Luiz de Lourdes Marins
A LINDA HISTÓRIA DE MÃE JÔ
Edição do autor
São Paulo
2019
Copyright
Luiz de Lourdes Marins
Layout
Luiz de Lourdes Marins
Capa
Elaine Pedroso da Cunha
Atualizado em 24/08/2024
UM PEDIDO
Caro leitor,
Este trabalho tem um grande valor sentimental, demandou custos pessoais e nenhum dinheiro público foi utilizado.
Assim, peço que reconheça o trabalho do autor e não faça cópias deste livro, digital ou impressa.
Se o livro lhe foi útil, se gostou do trabalho, incentive seus amigos a compra-lo e, desta forma, incentivar-nos.
Hoje, um autor na área de religiões afro-brasileiras luta sozinho contra um exército pirata na internet que nada produz, e, descarada e desavergonhadamente, não tem respeito pelo trabalho e esforço dos autores,
Não seja mais um, por favor.
Cordialmente,
O AUTOR
APRESENTAÇÃO
Este livro é um estudo de caso da belíssima trajetória religiosa dentro da Umbanda de Joana Benedita Candido, conhecida como Mãe Jô, ou apenas Jô para os amigos. Cada título narra um caso de uma pessoa atendida por Mãe Jô. Foram muitos os atendimentos. Aqui serão relatados apenas alguns dos quais lembra Lúcio, companheiro de Mãe Jô por trinta e cinco anos.
O livro mostra como uma religiosa Umbandista, por amor à sua religião, e pela prática da caridade ao próximo, por sua conduta ética, pelo exercício do bem, conseguiu formar uma família religiosa a partir de um Congá doméstico, sem nunca ter possuído um terreiro.
O trabalho mostra também como Mãe Jô doou sua saúde a favor do próximo, e porque, a partir do ano de 2007, adoeceu, na prática da caridade, principalmente a doença que ela adquiriu por atender uma pessoa com hanseníase.
As informações foram obtidas de Lúcio Martins, companheiro de Mãe Jô, que narrou os casos. Alguns nomes foram trocados para preservar pessoas que ainda estão vivas, mas todas as...
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A LINDA HISTÓRIA DE MÃE JÔ
Edição do autor
São Paulo
2019
Copyright
Luiz de Lourdes Marins
Layout
Luiz de Lourdes Marins
Capa
Elaine Pedroso da Cunha
Atualizado em 24/08/2024
UM PEDIDO
Caro leitor,
Este trabalho tem um grande valor sentimental, demandou custos pessoais e nenhum dinheiro público foi utilizado.
Assim, peço que reconheça o trabalho do autor e não faça cópias deste livro, digital ou impressa.
Se o livro lhe foi útil, se gostou do trabalho, incentive seus amigos a compra-lo e, desta forma, incentivar-nos.
Hoje, um autor na área de religiões afro-brasileiras luta sozinho contra um exército pirata na internet que nada produz, e, descarada e desavergonhadamente, não tem respeito pelo trabalho e esforço dos autores,
Não seja mais um, por favor.
Cordialmente,
O AUTOR
APRESENTAÇÃO
Este livro é um estudo de caso da belíssima trajetória religiosa dentro da Umbanda de Joana Benedita Candido, conhecida como Mãe Jô, ou apenas Jô para os amigos. Cada título narra um caso de uma pessoa atendida por Mãe Jô. Foram muitos os atendimentos. Aqui serão relatados apenas alguns dos quais lembra Lúcio, companheiro de Mãe Jô por trinta e cinco anos.
O livro mostra como uma religiosa Umbandista, por amor à sua religião, e pela prática da caridade ao próximo, por sua conduta ética, pelo exercício do bem, conseguiu formar uma família religiosa a partir de um Congá doméstico, sem nunca ter possuído um terreiro.
O trabalho mostra também como Mãe Jô doou sua saúde a favor do próximo, e porque, a partir do ano de 2007, adoeceu, na prática da caridade, principalmente a doença que ela adquiriu por atender uma pessoa com hanseníase.
As informações foram obtidas de Lúcio Martins, companheiro de Mãe Jô, que narrou os casos. Alguns nomes foram trocados para preservar pessoas que ainda estão vivas, mas todas as histórias narradas são verdadeiras.
Não se sabe exatamente em que ano e local Mãe Jô se iniciou na Umbanda. Ela dizia, segundo Lúcio, que já tinha os guias desde criança. De qualquer forma, sua trajetória de vida dentro da Umbanda, até sua morte em 2019, é digna de registro para as novas gerações.
ÍNDICE
PARTE 1 – O COMEÇO
As origens 10
O início na Umbanda 12
O terreiro de Pai Luiz 14
A paixão por Lúcio 15
O primeiro Congá 17
Dona Amélia 17
PARTE 2 - TRABALHOS
As filhas da Dona Amélia 20
Dona Lourdes 21
Dona Teresa 22
Edilene 22
Na delegacia defendendo Luciene 23
O pai de Luciene 24
A sessão de Mãe Jô 25
Quebrando demanda 26
A limpeza para Dona Lourdes 29
Neusa, a mulher do Seo Manoel 31
Cida, a cunhada da Elza 32
A moça que queria separar 33
A menina Carlinha 34
O recém-nascido Laércio 36
A menininha Fó 37
O adolescente Régis 39
A pedra de Maria 42
A limpeza na casa da Cida 44
Margarida e o problema na perna 44
Mario e os problemas psicológicos 46
PARTE 3 – A MUDANÇA
A mudança e o segundo Congá 49
Dona Teresa continua amiga 48
Sandra e o nascimento de Guilherme 50
Atendendo novamente Dona Lourdes 51
Tio Wilson na cadeira de rodas 52
Maria José e o problema da família 53
O estigma do preconceito 54
As festas de Cosme e Damião 55
Maria Isabel 56
Um trabalho para o amor 58
João Caraça, o conterrâneo 61
Dra. Olímpia, a advogada 63
A aposentadoria de Dona Clarice 63
Daia, a comilona 65
Nívea, e o desenvolvimento 66
A diabete do Chico, marido da Nívea 67
Cauã, o filho de Denise 68
Natalina 68
Monica, a filha de Natalina 69
Neusa e o vício da bebida 70
Maria baixinha e o casamento da filha 70
PARTE 4 – A DOENÇA
A hanseníase 73
O comentário maldoso dos evangélicos 77
Atendendo novamente 78
Jose Leite e a carta de motorista 79
O casamento de Ângela 80
Ana Júlia, a filha de Ângela 81
A loja de Umbanda 83
Um momento engraçado 84
A debilidade da saúde 85
Simone e o problema na pele 85
PARTE 5 – A MORTE
A morte 88
A missa de sétimo dia 89
Os preceitos da Umbanda 89
Os sonhos de Ângela 90
O sonho de Lúcio 91
O santinho da missa 93
Se um dia eu virar saudade 94
A LINDA HISTÓRIA
DE MÃE JÔ
PARTE 1
O COMEÇO
AS ORIGENS
Joana Benedita Candido nasceu em Ibirá, no Estado de São Paulo, em 04 de fevereiro de 1943, e faleceu na cidade de São Paulo, em 17 de setembro de 2019, aos 76 anos. Filha de José Candido e Sofia Barbosa Lima. Era a filha mais nova de uma família rural humilde e trabalhadora. Sua mãe a levava para a roça e a deixava debaixo de uma árvore enquanto trabalhava nos cafezais, e assim ela foi crescendo no meio do mato, em contato com as plantas... e com os espíritos.
Conta Lúcio Martins, com quem Mãe Jô conviveu maritalmente por trinta e cinco anos, que sempre ouvira dela relatos nos quais era comum lhe aparecer espíritos do mato, ora montados em cavalos que a convidavam para passear, ora aparecendo entre as árvores para cumprimenta-la e chama-la para entrar na mata, desaparecendo em seguida. Também era comum aparecer-lhe um menino pretinho que atendia pelo nome de “Menino de Angola”. Assim foi a infância de Mãe Jô: entre o mato, a fazenda de café, e os espíritos.
Ainda criança, a família muda-se para Catanduva. Foi com sua mãe que Mãe Jô aprendeu os primeiros passos na cozinha. A mãe, muito rígida, mas muito amorosa, levava sempre Joana para o serviço, que alegremente a ajudava com as tarefas. Assim foram os primeiros passos de Mãe Jô para tornar-se depois a excelente cozinheira que viria a ser depois.
A vinda para São Paulo
Em Catanduva, Joana gostava de sair na escola de samba, e, como muitas jovens adolescentes, se apaixonou por um rapazote chamado Luís, e dessa paixão nasceu Luiza, hoje com sessenta anos. Mas Luís não assume a filha e Joana precisou da ajuda da família para cria-la.
Joana vem para trabalhar com uma família em São Paulo, deixando sua filha com a mãe e as irmãs, e assim ganhar algum dinheiro, que enviava para o sustento da filha. Mas o emprego não dá certo e Joana tenta procurar outro emprego, mas todas as portas para ela se fechavam.
Levada por uma amiga, Joana procurar ajuda no terreiro de Umbanda de mãe Irene, no bairro da Casa Verde, com preto-velho Pai Vicente, em São Paulo. Tudo é resolvido satisfatoriamente, Mãe Jô consegue outro emprego.
E assim começou o envolvimento de Joana com a Umbanda.
O INÍCIO NA UMBANDA
Aos primeiros contatos com a Umbanda, os dons mediúnicos que Joana trazia desde criança vieram à tona. Joana começa a ver os guias. Tomando café de manhã, ela via um velho negro com roupa branca, cabelos brancos, que chegava e dizia que queria café. Outra vez era um índio cheio de pena que pedia milho cozido e mel, na mata.
Ao dormir, aparecia-lhe uma negra bonita, com uma roupa avermelhada, dizia ser Iansã, e contava-lhe toda sua história com Xangô.
Outra hora era um homem forte com os olhos grandes segurando um machado dizendo ser Xangô, e queria amala, que Joana nem sabia o que era.
Quando não, era outro homem forte segurando um facão e dizendo ser Ogun.
Outras vezes, era um menininho pretinho que dizia ser o Menino de Angola, mas este Joana já conhecia desde criança.
Joana faz os primeiros rituais de Umbanda na casa de mãe Irene, no bairro da Casa Verde, e logo todo a força de sua mediunidade vem à tona. Entretanto, mãe Irene adoece, vem a falecer e o terreiro fecha. Joana vai então para o terreiro da, já falecida, madrinha Ramualda, na Lapa, e lá passa a trabalhar com o caboclo Quebra-Galho, que ensinava remédios, e com Maria Padilha.
Mas a consulta com os guias de Joana era tão precisa que logo Joana destacou-se e adquiriu uma fila enorme de consulentes. Diante disso, ela recebe o cargo de mãe pequena do terreiro, e passa a ser chamada, agora oficialmente, de Mãe Jô.
Havia neste terreiro outra mãe pequena chamada Marta, que certo dia a convidou para assistir a uma festa no terreiro do Pai Luiz, antigo conhecido da madrinha Ramualda, no bairro de Santana. Joana foi, e nesse dia ela viu um belo rapaz sentado em uma cadeira tocando um tambor preso entre as pernas, à moda gaúcha. O rapaz chamou-lhe a atenção, mas ficou só nisso. Era Lúcio, o tamboreiro de pai Luiz.
Luíza, a filha de Mãe Jô, engravida do namorado Djalma. Mãe Jô, querendo ajudar a filha, mas sem querer expô-la no terreiro da Lapa, lembra-se do terreiro de Pai Luiz, e mesmo sem saber corretamente o endereço, pega a filha e para lá se dirige. No momento em que sobe no ônibus, aparece-lhe um homem vestido de militar que somente Mãe Jô via, e lhe dizia:
- Fique sossegada moça, que quando chegar a hora de descer, eu te aviso.
Em certo momento, o homem fez sinal a ela que descesse. Ela desceu, e ele lhe disse: - Siga-me.
Mãe Jô o seguiu, e quando percebeu, estava na frente do terreiro de Pai Luiz, sem nem mesmo saber o endereço. O homem desapareceu, mas mãe Jô ficou sabendo depois que era Ogun.
O TERREIRO DE PAI LUIZ
O terreiro do gaúcho Pai Luiz era muito simples e humilde, pois ficava em um cortiço com vários quartos. Pai Luiz morava em um, e o terreiro, se assim podemos chamar, era em outro, que se ligavam por uma porta. Mas, como dizem, se é na simplicidade que está o axé, isso o terreiro de Pai Luiz tinha muito.
Mãe Jô havia chegado, de manhã, no terreiro do Pai Luiz, sem marcar. Ela bateu na porta várias vezes e quando Pai Luiz, até que Pai Luiz, de mau humor, a atendeu:
- Bah, como é que tú vem me incomodar a essa hora, sem marcar. Trabalhei até tarde ontem.
Mãe Jô respondeu:
- Desculpe Pai, mas estou precisando muito da sua ajuda, e não vim aqui com as mãos vazias. Eu trouxe dinheiro para o que precisar.
Pai Luiz acalmou-se, pediu que ela sentasse e esperasse um pouco para que ele se compusesse. Mãe Jô esperou. Por fim, Pai Luiz voltou, fez a consulta, marcou uma limpeza de Bará, e os trabalhos complementares com a Mãe Oxum. Mãe Jô pagou o que ele pediu, e deixou mais uma metade. No dia combinado, Mãe Jô voltou ao terreiro para fazer os trabalhos, e tudo correu bem com ela e sua filha Luiza, que se casou com Djalma, e desse feliz casamento Mãe Jô ganhou de presente dois netos maravilhosos: Saulo e Samuel.
Algum tempo depois, o terreiro da falecida madrinha Ramualda, na Lapa, fecha, devido a diversos problemas e disputas internas. Mãe Jô lembra-se então do terreiro de Pai Luiz, volta lá, e pede a Pai Luiz para participar das sessões, no que Pai Luiz aceita.
Mãe Jô cumpre então alguns rituais no terreiro de Pai Luiz, e Lúcio, o tamboreiro, vem a ser seu padrinho de religião, e uma nova história estaria por começar.
A PAIXÃO POR LÚCIO
Mãe Jô, agora aos quarenta anos, mas ainda forte e bonita, foi flechada pelo cupido e apaixonou-se por Lúcio Martins, o tamboreiro, agora seu padrinho, que tinha então vinte e quatro anos. Pensava Mãe Jô com ela mesma:
- Será que estou louca? Quando um rapaz jovem como esse olhará para mim? Além do mais, ele é meu padrinho.
Mas o coração falava mais alto, e a paixão por Lúcio só aumentava cada dia. Mãe Jô consegue o telefone da casa de Lúcio, e começa a lhe telefonar, primeiro de vez em quando, e depois todos os dias. Mãe Jô já não sabia mais viver sem pensar em Lúcio. Era mais forte do que ela, e tudo que ela queria, era chegar o dia da sessão.
Nesse tempo Mãe Jô morava no bairro de Cruz das Almas, na Freguesia do Ó, mas como dormia no emprego, só ia para lá nos fins de semana. Então, Mãe Jô teve uma ideia: “Vou fazer uma bacalhoada e convidar o Pai Luiz e o Lúcio para virem almoçar. ”
E assim fez Mãe Jô. Foi ao mercado da Lapa, comprou o melhor bacalhau, e os melhores ingredientes para tempero. Na próxima sessão, fez o convite ao Pai Luiz, que aceitou. Encontrou Lúcio no corredor do terreiro e disse-lhe:
- Tá a fim de comer um bacalhau da hora na casa da Jô?
Lúcio respondeu: - Claro!
No dia marcado, um domingo, lá foram Pai Luiz e Lúcio para a casa da Jô. Foi nessa oportunidade que Lúcio pode perceber que Mãe Jô, além de ter um corpo bonito, era sorridente, alegre, bondosa e ... cozinhava maravilhosamente bem! Outros convites aconteceram, mas agora, só para Lúcio, que havia aprendido o caminho.
Lúcio começou a olhar para Mãe Jô com outros olhos e com alguma imaginação, até que aconteceu o inevitável quando um homem e uma mulher estão interessados um no noutro. Lúcio vai morar com Mãe Jô.
Na próxima sessão no terreiro de Pai Luiz, o pai Ogum abaixa. A sessão corria normalmente até que Lúcio largou o tambor que tocava e vai tomar um conforto com Pai Ogum, que estava ocupado em Pai Luiz, e Ogum, sem que ninguém ainda soubesse de nada, lhe diz:
- Senhore casou!
Lúcio sentiu o chão abrir. Terminada a sessão, o comentário foi geral:
- Com que será que ele casou?
- Será que é com a Jô, pois ele anda de cochicho com ela. Mas se for, fizeram errado, porque ele é padrinho dela.
Lúcio, então resolveu contar tudo a Pai Luiz, que não disse nada, mas mudou completamente o tratamento. Lúcio, antes respeitado, agora era evitado e comentado. Mãe Jô, que era nova na casa, não era mais cumprimentada pelos filhos. Aborrecidos, ambos, Lúcio e Mãe Jô, já morando juntos, saem do terreiro de Pai Luiz. Era o ano de 1984.
O PRIMEIRO CONGÁ
Mãe Jô montou seu primeiro Congá ali na casa que morava no bairro da Cruz das Almas. O Congá nada mais era do que duas prateleiras, lavadas em ervas, com uma cortina para separar o sagrado. Era tudo muito simples, mas o axé era grande. Há quem diga que o axé está nas coisas simples, e Mãe Jô, na sua simplicidade, tinha muito, muito axé.
DONA AMÉLIA
Logo Mãe Jô descobriu que uma vizinha sua chamada Dona Amélia, duas casas acima, também tinha um Congá residencial, e Mãe Jô foi lá conhece-la. A simpatia entre as duas ocorreu de modo rápido, tanto entre Mãe Jô e Dona Amélia, como entre Lúcio e Seo Mané, o marido de Dona Amélia.
Recém-saída do terreiro de Pai Luiz, Mãe Jô pede à dona Amélia que faça uma limpeza para ela e Lúcio. Dona Amélia faz uma consulta para Mãe Jô com a entidade João Baiano, que pede os materiais para a limpeza, entre eles, um galo preto. Conseguido os materiais, marcaram o dia da limpeza, que foi realizada pela própria entidade João Baiano, na casa de Mãe Jô.
Terminada a limpeza, na qual correu tudo bem, a entidade João Baiano diz a Mãe Jô que ela deveria montar o Congá dela na sua casa, pois seus guias estavam querendo, que não precisava ser grande, mas que tivesse muito axé.
Mãe Jô aceita o conselho, e junto com Lúcio, começam a providenciar as coisas necessárias. Mãe Jô e Dona Amélia começaram assim a trabalhar juntas, ora na casa de uma, ora na casa da outra, de forma que os clientes passaram a ser comuns. Não havia ciúme de nenhuma parte. Era o amor à Umbanda que falava mais alto.
PARTE 2
TRABALHOS
AS FILHAS DE DONA AMÉLIA
Dona Amélia tinha cinco filhos: três do primeiro casamento: Janete, Beth, Gorda, e dois do segundo: Alex, Meriele e Adriano, que ainda eram crianças.
As três filhas do primeiro eram muito namoradeiras, e Dona Amélia dizia:
- Acho que estas meninas não casam.
Mãe Jô disse para Dona Amélia: - Vamos fazer trabalho para o amor, para Oxum colocar um marido no caminho delas.
- Ai Jô! Só se você fizer, disse Dona Amélia.
Mãe Jô disse: - Para ajudar elas, eu faço.
Marcaram o dia. Mãe Jô pediu que, um dia antes. Levassem: farinha de mandioca, farinha de milho amarela, canjica amarela, uma garrafa de 51, um champanhe, mel.
No dia marcado, Mãe Jô preparou para cada uma delas, separadamente, uma farofa de farinha de mandioca com aguardente, uma farofa de farinha de milho com champanhe, colocou as duas farofas lado a lado no mesmo alguidar, regou brevemente com mel, e passou em cada uma, separadamente, pedindo abertura de caminho para casamento, e arriou na casa de Exu.
Depois cozinhou para cada uma, separadamente, a canjica amarela, colocou em um prato branco e, com a farinha de milho amarela, amassou com água, fazendo um coração, colocando em cima da canjica, regando com mel, fez os mesmos pedidos, e arriou no Congá, para Mãe Oxum. No ano seguinte, as duas filhas da Dona Amélia estavam casadas.
Importante anotar que em nenhum momento Mãe Jô escreveu nome de homem nenhum. A escolha ficou por conta do Orixá.
DONA LOURDES
Dona Amélia tinha grande clientela particular porque trabalhava no terreiro do seu Furadinho, no jardim Iracema, próximo dali. Entre as pessoas que consultavam com Dona Amélia, havia uma especial: Dona Lourdes.
Dona Lourdes era uma pessoa problemática. Corpo franzino, tinha a pele do rosto meio enrugada com uma leve aparência de “leão” e “algumas feridas pelo corpo”. Por causa disso ela era evitada em muitos terreiros, que não a queriam atender. Durante a sessão era irrequieta e muitas vezes falava em hora imprópria, atrapalhando a sessão, mas, por caridade, era tolerada e atendida por Dona Amélia.
Dona Lourdes está citada aqui porque será um personagem importante no desfecho da história de vida de Mãe Jô, que a conheceu na sessão da Dona Amélia.
Mãe Jô tinha um dom especial de curar pessoas, especialmente com feridas, as quais gostava de lavar com ervas. Certa vez ela curou um homem que tinha ferida nas duas pernas, as quais ela mesmo lavou. Mãe Jô compadeceu-se de Dona Lourdes e quis ajudava-la, indo visita-la na residência dela, para conhece-la melhor. Durante a visita, chega uma vizinha chamada Dona Teresa, e Dona Lourdes apresentou Mãe Jô a ela. Futuramente, Mãe Jô e Dona Teresa fariam uma amizade muito grande que duraria até à morte de Mãe Jô.
DONA TERESA
Dona Teresa, que mora até hoje no bairro da Cruz das Almas, se tornou amiga de Mãe Jô através de Dona Lourdes.
Durante todo o tempo de amizade com Mãe Jô, Dona Teresa se tornou muito mais do que uma cliente, pois se tornou uma grande amiga de confidência, e a quem Mãe Jô atendeu inúmeras vezes, principalmente por causa dos problemas de saúde de Dona Teresa, que tem três filhas: Edilene, Ângela e Sandra. Mãe Jô atendeu as três. Ângela era muito criança, e Sandra só seria atendida futuramente, no segundo Congá, como veremos mais à frente.
EDILENE
Edilene, a filha mais velha de Dona Teresa, estava grávida de Renato, e começou a ter dores de dente. O dentista não quis tratar-lhe o dente devido a gravidez. Então, ela recorreu à Mãe Jô para benzer.
Mãe Jô benzeu Edilene várias. Um dos remédios que Mãe Jô fazia para aliviar a dor de dente de Edilene era pinga com alho (sem engolir), que Mãe Jô a mandava segurar na boca o mais que pudesse, cuspindo em seguida. O dente foi desinflamando aos poucos até que Edilene pudesse trata-lo.
NA DELEGACIA DEFENDENDO LUCIENE
Lúcio não se lembra exatamente o ano, mas este fato ocorreu entre 1984 a 1989.
Certo dia estava Mãe Jô conversando com Luciene que morava na mesma rua, e estava grávida do namorado “Rolão”, (era o apelido dele) filho de Deca e Maninho, que também moravam na mesma rua.
De repente, vem um carro em alta velocidade na direção de Luciene. Mãe Jô empurrou Luciene para a calçada, pulando também. Mãe Jô xinga o motorista, que volta e fala impropérios para Mãe Jô. Era “Rolão”.
A discussão aumenta, e a polícia é chamada. Vão todos para o 45º DP de vila Brasilândia, inclusive Mãe Jô. O boletim de ocorrência foi registrado, e a principal testemunha era Mãe Jô. A família de “Rolão” também vai para a delegacia.
Durante os questionamentos, ficou claro que o delegado estava tentando desqualificar o testemunho de Mãe Jô, que não se intimidou diante dele. Em certo momento o delegado perguntou:
- Por que a senhora acha que ele queria atropelar a Luciene?
A resposta de Mãe Jô, que claramente percebia-se que “não estava sozinha”, fez a delegacia toda se calar. Respondeu ela ao delegado:
- Boa pergunta delegado. Porque o senhor não pergunta para ele?
O silêncio foi sepulcral. O delegado, vendo que não tinha resposta, mandou lavrar o boletim de ocorrência, mas que depois, ficou-se sabendo, foi arquivado.
O PAI DE LUCIENE
O pai de Luciene acabou fazendo amizade com Mãe Jô e certo dia pediu uma consulta por causa de uma dor nas costas que ele tinha, e que os médicos não encontravam nada, e nenhum remédio dava resultado.
Na consulta, foi revelado que se tratava uma demanda feito por uma pessoa que havia brigado com ele, no serviço, e que havia enterrado um boneco, com uma foto dele no cemitério, cravado com alfinete. Mãe Jô marcou uma limpeza.
Mãe Jô fez para o pai de Luciene uma limpeza de Exu, com a rasgação dos panos para desmanchar o boneco, e um banho de ervas “de quebra”, isto é, ervas para quebrar demanda.
O pai de Luciene sarou das dores nas costas, e continuou amigo de Mãe Jô enquanto ela morou no bairro Cruz das Almas.
A SESSÃO DE MÃE JÔ
Mão Jô nunca teve um “terreiro” nos modelos que conhecemos. Ela optou por fazer sessões particulares em sua própria residência, que, segundo ela, eram mais produtivas e melhores. Não fazia sessões de desenvolvimento, por isso Mãe Jô nunca desenvolveu ninguém. Ela dizia que quem tinha, já trazia, não precisava desenvolver, mas apenas aprimorar e doutrinar.
A Umbanda de Mãe era muito simples: depois de feito os axés de segurança na porta, abria a sessão rezando Pai Nosso e Ave Maria, salvando a Mãe Iansã, seu orixá, os guias e os orixás. Em seguida cantava para o guia viria trabalhar.
Não havia na sessão de Mãe Jô longas filas para bater cabeça, nem beijar mão, coisa que ela detestava. Mãe Jô não fazia Quimbanda, não vestia vermelho e preto, não tinha imagens de capetas, nem mostrava garfos.
Claro que a casa tinha Exu para fazer o serviço de rua, mas eram Exus da Lei de Umbanda.
“Mãe Jô trabalhava com os Exus para fazer limpezas, descarregos, abrir caminhos, curas espirituais, proteção, sempre na intenção de fazer o bem. Mãe Jô nunca usou Exu para fazer o mal”, informa Lúcio.
QUEBRANDO DEMANDA
Mãe Jô conheceu Penha, uma negra forte, de olhos saltados, na faixa dos trinta nos, mas já viúva. Tinha três filhos pequenos que sustentava com dificuldade. Mãe Jô tinha dó, e ajudava com mantimentos para as crianças não passarem fome, pois, às vezes Penha chegava em sua casa às lágrimas por não ter comida para os filhos, e trazia os filhos para comer na casa de Mãe Jô.
Penha frequentava o terreiro da Dona Clarice, já falecida, na era na mesma rua que morava Mãe Jô. Numa sexta-feira, Penha chega na casa de Mãe Jô e diz:
- Jô, eu queria tanto ir à quermesse dançar quadrilha e não tenho nenhum vestido. Você não teria um aí que pudesse me emprestar, por favor? Eu te devolvo.
Mãe Jô se lembrou de um vestido quadriculado que quase não usava, e disse: - Tenho sim.
Mãe Jô, de boa-fé, emprestou o vestido para Penha, para que ela pudesse ir dançar quadrilha.
Na segunda-feira Mãe Jô estava cuidando para fazer os axés de Exu, quando seu Tranca-Ruas incorporou, bravo:
-Tá vendo o que dá ajudar quem não presta? Aquela nega levou o vestido para o cemitério. Ela quer separar tu da moça (Mãe Jô).
Lúcio ficou bobo. Como pode uma pessoa que come na sua mesa, da sua comida, fazer uma coisa dessas?
Quando Lúcio contou o recado do Exu, Mãe Jô, disse:
- Não acredito! Que f.d.p! Eu dando comida para os filhos dela, e ela faz isso?
Na sexta feira Mãe Jô preparou dois axés de Exu, um para ela e outro para Lúcio, uma garrafa de pinga, dois charutos bons, dois bifes de carne, um coco sem água, e foi para uma encruzilhada deserta perto das 21:00 horas.
Lá chegando, Mãe Jô e Lúcio passaram os axés de Exu, abrindo-os. Passaram em seguida os bifes de carne, despejaram a pinga no chão, trazendo a garrafa de volta. Durante o trabalho, Mãe Jô cantava:
Exu abre o caminho,
Foi Ogum que mandou
Exu trabalha sério
Foi Ogum que mandou
Corre as sete encruzilhadas
Foi Ogum que mandou
Corre todo o cemitério,
Foi Ogum que mandou
Exu é justiceiro,
Exu é vingador
Exu quebra demanda
Nas costas de quem mandou
Exu come, Exu bebe
Na porteira do terreiro
Exu quebra demanda
Nas costas do feiticeiro
Leva, leva, seu Exu,
Leva, leva, vai levar
Todo mal que aqui estiver
Que nesses filhos não pode ficar
Leva, leva, seu Exu,
Leva, leva, vai levar
Pras costas de quem mandou
Que nesses filhos não pode ficar
E feito isto, quebrou o coco, virou as costas e não olhou para trás. Quando chegou em casa, disse para Lúcio:
- Pronto, está quebrada a demanda dela. Eu não pus nem chamei o nome dela em lugar nenhum, mas ela terá o que ela merece.
No dia seguinte, no sábado, Dona Teresa visitou Mãe Jô logo cedo e contou a novidade:
- Jô do céu, eu fui ontem no terreiro da Dona Clarice, e você não sabe o que aconteceu! A Penha pegou um negócio lá que ninguém segurava, e quebrou todo o terreiro, as imagens estão quase todas no chão, tudo quebrado. A Penha depois desmaiou e não acordou de jeito nenhum, dormiu no terreiro mesmo.
- É Teresa, não diga! Nossa que será que foi isso! Disse Mãe Jô, sorrindo disfarçadamente.
Lúcio comentou:
- As pessoas pensam que a força está no tamanho do terreiro, ou das imagens. Pensam que um Conga pequeno não tem a mesma força, e é aí que se enganam!
A LIMPEZA PARA DONA LOURDES
A primeira pessoa que Mãe Jô se prontificou a fazer um trabalho de limpeza, foi para Dona Lourdes. Mãe Jô pediu a ela que trouxesse 7 pedaços de carne, milho de pipoca, sete folhas de mamona com talo, meio quilo de carne moída de primeira, farinha de mandioca, dendê, 2 panos vermelhos grandes, 1 pano preto, e dois galos pretos, e algumas folhas de papel espelho vermelho, e branco. O custo do serviço seria quanto ela pudesse dar, se pudesse, pois Mãe Jô a estava atendendo por caridade, e motivos de saúde, Dona Lourdes trouxe todo o material.
No dia marcado, Mãe Jô preparou uma farofa no portão, e sacrificou, com a ajuda de Lúcio, um dos galos, que era para segurança da casa e do serviço.
Com os materiais ela havia preparado um axé de Exu: farofa, 7 pedaços de carne, pipoca. Colocou-os em um saquinho de plástico, e enrolou-o no papel vermelho (pode ser em um morim, se tiver, informa Lúcio), e um axé de Obaluaê: pipocas com sete bolas de carne moída.
Mãe Jô abriu um pano vermelho, pegou o axé de Exu passando-o em seguida em Dona Lourdes, de cima para baixo, por último nos pés, colocando-o, semiaberto, sobre o pano vermelho estendido no chão, dizendo:
- Que seja de saúde, prosperidade, bons negócios, caminhos abertos, proteção na casa, ajuda no serviço, desamarrando tudo que estiver amarrado, destrancando tudo que estiver trancado, quebrando todas as demandas e levando todo mal para as costas de quem mandou.
Feito isto, Mãe Jô passou o pano preto, rasgando em seguida, dizendo: - Que sejam desmanchados todos os bonecos feitos com seu nome. Em seguida, colocou-o sobre o despacho.
Pegou em seguida o outro galo, passou-o em Dona Lourdes da mesma forma que havia passado os bifes, e sacrificou-o sobre todo o ebó , repetindo as mesmas palavras.
Após isto, ela pegou o axé de Obaluaê, passou da mesma forma, repetindo as mesmas palavras, e colocou sobre o pano vermelho.
Em seguida, pegou as 7 folhas de mamona segurando-as pelo talo, passou em Dona Lourdes e, quebrando o talo, disse: - Que sejam quebradas todas as demandas.
Mãe Jô fechou o despalho com o pano, fez o mesmo com o galo que havia sacrificado anteriormente no portão, e levou tudo para ser despachado no mato, enquanto Dona Lourdes esperava na casa.
Na volta, recomendou à Dona Lourdes que não comesse carne, nem frango, nem pipoca, por sete dias, e que deveria voltar após esse tempo, para tomar os banhos de ervas.
Após os sete dias, Dona Lourdes voltou para tomar os banhos de ervas que Mãe Jô havia preparado. Mãe Jô também ofereceu canjica para a cabeça dela, pedindo paz e equilíbrio. Além disso, Mãe Jô também lavou com folhas, sete vezes, em uma bacia, as feridas da perna de Dona Lourdes.
Dona Lourdes melhorou bastante seu temperamento depois destes procedimentos, mas o problema de saúde de Dona Lourdes era outro, muito mais sério do que se poderia imaginar, e que ebó nenhum seria capaz de resolver, e afetaria diretamente e profundamente também a saúde de Mãe Jô. Isso será contado mais à frente.
NEUSA, MULHER DO SEO MANOEL
Neusa, meia idade, branca, cabelos pretos, era casada com o Sr. Manoel, na época dono de uma grande padaria, situação econômica estável.
Neusa sofria de dores terrível, pontadas e agulhadas que os médicos não encontravam a causa. Por este motivo, sendo vizinha, pediu consulta a Mãe Jô.
Na consulta, Seo Zé Pelintra revelou que haviam roubado, do varal dela, uma roupa, que foi usada para fazer um boneco, com alfinetes, enterrado no cemitério, com sacrifício de um galo preto. Neusa confirmou o sumiço de uma peça de roupa íntima e, de fato, foi depois disto que começou a ter problemas de saúde. Seo Zé disse que ela só não morreu porque reza muito.
O tratamento de Neusa foi uma limpeza parecida com a que foi feita para Dona Lourdes. Neusa ficou boa, nunca mais sentiu dores, remoçou, engordou rapidamente.
Três meses depois, uma vizinha que era apaixonada pelo marido dela e sua inimiga declarada, faleceu. Não que Mãe Jô tivesse feito algo. Talvez tenha sido a justiça de Xangô: “quem deve paga, quem merece recebe”!
CIDA, A CUNHADA DA ELZA
Dona Teresa apareceu na casa de Mãe Jô afobada, dizendo:
- Jô, a Elza pediu para mim vir aqui. A Cida, a cunhada dela pegou um espírito lá, tá lá na cama dizendo que vai se matar.
- Não dá para trazer ela aqui? Perguntou Mãe Jô.
- Não dá, ela é pesada. E não tem nenhum carro lá, respondeu Dona Teresa.
Mãe Jô preparou dois axés de Exu, pegou bastante folhas de guine, bateu no liquidificador e colocou em um pote. Levou também quatro espadas de São Jorge. Lúcio pegou o frasco de fluído feito com arruda.
Lá chegando, Mãe Jô colocou duas espadas de São Jorge no portão, e colocou um dos axés de Exu, em cima.
Segurando as outras duas espadas na mão, levantou-as e entrou na casa. Quando entrou no quarto da moça, Mãe Jô gritou: Ogum he!
Cida, que estava com os olhos esbugalhados, começou a contorcer-se. Lúcio, veio por trás dela e espirrou bastante fluído de arruda na cabeça, que entrou nos olhos e na boca de Cida, que desfaleceu.
Mãe Jô aproveitou para passar o outro axé de Exu, nela, colocando-o também no portão. Em seguida, com a ajuda de Elza e de Dona Tereza, levou-a ao banheiro e despiu-a.
Pediu um balde, no qual colocou a guiné havia batido no liquidificador. Abriu o chuveiro na água morna, e aumento o banho, jogando-o em Cida, que estremeceu e acordou, reclamando que os olhos estavam ardendo.
Cida acordou, meia fraca, sentou-se, e passou a conversar, meia sem forças.
Mãe Jô levou os axés para a encruzilhada. Cida ficou boa e mudou-se lá. Mãe Jô nada cobrou, pois não tinham como pagar nada, nem as coisas que foram utilizadas.
A MOÇA QUE QUERIA SE SEPARAR
Lúcio não se lembra o nome da moça, mas lembra perfeitamente do caso. Logo que montou o primeiro Congá, uma moça procurou Mãe Jô uma dizendo que tinha um problema muito sério para resolver, e foi logo expondo:
- Eu moro com um rapaz faz cinco anos, mas agora conheci outro, e quero que ele vá embora. Não quero briga, nem quero fazer mal a ele, apenas quero que ele vá embora.
- Mas porque você não diz isso a ele? Perguntou Mãe Jô, meio aborrecida com o assunto.
- Não tenho coragem. A senhora sabe fazer um trabalho para isso? Eu pago quanto a senhora pedir.
Mãe Jô entendeu que ela queria fazer uma demanda com o próprio companheiro, e disse: lhe - Sim, eu posso fazer esse trabalho que você quer para ele ir embora, mas você terá que cumprir um resguardo, até que isso aconteça.
- E qual é esse resguardo? Faço qualquer coisa que a senhora disser, desde que ele vá embora, disse a moça.
- Você não poderá mais transar com ele, respondeu Mãe Jô.
A moça arregalou dois olhos e disse: - Mas isso eu não posso fazer. Que desculpa vou inventar? Ah, isso não dá.
- Lamento, mas terá que ser assim, completou Mãe Jô.
- Então, minha senhora, não vou fazer. Não tenho como cumprir esse resguardo. Além do mais, se eu fizer isso, não precisarei de fazer trabalho nenhum! Respondeu a moça arrogantemente.
- Pois é isso que estou tentando lhe dizer, moça. Você quer fazer uma demanda com seu companheiro, transferindo a responsabilidade de seus atos para outra pessoa. Mude de atitude, assuma seus atos, e não faça demandas, disse Mãe Jô com firmeza.
A moça, muito contrariada e visivelmente irritada, levantou-se de disse: - Bom Dona Jô, muito obrigado pelo seu tempo. Não resolvi nada, mas agradeço o tapa na cara que me deu. Pelo menos eu acordei para a realidade.
A MENINA CARLINHA
Havia uma vizinha de Mãe Jô de nome Marli, que tinha uma filha com mais ou menos 4 anos. Branca, cabelinhos curtos meio encaracolados, olhos redondos bem salientes, boquinha de boneca Barbie. “Uma coisinha linda de viver” dizia Lúcio.
Carlinha gostava de vir tomar café todos os dias com Mãe Jô. Sete horas da manhã, e Carlinha batia na porta. Mãe Jô sabia que a Carlinha viria, então, já deixava na mesa a canequinha dela e o pratinho.
- Bom dia Jô, vim tomar café com você, dizia Carlinha.
- Bom dia Carlinha. Sonhou?
Carlinha sonhava sempre com macaco. Aí, Mãe cantava esta musiquinha para ela, que ela adorava. Era só risada e alegria:
“O macaco é um bicho éééééé!”
“Ele sabe o que quer”
“Ele quer cafuné”
“Bem na ponta do pé”
Mas muitos anos se passaram, e Mãe Jô já não morava mais na mesma casa que Carlinha vinha tomar café todos os dias.
Certo dia, na avenida Itaberaba, Mãe Jô reencontra Marli, ao lado de uma bela moça, cabeços compridos, a mesma cara meiga, lábios carnudos e olhos pretos e grandes, de sobrancelhas retas. Após abraços e cumprimentos, Mãe Jô perguntou:
- É a Carlinha?
- É, respondeu Marli.
O coração de Mãe Jô explodiu de alegria ao rever Carlinha, e quis abraça-la..., mas Carlinha não se lembrava de Mãe Jô. Meio que recusou o abraço de uma mulher, que para ela, agora, era uma desconhecida, apenas uma antiga amiga de sua mãe, mas nada sua.
- Você não lembra de mim, a Jô?
- Você ia todos os dias tomar café na casa dela, completou a Mãe.
- Não lembro, respondeu Carlinha.
Mãe Jô entendeu que Carlinha não tinha como se lembrar dela, mas não disse nada. Marejou seus olhos, e para que não percebessem, despediu-se rapidamente, dizendo:
- Deus abençoe!
O RECÉM-NASCIDO LÁERCIO
Marli tinha outro bebe de três meses aproximadamente, chamado Laércio. Certo dia, Marli bateu fortemente na porta de Mãe Jô desesperada, e chorando:
- Jô, pelo amor de Deus, me ajude. Meu filho está morrendo, está paralisado, acho que não está respirando.
Mãe Jô, que ainda nem havia tirado a roupa de dormir, colocou um penhoar por cima, pegou as guias, os galhos de arruda que estavam no copo com água, e começou a rezar o menino. De repente o menino suspirou, e mãe Jô disse para Marli: - Seu filho não tem nada. Tem um espírito encostado nele dizendo que é seu pai e deseja que você o perdoe pelo o que ele fez, mas não disse o que é.
Marli respondeu: - eu sei o que é. E completou: - Pai eu te perdoo, pode seguir seu caminho em paz, mas deixe meu filho.
Mãe Jô pegou a moringa com água do Congá, colocou um pouco na boca e soprou sobre o menino. Ele estremeceu e começou a chorar.
Marli, chorando copiosamente, dizia:
- Graças a Deus! Jô muito obrigado. Deus que te paga e te ilumine sempre. Estava desesperada, sem saber o que fazer, e saiu, quase gritando: Graças a Deus! Graças a Deus!
A MENINHA FÓ
Também vizinha da Jô havia uma mulher chamada Selma, que tinha uma menina loirinha, cabelos cacheados, dois anos mais ou menos, que atendia pelo nome de Fó.
Certo dia Mãe Jô cruza com Selma carregando a Fó nos braços:
- Oi Selma, como vai? E essa coisinha linda? Dá um sorriso para a titia, diz Mãe Jô.
A menininha vira o rosto e não quis conversa. Mãe Jô pergunta para Selma: - O que ela tem?
Selma responde: - Ai Jô, não sei. Saiu umas feridas na boca dele, e eu já passei de tudo, já levei no posto, e nada.
- Deixa eu ver, diz Mãe Jô.
Choramingando, Selma abre a boca da menina e Mãe Jô se assusta: - Nossa, está cheia de sapinho!
- Pois é Jô, não sei mais o que fazer. Estou ficando desesperada, diz Selma.
- Faz assim. Vá lá em casa hoje à tarde, só você e ela, que vou fazer um negócio para ela, diz Mãe Jô.
- Tá bom, respondeu Selma.
Deu 5 horas da tarde, lá estava Selma carregando a menininha Fó, e já foi logo dizendo:
- Me ajuda pelo amor de Deus, Jô, porque eu não sei mais o que fazer.
Mãe pediu que ela sentasse e esperasse um pouco. Enquanto isso, mãe Jô pegou uma colher do mel da Mãe Oxum que tinha guardado no Congá, rezou sobre, e disse para Selma:
- Abra a boca dela.
Selma tentou abrir, mas a menininha Fó relutava e chorava. Mãe Jô então brincou:
- Olha o aviãozinho! E passou a colher sobre a boca da menina, imitando o barulho do avião. Fez a mesma coisa novamente, e a menininha Fó seguiu a colher com os olhos. Mãe Jô fez a terceira vez, mas agora, ela parou a colher sobre a boca da menina, que abriu a boca. Então, mãe Jô não hesitou e colocou o meu abençoado na boca da menina, dizendo para Selma:
- Cuida para que ela não cuspa!
Fó ficou com o mel na boca por alguns minutos. Colocava o dedo na boca, tirava, chupava o dedo, até que dormiu. Selma foi embora carregando a menina.
No dia seguinte, logo de manhã, lá estava Selma novamente com a menina, toda alegre, chegou dizendo:
- Jô do céu, que remédio abençoado é esse, mulher! Olha a boca dela, não tem mais nada! Foi o mesmo que tirar com a mão. Graças a Deus e a Jô. Se não fosse você ...
A menininha Fó estava curada.
O ADOLESCENTE RÉGIS
Regis era sobrinho de Selma, a mãe da Fó, da história anterior, por isso, também vizinho de Mãe Jô. Rapazote magro, com treze anos, quase branco, cabelos lisos e pretos à moda indígena.
Certo dia, Regis começou a ter dores de cabeça, até que ficaram insuportáveis. Procurou o pronto socorro, tomou alguns remédios, mas nada tirava aquela dor de cabeça. Desesperado, um dia logo cedo bateu na porta de Mãe Jô:
- Jô, me ajuda, não aguento de dor de cabeça! Já fui no hospital, mas não adiantou. Me ajuda Jô!
Mãe Jô olhou e viu o encosto de um primo com qual havia convivido desde criança, que morreu ao cair e bater a cabeça em uma pedra, ao cair de uma árvore. Mas Mãe Jô não disse nada para ele sobre isso, falando apenas:
- Volte à tarde, lá pelas 5 horas, que vou fazer um trabalho para você.
No dia anterior, Mãe Jô havia colocado de molho, canjica branca, para oferecer para os pretos-velhos. Mãe Jô cozinhou a canjica, e separou um pouco para Régis. Em seguida, pegou algumas ervas de cheiro (manjericão, levante, hortelã), lavou-as, e rezando, amassou-as em água fria, guardando no Congá. Lá pelas 5 horas, Regis chegou:
- Oi meu filho. Sente aí, feche os olhos e espere um pouco, disse Mãe Jô.
Passada quase meia hora, Mãe Jô diz para Régis se ajoelhar. Pegou uma bacia branca colocou na frente de Regis. Foi ao Congá e pegou o banho de folhas cheirosas, lavando a cabeça de Regis, deixando cair a água na bacia. Em seguida, levou Regis até a frente do Congá.
Mãe Jô pegou então uma cumbuca branca, e colocou um pouco de canjica branca dentro dela, sem deixar Régis ver o que era. Cobriu com algodão e colocou sobre a cabeça dele, dizendo:
- Segura essa cumbuca na cabeça enquanto você aguentar. Quando não aguentar mais, me chame.
Regis segurou a cumbuca com canjica sobre a cabeça por aproximadamente quinze minutos. Mãe Jô rezou então um Pai Nosso, uma Ave Maria, um Glória ao Pai, pegou a cumbuca com a canjica e a colocou no Congá, al lado da bacia com a água que havia lavado a cabeça de Régis.
Regis disse a Mãe Jô: - Ah, estou mais leve. Ainda dói um pouquinho, mas já melhorou.
Mãe Jô o orientou: - Vá para casa dormir e não saia mais na rua hoje.
No dia seguinte, Régis bate na porta de Mãe Jô dizendo alegremente: - Jô, sarei! Nossa, não tenho mais nada.
Mãe Jô respondeu:
- Agradeça aos pretos-velhos, foram eles que te curaram.
Passados alguns dias, aparece Regis com uma imagem pequena de preto-velho, dizendo:
- Jô, benze ele para mim, porque a partir de hoje quero ter um preto-velho para me ajudar.
Mãe Jô achou engraçado o jeito do menino falar, pegou um pouco de arruda no quintal, amassou na bacia, e lavou, dizendo:
- Hoje ele vai dormir aqui. Amanhã você vem buscar.
No dia seguinte, logo cedo, lá estava Régis:
- Jô, o preto-velho já acordou?
Mãe Jô riu e disse:
- Ele já acordou sim, até já tomou café!
- Ele toma café? não sabia! Disse Régis.
- Toma sim, bem docinho!
Mãe Jô entregou o preto-velho para Regis, embrulhado em um algodão, e disse:
- Coloque ele em um prato branco, ou um pires branco, se não tiver espaço, e de vez em quando lave ele com arruda.
- Tá bom, respondeu Régis, saindo feliz da vida com seu preto-velho que o havia curado da dor de cabeça.
A PEDRA DE MARIA
Maria na casa de Mãe Jô pedindo ajuda e uma consulta devido a fortes dores que sentia na barriga. Chegou dizendo:
- Fui em outro lugar e disseram que fizeram um boneco para mim com espinho dentro do boneco, e é por isso que sinto esta dor, mas ninguém sabe tirar isso de dentro de mim.
Na hora da consulta, Maria voltou a sentir as fortes dores, chegando a rolar pelo chão. Zé Pelintra, incorporado em Mãe Jô disse à moça:
- Tú tem demanda sim, moça, tu precisa de uma limpeza, mas a dor na tua barriga é uma pedra que tu tem aí dentro. Tu vai no capa branca.
Maria fez a limpeza, mas foi ao médico, e os exames mostraram as pedras na vesícula.
A LIMPEZA NA CASA DA CIDA
Cida era dona de uma mercearia na esquina da rua onde morava Mãe Jô, e Mãe Jô costumava comprar coisas lá, e também fazer um joguinho de bicho. Um dia Cida pediu uma consulta:
- Jô, você não poderia me atender.
- Sim, disse Mãe Jô. E marcaram a data da consulta.
Na consulta foi revelado que a cunhada que morava na casa da Cida, após uma briga, saiu, mas jogou na casa, terra de cemitério e outras coisas, para que todos ficassem doentes. Foi marcada uma limpeza para a casa da Cida.
Dona Amélia, que também era amiga da Cida, também participou da limpeza. No dia marcado, lá foram os três para a casa da Cida.
Ao chegarem, antes de fazer a limpeza dentro da casa, Mãe Jô, Dona Amélia e Lúcio sacrificaram um galo, em um alguidar, no portão da casa, para que tivessem proteção e tudo corresse bem.
Feito isto, já dentro da casa, Mãe Jô e Dona Amélia, ora uma, ora outra, passaram nas paredes da casa, um axé de Exú feito com farofa de farinha de mandioca e azeite de dente, 7 pedaços de carne, e pipocas, tudo envolvido em um pano vermelho fechado, feito um pacote.
Após isto, pegaram sete metros de sete cores de fita, e enrolaram toda a casa, começando da porta da frente para os fundos. Após isto Mãe Jô pegou a tesoura do Ogun, que havia trazido de seu Congá, e começou a cortar as fitas que estavam enroscadas por toda a casa, cantando:
“Ogum abana, abana”
“Ogum abana, eu”
“Ogum abana, abana”
“Abre os caminhos dos filhos seus”
até terminar de cortar todas as fitas. Feito isto, pegou sete folhas de mamona com talo, e da mesma forma passou nas paredes, e agora também no chão.
Após isto, passou um axé de Exú em cada pessoa da casa, que já estava previamente pronto e contado, colocando tudo na sacola, e levou os materiais utilizados, levando tudo para a encruzilhada, dizendo antes de sair:
- Que seja este axé de saúde, prosperidade, bons negócios, caminhos abertos, proteção na casa, ajuda no serviço, desamarrando tudo que estiver amarrado, destrancando tudo que estiver trancado, quebrando todas as demandas, e levando todo mal para as costas de quem mandou!
Mãe Jô disse à Cida: - Amanhã você passa lá em casa para pegar um banho de folhas fortes para lavar a casa, tá bem?
- Passo sim Jô, respondeu Cida.
No outro dia, lá estava Cida, que chegou dizendo: - Nossa Jô, minha casa estava pesada, mas depois da limpeza, a casa ficou leve, gostosa, dormi que até babei! Eu não dormia mais.
- É assim mesmo! As pessoas fazem o mal e acham que ninguém desmancha. Agora volta tudo para quem fez. A lei de Xangô é essa: quem deve paga, quem merece recebe!
MARGARIDA E O PROBLEMA NA PERNA
Também vizinha de Mãe Jô havia uma moça que morava com um rapaz. Certo dia Mãe Jô a encontrou com a perna toda torta, mancando e perguntou:
- Margarida, o que aconteceu com você?
- Não sei Jô, amanheci assim, respondeu.
Na hora Exu diz no ouvido de Mãe Jô: “Isso é macumba da ex-namorada do companheiro dela, que ela roubou da outra fingindo ser amiga. ”. Mãe Jô escutou e não disse nada.
- Você pode me pagar X cruzeiros? Perguntou Mãe Jô. Lúcio não lembra o valor exato, apenas que era suficiente para comprar as coisas e sobrar um pouquinho para ajudar a manter o Congá.
- Sim posso, respondeu Margarida.
- Ótimo, então vá amanhã à tarde lá em casa.
No dia seguinte, Mãe Jô preparou um axé de Exu, com farinha de mandioca, dendê, sete pedaços de carne e pipoca, tudo embrulhado em um pano vermelho. Preparou também um axé de Obaluaê, com feijão preto torrado, amendoim torrado, sete pedaços de carne e pipoca. Comprou sete retroses de linha, de sete cores diferentes, incluindo vermelho e preto, e 3 metros de fita, também sete cores, 1 morim branco, um vermelho, e um preto.
No dia seguinte à tarde, chegou Margarida:
- Oi Jô!
- Oi, respondeu Mãe Jô.
- Nossa, você queimou o feijão hoje Jô?
Mãe Jô sorriu e disse:
- Pois é menina, eu me distraí, e queimei.
Depois que Margarida descansou por mais de uma hora, Mãe Jô a chamou e iniciou a limpeza. Primeiro passou o axé de Exu, levando para a sacola que estava na porta. Depois passou o axé de Obaluaê, fazendo o mesmo. Em seguida enrolou em Margarida os sete retroses de linha, e as sete fitas. Depois, com a tesoura do Ogum que ficava no Congá, cortou tudo, começando pelas costas, de cima para baixo, e depois, na frente, terminando de cortar tudo no chão.
Passou-lhe então duas espadas de São Jorge, uma em cada mão, quebrando-as, e depois, sete folhas de mamona, quebrando os talos. Mãe Jô colocou tudo na sacola de despacho, e levou para o mato, no carro do companheiro, que esperava lá fora.
Na volta, Mãe Jô fez as recomendações:
- Margarida, por sete dias você não pode comer carne, mandioca, farofa, feijão preto, amendoim e pipoca. Se você quebrar o resguardo, terá que fazer tudo de novo. Amanhã você vem aqui tomar o banho de cheiro. Margarida concordou.
No dia seguinte à tarde chegou Margarida, andando direitinho, para tomar o banho de cheiro.
MÁRIO E OS PROBLEMAS PSICOLÓGICOS
Mário, marido de Roseli, outro vizinho de Mãe Jô, ia esporadicamente na sessão da Dona Amélia, nas quais Mãe Jô também participava, e por isso, terminou por fazer amizade com Mãe Jô.
De repente, sem nenhuma explicação, Mário começou a ter problemas psicológicos, e passou a receber um “Exu consertador de televisão”. Pode parecer engraçado, mas foi trágico. Roseli levou Mário para a sessão.
Naquele dia estavam trabalhando as entidades Pai Joaquim Baiano, incorporado em Mãe Jô, e Seo Zé Pelintra, incorporado em Dona Amélia.
Mário chega na frente de Joaquim Baiano e diz:
- Meu pai, me ajuda, me diz o que é que eu tenho?
A entidade Joaquim Baiano responde na lata:
- Tu sabe muito bem o que é tu tem, ou melhor, o que é tu fuma. Tú já fumou tanto que está comendo tua mente. Tu não pare não, para ver onde tu vai parar! E riu.
Seo Zé Pelintra incorporado em Dona Amélia, que estava ao lado, completou, falando para Roseli:
- Moça, debaixo do teu colchão tem um furo, tu enfia a mão lá que descobre qual é o problema dele.
- Mas é esse o problema dele? Diz Roseli.
- Não brinca com baiano não, moça! Tu sabe muito bem que o problema dele é esse, porque tu também já fumou junto. Esse problema dele só ele pode resolver, diz Joaquim Baiano.
PARTE 3
A MUDANÇA
A MUDANÇA, E O SEGUNDO CONGÁ
Em 1989 Mãe Jô se mudou da vila Cruz das Almas, para o Morro Grande (baixo), mas continua no mesmo bairro, Freguesia do Ó.
A nova (velha) casa tem mais espaço, de forma que Mãe Jô pode ter agora um quarto separado apenas para a religião, e uma sala grande para as pessoas aguardarem a consulta.
Lúcio, com a ajuda de Mario, construiu a casinha do Exu da rua, e fez as obrigações que eram necessárias. Depois, Lúcio montou as prateleiras do Congá de madeira, e lavou-o com ervas amassadas. Mãe Jô lavou as imagens, as moringas, e as ferramentas da religião.
Mãe Jô e Lúcio prepararam todos os axés para inaugurar o Congá, agora maior. Algumas pessoas antigas a acompanharam, mas Mãe Jô faria nova clientela.
Esse novo Congá foi a sua glória, e seu calvário, como veremos mais à frente.
DONA TERESA CONTINUA AMIGA
Depois que Mãe Jô se mudou, Dona Teresa continuou a frequentar a nova casa, trazendo outras pessoas para serem atendidas. Uma destas pessoas foi seu vizinho Tio Wilson, como veremos a seguir.
SANDRA E O NASCIMENTO DE GUILHERME
Sandra, outra filha de D. Teresa, estava no hospital para dar à luz seu primeiro filho, o Guilherme. Porém, o parto teve algumas complicações, e Guilherme corria risco de não sobreviver. D. Teresa vem então, no dia seguinte, conversar com Mãe Jô:
- Jô, nós precisamos da sua ajuda. O Guilherme está na UTI e pode ser que não sobreviva.
- Amanhã vocês vão ao hospital? Perguntou Mãe Jô.
- Sim, respondeu D. Teresa, e completou:
- Ela tem que ir amamentar.
- Então traga a roupinha dele, sem lavar, disse Mãe Jô.
Mãe Jô, já adiantou colocando a canjica branca de molho. No dia seguinte, à tarde, chegou D. Teresa com a roupinha do bebe Guilherme.
Mãe Jô pegou a roupinha, rezou-a, colocou-a no chão do seu Congá, colocou a canjica em cima, e entregou para o Pai Oxalá.
O bebe Guilherme melhorou rapidamente e depois de alguns dias já estava em casa.
ATENDENDO NOVAMENTE DONA LOURDES
Após algum tempo que Mãe Jô se mudou para o Morro Grande, onde fez o segundo Congá, D. Lourdes reapareceu pedindo consulta.
- Oh! Jô, minha irmã, pelo amor de Deus, me atende, porque ninguém quer me atender por causa das minhas feridas, chegou dizendo D. Lourdes.
Mãe Jô, que já a atendia lavando-lhe as feridas desde o primeiro Congá no bairro Cruz das Almas, com dó, marcou a consulta. Mãe Jô atendeu D. Lourdes por mais de 10 anos, com longas consultas, banhos, rezas e oferendas e muita pipoca. Dona Lourdes ora melhorava e ora piorava, nunca sarava completamente, e nunca ficava boa cem por cento.
Ocorre que D. Lourdes tinha uma doença que ninguém sabia, além dela mesma: hanseníase!
Ela fazia o tratamento desde longa data, mas nunca terminava devido sua rebeldia e revolta com a doença que tinha, mas ela nunca disse para ninguém. Portanto, apesar do tratamento, era uma transmissora do bacilo. Mãe Jô, ao praticar a caridade por amor ao próximo, atendendo-a por muitos anos em consultas demoradas, o que facilitava a transmissão do bacilo. Nem Mãe Jô, nem Lúcio, tinham noção exata ao tipo de doença que estavam expostos. Dona Lourdes faleceu em 2008 de problemas cardíacos.
TIO WILSON NA CADEIRA DE RODAS
Dona Teresa foi até a casa de Mãe Jô levando Silvia, irmã de Tio Wilson, que estava numa cadeira de rodas, devido a uma cirurgia na coluna. Silvia marcou então uma consulta.
Tio Wilson, já com idade, mas negrão forte e bonito, era jardineiro, e estava por aposentar-se. Precisou de uma cirurgia para corrigir uma hérnia de disco, mas embora a cirurgia fosse bem-sucedida, segundo os médicos, Tio Wilson não conseguia andar.
Na consulta, Vó Cambinda falou para Tio Wilson:
- O trabalho do “capa branca” foi bom, mas o senhor está com macumba de uma nega que o senhor namorou, e agora largou dela. Ela enterrou roupa sua no cemitério. O senhor precisa de uma limpeza forte.
Por “limpeza forte” queria dizer que precisava fazer sacrifício de galo. Mãe Jô marcou os materiais para limpeza, incluindo dois galos. Silvia, a irmã de Tio Wilson se encarregou de comprar as coisas.
No dia marcado, Silvia trouxe Tio Wilson, e Lúcio o ajudou a sair do carro. Mãe Jô pediu que esperassem no quarto de religião enquanto ela preparava “as coisas”.
Mãe Jô matou um galo para Exu, no portão, para proteção da casa e segurança do serviço.
Com tio Wilson ainda na cadeira, passou todo o serviço nele, inclusive o outro galo, e sacrificou, com a ajuda de Lúcio e de Silvia, que levaram os ebós para o mato.
Mãe Jô disse ele deveria ainda tomar sete banhos, mas que tomaria na casa dele mesmo. Silvia ficou de vir buscar os banhos e levar para Tio Wilson. Ele tomou os banhos.
Aos poucos, Tio Wilson foi afirmando as pernas. Primeiro, andando com muletas. Depois, com bengala, até que em sete dias começou a andar amparado nos ombros da filha, e aos poucos, passou a andar devagar, mas por ele mesmo.
Por causa disso, Tio Wilson levava todos os meses material de religião para Mãe Jô, como velas, dendê, charuto, fumo de cacimbo, canjica, farinha, etc. Tio Wilson chorou muito com a morte de Mãe Jô.
MARIA JOSÉ E O PROBLEMA DE FAMÍLIA
Maria José era evangélica, esposa de Sergio, ex-motorista de ônibus da antiga CMTC, já falecido.
Sergio construiu uma casa em um terreno na mesma rua que Mãe Jô veio morar, porém, parece que a família tinha parte no terreno. O caso foi parar na justiça.
Maria José procurou Mãe Jô para pedir que a família desistisse do processo, e fosse embora. Mãe Jô a atendeu, porém, como o caso não era de religião, mas sim, de justiça e diretos de família, Mãe Jô não disse a Maria José:
- Olha, eu não vou marcar nenhum serviço. Deixa o nome deles aqui no Congá, que vou pedir para os “pais” correrem uma gira.
Isso foi tudo que Mãe Jô fez. Maria José parece ter ficado decepcionada, pois nunca mais a procurou para atendimento. O caso na justiça não se resolveu até hoje.
O ESTIGMA DO PRECONCEITO
Mãe Jô nunca teve vergonha da sua religião, a Umbanda, que praticava para o bem e a caridade em nome de Deus, sempre abrindo seus trabalhos com Pai Nosso e Ave Maria, e Glória ao Pai. Ela temia o preconceito.
Na década de 90, quando se mudou e inaugurou o segundo Congá, havia na televisão um forte discurso equivocado e generalizante das igrejas evangélicas que tentavam (e conseguiram) convencer a opinião pública que a Umbanda era algo demoníaco, e isto gerou um preconceito social contra a religião de Mãe Jô.
Esse preconceito social atingiu em cheio o coração de Mãe Jô que, se antes sentia-se honrada e respeitada na sua religião, com o tempo, passou a sentir o desprezo gerado pelo preconceito religioso. Outrora, respeitada e querida, agora passou a ser apenas “tolerada” e tal situação magoou muito o coração de Mãe Jô, algo que ela carregou até a morte. Percebia que agora era vista pelo canto dos olhos, com cumprimentos frios de mãos abertas, e corações fechados.
O medo do preconceito chegou ao ponto que Mãe Jô recusava os convites de sua filha para ir às festas da família, pois haviam se convertido às religiões evangélicas. Outra hora dizia para sua filha que não poderia recebe-la em sua casa, inventando qualquer desculpa, mas na verdade, era porque tinha consulta marcada com cliente, e temia o preconceito.
Não raras vezes, quando estava com axés prontos sobre a mesa, seu neto Saulo chegava de surpresa. Ela, então, com medo do preconceito, dizia para Lúcio “enrolar” o Saulo, até que ela escondesse tudo. Lúcio dizia que estava procurando a chave do portão, mas não era verdade.
Porém, não deixou de ajudar sua filha e seus netos, sem eles saberem. Era comum ver Mãe Jô fazendo as canjicas para Oxalá e os pretos-velhos, nas quais pedia para Lúcio colocar as fotos deles, orando e pedindo bênçãos.
No Congá de Mãe Jô havia uma cabaça grande, pintada de branco, que guardava as fotos das pessoas, inclusive da família, para proteção. Com sua morte, esta cabaça foi despachada nas águas.
AS FESTAS DE COSME E DAMIÃO
Assim que se mudou, Mãe Jô decidiu fazer sete anos de festa de Cosme e Damião, muito comum nos Centros de Umbanda na época, mas hoje quase não se faz mais. Mãe Jô adorava fazer bolos para as crianças. Estas festas eram uma alegria total da criançada.
Mãe Jô e Lúcio, compravam, pediam e ganhavam muitos doces. Faziam 100 pacotes com várias guloseimas, Além do tradicional bolo formigueiro de chocolate, que Mãe Jô sabia fazer como ninguém, não faltava o guaraná, e uma bebida chamada “atan”, que era feita de groselha, água e frutas picadas, que as crianças adoravam, muito comum no Rio Grande do Sul.
Mãe Jô colocava uma mesa no portão da rua, de modo a separar as crianças desconhecidas, das crianças “da casa”, isto, filhos e netos das pessoas que frequentavam a casa de Mãe Jô. Rapidamente os pacotes se esgotavam, no que Mãe Jô fechava o portão, e a festa continuava da porta para dentro.
Foram momentos muito alegres e felizes, pois o “Menino de Angola”, o mesmo que Mãe Jô via quando criança, via de regra, incorporava em Mãe Jô, o que garantia a alegria da criançada, brincando e pulando em cima de Mãe Jô incorporada.
Mãe Jô fez a festa de Cosme Damião por sete anos, ou seja, de 1990 a 1997, quando então Lúcio disse a Mãe Jô:
- Bom Jô, já cumprimos nossa missão!
A partir de 1998 Mãe Jô passou a fazer as festas de forma mais reservada para os frequentadores da casa.
MARIA ISABEL
Maria Isabel era vizinha de Mãe Jô veio a ser amiga de Mãe Jô da nova turma, vamos dizer assim. Mas Maria Isabel tinha problemas. O marido tinha outra mulher e já havia pedido o divórcio, e o relacionamento com a família do marido também não era bom. Tudo isso a levou a ficar depressiva, com vontade de morrer. Talvez por causa disso, teve um princípio de derrame, o que a deixou com um leve puxão na perna. Maria Isabel tinha também problemas de pressão e tomava remédios. Com esse quadro, foi consultar Mãe Jô.
- Jô, eu quero fazer trabalho para meu marido largar da amante e voltar a gostar de mim, disse Maria Isabel.
- Isso não existe Maria Isabel, guia nenhum faz ninguém gostar de ninguém. Se seu marido não tem ama mais, não tem como mudar isso. O que eu posso fazer é uma limpeza para você, e deixar as coisas acontecerem, respondeu Mãe Jô.
- Mas e se for macumba? Pergunta Maria Isabel.
- Você traz uma roupa dele, suada, e eu passo uma limpeza. Mas não posso garantir que ele volte a te amar, explica Mãe Jô.
- Então não adianta nada fazer a limpeza, diz Maria Isabel desapontada.
- Adiantar adianta, porque, pelo menos, você se limpa, e você saberá que, se ele for embora, não foi por causa de macumba, explica novamente Mãe Jô.
- Então vou fazer, diz Maria Isabel.
Mãe Jô fez para Maria Isabel uma limpeza parecida com aquela que fez para Margarida, mas incluiu o sacrifício de um galo. Por incrível que possa parecer, alguns dias depois da limpeza, Maria Isabel parou de puxar a perna, recuperando-se da pequena sequela do princípio de derrame que havia tido, e seu marido voltou a trata-la bem, embora ainda a quisesse mais e insistisse no divórcio.
Passados alguns meses, o marido finalmente saiu de casa. Maria Isabel deixou de tomar o remédio de pressão, e foi correndo à Mãe Jô para contar, vindo a desmaiar. Mãe Jô rapidamente fez um chá de sete sangria, e praticamente enfiou goela abaixo em Maria Isabel, e alguns vizinhos a levaram para o pronto socorro.
Lá chegando, depois de diagnosticada com a pressão alta, o médico perguntou se ela havia tomado algum medicamento, o que responderam:
- Mãe Jô falou que deu um chá de sete sangrias.
- Foi a sorte dela, não fosse isso teria morrido ou ficado toda torta, disse o médico.
Hoje Maria Isabel está bem de saúde, tem uma loja de ferragens. Por ter mudado, e virado evangélica, nunca mais visitou Mãe Jô. Talvez nem saiba que ela faleceu.
UM TRABALHO PARA O AMOR
Rose, outra das novas vizinhas de Mãe Jô, vinte e poucos anos, não era feia, mas era obesa. Certo dia a encontrou no mercado e disse:
- Jô, eu queria fazer um trabalho para o amor. Você sabe fazer? Perguntou Rose.
- Olha, eu não faço trabalhos para o amor, porque nem santo, nem guia nenhum faz ninguém gostar de ninguém, respondeu Jô.
- Nossa Jô, mas não tem um monte de anúncio aí dizendo que fazem amarração para o amor? Disse Rose.
- É, tem sim, mas é tudo mentira. Se existisse amarração, mãe de santo não ficava sozinha e não perdia o marido. Era só fazer uma amarração para o Reinaldo Gianechini e pronto, respondeu Mãe Jô.
- Então Jô, você vai me ajudar ou não? Poxa, sou tua amiga, disse Rose.
- Posso fazer um axé para o amor, para você, mas você também precisa colaborar e fazer um regime. Você está muito gorda! Disse Mãe Jô, sem medir as palavras.
- Ai Jô, você está certa. Eu prometo que farei um regime, mas faz esse axé do amor para mim, implorou Rose.
- Tá bom, eu vou fazer, mas sem compromisso. Se você não se ajudar, não faço milagres, respondeu Jô, sorrindo.
Mãe Jô deu a ela a lista das coisas: mel, canjica amarela, fubá. Rose comprou as coisas, e levou para Mãe Jô, que marcou o dia para fazer.
No dia marcado, Mãe Jô cozinhou a canjica amarela, e colocou em um prato branco. Com o fubá fez um coração e colocou sobre a canjica. Rose chegou e já foi logo dizendo:
- Oi minha linda! Já está pronto o trabalho para eu conseguir o meu amor?
- Sim Rose, já está pronto, respondeu Mãe Jô.
- Eu nem acredito que vou conquistar aquele gato, disse Rose.
Mãe Jô estranhou ela falar assim, mas não disse nada. Chamou Rose para a frente do Congá, e começou a passar o axé do amor em Rose, e colocou no chão.
Assim que terminou, Rose pegou uma caneta e um papel, e começou a escrever um nome. Mãe Jô pensou: “só falta ser o nome de algum rapaz”. Dito e feito.
Rose entregou o nome do rapaz para Mãe Jô e perguntou:
- Quanto tempo demora para fazer efeito o trabalho?
- Como assim? Perguntou Mãe Jô.
- Não vejo a hora de beijar aquela boca gostosa, disse Rose, fechando os olhos.
Mãe Jô, contrariada fala na bucha para Rose:
- Oh menina, você não está misturando as coisas. Eu disse que faria um pedido para Mãe Oxum para que ela colocar um amor no seu caminho. Eu não disse que faria um trabalho para que este rapaz, que nem sei quem é, gostar de você.
- Ah não! Exclama Rose, espantada.
- Claro que não, diz Mãe Jô.
- Então não adiantou nada eu vim aqui, diz Rose desapontada.
- Rose entenda o seguinte, porque você não é burra. Você pediu um axé para o amor, e eu fiz. Mas uma coisa é pedir para a Mãe Oxum colocar um amor no seu caminho. Outra coisa é você querer que a Mãe Oxum faça uma pessoa se apaixonar por você. A Mãe protege pessoas que se amam onde exista um amor puro e natural. A Mãe não faz ninguém amar alguém pela qual não sente nada, respondeu duramente Mãe Jô.
- E veja se você se enxerga, que você está muito gorda, você não se cuida e quer que o santo faça milagres, completou rispidamente Mãe Jô.
Rose encheu os olhos de lágrimas, e disse:
- É Jô, acho que você está certa.
Rose foi embora, cabisbaixa, despedindo-se quase chorando. No íntimo acreditava que tudo seria em vão.
Passadas algumas semanas, Mãe Jô cruzou com Rose novamente no mercado.
- Jô, meu amor! Rose a beija - Arrumei um namorado. Não é o que eu queria, é meio gordinho que nem eu, mas é bonito. Combinamos que vamos fazer regime juntos.
JOÃO CARAÇA, O CONTERRÂNEO
Certo dia na fila do mercado Mãe Jô viu um homem calvo, mas charmoso, olhando fixamente para ela. Ela, meio que o reconhecia, mas não reconhecia, ficou em dúvida. O homem aproximou-se e perguntou:
- Desculpe, você não é a Jô de Catanduva?
- Sim, sou eu, respondeu a Jô.
- Eu sou o João Caraça, amigo do “vaca preta”, lembra de mim? Eu tocava na banda do baile que nós íamos, disse o homem.
Mãe Jô lembrou imediatamente, claro! Vaca preta era o apelido do seu primeiro namorado, o Luís, pai de sua filha Luíza. Mãe Jô o abraçou com muito carinho e, como era de se esperar, começaram a relembrar os velhos tempos. No final da conversa, trocaram telefones, e João ficou de visita-la. Mãe deu o endereço e descobriram que eram quase vizinhos.
No dia combinado, compareceu João Caraça, sua esposa Ana e sua filha mais nova. Mãe Jô fez um delicioso bolo formigueiro, para recebe-los.
Conversa vai, conversa vem, João perguntou?
- E você Jô, virou crente?
- Não, eu sou umbandista, respondeu Mãe Jô. Trabalho “com os pais” para ajudar as pessoas fazendo limpeza, descarrego, respondeu Jô.
Com a expressão “com os pais” mãe Jô queria dizer que atendia com os guias da Umbanda.
- Legal, eu já fui muito tomar passe nos terreiros. Você pode nos atender qualquer dia? Respondeu João.
- Sim, vamos marcar! Falou Mãe Jô.
Marcaram. Mãe Jô os atendeu, marcaram alguns banhos de ervas e um axé de Oxalá para a filha menor. Mãe Jô os atendeu com muito carinho, mas depois de um tempo, desapareceram completamente. Mãe Jô sabia o endereço dele, pois visitou-o uma vez, mas como não ligou mais, nem apareceu, resolveu por dar a ele o direito de escolher o seu caminho.
Mãe Jô ficou chateada, principalmente por tratar-se de um amigo conterrâneo do seu tempo que havia testemunhado a história de seu amor adolescente, e o nascimento de sua filha Luíza, mas Mãe Jô nunca mais o viu.
DRA. OLÍMPIA, A ADVOGADA.
Dra. Olímpia, advogada, recém-formada, montou um escritório trabalhista no centro de São Paulo.
Certa vez Mãe Jô foi fazer uma abertura de caminho com axé de sete chaves, que Mãe Jô “soltou” nas ruas, em volta do escritório para o escritório da Dra. Olímpia. O escritório conseguiu bastante clientes, e Dra. Olímpia, contente, deu um fogão novo de quatro bocas para Mãe Jô e trouxe sua mãe, Dona Sida do caboclo Pena Verde, e sua irmã Lídia de Oxum para serem atendidas por Mãe Jô.
A APOSENTADORIA DA DONA CLARICE
Dona Clarice, mãe de Lúcio, já com sessenta anos, precisava completar o pagamento do INSS atrasado para solicitar aposentadoria por invalidez devido à epilepsia adquirida na infância, por comer carne de porco malpassada.
Lúcio procurou uma contadora (na época ainda era assim), e pediu para preencher os carnês que completavam o tempo necessário. Feitas as contas, Lúcio não tinha todo o dinheiro para paga-los. Faltava quase a metade.
Nessa época Dona Clarice morava com Lúcio e Mãe Jô. Sabendo da situação, Mãe Jô disse para Dona Clarice:
- Clarice, fica tranquila que eu vou pedir para o Xangô, ele vai me ajudar a conseguir o resto do dinheiro.
- Vai mesmo Jojô? Perguntou Dona Clarice. - Mas de que jeito?
- Vou fazer uma comida para ele, e ele vai me dar um sonho, eu vou jogar no bicho e vou ganhar para te ajudar, respondeu Mãe Jô.
- Quem é o Xangô? Perguntou Dona Clarice.
- Foi um rei da África, respondeu Mãe Jô.
- E onde que ele fica? Perguntou Dona Clarice.
- Fica aqui no Congá? Respondeu Mãe Jô.
- Mas eu não estou vendo ninguém, disse Dona Clarice.
- Ele fica espiritualmente, respondeu Mãe Jô.
- Então me apresenta ele, que eu quero conhece-lo, disse Dona Clarice.
- Quando eu for dar a comida dele, eu te apresento, disse Mãe Jô.
Mãe Jô preparou um gostoso amala com carne de peito, chamou Dona Clarice, pediu que ela segurasse, bateu a sineta para Xangô e pediu que Xangô ajudasse a conseguir o dinheiro para pagar o que faltava para completar o pagamento do INSS de Dona Clarice.
Dona Clarice perguntou então para Mãe Jô:
- Mas eles vêm comer a comida?
- Vem sim, respondeu Mãe Jô.
Dona Clarice não disse nada, apenas coçou o queixo, como é costume dela.
No dia seguinte, Dona Clarice levanta-se e vai direto para o Congá, para ver se vieram mesmo comer a comida, e volta desapontada, e disse para Mãe Jô:
- Acho que não vai dar certo, porque eles não vieram comer. A comida ainda está lá.
- Eles vêm comer espiritualmente, Clarice, respondeu Mãe Jô, e completou: - Mas o Xangô me deu um número, hoje vou ganhar no bicho e pagar seu INSS
Acredite se quiser. Mãe Jô foi para o chalé de bicho e jogou pesado na centena, para a PT, e pimba! ... na cabeça! Mãe Jô ganhou até mais do que precisava para completar o pagamento do INSS.
Dona Clarice disse: - Eh! Jô, esse Xangô aí é bom mesmo, pena que ainda não vi ele.
Mãe Jô deu a Lúcio a parte do dinheiro que faltava para pagar o INSS de Dona Clarice. Lúcio pagou e entregou tudo à contadora, que deu entrada no pedido.
Depois, Dona Cida, do caboclo Pena Verde, a acompanhou nos exames necessários para o pedido de aposentadoria por invalidez devido à epilepsia, que finalizou de forma positiva. Dona Clarice conseguiu se aposentar, e recebe até hoje seu benefício, graças, entre outras pessoas, também à Mãe Jô. Atualmente Dona Clarice está com noventa anos, mas está lúcida.
DAIA, A COMILONA
Daia morava na mesma rua que Mãe Jô, e frequentava sempre a casa de Mãe Jô, mas nunca consultava. Comia muito, estava gorda, barriguda. Certo dia desmaiou, depois melhorou e pediu uma consulta para Mãe Jô.
Consulta marcada, Daia fala para Seo Ze Pelintra:
- Acho que passei mal de tanto comer. Seo Zé, queria saber porque eu como tanto? E ria...
Seo Zé Pelintra olhou para ela, deu uma risadinha e falou: - Um tempo atrás você não comprou um galo para oferecer para Exu, mas ficou com dó, matou e comeu, não foi?
- Rsrsrsrsrs, foi mesmo. Eu matei e comi tudo, responde Daia.
- Pois então Dona, agora tem de pagar dois galos para Exu, para deixar de comer desse jeito, respondeu Seo Zé.
Daia concordou em pagar os dois galos. Ela havia ganhado no bicho, estava com dinheiro. Comprou os galos e pagou o serviço de Mãe Jô. Daia parou de comer como doida, emagrecendo trinta quilos em seis meses.
NÍVEA E O DESENVOLVIMENTO
Nívea era filha de Daia. Professora, também frequentava a casa de Mãe Jô mais como amiga, do que como cliente. Saiu da escola e inaugurou uma creche em sociedade junto com outra professora, que também morava ali perto. Por este motivo pediu uma consulta para Mãe Jô.
Durante a consulta, Seo Zé disse que a sociedade não daria certo, porque haveria incompatibilidade de gênio entre as duas. Foi dito e feito. A creche e a sociedade não duraram um ano.
Nívea começou a ter desmaios. Mãe Jô marcou para ela uma limpeza de Exu, e alguns banhos de ervas. Em um destes banhos, Nivea manifestou uma entidade que disse ser Pai Ogun.
A entidade incorporada, que dizia ser Pai Ogun, foi até o Congá de Mãe Jô, fez os cumprimentos de praxe, mas de repente, vira para Mãe Jô e faz sinal para ela bater a cabeça para ele. Mãe Jô fica surpresa, e sem saber o que dizer, ela diz, educadamente: - Da próxima vez eu bato, hoje não posso porque não estou bem da coluna.
Em seguida Mãe Jô “despachou” o suposto Ogun, mas não comentou nada com Nívea. Mãe Jô deixou de atende-la e parou de fazer os banhos.
A DIABETE DE CHICO
Chico, marido de Nívea, pede uma consulta para Mãe Jô por motivos de saúde. Mãe Jô aceita e marca a consulta.
Durante a consulta, Seo Zé disse a Chico que ele estava com diabete, e que estava muito alta, e que ele cuidasse logo pois corria risco de vida.
Os exames confirmaram a diabete. Chico começa a se cuidar e melhora, mas alguns meses depois abandonou o tratamento. Chico morreu um ano depois.
CAUÃ, O FILHO DE DENISE
Denise, filha da Dona Lúcia, morava na mesma rua que Mãe Jô, embora não tão perto. Dona Lúcia e Denise, também umbandistas, trabalhavam em casa, tal qual Mãe Jô.
Denise teve um menino especial chamado Cauã, com problema nas pernas que não conseguia afirmar. Denise, desesperada, ainda que tenha pedido ajuda aos guias de sua mãe e aos seus mesmos, pediu também ajuda de Mãe Jô, que pediu que ela trouxesse canjica branca cozida, e dois ovos.
Denise trouxe. Mãe Jô colocou o menino em uma bacia branca grande, colocou água da moringa do Conga, acrescentou água morna, passou os dois ovos nas pernas do menino e quebrou-os na água, passou a canjica nas pernas e deixou cair na água, com as mãos, bateu tudo bem batido e foi lavando o menino, rezando Pai Nosso e Ave Maria.
No momento das orações, Vó Cambinda incorporou em Mãe Jô, e terminou a lavagem. O menino Cauã está vivo, firme, forte e andando, até hoje.
NATALINA
Natalina conheceu Mãe Jô na feira, apresentada por Nívea. Consultada, não relatou um caso especial, mas fez um depoimento muito positivo sobre Mãe Jô.
Natalina afirma que Mãe Jô foi uma realmente uma Mãe para ela por tudo que ela fez para ajudá-la. Natalina diz que Mãe Jô a ajudou demais, demais. Recorda-se do aviso que deu seu Zé Pelintra para corrigir o filho Junior, e que foi graças a este aviso retomou o bom caminho.
Natalina lembra que em 2013, quando estava com a saúde seriamente prejudicada, e nenhum médico descobria qual era o problema, Mãe Jô a ensinou tomar um banho de canjica, aparando a canjica em uma bacia, colocar tudo em um saquinho branco, e despachar no mato. Natalina assim fez e sarou.
MONICA, A FILHA DE NATALINA
Monica, filha de Natalina, também consultou Mãe Jô, na época, por questões de emprego.
Monica diz que após as orientações de Mãe Jô junto com seu esforço, conseguiu emprego. Ainda que o emprego não fosse o sonhado, pelos menos, Monica não deixou de ter o necessário para sobreviver.
Monica conta ainda que, quando da primeira consulta, ela estava noiva, mas Seo Zé Pelintra disse a ela que não se casaria com o tal noivo, pois havia outro muito melhor para o destino dela. E foi o que aconteceu.
NEUSA E O VÍCIO DA BEBIDA
Neusa, empresária, foi apresentada à Mãe Jô por Natalina. Tinha problemas de bebida e pediu uma consulta para Mãe Jô.
- Sabe Jô, eu não bebia antes. Mas agora, não sei de onde vem essa vontade de beber pinga. De repente me vem uma secura na garganta, enquanto não beber, eu não sossego.
Consulta marcada, Seo Zé Pelintra revelou que Neusa tinha um encosto, que a estava fazendo beber.
Mãe Jô marcou uma limpeza. Um axé de Exu, axé branco para despachar na porta da igreja, um banho de ervas, e uma canjica para reforçar o anjo de guarda.
Neusa fez os trabalhos recomendados e a vontade de beber desapareceu. Depois, com a doença de mãe Jô, Neusa desapareceu.
MARIA BAIXINHA E O CASAMENTO DA FILHA
Maria, também empresária e sócia de sua irmã de Neusa, acompanhando Neusa na consulta, pediu uma consulta por causa do casamento de sua filha Tarsila, que não ia bem, porque o marido não assumia e não tinha compromisso de marido.
Na consulta com Maria Padilha foi revelado que não havia demanda, apenas o rapaz não tinha mais amor por ela. Maria queria fazer um trabalho para que ele voltasse a gostar de sua filha.
Maria Padilha foi clara: - Eu posso fazer com que eles voltem a fazer sexo, mas não posso colocar amor por ela no coração dele.
Foi feito um trabalho de adoçamento, eles voltaram a se entender como marido em mulher por algum tempo.
Após sete meses, o rapaz pegou suas roupas e foi morar com outra mulher. Maria voltou para consultar novamente:
- Padilha, não pode fazer o trabalho de novo?
Padilha foi clara e direta: - Moça, veja se entende que ele não ama sua filha. É melhor que cada um siga seu caminho, será melhor para os dois.
E assim foi.
PARTE 4
A DOENÇA
A HANSENÍASE
Em 2007 mãe Jô começou a sentir fortes agulhadas nas pontas dos dedos dos pés e das mãos, e também nas costas.
Manchas apareceram em seu rosto, e suas mãos além começou a ficar vermelha inflamada. Mãe Jô começou a perder a sensibilidade nas mãos, e a se queimar no fogão, ficando com as pontas dos dedos cheios de bolhas. A consulta médica foi diagnosticada como reumatismo..., mas não era!
Após tomar os remédios indicados para reumatismo por trinta dias, os sintomas continuavam.
Lúcio ajudava Mãe Jô com as tarefas da casa, especialmente a cozinha. Certo dia ajudando-a a lavar louça, viu Mãe Jô olhar para suas mãos e chorar:
- Eu estou perdendo minhas mãos! .... As lágrimas desceram do seu rosto.
Lúcio disse então: - Vamos fazer outra consulta com outro médico. Assim, Lúcio marcou, para uma semana depois, na Clínica Fares, com outro reumatologista, o Dr, Keppler, que após examina-la, foi taxativo:
- Reumatismo não é. Me diga o que exatamente a senhora sente.
- Ela não sente! Foi o que respondeu Lúcio, explicando o que estava acontecendo com Mãe Jô.
Dr. Keppler pegou um clip de papel, e começou a cutucar os dedos das mãos e dos pés de Mãe Jô, perguntando se estava sentindo, e Mãe Jô falou que não. Por fim. Disse:
- Eu não sou especialista, mas eu acho que é hanseníase.
- Mas o que seria isso doutor? Perguntou Lúcio.
A resposta de Dr. Keppler foi como uma bomba atômica: - Antigamente chamavam de lepra!
Lúcio sentiu o chão se abrir, em um segundo foi até o mais alto dos céus, e desceu ao mais baixo dos infernos, pensando:
“Não, isso não poderia estar acontecendo com a Jô, ela não merece isso! Ela só lavou feridas das pessoas, que tirou pessoas da cadeira de rodas, que curou crianças desenganadas, agora estava com hanseníase!!! Mas como meu Deus, ela teria adquirido isso?
Dr. Keppler interrompeu os pensamentos de Lúcio, perguntando:
- Você pode pagar uma consulta com um dermato agora? Se puder, eu já te encaixo com o colega aqui do lado.
- Claro que posso, respondeu Lúcio.
Dr. Keppler ligou imediatamente para a recepção e pediu o encaixe. Em seguida encaminhou para o colega dermatologista ao lado, que Lúcio não se lembra do nome, e veio a confirmação do especialista: era hanseníase mesmo!
A orientação dada era que ela procurasse imediatamente um posto de saúde para começar o tratamento.
Lúcio a levou no mesmo dia ao posto de saúde mais próximo da casa de Mãe Jô, na vila Progresso, próximo do Morro Grande. A enfermeira chefe que a atendeu informou que lá não havia este tratamento, mas conseguiu um encaixe no posto do SUS, na Freguesia do Ó, na rua Bonifácio Cubas, com Dr. Moisés.
A consulta com Dr. Moises confirmou o diagnóstico do colega anterior, e ele iniciou o tratamento imediatamente, dizendo:
- A partir da primeira dose você não será mais transmissora, mas se terá que seguir o tratamento à risca por um ano com PQT, que deve vir buscar no posto todos os meses, e passar por uma avaliação para analisar sua evolução.
Dr. Moises também examinou Lúcio, que não foi infectado, mas tomou uma BCG por indicação do Dr. Moises.
Lúcio lembra, com lágrimas nos olhos, que no dia que voltou da consulta com Dr. Moises, Mãe Jô deitou no sofá da sala, e chorou, dizendo para Lúcio:
- Eu estou morrendo! E com lágrimas no rosto, abraçou Lúcio, disse: - Se eu morrer, quero que você saiba que eu te amo, sempre te amei, e vou continuar te amando do outro lado!
Lúcio disfarçou as lágrimas e disse: - Não Jô, você não vai morrer agora não!
E colocou para tocar um cd do Jamelão. Enquanto tocava a música: “Quem sou eu para ter direitos exclusivos sobre ela”, Mãe Jô acompanha a música com os braços. Lúcio, sem que Mãe Jô percebesse, enxugou as lágrimas novamente.
Mãe Jô parou de atender, mas não perdeu a fé na Umbanda. Continuava arriando os axés toda semana.
O tratamento em casa
No primeiro mês do tratamento as mãos de Mãe Jô ainda minavam água, que Lúcio limpava com água oxigenada, mas aos poucos foram secando e pararam de vazar. Na sola dos pés abriram feridas, que Lúcio também lavava com água oxigenada, e que também fecharam.
Porém, era preciso melhorar a circulação no local. Lúcio comprou aparelhos elétricos vibratórios para que Mãe Jô colocasse os pés sobre eles, e também outros para colocar nas mãos. Isso de certa forma ajudou, pois Mãe Jô teve a sorte de não perder nenhum dedo. As manchas do rosto desapareceram.
Por ter seguido o tratamento à risca, Mãe Jô foi curada da hanseníase, mas as sequelas eram visíveis: Mãe Jô ficou com a mão esquerda prejudicada devido ao prejuízo do nervo do braço esquerdo, o que resultava a mão em garra, já que não conseguia mais abrir a mão completamente como se pode ver na foto, nem segurar algo com firmeza.
Além, disso, havia também a sequela interna. Lúcio, pesquisando matéria médica sobre o assunto, descobriu que alguns tipos de hanseníase resultavam, geralmente após 10 anos, em cardiopatia crônica, com insuficiência cardíaca por lesão do nervo parassimpático do coração que é ao sistema nervoso centra através da coluna. Foi isso que ocorreu com Mãe Jô 10 anos após o tratamento da hanseníase.
Além disso, após intensa pesquisa, Lúcio descobriu que um tipo de hanseníase deixava a pessoa com “cara de leão”, e Lúcio lembrou-se imediatamente de Dona Lourdes, aquela que Mãe Jô lavava-lhe as feridas desde o primeiro Congá ... Essa era a resposta que Lúcio procurava: ... Mãe Jô pegou a hanseníase de Dona Lourdes.
Pós tratamento
Após o tratamento, Mãe Jô teve uma melhora, recuperou peso, ficou mais forte. Apesar das sequelas, Mãe Jô estava bem, em vista de outras pessoas. Mas Mãe Jô não atendia mais. Apenas fazia os pedidos com os axés. Sobre isso, Lúcio lhe disse:
- Jô, depois que você pegou essa doença, você está aposentada da religião. Não tem obrigação de atender mais ninguém. Pense em você. Cuide de você.
E assim estava fazendo Mãe Jô, mas o amor pela Umbanda e a vontade de ajudar ao próximo a fariam atender novamente, como veremos mais à frente.
Lúcio não foi contaminado. Apenas precisou tomar um reforço da vacina BCG.
O COMENTÁRIO MALDOSO DOS EVANGÉLICOS
Lúcio ficou sabendo de alguns comentários de evangélicos próximos de Mãe Jô que “foi castigo de Deus. Quem manda fazer macumba para os outros? ” Lúcio ficou indignado e revoltado.
- Como podem falar de alguém que não conhecem, e de uma religião que nunca participaram? Replicou Lúcio.
- Não, evangélicos! Mãe Jô não adquiriu hanseníase por castigo de Deus, não! Ela adquiriu a hanseníase por praticar a caridade, por lavar as feridas das pernas de uma pessoa que tinha hanseníase, algo que vocês evangélicos, nunca terão coragem de fazer! E completou:
- Mãe Jô é uma heroína e uma mártir da Umbanda, seu nome tem que ser colocado no lugar mais alto do Congá, e vocês evangélicos, bem vestidos, com a Bíblia embaixo do braço, mas maldosos no coração, quando falarem o nome dela, devem abaixar a cabeça e pedir perdão pelo comentário maldoso que fizeram! E concluiu vaticinando:
- Vocês prestarão contas a Deus por esta calúnia!
ATENDENDO NOVAMENTE
Lúcio informou que Mãe Jô ficou o ano de 2007 e 2008 sem fazer nenhum atendimento, apenas fazendo as oferendas e os axés da religião. Lúcio até comprou um penacho colorido na loja de Umbanda do Luiz Antônio (o radialista Luan Padovan). Para ver se ela se animava, mas nada. Ela só atenderia novamente no fim do ano de 2009.
Tio Wilson, aquele que muitos anos atrás Mãe Jô havia curado da cadeira de rodas, teve gota em um dos pés, e fico com caroço enorme em cima do dedão do pé direito, correndo o risco de amputação. Quando Mãe Jô viu isso, ela mesmo marcou a consulta
JOSE LEITE E A CARTA DE MOTORISTA
José Leite, pai de Ângela, filha de D. Teresa, procurou Mãe Jô, desesperado. Já aposentado, continuava trabalhando como motorista na Breda Turismo. Ocorre que José Leite havia perdido grande parte da audição, embora não fosse completamente surdo. Com medo de perder a carta devido ao problema de surdes, pediu uma consulta com Seo Zé, que na consulta, disse-lhe o seguinte:
- Vai dar tudo certo.
Seo José Leite conseguiu a carta novamente e continuou trabalhando.
Certo dia encostou um caminhão e entrega na casa de Mãe Jô uma lavadeira Brastemp, de 11 quilos. Foi um presente de José Leite, que ficou sabendo que tanquinho de Mãe Jô havia quebrado.
Alguns dias depois Seo José Leite visita Mãe Jô, que agradece o presente. Mãe Jô observa que Seo José está muito magro. Quando Seo José está saindo, Mãe Jô olha para ele e diz: - Seo Zé, o senhor precisa ir no médico. Os “pais” estão falando que o senhor está com diabete.
Seo José acredita em Mãe Jô, fez os exames, que confirmam a diabetes. Seo José faz o tratamento à risca, e melhora, engordando alguns quilos.
O CASAMENTO DE ÂNGELA
Ângela, filha de D. Teresa, foi praticamente criada dentro da casa de Mãe Jô desde o primeiro Congá. Em uma consulta com a entidade Joaquim Baiano, a entidade disse-lhe:
- Cabrinha, tu vai casar com um baiano, e tu ainda vai viajar muito para a Bahia e beber muita água de coco.
Ângela riu, e disse: - Eu vou casar com um baiano e viajar para a Bahia?
- Pois é cabrinha. Já tem um baiano de olho em tu, mas tu não percebeu ainda.
Era verdade. Passava na rua o caminhão do gás, e o motorista, de nome Damião, olhava para Ângela a muito tempo, até que certo dia, Mãe Jô parou o caminhão para comprar gás, e Damião veio trazer, aproveitando para ver Ângela, o amor secreto que ele tinha.
Após a entrega do gás, Mãe Jô percebeu o jeito Damião olhava para Ângela e que perguntou:
- Você é solteiro?
- Eu sou solteiro, mas eu tenho uma filha porque eu já morei com uma mulher, respondeu Damião.
- Ela também é solteira, disse Mãe Jô, apontando para Ângela, que sorriu envergonhada.
Trocaram telefones, e Damião começou a passar mais vezes na rua, pois Ângela estava sempre na casa de Mãe Jô.
Damião fazia a sua parte. Mandava bombons e trocava mensagens via SMS, pois ainda não havia Whatsapp.
Até que um dia Ângela, vendo ser Damião um rapaz trabalhador e honesto, resolve aceitar o namoro de Damião.
Casaram-se, e Ângela, como havia dito Joaquim Baiano, foi muitas vezes para a Bahia.
ANA JULIA, A FILHA DE ÂNGELA
Ângela engravida, e Mãe Jô começou a sonhar e ver uma menina. Mãe Jô diz para Ângela que ela terá uma menina. Certo dia Ângela diz: - Jô, amanhã vou fazer o ultrassom.
- Vai dar menina, responde Mãe Jô.
Ângela retorna, e a primeira coisa que faz é telefonar para Mãe Jô: - Jô, deu menina!
- Haha! Não falei! Eu sabia! Já tinha visto que era uma menina, respondeu Mãe Jô.
Mãe Jô foi à Lapa e comprou dois cobertorzinhos, um cinza, e um amarelinho. Colocou-os no chão do Conga, rezou-os e disse: - Estes cobertorzinhos serão para proteger a menina. Na época ainda não haviam escolhido o nome.
Após isso, os sonhos de Mãe Jô com Ana Júlia se tornaram mais fortes. Mãe Jô não sonhava, como via Ana Júlia correndo pela casa, com uma botinha nos pés, e os cabelos para cima, dizendo:
- Tia Jô, leva meus cobertorzinhos para minha mãe, porque já está chegando a hora de eu nascer! E fala para minha mãe tomar um banho de canjica!
Mãe Jô ligou para Ângela e disse:
- Ângela, vai encontrar comigo lá no mercado Pampa, porque essa menina não está me dando sossego. Agora ela quer os cobertorzinhos.
Ângela, ainda grávida, foi buscar os cobertorzinhos, e como já estava perto do mercado, comprou a canjica para tomar um banho.
Quando Ângela foi para o hospital, Mãe Jô fez uma canjica branca para Pai Oxalá, uma canjica branca para Mãe Iemanjá, e uma canjica amarela para Mãe Oxum. Colocou o nome da Ângela nas canjicas, com o endereço do hospital. Tudo correu bem, e Ana Julia nasceu com saúde.
O nome Ana Júlia foi sugerido por Mãe Jô. Na época Ângela queria colocar Beatriz, mas Mãe Jô disse que tinha outro nome que era melhor para ela: Ana Júlia. A sugestão de Mãe Jô foi aceita.
Após o nascimento, Ângela trouxe Ana Júlia para Mãe Jô, e Vó Cambinda deu-lhe um banho de canjica branca.
Aos dez meses, Ana Júlia fico muito raquítica e Mãe Jô ensinou passar óleo de rícino na coluna dela, para que ela não tivesse “mal de semioto”. Ângela fez, e Ana Júlia recuperou a saúde. Sempre preocupada, Mãe Jô recomendava à Ângela que desse sempre banho de canjica em Ana Júlia.
Ana Júlia cresceu bela e com saúde, uma criança normal. Sempre que sonhava, Ana Júlia telefonava para Mãe Jô, para Mãe Jô jogar no bicho, ganhar e dar um dinheirinho para ela. Mas certo dia Ana Júlia ligou chorando, porque as crianças estavam brigando com ela na escola:
- Não chore não. A tia vai te dar um pé de arruda para te proteger! Disse Mãe Jô, brincando.
Mãe Jô pediu a Lúcio que fosse à feira e comprasse um pezinho de arruda. Mãe Jô rezou-o com um pai nosso, uma ave-maria e um glória-ao-Pai, e colocou-o ao lado dos pretos-velhos, para que Ana Júlia pegasse na próxima visita. Ana Júlia ficou radiante quando viu o pezinho de arruda. Levou-o toda feliz. Segundo Ângela, ela sempre conversa com ele.
Ana Júlia chorou muito quando soube que Mãe Jô havia falecido.
A LOJA DE UMBANDA
Mãe Jô ficou sabendo que havia sido inaugurada uma loja de Umbanda na vila Cruz das Almas. No Morro Grande onde morava não havia loja. A mais próxima era a loja do Jorginho, na Vila Brasilândia, mas tinha que subir uma ladeira que lhe tirava o fôlego. Então, lá foi Mãe Jô conhecer a nova loja de Umbanda.
Lá chegando foi atendida por Hélio, um dos donos:
- Olha, se você quiser que sua loja enche de clientes, coloque um Seo Zé Pelintra na porta, dentro de uma alguidar, e regue ele de pinga todos os dias, disse Mãe Jô.
- É bom? Perguntou Hélio.
- É joia! Seo Zé Pelintra vai trazer um monte de freguês! Respondeu Mãe Jô.
- Tá bom, vou fazer.
Passado algum tempo, Mãe Jô retornou para novas compras. Lá chegando, viu o Seo Zé Pelintra na porta. Assim que Hélio a viu, foi logo dizendo, sorrindo:
- Menina, que axé é este? Fiz o que você falou, coloquei o Seo Zé Pelintra na porta, e naquela semana, veio tanto freguês, que eu vendi para o mês inteiro!
- Não falei! Seo Zé é 10. Ele é meu namorado! Nego lindo! Quem tem Seo Zé, tem tudo! Respondeu Mãe Jô.
O assentamento do Seo Zé Pelintra, conforme orientado por Mãe Jô, está na loja até hoje!
UM MOMENTO ENGRAÇADO
Foram muitos momentos engraçados em toda a trajetória religiosa de Mãe Jô, mas um especialmente Lúcio lembra com alegria, ao mesmo tempo com lágrimas no olho pela saudade.
Estavam Lúcio e Mãe Jô a oferecer comida para os caboclos: milho cozido, como ralado e mel. Lúcio estava salvando os caboclos:
- Salve o caboclo Pena Branca, salve o caboclo Pena Roxa, salve o caboclo Arranca-toco ... quando de repente Mãe Jô exclamou:
- Salve o caboclo Milho Verde...!
Lúcio parou, olhou para Mãe Jô e começou a rir ... até sentou de tanto rir.
- Caboclo Milho Verde, hahahahaha, esse eu nunca vi .... Caboclo Milho Verde, kkkkkkkkkk, disse Lúcio.
- Não é Milho Verde? Perguntou Mãe Jô.
- É Lírio Verde!
- Ai, é mesmo! Disse Mãe Jô. – Não sei de onde eu tirei esse caboclo Milho Verde! Rindo também.
A DEBILIDADE DA SAÚDE
Mãe Jô começou a apresentar sintomas de cardiopatia a partir de 2018, exatamente 10 anos após o termino do bem-sucedido tratamento da hanseníase, conforme Lúcio já havia pesquisado na matéria médica.
Os exames mostraram insuficiência da valva mitra, arteriosclerose das artérias, cardíaca, relaxamento do músculo cardíaco, e alguns outros sintomas, que levaram Mãe Jô a perder peso, e diminuir suas atividades.
SIMONE E O PROBLEMA NA PELE
Mesmo sem poder atender, Mãe Jô não deixou de ajudar o próximo, como veremos o caso de Simone, outra vizinha de Mãe Jô.
Estava Mãe Jô no portão, quando passou Simone, que veio diretamente a ela:
- Jô, será que você não poderia me atender? Eu não estou bem, tenho uma coceira que não passa, não durmo, estou emagrecendo, sinto dor no corpo inteiro, um peso nas cabeça.
- Simone, eu não estou bem de saúde, quando eu melhorar, eu te atendo, mas eu vou te ensinar uma simpatia que vai te ajudar, respondeu Mãe Jô.
- Diga Jô, faço tudo que você mandar, falou Simone.
- Você vai pegar sete bifes de carne, sete saquinhos de mercado. Vai abrir os saquinhos e vai enrolar os bifes nos saquinhos. Depois você vai até uma praça longe, que tenha uma árvore grande. Lá nessa árvore você ficará de costas para ela, passará os bifes pelo corpo todo, de dois em dois, começando pela cabeça, e terminando nos pés. Saia sem olhar para trás, ensinou Mãe Jô.
- Compre também um pedaço de fumo de corda no Mercadinho da Paula, e deixe um banho pronto para você tomar quando voltar da praça. Coe e jogue da cabeça aos pés.
Depois Mãe Jô comentou com Lúcio que “os pais” falaram para ela que haviam colocado a fotografia dela na boca do sapo, mas que eles iam ajuda-la, se ela fizesse o que foi ensinado.
Após uma semana, Simone encontrou Mãe Jô. Estava mais alegre, mais disposta. Simone disse:
- Jô, estou bem melhor, graças a você. Fiz tudo direitinho. Saiu o peso, saíram as dores, a coceira diminuiu, não tem quase nada mais. Estou ótima.
- É porque fez com fé. “Os pais vão te ajudar”!
Simone foi a última pessoa que Mãe Jô atendeu, ou melhor orientou.
PARTE 5
A MORTE
A MORTE
Mãe Jô faleceu em sua casa, de enfarto fulminante, no dia 17/09/2019 às 23:55 hs.
Nesse dia, curiosamente, o relógio da cozinha parou no horário de 16:10 minutos, um ponteiro no 2 e outro no 4, ou seja, marcando 24, exatamente a hora que Mãe Jô veio a falecer. Nada conseguiu fazer o relógio funcionar novamente.
No dia 18/09/2019, durante o tempo que o corpo de Mãe Jô estava no IML, aconteceu uma grande ventania que rodopiava tudo que estava no chão, mas que parou assim que seu corpo saiu. Isso foi acontecimento incrível, segundo Lúcio.
Mãe Jô foi velada no velório do cemitério da Freguesia do Ó durante toda a madrugada de 18/09/2019. Lúcio, visivelmente transtornado, abalado e descontrolado, a beijava na testa, de quando em quando.
Foi muito grande a quantidade de pessoas que vieram ver Mãe Jô, entre vizinhos e amigos. Lúcio lembra de alguns: Tio Wilson, D. Iraci, D. Teresa, Seo José Leite, Ângela, Damião, Deise, Dalci, o genro Dijalma, a filha Luiza, o neto Saulo, Samuel, o neto mais novo, que trouxe também um jovem pastor para orar, Selma e o marido, Renato, Noêmia vizinha, Neusa Vizinha, Seo Hélio, Luiz Antônio, Adriana, e muitas outras que Lúcio não lembra o nome.
Mãe Jô foi sepultada no dia 19/09/2019 às 12:00 hs Lúcio, descontrolado, querendo filmar, quase caiu dentro da cova junto com ela.
A MISSA DE SÉTIMO DIA
A missa de sétimo dia foi dia 27/09/2019 na Igreja de Nossa Senhora Aparecida, no Morro Grande (baixo), na rua Maria Nazário da Silva, em frente ao Supermercado Bom Vizinho, do William e da Paula, que aceitaram em colocar um cartaz avisando.
No dia da missa, a igreja estava cheia. O nome de Mãe Jô foi falado três vezes durante a missa. Lúcio pode ver muitos vizinhos, muitos, mesmo. A filha Luiza, o neto Saulo, o neto Samuel e o genro Dijalma não puderam comparecer.
OS PRECEITOS DA UMBANDA
Lúcio cumpriu os preceitos da Umbanda para o desligamento de Mãe Jô. Primeiro esvaziou as quartinhas de Umbanda dela, e depois, quebrou e despachou nas águas as coisas pessoais, como roupas de religião, guias, imagens e quartinhas. Depois cobriu o Conga com pano branco, deixando apenas os pretos velhos dentro das vasilhas, no chão, recebendo todos os dias o pirão de farinha de milho branco e café, que era trocado todos os dias.
No sétimo dia Lúcio fez o ritual do encaminhamento. No décimo quarto fez a iluminação e no vigésimo primeiro, a glorificação. Após isto, a cada trinta dias repete o ritual da glorificação.
Estes passos são necessários apenas para quem era chefe de Umbanda. Nos outros casos faz-se apenas o primeiro rito do encaminhamento.
Lúcio providenciou também o “pote de lembrança” onde ela será lembrada e rezada.
OS SONHOS DE ÂNGELA
Ângela, que conviveu muito tempo na casa de Mãe Jô, foi a primeira a sonhar. Teve três sonhos, todos antes de completar trinta dias da morte. O primeiro sonho foi depois de Lúcio ter feito o ritual do encaminhamento, no sétimo dia:
Ângela sonhou que vinha até à casa de Mãe Jô, que estava deitada na cama. Ângela perguntou a ela:
-Mas porque você morreu?
- Eu morri porque chegou a minha hora. Eu também já não aguentava mais. Disse Mãe Jô para Ângela.
O segundo sonho foi depois de Lúcio ter feito o ritual da iluminação, no décimo quarto dia:
Ângela sonhou que estava na frente do Congá, e Mãe Jô estava toda de branco, com as guias no pescoço dando voltas em torno dela. Ângela perguntou:
- Mas você não morreu?
- Agora eu vou trabalhar do lado de cá, mas eu vou continuar ajudando.
O terceiro sonho foi depois de Lúcio fazer o ritual da glorificação, no vigésimo primeiro dia:
Ângela sonhou que veio à casa de Mãe Jô, e esta veio recebe-la. Então Ângela perguntou:
- Mas se você já morreu, o que você está fazendo aqui?
- Eu vou ajudar o Lúcio fazer a mudança.
O SONHO DE LÚCIO
Após o ritual de trinta dias, Lúcio conta, com os olhos em lágrimas, que sonhou com Mãe Jô, um sonho que o deixou confortado, pois “ela estava bem”:
Lúcio sonhou que estava em um ônibus, que mais parecia uma nave espacial, pois ele subia verticalmente como um disco voador.
A um certo momento, Lúcio viu Mãe Jô com a camisa branca e a calça preta. Mas não era roupa de religião, era roupa comum. Ela estava do outro lado da rua, abrindo um portãozinho vermelho para entrar em uma casinha branca, um cômodo e cozinha.
Ao vê-la, Lúcio deu um grito, desceu rapidamente daquele ônibus-nave e correu ao encontro de Mãe Jô, que aparentava mais jovem e com o rosto brilhante.
Mãe Jô também correu ao encontro dele. Se abraçaram e encheram os olhos lágrimas. Então Mãe Jô disse:
- Agora eu moro aqui!
SE UM DIA EU VIRAR SAUDADE
Procura por mim no silêncio da madrugada
Se um dia eu virar saudade
Lembra-te que eu segui outra estrada
Parei de escrever no teu coração
E as linhas do teu corpo já não são mais a minha inspiração
E desse adeus que eu nunca quis dizer
Nada mais podia fazer
Rasguei as páginas e espalhei-as pelos quatro cantos do mundo
Limpei as lágrimas e decidi finalmente ser feliz
E o que sentia por ti ficou guardado bem lá no fundo
A vida é um constante recomeço
E da dor uma nova mulher se vai erguer
Encontrar essa paz que eu tanto mereço
E um dia a minha história se vai reescrever
Mas antes quero colar os pedaços de um coração partido
Que foi ingenuamente iludido
E que se entregou sem hesitar
Por tanto te amar
Nunca parou para pensar
Que um dia a partida teria que acontecer
O luto não é apenas a morte de outro ser
É quando vivemos em um profundo não ter
E pouco a pouco deixamos de viver
E por vezes é melhor assim
Dói, mas um dia vai passar
E aceitar que chegou ao fim
E antes de amar outro alguém
Prometi a mim mesmo amar-me
Encontrar essa paz que tanto anseio
E quando o momento chegar
E voltar a entregar-me
A chama de poeta que arde na minha alma
Voltará a reacender
E as palavras que estão guardadas no meu peito
Outro sorriso as vai fazer reaparecer
E depois da dor…
Depois da dor virá o amor …
E sem nunca desistir vou lutar…
E um dia o voltarei a te encontrar …
Poesia de
Pedro Duarte Rodrigues Martins
OUTROS LIVROS DO AUTOR:
• Laroye, Polêmicas da Religião Ioruba, 2019, 225 pgs.
• Obatala e a Criação do Mundo Ioruba, 2021, quarta edição, 120 pgs.
• As Folhas Afro-brasileiras de Pierre Verger, 2023, 200 pgs.
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