentra muito a essa energia, por isso que o orixá dança e quando as pessoas perguntam: “Você está cansado? Você está bem?”, a gente não está sentindo nada, a gente só está sentindo a leveza do corpo e o êxtase da situação de ter acontecido tudo bem, tudo ter dado certo. Então, como a mãe disse, essa roupa representa muito pra mim. E se vocês me permitem, eu vou mostrar até a segunda roupa do orixá.
(01:08:15) P1 – Claro! Fica à vontade!
R1 – Como ela disse também, jamais vou desfazer dessa roupa. Vocês podem ver que ela está até um pouco velhinha, caiu algumas pedras, mas (risos) tem mais de sete anos essa roupa.
(01:08:31) P2 – Uau!
(01:08:48) P3 – Você não a utiliza de forma nenhuma? Você não a coloca?
R1 – Só quando o orixá está em terra.
(01:08:57) P1 – É desrespeitoso?
R1 – Colocar agora, você fala?
(01:09:00) P1 – É.
R1 – Não, não tem problema. Se eu colocar agora, não tem problema, o orixá também não vai baixar em terra, não. Essa aqui é a roupa, a paramenta da festa, essa daqui é a capa também que foi dada a ele. Por mais que ele seja muito relutante em usar a capa. (risos).
R2 – Ele usa um pouco, depois tira.
R1 – Já tira, pra poder dançar mais tranquilamente. Mas essa roupa aqui, gente, é um pouquinho, um grãozinho de areia daquele, um pouquinho daquele outro, então minha mãe foi bem danada esses dias: (risos) eles fizeram um grupo no WhatsApp. Como assim? Surpresa para o Pai William. Então você imagina o carinho da minha mãe, de todos os filhos, cada um dando um pouquinho do seu suor, do seu trabalho e eles fazendo tudo isso em surpresa, em homenagem à você. Quando eu olhei, eu não me contive. Eu sou muito emotivo nessa parte, agradeci muito, falei: “Vocês me enganaram de verdade” e essa aqui é uma roupa que eu não posso desfazer também, jamais. Inclusive até a guardo num saco transparente, pra não sujar, não ter nenhum tipo de dano, com o tempo vai se deteriorando, mas representa a junção da união de todos, então eu guardo essa roupa com muito carinho, com muito zelo, com muito amor e está aqui o sentimento de todos os filhos, o respeito e o carinho que eles têm para comigo. É uma paramenta muito belíssima, eu posso ter orgulho de carregá-la e quando o orixá desceu em terra ele ficou muito feliz, muito agraciado com o carinho e o amor de todos também, né, mãe? A gente pode dizer isso. Mas essas são duas roupas muito importantes pra mim e a capa do ‘seu’ Marabô, que eu não posso deixar de falar também, gente, porque ‘seu’ Marabô foi a primeira entidade da esquerda que eu incorporei, ele é um dos mentores espirituais que eu tenho na linhagem da esquerda, né, mãe? A primeira manifestação e contato que eu tive com Exu foi através do ‘seu’ Marabô. Então, ‘seu’ Marabô adquiriu muita experiência pra mim, nessa vivência com esses guias de esquerda, com esses guias espirituais que trabalham na força da esquerda, inclusive ele já se mostrou até em sonho pra minha mãe, mas pra mim nunca. (risos) Então, acho que ele me castiga um pouco nessa parte, mas ele sempre foi atencioso comigo: sempre que eu pedi um emprego, sempre que eu pedi uma oportunidade de emprego ele sempre me ajudou; até no momento também que eu precisava dedicar um pouco mais à questão do emprego, mesmo, eu consegui um emprego, dois empregos numa vez. Como eu trabalho seis horas, saía de um hospital e ia pro outro, depois vinha pro terreiro, então eles conseguiram essa oportunidade pra mim, consegui alavancar meus projetos pessoais, consegui adquirir um apartamento junto com minha esposa através disso, então eu acho assim: quando a gente ‘planta’ o bem, o amor e a caridade, a gente tende a ‘colher nossos frutos’ que a gente joga na terra. Então, todas as coisas que eu adquiri como pessoa, como médium, foi através dessas entidades, então eu sou eternamente grato a eles, sou eternamente grato à minha mãe, que me colocou nesse caminho e a todos os nossos filhos também, que acreditam no nosso trabalho aqui. Toda vez que a gente se põe a fazer uma festa de Cosme, que a gente abriu na festa de Cosme, Damião e Doum, a gente adquire muita doação pras crianças. Eu tenho uma promessa anual de colocar aqueles brinquedos infláveis aí na frente, então a gente tem um contrato anual com a mesma pessoa, sempre, então ela sempre vem disposta, traz a mãe dela, que é uma idosa, muito carinhosa, que fica estourando pipoca o tempo todo, pras crianças e você quer ver minha alegria é a alegria das crianças. Então, acho que no mês de setembro, de todas essas datas comemorativas que nós temos dentro do calendário da nossa religião, eu acho que a data que a gente comemora as crianças é a mais importante pra mim, que as crianças merecem respeito, dignidade e todo o amor que a gente tem. São tantas que sofrem aí, na rua, com fome, com tudo e se a gente tirar quatro horas do nosso dia pra dar esse melhor pras crianças, eu acho que é o melhor que a gente tende a fazer. Então, a gente já começa desde janeiro, pegando um brinquedinho aqui, outro ali. Quando a gente chega em setembro a gente faz uma boa festa pra eles, aqui. Os docinhos. (risos)
(01:14:11) P1 – Que legal!
(01:14:13) P2 – Como você se sente vestindo essas peças? Qual a energia que funciona?
R1 – Sem dúvida, a gente sente a presença deles realmente nos tocar, como se fosse a gente do humano aqui, da parte física, que a gente fala. Então, como eu posso te descrever? A nossa religião, a gente tem que acreditar com nosso coração, nosso amor, porque é uma religião que a gente não vê as coisas, a não ser aqueles que sejam dotados espiritualmente pra ver, realmente, com o chacra da fronte. Então, a gente é muito mais sensitivo do que a gente ter o dom pra olhar. Então, quando você vai acender uma vela que você coloca na sua coroa e você a ilumina, a gente sente a presença de um caboclo, de um preto velho. Quando você acende um charuto pra oferendar ao boiadeiro, igual a mãe disse, a gente sente através de um arrepio a energia dele. Tudo é sagrado, pra gente, dentro do rito. Se a gente passa numa encruzilhada, a gente pede licença, porque ali tem um dono. Se a gente vai adentrar em um cemitério, com a licença de todos os espíritos que estão aqui, a gente vai adentrar, vai fazer uma prece e que tudo que ficou aqui... tudo que é daqui fica aqui, que eu não possa levar nada, a não ser se for benéfico. Se a gente vai nas matas, a gente pede licença ao dono das matas, ao caçador, ao Oxóssi. Se a gente vai pegar uma estrada, como, final de ano, a mãe disse, a gente vai pra praia, a gente une todos os filhos aqui, faz uma prece, canta pra Ogum, que é o senhor das estradas, dos caminhos, pede ao ‘seu’ Tranca Rua pra levar todos em segurança e trazer. Se a gente adentra uma cachoeira, está lá a senhora da cachoeira, Mamãe Oxum: “Com licença, Mamãe Oxum, a gente veio lavar nossa coroa, aqui nas suas águas sagradas, a água que mais traz renovação pra gente”. Cada um de vocês, até quem não for da religião, quando entra na cachoeira se sente muito leve, né? No mar, então, diga-se de passagem, é a água mais pura que tem, se não estiver sujo e contaminado pela nossa parte. (risos) Mas quando a gente coloca as nossas guias, nossas paramentas, os adornos, até um simples anel pra gente é significativo, porque a gente lembra que existe um guia nos protegendo, a gente lembra dos elos que nós temos. Por isso que as guias são redondas e são colares, porque é o círculo protetor, é a envolvência do orixá junto conosco, então a gente tem que estar puro de coração, de corpo e de alma, pra vestir tudo isso. Acho que é isso. (risos)
(01:17:11) P2 – E você pensa em passar essas peças, essas capas pra alguém, no futuro?
R1 – No dia que eu não estiver mais na matéria. Mas existe um ritual de passagem que é praticado dentro da nossa religião, onde as guias não podem ser passadas, nem as roupas de santo. Então, um funeral, dentro da religião de umbanda, a pessoa é vestida com a sua roupa de santo, a sua roupa branca, de terreiro, mesmo. Ou uma roupa mais adequada pro momento do desencarne. E dentro do ritual do funeral, da pompa fúnebre, que a gente fala, suas guias são travestidas no seu corpo, realmente são colocadas no seu corpo e suas guias de esquerda, que são os orixás que correspondem aos caminhos evolutivos da esquerda são colocados aos seus pés, do lado esquerdo, então nada das suas guias são passadas pro seu próximo, que ali carrega todo seu axé, sua vida, então cada um vai vivenciar cada momento da sua vida. Cada guia dessa aqui, que a gente está vestindo, que a gente veste é um momento de evolução dentro da religião. Um brajá desse, de cinco, seis fios tem um significado dentro da nossa religião. É a hierarquia que é mais elevada, através do conhecimento, das vivências, do tempo da religião. Os mais novos vestem fios bem curtos, bem simbólicos, bem humildes, porque é a iniciação de tudo. Acho que esse é o processo evolutivo que a gente tem, mas eu tenho muito carinho e respeito pelas coisas que eu adquiro. Eu acho que é difícil eu passar pra frente, a não ser que meu filho venha suceder essa casa, se Deus quiser ele é um sucessor, a gente já teve resposta do espiritual, de que... posso até abrir, né, mãe, pra eles, aqui: já foi dito aqui dentro dessa casa, minha sogra teve a mensagem num sonho de que meu filho era a encarnação do pai dela, do meu avô, do Otávio. Então, ele veio pra tentar terminar a missão espiritual dele, que ele não concluiu lá atrás. Então, com essa confirmação espiritual, a gente espera que dê tudo certo. A gente tem o livre arbítrio também. Ele tem o livre arbítrio de seguir uma outra religião, ele tem total livre arbítrio. Pô, os pais dele não vão impor nada a ele, apesar que o menino chega aqui dentro do terreiro... depois, quando vocês forem embora, vocês vão ver: tem um atabaquinho desse tamanho aqui, ele já começa a tocar. (risos) Em casa também, não para nunca, pega as latinhas lá e fica batucando, então é uma coisa que está indo automática, a gente não impõe nada.
(01:20:17) P1 – Aproveitando [você] falando do seu filho, como é que foi o dia que ele nasceu? Como é que você se sentiu?
R1 - Meu filho nasceu num dia muito significativo pra gente, porque dia 27 de setembro é São Cosme e São Damião dentro da nossa religião e ele nasceu dia 26 de setembro. (risos) Então, ele nasceu muito bem, graças a Deus, foi uma alegria contagiante, né, mãe?
R2 – Foi. Alegria, choro.
R1 – Alegria, choro, todas as misturas, as sensações de emoção. Quando minha esposa estava grávida a gente escutava os pontinhos, eu batucava na barriga dela, então ele mexia já e Exu já brincava com ele: “Vem, filho, pra fora, que a gente quer te ver, te conhecer”. O parto da minha esposa não foi muito fácil, foi um pouco difícil, por mais que seja cesárea, foi complicada a parte de internação dela, mas ocorreu tudo bem no parto. Quando eu vi meu filho pela primeira vez, ele abriu os olhinhos, pegou na minha mão. Então, realmente, quando nasce uma pessoa e você vê, você sente a ‘mão de Deus’ ali. Então, eu senti todo calor e o amor de Deus quando eu olhei pro meu filho. Falei: “O Senhor está me dando uma oportunidade de ser pai, o Senhor está me dando uma oportunidade de eu passar à frente o meu amor”. Então, o meu carinho, tudo que eu aprendi com a minha mãe e com meu pai e quem dera futuramente ser a sucessão da minha casa, da nossa casa, né, mãe? A gente vai ser as pessoas mais felizes do mundo. Meu filho trouxe um - é difícil falar dele (risos) – sentido de um amor tão puro, tão verdadeiro, que, sei lá, não dá pra descrever, sabe? Sabe aquele amor genuíno, que você o vê dormindo, acordando, falando. Ele dançou um pouco agora a festa junina, então foi um motivo de muita alegria pra mim e pra minha esposa, porque o autismo impede muito as pessoas de serem sociais, infelizmente, mas graças a Deus a escolinha tem transformado muito a vida dele, as terapias têm transformado muito a vida dele e a gente só o sente progredindo, cada vez mais. Os guias espirituais vêm falando que ele vai dar muito orgulho pra gente. É uma criança muito evoluída, ele é muito inteligente, muito pra frente da idade dele. Ele fala palavras em inglês que eu desconheço, fala números, cores, ele repete agora, está repetindo tudo que a gente fala, então a gente está na fase mais gostosa da nossa vida, que é curtir o nosso pequeno e vivenciar tudo isso todos os dias. É gostoso demais ser pai. Duas vezes, porque é gostoso a gente ter essa responsabilidade aqui, com o terreiro, mas pra ser um bom pai eu precisava dessa experiência de ser pai. Então, não adianta eu me prostrar na frente do terreiro: “Você é o Pai da casa agora”. Os guias falando: “Você é o Pai”, mas eu não tenho experiência de ser pai, então como eu posso ser Pai, se eu não sou pai, né, gente? Então, é, eu preciso ser pai primeiro. Então, minha esposa deu esse intermédio, sou pai hoje, sou feliz da vida, graças a Deus. (risos)
(01:23:59) P1 – Você tinha comentado que a casa faz parte de uma federação.
R1 – Sim. A Federação Umbandista do Grande ABC. Tem mais de sessenta anos de atividade essa federação, é uma das mais antigas da nossa religião de umbanda. O presidente é o Pai Ronaldo Linares, junto com toda a sua família também, tem o secretário, que é o filho dele, está tudo ali, entre família e o Pai Ronaldo tem um trabalho social e agregador muito importante. Ele é uma pessoa que não tem fronteiras pra ele, tudo que ele puder fazer pra disseminar, pra adquirir o respeito e elevar o patamar da nossa religião a ser respeitada, como as outras também são. Não é porque as outras têm séculos que a gente, pequeninos como somos, não merecemos respeito e afetividade de todos, também. Então, a gente está há dois anos federado, junto a Federação Umbandista do Grande ABC, ela responde juridicamente pra gente, responde socialmente pra gente também e o nosso curso de formação sacerdotal vem dessa base, da Federação Umbandista do Grande ABC. Pai Ronaldo tem mais de sessenta anos de religião de umbanda, ele iniciou no candomblé, procurou, teve contato com pessoas da umbanda dentro das obrigações que ele teve, no Montanhão do Grande ABC e futuramente, ele nem sabia que esse Montanhão viria a ser o Vale dos Orixás. Através dele, ele conseguiu adquirir a concessão, ali, com a ajuda de todos, e formou o Santuário Umbandista do Grande ABC. Nós temos dois santuários... três santuários: do Grande ABC, de Juquitiba e de Nazaré Paulista. O que a gente mais gosta de ir é o da federação, porque lá a gente encontra o Pai, pede a bênção dele...
R2 – A Babá Dirce.
R1 – A Babá Dirce, que é uma pessoa incrível também. É a filha dela, uma das primeiras filhas, fez o primeiro marco sacerdotal, foram mais de trinta marcos, mais de cinco mil médiuns formados sacerdotalmente. Mais de cinco mil. Maravilhoso. (risos)
(01:26:24) P1 – Caminhando já pro final, quais são os seus sonhos?
R1 – O meu maior sonho hoje, até falando de religião, é que realmente as pessoas que são líderes de religião, que conseguem influenciar uma grande massa de pessoas, consigam se unir, porque se a gente se unir hoje, a gente consegue ‘matar’ a fome do Brasil e do mundo. Se a gente realmente falar da palavra Deus, que é tão significante e da palavra amor, doar o amor e ser caridoso, a gente consegue unir a igreja do irmão evangélico junto com a umbanda, junto com o candomblé e juntos, todos esses, com os irmãos católicos também, a gente [possa] fazer movimentos sociais que agreguem na vida das pessoas, não só espiritualmente, mas construindo casas, tirando as pessoas da rua, gerando empregos, dando oportunidade pra essas pessoas, tirando as crianças da droga, que a gente vê aí. Não adianta jogar água no Centro da cidade e espantar as pessoas que estão flageladas lá, a gente precisa realmente acolher essas pessoas. Então, acredito que a religião, não importa ela, qual a denominação da religião, eu digo que não importa, mas se realmente a gente quer prestar o amor e o bem e transformar a vida das pessoas, a gente tem que se unir, não segregar, né? Cada um fala, ou ataca pedra no telhado dos outros, ou destrói o terreiro, destrói... irmão grita muito forte, porque ele é fervoroso no aleluia, no glória a Deus dele e a gente é fervoroso também aqui, o irmão católico também, todos nós temos que nos unir e fazer a prática do bem e do amor e da caridade, e eu acredito que através de ações sociais a gente pode fazer um bom trabalho, uma grande obra, realmente, pra Deus. Os irmãos evangélicos falam isso: fazer a obra. Então, eu acho, eu acredito, o meu sonho é que um dia a gente chegue a esse padrão de entendimento e não de preconceitos. Se a gente se entender, se respeitar realmente, a gente pode transformar o nosso Brasil, pode levar esse exemplo daqui pro mundo afora. Eu acho que esse é o meu maior sonho hoje, como pessoa e como médium também.
(01:28:51) P1 – Vocês querem fazer alguma pergunta? Não? Tem alguma coisa que eu não perguntei e você gostaria de acrescentar?
R1 – Não. Eu acredito que eu estou feliz, por mais que seja difícil de eu falar publicamente, assim, (risos) mas eu acredito que tudo que eu sou hoje, toda herança que eu adquiri da minha mãe, toda a raiz que eu tenho da minha mãe e do meu pai e da minha família, dos meus irmãos, eu expus tudo aqui, hoje. Então, eu sou novo, tenho 32 anos, acho que pelo que eu já tenho hoje, pelo que eu adquiri, tanto na vida pessoal, como espiritual, já sou muito agradecido, então se Deus desse o ‘estalo’ dele e ‘soprasse a minha vida’ eu ia estar muito agradecido pelas oportunidades que Ele me deu, pelas emoções que eu vivi, tanto tristes, como boas, isso serviu pra formar meu caráter, pra formar a pessoa que eu sou e o pai de família que eu sou hoje e acredito que eu sou muito feliz com tudo e é isso. Acho que está maravilhoso. Está tudo, sempre, bom. (risos)
(01:30:15) P1 – O que você quer deixar de legado pras próximas gerações?
R1 – Eu acredito que eu posso deixar o meu legado William sempre como... [que] as pessoas enxerguem o William e possam levar isso pra sua vida: dedicação, verdade, porque eu procuro ser verdadeiro sempre e se eu estiver excedendo nas palavras, às vezes, ou estiver sendo injusto, eu sempre procuro a orientação de Deus primeiramente e procuro da minha mãe, que é minha mentora aqui, nesse plano, então eu procuro ser sempre fiel ao que eu intermedeio. Prestar o bem, o amor, a caridade. Que as pessoas possam ser cada vez mais solidárias aos outros, serem tolerantes, porque às vezes meu amigo no serviço ou a pessoa que chega aqui, pra gente, não está bem e a gente tem que ser tolerante a entender que ela não está bem e procurar ajudar. Mas se essa pessoa se afastar e falar: “Não quero ajuda”, você tem que respeitar e ser tolerante a isso também, que a pessoa precisa do tempo dela. Então, eu espero que as pessoas se espelhem nisso: sejam mais tolerantes não só a isso, mas a tudo, às opções das pessoas, porque o mundo hoje está muito diferente, muito mudado. Então, a gente tem que respeitar que homens casam com homens hoje. Isso é importante, é uma forma de amor. Que as mulheres, por terem apanhado daquele marido, hoje procuram mulheres pra ser seus companheiros e acham amor verdadeiro, porque a mulher entende a mulher e às vezes o homem não entende, então a gente tem que ser ‘aceitável’ a isso também. O mundo mudou muito hoje. Respeitar as crianças, dar dignidade e oportunidade a elas, pra serem grandes pessoas futuramente. E eu acredito em tudo isso. Os velhinhos têm que ser muito respeitados, gente, porque a sabedoria, a vivência vem deles. Então, tudo que a gente precisa absorver está naquele fruto que está lá, sustentando a árvore. Aquele fruto mais velho está dando oportunidade pras novas flores, pros novos frutos. É ele que cai e aduba a raiz da árvore. Então, tem que ser respeitado os mais velhos; o intermediário, o jovial; e os mais novos. Se vocês olharem pra esse exemplo, vocês vão estar olhando pro William, que eu acredito em tudo isso.
(01:33:05) P1 – Legal. Uma coisa que eu esqueci de perguntar é aquela preocupação com o meio ambiente que você tinha me contado antes.
R1 – Sim. Aqui, a nossa prática [é] em oferendar aos orixás, aos guias espirituais e utilizar a força que emana dentro das matas. A gente oferenda através do alguidar, que simboliza o barro, dentro da religião, que antigamente as oferendas eram entregues diretamente no barro ou em um determinado ponto de força: numa pedreira, numa cachoeira, no mar, enfim. Aqui, dentro da nossa prática, dentro do Templo de Umbanda Filhos de Pai Ogum e Caboclo Sete Flechas, os guias chefes determinaram que não era preciso mais utilizar o barro, o alguidar, porque o mesmo ficaria lá, o elemento era absorvido pela natureza ou por animais. Tudo que a gente entrega são elementos: farofa, carne, ou frutas também, pros guias. Então os animais vêm ali, comem tudo e o que sobrou lá foi o vasilhame. Então, se chover em cima, além de não deteriorar facilmente o barro, porque ele já está ali, seco para o fogo, então está numa forma sólida, então ele vai adquirir a água da chuva ali, vai ser um criadouro pra dengue, que é muito importante a gente enfatizar isso, é muito perigosa a situação da dengue e da chikungunya no nosso país e a gente vai estar sujando a natureza. Então, balaios, aqueles trançados de palha nessa casa nós não utilizamos pra fazer a obrigação. A gente, sempre, se vai tirar uma erva da mata, pede licença, tenta plantar novamente. Se a gente sujou, como a gente vai na praia, no final do ano, uma vela que cai na areia a gente pega, recolhe, traz embora de volta, pra jogar no lixo. A gente tem que pegar a praia limpa e se a gente sujar, né, mãe, a gente limpa a praia e entrega melhor do que a gente achou. Da última vez que nós fomos à praia, a prefeitura tinha esquecido de passar o trator lá, pra gente. A gente foi, capinou, tirou todos os matinhos lá, a gente guardou, jogou tudo fora. Bitucas de cigarro, a gente leva os nossos cinzeiros. A vela deixou a parafina, a gente recolhe tudo. Se a gente furar o chão pra colocar nossas barraca, a gente afofa de novo a terra e depois que a gente termina todo nosso trabalho a gente fiscaliza ainda, pra ver se a gente não deixou nada. Acho que esse é o maior exemplo que a gente pode dar para nossa religião. O candomblé também, que costuma oferendar, utilizar da força das matas e os pontos de força pra entregar a gente, deixa sempre tudo limpo, gente, porque a natureza não tem o trabalho braçal de ir lá, recolher e tirar tudo, então cabe a nós ter a aceitação que, se você oferendou, em questão de vinte minutos já está absorvido, então posso pegar aquele elemento e jogar tudo no lixo, que é elemento, tudo deteriorável. Acho que a gente tem que respeitar cada vez mais a natureza, senão a gente não vai ter nem oxigênio, futuramente. (risos)
(01:36:47) P1 – E como foi, pra você, contar um pouco da sua história de vida, hoje?
R1 – Como eu disse no início da conversa, é um ‘mergulho interior’ que a gente faz. Escutar minha mãe, primeiramente, na conversa que ela teve, foi muito importante pra mim, muito emocionante, saio daqui revigorado, muito feliz com toda a história, todo conteúdo que eu absorvi e a energia que nós trocamos aqui hoje. Vocês são maravilhosos. E eu acho que eu expus tudo que eu sou como pessoa e que eu tento ser melhor a cada dia, a gente está sempre procurando transformação e não estar estagnado. Se ontem eu fui bom, amanhã eu tenho que ser melhor. Se hoje eu fui melhor, amanhã eu tenho que ser excelente. Sempre procurando a nossa melhoria, em todos os sentidos da nossa vida. Se a gente estagnar, a gente fica deprimido, paralisado e não leva a lugar nenhum. A gente tem que estar sempre em movimento, sempre ativo, sempre energético, em tudo que a gente for fazer. A gente tem que ter sempre essa paixão. O fogo da paixão nunca pode extinguir dentro do nosso coração. Seja pra estudo, seja pro amor, seja pro trabalho, seja pro espiritual, a gente tem que estar sempre voltado a seguir. (risos)
(01:38:23) P2 – Oba!
(01:38:24) P1 – Então, é isso. Muito obrigada, foi incrível!
R1 – Obrigado. Deus abençoe a todos vocês! E Deus abençoe a oportunidade que vocês me deram aqui, pra gente conversar um pouquinho, né, mãe? Que esse trabalho seja muito duradouro e que vocês possam evoluir muito no caminho de vocês.
(01:38:40) P1 – Obrigada! Pra vocês também. A gente está desejando sucesso.
R1 – Sucesso!
(01:38:45) P2 – Oba!
(01:38:46) P3 – Obrigado.
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