Projeto: Ernst & Young - Mulheres na Tecnologia
Entrevista de Karen Santos
Entrevista por Grazielle Pellicel
São Paulo, 19 de julho de 2023
Código da entrevista: MTS_HV011
Revisada por Grazielle Pellicel
(0:19) P1 - Então Karen, primeiramente, muito obrigada por ter aceito o convite. E, para começar, eu gostaria que você dissesse seu nome completo, sua data de nascimento e o seu local de nascimento.
R - Meu nome é Karen Regina dos Santos, nasci em 29 de maio de 1992, e nasci em São Paulo.
(00:34) P1 - Você sabe como foi o dia do seu nascimento, alguém te contou?
R - Não com tantos detalhes, eu sei que eu nasci três horas da manhã, horário um pouco assustador. Mas não, nunca cheguei a perguntar para minha mãe sobre como foi. Boa pergunta!
(00:56) P1 - E você sabe por que o seu nome é Karen?
R - Olha, minha mãe disse que escolheria ou Karen ou Karina e que o segundo nome seria Cristina e não Regina, mas, por algum motivo, ela quis mudar.
(01:12) P1 - E qual que é a origem da sua família?
R - Minha família, minha mãe nasceu aqui em São Paulo mesmo, meu pai, no interior, em Bauru. A minha mãe, ela perdeu a mãe dela com três anos de idade, infelizmente. Ela tem mais duas irmãs, minhas duas tias biológicas. E naquele momento em que minha avó faleceu, meu avô… eles sempre foram da igreja, sempre foram evangélicos, meu avô não quis ficar com nenhuma das três, uma delas foi para uma irmã da igreja, a outra para uma outra irmã da igreja e a minha mãe também para uma irmã. Então, eu tenho hoje uma família de criação da minha mãe, uma grande família, que não é biológica, mas que acabou criando ela. Já o meu pai veio do interior muito cedo para São Paulo, antes dos dezoito anos para conseguir trabalhar, enfim, conseguir emprego, sustento e tudo mais. E hoje ele voltou para o interior, depois de aposentado. Tem uma grande família do lado de lá também.
(02:15) P1 - Qual que é o nome dos seus pais?
R - Minha mãe é...
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Entrevista de Karen Santos
Entrevista por Grazielle Pellicel
São Paulo, 19 de julho de 2023
Código da entrevista: MTS_HV011
Revisada por Grazielle Pellicel
(0:19) P1 - Então Karen, primeiramente, muito obrigada por ter aceito o convite. E, para começar, eu gostaria que você dissesse seu nome completo, sua data de nascimento e o seu local de nascimento.
R - Meu nome é Karen Regina dos Santos, nasci em 29 de maio de 1992, e nasci em São Paulo.
(00:34) P1 - Você sabe como foi o dia do seu nascimento, alguém te contou?
R - Não com tantos detalhes, eu sei que eu nasci três horas da manhã, horário um pouco assustador. Mas não, nunca cheguei a perguntar para minha mãe sobre como foi. Boa pergunta!
(00:56) P1 - E você sabe por que o seu nome é Karen?
R - Olha, minha mãe disse que escolheria ou Karen ou Karina e que o segundo nome seria Cristina e não Regina, mas, por algum motivo, ela quis mudar.
(01:12) P1 - E qual que é a origem da sua família?
R - Minha família, minha mãe nasceu aqui em São Paulo mesmo, meu pai, no interior, em Bauru. A minha mãe, ela perdeu a mãe dela com três anos de idade, infelizmente. Ela tem mais duas irmãs, minhas duas tias biológicas. E naquele momento em que minha avó faleceu, meu avô… eles sempre foram da igreja, sempre foram evangélicos, meu avô não quis ficar com nenhuma das três, uma delas foi para uma irmã da igreja, a outra para uma outra irmã da igreja e a minha mãe também para uma irmã. Então, eu tenho hoje uma família de criação da minha mãe, uma grande família, que não é biológica, mas que acabou criando ela. Já o meu pai veio do interior muito cedo para São Paulo, antes dos dezoito anos para conseguir trabalhar, enfim, conseguir emprego, sustento e tudo mais. E hoje ele voltou para o interior, depois de aposentado. Tem uma grande família do lado de lá também.
(02:15) P1 - Qual que é o nome dos seus pais?
R - Minha mãe é Edite, Edite Barbosa e meu pai é Juraci dos Santos.
(02:20) P1 - E o que eles fazem, ou faziam?
R - Minha mãe trabalhou por muitos anos como auxiliar administrativa, auxiliar de escritório, ela entrou na empresa muito jovem, inclusive também foi ali dentro da igreja, com alguns contatos. Ficou nessa empresa por alguns anos, até sair para ter a minha gravidez, depois voltou a trabalhar nessa empresa e se aposentou lá. Então, trabalhou realmente na mesma empresa durante, praticamente, a vida toda. Já o meu pai teve várias funções, já foi mecânico, tentou até abrir uma borracharia, mas passou grande parte da sua trajetória sendo eletricista de ônibus. Então, os ônibus que rodam em São Paulo, meu pai provavelmente arrumou algumas partes elétricas ali deles, para eles funcionarem.
(03:07) P1 - E você sabe como eles se conheceram?
R - Também muito por conta da igreja. Então, naquela época, tinha muita questão dos relacionamentos serem mais arranjados, digamos assim. Então, entre uma conexão e outra na igreja, eles acabaram se conhecendo, aí se relacionaram e se casaram.
(03:29) P1 - Você tem irmãos?
R - Tenho um irmão mais velho.
(03:32) P1 - Como é que é a relação de vocês?
R - É uma relação um pouco mais distante, porque depois do divórcio dos meus pais, eu acabei indo morar com a minha mãe e o meu irmão foi morar com meu pai, então ali acabou acontecendo meio que uma ruptura dessa relação também de irmãos. Enquanto não acontecesse divórcio, a gente sempre foi muito próximo, inclusive bem naquele perfil de irmãos que brigam o tempo todo, mas estão sempre juntos ali. Eu sempre fui do perfil mais moleca também, quando criança, então tava sempre com ele, com os amigos dele. Depois de um tempo, conforme houve esse divórcio, ele continuou morando com meu pai e eu com a minha mãe. E depois ele se desenvolveu um pouco mais rápido do que eu, teve duas filhas e hoje ele reside com uma das mães de uma das minhas sobrinhas.
(04:26) P1 - E você chegou a morar mais de uma casa quando era criança?
R - Sim! Eu nasci em Perus, e aí depois a gente se mudou para o Ipanema, que fica na região ali do Jaraguá, fiquei lá até os meus dez anos. Depois eu fui, com a minha mãe, morar em Panamericana, no Jaraguá também. Fiquei com ela até os meus 27, depois eu saí de casa para morar sozinha.
(04:55) P1 - E quais são as lembranças dessas suas casas da infância?
R - Eu tive uma infância que sempre foi muito escassa, uma família que cresceu numa classe média baixa e ali a gente meio que sempre tinha que se virar, viver na _____ em si. Minha família, por ter o berço evangélico, meu pai sempre foi muito rígido e eu lembro, a memória que eu tenho dele, assim, até hoje, ele é um cara muito firme mesmo. Assim, uma das coisas que me traz de lembrança é dele sempre chegando do trabalho com as compras, com algo, mantendo aquele padrão da figura paterna, mantenedor do lar. E minha mãe muitas vezes em casa, ou voltando também do trabalho, mas ali nas atividades mantendo a gente enquanto filhos dela. Então, durante muito tempo, eu e meu irmão, enquanto a gente estava juntos, a gente ficou muito em casa e sozinhos, então tenho boas memórias, inclusive da gente se divertindo com coisas que são muito simples. A gente pegava, por exemplo, as fitas cassetes dos hinos do meu pai e regravava rap em cima e ficava cantando ali, gravava os programas de rádio, até ele chegar e brigar com a gente. Ou brincar na rua, a gente brincava muito na rua, de bola, de carrinho de rolimã, entre muitas outras coisas, pique-esconde. Todas essas coisas que hoje em dia, inclusive, é difícil de ver criança brincando na rua, a gente se divertia muito. E aí quando meu pai chegava, ele já colocava a gente para dentro e a gente sempre meio que contrariava ele. Então, eu acho que tenho uma memória afetiva muito próxima do meu irmão em si, do meu pai é um pouco mais de ausência, ou estando em alguns momentos específicos ali. E da minha mãe, muito nesse lugar de fazer muitas coisas ao mesmo tempo, tem que dar conta do próprio trabalho, depois da casa no final do dia, no final de semana também. Então são essas as relações de infância.
(07:15) P1 - Você lembra da reação do seu pai quando ele colocou um vídeo para tocar e tinha rap no lugar de hino?
R - Ele ficava muito bravo. E a gente se recolhia, pedia desculpas, mas outro dia a gente já estava aprontando de novo. Teve um dia, que não sei o que que a gente fez e ele tinha mania de pegar, que hoje é óbvio que não é o indicado, mas naquela época ele assustava a gente com uma cinta, ou alguma coisa, um chinelo e tal. E aí eu lembro que um dia eu peguei e saí correndo na rua de calcinha para não apanhar dele, pequenininha, mas era sempre muito nós, de aprontar alguma coisa e tirar ele do sério.
(08:00) P1 - Sua família tem algum costume especial, alguma comemoração que vocês gostam de fazer em família?
R - Naquela época, a gente tinha costume de ir para Bauru. A gente nunca foi uma família que viajou muito, o único lugar que a gente ia era ver a família do meu pai, então ele colocava a gente no carro, a gente ficava quatro horas na estrada e ia para Bauru. Uma das coisas que eu e meu irmão mais gostávamos era parar no Rancho da Pamonha, por exemplo, que sempre tem um, ou parar naquele que tem a coxinha mais cara do mundo, esqueci o nome agora. Mas era sempre muito bacana, porque era um ambiente familiar, onde estava os quatro indo viajar mesmo que fosse pro interior. Então, esse é um dos pontos. E tinha as questões das festas mesmo, final de ano, natal, ano novo, que era sempre ou com a família de Bauru vindo para cá ou a gente reunindo com a família da minha mãe de criação. São momentos que eu me recordo.
(09:02) P1 - Sua família, vocês tinham aquele costume de assistir TV, ouvir rádio?
R - Olha, demorou um pouco para a gente ter uma televisão em casa, não lembro exatamente com quantos anos entrou a primeira TV na minha casa, muito por conta, de novo, da religião, da igreja. Meus tios também, eu lembro que as minhas primas, o qual eu passava as férias na casa delas, acho que elas foram ter uma televisão quando elas tinham, sei lá, quinze anos, alguma coisa assim. A gente tinha rádio. Meu pai sempre foi músico, cuidou da orquestra da igreja, então, vitrola, rádio, era uma coisa que a gente tinha. Agora, TV demorou um pouquinho. E aí quando a gente passou a ter, lembro daquelas TVs grandonas, de tubo, tinha poucos momentos, acho que a gente assistia muito desenho, eu e meu irmão, quando a gente voltava da escola. E os meus pais era mais jornal no final do dia, o noticiário.
(10:05) P1 - Tem alguma comida que remete à sua infância?
R - Tem algumas! A gente adorava quando a minha mãe fazia mandioca frita. Tem um momento muito específico também da nossa história, que era o momento de muito escassez, então eu lembro da gente ter alimentos como pé de galinha, casca de batata frita. Minha mãe, inclusive, não lembra disso, mas eu lembro [que] um dia eu compartilhei com ela. “Nossa, não lembro disso!". Eu falei: “Eu lembro!”. E ela sempre cozinhou muito bem. Eu cozinho também muito bem, porque eu comecei a cozinhar muito cedo. E aí tudo que ela fazia ficava bom, desde a casca de batata até a mandioca, até o arroz e feijão fresquinho. Acho que toda comida que a minha mãe se propunha a fazer era muito boa, ela fazia muitos doces também, fazia muito bem. Ainda faz! Tem um bolo que ela faz, que até hoje nas festas de final de ano, toda a família pede, que é o toalha felpuda, é um bolo de coco com muito coco e aí fica perfeito. Eu sou suspeita para falar de comida de mãe, porque tudo que ela faz é muito bom.
(11:15) P1 - Vocês já tinham uma ideia quando criança de: "Ah, quando eu crescer vou ser isso"?
R - Olha, tinha algumas perspectivas de ideia do que eu seria quando eu crescesse, uma delas, de novo, era a visão do meu pai, então eu cresci ouvindo do meu pai que eu deveria trabalhar, provavelmente, a vida toda em uma única empresa, que eu teria que prestar concurso público, que eu teria que casar e ter filhos, que eu teria que comprar um terreno para construir uma casa e não ousar muito, porque isso seria suficiente. Para o desespero dele, eu fui para um lado completamente contrário. Depois eu conto. Mas de profissão, eu lembro de desejar ser veterinária, mas hoje eu acho que nem faz tanto sentido assim, porque eu não sou muito próxima de bichinhos. Mas acho que era isso, por algum motivo, eu queria ser veterinária. Obviamente também, pelo lado deles, vinha um reforço de [que eu fosse] professora, médica, advogada, aquela coisa, mas acho que nunca foi o meu desejo de fato. Eu sempre fui uma criança também muito criativa, então eu gostava muito de desenhar, de rabiscar, de viver as minhas histórias na minha cabeça. Inclusive, quando eu ficava muito sozinha, depois do divórcio dos meus pais, morando com a minha mãe, era uma maneira também de eu não me sentir muito sozinha, então eu desenhava ali, criava meio que o mundo à parte para conseguir meio que lidar com aquele ambiente um pouco vazio. Então, isso, inclusive, acredito que moldou um pouco mais a minha decisão de profissão, do que a ideia de: “Ah, eu quero ser isso ou quero ser aquilo.”
(13:04) P1 - E nesse período de infância, você já teve contato com computador, tecnologia?
R - Demorou bastante para eu ter o primeiro contato com o computador. Lembro, de novo, de eu passar as férias na casa da minha prima e depois, sei lá, ela já com dezoito anos, tinham aquele computador de tubo cinza, com internet discada e era o computador que meu tio mexia lá para trabalhar e tal e às vezes a gente podia usar, então era um evento quando eu ia para casa delas, porque lá tinha um equipamento diferente de tudo, que poucas pessoas na época tinha. E aí, basicamente, eu ficava jogando ali, paciência, jogo de cartas e tal e era muito legal. Depois de uns anos, eu na escola já, no ensino médio, participei de alguns programas e tinha um programa chamado Acesso Escola, e aí eu consegui participar, passei para ser uma das alunas que cuidava da sala de informática da escola estadual. Então, ali eu consegui, era meio que o meu primeiro estagiozinho, e aí eu comecei a ter um pouco mais de contato com o computador, então eu ficava, basicamente, na sala. Poucos alunos iam mexer no computador, então eu ficava lá o tempo todo. E eu meio que também atendia a parte da biblioteca, e lá tinha um outro computador, então lá eu meio que comecei a mexer, me interessar, entender um pouquinho mais.
(14:27) P1 - E a sua primeira escola, era perto da sua casa?
R - Sim, sim! Tanto a do ensino fundamental, quanto a do ensino médio.
(14:34) P1 - Você estudou todo o período numa escola só?
R - Não! O ensino fundamental foi numa escola, onde eu morava, no Ipanema. E a Estadual foi em outra escola, já no Panamericano.
(14:47) P1 - Como é que foi o fundamental?
R - Foi diferente, eu acho. Eu lembro de ter algumas estratégias, enquanto eu era já criança, estratégias que hoje eu enxergo que foram extremamente importantes para eu lidar com determinadas situações. Eu sempre ficava muito junto de um grupo específico, um grupo onde tinha uma menina popular da escola, que era a mais bonita e a mais cobiçada, uma que era a mais bagunceira, que ninguém mexia com ela, senão ela ia causar horrores com todo mundo e tinha mais alguns nichos, alguns grupos específicos. Em determinado momento da escola em si, eu sempre fui muito estudiosa, eu sempre gostei muito de estudar, não que eu fosse boa em todas as matérias, mas eu tentava. Tem alguns momentos muito marcantes, um deles foi a aula de história [do] professor Odair, lembro o nome dele, e toda sexta-feira ele dava aula de xadrez, e aí eu aprendi a jogar xadrez, eu jogava xadrez muito bem. Aí teve um campeonato que eu participei, tava eu e uma menina na final, prestes a ganhar, eu poderia mexer a peça e dar o xeque-mate nela, e aí a sala inteira em volta, maior pressão, e aí ele parou, ele falou: “Karen, você pode dar o xeque mate nela, ou você pode optar por WO. As duas ganham a medalha e tá tudo certo". Eu falei: “Não, vou dar o xeque mate!”. E aí dei o xeque mate, levei a medalha para casa, uai! Por que que eu ia deixar empatar, se eu poderia ganhar? E depois eu fiquei pensando nisso. Numa outra conversa, a pessoa falou: "Por que será que ele fez isso?", "Não sei!", mas porque seria uma opção eu deixar que aquele empatasse. Então esse foi um ponto. Segundo, das pessoas que eu andava ali, tem uma característica muito específica de meninas negras que é: não ser a menina desejada, não ser a menina que os meninos vão querer conhecer, vão querer ficar. E, de fato, esse nunca foi o meu lugar! Então, eu era geralmente o cupido, tipo: "Ah, sua amiga lá, dá um jeito da gente se conhecer, não sei o quê". Só que também demorou um pouco para eu me questionar sobre isso, entender porque que isso acontecia, ou porque não e tal. Mas eu sabia que estar perto dessas pessoas me protegia de alguma forma. O que não me protegeu 100% inclusive também de bullying, de xingamentos, de ofensas que acontecem muito dentro da escola e que eu acredito que é um dos períodos mais violentos mesmo para as crianças. Eu não sei hoje em dia, vejo pela minha sobrinha, inclusive pergunto para ela se ela sofre esse tipo de retaliação, ela disse que não, mas na minha época de escola isso era muito forte. Então eu ia meio que criando mecanismos, entrando em algumas atividades específicas, ou para ser muito boa, ou para me proteger em torno de pessoas que não necessariamente eram atingidas. Então, essa é um pouco da memória que eu tenho da época da escola. Tem uma outra parte também mais artística, eu sempre gostei muito de dançar, ou dos esportes em si, então, educação física, sempre fui muito boa e handebol, futebol. Em toda feira de escola eu participava de dança, ia dançar, então tenho boas memórias, tem umas que não são tão boas, mas que ficaram marcadas.
(18:19) P1 - E no ensino médio, mudou alguma coisa?
R - Ensino médio, inclusive teve uma escola que eu estudei por um período muito curto, ali na Pompéia, que é Zuleica e ali eu fiquei pouquíssimo tempo, foi uma escola que tinha uma direção muito rígida, mas era uma direção rígida assim, acima do normal, de beirar o distrato mesmo com os alunos e ali eu fiquei por pouquíssimo tempo, até eu entrar na escola mais próxima de casa. E ali foi o momento onde houve, inclusive, essa conexão maior com o computador, com o Acessa São Paulo, com a tecnologia. Então, de novo, eu estava envolvida em alguns programas ali para conseguir ter um pouco mais de acesso, aproveitar as oportunidades que estavam surgindo. Foi um momento onde, inclusive, as outras coisas começaram a mudar do fundamental, do ponto de vista de me enxergar como uma, já nessa época, adolescente negra. É um momento onde inclusive eu beijo pela primeira vez, então começa a ser desejada pelos menininhos. Isso, com dezessete anos, eu acho. Então teve um período assim para me enxergar nesse lugar. E foi um momento onde eu comecei a pensar um pouco mais nessa questão da profissão, para qual caminho eu ia seguir, o que que eu gostaria de fazer e tudo mais. Já estava tendo uma certa idade de começar a pensar no vestibular, então foi importante nesse quesito.
(19:51) P1 - E na época da adolescência, você gostava de fazer o que para se divertir?
R - Olha, eu, diferente de algumas meninas e adolescentes, comecei a trabalhar muito cedo, então já no ensino fundamental, já fazia algumas coisas. Então, eu já fui professora de dança para criança, já fui faxineira, já fui operadora de telemarketing, secretária, enfim, já tiveram várias atividades. E isso muito por conta de morar com a minha mãe e da gente precisar manter ali o lar. Então ela trabalhava o dia inteiro, mas eu também precisava fazer algumas coisas. O que me limitava de fazer coisas que eu gostava, porque a maior parte do tempo eu estava de fato trabalhando. Quando eu não estava trabalhando, eu gostava muito de ficar com as amigas do prédio - a gente morava no Cdhu -: eu lembro de ficar conversando sentada na escada até altas horas. Sempre gostei muito de música, então eu tinha uma amiga que a gente ficava ensaiando hip hop ou axé, na sala da minha casa, no tempo livre. Gostava muito de patins, de bicicleta, de algumas atividades assim, ao ar livre. E gostava muito também da minha parte mais introspectiva, então, de ficar desenhando, de escrever, de ficar nessa um pouco mais avançada. Já tinha um computador que era meu, então eu ficava mais no computador também, um pouco mais quietinha.
(21:29) P1 - Assim que você terminou a escola, você estava trabalhando ou já pensou em faculdade?
R - Sim! Quando eu terminei a escola, não vou lembrar agora exatamente os anos e ordem, mas eu já estava trabalhando com telemarketing. E aí quando eu saí, terminei o ensino médio em 2009, se eu não me engano, eu saí do ensino médio e já fui direto para a faculdade, que foi talvez uma decisão não tão boa. E aí eu fui estudar na FMU, Análises de Sistemas. Eu sabia, nessa época eu já sabia que eu queria trabalhar com computador, com tecnologia de alguma forma, não sabia exatamente o que [e] escolhi Análises de Sistemas. E aí eu lembro de ficar lá talvez uns três, quatro meses, eu precisei trancar a faculdade, primeiro, por falta de grana… então, a mensalidade não era barata, meu salário de telemarketing não supria tanto, porque a faculdade em si não é só mensalidade, tem todos os materiais, tem o lanche, tem a passagem, era lá na Liberdade, a FMU da Liberdade, então sair do Jaraguá, atravessar a cidade, ou sair do trabalho e ficar à tarde meio que estudando, fazer o curso de noite. Era uma rotina muito insana, fora isso tinha a questão… ali eu ainda não me reconhecia tanto, não sabia tanto a questão da mulher negra, de ser uma mulher negra e como isso impactava no em torno. Mas eu sabia que tinha uma coisa muito errada em eu ser a única menina negra numa sala de quarenta alunos e meninos brancos. Tinha uma ou duas meninas assim, mas que não eram negras. E era um ambiente que era excludente, já era difícil, Análise de Sistemas era muito difícil, tinha a questão da matemática também que para mim nunca foi o forte, mas eu tentei, juro que eu tentei. E aí eu lembro que chegou um mês assim, já eram as primeiras provas, chegou uma prova de estatística, falei: "Vou trancar". Juntei tudo: "Não quero mais!". De fato, tranquei a faculdade e fiquei uns três anos sem pensar nisso de novo. Foi um tempo que eu falei: "Ah, já que eu saí do ensino médio com pressa para fazer… eu vou pensar um pouco mais. Se for a questão, eu volto depois". E aí, dito e feito, três anos depois, eu conversando com meu pai: “Tô pensando em voltar para faculdade, fazer um outro curso agora. Estava ouvindo sobre Design Gráfico e tal”. Aí ele falou: “Ó, você vai fazer? Eu consigo te ajudar ou com a passagem ou com um pouco da mensalidade”, que ele pagava a pensão já, ele achava que trezentos reais de pensão era muito. E aí ele falou assim: “Se você desistir desse curso, você vai ter que me devolver cada centavo. Do jeito que você desistiu do outro, você não vai desistir”. Falei, “Não, não vou desistir!". Aí tem uma foto lá, depois eu mando para vocês, a cara dele assim, [de] "não é que ela se formou mesmo". Então, eu me formei em Design Gráfico e foi um momento muito legal, da faculdade em si mesmo, de ter uma base teórica e não só isso, o próprio diploma em si. Hoje algumas pessoas dizem que diploma não é importante, depende do para quem, para algumas pessoas o diploma é sim ainda extremamente importante, no meu caso ele foi. Aí me formei em Design Gráfico em 2015 e logo em seguida eu consegui um emprego numa agência de marketing promocional.
(25:03) P1 - E como é que foi esse primeiro trabalho após faculdade?
R - Foi interessante. Fiquei quatro anos nessa agência, eu trabalhei muito focada no nicho infantil. Então, era marketing promocional, a gente pensava em ativações, eventos. E, no meu caso, muito voltado para criança e família, atendi clientes como Disney, Cartoon Network, Turma da Mônica, Nickelodeon. Todos esses canais infantis que você pode imaginar, a gente atendia. E aí eu fiquei um tempo como designer mesmo, fazendo tudo quanto era a arte, banner, tanto arte digital, quanto arte física. E depois de um tempo eu comecei a pensar no planejamento estratégico, então o que teria de atividades nesses eventos. Foi um momento onde eu consegui colocar a teoria toda da faculdade em prática, fui me desenvolvendo, fui ficando uma boa designer. Lembro das minhas artes iniciais serem horríveis e depois de uns anos isso melhorar consideravelmente. Mas foi um momento muito chave também, porque, em 2017, eu comecei a fazer terapia, encontrei uma psicóloga que se conectou muito bem comigo e comecei a trabalhar algumas questões, principalmente essa questão de me reconhecer como uma mulher negra. É um momento também onde eu deixo de alisar o meu cabelo. Então, alisei o meu cabelo desde os dez anos de idade [e] com 23, eu paro, aceito o meu cabelo do jeito que ele é, me enxergo bonita. Que é uma questão também, não me enxergava como uma pessoa bonita. O mundo também dizia isso. Utilizei das tranças, inclusive, para fazer essa transição, porque metade do cabelo estava liso, metade estava crespo, então não tinha uma definição, mas era muito legal saber qual que era a textura do meu cabelo, que eu não conhecia. Eu comecei com dez anos, então não sabia como cuidar do meu próprio cabelo, que cara ele que ele tinha, então esse foi um momento muito específico enquanto eu estava ali na agência. O próprio fortalecimento através da psicóloga também foi importante, para entender que aquele lugar talvez não coubesse. E aí teve um momento muito específico de um projeto da Turma da Mônica que eu estava montando, que ia ser ali no Memorial da América Latina, aí eu podia pensar nas atividades e tal. E a Turma da Mônica tem personagens que são crianças com deficiência, que precisam de acessibilidade. E aí eu fui pensando nas atividades para esses personagens, para que todas as crianças pudessem brincar naquele dia. E aí teve um dia específico, que o meu diretor de arte, minha liderança, me chamou, me fechou numa sala assim e falou: “Karen,” - olhando no fundo no meu olho - “você precisa parar de pensar nessas atividades de inclusão e diversidade. Quando ele, o cliente, for cortar alguma verba, você acha que ele vai cortar o que primeiro?”. Aí eu olhei para ele, pensei: "Poxa, a minha liderança, a pessoa que deveria me incentivar, tá me podando, tá falando isso. Não tô entendendo, não está fazendo sentido". E ali, já com a minha psicóloga, eu entendi que, de fato, aquele lugar não era para mim. Lembro de um outro momento de eu falar para um amigo, que era um outro diretor de arte, que eu queria muito ajudar as pessoas através do meu trabalho, mas que eu não sabia como. Aí ele falou: "Ah, talvez você encontre isso em algum momento”. Aí fiquei com aquilo guardado. Então, foram quatro anos em que eu consegui sair da teoria da faculdade e [ir] para a prática, me desenvolver enquanto designer, entender esse movimento, me fortalecer enquanto mulher negra, enxergar quais eram os povos que eram importantes para mim, enxergar que ali talvez não fosse o lugar para exercer todas as coisas que eu tinha interna, sabe, que eu tinha carregado inclusive desde a minha infância.
(28:42) P1 - Qual foi seu passo após sair desse lugar?
R - Depois desses quatro anos, mais ou menos, eu até fiquei um pouco na zona de conforto, o processo de trabalhar com design já tava bastante moroso, bastante repetitivo. Junto com a minha psicóloga, eu entendi que talvez estava na hora de me mexer um pouquinho, sair dali, daquela zona de conforto. Esse estalo, essa fala da minha liderança, foi extremamente importante para enxergar que ali, de fato, não era o meu lugar e que eu não iria aguentar ficar ali por muito tempo. Em 2018, eu comecei a ouvir falar de UX Design, experiência do usuário. E aí teve um evento que eu fui em novembro de 2018, um evento da consciência negra, numa escola de UX: "Nossa, que interessante, uma escola que fala de UX, de tecnologia, mas também está falando da consciência negra, vou lá conhecer". Então, entre todos os eventos do dia 20 de novembro, eu fui nesse. E aí eu lembro de chegar lá, na época, toda de preto, fiquei no cantinho só ouvindo, aí tinha outros designers participando e eles falaram sobre como era importante a experiência do usuário, a experiência das pessoas utilizando o produto de serviço, estar conectado com pessoas diversas construindo esses produtos: "Nossa, isso faz muito sentido!". E aí eu comecei a entender que aquela área poderia ser interessante para mim, não só para eu sair do design gráfico, para migrar de fato de carreira, para eu também conseguir levar a minha bagagem do design, a parte criativa, que eu poderia colocar na experiência do usuário. Ser estratégica também, que era uma parte que eu gostava do designer, do planejamento estratégico em si, de ter um contato mais próximo também com os próprios usuários. Inclusive, no outro ponto, nesse projeto da Turma da Mônica, todo mundo da agência, inclusive, conseguiu conhecer o estúdio do Maurício de Sousa e era o meu sonho, enquanto designer e enquanto pessoa que estava construindo aquele projeto. Eu nunca pude conhecer! E eu construí o projeto do zero.
(30:47) P1 - Por que não?
R - (risos) Por que não? Porque não! Por conta de racismo, por conta de acreditar que o meu lugar era a única caixinha ali na cadeira, fixada no computador, que eu deveria… se eu expandisse para qualquer outro lugar, não era onde eu deveria estar. Então, pessoas que não tocaram naquele projeto, foram conhecer o estúdio, conheceram o Maurício de Sousa e eu não! Triste! E aí, indo nesse evento, saí de lá muito inspirada a realmente mudar de área, saí dali de onde eu estava. E aí eu conversei com o dono dessa escola no final do evento, falei: “Olha, qual o curso que eu posso fazer para conhecer essa área, saber o que que é, como que funciona e tal?”, “Tem um curso de final de semana aqui, que é um sábado e domingo, você pode ter a base, ele não é muito avançado e você vai conhecer um pouquinho mais”, "Tá bom! Vou juntar essa grana, volto aqui para fazer depois". E aí, no final de 2018, ali, quase 2019, eu peço as contas - com ajuda da minha psicóloga - nessa agência e vou viver de seguro-desemprego. Então é uma coisa que hoje eu não recomendo para ninguém, mas foi a decisão que eu tomei. Então fiquei seis meses com seguro desemprego, foi um momento onde eu consegui estudar muito, porque o dono dessa escola de UX me contratou para fazer uma consultoria de diversidade, porque ele tem o evento anual, que se chama Dex e, em 2019, ele queria que tivesse mais pessoas diversas, mais pessoas negras, porque, em 2018, teve 2%. Ele falou: "Karen, me ajuda nesse desafio aqui, trazer mais pessoas negras e eu vou te pagar". Então, ele me pagava um valor ali de dois mil e pouquinho, se eu não me engano. E me possibilitou também fazer todos os cursos de dezembro até julho, que era quando o evento acontecia. Então, durante seis meses, assim, eu estudei muito. Eu tive muitas oportunidades de estudo na escola dele, oportunidade inclusive que eu não conseguiria pagar nunca, que os cursos não são baratos. Então, ter essas bolsas de estudo, ter acesso a esses cursos, foram muito importantes para eu ter uma base riquíssima, teórica de UX. Então, o evento aconteceu, foi incrível, conseguimos levar mais pessoas negras, tanto no público, no palestrante, prestadores de serviços, tudo mais! Foi um momento onde eu consegui outro freela também, num canal do YouTube chamado Canal Preto, eu fazia mais as capinhas, eu fazia as artes também. Então eu estava meio que tranquila ali com esses dois freelas e com o seguro-desemprego. Dando o final, quase chegando o evento e acabando também o seguro-desemprego, começa a apertar as coisas e aí eu comecei a me jogar para o mercado, a participar de processos seletivos. Então, foi um momento muito específico também, porque eu só recebia "não". Então, eu participei de oito processos seletivos, foram oito nãos. E aí depois de quase tá meio que desistindo, meio desestimulada, veio finalmente um "sim", eu consigo virar design de produto no Picpay. E aí tem uma história que diverge, que tem uma bifurcação aí da UX para Minas Pretas nesse período específico, entre o evento, entre eu conseguir a vaga e surgir também a UX para Minas Pretas.
(34:04) P1 - E qual que é?
R - Durante o evento surgiu uma vaga para trabalhar com UX, só que essa pessoa que buscava essa profissional, precisava de alguém mais sênior e na época eu nem tinha base nenhuma. E aí as pessoas falavam: "Ah, Karen, se candidata", "Mas não faz sentido, eu ainda não consigo preencher esses requisitos". E aí essa pessoa que estava procurando essa profissional se disponibilizou para dar um curso, o que eu precisava era encontrar mulheres, pelo menos cinco, que quisessem fazer esse curso e aprender o que que era o UX. Eu lembro de uma terça-feira lançar um formulário com algumas perguntas básicas, perguntando o nome das mulheres, de onde elas eram, se elas tinham interesse em aprender sobre isso. E deixei rolando, coloquei em alguns grupos específicos do movimento negro, de mulheres negras, de designers. E na sexta-feira, quando eu fui olhar a resposta, eu precisei pausar e tomei um susto, que de cinco que eu precisava, vieram trezentas mulheres, tinham trezentas inscrições. Então, a gente já nasceu grande, já nasceu uma comunidade grande, meio que: “Toma, Karen, isso aqui é seu! Vai cuidar!". E assim foi! Então, não dava para fazer um curso naquele momento com trezentas mulheres, a gente escolheu fazer uma palestra. Duas palestras, na verdade. Então, a primeira a gente fez no Nubank [e] foi incrível ver aquele auditório cheio de mulheres negras, com os cabelos para cima, onde a gente levou o que era UX de forma introdutória, para elas conhecerem também. Na mesma semana, a gente fez uma outra palestra na Nextel, com as mulheres que não conseguiram ir nesse evento do Nubank. Isso tudo em 2019. E eu, enquanto júnior, dentro de uma startup, tentando me desenvolver, ao mesmo tempo, aprendendo na prática e trabalhando já com experiência do usuário. Então, foi um momento onde duas coisas muito importantes estavam acontecendo: a construção da minha carreira, a migração de carreira e ter que mediar e liderar uma comunidade que já nasceu relativamente grande. Foi um ano muito legal também, porque a gente conseguiu ir para outros estados, junto com o UX para Minas Pretas, através de parceiras, então a gente foi para Porto Alegre, Belo Horizonte, Recife. Foi um momento onde a gente conseguiu se conectar, a gente sempre teve boas pessoas ao nosso lado, que permitiu que a gente se conectasse com marcas interessantes e que estavam entendendo também aquele movimento, em 2018. A pauta de ESG (Environmental, Social and Governance) ainda não era muito forte, mas de diversidade já estava ali meio que sendo movimentada um pouco mais. Então, a gente nasceu num momento muito específico e muito bom também. E durante esses dois processos, tinha a Karen, enquanto uma mulher, ali, de 27 anos, tentando entender esses dois movimentos e fazer as coisas acontecerem no mesmo momento.
(36:53) P1 - Tem alguma história de alguma pessoa que vocês ajudaram que é marcante para você?
R - Sim, algumas. Na UX para Minas Pretas, por mais que sejamos todas mulheres negras, cada uma tem a sua subjetividade, suas trajetórias e tudo mais. Mas também temos coisas que são muito similares, então, em sua maioria, da nossa base, são mulheres periféricas. A gente tem uma grande base de mulheres que são mães, a gente tem mulheres também com deficiência e a gente gosta muito de estar próximo delas. Tem uma em específico, eu acho que vale muito trazer, que foi a Ana Luiza. Ana Luiza era uma das mulheres que também se formou em design gráfico, se eu não me engano. Ela queria muito fazer esse processo de migração, era uma mulher que cuidava da mãe em casa e essa é uma realidade, as mulheres da nossa comunidade, elas são as mantenedoras do lar, então ou elas cuidam dos seus filhos, ou dos seus pais, dos seus avós, do seu entorno ali. E a Ana Luiza era também uma dessas mulheres. E aí ela conseguiu fazer o processo de migração, entrou numa agência, numa consultoria chamada Handmade, foi uma ótima profissional, se desenvolveu lá dentro, enquanto… e o UX Júnior; conseguiu a oportunidade através de uma vaga que a gente disponibiliza dentro dos nossos grupos. E aí eu digo era, porque infelizmente, na pandemia, ela faleceu. Então, Ana Luiza, assim como outras mulheres, junto com a gente, conseguiu fazer esse processo de migração de carreira, de ter um suporte através da gente com bolsa de estudos, ter ali também a troca entre outras mulheres negras, num espaço seguro, que é o que a gente sempre fomenta. E hoje a gente tem ela como nossa ancestral.
(38:54) P1 - Desde que você começou, há pouco tempo, relativamente, você sente que o mercado está mudando de alguma forma para receber mulheres negras nessa área?
R - Sinto um movimento que tem algumas perspectivas, de um lado tem movimentos sinceros, de pessoas e parceiros que a gente tem, que inclusive a gente faz questão de estar por perto, que a gente sabe que faz um trabalho sério de inclusão, de diversidade, que traz a pauta da ESG, sendo uma pauta importante e a gente tenta estar mais próximo possível, para trazer oportunidades para mulheres com esses parceiros, essas empresas e marcas. Tem um outro movimento que eu acredito que é um pouco mais oportunista, que ele enxerga que a pauta de ESG está em alta, que os próprios grupos minoritários estão também se posicionando quanto a isso, então as pessoas já não querem mais trabalhar num lugar que elas não são respeitadas, onde elas não são aceitas, onde as bandeiras que elas levantam não são consideradas. Então as empresas, estrategicamente, fazem o movimento para chamar essas pessoas. Isso, através de (power banding?), de marca de divulgação, às vezes até de programas de diversidade, de abertura de vagas exclusivas para as pessoas dos grupos minorizados, mas aí quando essa pessoa entra, ela não é de fato integrada ou incluída, [quando] ela passa da porta da empresa para dentro é um cenário completamente diferente do que ela viu quando ela estava se candidatando. Isso acontece muito com as mulheres negras. Tem um outro quesito, que é, ser a única naquele espaço. Então, por mais que a gente veja alguns movimentos acontecendo, mais mulheres negras tendo oportunidades, elas ainda estão sendo as primeiras naquelas equipes de Tecnologia. Isso faz com que ela tenha uma dupla jornada lá dentro, fora as duplas e triplas que ela já tem fora. Porque além dela ser uma profissional e, no nosso caso, que é um perfil mais de mulheres em início de carreira e tudo mais, além delas terem que se desenvolver e aprender o que que é aquela empresa, o que que é aquele nicho, aquele mercado, aquele produto, como ela vai se desenvolver enquanto uma profissional de tecnologia, ela precisa ser a pessoa que vai falar de diversidade na empresa, mesmo ela não querendo. E aí ela vai ser chamada para fazer parte do grupo de afinidade, ela vai ser chamada para fazer uma fala dentro da empresa de uma forma geral, ou ela vai ser utilizada como escudo e token, que é: saiu uma polêmica? "A empresa não é racista, temos até a Karen, que é uma mulher negra". Isso acontece muito! E às vezes elas aceitam esse papel para não perder o emprego. "Então tá, eu vou fazer parte desse grupo, eu vou construir um evento, um projeto de diversidade aqui dentro, mas porque eu sei que se talvez eu disser não, eu posso ser demitida, ou ser vista como alguém que não quer fazer, que está com uma má vontade". E que não necessariamente é o caso, às vezes a gente só quer ser uma ótima profissional, às vezes a gente só quer ser uma ótima designer e não, necessariamente, trazer essas pautas. É muito cobrado que a gente se posicione sempre, que a gente sempre esteja como a resposta ali sobre o racismo e tudo mais, mas não necessariamente assim. Então, das questões que eu vejo, muito elas trazendo e que eu também passei. Então, assim, vejo que o mercado está se movimentando, que tem algumas oportunidades, mas que ainda existe um trabalho que precisa ser muito aprofundado, que não deve partir só da gente, porque o nosso trabalho a gente está fazendo. Mas mais das pessoas, dessas empresas em si, em enxergar de fato o que é importante e colocar de fato, incluir as pessoas e integrar de uma forma geral e valorizar.
(43:03) P1 - Você vê a diferença entre o mercado para mulheres brancas e negras?
R - Sim, existem dados que trazem isso. As mulheres negras, elas recebem menores salários, elas demoram mais tempos para subir das suas profissões, então a gente até vê também uma crescente de profissionais negros, mulheres negras na base, mas quando você vai subindo para liderança, são pouquíssimas ou nenhuma. Enquanto mulheres brancas já conseguem ter um pouco mais de acesso nesses esquisito. A própria relação delas dentro da empresa, a questão de ser ouvida, de ter os seus projetos ali aceitos, por exemplo, a gente tem casos de mulheres que demora muito tempo para receber uma promoção, para receber um aumento, e aí acaba saindo da empresa ou para buscar uma oportunidade melhor ou para se projetar uma profissional que entrou no júnior, que já se considera como pleno, que já está comprovado que ela já avançou. Ela sai, ela vai para outra empresa, com esse nome de cargo, justamente porque ali dentro, por mais que ela quisesse construir uma carreira, querer se desenvolver, a empresa não permitiu. A gente tem um caso de um projeto que a gente fez, que é o Preta 1, a gente fez com uma empresa financeira e cinco mulheres foram selecionadas para passar por um curso e depois serem contratadas por essa empresa. E a gente sempre tem alguns pré-requisitos. Então, dentro das nossas subjetividades, a gente olha quem são as mulheres que já foram contempladas com os nossos cursos, programas, e elenca também mulheres acima de trinta anos, mulheres com deficiência, mulheres lgbtqiapn+ e mulheres que são mãe solo ou mães de uma forma geral. E aí, nesse programa específico, teve uma das mulheres que com 44 anos, mãe de três meninas, estava num banco há catorze anos. E ela queria muito fazer uma migração interna nesse banco, ela queria se desenvolver, queria virar UX designer lá dentro e tinha essa área dentro da empresa, ela podia fazer esse movimento, mas a empresa nunca deixou, nunca permitiu. A gente puxou ela, fez ela se capacitar, só que foi contratada por esse outro banco. Então, assim, não é uma questão de capacidade, não é uma questão de tempo de empresa, não é uma questão de não saber ali do nicho ou da área específica, é realmente a falta de oportunidade. Tem uma frase da Viola Davis, que diz: “O que separa uma mulher negra, uma menina negra, dessas questões é a oportunidade”, a gente precisa de uma oportunidade.
(45:47) P1 - E a sua rotina de trabalho, como que ela é?
R - Hoje eu trabalho muito de casa, gosto muito, inclusive de ficar em casa, tenho até que tomar cuidado senão fico muito em casa. Hoje, meu time é composto por três pessoas e mais um mentor, conselheiro. Então, eu, minha sócia, que cuida de operações do financeiro, que é a Germânia e a Lais, que é a nossa líder de comunidade. E a gente trabalha no modelo Home Office mesmo, uma por conta de comodidade, outra porque as rotinas são muito diferentes, então a minha sócia, por exemplo, ela é mãe atípica, o filho dela é uma criança com autismo, então ela precisa muito ter a dinâmica, a rotina flexível, para ir para terapias, para ir para escola, cuidar tudo certinho. E a Laís, ela mora em Limeira, então para ela vim para São Paulo, às vezes ela vem, que ela tem família aqui, mas é difícil ela vir. E a gente tem uma dinâmica super tranquila, modelo online. Às vezes, a gente trabalha do Google, a gente foi investida pelo Google, em 2021, e a gente tem acesso a um escritório que fica ali na Consolação, para startups, então às vezes a gente se reúne, vai para lá para fazer alguma reunião e tudo mais. Então, a minha rotina é basicamente trabalhando em casa, eu sempre bozo entre o profissional e o pessoal, porque é difícil também limitar isso. Então, uso o meu tempo para me exercitar, para fazer as minhas atividades que não são de trabalho e no tempo de trabalho eu estou ali focada no dia a dia.
(47:21) P1 - E agora voltando um pouquinho para a parte pessoal. Você é casada, tem filhos?
R - Aí entra a decepção do meu pai. Não me casei, não tenho filhos, então, não, não segui o protocolo que ele esperava.
(47:40) P1 - E você não pretende?
R - Olha, essa é uma questão que eu comecei a repensar, depois dos trinta, vem toda essa questão da sociedade: “E aí, não vai ser mãe? E aí, não vai casar?”. E eu comecei a pensar que talvez esse fosse um desejo mais deles, dos meus pais, do que meu, então eu estou inclusive reformulando os meus sonhos, entendendo o que eu quero da Karen dos trinta aos quarenta. Tô repensando, talvez eu volte a responder.
(48:14) P1 - E na questão da religião, por exemplo, você segue a mesma religião que seus pais?
R - Não! Os meus pais… toda a minha família, na verdade, é evangélica e eu sou do candomblé. Mas isso é muito recente, faz menos de um ano que eu me conectei e foi uma das viradas chave extremamente importante. Desde muito cedo, eu sempre trabalhei muito e sempre olhei muito para minha carreira, isso me fez negligenciar algumas outras áreas que eram importantes, como, a religião, a questão de relacionamento, a própria saúde, muitas vezes de olhar, não só a saúde mental, mas para a saúde física. Então, a partir do momento que eu fiz os trinta, eu também decretei alguns marcos, que eu ia começar a olhar e religião era uma delas, então foi um momento que eu me conectei, fui conhecer outras religiões. Tentei inclusive, antes, voltar para a igreja, mas de fato não conectava assim, nunca conectou. E aí o Candomblé foi onde eu me encontrei.
(49:21) P1 - E além do seu trabalho, tem alguma coisa que você gosta de fazer, um hobby que você tenha?
R - Sim! Eu gosto muito de andar de bicicleta ainda, então carreguei aí da infância. Gosto muito de ver filmes, séries, gosto de ler, gosto de estar entre amigos, gosto muito de, sei lá, parar um dia em casa, colocar uma música ambiente, tomar uma cerveja. Descobri agora que talvez eu seja alérgica a trigo, vou ter que parar com a minha cerveja. Gosto de passear com as minhas sobrinhas, de ficar com elas, com a minha mãe também. Quando possível eu gosto de viajar, então coisas um pouco mais tranquilas.
(50:13) P1 - Você tinha comentado comigo, antes da entrevista, que você foi para Salvador. Como é que foi essa viagem para você?
R - Foi muito boa! Eu fui em novembro de 2022, nunca tinha conhecido da Bahia e as pessoas diziam inclusive: “Quando você for, você não vai querer voltar mais”. De fato, é um lugar mágico, incrível, as pessoas, o ambiente. Então, foi uma viagem muito bacana. Foi um momento que eu fui para um festival de música lá e eu tirei nove dias, pausei tudo, parei de trabalhar, isso no auge de novembro, novembro geralmente é o mês onde as pessoas lembram que as pessoas negras existem, e aí chega muito trabalho. E aí eu falei: “Não, vou dar uma pausada mesmo que isso acabe tirando alguns trabalhos, algumas verbas, mas vou descansar um pouco”. E aí tirei nove dias, fui para Salvador e foi assim, a melhor decisão que eu tomei naquele ano.
(51:09) P1 - E como é que você vê esse negócio de só lembrarem das pessoas pretas em novembro?
R - Exato! É muito do que a gente comentou um pouco sobre oportunismo, eu vejo assim, porque hoje inclusive eu consigo falar de outras pautas em outros meses, tem essas épocas ocasionais, mês da mulher, mês lgbtqiapn+ e o mês da consciência negra em si, que as coisas aumentam e inflamam. Mas demorou um pouco para eu conseguir chegar nesse lugar de falar, por exemplo, em fevereiro, em outubro, X, sobre temas que não fosse apenas a questão de raça, mas falar sobre tecnologia, falar sobre liderança, sobre carreira, sobre empreendedorismo, que são outros temas que também tão aqui no entorno da minha personalidade, que eu posso falar. Então, eu vejo que quando chegam esses momentos mais sazonais, as empresas se movimentam para conseguir trazer essa pauta, mas que ela não continua ao longo do ano. Isso não é benéfico, porque você começa a fazer um movimento, deixa muito transparente, muito nítido para o mercado, para as pessoas, que aquilo é muito pontual e o que importa é ter continuidade nessas ações. Dificilmente acontece.
(52:30) P1 - E como é que você vê o futuro para as mulheres na área de Tecnologia?
R - Olha, eu estava esses dias fazendo evento, uma palestra, e eu levei nesse evento os cases que as mulheres da nossa comunidade, por exemplo, desenvolvem nos cursos. Então, a gente tem uma cultura que ela é muito orientada para elas, para a inclusão e para o impacto de ter mulheres negras na tecnologia traz. Mas não necessariamente nos cursos a gente coloca como obrigatoriedade que elas façam o projeto de finalização com o impacto social, mas automaticamente isso acontece. Então, eu estava apresentando alguns cases, um deles, por exemplo, que se chama Bico, um dos grupos das mulheres pensaram numa plataforma para jovens que acabaram de sair da faculdade e querem encontrar um emprego. Elas entenderam que ali, naquele momento, a juventude, entre lidar com as amizades, com a família ou com estudos, tem que prestar vestibular, mas também tem que ser a pessoa que vai gerar renda para a sua casa. É um desafio. Então, nessa plataforma elas facilitariam o acesso desses jovens de periferia para conseguir o seu primeiro emprego. Teve um outro projeto que criaram para comunidades Quilombolas, então elas entenderam que a invisibilidade das comunidades Quilombolas não eram positivas e que escondiam, na verdade, a potência das mulheres daquela comunidade. Então, elas criaram uma plataforma para que essas mulheres vendessem os seus produtos, que elas pudessem receber mentoria de pessoas que quisessem apadrinhar e para contar história dessas comunidades como um todo. Tem um outro que é também para mulheres conseguirem empregos, mulheres que são as mantenedoras dos seus lares, entendendo que ali a renda delas geralmente são as que estão complementando a sua casa, mas que geralmente são as menores também. Então, tudo isso, foram projetos que elas foram criando durante o curso e que trazem esse benefício. E aí a nossa provocação é que elas façam isso também dentro do mercado, dentro das empresas. Então, imagine hoje, produtos e serviços que são, de fato… que foi a provocação lá do início, produtos e serviços que são criados por pessoas diversas, tendo esse impacto lá na ponta. Hoje, quando a gente percebe esses produtos digitais, a gente ainda está no ambiente de servidão, seja, por exemplo, na entrega de comida, seja nos carros de locomoção de pessoas. Quando a gente olha, é um sistema que tem uma tecnologia por trás, mas que não tem, necessariamente, um vínculo empregatício, mas que as pessoas negras ainda estão sendo utilizadas para esse sub empregos, colocando muitas vezes, as pessoas colocam como um empreendedorismo, como fazer uma segunda renda, mas a gente sabe que, infelizmente, eles recorrem a isso porque não tem muitas outras opções. Então, trazer as mulheres negras para construção desses serviços, é ter a consequência que as pessoas que vão utilizar sendo negras também, terão acesso um pouco mais inclusivo, um pouco mais pensado para elas, um pouco melhor olhado para o que hoje muitas vezes dentro de um projeto as personas têm um único padrão. E o perfil dessas personas não é uma pessoa negra.
(55:45) P1 - E como é que esses projetos surgem dentro das startups?
R - Legal! Hoje a gente tem alguns serviços que são sempre voltados para ela, então o nosso modelo de negócio é B2B, para trazer o recurso para nossa comunidade. Então, no primeiro pilar, a gente tem capacitação, onde elas aprendem através dos nossos cursos ou de escolas parceiras. Sempre que finaliza um curso, tem um projeto que elas precisam montar, aí elas podem criar a partir das suas vivências, pensando em algum projeto específico que não tenha conexão com o impacto social ou sim, que elas querem modificar ali o seu entorno, a sua comunidade. Tem outro ponto de empregabilidade também, a gente conecta as vagas que as empresas trazem para gente, para que elas consigam entrar de fato no mercado. E tem uma outra ponta de conexão através de palestras, de sensibilização de equipe, junto com essa empresa e tudo isso acaba voltando para o centro, que é a nossa comunidade.
(56:47) P1 - E na época da alta da pandemia, como é que foi para você e também para a startup?
R - Foi um momento desafiador, porque, primeiro, a gente acabou reduzindo muito as bolsas de estudos com escolas parceiras, então muitas escolas começaram a reformular os seus modelos. Escolas que tinham espaço físico, precisaram gravar os seus cursos, colocar em uma plataforma, isso acabou reduzindo as possibilidades que a gente tinha. Foi um momento também onde a gente precisou, basicamente, jogar fora um planejamento de um ano e meio que a gente tinha feito no final do ano, para seguir com as próximas estratégias. E aí, nesse modelo de home office, sem entender muito bem quais os movimentos, o que [iria] acontecer, um momento de muita incerteza, foi um pouco desafiador para a gente. E de um outro lado, no mercado houve também a taxa de desemprego, sobretudo para mulheres negras, não só nas vagas ensinadas às empresas em si, mas mulheres empreendedoras também tiveram dificuldade de acesso a recursos, acesso a crédito, continuar vendendo os seus produtos, empreendendo de uma forma geral. E ali o desemprego também foi um desafio para recolocação em si. Então, as mulheres da nossa comunidade, por exemplo, estavam sendo demitidas, estavam demorando um pouquinho mais para conseguir um novo emprego, então foi um momento bastante desafiador. Foi um momento também onde eu estava trabalhando em uma outra startup, e aí saí da CLT, foi um momento também [de] saúde mental, onde eu fui diagnosticada com princípio de burnout, aí foi uma outra virada de chave, para sair do mercado tradicional e empreender 100% e olhar, de fato, para o UX de Minas Pretas, o que poderia ser feito a partir desse monte de coisas que estava acontecendo.
(58:41) P1 - E, hoje em dia, a sua saúde mental, em comparação com aquele momento, como é que tá?
R - Olha, ter feito terapia foi extremamente importante, eu fiz quatro anos de terapia, comecei lá em 2017, tive alta da minha psicóloga, mas ali já foi um momento muito importante, em ter o acompanhamento dela, não só para me enxergar enquanto mulher negra, mas para entender coisas muito específicas, profundas, [que] dificilmente a gente consegue olhar sozinha, sem um acompanhamento profissional. Com esses quatro anos de terapia, foi possível nomear sentimentos, acho que foi uma das coisas que eu mais aprendi, entender o que eu estava sentindo, porque eu estava sentindo [aquilo], o que que me afetava, como aquilo me afetava, o que que eu poderia fazer para me proteger daquilo ou para responder aquilo de alguma forma. Então, hoje eu me sinto muito mais fortalecida, entendo quais são os meus limites, até onde eu posso chegar, me respeito muito. Então eu brinco que eu gosto muito de dizer “não”, que as pessoas, muitas vezes, se você não impõe esse limite, elas vão te invadir ou te invalidar. Então, hoje eu consigo olhar o cenários, entender o que me contempla e o que não me contempla e aceitar o que faz sentido. E, sem dúvida, a terapia me ajudou muito nesse processo.
(01:00:00) P1 - E, hoje, quais são as coisas mais importantes para você?
R - Minha família! Sem dúvida o meu negócio, que traz um impacto, faz com que eu acorde todos os dias para trabalhar. Eu mesma, que é uma das coisas que eu aprendi inclusive em terapia, a me priorizar. Eu sempre cuidei muito das pessoas, eu sempre tive que fazer muito para manter ali, de novo, o lar junto com a minha mãe, ser meio que… depois do divórcio dos meus pais, fazer companhia para ela sobre o papel paterno ali. Então, depois dos meus trinta também teve essa virada de chave: “Karen, ok, tá na hora de você se priorizar, olhar para você agora, fazer algumas coisas por você”. Então, são essas coisas.
(01:00:48) P1 - Qual é o seu maior sonho?
R - Ai, nossa! Meu maior sonho… eu falei que estou reformulando meus sonhos, né? Eu ainda não tenho essa resposta, olha só! Vou ter que voltar para te dizer, meu maior sonho é esse.
(01:01:05) P1 - E qual que você acha que vai ser o seu legado para as próximas gerações?
R - Olha, eu sinto que eu já contribui bastante, eu gostaria de me apresentar, inclusive. Mas, assim, eu tenho duas sobrinhas e as duas são duas pretinhas lindas, uma tem onze e outra tem um ano… dois anos, aliás. Então, eu gostaria que elas vivessem uma trajetória que eu não vivi. Que elas não vivessem, na verdade, uma trajetória que eu vivi, que elas não precisassem trabalhar com doze anos, [que] eu não vejo minha sobrinha precisando trabalhar, não quero que ela faça isso tão cedo assim! Que elas não precisam sentir falta de alguma coisa, que elas não tenham a escassez muito presente ali na vida delas, que elas consigam ter possibilidades, que elas consigam se ver em vários lugares diferentes do que foi para mim também. Que eu possa ser uma referência para elas. Minha sobrinha maior, ela já gosta de games, por exemplo, me ensinou a jogar Free Fire e tal. Eu não puxo muito, mas eu falo: “Se você quiser vir para a tecnologia, tem essa possibilidade. Você sabia que você pode criar os games que você tá jogando aí, não sei o quê”. Então, já tem ali um incentivo. Eu gostaria que as próximas meninas negras, minhas sobrinhas, outras meninas, pudessem ter mais possibilidades, que elas não sofram tanto para chegar onde elas querem, que elas se enxerguem em qualquer lugar que elas quiserem.
(1:02:42) P1 - A gente já tá encaminhando para o final, eu fiz muitas perguntas, mas tem alguma coisa que eu não perguntei e você gostaria de acrescentar?
R - Nossa, não sei! Acho que não!
(01:02:59) P1 - Tudo bem! Por fim, como é que foi contar um pouco da sua história pra gente hoje?
R - Eu estava um pouco ansiosa, porque contar a minha história, por mais que eu faça isso bastante e acho que talvez por isso até um pouco da tranquilidade, eu já não me comovo tanto, isso é estranho, porque uma das coisas que eu tenho receio, é de não… como eu posso dizer? De não me arrepiar mais com as coisas que eu movimento. Eu acho que quando isso acontecer, eu acho que eu meio que morri por dentro, então, por mais que eu pareça tranquila por fora; por dentro, quando eu conto a minha história, eu me sinto quente, eu me sinto viva, eu sinto que… e ter pessoas ouvindo, poder registrar isso e deixar isso até como legado, um projeto como esse é extremamente importante e me toca profundamente. E no dia que isso deixar de acontecer, eu vou entender que não faz mais sentido. Então estar aqui fazendo isso hoje é extremamente importante, me sinto muito feliz! Muito honrada! Poder contar a minha história é saber que ela vai continuar sendo perpetuada para outras pessoas também.
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