Projeto Conte Sua História
Depoimento de Virgínia Joaquina de Oliveira Lima
Entrevistada por Carol Margiotte
São Paulo, 12/07/2018
Realização: Museu da Pessoa
PCSH_HV690_ Virgínia Joaquina de Oliveira Lima
Transcrito por Márcia Rocha de Almeida
Revisado e editado por Viviane Aguiar
P/1 – Dona Virgínia, bom dia.
R – Bom dia.
P/1 – Obrigada por estar aqui hoje com a gente, nessa manhã tão gelada, né?
R – Tá gelada demais.
P/1 – E, pra começar, Dona Virgínia, fala seu nome completo pra mim.
R – É Virginia Joaquina de Oliveira Lima.
P/1 – O dia, o mês e o ano do seu nascimento.
R – Foi 20 de março de 1937.
P/1 – A cidade?
R – Timbaúba, Pernambuco.
P/1 – Muito bom. E, Dona Virgínia, a senhora sabe por que a senhora foi batizada de Virgínia Joaquina?
R – Porque foi a minha avó, a mãe da minha mãe chamava Virgínia. Aí, minha mãe não tinha mais ela, quando eu nasci, ela pôs o nome da minha avó. A mãe da minha mãe chamava Virgínia.
P/1 – E o Joaquina?
R – Joaquina é o nome da minha mãe, que é Joaquina. É assim: o meu nome é Virgínia Joaquina de Oliveira Lima. E o da minha mãe é Joaquina Virgínia de Oliveira. Sabe como foi? Quando meu pai foi pôr os papel do meu casamento, diz que (risos) lá confundiram na igreja, porque – ô, xente! – o nome da fia tem o nome da mãe e o nome da mãe tem o nome da fia! Foi essa confusão danada. Aí, até chegar lá, aí compreender, papai explicou tudo, aí compreenderam.
P/1 – E os seus pais contavam histórias de como foi o dia do nascimento da senhora?
R – Contava assim: mamãe disse que foi véspera do dia de São José. Quer dizer, o dia de São José foi no dia 19, e eu nasci no dia 20. E duas fia que mamãe já tinha tido, quando nasceu a primeira, aí, falaram que tem um negócio lá de um cordão enrolado no pescoço, tem de pôr Josefa, ou José, senão, corta a sorte. Já tinha posto uma de Josefa. Aí, o povo pensava, a família ao redor ali, que ia nascer no dia de São José, pra pôr o nome de Josefa. Mas minha mãe não queria, minha mãe disse que não queria que fosse mais Josefa. Aí, quando foi o dia de São José, foi num dia, no outro dia eu nasci, no dia 20. Aí, ponharam o nome de Virgínia Joaquina de Oliveira. O Lima foi de meu marido.
P/1 – Veio depois só.
R – Foi depois.
P/1 – E a senhora já começou a falar o nome da sua mãe. Fala o nome da sua mãe e do seu pai, pra gente deixar gravado.
R – O nome do meu pai era Francisco de Sales de Oliveira. Francisco de Sales, que ele nasceu no dia 29 de janeiro, que é dia, naquele tempo tinha aqueles calendariozinhos assim, que tirava todo dia, né? Nesse tempo, não foi no seu tempo, não! Aí, em cima, todo dia tinha o nome do santo, não sabe? Aí, nesse dia que meu pai nasceu, 29 de janeiro de 1905. Aí, tinha o nome de Francisco de Sales. Aí, ponharam o nome de Francisco de Sales de Oliveira. O meu avô chamava Manoel Francisco de Oliveira, o pai de papai. E a mãe era Maria, aí, eu não sei, só sei que era mãe Maria. A gente chamava de pai Mané e mãe Maria, com os avós.
P/1 – E a mãe da senhora?
R – A mãe de mamãe chamava Virgínia, que ela disse que ela morreu e ela ficou com nove anos. E meu avô chamava Francisco Mota. Agora, não sei de que mais, Francisco Mota. E meu avô, a mãe de mamãe, o pai de mamãe, era irmão da minha avó, que era mãe de papai, casaram com primo. Minha mãe era prima de meu pai. O pai de mamãe era irmão da mãe de papai. E lá era assim, aqui não tem mais isso, toda noite antes de dormir, dava “bença, papai” e “bença, mamãe”. De manhã cedo, levantava, “bença, papai”, “bença, mamãe”, sabe como é? Aí, eu era em sete filha mulher, encarreada assim, eu era a terceira. Depois que eu já tava com 17 anos, aí veio aquele meu irmãozinho que você vê, aquele toquinho. Veio meu irmão.
P/1 – A senhora pode contar pra mim como seus pais eram fisicamente, de personalidade?
R – Eles eram trabalhador, que trabalhava na roça. Eu trabalhei muito, mais meu pai, na roça. E minha mãe trabalhava também na roça, costurava, tinha uma máquina, ela costurava pra gente todinho, fazia vestido de noiva. A noiva ia casar, aí pedia, ia lá e ela fazia o vestido de noiva. Fazia renda. Você sabe o que é fazer renda no bilro assim? Ela fazia, até eu aprendi lá no Norte, eu com ela. Mas, quando eu vim pra aqui, deixei os bilro lá, almofada, tudo, deixei lá, esqueci.
P/1 – A senhora pode contar pra mim como que era?
R – O quê?
P/1 – Fazer a renda.
R – A gente pegava quatro bilro, você não sabe. Era uns bilros assim, é de madeira, né? Aquilo com linha, ponhava linha, fazia uma almofada assim, ponhava alfinete, ponhava um cartão com o desenho daquele bico no cartão, um cartão assim fininho, ponhava ali. Aí, a gente ia tecendo e enfiando o alfinete, tecendo e enfiando o alfinete. E saía um bico assim pra gente enfeitar uma roupa, pôr em roupa de bebê quando ia nascer, roupinha de bebê. Mas era lindo! Minha mãe fazia. E o resto do tempo era trabalhar na roça. Trabalhamos na roça, eu carpi muito, apanhei muito algodão mais meu pai. Eu rocei muito mato, porque meu pai não tinha filho homem, as outras duas não queria ir pra roça, aí, eu ia. Onde meu pai tava, eu tava junto! Onde meu pai tava, eu tava junto. Eu sinto muita saudade do meu... (choro). Sinto.
P/1 – Se a senhora quiser pegar um lencinho, Dona Virgínia, a gente tem aqui. Pode puxar.
R – Eu sinto muita saudade do meu pai. Porque, quando eu era solteira, tudo que ele fazia era comigo. Tudo, ele ia pra roça, todo serviço era comigo. E eu gostava, sabe? Eu gostava de sair com ele pra trabalhar pra roça. Apanhei muito algodão, arranquei muita mandioca, plantava e arrancava, fazia farinha. Tinha casa de farinha. No lugar daquelas fotos que tá todo mundo, tinha a casa de farinha e tinha um terreirão assim bem grande. A gente estava nesse terreiro. E tinha a casa de depósito, uma casinha de depósito pra ele guardar as coisas, guardar coco. E o sítio da gente era de coco, era só coco. Plantava muito coco. Colhia o coco de três em três mês, a colheita de coco.
P/1 – Como que vocês faziam a colheita do coco?
R – A colheita, tinha aquela pessoa que tirava o coco, subia lá no coco. Ponhava uns negócios na perna assim, subia, sabe? Tinha aquele homem, de três em três meses, meu pai chamava aquele homem naquele dia. Ele ia, tirava o coco e a gente carregava, ponhava na casinha. De lá, o povo vendia, já tinha outro homem pra comprar aqueles cocos. Aqueles cocos, o homem ia, descascava, ponhava num saco e levava pra vender na feira. De três em três meses, papai pagava para o homem vir tirar. Ele vinha tirar, mas era pago. E criava gado. Criava gado, criava cabra, criava carneiro, muita criação a gente criava. Quando foi com 20 anos, eu casei.
P/1 – A gente pode voltar um pouquinho, antes dos 20 anos?
R – Pode.
P/1 – Que a senhora falou que eram em sete irmãs?
R – Sete irmãs e um homem.
P/1 – A senhora consegue lembrar a ordem de nascimento de cada um e falar o nome pra mim?
R – Deixa eu ver. Eu sei que a mais velha, era mais velha que eu quatro anos. Eu sei a data de nascimento dela, ela nasceu no dia 21 de dezembro, agora não sei o ano. Quatro anos pra trás assim.
P/1 – Não precisa, só lembrar o nome de todo mundo já está bom. Se a senhora lembrar.
R – Quer saber o nome dela?
P/1 – O nome das irmãs da senhora.
R – É Josefa o nome dessa que morreu, era a mais velha. Essa outra, encostada a ela, era a Maria, era mais velha do que eu dois anos. Aí, veio eu, em 37. Em 38, veio outra irmã minha, que chama Mariinha, que mora em Recife. Ela fez 80 anos no dia 25 agora, de junho. A outra que já morreu, estivesse viva, ia fazer 79 no dia 2 de outubro. E a outra que está lá viva, vai fazer... Aí, eu não sei quantos anos ela tem, não. No dia, é em outubro, mas eu não sei, 27 de outubro. E a caçula das mulher vai fazer aniversário em... Deixa eu ver, acho que 21 de janeiro. É, ela nasceu em janeiro. Não é 21, não, é 10 de janeiro, agora eu lembro.
P/1 – E como era a casa de vocês?
R – A casa da gente era uma casa na beirada de um morro, bem grande. Tinha uma cozinha, tinha dois quartos, tinha uma sala de janta, tinha a sala grande. E rodeada de calçada assim. E tinha um terreiro e, na frente, tinha uma casinha, a gente que fizemos. A gente ponhava madeira assim, aquelas varinhas, e enchia de barro, de taipa, que o povo falava que era casa de taipa. Enchia e coberta de palha de coco, cobria com palha de coco. Eu lembro, guardava ração pras vacas, pros bichos. Papai tinha um cavalo que se chamava Faceiro. Esse cavalo, a gente tinha de dar banho nele todo meio-dia. De manhã, levava ele pro pasto e amarrava. Quando era meio-dia, de onde tivesse, tinha que buscar aquele Faceiro pra dar banho. Levava pro riacho, lhe dava um banho, lavava ele todinho e ponhava na cocheira pra ele descansar, tinha a cocheira dele. Aí, ele comia tudo a ração, quando era mais tarde, a gente tirava ele e ponhava no pasto de novo. Mas todo mundo gostava de andar no Faceiro. Até os padres. Era longe, quando tinha uma pessoa doente, o povo lá no Norte gostava de se confessar antes de morrer, né? Mas não tinha carro naquele tempo, não tinha estrada, não tinha nada. Aí, o padre falava: “Manda o cavalo, o Faceiro do Sales. Eu vou no cavalo de Sales”. Chamavam ele de Sales, meu pai era Francisco de Sales, chamavam ele de Sales. Aí, papai mandava o cavalo pro padre vim. Porque aquele cavalo era um doce ali! Todo mundo gostava do cavalo. Eu mesma andei naquele cavalo. Levava ele pro pasto, a gente montava no cavalo e levava pro pasto (risos).
P/1 – A senhora lembra da primeira vez que a senhora montou nele?
R – Lembro não, faz muito tempo! Eu sei que eu montava nele pra levar pro pasto.
P/1 – E qual era a sensação de andar a cavalo?
R – Era gostoso. Ele saía devagarzinho, a gente não batia nele de modo ele sair correndo, era muito gostoso. Muito gostoso!
P/1 – E, Dona Virgínia, a gente estava falando da casa da senhora. Como que vocês se organizavam em dez pessoas?
R – Dez pessoas. E lá tinha muita rede. Lá, nesse tempo, eu lembro que tinha um quarto que tinha uma cama de casal pra gente, dormia duas. E tinha três redes, a cama do casal e, no canto, três redes pra pôr as meninas dormir na rede. Dormia no corredor. Tinha uma sala de janta, dormia. No corredor tudinho tinha aquele negócio de pôr rede. Aí, armava a rede, dormia mais gente na rede de que na cama. Dormia muita gente na rede porque lá era calor, lá é calor tudo, é difícil ter cama. Era mais rede, dormia na rede.
P/1 – E como vocês se organizavam nas tarefas de casa?
R – Era assim: mamãe cuidava de uma parte, a gente ia crescendo, ia pra roça e cada um ia fazendo uma coisa, um serviço. Amanhecia o dia, mamãe fazia café, a gente tomava café, papai tirava o leite, tinha a vaca de leite, tirava o leite. Tomava café e ia pra roça. Quando era meio-dia, mamãe fazia o almoço, a gente falava que era a janta. Fazia o almoço, ponhava naquelas bacias, aquelas bacias bem grande, enchia de comida, tudo ponhava ali e levava pra roça. A gente comia na roça. Chegava na roça assim ó, num lugar que só forrava um paninho ali, ponhava as bacias e a gente comia sentado ali no chão, aquela roda. Aí, ia trabalhar. Acabava, mamãe arrumava aquelas vasilhas, ia pra casa e a gente ficava trabaiando, limpando mato, roçando, apanhando algodão. Apanhei muito algodão!
P/1 – Conta pra mim como era esse trabalho de pegar o algodão?
R – Como era? A gente ponhava uma cesta, você sabe o que é a cesta, né? Aquele balaio assim que tem uma asa. Ou uma cestinha daquela ou, senão, fazia dos sacos, fazia que nem um embornal, pendurava aqui e saía catando o algodão, ponhando ali dentro. Senão, dentro do cesto. Quando enchia, aí ponhava no outro saco e ia indo. Chegava em casa, quando enchia, levava pra casa. Ponhava na cabeça e levava pra casa. Chegava em casa, ia juntando na sala. Eu lembro que, papai fazia aquele monte de algodão, ia juntando, ajuntava a safra todinha. Quando depois, aí, vendia. Tinha um cara que vinha e comprava pra levar pra... Tinha uma fábrica em Timbaúba, que lá eles faziam, tirava os caroços e fazia não sei o que lá, fazia tecido, não sei o quê. Mas era assim.
P/1 – Vocês usavam o algodão pra alguma coisa em casa?
R – Não, o algodão era só pra vender, não usava nada em casa. Não dava pra usar, não. Porque era aquela... Que nem um fio, branquinho. Quando era no verão, que era no mês mais ou menos de setembro, agosto, setembro, outubro, que estralava o algodão no sol quente, mas a gente apanhava de manhã, de tarde, já tava cheio de algodão aberto de novo.
P/1 – É mesmo?
R – Era. Lá plantava milho, colhia milho, plantava fava. Não sei se você conhece a fava aqui.
P/1 –O que é fava?
R – Fava é um feijão que a gente come, que aqui é difícil. A gente plantava. Tinha a fava branca, o carocinho era branco, tinha uma fava mulatinha, que o caroço era pintadinho. A gente plantava no milho, não sabe? Plantava o milho e plantava a fava. Ali, dava o milho e a fava ficava ali, dava os cacho de fava. Trabalhei muito na roça, minha fia! E andava com bicho, cuidar de criação. Cuidei muito de criação, de vaca, de cabra, de carneiro, que chama ovelha aqui. Criemos carneiro. Lutei muito, minha vida é toda na roça!
P/1 – E, durante essa época de colheita, como que vocês faziam pra passar o tempo? Vocês conversavam, tinha alguma interação entre a família ali?
R – Não, era assim. Plantava uma carreira de milho aqui, outra aqui e aqui no meio algodão. Aí, quando a gente ia apanhar algodão, cada um ficava entre uma carreira de milho e outra. Ali, passava o dia todinho, só falava na hora de comer, na hora de beber água, na hora de pôr o algodão dentro do saco. E passava o tempo todinho assim. Era, minha fia, é duro! Não tinha água encanada, era água de barreiro. Você já viu um barreiro? Já ouviu falar no barreiro? Furava aquele buraco no terreno, aquele buraco bem grande. Quando chovia a chuva, enchia d’água. Aqui, o povo não pode beber água de não sei onde porque tem isso, tem aquilo. Lá, a gente pegava aquela água até o fim! Ali, tinha dias que a gente ia, tinha uma tartaruga ali dentro, tinha um sapo deste tamanho ali dentro. A gente pegava aquela água, só fazia coar num paninho de modo de não ir sujeira. E aquela água a gente comia, a gente bebia, cozinhava com ela, tomava banho, tudo com aquela água. Água do riacho assim correndo. Tinha um poço, a gente tomava banho ali dentro. E, graças a Deus, não tinha doença nenhuma. Lavar roupa, tinha tempo que a gente lavava num rio lá, do jardim. Ponhava a roupa de madrugada num caçuá, não sei se vocês também não sabem. Ponhava o cavalo, enchia aquilo, e iam duas ou três famílias pra lavar roupa no jardim. E lá tomava banho, lavava roupa, ponhava de tarde nos caçuá de novo e ia pra casa. É, minha fia, a vida do Norte é puxada, a minha vida foi puxada. Aí, depois que eu vim pra aqui, que eu tive mais, fui trabalhar, mas era mais...
P/1 – E, quando vocês iam lá pro rio pra lavar roupa, vocês cantavam alguma...
R – Cantava nada, era tudo (risos)... Cantava não, era tudo quieto. Conversava um com o outro, né? Aquela família conversava, tudo, mas cantoria era difícil.
P/1 – E, ainda na época da colheita, Dona Virgínia, vocês tinham medo de encontrar alguma coisa no meio da plantação?
R – Quantas vezes a gente ia limpar aquele mato, tinha uma pedra assim, a gente abria, tinha uma cobra feito aquela roda, deste tamanho! Aquela cobrona. Lagartixa, sapo, tudo a gente achava no meio da plantação. Mas cobra, eu tinha um medo, eu tenho pavor de cobra. Tinha vezes que a gente estava limpando o mato, quando puxava assim, lá vinha uma cobra, ai! Tenho muito medo de cobra.
P/1 – E teve alguma vez que a senhora encontrou?
R – Encontrei!
P/1 – Conta pra mim como foi.
R – A gente morava numa casa, depois que eu casei, que primeiro eu fui morar perto do pai do meu marido. Passemos um tempo lá, não deu, as coisas ficou muito apertada. Aí, viemos perto do meu pai de novo, fui morar pertinho. Aí, tinha, a casa da gente era perto de um córrego e, quando teve dia que... Tinha um matinho atrás de casa. Teve dia que, quando eu e meu marido, a gente estava dormindo... Teve um dia, menina, a gente estava dormindo de noite. Quando meu marido acordou, que olhou pra cima, tava uma cobra pendurada, que a casa não tinha forro, não, sabe? Era só os caibros. Pendurada! Ele, o que fez? Eu tava com a menina deitada na rede perto da cama, aí, ele disse: “Tira a menina lá pra fora”. Eu peguei a menina, e ele tinha a espingarda, meteu fogo nela, ela caiu. Uma cobra... Como é? Não era coral, não, era outra. Dessa grossura, desse tamanho. Que ela vinha procurar. Tinha vez que a gente criava galinha, criava os pintinhos novos, a galinha dormia do lado de fora. Quando a gente acordava, tava a galinha bagunçando, agitada. Ia ver, era a cobra comendo os pintinhos! Ela mata pra poder engolir. Matando os pintinhos, menina! Mas é. Cobra tinha hora que... O meu filho mais velho era molequinho assim. O pai ensinou ele a atirar com a espingarda pra caçar rolinha. Quando eu dava fé, o menino: “Vem aqui, vem aqui”. Eu ia ver. Vanderlei corria, matava ela dentro d’água, ia passando. Cobra tinha demais lá, minha fia. Era mato, tinha muita cobra, aparecia. Ave Maria, é o bicho mais que eu tenho medo!
P/1 – Ainda na infância da senhora, vocês brincavam?
R – Brincava de esconde-esconde, de jogar pedra, um jogo lá de jogar pedrinha, ajuntava assim as coleguinhas, as colegas da gente. De fazer, tinha casa de farinha, ajuntava aquelas molecadas, aquelas meninadas, vamos fazer comida! Brincando, né? Caçava umas sementes no mato, ponhava nos potinhos e fazia que nem fazia um foguinho, que nem uma família ali. Mas tudo de mentira, não sabe? Tudo pra passar tempo. Aí, a gente era feliz, sabe que eu era feliz? Quando eu era solteira, eu era feliz. Essa semana, eu saí mais Nazaré, fomos viajar semana passada, fomos pra Lins, não sei se você sabe esse lugar. E lá fizeram uma fogueira, foi festa junina, teve quermesse, teve dança caipira, tudinho. E eu, quando vi aquela fogueira, meu olho encheu d’água, lembrei da casa de farinha, da casa de papai. Quando era assim, quando a gente estava pequena, quando era noite de São João, papai fazia uma fogueira bem grande no terreiro e, antes, quando tava perto da... Ele ia na loja, comprava cada um, um pano, pra mamãe fazer um vestidinho, uma chitinha, tudo igual, não sabe? Aí, mamãe fazia aqueles vestido, ia na feira, comprava um tamanco. Acho que vocês não conhecem esse tamanco. Era só de madeira, aqui era que nem um sapato, sendo azul ou vermelho pintadinho. Comprava, cada um, um tamanco. Mamãe fazia esses vestidos, e ele ia na feira, na loja. Não, devia ser na feira, não sei onde. Comprava fogos, aquele diabinho e estrelinha. E ficava ali. E mamãe chegava, nesse tempo tinha milho verde, tudo, e mamãe fazia pamonha. Logo cedo, trazia milho pra fazer, assar na fogueira, tudinho. E a gente ficava. Eu mesma não via a hora de chegar a noite pra vestir aquele vestido (risos), pôr aquele tamanquinho no pé e ir pra porta ali, que papai acendia a fogueira. Aí, ele chegava, a gente tomava banho, se trocava, se arrumava tudinho. Ele dava, a cada um, um pouquinho daqueles fogos que ele comprou. Ele sentava, que tinha calçada assim, tinha um degrau, sentava ali, acendia a fogueira, e a gente ficava tudo ao redor. Tudo feliz da vida, viu? Tudinho muito feliz da vida. Aí, ficava mais um pouquinho, mamãe arrumava a janta. Aí, a gente ia jantar, era pamonha. Ela que tinha feito a pamonha. Era muito legal, eu tenho saudade. Aí, quando eu vi a fogueira lá, eu me alembrei (choro). Enchi os olhos d’água, eu digo: “Eu não aguento!”. Era muito gostoso. Eu não vou dizer que a minha infância foi ruim porque eu gostei muito da minha infância. Gostei muito da minha infância.
P/1 – E tinha alguma outra festa durante o ano que a família toda também se reunia, de que a senhora se lembra?
R – Não, a maior festa era São João. O Natal se reunia em casa, mas a gente não ia na festa, que era longe, não tinha transporte nem nada, não ia. E algum terço que rezava. Esse povo do Norte rezava terço, fazia procissão. Aí, a gente ia, que era pertinho, a gente ia. Mas festa assim, eu nunca fui, porque era longe.
P/1 – E como que eram esses encontros para o terço?
R – Tinha gente que rezava em casa. Aí, convidava a gente, a gente ia, era tudo em casa. E, quando era procissão, saía a procissão de uma casa pra outra. Ponhava o santo no andor, que nem aqui, Nossa Senhora da Aparecida, você não vê aquele andor? Fazia do mesmo jeito, ponhava o santo ali, aí, quatro pessoas pegavam e levavam de uma casa pra outra. Rezava terço numa casa, naquele lugar deixava ali pra ir pra outra. E era assim.
P/1 – Que santo que era?
R – Não tinha santo, era o santo da devoção daquela pessoa. Era Santo Antônio, São José, tinha vezes que era São Sebastião, o santo que aquela pessoa fizesse oração pra ele. Nossa Senhora do Bom Parto lá, que tinha uma Nossa Senhora do Bom Parto, Coração de Maria, era assim, não era só um santo, não. Era o santo que aquela pessoa quisesse.
P/1 – E como que era a rotina em casa, pensando os pais da senhora, tinha algum costume durante o dia, alguma rotina que a senhora se lembra que todos os dias vocês faziam juntos?
R – Era trabalhar. Todo dia, amanhecia o dia, papai tirava o leite, que nem eu falei, fazia o café, a gente tomava e ia pra roça. Durante a semana. E, durante o sábado e o domingo, a gente ia lavar roupa, ia limpar a casa, era fazer isso, mamãe ia costurar, era isso.
P/1 – Tinha alguma comida que a senhora se lembra que sua mãe fazia, que a senhora gostava bastante?
R – Deixa eu ver. Era muita comida que fazia. Comprava um peixe, fazia o peixe de coco, era muito gostoso, no leite de coco. Quer ver o que eu mais gostava? Era a feijoada, uma feijoada com feijão-preto, gostoso! A gente plantava feijão lá, aqui é feijão de corda, sabe? Lá a gente chamava feijão-macáçar. Plantava, era uma delícia ele verde, a gente apanhava verde e cozinhava pra comer. Era muito gostoso, muito gostoso. Criava criação, pegava um frango grande, uma galinha no terreiro, matava. A gente não comprava, não tinha frango resfriado, não, gelado, não. Comia tudo fresquinho ali na hora, viu? Tudo fresquinho. Matava porco, criava porco e matava, matava cabrito pra comer.
P/1 – A senhora participava?
R – Participava! (risos) Eu lembro que papai foi matar um porco, e eu queria segurar, aparar o sangue. Menina, quando papai enfiou a faca no porco assim, que tirou, o sangue veio de uma vez, mas me deu um banho naquele sangue, de cima a baixo! Que eu queria porque queria aparar aquele sangue. E o sangue veio duma vez, menina, na minha cara. Foi preciso tomar banho cedinho, que ele matava de madrugada, levantava cedo. Foi preciso tomar banho de madrugada, me trocar, porque tomei um banho de sangue (risos). É, era muito bom, viu?
P/1 – E o que a menina Virgínia queria ser quando crescesse?
R – Naquele tempo lá, ser uma dona de casa, casar, ter filhos. Foi o que eu fiz. Aí, depois, eu vim pra São Paulo. Foi assim: meu professor estava em São Paulo, morava lá na cidade. E a gente morava na roça, a gente é da roça, sempre. O sítio lá chamava Sítio Cavaco, onde a gente morava no interior. Chamava Sítio Cavaco. Aí, a gente morava lá, e o meu professor veio pra São Paulo. E o meu marido lá era barbeiro numa barraquinha. Tinha uma barraquinha lá, era barbeiro, cortava cabelo entre o sábado e o domingo. E, no meio da semana, trabalhava na roça. E, no sábado e o domingo, ele estava na barbearia. Quando foi uma vez, um dia, meu professor veio pra São Paulo, ficou aqui, arrumou serviço na Prefeitura de Diadema. Aí, foi lá e pôs na cabeça do meu marido de vir pra São Paulo, que ele arrumava serviço pra ele aqui, tá tá tá. Minha mãe e meu pai não queriam que ele viesse, depois ele resolveu vir. Deixou eu lá com cinco filhos, a mais nova tava com oito meses, e veio embora. Eu tenho um tio, que é irmão de papai, chegou lá em casa e falou: “Minha fia, tu tem coragem de ficar aí com esses fios todinho e teu marido ir embora?”. Eu digo: “Fazer o quê, tio? Vai ver se arruma uma vida mió”. E eu fiquei com eles. Passei um ano. Com um ano, ele mandou me buscar. Esse meu professor foi pra lá visitar a família, aí, ele mandou ele me trazer. Aí, eu vim, com cinco filhos, um irmão, aquele irmãozinho pequeno, outra irmã. E vim embora pra São Paulo. Aí, eu vim. Quando cheguei cá, passei quatro meses na sala do dentista morando, que ele trabalhava lá num grupo, era guarda e vivia nessa sala. Aí, nove pessoas na sala do dentista. Nós se viremos. Aí, eu vendi as vacas que eu criava lá, eu vendi as minhas vacas, trouxe o dinheiro. Ele já tinha comprado esse terreno em que eu moro, tava construindo. Ele acabou de construir. Aí, a gente, com quatro meses, fomos morar lá.
P/1 – E, nesse tempo que ele veio antes e a senhora ficou com os filhos lá, vocês se conversavam de algum jeito?
R – Com ele? Carta, todo mês ele mandava carta e mandava dinheiro. Não, todo mês ele mandava uma carta e mandava dinheiro pra mim. Não passei necessidade, não. Era muito bom, viu?
P/1 – E o que vocês conversavam nessas cartas?
R – Ele mandava falar que ele estava bem, que tava bom, isso e aquilo. Aí, escrevia, falava que eu estava bem, que os meninos tava bom, era assim.
P/1 – A senhora consegue contar como que a carta chegava até a senhora e como que era receber a carta e abrir?
R – Era assim: a cidade era longe de onde nós morava. Aí, a gente ponhava o endereço lá da... Nem tinha nome em casa, nem nada. Só era o nome do correio, a gente ponhava o nome do correio, e escrevia a carta. Aí, lá, pra aqui, eu já ponhava o nome certinho, que ele já tinha endereço. A carta chegava, ele lia e, quando chegava lá, a gente ia ver no correio, em Timbaúba. A gente ia pro correio, pegava a carta, eu lia. Ele dizia que tinha mandado o dinheiro tal dia, tal tempo, eu podia ir no Banco do Brasil que eu tirava o dinheiro. Aí, eu ia. Ele mandava falar como ele tava, do mesmo jeito era eu, mandava falar como tava a família, eu tava trabalhando, criando as vacas, tudinho. Todo mês, ele mandava o dinheiro e mandava uma carta. Aí, eu repostava, quando eu recebia o dinheiro. Eu repostava que tinha recebido.
P/1 – Eu posso voltar?
R – Pode.
P/1 – Não tem problema?
R – Não.
P/1 – Que a senhora falou de um professor, e a gente pulou a parte da escola da senhora. Conta pra mim, quando que a senhora entrou na escola?
R – Olha, eu entrei na escola, tava com dez anos. Entrei na carta, lá era uma Carta de ABC. Quando começou lá, é tempo antigo, não é que nem agora. Aí, comecei ler. Só sei que, quando eu saí, eu ia fazer 13 anos, quando eu saí da escola. Tinha estudado o primeiro ano primário, só o primeiro ano deu pra estudar. Aí, eu saí e fui pra roça trabalhar.
P/1 – E como era a escola?
R – A escola era na casa que ele morava, uma salinha, a metade disso... Uma salinha assim. Até as cadeiras, pra gente sentar, que lá no Norte... Aqui tem aqueles banquinhos, né? Lá no Norte também, senta no banquinho. Papai levou dois banquinhos pra eu e pra minha irmã, que foi eu e minha irmã de uma vez. Levou dois banquinhos pra gente sentar, que não tinha banquinho. Era bem pobrezinho mesmo, sabe? A mãe dele era minha madrinha de crisma, madrinha Guida. Era bem pobrezinho mesmo o lugar onde a gente fomos estudar. Depois foi que ele arrumou uma casa maior, não sei se alugou, aí, saímos de lá. Mas eu passei mais de ano nessa casinha. E papai pagava, naquele tempo era particular. Papai pagava três mil réis, naquele tempo o dinheiro era mil réis, né? Três meu e três da minha irmã. Eu lembro, isso eu lembro, era três mil réis que papai pagava pra ele dar aula pra gente. E todos os alunos que iam ali era pago. A coisa era difícil, viu?
P/1 – E como era a aula?
R – Era aula direito, ele dava aula bem. A gente aprendia, ensinava tudo, dava lição pra gente fazer em casa, dava tudo. Mas era pobrezinho, muito pobre.
P/1 – Vamos entrar agora na adolescência. A senhora se lembra como foram as transformações que a senhora foi sentindo no corpo, ficando jovem?
R – Foi difícil, né? Fazer o quê? Eu gostei de ficar... (risos) Aí, quando eu tava com, era 13 anos, eu saí da escola. Aí, fui pra roça, fui trabalhar. Fui viver a vida.
P/1 – E a mãe da senhora, suas irmãs, vocês conversavam sobre como era ficar adolescente?
R – Não, era um povo assim, que a gente ficava adolescente, ficava mocinha, e elas não falavam nada. Não, a gente é que pensava. Agora, quando acontecia, eu lembro quando eu fiquei mocinha, eu falei pra minha irmã mais velha. Foi.
P/1 – E como foi?
R – Eu falei pra ela o que tava acontecendo, aí, ela falou pra minha mãe. Aí, minha mãe veio comigo, conversar comigo.
P/1 – E o que a senhora sentiu nesse dia?
R – Não sei, nem lembro mais! Medo, não sabia o que era aquilo, né? Foi isso! (risos)
P/1 – E quando que a senhora conheceu o seu marido?
R – Eu conheci meu marido assim: tinha um senhor lá, uma família, que no mês de outubro, rezava três terços. É religião, né? Três terços seguidos assim, três sábados. Quando foi um sábado, meu pai, não sei o que teve que minha mãe não foi, era perto. Aí, meu pai levou eu e minha irmã mais nova do que eu: “Vamos pro terço”. A gente chamava três terços. “Vamos pro terço.” Fomos. Aí, chegou lá, a gente rezemos o terço. Aí, saíram, entre um terço e outro, a gente brincava ali. Aí, o meu marido tava lá. Aí, comecemos, ele ali olhando, mas eu com medo de meu pai, né? Tava perto de meu pai, tá tá tá. Aí, deu a hora, a gente veio embora e ele ficou lá. Eu tinha uma parente de meu pai que morava no terreno dele, era inquilina dele. E, quando foi no outro dia, a Maria chegou lá falando que ele não sei o quê, não sei o quê. Aí, quando dei fé, ele apareceu, mandou falar em casamento, apareceu lá. E ficamos noivos. O pai dele morava lá perto também. Depois, o pai dele mudou-se pra longe, eles foram pra longe, fiquemos noivos. Passemos dois anos noivos.
P/1 – Mas assim rápido, Dona Virgínia?
R – Rápido assim!
P/1 – Mas vocês nem tinham se falado?
R – Não, eu nem conhecia ele direito! Eu só conhecia a família, né? A família dele, eu conhecia tudo, pai, mãe. Mas eu não tinha contato com ele nenhum, era difícil a gente ver. Eu vi ele nesse dia. Aí, só sei que deu certo, casei (risos). Com dois anos, a gente se casemos!
P/1 – E, nesse tempo, como foi receber essa notícia que a senhora recebeu de que ia ficar noiva com ele, como foi esse dia?
R – Foi muito gostoso. Aí, ele foi, pediu a papai em casamento, levou aliança. Primeiro, ele começou ir lá em casa. Aí, depois, ele pediu a medida do meu dedo, levou, comprou a aliança. Quando foi no outro dia, parece que eu tô vendo, ele chegou desconfiado lá (risos). Aí, a gente, papai tava na sala assim, tudinho, e tinha uma janela bem grande. Ele chegou na janela pelo lado de fora. Acho que ele falou assim: “Vou pedir daqui, porque se o velho vier bravo, tá mais fácil de eu correr!” (risos).
P/1 – (risos)
R – Aí, me pediu: “Ah, porque eu quero tá, tá, tá, tá, ficar noivo de fulana”. Ele deu a aliança, papai aceitou, concedeu, né? Deu aliança e tudo. E, aí, a gente ficamos noivo. Aí, ele começou vir. Depois, ele mudou-se, o pai vendeu o terreno lá, comprou outro longe, mudou-se. Ficou longe pra ele vir. Aí, ele só ia no fim de semana. Tinha dia que ele ia no sábado, dormia, e, no domingo, ia embora. Mas era longe. Aí, foi indo, foi indo, ele construiu na casa do pai, perto, uma casa, tudinho. Aí, casemos e fui morar lá.
P/1 – E como que foram os preparativos para o casamento?
R – Foi muito assim, que fazia a festa em casa, era um almoço. Casava. Aí, foi a primeira vez que eu andei de carro, minha gente, foi no dia do meu casamento! Papai alugou o carro em Timbaúba, até um parente lá do meu tio. Aí, ele veio buscar a gente de carro, mas a primeira vez que eu andei de carro. Era longe, veio buscar na igreja, casemos. Até esse professor, que morava em Timbaúba, sabia, toda hora ele estava trabalhando. Foi na quinta-feira que eu casei. Ele trabalhava, estava trabalhando, né? Mas, de vez em quando, ele chegava na igreja pra ver se eu tinha chegado, pra ver eu casar, ele queria ver eu casar. Mas na hora que o padre fez o casamento, ele não tava, coitado. Tinha ido embora e não viu (risos). Só sei que foi muito bom. Aí, casei, fui morar perto do pai dele, passemos uns anos, ganhei dois meninos lá, os dois mais velhos foi. E as duas meninas. Aí, a gente não deu certo lá, viemos morar perto de papai. As três meninas nasceu lá. Que eu tenho cinco filhos: os dois primeiros é dois meninos, Vanderlei e João. E as meninas, as três, foi Maria das Graças, Maria Nazaré, que é essa, e Maria José, que é a caçula.
P/1 – Dona Virgínia, antes de a gente entrar na maternidade, como que foi o vestido de noiva da senhora? Quem fez, como foi experimentar?
R – Quem fez? A gente compramos pano, eu fui na loja mais mamãe, comprou o pano e levou pra uma costureira lá perto costurar. Aí, ela costurou, fez, eu fui, provei, ficou bem bonito. Um pano fino, pôs o forro, ficou muito lindo. A manga comprida, que, lá, as roupas desse tempo eram lá embaixo. Era a manga aqui, que era pra não ver nada. O povo, né? Esse povo...
P/1 – (risos)
R – O povo lá era esse povo antigo, né? Aí, eu fui, provei o vestido. Ainda no dia eu fui, vesti ele, veio uma muié, que era comadre de papai, me arrumar em casa. Arrumou em casa. Aí, nas festas de casamento lá, matava peru, matava porco, matava tudo, fazia uma festa, comida! Era um almoço. Aí, o casamento eu nem sei que hora foi, umas nove, dez horas, acho que era umas dez horas. Aí, fumo pra igreja e o povo ficaram em casa fazendo a festa, cozinhando as coisas. Quando cheguemos, já era quase meio-dia. Aí, almocemos, todo mundo almoçou, minha madrinha e meu padrinho foram meus padrinhos de casamento também. O padrinho de batismo foi de casamento. E o dele foi o irmão, o padrinho dele de casamento. Quando foi umas duas horas, aí, o carro que levou a gente pra igreja, levou pra casa. Chegamos na casa do pai dele era umas duas horas ou mais. Tava outra festa, outro almoço, pra quem quisesse comer, estava ali. Era assim, o povo lá era assim.
P/1 – E como que foram os primeiros dias de casada? O que mudou, como foi descobrir essa intimidade do casal?
R – Foi difícil, mas depois deu certo (risos)! Tudo a primeira vez é difícil, né? Mas depois deu certo. Fiquei lá. Ele morreu, quer ver? Faz 20... Ele morreu em 1992.
P/1 – Vinte e seis anos.
R – É. Aí, quando ele morreu, eu já tinha casado meus filhos todinhos, só tava a caçula, ia casar no mês de junho. Aí, ele morreu, ele adoeceu, foi pro hospital. E eles correndo atrás. Aí, eu adiei o casamento, eu digo: “Agora vocês não vão casar!”. Já tava tudo pronto. “Deixa pra casar, vamos ver o que dá.” Aí, ele morreu. Quando foi em janeiro do outro ano, eles casaram. E eu fiquei sozinha. Eu fiquei sozinha não, que eu tinha um fio separado, tava dentro de casa. O João tava separado, tava mais eu, dentro de casa. Aí, depois, João arrumou uma muié, foi embora e eu fiquei sozinha. Ainda tô sozinha. Não tô sozinha porque eu tenho um neto que mora mais eu. Esse neto nasceu no meu quintal, eu criei ele, foi esse do pai que separou. Eu fiquei com ele. Bem dizer, criava lá em casa, eu e a mãe, tudinho. E, agora, quando casou, voltou lá pra casa. Ele só vivia mais eu, agora tá morando lá.
P/1 – E como que era a rotina de vocês, quando a senhora se casou?
R – Como era a rotina? Era trabaiá na roça de novo. Trabaiava na roça, plantava. Lá era algodão que a gente plantava e mandioca, quando eu era solteira. Aí, lá era batata. Plantava batata e cará. Trabaiava na roça. Trabaiamo na roça. Só vim sair da roça quando eu vim pra São Paulo.
P/1 – E, antes disso, conta pra gente como foi descobrir que a senhora seria mãe?
R – Foi outra... Pela primeira vez! Aí, eu não tinha bem intimidade com a mãe dele. A mãe dele era... Sei lá, eu não tinha intimidade com a mãe dele. Aí, quando eu vi que tava grávida, cheguei e falei pra mamãe o que tava acontecendo. A mãe: “Não, minha fia, é filho, você vai ter um filho”. Agora, aquilo, no Norte, a gente ficava grávida, nunca ia no médico, nunca tomava um remédio pra saber, fazer um exame, uma coisa, ver como estava a criança. E, na hora de nascer, era uma veia, uma parteira. Lá chamava parteira. Mas, no primeiro filho, eu pensei que eu ia morrer de tanto sofrimento! Mas tinha uma muié, que morava perto de mim, uma senhora muito boa, foi que fez tudo, tudo, tudo, modo de o Vanderlei nascer. Graças a Deus. Aí, os outros foi mais fácil. Mas o primeiro foi difícil. Aí, os outro tá aí, tudo aí. Aí, depois disso que eu vim morar perto de papai. Teve uma que quase nascia na casa de farinha. Eu tava falando... (risos) Foi assim: no Norte, era tudo fogo de lenha, né? Papai pôs a roça, depois ele falou, um sábado... Tinha pé de caju, tinha muita castanha, a gente colhia muita castanha, né? Aí, disse assim: “Eu vou buscar lenha”. Juntou meu marido, tudinho: “Vamos buscar lenha pra queimar”. Cada um trazia um feixe de lenha. “Quando a gente voltar, a gente vai torrar castanha pra comer.” Aí, foram. Quando chegou... E eu, grávida, tava já no mês. Cheguei em casa, torrei café, que naquele tempo a gente tomava café lá no Norte, a gente torrava o café, pilava no pilão pra tomar aquele café. Eu torrei o café, eles foi buscar lenha, e eu torrei o café em casa. Peguei e não tinha pilão, fui pilar lá na casa de mamãe. Pilei o café, deixei lá. Aí, eles chegaram, foram torrar castanha, mamãe disse: “Vamos quebrar castanha”. Fui. A casa de farinha era coberta tudinho, e tava dando sombra assim. Eu sentei no chão mais mamãe e fomos quebrar castanha. Foi mais tarde, eu vi aquela coisa daqui assim, correu até embaixo! A bolsa estourou ali. Eu não senti nada. Aí, eu falei: “Mamãe, eu vou embora”. Mamãe: “Não, não!”. Eu fui, peguei meu... “Vou embora.” Aí, mamãe saiu atrás de mim: “Ela não tá boa”. Aí, viu o que era, foi e chamou o Zé, que meu marido chamava Zé, e falou: “Vai buscar a comadre Elvira” – que era a veia, a parteira. Aí, foi buscar, ele chegou com ela, com poucos minutos chegou a Maria (risos). Tá aí a negona! (risos) Minha Maria das Graças. Aí, os outros foi fácil. Essa daí amanheceu o dia, uma segunda-feira, eu fiz café, tinha um parente de papai que morava perto, chamei ele pra tomar café, ele veio, tomou café. Na segunda-feira, mas eu já amanheci meio assim, eu falei pra Zé: “Você não vai pra roça hoje, não, fica aí”. Quando foi mais tarde, eu vi que a coisa apertou, eu falei: “Vai buscar comadre Elvira”. Aí, ele primeiro falou: “Vai buscar mamãe”. Primeiro, ia buscar mamãe, foi buscar mamãe. Mamãe chegou e falou: “Minha fia, a comadre Elvira”. Tinha outra prima minha que tava grávida, tinha buscado comadre Elvira no domingo à noite, e eu nem tinha visto, não sabia. “Comadre Elvira tá lá na casa de Tereza.” Aí, Zé foi buscar, comadre Elvira disse: “Fica aí que tá difícil, eu vou lá ver como tá e depois eu volto”. Quando chegou lá, a menina nasceu, ela arrumou tudinho, deixou eu pronta e foi lá, ainda demorou pra outra lá nascer. Outra menina, nasceu duas meninas nesse dia. É, minha fia, as coisas no Norte.
P/1 – E como era descobrir ali se era homem ou mulher?
R – Só descobria na hora que nascia. A gente, pra fazer roupinha, óia, no primeiro fio, eu vou lhe falar! A roupinha dele, que mamãe fez, todinha foi de menina! Naquele tempo, usava umas camisinhas assim, umas camisinhas, né? Eu fui e comprei tudo branco com bolinha vermelha. E ele usou. Eu digo: “Vai usar desse mesmo jeito!”. A gente só sabia o que era quando nascia. Nós nunca sabia. Se soubesse, né? Roupinha, cobertorzinho, tudo de menina. Só descobria quando nascia.
P/1 – E por que vocês tinham comprado pra menina?
R – Porque eu também era uma menina. Porque lá em casa foi oito filhas. Foi oito, e morreu uma. As minhas irmãs mais velhas, tudo foi menina, nasceu menina. As duas mais velhas, que tinham casado, nasceu menina. Eu digo: “Vai ser uma menina também”. E veio menino!
P/1 – E tinha algum cuidado depois do nascimento com o corpo da senhora?
R – Tinha, a gente passava 40 dias sem sair de casa, sem pegar peso, tudinho. Passava... Aqui, eu não sei se isso, ganha uma criança e anda logo no mesmo dia?
P/1 – A mulher?
R – Não, lá, a gente passava três dias deitada na cama, sem se levantar. Era. A gente ganhava e passava três dias. Com três dias era que se levantava, andava só por ali um pouquinho, pouca coisa. Três dias. Tudo diferente! (risos) Não sabia de nada, uma criança adoecia, a gente não tinha nem onde levar pro médico, porque não tinha médico! Não tinha nada. Quando levava, era numa farmácia. Eu ganhei esses meninos, os cinco lá, eu nunca tomei nem um comprimido, de ir no médico e o médico passar um comprimido pra eu tomar. Não, porque não tinha médico! Não tinha quem fizesse exame nenhum. Não sei!
P/1 – Dona Virgínia, já vindo pra quando a senhora veio pra São Paulo, a senhora pode contar como foi organizar as coisas em casa, o que a senhora trouxe na mala?
R – Eu só trouxe na mala as roupas, só as roupas minhas e de filho. Algum cobertor, uma coisa assim. Porque ele não foi buscar. Até uma máquina de costura, que, aí, depois de eu casada, eu criei uma vaca, eu tinha uma bezerrinha, vendi a bezerrinha e comprei a máquina. E papai me deu uma terra pra eu plantar mandioca. Aí, eu plantei a mandioca, quando a mandioca tava boa de arrancar, arranquemos, fizemos a farinha. Isso eu lembro. Eu vendi a vaca, a bezerrinha por 70 mil réis lá. E fiz 30 cuias de farinha, vendi por 30 mil réis. Aí, fez 100, a máquina de costura foi 100 mil réis. Aí, ele comprou a máquina, e eu costurei também, ainda hoje eu faço uma calça assim, um pijaminha pra um neto, alguma coisa eu faço, não sabe? Se chega um neto, tá precisando de um pijaminha, eu compro moletom e faço o pijaminha. Aí, ele comprou essa máquina, ficou lá, e eu costurando. Aí, ele veio embora, e eu vinha, como era que eu trazia? Já vinha de favor, que João Lopes que me trouxe. Aí, eu deixei a máquina na casa de papai, vendi as vacas, vendi duas vacas que eu tinha, eram três vacas. Deixei uma lá com papai e vendi duas e vim embora com o dinheiro. Cheguei cá, naquele tempo, eu trouxe 800 mil réis das vacas. Aqui é oito mil hoje, né? Quando cheguei, que nem eu falei, fomos pra sala do dentista. Ele trabalhava no Ana Sofia lá, num grupo chamado Ana Sofia. Eu fui pra lá, João Lopes me levou logo lá. Eu fiquei lá com os meninos na sala do dentista, e ele já tinha comprado esse terreno. Com o dinheiro que eu trouxe, ele acabou de construir. Aí, mudemos pra cá. Mudemos, não tinha cama, só tinha uma caminha assim de abrir e fechar. Ele comprou, pra cada menino, uma. Não tinha nada, móvel, nada. Só tinha o fogão e umas panelas que ele cozinhava lá. O fogão que ele cozinhava lá, ele levou, e a gente fomos, passemos pra dentro, fomos viver. Não tinha água, a água era do poço, não tinha luz, fomos queimar querosene naquela lamparina. E trabaiando. E os menino, matriculou os meninos nessa escola que tava. Cheguemos no dia 8 de março. A gente fomos, ele começou a trabaiá, e eu fiquei.
P/1 – Antes de chegar aqui em São Paulo, como que a senhora veio pra cá?
R – Pra cá pra São Paulo? Pois, não vim, não foi com esse professor que me trouxe?
P/1 – Mas veio de quê, de ônibus?
R – Viemos de ônibus, três dias com três noites de ônibus. Não, não tinha avião, não! Era ônibus. Viemos três dias com três noites de ônibus.
P/1 – E como foram esses três dias?
R – Dormi dentro do ônibus com essas crianças tudo no colo. Eu, com essa com um ano e dez mês no colo direto, pra ir no banheiro, tinha que ir nas paradas. Não tinha lugar de tomar um banho, comida não tinha, comeram lanche esses três dias. Era lanche, era bolacha, era pão, quando parava numa parada aí. Corria e comprava. Uma água, um suco, uma coisa. Foi difícil, minha fia! Até, com a graça de Deus, chegou e não aconteceu nada.
P/1 – E o que vocês imaginavam que iam encontrar aqui em São Paulo?
R – Eu imaginava encontrar, eu digo: “O que é que vou encontrar? Vou encontrar uma casa pra morar”. Mas tive paciência, ele lutou, a gente lutemos, eu já tinha esse dinheiro, ele já tinha comprado o terreno. Construímos essa casa que tá nela, e a gente, depois, aí, ele ficou. Cheguemos em 1970, 1972. Ainda passei 73, 74, eu arrumei serviço e fui trabaiá. Aí, ele arrumou serviço na prefeitura pra mim, pra eu ser servente numa cozinha de uma escola, servente da merendeira. Fui pra um grupo, longe de casa. Todo dia, eu saía seis horas de casa. Deixava a filha maior. Essa Maria das Graças tava com nove anos, ficava com os pequenos. Eu deixava comida pronta, tudinho, deixava ela: “Olhe, meu fio, é assim, assim”. E eu ia trabaiá. Tanto que essa mais pequena, a Maria José, que era a caçula, ninguém conhece, no pré, onde ela estudou, ninguém conhecia eu, só conhecia, tudo era a Maria. Se era pra levar no posto, pra tomar vacina, era a Maria, tudo era a Maria que levava, a minha fia mais velha. E eu fiquei trabaiando. Aí, ele arrumou esse serviço, eu fui. Depois de um ano, aí, mudaram pra perto de casa, transferiram eu pra perto de casa. E eu era servente, passaram eu pra merendeira. Eu digo: “Ô, vou ganhar mais”. Piorou. Aí, eu trabalhei bastante tempo. Aí, no grupo que eles estudavam, eu trabalhava. A que estudava de dia, as que estudavam de noite, tudo eu tava ali. Eu fazia assim: eu trabalhava das sete às quatro pela prefeitura, fazendo comida. Quando era de noite, a diretora falou se eu podia ir à noite fazer café e esquentar marmita pra turma da noite, que trabalhava à noite. Mas ela pagava por fora, não sabe? Eu digo: “Não, eu tô precisando, eu vou mesmo! O pouco que cair já serve né?”. Eu trabalhava de manhã, até às quatro. Às quatro, eu ia pra casa, eu lavava roupa, fazia janta, deixava a janta pronta pra quando o Zé chegasse, mais eles e eu comer. E eu voltava de noite, trabalhava até nove horas mais ou menos, pra ir pra casa. Todo dia. Todo dia.
P/1 – Dona Virgínia, desculpa voltar um pouco, que eu quero fazer duas perguntas ainda de quando a senhora chegou aqui em São Paulo. A primeira, fazia um ano que a senhora não encontrava o seu marido. Como foi encontrar ele?
R – Mas foi muito bom! (risos) Você acha? Ave Maria, eu pensava que não ia ver ele mais nunca! Aí vi, foi muito bom. Eu, com cinco filhos, longe dele, eu digo: “Se tu vai e não volta, nem liga mais”. Mas, graças a Deus, ele mandou, pôs esse professor, esse professor é tudo, foi tudo pra mim, viu? Mandou lá, ele trouxe eu, tudo, fez de tudo. Tem uma igreja em Diadema, que é de Nossa Senhora da Conceição. No dia que ele chegou, cheguemos em Diadema, era seis horas da manhã. Ele deixou eu sentada na... Eu digo: “Essa igreja me deu sorte”. Deixou eu na calçada da igreja com os meninos, e a garagem era perto. “Vou buscar o carro ali pra levar vocês lá no Ana Sofia.” Eu falei: “Tudo bem”. Aí, as meninas tavam com fome, tinha um barzinho de um lado, e eu mandei Vanderlei, que era maiorzinho, comprar bolacha pra dar pras meninas. E fiquei ali sentada até João Lopes chegar com o carro da prefeitura. Aí, levou a gente até no Ana Sofia. Eu digo que ele deixou eu num lugar muito bom, foi na calçada da igreja, parece que me deu sorte. Não é fácil, viu? Não foi fácil a minha vida, não foi fácil. E, aí, chegou, ele faleceu, e eu fiquei.
P/1 – Se a senhora fica bem de contar pra gente, como foi que aconteceu?
R – Conto. Ele trabalhava na prefeitura tudinho e ficava dizendo que estava com dor. Uma dor aqui, uma dor ali, chegava em casa e se queixava. Aí eu: “Vamos no médico”. Era desses homens turrão, que não gosta de ir no médico. Uma vez, eu peguei ele e levei no hospital de Diadema lá, que tem o hospital de Diadema. Ele fez exame, mandou fazer exame de sangue. Quando ele foi fazer o exame de sangue, disse que ele não tava bem, fosse encaminhar ele pro hospital. Eu falei pro Vanderlei, Vanderlei já era casado. Vanderlei chegou e levou ele pro hospital. Do hospital, fizeram exame e tudo: “Não, aqui não dá certo”. Ele ia fazer xixi, fazia o xixi da cor de café. E ele era um homem assim, você viu na foto, bem rosado. Era uns povinho baixo assim, gordinho, bem rosado. É igual Nazaré, Nazaré parece com ele, é vermelha daquele jeito. Aí, ficou branco da cor disso aqui, ó. O sangue fugiu. Ele ia fazer xixi, fazia cor de café. E aquela dor, dizendo que era uma dor do lado, uma dor do lado. O Vanderlei levou ele, internou nesse hospital. Depois, o hospital fez exame e tudo, disse que não dava certo ali. E, aí, Vanderlei encaminhou ele pra Santa Casa. Ele foi pra Santa Casa, passou acho que três semanas internado. Não deu certo. Morreu. Diz que foi o câncer, deu no fígado. Ele morreu, foi o câncer que deu no fígado. E a família dele já morreu uns três ou quatro de câncer. É, tudo morre do câncer.
P/1 – E como foi receber a notícia, Dona Virgínia?
R – Eu tava trabaiando. Amanheceu o dia, uma segunda-feira. Eu, todo dia, o João, meu filho, trabalhava, saía duas horas pra me levar no hospital onde ele tava. Todo dia, eu ia lá. No domingo, eu fui, cheguei, eu vi que ele não tava bom. Falei: “Ô, Vanderlei, teu pai não tá bom”. Tudo bem. O Vanderlei ia, eu ia, o João ia mais eu. No domingo, eu fui e vi que ele não tava bem. Voltei pra casa, dormi, amanheci o dia. Aí, eu fui trabaiá. Fui trabaiá, pensando, e, quando foi umas nove horas, quando dei fé, apareceu Vanderlei e Maria no portão onde eu trabaiava. Aí, entrou, falou pra mim. Eu já sabia, quando eu vi eles, já sabia. Falou. Fazer o quê, minha fia? Vamos lutar agora pra... Deus quis assim, fazer o quê? Chorei muito. Os povo da escola ficaram pensando, me deu água com açúcar, outro fez um chá, deu e tudo. Eu digo: “Não, Deus quis, fazer o quê?”. Aí, eu fui pra casa, eles me levaram pra casa, ficou, quando foi de noite, Vanderlei tinha comprado terreno no Jardim da Colina, cemitério, né? Eu digo: “E, agora, onde que vai enterrar?”. Ele falou: “Não, mamãe, eu tenho terreno no Colina, vai pra lá”. À noite, Nazaré morava no quintal, ficou lá mais eu e tudo. Quando foi de noite, nós foi pra lá. No outro dia, enterrou, fazer o quê? Foi duro, viu? Foi duro. Duro, duro, duro. Aí, a mais nova ia casar, adiou o casamento por causa da morte dele. E em janeiro ela casou.
P/1 – E como foi depois, Dona Virgínia?
R – Ficar sozinha. A minha sorte é que eu trabaiava. Eu saía de manhã, trabaiava, aquilo lá, com aquelas criançadas, se divertia, né? Mas, se eu estivesse em casa, sem fazer nada, acho que eu tinha pifado, tinha enlouquecido. E os meninos nunca me desprezaram, meus filhos nunca me desprezaram, sempre ali! Esse Vanderlei... (choro) Eu tenho que ligar pra ele oito horas da manhã, até oito horas, pra falar como eu passei a noite, se eu dormi bem, se eu tô bem. Quando é oito horas da noite, ele liga, ou ele ou a muié, pra saber como eu passei o dia, se eu tô bem, se dá pra passar a noite bem. Todo dia, ele faz isso. Todo dia, no sábado, no domingo. Quando ele sai, todo final de semana, ele fala: “Mamãe, você quer vir pra cá?”. Vai me buscar. “Mamãe, a gente vai pra Piracicaba, você quer ir mais eu? Mamãe, a gente vai pra tal canto, você quer ir?” É só quando eu não quero ir, eu digo: “Não, meu filho, não dá pra eu ir”. Mas, todo fim de semana, se ele puder, se eu quisesse ir pra casa dele todo fim de semana, ele vem me buscar. Eu ia de ônibus, mas ele disse, não quer que eu ande de ônibus. Ele vem me buscar, o Paulo foi buscar em casa, vai levar em casa, é assim. Onde eu quero ir. Só em Diadema que eu vou só, porque é perto, conheço tudo ali. Mas, qualquer lugar, não, vai me buscar e vem me trazer.
P/1 – Vamos tomar uma água?
R – Vamos.
P/1 – A senhora tá bem?
R – Tô bem.
P/1 – Então, tá bom. Dona Virgínia, a senhora chegou a voltar pra Pernambuco?
R – Voltei. Quando eu tava com o Zé, eu vim, passamos cinco anos sem ir lá. Depois de cinco anos, eu voltei lá. Aí foi que nem eu ia falando, essa máquina, ele comprou essa máquina e, quando eu vim, não deu pra eu trazer. Ela ficou lá, deixei na casa de papai. Quando foi nesses cinco anos, que eu fui, tinha um conhecido dele que tava lá, que era caminhoneiro, que transportava as coisas. Ele pegou a máquina, pagou, esse homem trouxe a minha máquina. Tô com ela em casa. Eu comprei ela, essa filha mais velha tá com 54 anos, ela tá com 53, vai fazer 54 anos agora em setembro, que compremos ela. Nunca foi num conserto, e eu costuro direto nela. Eu comprei outra a motor, mas eu não gosto dela, não, tá lá encostada. É essa máquina, minha fia. Duma que tem uma rãzinha, um sapinho assim nas pernas, é a máquina que eu costuro. Tem um ponto bom, faz tudo aquela máquina.
P/1 – Tem alguma roupinha que a senhora fez que tenha sido especial?
R – Pra mim? Não, a roupinha que eu faço especial, mais especial é pros netos. Roupinha pros netos, que nem, quando a Júlia, a fia da Nazaré, tava lá, eu fazia roupinha pra ela. Comprava aquelas roupinhas, fazia short, fazia pijaminha. Pra ele, pra Amanda, a outra neta. Que eu tenho 12 netos, quatro netas... Quatro? É, quatro netas e oito netos.
P/1 – Posso pôr a senhora numa saia justa?
R – Hã, fala.
P/1 – Sabe o nome de todos?
R – Sei.
P/1 – Fala pra gente.
R – A mais velha é a filha do Vanderlei, que só tem uma, chama Tatiane. A gente chama ela Tati. O outro é o Robson, o filho do João, mais velho, é esse que mora comigo. O outro, o irmão do Robson é Everton. E, deixa eu ver, o outro mais velho é a Gabriela, a filha da Maria. Depois, é o Fernando, irmão da Gabriela. O outro é Mateus, o filho da mais nova. O mais velho e a mais nova só têm um. Vanderlei é uma menina e Maria José, eu chamo ela de Zezé, ela não gosta que chame de Zezé, não, ela gosta que chama Maria. Eu digo: “Minha fia, é Zezé, vai ficar por Zezé pra tua mãe!”. É Mateus. A Nazaré é a Julia, a mais velha, e tem os dois gêmeos, como é? Esqueci. E tem Amanda, que é filha de João de outro casamento, é irmã de Robson só pela parte do pai. E tem Artur e Augusto, que é os gêmeos. E filho do João, dessa última mulher, tem João Vitor e Brian. É 12 netos.
P/1 – A gente estava contando de como foi voltar pra Pernambuco, né, Dona Virgínia?
R – Foi.
P/1 – Conta pra mim como que foi essa volta depois de cinco anos?
R – A gente fomos, chegou lá, papai já tinha dado derrame, não andava mais. Mamãe tava bem, e meu irmão, esse irmão meu que eu tenho, que mora aqui, cheguei lá no dia do casamento dele, que ele tava aqui mais eu. Trouxe ele, ele ficou, ficou, depois arrumou uma muié lá. Sabe como é esse povo? Foi pra lá, ele já tinha comprado um terreno aqui, meu marido já tinha construído, já tinha comprado móvel e tava pra casar com outra muié. Mas, modo de conversa de um e de outro, ele terminou e foi pro Norte. Agora, foi por uma venda. Lá é venda, aqui é bar, né? Uma venda lá no Norte, foi pôr. Foi pra lá, ficou, ficou, ficou, passou bem um ano. Quando foi nesse dia que eu fui, cheguei lá, foi no dia do casamento dele. Ele chegou, papai tinha feito uma casa no terreiro pra ele, ele chegou feito noivo com essa muié que tá com ele. Fiquemos lá, depois eu vim pra Recife, que já tinha uma irmã casada em Recife. Viemos pra Recife, passamos uns dias em Recife, voltemos pra lá de novo. Eu sei que passei três semanas lá. Eu tirei férias, venceu as férias, eu ainda tava lá. Eu digo: “E, agora, quando chegar lá?”. Mas cheguei, meu chefe era muito bom (risos). Deixou! Eu só perdi esses três dias. Só sei que a gente fiquemos lá, foi muito bom. No dia que eu vim embora, eu nem vou falar porque eu vou chorar (choro). De madrugada, a gente estava se arrumando pra vir embora, ele já tinha mandado a máquina pelo companheiro, amigo dele, meu pai deitado na rede assim falou: “Minha fia, você vai embora, né?”. Eu digo: “Vou, papai, fazer o quê?”. “Eu vou te pedir uma coisa, se eu chegar a morrer, você não venha mais aqui, não.” E ele gostava muito de mim, viu? (choro) “Que você não tem mais alguém aqui, eu vou morrer, eu sei que não vou durar muito. Não tem quem você vem ver mais aqui, não. Não venha mais, não.” Eu vim embora, não deu mais pra gente ir lá, o Zé morreu, eu fiquei, passei 27 anos sem ir lá. Depois, Nazaré: “Vamos, mamãe, vamos no Norte, a gente vai”. Compramos uma parte lá no Porto de Galinhas, tem lá uma praia Porto de Galinhas, muito gostosa. “Aí, a gente chega em Porto de Galinhas e vai em Recife, na casa da sua irmã, vamos no Norte lá. Tem o seu cunhado, tio Mané, que mora em Timbaúba, aí, a gente faz uma visita só.” Eu digo: “Pois, vamos”. Aí, eu fui. Mas cheguei lá, só chorei! Tudo que meu pai deixou, acabaram! Tem duas irmãs que moram no terreno, lá no sítio, mas não cuida de nada. Tem uma casada e duas solteiras lá, solteirona. Mas não cuida de nada. Só chorei só. Eu digo: “Mas antes eu não tivesse ido”. Veio aquela saudade dele, aquela lembrança, e tudo que ele deixou que era aquele sítio, tinha um sítio de coco, quando eu era solteira. Aí, eu casei, e ele continuou. Dava, limpava duas vezes aqueles cocos, cortava as folhas, tirava três milheiros de coco a cada três meses. Era daquilo que vivia. Mas tava tudo acabado. Tudo acabado! Eu só chorei. Eu digo: “Não vou mais, não”. Aí, depois, eu já fui até em Recife, mas a Nazaré foi uma vez mais Maria José, até em Timbaúba. E fui mais outra vez mais a Maria. Fui quatro vezes lá, depois que o Zé morreu. Agora, faz uns quatro anos que eu fui lá. Enquanto elas não for, eu digo: “Se vocês for, eu vou, se não for, fazer o quê?”. Mas é duro. Já morreu esse meu cunhado que eu fui lá, já morreu, morreu meu sobrinho, morreu o outro cunhado. Minha família da parte do meu marido era 12 irmãos. De 12 irmãos, só tem uma. Morreu tudo já!
P/1 – Dona Virgínia, dá pra gente seguir mais um pouquinho?
R – Dá.
P/1 – Eu queria que a senhora contasse como foi ver a família crescendo?
R – Meus filhos? Mas foi muito bom. O Vanderlei foi o mais velho, sempre foi um menino muito ativo, não me deu trabalho. O que me deu trabalho foi o João. Foi assim: eu casei e fui morar perto da família do Zé, era longe de papai. E teve Vanderlei, tudo bem. Aí, quando veio, com dois anos, veio o João. Quando o João veio, foi no mês de junho, que ele fez aniversário agora no dia 27 de junho. O Zé tava doente, e tava a roça, que a gente vivia da roça, muito cheio de mato, precisava limpar. E Vanderlei já tava grandinho, eu ia pra roça mais ele, levava um guarda-chuva e um saco de estopa. Você sabe qual é aquele saco de estopa? Forrava no chão lá debaixo do pé de manga, abria aquele guarda-chuva, mas no sol, não chuva, pra ele. E ele deitava ali. Dava um brinquedinho pra ele, levava uma comidinha, e ele ficava ali e eu ia trabaiá, limpar mato pro Zé. Mas o João, com meses, dois, três meses, não dava pra eu levar. Aí, ele estava com seis meses nesse tempo. Não dava pra eu levar. Papai chegou lá, um dia, viu a minha situação e falou assim: “Minha fia, eu vou levar esse menino pra você limpar o mato, mais seu marido. Com o outro, você já se vira e esse não dá. Eu vou levar, quando você acabar de limpar o mato, você vai buscar”. Eu digo: “Tudo bem”. Quando a gente acabemos o mato, colhemos, aí se mudemos pra perto dele. No dia que eu mudei, ele deu a casa lá e tudo pra gente mudar, a gente fumo. Quando eu cheguei lá, fui buscar ele, o João. Aí, eu fui buscar, trouxe, deixei em casa. Quando foi mais tarde, meu pai chegou. Ele já tava andando, tava com um ano, um ano e pouco. Aí, papai pegou ele e falou: “Não, minha fia, deixa eu levar esse menino, vou ficar com ele. Vocês estão aqui, eu vou criar ele”. Aí, eu gostava muito dele, o Zé consentiu, eu deixei. Papai criou ele até eu vir pra cá, ele tava com nove, dez anos. Quando eu vim pra aqui, ele já tava com dez anos. Aí foi que papai... Veio uma irmã, ele falou: “Eu vou também”. Eu trouxe ele. Ele veio mais eu. Mas não foi que nem a criação do Vanderlei, foi outra criação. Porque um neto, muita gente grande, e só ele pequeno, foi muito... Muito mimado, não sei como foi, que ele deu muito trabalho a eu aqui. Qualquer coisinha: “Eu vou contar pra pai Sales!”. Não é? Deu trabalho. Os outros não. Os outros meus filhos, eu criei, trabalhava e estudava à noite, cuidava. Naquele tempo, era 14 anos, a criança ia trabaiá. Catorze anos, a Maria, tanto que a mais velha é a Maria, com 55, já tá aposentada. A Nazaré já tá aposentada, ela trabalha, mas já tá aposentada, porque foi trabaiá cedo. Mas o João não, o João me deu trabalho em serviço, me deu trabalho, já arrumou quatro muié! Casou com a Edna, que é mãe do Robson, a muié foi morar no meu quintal, uma pessoa maravilhosa, muito boa aquela muié. Quando eu dei fé, ele arrumou uma namorada e deixou a muié com os dois filhos, menina! Não tá nem aí João. Aí, a muié foi embora pra junto da família, e ele veio pra dentro de casa com a outra. Quando dei fé, já tava com a outra namorada. Ai, eu tinha uma raiva, dava vontade de torcer o pescoço. E ficou. Depois, não deu certo, arrumou outra. Aí, arrumou um casamento, arrumou uma menina, vai casar de véu e grinalda, não sei o quê. Fomos, fizemos o casamento dele, muito bom, muito bonito, festa e tudo. Quando foi com 40 dias, a moça descobriu que ele tava com outra, ligou pra mim e falou: “Dona Virgínia, eu vou embora, não quero seu filho porque seu filho tá com outra, não é eu só”. Fazer o quê? Foi embora. Aí, ele ficou com essa, teve uma menina, a Amanda. Depois de Amanda estar grandinha, um dia, ele chegou lá em casa, um domingo: “Olha, veia” – ele me chama de veia. Ele não me chama de mãe, não, me chama de veia. A mulher chamou a polícia essa noite pra ele, e ele dormiu na rua. “Quero um apoio aqui.” Eu digo: “Fica aí, filho”. É filho, uma mãe, né? Ficou lá. Quando eu dei fé, ele tava com essa outra que, graças a Deus, peço a Deus todo dia que dê forças pra ela aguentar ele. Porque não é fácil. Os outros não, as outras meninas, Vanderlei nunca deu trabalho. Maria, Nazaré, a Zezé! Eu tenho o Romeu, que é meu genro, que é marido da Zezé, e Mateus, que é o filho, mas são maravilhosos pra mim. O Romeu é muito bom pra mim. Não, eu não tenho o que dizer de meus genros, só o João. Nem das minhas noras. A outra, a muié chamou polícia, se chamou ou não chamou... Se chamou, é porque ele deu causa. Que uma muié não vai chamar a polícia pro marido sem ele der causa. O culpado é ele!
P/1 – Dona Virgínia, como é ser avó?
R – É muito bom ser vó, viu? Eu adoro meus netos, todos eles. É tanto que o Robson acho que não me deixa, não. Tem hora que eu tê em casa, sozinha, eu penso: “Quando eu chegar a não tiver mais nessa terra, o que vai ser daquele menino?”. Eu sinto, viu? Não sai, foi morar com a mãe, casou, foi morar com a avó lá. E ele não deixa eu, não, não me deixa. Eu digo, é minha companhia. Até eu falei pra ele ontem, a Maria José trabalha no mercado: “Eu quero ir lá no mercado”. É perto da Jabaquara. “Eu quero ir no mercado onde a Zezé trabalha.” Ele falou: “Quando você quiser, vó, você fala que eu levo”. É muito bom. Em casa, tem vez, eu arranquei, vai fazer oito dias, não, já fez oito dias, sexta-feira. Que eu extraí um dente aqui, mas ele ficou nervoso, porque ficou roxo aqui. Ele chegou, ficou até tarde lá em casa: “Ó, vó, qualquer coisa você me liga”. Deixou o telefone: “Qualquer coisa, você me liga”. É pertinho, é pegado à casa. Ele só dorme lá. “Qualquer coisa, você me liga.” Eu, em casa, eu tô em casa só, mas eu não paro, não. Eu costuro assim, um pijama pra um neto, uma coisa, eu faço. Elas têm uma roupa pra arrumar, traz e eu arrumo. Eu faço colchinha de retalho de pano, aquelas colchinha, eu já fiz, pra cada neto, um lençol pra cama. Ponho forro, arrumo bem bonitinho, aquele retalho bem colorido, fica bonito. Faço crochê. Eu pego um jornal, o jornal vai pro lixo, né? Eu faço um trabalho de jornal que você não diz que é de jornal. Já essa semana chegou o Fernando, que é filho da Maria, irmão da Gabriela: “Vó, eu vim pedir uma coisa, quero uma coisa”. Foi domingo. “O quê?” “Você faz outro balaio pra mim?” “Por quê? E o seu, que eu já fiz um?” Que ele pediu e eu já fiz. “Minha mãe tomou o balaio pra pôr roupa dela, a minha roupa no meu quarto fica no chão!” (risos) “Faça, vó, um balaio.” Eu faço um balaio desse tamanho assim, fica duro, não tem quem diga que é de jornal. Eu pinto, ponho verniz, não sabe? Eu passo tinta branca, tinta de parede branca, aí, fica duro. Depois, eu passo a tinta de verniz, não tem quem diga que é de jornal! Eu faço, lá na firma do Vanderlei, eu fiz aqueles balainhos assim, pra eles pôr lixo, não sabe? Que é de material de hospital, não vai água. Eu digo: “Só não vai água”. É só pôr papel, eu fiz dois balaios assim, balainho assim, pra eles pôr caneta, eu fiz bastante.
P/1 – Como a senhora aprendeu a fazer isso?
R – Eu aprendi. Tem um hospital lá em casa, acho que fala Hospital Serraria, lá perto de casa. Você já ouviu falar, Hospital Serraria? Que foi feito no tempo do Mário Covas. Aí, tinha uma moça, uma empregada lá, que ensinava a fazer, que tinha uma sala lá que tinha uma que ensinava corte e costura e outra ensinava a fazer esses balainho, essas coisas, negócio de artesanato. Aí, eu fui pra lá mais a vizinha e aprendi. Passemos uns tempos lá aprendendo, e ela ensinou. Agora, essa semana, eu tava pensando: “Vou ver se eu tenho jornal lá, se não tiver, eu vou pedir pra eles arrumar jornal, pra fazer o balainho do Fernando”.
P/1 – Dona Virgínia, eu tenho mais umas três perguntas pra te fazer, que a gente já está caminhando pro final.
R – Tá.
P/1 – Mas tem alguma história que a senhora queira contar, que eu não perguntei?
R – Não, tá tudo... Já falei da minha mocidade, já falei do meu casamento, já falei da morte do meu marido, meus filhos. Não, acho que não.
P/1 – Então, eu quero saber uma coisa: a senhora herdou o nome da sua mãe e da sua avó, né?
R – Foi.
P/1 – Tem alguma coisa que a senhora faz hoje que a senhora reconhece na sua mãe e na sua avó?
R – A minha avó eu não conheci ela, porque mamãe disse que, quando ela morreu, minha mãe ficou com nove anos. E, da minha mãe, ela foi muito boa pra mim. Minha mãe foi maravilhosa. Tanto minha mãe, que nem meu pai. Quando eu adoecia, eu lembro, quando adoecia, minha mãe balançava eu na rede a noite todinha. Eu, sem dormir, e mamãe balançando. Era. Eu lembro, teve um dia, sabe aquela lacraia? Tem lacraia, não é? Tem vez que em casa aparece lacraia. Uma vez, uma lacraia, eu lembro que mordeu eu na mão, não sei. Sei que foi à noite, eu não dormia à noite, e mamãe balançou eu a noite todinha. Isso eu lembro. Balançava eu, balançava na rede até eu dormir. Mamãe foi muito boa, batalhadora também, costurava, trabalhava na roça, fazia de tudo. Minha mãe era muito trabalhadeira também.
P/1 – E hoje tem alguma coisa que a senhora fala ou faz que te faz lembrar sua mãe?
R – Tem. Quando eu tô costurando uma coisa assim, eu lembro de minha mãe. Ela fazia as coisas também pra mim, pra todos os filhos. Quando eu ganhava nenê, ela ia, passava cinco dias mais eu. Até quando eu tava morando perto do Zé, o João e o Vanderlei que nasceu lá, ela ia, menina. Ela ia, o Zé ia buscar ela, ela passava até eu levantar e fazer as coisas tudo. Ela ia. Eu adoecia, ela ia. Quando eu ganhei as meninas, perto do papai, ela também, não deixava. Tando doente, ela não separava da gente, não. Eu senti, viu? Muito boa a minha mãe pra mim, pra mim foi.
P/1 – E como foi contar essa história hoje?
R – Foi... Fiquei calma. Tô calma, não tô nervosa, não. Eu pensei que ia ser pior! (risos)
P/1 – E como que a senhora chegou até aqui hoje? Como que a senhora veio parar no museu?
R – Foi Nazaré que trouxe, mais o Paulo. Eles foram buscar eu lá em casa era sete e meia. É que a gente faz hidro. Eu faço hidro, todo dia, faço uma caminhada mais a vizinha lá. Só nesses dias que tá assim, mas, tando sol, até porque a gente não viaja. A gente faz a caminhada lá. E faço hidro, e em casa eu não paro, eu faço as minhas coisas. Eu tô com 81 anos, mas eu não me troco por uma menina nova! (risos)
P/1 – E quem teve a ideia de trazer a senhora aqui hoje?
R – Quem teve a ideia foi a Gabriela, que foi lá em casa, eu não sabia de nada. Eu tô fazendo, que eu não sei de nada. Mas faz uns dias, que todo dia, dia sim, dia não, tem que ligar pra mãe de Grabriela, que, se eu não ligar, ela liga de volta pra mim. Que ela tem uma lojinha de roupa lá na Conceição, né? Aí, eu liguei pra ela, ela falou: “Mamãe, você tá sabendo que a Gabriela inscreveu você lá não sei onde (risos), que é pra você ir? E eu falei pra Nazaré, Nazaré sabe”. E não falou nada pra mim, viu? Eu digo: “Eu não vou, Maria, eu sei andar sozinha não pra esse lugar”. “Não, mamãe, a Nazaré ficou incumbida pra levar você. Esquente, não, que Nazaré vai levar você. Não sei quando é, eles vão dizer.” Quando foi domingo, a Gabriela ligou: “Ô, vó, eu vou almoçar com você”. Tudo bem. Pra pegar as fotos e marcar com Nazaré, que Nazaré também ia. Foi lá pra casa, almoçar junto, que é pra modo de marcarem pra vir. Foi por intermédio da Nazaré e da Gabriela.
P/1 – E foi bom?
R – Foi bom, gostei! Eu gosto de sair de casa assim, não gosto de ficar em casa o dia todo! Eu gosto quando eles falam: “Vamos pra tal canto?”. “Vamos!” Aí, a gente fomos pra Lins. Nazaré chegou lá em casa e falou: “Ah, mamãe, o Paulo, eu vou tirar férias, os meninos estão de férias, o Paulo tá de férias, a gente vai viajar”. Eu nem sabia! “A gente vai viajar.” Eu digo: “Vai”. “E eu inscrevi você também, também fiz sua reserva.” Eu digo: “Mas Nazaré!”. “Não, a gente vai!” Aí, fomos, chegamos lá no domingo, saímos na quinta-feira, uma e meia da tarde. Passamos esses dias lá, foi muito bom, muito gostoso lá. Eu nunca tinha ido lá. E, quando ela sai assim pros cantos, ela me leva. Nas férias do Paulo, nas férias dela. Em janeiro, a gente fomos pro litoral lá, fomos até no Rio de Janeiro. Aí, agora, todas as férias que ela sai, ela me leva.
P/1 – Dona Virgínia, tenho uma última pergunta. Quais são os seus sonhos?
R – Olha, sonho assim como? De agora em diante? É ficar mais veia do que tô, é não fazer mais nada, porque o que eu tenho mais de fazer? Já tô no fim da vida. Sonho é fazer os meus crochezinho, fazer meus balainho, né? Emendar retalhinhos de pano pra fazer as colchinhas pros meus filhos, pros netos. E é essa vida meu sonho de agora em diante. E os filhos, os netos, curtir os netos, curtir os filhos. Os bisnetos, já tem duas bisnetas, curtir as bisnetas que vai chegar, os netos, bisnetos. É isso. A minha vida vai ser essa de agora em diante, né? Não tem mais o que esperar, não, é essa.
P/1 – Dona Virgínia, muito obrigada por ter contado sua história hoje pra gente.
R – (risos) Não, aí já vai a lembrança de meu pai e de minha mãe (choro). Não sei se vocês gostaram também, mas...
P/1 – Eu adorei! Muito obrigada mesmo, viu, Dona Virgínia?
R – Nada!
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