Projeto: Memórias do Vale do Ribeira - Diálogos
Depoimento de Dauro Marcos do Prado
Entrevistado por Danilo Eiji e Iamara Nepomuceno
Iguape, 27/07/2011
Realização Museu da Pessoa e Associação Núcleo Oikos
Entrevista: MVRHV002
Transcrito por Paula Leal
Transcrição revisada por Iamara Nepomuceno
Dauro Marcos do Prado
P/1– Dauro, primeiro queria agradecer sua disponibilidade por vir aqui dar uma entrevista para a gente e para identificação do nosso trabalho, por favor, fale seu nome completo, o local e a data de seu nascimento.
R – Meu nome completo é Dauro Marcos do Prado, nasci aqui em Iguape, nasci no bairro do Rio Verde, eu nasci lá no dia 13 de Julho de 1964.
P/1– Maravilha. Dauro, então antes deixa eu começar falando sobre você, falando sobre sua vida em si. Eu queria que você falasse um pouco da sua família, então vamos lá pros seus avós, você chegou a conhecê-los?
R – Conheci, conheci meu avô e minha avó por parte da minha mãe e conheci a minha avó por parte do meu pai.
P/1– Você sabe a história deles? Conta um pouco, os nomes deles, de onde eles vieram.
R – É, do meu avô da parte da minha mãe, meu avô Rogério e minha avó Bernarda e por parte de meu pai minha avó Joana. Ambos moraram, nasceram na Juréia, eram agricultores, pescadores e na verdade são caiçaras e sempre moraram lá, nasceram, os avós deles nasceram lá, os pais nasceram lá e ficaram o tempo todo lá vivendo da agricultura, da pesca, viviam lá, do extrativismo, então o trabalho deles era agricultura, pesca e extrativismo.
P/1– Eles contavam histórias pra vocês naquela época?
R – Contavam muitas, é, eu não tive muito contato direto da história dele, mas assim, a gente morava e eu era pequeno nessa época, muito pequenininho, mas contavam história da onça.
P/1– Capora?
R – Capora é um bicho que tem no mato que pegava as criancinhas e levavam e então não podia sair sozinho por ali porque era perigoso, então para não...
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Depoimento de Dauro Marcos do Prado
Entrevistado por Danilo Eiji e Iamara Nepomuceno
Iguape, 27/07/2011
Realização Museu da Pessoa e Associação Núcleo Oikos
Entrevista: MVRHV002
Transcrito por Paula Leal
Transcrição revisada por Iamara Nepomuceno
Dauro Marcos do Prado
P/1– Dauro, primeiro queria agradecer sua disponibilidade por vir aqui dar uma entrevista para a gente e para identificação do nosso trabalho, por favor, fale seu nome completo, o local e a data de seu nascimento.
R – Meu nome completo é Dauro Marcos do Prado, nasci aqui em Iguape, nasci no bairro do Rio Verde, eu nasci lá no dia 13 de Julho de 1964.
P/1– Maravilha. Dauro, então antes deixa eu começar falando sobre você, falando sobre sua vida em si. Eu queria que você falasse um pouco da sua família, então vamos lá pros seus avós, você chegou a conhecê-los?
R – Conheci, conheci meu avô e minha avó por parte da minha mãe e conheci a minha avó por parte do meu pai.
P/1– Você sabe a história deles? Conta um pouco, os nomes deles, de onde eles vieram.
R – É, do meu avô da parte da minha mãe, meu avô Rogério e minha avó Bernarda e por parte de meu pai minha avó Joana. Ambos moraram, nasceram na Juréia, eram agricultores, pescadores e na verdade são caiçaras e sempre moraram lá, nasceram, os avós deles nasceram lá, os pais nasceram lá e ficaram o tempo todo lá vivendo da agricultura, da pesca, viviam lá, do extrativismo, então o trabalho deles era agricultura, pesca e extrativismo.
P/1– Eles contavam histórias pra vocês naquela época?
R – Contavam muitas, é, eu não tive muito contato direto da história dele, mas assim, a gente morava e eu era pequeno nessa época, muito pequenininho, mas contavam história da onça.
P/1– Capora?
R – Capora é um bicho que tem no mato que pegava as criancinhas e levavam e então não podia sair sozinho por ali porque era perigoso, então para não deixar saírem longe pro mato, então eles falavam que tinha a capora.
P/1– Dauro, então calma aí, a gente estava falando dos seus avós e você disse que eles contavam umas histórias e tal, tinham umas lendas da região que eles contavam. Conte-nos um pouco.
R – Tinha. Tinha a lenda do Tucano de Ouro, que saía da Serra do Itatins e ia para Queimada Grande, que tem uma Queimada, uma ilha no meio do mar aqui então saía, esse Tucano de Ouro saía de sete em sete anos saía do Itatins e ia para queimada grande e quem conseguia ver lá na época lá na trajetória dizia que tinha muitos anos de vida, é, era saudável ver isso, era bom ver isso, então quem conseguia vê-la tinha muita sorte na vida. Era uma luz que saía da Serra e ia para Queimada Grande, daí depois de sete anos ele voltava da Queimada Grande e ia para Itatins. Falavam que era o Tucano de Ouro, uma bola de ouro, “Olha, eu vi a bola de ouro.” Essas histórias que eles contavam, e tinham outras que eles contavam que tinha um senhor que fazia pote de barro para vender, então saía, aqui tem o Rio Comprido que sai do Prelado e vai até a Barra do Una, cortando toda a Juréia pelo meio, e esse homem sempre vendia pote e em um certo dia aconteceu alguma coisa com ele que eu não sei, afundou, ele passou em cima de um jacaré muito grande e afundou e tal, mas mesmo assim depois que ele faleceu, que ele morreu e que aconteceu esse caso com ele as pessoas da região de vez em quando ainda via ele no rio, via a canoa, aquela canoa de pote, remando. Então ele sempre aparecia para as pessoas, essa pessoa que vendia pote. E no Grajaúna tem uma pedra lá no morro, assim bem em cima do morro do Grajaúna e aí tem um capim que ele seca e fica meio amarelado assim e a pedra é grande e aí falavam “Ó, aquela é a casa do João Lear, aquele que está amarelo lá é o arroz que ele pôs no sol para secar.”, então a gente ficava olhando “Mas porque esse homem não sai de lá, e depois que a gente cresceu que eu subi lá pra ver e não era nada disso (risos), então tinham várias histórias assim que contavam pra gente.
P/1– E o que contavam daquela vida, daquele tempo, ou dos pais dos pais deles? Como é que era?
R – Eles contavam que faziam muita caçada, caçada de onça, pesca muito grande, antigamente tinha muito peixe então tem vez que não precisava nem jogar rede, chacoalhando por acaso os matos do rio já saíam pulando na canoa e não precisava nem pescar, então tinha muito peixe, tinha muito pássaro, tinha muita fartura, como se falava, então eles viviam muito bem com essas coisas. É, não tenho muita história para contar a vocês sobre eles, eu não tenho, sei que eles trabalhavam com agricultura, com a pesca, tinha mutirão, fandango, dança e nos fandango também tinha o desafio de carregar árvore nas costas, sabe, e quando terminava fazia a roça de fulano de tal, a roça de arroz, aí quando a tarde terminava a roça, que eram umas sessenta pessoas roçando, eles arrancavam uma palmeira e carregavam para o terreno do dono do mutirão, daí todo mundo levantava aquela palmeira e plantava lá, ficava lá aquela palmeira plantada no quintal, essas histórias falavam. Era isso, assim.
P/1– E seus pais, conta um pouco sobre eles. Quem são?
R – Meus pais também nasceram na Juréia, tanto minha mãe quanto meu pai. Moram lá até hoje inclusive e viveram sempre da agricultura, da pesca, da agricultura e até a década de oitenta, mais ou menos, eles viviam tranquilamente por conta de viver mexendo na terra, de viver da floresta, viver da pesca e tal. De 86 para cá criaram uma Estação Ecológica e proibiram a atividade que eles faziam e meu pai teve que parar de fazer a roça, de tirar as taquaras com que fazia o piti, o cesto, a peneira, a canoa, que fazia o remo e o pilão, porque o caiçara vive disso, do que existe na natureza. Na verdade não é só o caiçara, todas as comunidades tradicionais que moram na floresta, que vivem da floresta, eles dependem daquilo, dependem da floresta para sobreviver, tanto para fazer os seus utensílios de casa, de pesca, de agricultura, de ferramentas, precisam da madeira para fazer o cabo da ferramenta, precisam da “timbopéia” para fazer a massa, fazer a canoa, fazer o pilão, fazer a mão do pilão, então depende da natureza. Quando você tira isso da mão desse caiçara ou desse quilombola ou desse indígena eles ficam com mãos atadas, não têm o que fazer, porque a vida deles, a vida inteira deles é viver trabalhando com aquilo, aí de repente vem uma legislação e fala “Ó, o senhor não pode mais, o senhor não pode mais mexer em nada.”, “Mas como eu não posso mais mexer?”, “Não, porque agora é uma Estação Ecológica, agora você não pode mais mexer na floresta porque a lei não permite, tal e tal.” Então isso foi muito ruim para vida deles, uma vida que eles levavam tranquilamente, de fazer roça, de tirar o seu palmito, de matar sua caça para comer, de pegar seu peixe, de tirar sua taquara para fazer seus utensílios e quando proibiram isso eu senti que ficaram muito mal, por não poderem mais mexer na natureza, na terra, foi muito ruim para eles, assim, eles sofreram muito com isso porque os filhos tiveram que sair para cidade, um foi para Itanhaém, outro foi para Peruíbe, outro para Iguape, então estão praticamente hoje sozinho lá morando, mas a gente sempre vai, faz a agricultura com eles e tal, mas bem na época, assim, foi muito difícil para eles, quando chegaram lá, primeiro chegaram falando pra gente que iam criar um santuário ecológico e eles iam viver bem ali, “Não, o senhor pode ficar tranqüilo porque aqui vai virar um santuário ecológico, a gente vai manter todas as comunidades tradicionais, vamos tirar todo esse latifundiário daí, vamos tirar todos os veranistas e mandar embora”, isso os ambientalistas, diversas pessoas falando isso e aí eles, de repente acreditaram naquilo, mas não que fosse ruim para eles isso.
P/1– Bom, mas você já tinha quantos anos nessa época?
R – Eu tinha nessa época, olha rapaz, eu era novinho, sabe, não era tão velho não.
P/1– Você estava com vinte anos já, não?
R – Eu tinha 15, 16 anos. Porque em 80.
P/1– Em 80 começaram a vir?
R – É.
P/1– Como foi esse processo? Você acompanhou, né?
R – Acompanhei.
P/1– Quem chegou primeiro, quem eram essas pessoas?
R – Olha, quem chegou primeiro que eu lembro foi o Zé Pedro, José Pedro Oliveira Costa, ele foi o primeiro Secretário de Meio Ambiente de São Paulo, ele que chegou primeiro lá falando “Oh Seu Onésio, a gente precisa criar aqui uma Estação Ecológica, porque estão querendo tomar esse território aqui da gente, essa terra, e é uma coisa bem preciosa.”, na verdade tinha várias pessoas tirando foto, outros filmando, fazendo roteiro, sabe, fazendo várias coisas, mas quem chegou lá, assim, foi o Zé Pedro que pediu para o meu pai achar um lugar para ele fazer uma casa para pesquisador, meu pai pegou ele, levou em uma cachoeira do Rio Verde, lá em cima, e falou “Oh Zé Pedro, acho que dá para fazer aqui.” “Não, mas eu quero fazer aqui na beirinha do rio.” “Mas aqui quando chove vai levar toda a sua casa embora.” “Não, aqui não, vamos fazer ali, mas mesmo assim lá ainda entra água.” e ele falou “Mas por que Seu Onésio que o senhor sabe que entra água ali?” e esses homens que vivem na floresta tem toda uma ciência, aí ele mostrou “Olha Seu Zé Pedro, ali tem um, está vendo a folha nos galhos da árvore, então quando a água sobe a folha que está no chão sobe e fica no lugar da árvore e quando a água desce fica a folha lá em cima, então fica a marca até onde a água vai”, então ele falou “Oh, até ali vai a água porque estão as folhas lá.”, aí mudou um pouquinho lá para cima e fez a casa lá em cima e falando para o meu pai “Não Seu Onésio, pode ficar tranqüilo que não vai acontecer nada, a gente vai cuidar de vocês, isso aqui vai virar um santuário ecológico, vai ser bom e tal.”, era Zé Pedro, era Capobianco, era Mario Mantovani, era Cleiton Lino, era Fausto Pires de Campo, quem mais, Paulo Nogueira Neto, meu, tinha muita gente, assim, nos falando que ia ser tudo bom, que ia ser tudo legal, que ia ser maravilhoso e quando foi em 86, 87 eles criaram a lei, primeiro tinha um projeto de fazer uma cidade chamada de Almeida Fernandes e ia ser uma cidade para setenta mil habitantes, a gente ficou assustado com aquilo, “vai lotear isso aqui.” “Vai lotear porque a gente vai fazer uma cidade aqui então.” Em seguida veio a NUCLEBRÁS (Empresas Nucleares Brasileiras S/A ) querendo fazer duas usinas atômicas “A gente vai fazer aqui usinas atômicas e tal.”, sobre a Estação Ecológica, ela ia existir porque em todas as usinas atômicas que se constrói, precisa de uma área de conservação e seria exatamente a Estação Ecológica em volta da usina nuclear, e aí começou o movimento ambientalista contra a usina nuclear e eles falaram que iam criar esta estação , o santuário ecológico, que iam manter as comunidades ali mas iam tirar toda a questão da cidade, a usina nuclear, mas a comunidade ia ficar lá, e aí criaram a lei, como de fato mesmo o Projeto Nuclear no Brasil acabou, aquele convênio Brasil e Alemanha acabou, mas a comunidade também não ficou, porque foi criado uma lei tão restritiva que essas comunidades não tiveram condições nenhuma de permanecer porque quando se criou a lei veio a Polícia Florestal, veio a Polícia, veio um comando especial do Exército, que era COE que chamava, que ficava lá fazendo treinamento lá na Cachoeira do Palhal e fiscalizava a comunidade, então quando criaram a lei em 87 eles proibiram todas as atividades, essas pessoas que falaram para a gente que ia ter um santuário ecológico e que as comunidades tradicionais iam permanecer, essas mesmas pessoas vieram falar que não podia mais fazer a roça, não podia mais tirar madeira, não podia mais limpar a trilha, não podia mais como reformar casa, não podia mais fazer mais nada, então aí proibiram tudo cara, tudo, tudo, não tinha mais mutirão, não tinha mais fandango, não tinha mais nada, aí a gente começou a se organizar para lutar pelos nossos direitos, meu pai foi multado lá, ele teve uma multa, acho que foram no valor de duas mil “utn” , eu nem sabia quanto valia isso, e a Polícia Florestal entrou na nossa casa, queria levar ele preso, eu o acompanhei até a cidade e eu vi lá, ainda tinha um cara da NUCLEBRAS que trabalhava lá que era o Coronel Loredano, intimou meu pai, eu queria entrar para ajudar ele e a Florestal não deixou entrar no escritório da NUCLEBRAS e daí proibiram e daí o deixaram. E eu comecei então entender o que eles estavam fazendo com a gente, porque não tínhamos mais liberdade para ir para a comunidade, as comunidades estavam todas perdidas, não tinha mais mutirão, não tinha mais a festa, não podia mais limpar trilha, aí virou um inferno total a vida das pessoas, e não tinha muito contato. Nos organizamos, criamos a União dos Moradores da Juréia, da qual eu sou Presidente hoje, para lutar pelos direitos das comunidades, pelo direito dos territórios dessas comunidades tradicionais caiçara. Aí começamos uma luta, por que tinha que lutar? Porque uma vez um amigo meu levou um juiz, um juiz aqui de Iguape foi passar na minha casa, que era amigo do meu amigo e foi lá e aí eu contando pra ele a história e tal da Juréia, o que estava acontecendo, que a gente não podia mais fazer nada e ele falou “Ó Dauro, pra você poder voltar a fazer tudo aquilo que seus pais faziam e que você fazia é só mudando a lei, porque Estação ecológica não permite a presença humana e agora muito menos fazer a atividade que vocês faziam da pesca, da agricultura, essas coisas de manejo não pode fazer nada, então para poder, para vocês voltarem a fazer essas questões, essas atividades que vocês faziam tinha que fazer mudar a lei”, aí eu comecei então procurar como é que muda essa lei, aí que tinha, aí ele me falou do Arnaldo Junior, que é um amigo nossa, agora que eu conheci, nessa época ele falou “Ó, tem um pessoal do Aguapeú, Rio das Pedras, fazendo um movimento, um espraiado por conta dessa estação ecológica.”, aí eu me juntei a esse pessoal, a gente formalizou a União dos Moradores da Juréia e começamos a lutar para mudar a lei, como estação ecológica não permitia então a gente queria mudar para Unidade de Conservação e uso sustentável, que tem a reserva extrativista e a reserva de manejo sustentável e aí começamos a batalha daí para cá, de 86 pra cá, a lutar pelos direitos dessas comunidades, para conseguir voltar às atividades desses moradores.
P/1– Em que pé está isso hoje?
R – Então, isso hoje a gente conseguiu, na verdade quando a gente começou a fazer a luta, de reunir duzentas, trezentas pessoas e mais ambientalistas, que o cara fala “Não, mas tem que tirar todo mundo de lá porque lá é uma estação ecológica e não permite”, sei que em 1992 a gente conseguiu autorização para fazer roça de novo lá dentro, a gente tinha alguns cientistas, alguns professores da universidade apoiando a nossa luta, que se sensibilizaram pela nossa causa e começaram a discutir “Bom, mas a comunidade está lá há “trocentos” anos, essa área está no modo de vida dessa comunidade, e aí então conseguimos, a Ana Maria Primavesi é uma agrônoma antiga, sabe, velhinha já, a gente foi buscar ela para uma reunião que teve aqui e ela falou exatamente isso “Vocês estão matando esse povo de fome porque vocês estão tirando dele o território, a terra e eles não tem que fazer roça em lugar de capinzal, eles tem que fazer roça em lugar que eles conhecem o solo” aí então em 92 a gente fez a primeira roça, a volta para fazer a primeira roça de novo, que de 86 até 92 ninguém podia fazer mais nada, e aí começamos então a ter novas autorizações de roça, mas o movimento das comunidades da Juréia estava forte nessa época e aí a gente ia pra Assembléia Legislativa, para a Câmara Municipal, para Prefeitura, para Salão Paroquial e fazia reuniões com todo mundo e pedindo apoio para essa mudança da lei. O Governo usou uma tática de fazer o que, de empregar essas pessoas, porque aí viraram, tinham várias lideranças discutindo os seus direitos, aí a gente fez uma reunião na Assembléia Legislativa e eu lembro que o Ciro que era uma liderança da Cachoeira do Guilherme, pegou o microfone e falou “Olha, semana passada prenderam minha canoa, eu vim, eu saí da minha casa para fazer compra, eu deixei a canoa no porto, fui até a Barra do Ribeira, fiz a compra e quando eu voltei, cheguei no porto e já não tinha mais canoa, fiquei três dias lá esperando uma condução para eu chegar na minha casa.”, porque o que aconteceu? Os guardas-parque vinham da Polícia Florestal, olhavam a canoa no rio e falavam “Não, é palmiteiro, pode levar embora.”, e era morador que estava lá fazendo o trajeto, o que ele falou “A minha estrada é o rio”, e de não ser uma opção denunciar isso. O que o governo fez? Ele pegou e começou a empregar essas pessoas como guarda-parque, então empregou, tinha setenta guarda-parque na época, e esses guarda-parque a partir do momento que eles viraram funcionários do Estado, deram farda para eles, deram revólver, deram coturno, os caras empolaram o peito e viraram policial, e começaram a fiscalizar os seus próprios familiares, o pai, a mãe, o avô, o sobrinho, o tio, começaram a fiscalizar todo mundo, e virou um conflito muito grande nessas comunidades porque daí ele avisava a Polícia Florestal, a Polícia Florestal vinha, entrava na casa das pessoas, abriam guarda-roupa, abriam os armários, abriam panela para levar os caras presos e tinha a Polícia Florestal em qualquer lugar, assim, o barco saía de Rio das Pedras e vinha para Iguape, a Polícia Florestal ia até o barco, pegava a sacola das mulheres, jogava no chão para ver se tinha carne de caça, alguma arma lá dentro, para prender os caras e as mulheres não levavam nada de carne de caça dentro das sacolas de roupa, e faziam barbaridade, e quando às vezes não entravam na cada dessas pessoas também armado e tal, pegavam o que só tinham arma, espingarda, porque são espingardas de uso da comunidade, eles levavam embora. Muitas dessas pessoas vieram aqui para a cidade, vieram aqui pro bairro do Rocio, que tem uma quantidade de pessoas, foram para Peruíbe, Caraguá, ali no bairro do Guaraú, outros foram para Itanhaém, então essa tática do Governo de empregar esses moradores foi para desmobilizar essa união da comunidade, para que eles ficassem tranquilos, primeiro nas autorizações de roça, que foi a gente que conquistou, mas daí o Estado começou a falar “Ó, nós demos autorização de roça para vocês, agora vocês podem fazer roça.”, aí os moradores falaram “Não, os caras são bonzinhos, autorizaram a gente a fazer roça”, e quando eles colocaram esses moradores como guarda-parque, a partir do momento que eu ia nas comunidades fazer reuniões esses guarda-parques não queriam mais fazer reunião comigo, falou “Não, não vou fazer reunião com você porque o Fulano de Tal falou que eu não posso, porque senão eu vou perder meu emprego e se eu entrar nessa luta com você eu não posso porque o meu filho não vai ser empregado, o meu sobrinho também não vai.”, então desmobilizou totalmente esses moradores, e a batalha em 2004, criou-se o Conselho Consultivo da Juréia, nós participamos da reunião do Conselho e propusemos então uma mudança de lei, porque quando nós propusemos lá atrás não tinha condições nenhuma de falar em mudança de lei, quando falava de mudança de lei os ambientalistas queriam matar a gente de qualquer jeito e falavam “Não, você está louco, de transformar isso em RDS (Reservas de Desenvolvimento Sustentável).”, mas a gente falava “Mas pessoal, essa terra, essa floresta está conservada por conta do modo de vida dessas comunidades, entendeu, o modo de vida dessas comunidades é que faz com que esse ambiente seja conservado, vocês nunca vieram aqui para preservar, entendeu? E você pode ver que em todo lugar onde tem comunidade tem áreas preservadas e oitenta por cento das unidades de conservação do Estado de São Paulo tem gente dentro, porque são áreas que estão conservadas, por conta do modo de vida deles, como eles fazem a roça, como eles fazem a pesca, como eles fazem o manejo da caxeta, como eles fazem o manejo do palmito, eles têm uma forma de cuidar do seu território porque ele depende daquele recurso, para sua sobrevivência, para sua melhoria da qualidade de vida, eles dependem daquilo ali e quando se tira isso deles fica muito ruim.” Mas então, quando em 2004 criaram esse Conselho da Juréia a gente começou a discutir, porque assim, o que a gente não tem? A gente não tem recursos para organizar todas as comunidades, para ir para todas as cidades você depende de gasolina, de carro, para trazer as pessoas depende disto, então, quando tinha reunião do Conselho, a gente fazia reunião do Conselho da Juréia e separadamente na hora do almoço fazíamos uma reunião com a comunidade e falava “Ó pessoal, estamos articulando isso, isso, assim e assado para mudar a lei.” e aí o Diretor da Estação Ecológica não queria discutir a mudança de lei dentro do Conselho da Juréia, ele era totalmente contra, na verdade toda a Secretaria do Meio Ambiente era contra a mudança de lei e de repente no Jacupiranga, no parque Jacupiranga tinha o Hamilton Pereira que havia entrado com um projeto de lei, fomos para São Paulo, conversamos com o Zico Prado, que é um Deputado, e o Hamilton Pereira e falamos “Vamos entrar com um Projeto de Lei para Juréia”, fizemos uma reunião com o Secretário de Meio Ambiente, o José Goldemberg, na época, e aí ele chamou a Fundação Florestal e falou “Ó, precisa elaborar um projeto de lei para Juréia.” e passou vinte dias, passou um mês, passaram dois meses e a Fundação Florestal não fez nada. Pegamos o projeto do Jacupiranga, demos uma melhorada nele e mandamos para o Deputado, falamos “Ó, tá aí uma proposta.”, fizemos uma reunião com toda a comunidade antes para ver que Unidade de Conservação seria compatível, o que eles queriam, estudamos o SNUC (Sistema de Unidade de Conservação) aí todo mundo achou, primeiro a gente queria reserva extrativista, depois a gente pensou “Não, a reserva sustentável é mais abrangente, ela comporta mais outras atividades, não é só o extrativismo.” E a gente ficou como reserva sustentável, e aí foi uma batalha muito grande porque a Fundação Florestal queria mudar, fazer “Mudar a estação ecológica não, vamos fazer parque.”, porque tinha financiamento de fora para o parque, só que parque também não comporta as comunidades tradicionais, não comporta morador, não comporta pessoa, pode, é diferente de estação ecológica porque estação ecológica não pode visitação pública.”
P/1– Desculpe, você estava falando da reserva sustentável. Eu queria que você explicasse um pouco qual é a proposta de vocês? Como vocês, enfim, qual seria o ideal que a comunidade discute?
R – Então, a gente está discutindo hoje Reserva de Uso Sustentável, porque assim, tem várias categorias de unidades de conservação, tem a proteção integral que é parque, estação ecológica, reserva biológica e tem outros aí que eu não lembro agora, e tem a de uso sustentável que é a APA (Área de Proteção Ambiental), RPPN (Reserva particular do patrimônio natural), reserva de uso sustentável e reserva extrativista. Dessas quatro a gente ficou com a reserva sustentável, porque ela prevê a presença humana e prevê o desenvolvimento sustentável daquela comunidade, seja na questão econômica, seja na questão social, cultural e ambiental, só que tem que saber trabalhar com essas questões. E a comunidade tradicional, as comunidades caiçaras, os pequenos produtores, os pequenos agricultores já tem uma forma de trabalhar na floresta, na terra, no solo, o que precisa é da autonomia, você precisa trazer tecnologia para melhorar esse conhecimento, esse conhecimento empírico e juntar com o conhecimento científico, para você fazer as coisas para funcionar, então a reserva sustentável ela tem esse papel, primeiro que ela é do poder público, é um território, é uma unidade de conservação do Governo, o Governo dá para cada família uma concessão de direito real de uso desse território e aí por que isso? Por que é bom ser terra pública? Porque muitas das comunidades às vezes querem vender o seu território, querem vender, estão muito cansados, estão lá por conta de várias situações, tanto ambientais quanto econômico.
P/1– Então retomando aqui, você estava falando...
R – Das unidades de conservação sustentável. Então tem duas categorias, a de uso sustentável e a de proteção integral, a de proteção integral não prevê a presença humana, que é só para conservação da natureza, estação ecológica tem algumas que é para pesquisa científica também.
P/1– Uma pergunta. Então tem já famílias morando no lugar, certo, então isso seria para essas famílias, é isso?
R – É isso.
P/1– Outras famílias que queiram ir para a região, como funciona isso?
R – Então, porque tem família que saiu de lá e voltou, e veio embora.
P/1– É, eu imagino que precise depois retomar muitas coisas...
R – É, tiveram famílias que vieram embora para cá por conta dessa situação, de não resistir a essa questão das restrições ambientais que é terrível e isso não é só no Estado de São Paulo, no Brasil todo e com essa política de Meio Ambiente que eu chamo de política ambiental criminosa, porque ela não cuida nem da questão ambiental nem da questão social, isso foi criado na época da Ditadura Militar, acabou a Ditadura Militar e esses caras vieram tudo para o poder e estão até hoje, são 25 anos que estão até hoje no poder, e os caras não desgrudam, não largam o osso, e a gente tem convidado todo esse pessoal para sentar com a gente e falar “Gente, vamos mudar isso”. As unidades de conservação hoje do Estado de São Paulo, para falar melhor isso vamos falar do Estado de São Paulo, já não cumprem mais a sua função, ela não cumpre mais a função dela, porque não adianta proibir, você tem que fiscalizar, o Estado, seja ele municipal, estadual ou federal, eles não cuidam de nada, eles não cuidam nem da saúde, nem da educação, nem da segurança pública e muito menos do meio ambiente, quem cuida dessas áreas, quem preserva essas áreas são as comunidades, pelo modo de vida e pelo dia a dia, eles estão ali fiscalizando o tempo todo, e é recurso deles, eles tem que fiscalizar. Agora tem que ter uma parceria entre a comunidade e o Governo e Universidade acho para trabalhar essa questão da conservação da natureza. E a proposta da gente é o que? É chamar todo mundo, a gente já fez isso, chamamos Promotor Público Ambiental, chamamos a Defensoria Pública, chamamos a Universidade de São Paulo, chamamos a Unicamp, chamamos o ISA, chamamos a SOS Mata Atlântica, chamamos várias pessoas, “Vamos discutir uma proposta coerente para as comunidades e para a natureza, não dá para separar o homem da natureza. Homem e natureza tem que estar junto”. Agora você me falou da questão dessas pessoas que queiram voltar, é para aquelas pessoas que estão lá? É para aquelas pessoas que estão lá. E reserva sustentável ela tem que ser grande, ela não pode ser pequena, senão é inviável, é insustentável, ela tem que ser grande porque as comunidades depende de buscar um pau de canoa a vinte quilômetros, ou a taquara a dez quilômetros, então não pode ser um negócio que fique insustentável porque além de acabar com a vida das pessoas acaba também com o meio ambiente, então ela tem que ser grande.”, é, para a gente sentar e fazer uma proposta bem feita, temos chamado todo mundo, a gente não esconde de ninguém a nossa proposta, na verdade a primeira proposta que a gente fez era de uma proposta grande, de uma RDS (Reserva de Desenvolvimento Sustentável) só, pegando o Rio das Pedras, Espraiado, Prelado indo até o Costão da Juréia e pegando o Rio Comprido, Barra do Una, Paraíso e Barro Branco e indo até a Juréia, e fazia um, aí a maior parte fica na unidade de conservação ecológica. E a reserva sustentável ela é uma unidade de conservação também, ela é uma unidade de conservação da natureza também, só que você pode usar o recurso que tem lá de forma manejada, de você fazer uma pesquisa, ver quanto tem de palmito, quanto tem de caxeta, quanto tem de cipó, quanto tem de palha, fazer todo um estudo porque isso tem que fazer um plano de manejo e depois um plano de uso desse recurso e ver o que é viável para a comunidade ou não. Se estiver esgotando o recurso para e fala “Não, isso aqui não dá, não está sendo ambientalmente correto, isso aqui não está sendo sustentável ambientalmente. Para. A comunidade ela é esperta para isso, ela sabe o que está fazendo, e se vocês, se as pessoas orientarem ela é melhor ainda, quando tem mais gente para ver isso e para orientar é melhor ainda, então para com isso aqui e vamos fazer aquilo ali. Então para a conservação da natureza não basta se criar Estação Ecológica, você tem que criar a unidade de conservação de uso sustentável e junto com essas comunidades e tomar conta, cuidar, porque a Estação Ecológica está lá, está cheio de palmiteiro tirando palmito e o Estado não está nem aí, a gente pede para fazer o plano de manejo do palmito e não pode porque a lei não deixa, mas também eles não fiscalizam quem está tirando, os caras de fora estão roubando o nosso recurso, então eles também não cuidam disso. Não pode este tipo de cultura, porque tem que ser educação ambiental. Então tem várias atividades que podiam ser feitas para viabilizar a vida dessas comunidades e elas continuarem com seus conhecimentos, com a sua cultura, com a sua tradicionalidade e eles não deixam isso acontecer.
P/1– Dauro, então só para entender, o que o pessoal que é contrário a essa proposta de vocês alegam, por exemplo?
R – Eles alegam que as comunidades vão destruir esse meio ambiente, eles alegam que se criarem uma reserva sustentável vai virar uma especulação imobiliária, virá gente de fora querendo comprar, mas isso não tem lógica, porque quando é terra pública é terra pública, não se vende, ninguém vai lotear a Juréia, quem vai ter o título do direito real de uso é a comunidade, então não tem como, eles alegam porque querem jogar isso na mídia para que o povão veja e fale “Não, não pode, não pode, não pode mexer com o meio ambiente, vão destruir.” Porque na verdade está na mão deles a mídia, eles estão, tem pessoas da Globo que está aí junto, tem o do Estadão que está aí junto, da Veja está aí junto, são todos da elite de São Paulo, que na verdade não conhecem muito essa questão ambiental, mas que estão aí e que tem o poder na mão para dizer não e influencia diretamente o Governo, a SOS Mata Atlântica tem um poder de fogo muito grande dentro do Governo, e é uma ONG governamental, ela não é uma ONG não governamental, porque ela influencia, ela fala “não quero, não dá, não pode, não pode e pronto”, só que temos chamado esse pessoal para vir discutir, mas também não vêm discutir com a gente, não querem, porque sabem o que a gente está falando, nós sabemos do que estamos falando também, que a conservação da natureza não se dá fazendo uma Estação Ecológica e proibindo as atividades da comunidade, não é, a conservação da natureza se dá primeiro de uma educação ambiental, de uma conscientização da população e para mim conservação da natureza é conservar o planeta como um todo, não é simplesmente conservar uma bola de mato, porque não é aquilo ali que vai salvar o planeta, o que vai salvar o planeta é conservá-lo como um todo, ver onde estão jogando o lixo, ver onde estão destruindo com canaviais, ver onde estão destruindo com sujeiras, com madeireiro, esse pessoal destrói o meio ambiente, esse pessoal destrói, mas é o pessoal que está no poder, é o pessoal que a SOS não bate, é o pessoal que ninguém mexe porque são os poderosos e aí toma a nossa região que é preservada, para mostrar ao mundo que eles estão preservando o meio ambiente, mas você vai naquela região de Sorocaba, Piracicaba, Limeira, aquela região está toda devastada pela cana de açúcar e laranjão e uma outra coisa, por acaso o Presidente da SOS Mata Atlântica ele é o maior plantador de eucalipto e pinus do Paraná, não é, então tem umas coisas que a gente vê que está embolado aí no negócio, não está certo.
P/1– No caso da região aqui eles têm algum usufruto especial? O que a SOS faz aqui, por exemplo, na reserva?
R – Ela tem uma sede aqui, tem uma sede aqui em Iguape e trabalha com educação ambiental, então vem as escolas de fora para cá para eles falarem do pólo ecoturístico de Lagamar, para falar dos bichinhos que estão aí, pra falar do Guará, da biodiversidade, mas também não mostra as comunidades tradicionais, não mostram as atividades dos caiçaras, não mostram a atividade dos quilombolas que estão aí e que conserva esse meio ambiente, não mostram, eles mostram os bichinhos da Mata Atlântica, e que eles conservam a mata atlântica. Na verdade eu não vejo que trabalho eles fazem para a conservação da natureza, eu não vejo, assim, de apoiar essas comunidades, sabe, como neste caso da Juréia que nós estamos batalhando há 25 anos, no entanto há vinte anos que eles criaram, foi aí que nasceu a SOS Mata Atlântica, eles que deviam estar lá para ajudar a gente a consolidar isso, sabe, falar “Ó, vamos criar então uma unidade de conservação para as comunidades de uso sustentável, para a comunidade porque eles são os defensores da floresta.”, mas não, eles não querem, simplesmente não participam, ficam jogando coisa na mídia dizendo que os deputados vão lotear Juréia, dizendo que a União dos Moradores vai lotear Juréia, sabe, jogando ainda as pessoas contra a gente, dizendo que nós, comunidades tradicionais, estamos destruindo esse meio ambiente. O que eles alegam é exatamente isso, que as comunidades vão destruir a natureza, mas assim, oitenta por cento das unidades de conservação no Estado de São Paulo tem gente dentro. Todo o Parque da Serra do Mar, pegando daqui de Pedro de Toledo até Ubatuba tem gente morando e com a mesma situação de que está hoje, de não poder roçar, de não poder tirar o palmito, de não poder tirar o cipó, de não poder fazer a canoa, de não poder fazer o mutirão por conta de ser uma unidade de proteção integral e tem essas restrições, a Polícia Florestal em cima, montando, sabe, não deixando, porque aí o que acontece? Eles fazem uma desapropriação barata porque as comunidades vão saindo, vão cansando de não poder mexer mais na terra, de não poder mais fazer as suas atividades econômicas e acabam indo para a cidade, os jovens principalmente, não tem quase ninguém quase jovem, querendo mexer com a terra, eles vão para a cidade. Agora vão para a cidade fazer o que, o que uma comunidade tradicional vai fazer em uma periferia da cidade, vai entrar nas drogas, vai se prostituir, tem vários casos que aconteceram na Juréia, garotos que estão aqui no Rocio, saíram de lá para cá pequenos, chegaram aqui os pais não tinham como sustentar esses meninos, eles são vaidosos porque viram os caras com tênis bom no pé, vê os caras de calça jeans, querem e não tem, e as drogas estão por ali mesmo, vão sendo influenciados a toda hora, e de repente começam a usar, se tornam viciados, ficam viciados no negócio e começam a roubar para comprar droga, morrerem, vão preso. Vários casos aconteceram de pessoas que saíram da Juréia e tiveram este fim. E a gente vem denunciando isso faz muito tempo, sabe, tem um vídeo que se chama “Cerco da Fome” que a gente fez que tem um senhorzinho lá atrás, em 1990, que fala isso, “Vão tirar meu filho do meu sítio para ir apanhar da Polícia na cidade. Vem fazer estação ecológica dentro da minha casa?”, sabe, um senhorzinho já com sessenta anos, cinqüenta anos falando isso, e assim, tudo aquilo que ele falou está acontecendo, veio a acontecer, os caras saíram do sítio da sua comunidade, da sua vizinhança e viraram bandidos, sabe, vem para a cidade perdendo sua cultura, já não dançam mais fandango, já não tocam mais rebeca, já não fazem mais a viola e isso acaba, sabe, destruindo a família inteira, quando o filho de um morador desse entra nessa situação destrói a família inteira, então isso tem acontecido muito e é o que a gente não quer que aconteça.
P/1– Você teve conhecidos próximos, assim, que aconteceu?
R – Tive, tive.
P/1– Teve alguma experiência, assim, que você podia nos relatar?
R – É, teve um cara que foi e soltou isso na internet uma vez a imagem de um cara morto pela polícia, ele tinha assaltado aqui, matado uns caras, foi um cara do Espraiado, saiu de lá com quatro anos de idade e foi morrer agora com 25, exatamente na época dessa transição de 86 para cá, entendeu, e a gente botou isso na internet e mandou para o Serra, o Governador, falando “Olha aí, ó, olha a política ambiental que vocês estão implantando no Estado de São Paulo é disso que nós estávamos falando lá atrás, que ia acontecer, e é o que está acontecendo hoje. Estão matando nossos filhos, nossos jovens, nossos irmãos.”
P/1– E como está hoje, Dauro, em que pé está isso? Estão tentando aprovar uma lei?
R – Então, a gente aprovou uma lei, na verdade, que eu estava contando lá de 2004.
P/1– Da roça.
R – Aí em 2006 aprovou a lei, muita briga com o Governo, botaram, o Secretário do Meio Ambiente, o José Goldemberg na época da discussão chamou o seu Zé Pedro que foi o cara que criou a Juréia, na época, para fazer a intermediação dessa discussão da mudança de lei, porque a gente quer uma reserva sustentável para todo mundo, a gente não quer deixar nenhuma comunidade de fora, aí ele falou “Não, só pode ser para a Barra do Una e para o Espraiado.”, que são as duas comunidades maiores que tem hoje, que conseguiram, que é mais perto da cidade, o restante das comunidades são menores, oito famílias aqui, tinham mais, tinham 25 famílias e hoje tem oito, tinham 15 e hoje tem quatro, então por conta dessas restrições esse pessoal foi para a cidade, exatamente esse pessoal que está morrendo nas periferias. Lógico que teve gente que conseguiu se sustentar e manter sua família em ordem, tiveram outros que não tiveram a mesma felicidade. É, então a gente mudou, o Zé Pedro chegou nessa história falando que não podia mais ampliar, tinha que ser só a do Espraiado e da Barra do Una, e era no final de mandato, era no final de governo, era pegar ou largar, a gente não tinha outra saída, entendeu? Então reunimos todas as comunidades e falamos “Ó pessoal, é importante que a gente faça essas duas comunidades, duas RDS, que é a primeira RDS da Mata Atlântica e se falando da Juréia esse é um grande avanço já que não se podia falar em mudança de lei que eles queriam trucidar a gente, então vamos fazer isso funcionar, essas duas RDS e depois entramos novamente com outro pedido de projeto de lei para outras comunidades. Tá bom assim?”, não, não queriam, “Ó gente, é importante.”, aí acordamos isso, então está bom, então a gente cria essas duas e continua brigando para criar as outras para as outras comunidades, então tá bom. Aí criou. A partir do momento que criou isso começamos a trabalhar, mas a gente não queria fazer, a gente sentou com o Governo e falamos “Ó, vamos criar só um Conselho da Juréia e a gente trabalha tanto a RDS da Barra do Una quanto a RDS do Espraiado, que daí vira um mosaico de unidade de conservação, vira RDS do Espraiado, RDS da Barra do Una, o Parque do Prelado e o Parque do Itinguçu e a Estação Ecológica que ampliou, ampliou mais de 16 mil hectares e fizeram uma RDS de duzentos hectares, na Barra do Una tem uma de trezentos hectares e uma de duas mil hectares no Espraiado, que é pequeníssima, não funciona, entendeu, mas é o que a gente tinha na mão e a gente pegou aquilo e começou a trabalhar isso, fizemos todo um plano de manejo, a gente buscou recurso para fazer o pré plano de manejo para o que? Para a gente instrumentalizar essas comunidades porque ia ter um plano de manejo maior que era feito pela Unicamp e o ISA (Instituto Socioambiental) por mais de um milhão e duzentos mil reais, então a gente falou “Então vamos capacitar as comunidades antes de ir para esse plano maior, o plano de manejo maior que é feito pelo governo, que é o oficial, vamos fazer um pré-plano.” Pegamos os cinco mil reais da carteira de agroextrativismo do Ministério do Meio Ambiente e fizemos então esse pré plano de manejo, instrumentalizamos, capacitamos pessoas e quando chegou o plano de manejo oficial do Estado esse pessoal já estava capacitado “Não, aqui é minha terra, aqui não sei o que.”, então foi bem legal, é uma coisa que a gente fez que foi muito ótima, capacitamos a comunidade a desenhar o mapa, fazer onde é a sua terra, o seu território. Mas só que quando mudou a lei a SOS pediu ao Ministério Público para entrar com uma ação de inconstitucionalidade, porque assim, o que eles falam, que quem tinha que entrar com o projeto de lei era o Governo, era o Executivo e não era o Legislativo, porque o Legislativo não pode onerar o Executivo então vai criar uma Unidade de Conservação vai gastar recurso, dinheiro, porque somos duas RDS, Parque, então para cada uma dessas unidades tem que ter um gestor, tem que ter recurso para isso, então eles entraram com a ação e derrubaram a lei, aí quando estavam terminando o plano de manejo da Juréia toda, caiu a lei porque era inconstitucional, entraram com o que chama-se ADIN, Ação de Inconstitucionalidade, aí virou tudo Estação Ecológica de novo. Estávamos cansados dessa história, isto desmobilizou toda a comunidade, todo mundo ficou, assim, assustado com isso e a gente foi procurar saber o porquê, “pedimos para entrar com ação porque eu achei que estava incorreto aquilo, não era legal para a comunidade, não era legal para Juréia, entrei com ação mesmo, entendeu?”, e derrubou, e virou tudo Estação Ecológica de novo agora. Como era o Governo que tinha que entrar com o projeto de lei sentamos com ele então para discutir. Discutimos o ano inteiro uma nova proposta de projeto de lei só que o Governo não abre mão de não ampliar, ele não quer ampliar maior do que era, tem que ser igual,”Não pode ser igual, gente, já que tem uma oportunidade de fazer um projeto de lei, de mudar a lei, vamos fazer para todo mundo, e o momento é agora, e o Governo vai entrar com essa proposta.” Discutimos, discutimos, discutimos e o discurso era o mesmo, falavam como o Zé Pedro falava anteriormente e os caras falavam agora “Não, tem forças ocultas.” “Mas quem são essas forças ocultas?” porque eles diziam que eram os ambientalistas, mas os ambientalistas são eles mesmo, é o próprio Zé Pedro que está até hoje na Secretaria do Meio Ambiente, é o próprio Mantovani, essas pessoas que estão a 25 anos nesse poder, de não deixar. Então porque tinham forças ocultas, então discutimos, discutimos, discutimos e daí foi o tempo deles ampliarem para onde a comunidade pediu, que é a área de uso e manejo dessa comunidade de agricultura, mas ampliaram para a serra. Para a serra não é lugar de ampliar, a comunidade não usa aquela área, aquela área é área de ficar de preservação, de conservação da natureza, de preservação da natureza. Área de uso é essa área que a comunidade pediu. “Não mais...”, “Gente, a área que a comunidade pediu é essa aqui, é essa aqui que a gente quer”. A gente discutiu o ano inteiro, aí quando chegou para mandar isso para a Assembléia fizeram duas audiências públicas, a gente fez todas as reivindicações necessárias, fizemos todos os pedidos possíveis de ampliação e eles não colocaram nada na proposta. Pensamos que eles iriam mandar para Casa Civil e daqui ia mandar para a Assembléia e também não mandaram, aí ficamos mais um ano inteiro esperando e eles não mandaram até hoje para falar a verdade, aí porque o Chico Graziano ia sair para Senador e o Serra ia sair para Presidente da República, como saiu, a candidatura, e não mandaram o projeto de lei, ficou lá parado, e está até hoje parado, agora recentemente eu fiz uma reunião com o Secretário de Meio Ambiente, com o Bruno Covas e com o Diretor Geral da Fundação Florestal, que ficaram de me dar uma resposta, disseram “Não, vamos marcar então uma outra reunião para a gente começar a discutir de novo essa proposta.” E até hoje não me deram nenhuma resposta ainda, então é muito enrolado a situação, sabe, eles não querem, o que a gente percebe é que eles não querem fazer, não querem mudar a lei da Juréia, querem deixar do jeito que está e nos matando aos poucos, que a maioria já são velhinhos, então eles vão cada vez mais minando, minando, essas pessoas, muitas dessas pessoas vão saindo e o resto que vai morrendo, os que estão velhinho vão morrendo e vai acabar assim.
P/1– E continua aquela questão policialesca ali ou é o esquecimento?
R – Fica. É o esquecimento, de vez em quando vai uma polícia lá, mas é mais esquecimento, deixa largadinho e fala “Não, nós estamos fazendo.”, é mais para dizer que estão fazendo as coisas, que não estão mexendo com ninguém, para que? Para que as pessoas fiquem calminhas e não toquem para frente o negócio, mas a gente não está satisfeito com isso, vamos tocar, vamos movimentar porque têm todos os direitos das Comunidades Tradicionais, os direitos de acesso aos territórios, seja ela quilombola, seja ela indígena, seja ela caiçara, seja ela palmeirana, seja ela ribeirinho, seja ela quebradeira de coco, são comunidades que vivem dos recursos naturais, que vivem do território e precisa desse território porque ou elas foram expulsas, ou elas não tem o território hoje por conta da especulação imobiliária dos grandes fazendeiros, ou por conta dessas unidades de conservação que tem hoje, muitas comunidades foram expulsas por isso de suas terras, então eu faço parte de uma Comissão Nacional de Povos de Comunidades Tradicionais, ela foi criada lá em 2006, a gente criou uma Comissão Nacional, tem um Decreto que é o Decreto 6040, que cria essa Comissão Nacional de Povos de Comunidades Tradicionais. E você vê que a situação, é semelhante a nossa dos caiçaras, dos fundos de pastos, dos faxinalenses, dos quilombolas, dos indígenas, das quebradeiras de coco, dos seringueiros, são todas semelhantes, todo mundo depende e precisa dos seus territórios, e assim, os indígenas e os quilombolas não porque eles já tem um pouco o marco legal, tem os direitos garantidos na Constituição dos seus direitos do território, a gente não tem esse marco, as outras comunidades, os outros segmentos das comunidades não tem esse direito, mas os quilombolas e os indígenas têm. Mas mesmo tendo esses direitos ainda muitas dessas comunidades quilombolas estão esquecidas pelo mundo afora, por esse Brasil afora, tem pouquíssimas terras reconhecidas de quilombola. Nós temos casos aqui no Alto Ribeira que é assim, que não estão reconhecidos os seus territórios, que não dão os direitos dessas comunidades e estão sobrepostas sobre unidades de conservação, tem Parque dentro de território de quilombola, mas a gente precisa parar com isso, sabe, a gente precisa mudar esse paradigma, não dá mais, como eu falei anteriormente, as unidades de conservação hoje já não cumpre mais a sua função de conservação da natureza, deu errado, tá tudo errado, acho que naquela época até foi importante porque tinha que ter o impacto contra esses latifundiários, essa especulação e essa questão da usina nuclear, mas hoje não, meu, na verdade quem sofreu o impacto não foram essas pessoas, foram os pequenos produtores, foram as comunidades que sofreram esse impacto.
P/1– Quando você fala de latifundiários, teve essa questão de querer comprar essas terras? Como foi isso? Tinham fazendeiros aqui?
R – Isso bem antigamente sim, no tempo da minha avó toda a terra lá do Grajaúna é dos meus avós e chegou uma época que eles levavam no cartório de Iguape, porque minha avó não sabia assinar, levava no cartório de Iguape para comprar o território dela, então ela assinava, colocava o dedo e tal e os caras compravam vinte metros, trinta metros e depois pegavam todo o resto, entendeu, e a troco de nada, de banana, a troco de, sabe, de nada, e assim, e os meus avós não tinham esse conhecimento, de escritura, de valor de terra, a terra para ele o valor era cultivar, estar ali mexendo com a terra, na verdade todas as comunidades tradicionais antigamente eram assim, não tinha idéia de valor de terra.
P/1– Oh Dauro, então assim, esse assunto é bem importante, essa questão das reservas e das, enfim, dessa luta política, as leis. Eu queria ver um pouco de você nesse contexto, de como você foi vivendo isso, sabe, eu queria, assim, eu vou retomar um pouco sua história, que eu lembro bem dela, mas tem algumas lacunas. Eu queria primeiro entender, porque você viu tudo isso acontecendo, então eu vou voltar lá atrás. Primeiro, assim, você na sua infância ali, como que era o espaço, a troca, as pessoas que estavam, os agentes ali, como que era esse contexto, da região bem na sua infância?
R – Então, quando eu, assim, estava lá na lida com as comunidades, com a vizinhança, quando não tinha Estação Ecológica, quando não tinha a cidade, quando não tinha A NUCLEBRÁS e não tinha nada era uma coisa, você vivia de comunidade em comunidade, fazendo agricultura, fazendo mutirão, fazendo fandango, eu participava disso, ia para Aguapeú, vinha pro Rio das Pedras, ia para a Cachoeira do Guilherme, ia para a Praia do Una, daqui vinha para cá, a gente fazia várias atividades porque tinha que fazer uma roça para você, por acaso você era um morador, você convidava toda a comunidade, ela ia para lá e fazia a sua roça, tinha que fazer a canoa do rapaz ali, então você ia para a casa do rapaz, todo mundo fazia a canoa ali e todo mundo puxava, então era uma convivência harmoniosa na vizinhança.
P/1– Você lembra de alguma que tenha sido muito marcante, assim, desses mutirões, por exemplo?
R – Olha, teve vários, vários mutirões que eu participei, mas marcante, marcante ...
P/1– De uma importância na comunidade, ou muita gente junta?
R – É, todas elas são importantes, porque cada mutirão desse era uma troca de experiência fantástica, entendeu, de o cara vir lá do Espraiado conversar com o cara de Praia do Una que são regiões diferentes, são região central e da beira mar, é uma troca de experiência fantástica, então esses mutirões com fandango era uma riqueza muito grande, de conversação, de ajuda mútua, sabe, de apoio, muito interessante, a música, a dança, o aprendizado do jovem olhando o cara tocar a rabeca e ficar olhando ali, prestando atenção e começar a tocar e virar mais um violeiro, mais um rabequista, mais um rabequeiro, sabe, era muito importante, todas essas, para mim todas essas atividades do mutirão, do fandango, das festas eram muito importante.
P/1– Mas descreva uma pra gente, assim, que você lembre como foi. Conte um dia desses de mutirão pra gente.
R – O mutirão, o mutirão como acontece...
P/1– Que você vivenciou, conte um pra gente.
R – É, eu vivenciei um mutirão que eu fiquei feliz, o pessoal convidava todo mundo e eu saí de madrugada, mais meus primos e fomos lá para o Aguapeú, saímos quase uma hora da manhã e fomos embora, chegamos lá tipo cinco horas da manhã, porque a roça começava as sete horas, entendeu, e chegamos lá e estava cheio de gente já e como eu estava cansado, e no caminho tinham uns cavalos, sabe, e a gente montou nos cavalos, abriram as porteiras e fomos embora, chegando até a comunidade soltamos os cavalos e fomos para o mutirão, e reclamaram com a gente porque os cavalos ficaram soltos, porque cada cerca serve para proteger as roças dos caras e aí o cavalo foi para a roça e comeu as ramas do pessoal, foi uma confusão muito boa (risos), mas foi muito bom, sabe, você terminava uma roça, o dia todo você fazia uma roça para plantar dois sacos de arroz, que o cara ia levar quinze dias, vinte dias, um mês para roçar, você fazia em um dia, entendeu, era muito satisfatório fazer isso, era muito gostoso ir lá apoiar a comunidade, fazer uma roça para o Fulano de Tal, o cara ficava muito, muito contente com aquilo. O dia inteiro todo mundo trabalhava, a noite, tinha comida de manhã, tinha comida meio dia e tinha comida a noite, tinha comida de madrugada e o fandango rolando, era fandango a noite inteira, era sapateado, era passadinho, porque o fandango é um conjunto de música e dança, então tem várias músicas e várias danças diferentes, no fandango e era muito legal isso, cara, muito bom, demais, assim para tudo, entendeu? O cara, ele sabia ao certo onde ia fazer a roça dele, não precisava de um engenheiro agrônomo, não precisava de um técnico florestal, não precisava de nada, o cara falava “Oh, a minha roça é aqui.”, cavava o chão, cheirava a terra e falava “Esse solo aqui tá bom.”, outro chegava e olhava “Oh, esse solo seu aqui é bom, hein, essa mata é boa, isso daqui vai dar bastante arroz.”, aí você aprendia “Mas porque vai dar bastante arroz?”, aí o cara falava “Não, porque tem o caetê branco, porque tem a árvore tal ali, porque a madeira está com a raiz tal.”, eles identificavam a floresta, então não era só o cara que cavava e cheirava, mas tinham outros caras que falavam a mesma coisa, falavam “Oh, esse solo do cara é muito bom, hein, tem caetê branco, lá embaixo é argila branca, dá muito arroz.”, então você tinha um aprendizado enorme com aquilo ali, que daí depois todo mundo que não conhecia e que ia, jovem, e que iam atrás ia conhecendo, aprendendo no dia a dia o que estava acontecendo, então isso era muito bom.
P/1– E dormia todo mundo ali, era isso?
R – Todo mundo, mulher, criança, jovem, adulto, todo mundo ia para a roça, todo mundo. Tinha o mutirão de colheita também do arroz, aí ia mais gente ainda porque era para colher, era para salvar a agricultura, então colher o arroz, fazíamos um paiol que era uma cobertura com capim, cercado de madeira, fazíamos um estrado e colocávamos todo o arroz ali, e todo mundo colhendo arroz e todo mundo carregando e jogando lá, que daí ia guardar o arroz, você tirava dois ou três sacos que era para planta, que era a semente boa para planta e o resto você vendia, comia, pilava e ia fazendo até o ano que vem que se fazia outra roça de novo, o ano que vem fazia outra roça de novo e todo ano você tinha semente nova para plantar. Hoje você já não encontra mais semente, daquelas sementes boas que tinha antigamente. Você não encontra mais a rama de mandioca como meu pai estava reclamando essa semana, que não tem mais rama de mandioca boa como ele plantava antigamente, você não encontra uma semente de feijão que eles tinham antigamente, que era uma semente boa de plantar, se perdeu muita coisa, muita, muita coisa se perdeu com essa questão da conservação da natureza e eu acho que precisa ser retomada com urgência isso, porque os jovens não vão, se você não trabalhar isso agora, que, assim, eu acompanhei isso desde pequeno e por isso também eu entrei na luta, porque eu vi que era necessário ter isso, era necessário que o jovem participasse, a gente criou a União dos Moradores da Juréia para lutar pela Juréia e eu via que não tinha muito jovem participando, aí nós criamos a Associação do Jovem da Juréia, que trabalha em parceria com a União dos Moradores da Juréia, e hoje a gente tem alguns jovens participando com a gente, tem o Gilson, tem o Marquinho, tem o Heber, tem o Pedrinho, tem o Wellington, que estão já inseridos nessa discussão, e não estão se perdendo por aí, eles estão trabalhando essa questão, estão dando valor à cultura, dando valor aos territórios, dando valor aos conhecimentos das comunidades, dos seus avós, dos seus tios, sabe, estão aprendendo com eles, vão lá perguntar as coisas, vão pra roça comigo, derrubam e roçam, sabe? Que nem agora, a gente fez uma semana passada uma roça de arroz, uma roça de mandioca e uma roça de arroz, olha, fazia tempo que eu não fazia, de mandioca a gente fazia sempre, desde quando a gente conseguiu essa autorização a gente sempre faz, mas de arroz a gente não tinha feito mais, entendeu, a gente fez agora uma roça de arroz, meu pai ficou super contente e falou “Nossa, que legal e tal. Você vai me arrumar uma semente?” e eu falei “Vou, fala com o pessoal do Ivaporunduva, com os quilombolas que tem arroz lá, vamos ver se ele me arruma uma semente para eu trazer pro senhor aqui.”, então minha missão é buscar esse arroz pra plantar lá. Mas eu entrei nessa batalha, nessa luta das comunidades tradicionais por conta dessa questão, para que as comunidades permaneçam em seus territórios com essa riqueza de cultura que eles tem, acho que, assim, o que São Paulo, o que a população paulistana tem que ver é isso, não olhar para uma natureza de floresta, de bicho, mas ver essa diferença de homem e natureza junto e saber que dá para o homem e a natureza viverem juntos, um depende do outro, entendeu, um depende do outro.
P/1– Bom, a gente vai retomando, tá, se quiser fazer pausa porque eu gosto de ficar ouvindo.
R – Não, pode falar.
P/1– Primeiro eu queria entender essa dinâmica, esses mutirões e tal, e daí tem a colheita e daí vocês dividiam, trocavam a colheita? Você falou que talvez vendessem, o que, ia para a cidade?
R – Vendia na cidade.
P/1– Como era essa dinâmica da comunidade com a cidade, por exemplo, nessa época? Você ia sempre?
R – Nessa época o seguinte, tinham muitas coisas que eles tinham no sítio que não dependia da cidade mas tinham coisas que dependia da cidade, então eles trocavam arroz, vinha aqui para Iguape, vinha remando uma semana de remo, chegava aqui, entregava lá sessenta sacos de arroz, ou trinta sacos de arroz e falava “Oh, eu quero fazer uma compra com o senhor aqui”, e comprava essas coisas que não tinha, açúcar, café, mas deixava lá e depois dava o saco de arroz, e levava aquela compra embora, ou fazia o contrário, levava a compra embora, quando não tinha arroz para dar naquele momento levava a compra embora, assinava lá, na época do fio de bigode, “Oh, assim que eu fizer a minha colheita eu vou pagar.” “Beleza, pode levar.”, levava. Fez o mutirão, roçou, plantou, cinco meses depois, bateu, pilou, porque bateu lá e tirou, porque ele tem um cacho, então você tem que bater ele para sair só a semente, bateu, ensacou e trazia para o cara aqui, aí se o vizinho não tinha arroz emprestava, falava “Toma, pode ir lá colher pra você uns três sacos de arroz na minha roça.”, porque às vezes o cara não tinha feito a roça dele, ficava doente ou estava com outra agricultura atrasada então falava “Oh, pode colher lá na minha roça.”, então os caras pegavam um saco dele, colocava nas costas, a faquinha e ia pra lá colher o arroz e ia pra casa dele. Matava uma caça, quando era vizinho próximo assim, se matava uma paca minha mãe partia no meio, cortava em quatro pedaços, um quarto para um, outro pra outro, um quarto pra outro e um quarto pra nós. Matava peixe, “Ah, matamos aí uns peixes, leva dois não sei pra quem, leva dois não sei pra quem.” “Ah, faltou açúcar. Vou lá buscar meio quilo de açúcar na casa de Fulano de Tal.”, aí você ia lá com uma vasilhinha, emprestava, arrumava, media, virava no saquinho e trazia, quando você tinha você enchia a vasilhinha no mesmo tamanha e ia lá e virava no saquinho, era assim.
P/1– Você fazia isso também de ir pra cidade vender, você também tinha essa?
R – Então, eu fiz algumas vezes de fazer, pescava, salgava o peixe e vinha vender para comprar roupa, para comprar calçado, que na época a gente também não tinha muita roupa, muito calçado não, era pouco, era pouquíssimo, na verdade eu vim pra cidade quando eu tinha 18 anos de idade, aí que eu vim ver luz elétrica, piso, esse negócio, eu nunca tinha ido pra cidade então como eu precisava fazer o alistamento senão ia preso, falavam “Oh, se você não fizer o alistamento você vai preso, porque o Exército vai mandar prender você.”, então tinha que mandar fazer o alistamento, aí me trouxeram para a cidade, meu irmão me trouxe para a cidade, então eu vim pra cidade. Eu corria de carro, eu via aqueles carros na rua, aquelas kombis e eu me escondia atrás do poste enquanto passava e depois eu saía na rua, e aí quando eu via a luz elétrica, tinha lá a lâmpada, eu acendia e apagava e “Como que acende e apaga?”, assoprava a lâmpada pra ver se apagava e não apagava, ia lá na parede, ficava admirado com aquilo. Daí para cá, daí dos 18 anos em diante eu comecei a vir pra cidade, porque meu tempo todo eu vivia aqui na roça, no mato, só vivia lá, da escola pra casa, da casa pra escola, da casa pra roça, da roça pra escola. E aí eu vim morar aqui na cidade, eu tinha meus 25 anos, depois que eu vim, porque daí eu fui obrigado a sair da Juréia porque estava muito conflituosa a situação, a partir do momento que eu comecei a discutir com a comunidade, os territórios, a questão de mudança de lei, que eu comecei a vir, eu vinha para a reunião aí ouvia os caras falando da Estação Ecológica que não permite a presença humana porque tal tal tal, porque a lei não deixa e tal tal tal e aí eu voltava pra minha comunidade, fazia reunião com a comunidade e falava “Oh pessoal, não dá pra viver em estação ecológica, tem que mudar a lei.” “Mas como assim mudar?” e eu falei “Tem que mudar a lei. Tem outras unidades de conservação ou temos que ter, ou temos que excluir a nossa área da estação ecológica, aí faz uma exclusão da área e tal” e ficava discutindo aquilo com a comunidade. E comecei a fazer reuniões e reuniões e reuniões, aí o Estado percebeu que eu estava fazendo essa articulação, aí me ofereceu emprego, falou “Oh, eu vou te dar um emprego pra você lá no Espraiado” e eu falei “Espraiado?” “É, lá no Espraiado, você conhece?” “Conheço, mas lá não quero, quero aqui. Se me der aqui no Grajaúna eu fico aqui, no Espraiado eu até vou pra fazer reunião com a comunidade, mas sair da minha comunidade não.” “Não, mas é importante que você vá pra lá, você trabalha e depois a gente muda você lá pro Aguapeú, porque a gente tem essa dinâmica de mudar os guarda-parque de lá pra cá e de cá pra lá.”, eu falei “Mas eu não quero sair daqui, eu quero ficar aqui, se você arrumar um serviço pra mim aqui eu fico aqui, na minha comunidade, mas pra eu ir pra Espraiado não.” Por que ele queria que eu fosse pra lá? Porque ia gerar um conflito com a comunidade lá, eu ia ser um guarda-parque, onde eu ia ter que cumprir algumas regras do Governo, e ia começar a gerar um conflito lá, de lá depois ia me mandar pra outro lugar, então eu falei “Não, os caras estão querendo me pegar pelas pernas”, de repente insistiu, insistiu e eu falei “Não, não quero, se for pra ir pra lá não vou.”, e continuei nas reuniões, eles começaram a me perseguir, aí começaram a falar “Não, não se junta com o Dauro porque ele é perigoso, porque ele está com um movimento aí, vai acabar com a vida de vocês, vão tudo para o buraco.”, o próprio estado falando isso, o Ítalo, que era o diretor da estação ecológica, o Fausto que era da equipe litoral sul que era da Fundação Florestal, na verdade não era Fundação, a Fundação Florestal era uma Fundação que contratava esses guarda-parques, quem gerenciava a unidade de conservação era o Instituto Florestal na época, e recentemente que foi mudado, que passou a gerência das unidades de conservação pra Fundação Florestal, mas daí começaram a falar isso e começaram a empregar esses guarda-parque, como eu estava te falando, começaram a dar emprego pra um, dar emprego exatamente pras lideranças, até tinham três mulheres empregadas, virou tudo guarda-parque com revólver na cinta e tudo o mais, e assim, não queriam mais falar comigo, entendeu, e eu ia fazer reunião e não queriam mais fazer reunião comigo não por conta de não ter, e aí começaram a perseguir meu pai, sabe, meu pai era funcionário deles, meu pai foi funcionário da NUCLEBRÁS e depois virou funcionário do Estado, virou guarda-parque, aí conforme, a partir do momento que eu entrei no movimento, comecei a discutir, a brigar com o Governo, a falar dos nossos direitos, a levar isso pra comunidade eles começaram a perseguir meu pai porque eles não tinha como me atingir diretamente, então começaram a atingir meu pai e indiretamente me atingia porque meu pai falava “Não meu filho, saia dessa luta porque eles vão te prender. O Fausto falou que quando pisar na cobra vai pisar na cabeça, não vai pisar no rabo. Eu tenho medo que ele te mate.” E eu falei “Pai, fique tranquilo, não vai matar não, fica tranqüilo.” “Mas eles querem te prender meu filho, falaram que vão te prender.” “Pai, fala que eu não, fala o seguinte, fala que eu não obedeço o senhor.”, porque ele falava, eles davam o conselho pro meu pai e falavam pra ele falar “Oh meu filho, saia dessa luta porque essa luta é perigosa meu filho.”, como ficou muito crítica demais a situação eu fui obrigado a sair pra cidade, porque não dava pra ficar mais lá porque estava uma situação muito difícil, eu também estava sem emprego, já não podia mais pescar, já não podia mais fazer minha roça, não podia nada, eu parei e vim para a cidade trabalhar e continuar o movimento.
P/1– Dauro, então estava essa pressão na própria comunidade, vários agentes do Governo meio te cerceando, enfim, daí você disse que veio para a cidade, e disse que arrumou um emprego. Como foi essa chegada na cidade, que emprego foi esse?
R – Não não, na verdade eu não arrumei emprego, não tinha um emprego, assim, tinha diária, trabalhava como diarista, fazia um trabalho para uma pessoa aqui, limpava um lote ali, fazia uma massa de cimento ali, não era trabalho, porque não tinha um emprego fixo, então, e também nem dava, porque você estava no movimento e toda hora tinha reuniões e toda hora tinha que viajar, entendeu, era muito difícil, primeiro porque não tinha emprego e não dava para você, se arrumasse emprego fixo tinha que parar com o movimento, senão o movimento parava, eu vi vários companheiros meus assim que se empregou e não participou mais do movimento, porque foi cuidar do emprego dele porque tem que todo dia estar ali batendo cartão e tem que dar continência pro seu patrão, então não dá para ser do movimento, então eu trabalhava diária, roçava um lote aqui, limpava um terreno ali, fazia uma massa de cimento aqui, um telhado lá e era assim e eu não tinha onde morar e arrumaram uma casa de veraneio, aí um cara me chamou para trabalhar de caseiro lá na Barra do Ribeira, inclusive eu estou lá até hoje, aí eu fui pra lá, o que eu agradeço muito o cara porque aí eu coloquei minha família no lugar, para morar e aí continuo na luta, a minha mulher cuida da casa, do meu patrão lá e eu vou, dou uma arrumada no quintal, limpo um lote aqui, limpo um lote ali, pesco ali e pesco lá, viajo para um lugar e viajo pra outro, para poder manter a luta. A gente criou também a Associação do Jovem da Juréia, criou um galpão, onde trabalham com artesanato, em caxeta e tal e aí tem toda uma luta, além da luta da Juréia tinha a luta dos caxeteiros que eu também participei porque com a criação da Estação Ecológica da Juréia isso começou a impedir várias atividades que tinham no entorno, inclusive de caxeta, que tinha uma atividade de caxeteiros aqui pra lápis e tamanco que empregava quatrocentas famílias, aqui no Rocio e várias dessas pessoas das comunidades do Aguapeú, Rio das Pedras, também trabalhavam com caxeta, então eles cortavam a caxeta lá e vendiam aqui para o João Faber no Rocio e por conta da questão da estação ecológica, muitos desses ambientalistas vieram aqui e falaram “Oh, tão cortando caxeta que é ilegal.” e começaram a proibir também, e a Polícia Florestal entrando na casa das pessoas também, com metralhadora, com arma e proibindo tudo isso. A gente teve que fazer uma nova luta, uma nova discussão até que chamamos o pessoal da ESALQ (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz) que que veio fazer um estudo da viabilidade econômica da caxeta, do plano de manejo, como é que faz tudo isso. Na verdade é só consolidar aquilo que já se fazia, que a gente falava que tirava a cacheta mas não rebrotava,depois de alguns anos você tem madeira de novo, é madeira que dá brejo, que dá em lugar alagado e ela é sustentável, você corta uma árvore de madeira e vem dez brotos de madeira, aí você tem que fazer, lógico, o manejo. Você tira aí uns sete brotos e deixa uns três lá, esses três brotos vão pegar toda a força da seiva e vão subir. Foi o que a pesquisa veio ensinar como tem que fazer, mas na verdade a gente já sabia um pouco dessa situação de quando cortava ela brotava, mas também foi uma luta muito grande e conseguimos legalizar a madeira, eu acho que a única madeira legalizada hoje na Mata Atlântica é a caxeta, por conta dessa luta e por conta disso os meninos, que a gente criou a Associação dos Jovens da Juréia e tem uma sede hoje na Barra do Ribeira e eles trabalham com o artesanato em caxeta lá e também envolvidos na luta, na luta pelos territórios das comunidades tradicionais. A partir do momento que a gente começa e continua lutando pelos territórios da Juréia, mas não só pelos territórios da Juréia porque os caiçaras são do Paraná até o Rio de Janeiro e eu faço parte de uma Comissão Nacional e represento as comunidades caiçaras nessa Comissão, eu tenho toda uma responsabilidade de ver o que está acontecendo em outras regiões, então a gente tem luta pelos territórios das comunidades na verdade no Brasil todo e aí a luta dos moradores ampliou também para outras comunidades para o Parque da Serra do Mar, para Ubatuba, para Caraguatatuba, São Sebastião, Ilha Bela, Pedro de Toledo, Peruíbe, Parque do Jacupiranga, Barra do Turvo, a gente trabalha com todas essas comunidades na parte de orientação, na questão da legislação da lei da Mata Atlântica, no decreto 150, a questão do Código Florestal, os direitos das comunidades tradicionais, a gente sempre faz palestra e informa dos direitos dessas comunidades, faz a divulgação da Comissão Nacional e da Política Nacional de Povos das Comunidades Tradicionais.
P/1– Como vocês se sustentam?
R – Assim nessa situação que eu te falei de trabalhar de dia pra um aqui, outro ali, faz um projeto e de repente nesse projeto paga uma diária pra gente, então a gente vai, na verdade vai vegetando, que não vive, não tem o recurso para manter você, para fazer isso e ter muito mais qualidade, você ia ter mais perna pra você andar e você ia poder sustentar sua família, mas como tem que fazer as duas coisas, fazer o movimento das comunidades tradicionais e ainda sustentar a sua família então um pouco você pega, um pouco em cada coisa, às vezes nem tanto pra família e nem tanto para as comunidades, mas é muito difícil. Agora só uma parte que eu queria contar pra você ainda do projeto de lei da Juréia, estivemos todo esse tempo discutindo o projeto de lei, o Serra não mandou isso pra Assembléia e em seguida o Promotor Público entrou com uma Ação Civil Pública contra essas comunidades, para tirar todo mundo em 120 dias da Juréia, entrou com uma Ação Civil Pública. A gente correu atrás, foi atrás da Defensoria Pública, eu tentei ligar para o pessoal lá e não consegui, mas eu preciso saber em que pé está isso e para poder, para que essas pessoas continuem lá precisa entrar imediatamente com o projeto de lei, mudar essa lei para que as pessoas, que quando você muda de proteção integral para uso sustentável essa ação cai por terra, então para salvar essas comunidades, para manter os seus territórios tem que mudar a lei porque senão eles vão estar com a corda no pescoço o tempo todo.
P/1– Você teve esta experiência, teve isso de entrarem na sua casa pra pegarem a sua família? Você chegou a ter, sei lá, algum perigo, não sei, de chamarem pra te dar um susto, você teve uma experiência disso?
R – Não, na minha casa não, eu ouvi algumas ameaças de outras pessoas falando pra mim “Não, Fulano de Tal vai te pegar, cuidado com isso, tem gente falando que vai te pegar aí rapaz, toma cuidado.”, mas ninguém chegou diretamente pra mim e falou isso e nem minha casa invadiram, mas a Polícia Florestal ia na casa de outros moradores e invadiu a casa, bateu no cara, trouxe o cara preso pra cidade, inclusive o cara nem mora mais lá na Juréia, veio morar aqui no bairro do Embú, veio morar para cá porque ficou desgostoso da vida, a Polícia chutou ele e tal, na verdade denunciaram que estavam tirando palmito e ele estava vindo da roça com pau de lenha nas costas e tinha uma espingarda, porque normalmente o morador caiçara ele tem sempre a sua espingarda, o facão na cinta, porque ele depende daquilo, ele vive do recurso, ele precisa matar uma caça para comer, se ele não matar uma caça para comer ele vai comer o que? Ele não tem mercado lá, o mercado lá é a caça, lógico que tem toda uma época de caça, ele sabe a época de caçar, fevereiro, março, abril, maio e junho caça, daí pra cá você não caça mais, entendeu, porque é a época que está criando, que a caça está tudo criando, então ninguém caça, eles tem todo esse, todo esse conhecimento eles têm e não precisa falar para eles porque eles já sabem e se qualquer pesquisador quiser fazer essa pesquisa vai lá e vai ver que vai dar certinho. Então assim, me ameaçar diretamente não, mas ameaçar por terceiros ou outros me falarem sim, já teve, várias vezes o cara veio falar “Olha, cuidado porque Fulano de Tal falou que vai te matar e não sei o que, e você vai preso, cuidado com isso.”, então isso teve bastante.
P/1– E sua família, hein Dauro, conta pra mim um pouco da sua esposa, filhos. Conta um pouco, por exemplo, quem é ela, como você a conheceu.
R – Minha esposa é lá do Rio das Pedras, é da Juréia, inclusive hoje as famílias dela moram aqui, estavam lá também até pouco tempo e não resistiram e vieram pra cá, moram aqui na cidade agora. Mas eu a conheci lá no Rio das Pedras nos mutirões que a gente fazia, nos fandango e tal, conheci lá. Tem o marquinho que teve de manhã, o Marcos Vinicius, e tem a Mariana que tem sete anos, um com 18 e outra com sete, Oh, ela continua, mora comigo, os meus filhos estão, o Marquinho está no movimento, ele faz parte da Associação dos Jovens da Juréia, trabalha com artesanato e participa do movimento, a nossa grande luta é esta, a gente pensa é que mude essa lei da Juréia, que a gente possa voltar para nossas comunidades, construir nossa casa lá e tal, viver com nossos filhos lá e mostrar para eles tudo aquilo que meus pais faziam, que meu avô fazia e continuar fazendo isso, que eu acho muito lindo, acho muito importante, então é assim, a gente vive aí nesse, na verdade nesse conflito, porque não é fácil, você está em casa e daqui a pouco alguém te liga e fala “Oh, tem reunião lá em Belo Horizonte, você tem que ir pra lá.”, uma vez lá em Peruíbe, “Oh, Fulano de Tal tá lá em Peruíbe, na Cachoeira do Paraíso porque a Fundação Florestal baixou uma normativa lá e não deixa o pessoal entrar.”, aí tem que ir pra lá, reunir com a comunidade, fechar a estrada, fazer movimento, chamar o Diretor da Fundação e discutir proposta para amenizar aquele conflito lá e a gente faz isso a vida toda.
P/1– Dauro, qual foi sua primeira viagem fora daqui, assim? Conta pra gente como foi.
R – A minha viagem fora daqui foi para São Paulo em uma reunião na Assembléia Legislativa de São Paulo.
P/1– Você lembra desse dia?
R – Lembro, lembro porque eu levei até um do Aguapeú que veio junto comigo, encontrei com ele e ele “Vamos embora, vamos embora.” Pegamos colocamos no carro com esse meu amigo Arnaldo, e ‘’Vamos embora.’’, e era uma reunião da, essa exatamente nesse dia que o senhor estava falando da estrada que era o rio, que o rio era estrada dele e tal, mas eu não conseguia nem falar no microfone, eu tremia assim, sabe, secava a boca, e era muito difícil, acho assim que eu aprendi muito com isso, sabe, com esse movimento eu aprendi bastante, mas eu sofri muito também assim, porque eu não conseguia falar aquilo que eu queria falar e eu não conseguia, tinha vergonha de falar, sabe, ai vendo os caras e eu queria contestar e não podia, então foi muito assim, mais uma primeira viagem que fui para assembléia, quando vi esse pessoal que tinha muita gente e nesse dia que teve esse movimento na assembléia legislativa, esse cara falando, Sátiro, que ele é um líder espiritual, morava na cachoeira do Guilherme, era um cara, uma pessoa assim que consultava para todo mundo, fazia remédio para todo mundo, vinha amigo de São Paulo, de Iguape, Peruíbe, todos os lados para consultar com ele, meu, tudo que ele tinha, tudo, qualquer coisa que o cara tinha ela fala com ele ‘’Seu Sátiro’’, ai ele benzia, fazia uma consulta com raiz de não sei o que, com não sei o que, ai o cara vai embora curado, ai outro fulano, toda comunidade consultava com ele, é um lugar que era legal vocês conhecerem, entendeu, agora não vai dar, mas de repente em uma próxima vez levar vocês para conhecerem que é bem legal, um lugar bem central da Juréia, na onde até eu criei lá uma escola Caiçara da Juréia, como se a comunidade se juntava ficava tudo ali, e não tinha mais escolas na Juréia, eu falei ‘’Então vamos criar uma escola aqui’’, criamos a escola Caiçara da Juréia, que também funcionou de dormir 4, dormir 2 até dormir 4, o ensino médio, o ensino fundamental, e o ensino médio não deu sequência em conta do que o estado não quis pagar o professor, ‘’Não, precisa de cinquenta alunos, e não tinha dez’’, falei ‘’Gente, é uma escola diferenciada, com um sistema de alternância, fica quinze dias na comunidade, 5 em casa, ‘’Olha vamos continuar com isso que os outros alunos vão começar a participar.’’, era muito legal, tinha uma escola bem legal, daí tinha a aula normal, tinha o fandango, tinha aula de folia de bandeira, tinha aula de água e floresta, tinha aula de tudo assim, então os jovens ficavam lá quinze dias, depois voltavam para casa e ficavam 5 dias, então voltava de novo, instalou energia solar, levou computador, levou tudo para lá, mas ai o governo também, dar ensino médio, vieram todos para a cidade, e tivemos que fechar a escola.
P/1 – Mas como foi essa ideia? E o estado apoiou no começo e depois não, é isso? Como surgiu? Conta um pouquinho.
R – Então, assim, a gente sempre fez reuniões, reuniões e uma das reivindicações das comunidades era ter escola, porque senão eles tinham que vir para cidade para estudar, ai eu pensei ‘’Vamos pessoal, vamos fazer uma escola então Caiçara, uma escola Caiçara diferenciada’’, daí comecei a chamar o pessoal, tinha uma proposta da escola, ai vamos pensar onde, então vamos pensar na cachoeira do Guilherme porque é um lugar onde todo mundo vai para lá, ai a gente fez a proposta, uns amigos meu que são arquitetos, do instituto Elos, que hoje é parceiro da gente também, e eles fizeram uma proposta de uma escola, fizeram tudo um projeto arquitetônico, tinha umas meninas da UNICAMP também, do NEPAM (Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais), da UNICAMP também que começaram a apoiar a gente nesse trabalho, tivemos várias pessoas como parceiros, o pessoal da ESALQ, inclusive um professor Diegues da USP, várias pessoas, pedimos a prefeitura para contratar um professor, então a prefeitura contratou uma professora que era moradora de lá e veio para cá, estudou, virou professora e voltou para dar aula e também um professor que se formou em Filosofia e morava em São Paulo, mas era daqui também da Juréia, consegui contatar ele em São Paulo, liguei para ele e falei ‘’Olha, tenho um trabalho assim assado’’, ‘’Ah, eu estou trabalhando na Albergue aqui, ’’ porque uma vez ele tinha pedido para eu ‘’Ah, quando tiver um emprego por ai, um trabalho, me chama que eu vou para ai’’, e calhou de ter isso, ‘’Olha você pega ou larga, fica no Albergue ou vem para cá, a oportunidade é essa agora.’’ Ai para contratar esse professor precisava que o estado contratasse, assim de Miracatu e teve um encontro do Alckmin em Registro, ai ele levou toda secretaria dele para lá, educação, meio ambiente, e tudo mais, a gente aproveitou o embalo e foi para lá, falou com a Secretário de Educação, que era o Chalita na época, colocou para ele a cidade, a proposta também, tinha várias pessoas e ele falou ‘’Não, tudo bem, vamos contratar.’’ Ai contratou o professor, só que a Secretaria de Meio Ambiente foi minando isso por fora, não autorizou fazer a escola, falou que não podia, mas a gente reformou uma casa e fez a escola, reformou a escola do Seu Sátiro, e fez a escola lá, não construiu, mas reformou, tudo assim um mutirão debaixo do pano, construiu, e ai fundou a escola, ai o pessoal da USP doaram energia solar, ai tem o pessoal do NEPAM que doaram lápis, caderno, borracha e o pessoal do ELOS com o projeto arquitetônico, lá, e começou a escola, as aulas, tinha de primeira a quarta, e de quinta a oitava, o Paulinho dava aula de quinta a oitava, e a Lídia de primeira a quarta, e os alunos ia para cachoeira do Guilherme, fizemos alojamentos para eles ficarem lá na casa das pessoas, levamos merenda escolar e ficamos lá, ai durou dois anos, dois anos e quando terminou a escola para mim foi uma decepção muito grande assim, eu fiquei decepcionado, falei ‘’Não vou fazer mais nada de movimento, não quero saber de projeto nenhum’’, porque era uma coisa que tinha tudo para dar certo, entendeu, eram os pais dos alunos e os alunos vivendo juntos na mesma escola, então todo mês tinha uma reunião para gente preparar, saber como é que foi a didática para preparar o plano pedagógico, como que era a pedagogia da escola, ia ajustando sabe, era muito legal, então ia uma educadora, ia uma pedagoga, os professores, os alunos, os pais dos alunos sentavam lá e começavam a discutir proposta para escola assim, que a ideia era criar uma universidade Caiçara, um sonho bem grande, mas o Estado não pagou professor, eu fiz uma batalha muito grande, lutei, lutei, fui atrás, mais alunos e tal, mas cinquenta alunos eu não conseguia, tinha um teto de cinquenta alunos, e ai fechou, desistiu, não teve jeito assim, eu fiquei decepcionado com o negócio, ‘’Eu não quero saber mais disso, não vou mais em movimento nenhum’’ mas de repente liga uma menina, amiga minha do Rio de Janeiro falando ‘’Tem um projeto aqui, um edital, que saiu do Ministério da Cultura’’, eu falei ‘’Ah Joana, eu quero não’’ ‘’Ah não, vamos fazer, vai ser legal.’’ Ai fez um projeto no centro de cultura Caiçara, ponto de cultura da Barra do Ribeira que é a sede da associação, virou um centro de cultura Caiçara, ai fizemos projetos e foi assim, tinha convênio com a associação de jovens da Juréia, eu tinha que coordenar esse projeto e não tinha, não sabia lidar muito com isso, fomos aprendendo, aprendendo, fizemos lá, reformamos a sede, entraram outros parceiros, depois teve o caso da lei da Juréia, deu uma animada, porque nós conseguimos mudar a lei, de repente descambou de novo, veio a comissão nacional, e eu participei da comissão e vi outras lideranças nesse movimento, sabe, Pedro Ramos lá do Pará, um velhinho de sessenta e poucos anos, sabe, na batalha, falou ‘’Não, eu tava junto com Chico Mendes, eu via meus companheiros tombar aqui na frente dos madeireiros e não desistem da luta porque o território é das comunidades tradicionais’’ eu falei ‘’Nossa, então eu vou continuar, não tem como.’’ Ai tem o fundo de passos da Bahia, quebradeiras de coco la do Maranhão, sabe, pessoas guerreiras que, dá uma lição de vida para você, ver aquelas mulheres que ralaram, que foram espancadas e conseguiram dar a volta por cima, então conquistar o Babaçu, hoje eles vendem, exportam para a Alemanha, para França, o sabonete então é muito legal, essas pessoas que dão animo para você continuar na luta, lutando pelas comunidades tradicionais que é muito bom isso assim, acho que as comunidades tem que alcançar esses direitos de território, tem que voltar a seus territórios, não tem que ficar na cidade, tem que voltar lá para suas terras.
P/1 – Dauro você falou muito da participação do governo do estado, e o governo federal, como que entra nessa discussão?
R – O governo federal então, o governo federal na verdade na discussão da Juréia ele não tem entrado, nós temos, eles tem apoiado a gente sim por conta dos recursos federais, a questão por aquela do ponto de cultura foi importantíssimo, que envolveu jovens, os jovens participando, teve essa questão do PDA que a gente fez um estudo para criação das RDS, o da comissão nacional da divulgação que a gente fez também da, ele deu recurso para a gente fazer divulgação da política nacional, a gente visitou outras comunidades que estão com os mesmos conflitos da gente, para cá tem o Parque Superagui, no Paraná, que tem o mesmo conflito daqui, tem lá no Guaraqueçaba que é o mesmo conflito daqui, tem na Ilha do Cardoso que é o mesmo conflito, então a situação das unidades de conservação do estado, tanto no Paraná quanto em São Paulo, são as mesmas situações, eles dependem do recurso, mas a lei não deixa os caras, se não tiver autorização eles não tiram caxeta para manter aberto, então são semelhantes as situações, então a gente conseguiu conhecer outras comunidades, fazer contato, o apoio federal foi mais nisso, acho que o primeiro acesso teve recurso foi do governo federal, entendeu, primeiro projeto, tanto da União dos moradores da Juréia quanto da Associação dos jovens da Juréia, foi dessa questão do projeto federal.
P/1 – Do ponto de cultura?
R – Do ponto de cultura e dos projetos, dos pré-planos de manejo e estudo das RDS, a gente fez também um seminário, um seminário da Amazônia com a Mata Atlântica, a gente trouxe o pessoal do Mamirauá, das reservas de uso sustentável do Mamirauá da Amazonas para cá, para falar para o povo da Mata Atlântica o que é uma reserva sustentável, fizemos uma semana de rodadas nas comunidades, em todas comunidades do Vale do Ribeira, e aqui de Peruíbe, teve um seminário aqui em Iguape, teve um seminário em registro e um seminário na assembléia legislativa com os deputados, e o governo para mostrar qual a importância das reservas de uso sustentável da Amazônia, os caras que vieram de Amazônia para cá ficaram assim, abismado, falaram ‘’Olha, se o governo de São Paulo tratar essas comunidades que nem bicho, já tá bom, porque essas comunidades estão sendo massacradas de uma forma de lixo, estão tratando que nem lixo, do lado de duzentos quilômetros de São Paulo, não tem internet, não tem luz e não tem água encanada para essas comunidades”, e não tem mesmo e não deixa reformar sua casa, não deixa limpar as trilhas, não deixa fazer roça, então eles ficaram assustados assim, ‘’Lá a gente trabalha com essa reserva sustentável, a gente faz um manejo do Pirarucu, a gente faz um manejo da castanheira, a gente tem tudo para fazer, e isso dá certo, você tem que fazer isso, o governo tem que apoiar essa iniciativa.’’ Isso foi feito na Assembléia, mas o governo esta nem ai.
P/1 – Ficou bem clara a participação do governo do estado federal, e as empresas, as empresas multinacionais, como é que é?
R – Não temos.
P/1 – Tem alguma pressão?
R – Não, não tem.
P/1 – Tem alguma relação?
R – Não.
P/1 – Já tiveram empresas aqui antes, indústrias, bem pequenas indústrias, né?
R – Rapaz que eu me lembre não, tem agora a Petrobrás que estão com o pré-sal, mas que também não esta aqui, e teve a Nuclebrás na Juréia, essa foi uma pressão forte também, na Nuclebrás várias pessoas, máquinas entrando, soldagem, também foi uma pressão bastante forte assim, da Juréia.
P/1 – O que fez que aqui nesse litoral não ficasse como litoral Norte, por exemplo, todo com roteamento, as casinhas, como foi esse?
R – Acho que acesso, o acesso é mais difícil do que o litoral Norte, o que fez impulsionar o litoral Norte foi a Rio Santos, a Rio Santos, e fica mais próxima a São Paulo também, inclusive tem casas, desses ambientalistas que não quer que a gente faça, e mude a lei da Juréia, tudo tem casa no litoral Norte, tem condomínio fechado que são deles, entendeu, e que deixa nem Caiçara passar por dentro, por acaso no ponto, condomínio Laranjeira, o que acontece, o cara, tem uma van que pega o Caiçara atravessa o condomínio de larga lá na estrada, pega na estrada e leva, deixa lá na comunidade, não deixa passar por dentro da comunidade, ai quem esta lá dentro, de quem é o condomínio lá da Laranjeira, quem esta lá? É o neto do Covas, é filho do Maluf, é o cara do SOS, todo mundo esta lá dentro, Chico Graziano por acaso, o ex- secretário do meio ambiente uma casa em Ilha Bela, no parque da Ilha Bela.
P/1 – Em relação com as ONGs, vocês citaram várias parceiras, né, como que foi aparecendo? Quais são seus parceiros hoje, como que eles surgiram na vida de vocês assim?
R – A parceria surgiu a partir do movimento que a gente faz, apresentações de seminários, palestras por acaso lá, tinha um encontro na USP, a gente vai la falar da Juréia, tem umas pessoas que participam e falam ‘’Ah, legal, no que a gente pode ajudar?’’ Então apareceu o Instituto Elos, teve o encontro, tem vários encontros que a gente participa, e essas pessoas vão encontrando nesses encontros e vão sensibilizando e vão aparecendo, e muitos vêm também para conhecer a região, tem algum projeto que eles vão fazer, e também acaba conhecendo a gente e ficando apoiando a gente, por acaso teve a historia do Museu Vivo do Fandango, um projeto financiado pela Petrobrás, que é do pessoal de Rio de Janeiro, da Caburé, que fizeram um projeto para fazer o Museu Vivo que é pesquisar as comunidades Caiçaras, exatamente o Fandango, e tem um projeto bem legal, teve um livro, teve um cd, é um livrão, legal, reuniu trezentos e pouco fandangueiras em Guaraqueçaba, até rolou uma discussão, tinha umas oficinas e tal, que rolavam discussão da unidade de conservação, da questão da caxeta, da questão ambiental, porque meio ambiente e cultura eles tem que viver juntos, eles vivem juntos, eles dependem um do outro, então foi bem legal, tem essa parceria com a Caburé, que apóia, que ajudou a fazer o Ponto de Cultura, o projeto que esta ajudando a fazer a prestação de conta, então que tem mais facilidade em mexer com essas coisas, tem o Instituto Elos que já começou no tempo da escola Caiçara, nas festas da cachoeira do Guilherme que a gente fazia várias festas lá, e tal, tem o Oikos agora, que está apoiando a gente bastante, bem legal, por conta, teve em conta em Registro do Entre mundos, que é do Careoté, que é uma entidade também, e a gente encontrou com eles lá, agora estão apoiando a gente nessa luta, nessa iniciativa, apoiando lá no galpão.
P/1 – Esses encontros, esses parceiros eles vieram depois que vocês viraram ONG, é isso?
R – Depois que a gente virou sucesso.
P/1 – E como que foi essa criação da associação, quem que veio com essa ideia, de onde saiu isso?
R – Então primeiro veio a União dos Moradores da Juréia, o que acontece? Quando se faz uma luta, o movimento não depende da associação, a associação é um instrumento jurídico, uma pessoa jurídica que representa esse movimento, para você buscar recursos, por acaso, tem que ter uma instituição, porque eles não dão recursos para pessoas, eles dão recursos para entidades, então são vários associados e tal, então foi nessa linha que queria, criou a associação para ter um instrumento jurídico tanto para entrar com ação, tanto para buscar recursos, tanto para fazer essas coisas, fazer convênio, essas coisas ai, a gente criou a União dos Moradores para ser uma personalidade jurídica e em seguida criamos a Associação dos Jovens da Juréia, que também é uma associação para isso, tem várias, a maioria não vai para frente porque são muito burocráticos cuidar de associação, é uma empresa, você tem que declarar imposto de renda, tem várias coisas para fazer, você tem que pagar o contador, se não tiver isso também não funciona, você acaba, vai ficar inadimplente com a situação, você acaba, você tem que estar na regra, tem que estar tudo muito bem feito senão não funciona.
P/1 – Nessa longa experiência já, de militância e tal, conta assim para gente qual foi, acho que as maiores dificuldades, uma situação que vocês enfrentaram, alguma, qual foi uma das maiores dificuldades que vocês tiveram, ou enfim, uma passagem que tenha sido muito marcante nessa militância? Uma assembléia, um congresso, uma viagem?
R – Teve um Workshop no Instituto Florestal, isso foi muito bravo assim, a gente invadiu, não convidaram mas a gente invadiu, pegou uma Kombi aqui e foi para lá, e os caras falando das comunidades tradicionais que estavam apoiando e que já tinham feito roça de feijão para um, e roça de feijão para outro, e que ia fazer uma coletividade, e blá, blá, e era mentira sabe, era muito mentira, não estava acontecendo isso, a roça não era coletiva, é individual, o coletivo é o trabalho e tinha uma pessoa falando, “não”, a gente entrou escondido, a gente foi de Kombi até lá, entrou, ficou um em um canto, outro em outro canto, outro em outro canto, um grande Workshop, da unidade de conservação e tal, e todo mundo, o palestrante tava falando que o cara da secretaria do meio ambiente, “não, a gente tá apoiando as comunidades tradicionais, agora já fizemos roça coletiva de feijão, e vamos fazer outro”, e de repente teve um senhorzinho que levantou e falou ‘’É mentira. Eles não estão fazendo nada, eles estão acabando com a gente, porque a nossa roça nunca foi roça coletiva, a nossa roça é individual, o movimento é coletivo, mas a roça é cada um, o que eles estão fazendo é uma porcaria de uma roça lá que vai dar para nada.’’ E se criou uma situação que eles queriam expulsar a gente de dentro, acabou o seminário, acabou o Workshop, e a gente teve que ir embora assim.
P/1 – E vitória, uma grande conquista, uma passagem?
R – Vitoria a gente teve bastante no modo assim, as autorizações de roça que a gente conquistou, isso foi uma vitória.
P/1 – Como que foi esse, foi na Assembléia?
R – Não, foi aqui no salão paroquial de Iguape, a gente fez uma reunião que trouxe essa Ana Primavesi, que ela falou para os ambientalistas, ‘’Não, vocês estão matando esses caras de fome’’, falou para o Aron Berli que era, que na verdade primeiro era a pré Juréia que nasceu a Mata Atlântica e depois da SOS Mata Atlântica, nasceu o ISA (Instituto Socioambiental), são tudo ligado por esse pessoal e ai ela falando isso, ‘’Não você tem que roçar capim, vocês estão matando esse povo de fome, esse povo sabe exatamente onde fazer a roça deles, vocês só tem que desmarcar a área que eles pedirem para marcar.’’ Ai quando eles autorizaram a roça, foi uma conquista cara, muito bom, você voltar a fazer sua roça, e um ano depois você ter mandioca, farinha, comida de novo de volta, isso foi uma conquista, a outra conquista eu acho que foi a mudança da lei, teve várias, por acaso a escola Caiçara ela foi uma conquista, a gente conseguiu uma escola Caiçara dentro da Juréia que o governo do estado de São Paulo pagasse um professor, uma grande conquista, a mudança da lei foi uma conquista, a participação da comissão nacional foi uma conquista, o projeto do centro de cultura de Caiçara foi uma conquista, que até agora tem uma sede, já colocamos internet lá, sabe um espaço para você começar a fazer as coisas, acho que a visibilidade dessas comunidades esta sendo uma conquista, porque tava muito enrustido, muito abafado, lógico que a gente precisa de mais visibilidade, mostrar mais.
P/1 – Como a mídia trabalha com, como tem sido isso?
R – A mídia trabalha contra a gente, na verdade, a mídia trabalha dizendo que as comunidades tradicionais destroem não sei o que, não sei o que, as grandes mídias, eles na verdade não chegam até a gente, é tem, por acaso a TV Cultura, já fez algumas entrevistas com a gente, teve a rádio Cultura também fez, teve algumas entrevistas, mas a maioria dessas mídias, é esse trabalho contra as comunidades tradicionais, mais focado na linha dos ambientalistas, dos conservacionistas, que eles detém os caras que estão lá dentro e eles tem contato direto, a gente não tem muito acesso.
P/1 – Já teve assim de ter matérias caluniosas assim?
R – Teve, tem, teve uma matéria nessa reunião que teve na Assembléia, a gente em uma semana seguinte teve acesso a TV, a Globo Rural foi para Juréia que levou lá, isso foi uma conquista, eles colocaram lá, gente, o inferno cuidar Paraíso, alguma coisa assim, tinha um texto que eles escreveram, e conseguiu mostrar, marcou um encontro e tal, mas mandaram a menina, que quase perdeu o emprego lá, a menina que fez, mas foi lá também, acho que foi a Globo Rural, e depois teve varias matérias de jornal, jornal do Estadão, dizendo que a Juréia ia virar um queijo Suíço, daquela repórter Eco lá, jornal Eco, teve várias matérias contra as comunidades, tem uma matéria do próprio Mantovani dizendo que a Juréia ia ser loteada sabe, a gente fez uma audiência publica aqui na Câmara Municipal e chamou o pessoal para vim participar, IBAMA, Chico Mendes, SOS, e Mantovani veio para essa reunião e pegou o microfone e falou ‘’Isso é um marco legal mesmo para comunidade, eu estou trazendo aqui meu apoio, o apoio da SOS Mata Atlântica’’, estava filmando ele gravando isso, porque tem peso, o Diegues falou também, todo mundo falou, uma semana depois o Mantovani deu um depoimento no jornal dizendo que o projeto de lei da Juréia viria para lotear a região, que ela ia ser um especulado, fez uma matéria enorme no jornal assim, então não dá para escrever o que ele fala, então a gente fica meio, mas a gente colocou, fez um link do que ele falou e colocou lá no negócio entendeu, para todo mundo que acessava e via que ele falava do apoio dessa (Risos).
P/1 – Então a gente tava falando dessa questão da mídia, como que ela trabalha com a questão, como aparece, queria que você falasse um pouco dessa experiência do TEDx para gente, que são aquelas palestras. E conta como foi essa história?
R – Na verdade TEDx eu não conhecia, me falaram do TEDx mas não sabia o que era o TEDx, era você contar um pouco da sua história, ai era para o Gilson participar, como ele não podia, ele tinha outra palestra para fazer, ai ele falou ‘’Tio, você pode ir?’’ ‘’Ah posso, vou lá.’’ A Iracema me ligou, que é do TEDx, falou ‘’Seu Dauro, tudo bem?’’ ‘’tudo bem’’ ‘’Você pode participar?’’ ‘’Posso, claro, lógico.’’ Ficou certo, ai anunciou que ia participar, e tinha um monte de gente que ia participar do TEDx e ia ouvir eu falando, tal, todo mundo se organizando então, dois dias depois a Iracema me liga, ‘’Seu Dauro, tudo bem?’’ ‘’Tudo bem’’, ‘’Nós estamos aqui pensando, a gente esta mudando o foco da discussão’’ ‘’Então não vai ser mais meio ambiente e sustentabilidade?’’ ‘’Não, vai ser, mas a gente quer mudar um pouco, a gente queria estar te desconvidando porque a gente vai colocar outra pessoa para falar’’ ‘’Mas por quê assim Iracema?’’ ‘’Não, porque a gente estamos mudando o foco da discussão’’ ‘’Então o Ailton Krenak não vai participar mais, nem o rapaz da UNICAMP?’’ ‘’Não, vai, vai’’, ‘’Então só eu?’’ ‘’Só você que não vai participar.’’ Então alguma coisa me falava na minha cabeça, ‘’A SOS não quer que você participe, a SOS não quer que você participe.’’ Sabe na minha cabeça, eu não quis falar para ela, eu falei ‘’Iracema mas quem cuida disso? Porque é tão desconfortável você ser desconvidado de um negócio desses, que estava todo me preparando para ir, entendeu, e agora eu não posso?’’ ‘’Não, porque a gente quer colocar um jovem, não sei o quê’’ ‘’O que vou fazer Iracema? Se você esta me desconvidando, mas essa história não esta bem contada. Quem faz parte dessa?’’ ‘’Não, porque tem um conselho que cuida disso, então o conselho esta decidindo não colocar você, vai por outra pessoa, vai por uma criança’’ ‘’Mas quem faz parte desse conselho?’’ aquele negócio me falando, a SOS não quer que você participe, ‘’Quem faz parte desse conselho, mas fala para mim quem faz parte, tem dois, três nomes ai?’’ ‘’Não, não posso porque o conselho é muito grande, e não vou lembrar o nome agora’’ falei ‘’Ta bom.’’ Desliguei o telefone e liguei para o Gilson e falei ‘’Gilson, me tiraram da TEDx eu acho que foi a SOS que não queria que eu participasse porque o Belô esta lá, e o Belô me conhece’’ ‘’Será tio?’’ ai falei ‘’É, então’’ então liguei para meu filho Marquinho e nem falei para ele, liguei para uma outra pessoa e falou ‘’Será possível?’’ eu falei ‘’Olha, alguma coisa me diz que é a SOS, mas eu não vou espalhar isso, porque senão vão falar, você só fala mal da SOS, você fala mal da SOS, então vou ficar na minha’’ ai ta bom, fui embora, de repente passou dois dias depois a Mônica me liga perguntando o que aconteceu e tal, e não sei o que, ‘’Você tem alguma ideia?’’ ‘’Olha Mônica, a gente tem o movimento, trabalha com as comunidades tradicionais, e tem muita gente que não gosta dessa nossa postura, desse nosso trabalho, nossa mudança de paradigma, de querer mudar as coisas, porque a gente um outro modo de pensar, de homem natureza, a gente acha que o homem e a natureza dá para conviver juntos, então tem pessoas que não pensam nisso, quer homem fora da natureza, tem um outro olhar’’ ai ela parou um pouco, pensou ‘’Eu vou te contar Dauro, foi a SOS que não que você participe’’ eu falei ‘’Nossa senhora, mas eu sabia Mônica, já tinha uma coisa me dizendo que era a SOS’’ e muito chato cara, imagine só, a SOS, uma potência que nem a SOS, não deixar eu participar de um negocio desses só porque o Belô estaria contando a historia, eu não participei do “treco”, não vi, não sei que historia ele contou, mas deve ter contato a historia dele com a SOS Mata Atlântica, com certeza foi isso para aparecer, agora é muito anti ético isso, diz que é um negocio sério que tem 5 mil seguidores no negocio e de repente tem uma palhaçada dessa, eu fiquei, ai mandei um email, fiz uma carta falando inclusive do presidente da SOS porque meu, há uma contradição ai, os caras vem, é o presidente da SOS que socorro da Mata Atlântica, que preserva a Mata Atlântica, mas o cara que sabe, faz a supressão total e planta pinus de eucalipto, um cara, esse cara não quer deixar eu participar do negocio, e fiz uma carta e mandei para todo mundo, falei ‘’Paciência’’, ai essa carta rodou por ai tudo, várias caras vieram me falar, ‘’Cuidado, você não pode fazer isso’’, falei ‘’Ah, mas eu tinha que desabafar, não tinha como engolir esse negócio, não tinha como, é muita sacanagem, é muita falta de respeito com o ser humano, e eu tinha que desabafar e fiz uma carta’’.
P/1 – Teve retorno deles? Do TEDx?
R – Não cara, teve uma repercussão bastante grande, com as pessoas, A Márcia Hirota, que é da SOS, teve respondendo várias coisas lá, que os caras começaram a malhar o negócio.
P/1 – Pensando nisso, como você imagina a comunidade daqui a uns dez anos assim?
R – Qual sentido você me pergunta isso?
P/1 – Não sei. Quais são suas projeções para daqui há dez anos?
R – Bom, se for na minha projeção que estou pensando, que as coisas fossem para o bem, a comunidade daqui da Juréia estarão dentro de uma reserva sustentável, fazendo manejo de recursos naturais, trabalhando com agricultura e pesca, e cuidando da sua vida de forma que melhorando de vida, da sua vida pessoal, da sua vida particular, mais da vida da comunidade, cuidando do meio ambiente e melhorando de vida, se isso acontecer, e minha ideia é que isso aconteça com as comunidades tradicionais, se não for nesse caminho, vai fazer o caminho inverso, vai estar todo mundo na periferia das cidades, cada vez mais pobre, porque eu acho que quem coloca comida na mesa dos brasileiros são pequenos produtores, são os pequenos agricultores, são essas comunidades que produzem o próprio alimento, não é o grande produtor de soja, não é o grande produtor de cana, não é o grande produtos de milho, trigo, não, esses caras mandam tudo para fora, estão pouco se lixando com a sociedade brasileira, quem bota comida na mesa, cenoura, arroz, feijão, couve são os pequenos produtores que produzem para pôr na mesa dos brasileiros, eu acho que se isso for o inverso de que estou pensando vai ter uma decadência muito grande no mundo, da fome, de violência, dessas situações, vai ser uma coisa muito ruim, sabe, porque vai ser uma perda muito grande para o mundo, na questão da cultura, da questão da conservação da natureza, do alimento que não vai ter para todo mundo e acho que vai ser muito ruim, e penso que a gente vai superar isso, vai mudar esse paradigma e vai construir uma política de meio ambiente que seja sustentável na conservação da natureza e na conservação do ser humano, sabe, que eu nem gosto de falar em meio ambiente, quando se fala em meio, se divide, metade, meio ambiente, melhor falar em ambiente por inteiro, no homem e na natureza, uma outra coisa que eu falo também, não adianta preservar uma bola de mato, conservar tudo, conservar os rios, as águas, o mar, a terra, floresta, tudo tem que ser conservado, mas tem que ser usado também, porque uma coisa muito triste é quando você vai nessas praias e você vê um monte de lixo e muitas dessas pessoas pensam que quem joga o lixo são as comunidades que moram lá, mas não é, o lixo vem tudo do mar para cá, onde vai o lixo que você produz, o que eu produzo e jogo no caminhão e vai para o lixão, esse lixão, a chuva leva esse lixo para o rio e do rio vai para o mar, e do mar vem para as praias, então eu acho que é uma situação que é preciso tomar muito cuidado, a gente precisa já começar a se conscientizar que tem muito plástico no mar, tem muito plástico na natureza, acho que tinha que acabar com a garrafa PET, com a sacola plástica, acabar com esse resíduo, sabe, que não tem nada que acabe com ele, então esta invadindo tudo, a praia, natureza, qualquer lado que você vai, estão acabando com esses peixes, estão acabando com tudo as coisas.
P/1 – Dauro, você me fez pensar na questão, você viu que a gente fica perguntando várias relações da comunidade com a empresa, com o estado, com as ONGs, tem alguns temas, em relação ao turismo, como que é o turismo da região, como influencia as comunidades, quem vem para cá, como funciona essa dinâmica aqui?
R – É, o turismo é muito complicado, ele pode ser benéfico em parte, e pode ser maléfico no outro lado, eu acho que o turismo, tem um modelo de turismo que estão discutindo hoje que é um turismo de base comunitária, eu acho que esse turismo tem que ser, tem que ter muito cuidado com o turismo de massa, que é um turismo que vem, deixa tudo que é de coisa ruim e vai embora, além de deixar o lixo, deixa os maus costumes, deixa várias coisas, então as vezes não deixa recurso, deixa pouquíssimos recursos, então a gente tem que tomar um pouco de cuidado com esse turismo, e tem que trabalhar, esse turismo tem muitas vezes trazido para nossa comunidade coisa ruim, entendeu, que os jovens se iludem com o turista e acaba esquecendo suas tradições, sua cultura, o que a gente procura falar para esses jovens que não se iluda com isso, que ele mantenha sua cultura, que mantenha sua identidade, que cuide da sua raiz, das suas tradicionalidades porque tem muita gente que se ilude com isso, muito jovem e acaba entrando em outras situações que não traz nenhum beneficio para a comunidade nem para ele próprio, e o turismo de massa é um turismo que tem vindo, ele tem destruído muito as comunidades, então nós da Associação dos Jovens da União dos Moradores da Juréia estamos discutindo um turismo de base comunitária, um turismo que seja bom para todo mundo, também não queremos excluir nem pobre nem o rico, acho que todo mundo tem o direito de ir a praia, todo mundo tem o direito de visitar a comunidade, então que seja um turismo que traga sustentabilidade tanto para aquele que vêm, tanto para aquele que esta lá, que a nossa cultura não vire um folclore, que não vire uma coisa folclórica, se é cultura viva e que eles vinham visitar nossos conhecimentos, nossa cultura, que venha visitar a comunidade, que venha fazer isso, que venha trazer recursos, e que venha também se beneficiar daquilo, que venha ter uma praia limpa, uma cachoeira boa, uma conversa boa, aprender como é que as comunidades Caiçaras trabalham na agricultura, como que eles faziam as pescas, como é feito o Fandango, como que é feito, como que eles tocam a rabeca, como que é produzido os instrumentos deles.
P/1 – Isso acontece? As pessoas vem para visitar a comunidade?
R - Esta começando agora.
P/1 – Como que é esse turismo, como funciona?
R – A gente tem trabalhado com, vendido o roteiro, estamos começando agora muito recentemente de vender o roteiro para as pessoas de São Paulo, o cara vem de lá, e tem aqui o centro histórico de Iguape, tem o monitor que vai falar para ele do centro histórico, como que nasce, como que cresceu Iguape, o que acontece com as arquiteturas e tal, e depois vai para a Barra do Ribeira, fica em uma pousada de um morador, de um Caiçara lá, ou de uma pousada de um cara de fora, mas não tem problema, mas a gente quer diversificar isso e para que todo mundo ganhe então fica em uma pousada de um morador, de manhã cedo esse turista ajuda a pessoa a fazer o café da manhã, porque vai pilar o arroz para fazer cuscuz, ele vai aprender a fazer o bolo de roda, vai comer, vai aprender a fazer o bolo de roda, a fazer a tapioca dele, aí toma o café da manhã ali caprichado, a gente vai até o Costão e faz uma palestra e fala do meio ambiente, da floresta de encosta, da restinga, é uma educação ambiental, faz essa trilha do imperador, leva até o morador, chega lá na hora do almoço, almoça na casa desse morador, uma comida típica, arroz, feijão, peixe, carne, visita ali, o que ele tem de atrativo, uma roça, uma cachoeira e tal, uma praia, continua, vai até a casa do outro morador, dorme lá, janta, tem uma roda de conversa a noite, a gente conta a historia da comunidade, o que aconteceu, como que era antigamente, como esta sendo hoje, depende do grupo e o que eles querem ouvir ou não também, e de manhã cedo a gente, às vezes o cara esta fazendo a farinha, eles acompanham o cara fazendo a farinha, arrancando a mandioca, raspando, ralando, e torrando a farinha, de vez em quando tem um fandango, de repente um cara tocando viola, o pessoal dançando para fazer uma apresentação da cultura e da dança e depois outro dia ele vai embora, e segue, ou volta para Iguape ou pode seguir para Peruíbe e ir embora, a gente esta trabalhando isso com muito cuidado, fazendo relatório, chamando as pessoas para participar, para ter um turismo sustentável na forma de distribuir a renda para todo mundo, então estamos começando agora, e isso é uma coisa que trará resultados para comunidade.
P/1 – Já trouxeram grupos de escola, como que é?
R – Não, a gente trouxe um grupo não de escola, a gente esta pensando em vender para escolas isso e trazer o pessoal da escola. Ah, a gente trouxe o pessoal da Uninove sim, Uninove sim, um grupo de São Paulo, ai fez esse roteiro com eles.
P/1 – O que eles queriam? Qual era a demanda do grupo por exemplo?
R – Eles queriam trabalhar em questão do turismo, ver a questão do turismo, como que funcionava e a gente fez, trabalhou isso com eles na questão do turismo de base comunitária que é um turismo de sustentabilidade que distribui renda com todas as comunidades, a historia, com todos sobre a situação.
P/1 – Entendi. Bom a gente vai encaminhando já para finalização da nossa entrevista. Hoje você está muito diferente do que você era dez anos assim?
R – Qual sentido?
P/1 – Como você era há dez anos atrás Dauro? Conta para gente.
R – Dez anos atrás, em qual sentido você pergunta?
P/1 – Não sei, o que você pensou?
R – Fisicamente, artista (Risos), dez anos atrás cara, eu era assim mesmo, igual, um pouco mais jovem, não tinha barba branca, não tinha cabelo branco, um pouco mais jovem, mas a luta sempre teve, sempre teve e aprendi muito, a cada dia que passa eu aprendo mais, muito bom isso, sabe, você vai aprendendo, vai ensinando as pessoas, é prazeroso você poder contribuir com as pessoas, aprender também é muito bom, aprender, eu lembro que quando eu ia em reuniões eu não conseguia falar, eu segurei no microfone e tremia, eu as vezes engasgava e secava a boca quando não conseguia falar ainda, hoje eu tenho mais facilidade de falar, isso é muito bom, você vai treinando e vai aprendendo, eu falo para as pessoas ‘’Fale, fale, que é importante’’ Ah, porque outra pessoa vai falar você tem que falar, porque é bom falar e você vai treinando e tal, então isso eu falo para os jovens hoje, ‘’Olha, tem que falar cara, tem que ir treinando isso daí porque é importante.’’
P/1 – A gente estava falando, quando você comentou sobre aquela primeira viagem de São Paulo, você ia comentar daquele senhor, ai você foi para escola.
R – Ah seu Sátiro, ele pegou o microfone, ele tinha facilidade em falar porque ele já era treinado porque ele fazia palestras espíritas, ele é um senhorzinho do sítio, mas estudava os evangelhos, essas coisas, livros e tal, e fazia reza, ai falava, pegava o microfone, o senhor tinha setenta e poucos anos, e falou, ‘’Olha meus filhos, uma coisa boa que eu tive, na época a gente teve autorização da roça, foi autorização de roça, porque eu já não tinha a farinha para comer, e minha netinha não sabia o que era fazer roça, não sabia mais o que era farinha e agora, quando eu fiz essa roça levei ela para ver como é que fazia roça, e o que é a farinha, qual alimento que a gente traz para a mesa, vocês que são deputados, moradores aqui da cidade, vocês tem que cuidar desse povo que esta lá no mato, que esse povo que cuida do mato para vocês.’’ E sensibilizou essa menina, ai fazia uma matéria com ele lá assim, eu acho que ela se diversificou, ai veio o pessoal, por acaso, da REBRAF (Rede Brasileira de Agro Florestal) que veio a dar um apoio para a gente na época, então eles sensibilizam varias pessoas assim para isso, esse negócio, então eu viro falando isso ‘’Como é que ele falou assim, esse negócio, ai eu não conseguia falar, ai o velhinho no microfone falou uma coisa assim bem legal que me arrepiou, nossa senhora, muito legal.
P/1 – Você já viajou Brasil inteiro ai?
R – Quase, ainda falta muito, Porto Alegre, Belo Horizonte, Brasília, Acre, Xapuri, vários lugares eu já fui, para França, Alemanha, fui para o exterior. Ai em 2000 me convidaram para participar de uma, ia ter uma conferência na Alemanha sobre as redes de ONGs da floresta tropical, uma coisa assim, ai eu fui para Alemanha, fiquei dez dias, visitei lá também as unidades de conservação, fui para França, para ver como era criado a reserva da biosfera, como era criado os parques nacionais e estaduais lá na França, porque para trazer experiência para cá, porque lá os caras levam dez anos para criar um parque, eles conversam com toda comunidade, tem os sindicatos, vereadores e tal, eles ficam estudando para ver se constrói aquele parque ou não, se a comunidade achar que é interessante, eles implantam, senão não implantam parque, eu vi muito parque lá o cara tirando tora para vender, fazendo manejo da planta, da floresta para vender e parceria dos parques com restaurantes, hotéis, e isso tinha também. Fomos na UNESCO ver a questão da reserva da biosfera, porque aqui tem uma reserva da biosfera da Mata Atlântica e ai aqui engraçado que a reserva da biosfera para ter gente, lógico para preservar o meio ambiente, mas também ter gente, só que os núcleos da reserva biosfera aqui da Mata Atlântica são as unidades de conservação, então a gente tem Estação Ecológica da Juréia, tem a APA (Ambiente de proteção Ambiental), a Estação Ecológica, cuidando da reserva da biosfera, então são várias, várias legislações uma sobrepondo a outra, e quem que criou essas coisas? Quem que participa da criação da reserva da biosfera? É o Zé Pedro de Oliveira Costa, que foi o criador da Juréia, então esses caras, bicho, estão em todo lugar, o cara é presidente da reserva da biosfera da Mata Atlântica, é ele quem manipula todas essas questões, sem participação da comunidade, então criou que as unidades de conservação seriam os núcleos da reserva da biosfera da Mata Atlântica, então cada vez mais ao invés de melhorar a vida dessas comunidades, eles pioram cada vez mais, criam restrições maiores para elas.
P/1 – Daí você fala comunidade, você se refere bem a quem esta com essa questão, das áreas de preservação, mas vendo, quem é essa comunidade, quem é esse Iguapense, quem é esse pessoal da Juréia, qual a identidade desse grupo assim?
R – A identidade desse grupo é o Caiçara, é o povo que vive lá na floresta, que vive da pesca, que vive da agricultura, que vive do extrativismo, essas comunidades que eu falo, são os Caiçaras que dependem desses recursos, que viveram aqui há muitos anos, há “trocentos” anos, e era uma miscigenação dos indígenas com os europeus, com os africanos e tal, que virou Caiçara, que tem uma cultura própria, que tem um linguajar próprio, que tem uma forma de viver própria, então são esses, o povo e as comunidades tradicionais que digo, ai eu incluo os Caiçaras, os Quilombolas, os Indígenas, os faxinalenses, os Fundo de Pasto, Quebradeiras de Coco, tem vários, dessa comissão nacional tem vários, e se você for ver todos esses povos que já falei antes dependem do território, para dar continuidade a sua cultura, a seus conhecimentos e à conservação da natureza. Então eles não vivem sem aquele meio, se ele sair do meio ele vai virar outra coisa, ele vai virar bandido, sei lá o que ele vai virar, mesma coisa você pegar o tatu e colocar no asfalto, ele não vai conseguir sobreviver, porque ele tem toda uma convivência com aquele ecossistema, com aquele meio ali, com a floresta, com a época, com tudo, eles sabem a hora de cortar uma árvores, hora de matar uma caça, qual a fruta que tem, que tipo de fruta é aquela, se pode comer ou não pode, tem toda uma vivência sabe, da lua, do vento, da mar, tem toda uma vivência, um conhecimento que não é todo mundo que tem, entendeu?, não é todo mundo que tem. O pesquisador vai lá, lógico, pesquisa, organiza na verdade as falas, o conhecimento dessas comunidade e coloca no livro, muitas vezes esse pesquisador nem coloca lá quem foi que realmente deu os conhecimentos, porque por acaso você vai fazer um levantamento de plantas medicinais, vai um botânico lá, você acha que eles conhecem todas as plantas? Não conhece, ele pode até achar pelo nome cientifico, folhagem e tal, mas ele também não vai marcar onde está, e o cara não, e o Caiçara não, ele vai lá e fala ‘’Olha, esse aqui é o Guaçatonga, entendeu, esse é um tipo de Guaçatonga, esse é outro tipo. Esse daqui é o covatá vermelho, aqui é o Guarandi’’ ele sabe tudo, entendeu, o que o cientifico faz? Ele só compara isso, dá o nome cientifico e coloca no livro, e organiza isso bonitinho, que nem no Sistema de agro florestal por acaso, deram um nome bonito, Sistema de agro florestal, isso a comunidade já faz muitos anos, porque vai jogando a semente do abacate no seu quintal, vai jogando a semente da jaca, vai caindo a semente da goiaba, vai jogando, ai vai nascendo, vai tendo floresta e agricultura, então é água florestal por conta disso, porque ele vai jogando então, ai o pesquisador passou na casa dele, viu um pé de jaca junto com um pé de goiaba, pé de guanandi, pé de guapiruvu, um pé de não sei o que, olha que legal, interessante, ai montou o nome do Sistema agro florestal ai o cara vai implantar Sistema Florestal para o Brasil todo, ensinar o Caiçara, o Quilombola ou Indígena a fazer sistema, mas o cara já faz, só não tinha esse nome.
P/1 – Você tem esse conhecimento?
R – Eu conheço um pouco, graças a Deus, que vem dos meus pais, dos meus avós, de outros companheiros e outras comunidades, porque você convive com um, vai lá tirar um pau de canoa, o cara já vai cortar uma madeira aqui, ‘’Qual madeira é essa?’’ ‘’É tipo uma maçaranduba, ou é um guanandi, ou vai tirar uma tibopeba’’ ‘’Por que vai tirar agora?’’ ‘’Vou tirar agora porque é lua minguante, você não pode tirar isso na lua cheia porque senão vai murchar, vai ter broca na madeira’’ ‘’Por que vai ter broca na madeira?’’ ‘’Porque na lua cheia toda seiva da planta esta no meio dela, ela esta cheia de água, que nem uma mulher quando esta grávida, está cheia assim, quando você corta além dela rachar porque ela esta muito cheia de seiva, porque é lua cheia, ainda os bichos vão comer, que é cheiroso, solta muito cheiro, o bicho vai comer aquilo, fura tudo, por isso a broca pega’’ ‘’E na minguante, corta na minguante por quê?’’ ‘’Porque não tem água nenhuma, esta sequinha a madeira, esta toda na raiz, você derruba ela não racha, os bichos não vão comer, nem nada. Isso seja no capim, seja na taquara, seja na madeira, seja no cipó, qualquer coisa, tem que ser na minguante’’ ‘’E para plantar, para plantar também tem que ser na minguante?’’ ‘’Tem planta que tem que ser na crescente, óbvio, à rama tem que ser na crescente, a banana pode ser na crescente, mas o feijão, tudo de semente tem que plantar na minguante, para não ter bicho na semente e tal.
P/1 – Dauro, tem mais alguma coisa que a gente não perguntou que você gostaria de comentar, alguma historia que você viveu, alguma?
R – Não, acho que não tem, a minha historia que eu vivi foram essas, dessa luta, dessa organização, da participação dos jovens agora que esta muito legal deles estarem participando, e a gente agora vai criar agora, que eu esqueci de falar, uma coordenação interestadual das comunidades Caiçaras, pegando Paraná até o Rio de Janeiro, porque tem a coordenação dos Quilombo, tem varias, e tem mais legitimidade, então a gente vai criar agora a coordenação interestadual das comunidades Caiçaras do Rio de Janeiro e Paraná, eu quero fazer isso até setembro, fazer um encontro aqui, chamar todos os Caiçaras de todos os municípios do litoral e fazer um encontro com eles para a gente criar essa coordenação interestadual para ter mais força na política, no desempenho das comunidades.
P/1 – Legal. O que você achou de contar um pouco ai da sua historia?
R – Ah, é legal, é sempre legal contar um pouco da historia, não sei como que funciona isso, se todo mundo vai ver, se não vai ver, como que funciona, mas eu acho que é bom você contar porque muitas pessoas não sabem disso que acontece, pensa que a comunidade que esta lá maravilhosamente, que esta todo mundo preservadinho a Mata Atlântica, estão conservando o meio ambiente, mas as vezes isso é historia que contam, ‘’Ah estão preservando a Mata Atlântica’’, mas as vezes isso é mentira, estão preservando uma coisa mas destruindo a outra e de repente nem preservando estão porque esta virando uma floresta oca por acaso, as unidades de conservação hoje esta todo mundo tirando palmito, o palmito que você come lá em São Paulo na sua pizza, no seu pastel, esse palmito muitas vezes é clandestino, não é um palmito feio em manejo certinho, sabe, e dando resultados isso para comunidade, dá resultado para meia dúzia de pessoas que estão envolvidas nesse negócio, então é muito bom de repente divulgar isso, as pessoas entendem como, quem são essas comunidades e como que elas vivem, porque as vezes você passando pela Juréia, você vê as comunidades lá, ‘’Ah os caras estão vivendo maravilhosamente, olha que lugar lindo que eles moram’’, mas as vezes eles vivem em baixo de um conflito dia a dia que não vale a pena só o lugar, o que vale a pena é eles viverem bem, entendeu, por acaso meu pai mora em um lugar muito legal, muito gostoso de morar e tal, um puto marzão na frente, uma cachoeira e não sei o que, mas de repente ele vive acuado o tempo todo, não pode fazer isso, não pode fazer aquilo, vive pensando em uma ação civil pública, de repente não consegue viver, dormir bem por causa disso, então temos que mostrar isso para o público para ver que nós não estamos lá para destruir o meio ambiente, estamos lá para conservar nossa cultura também, e se esta conservado esse restante de Mata Atlântica que nós temos aqui no litoral é porque esses povos sabem mexer com isso, sabem cuidar dessa natureza. Acho que é isso.
P/1 – Está certo. Dauro, em nome da equipe aqui do projeto, muito obrigado viu.
R – Eu que agradeço a oportunidade, acho que é muito legal.
P/1 – Obrigado.
FIM DA ENTREVISTA
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