Projeto Heranças e Lembranças
Realização Museu da Pessoa
Depoimento de Moriz Lax / Maurício Lax
Entrevistado por Karen Worcman e Diane Kuperman
Rio de Janeiro, 08/12/1987 (Parte 1), 15/12/1887 (Parte 2), 29/12/1887 (Parte 3)
Código: HL_HV008
Revisado por Joice Yumi Matsunaga
P/1 – Diane Kuperman
P/2 – Karen Worcman
R – Maurício Lax
R/2 – Abraham Lax
R – Meu nome é Moriz Lax. Nasci em Budapeste.
P/1 – Quando?
R – Bom... [interrupção]
P/1 – Seus pais. Qual era o nome de seus pais?
R – Meu pai é Vider Jozsef, porque eram casados chupá kedushá, né. Então, eu não tenho o nome do meu pai. Tenho o nome da minha mãe. Que aquela época, época não, porque é 1915. É 1915. Sei lá. Para um é muito tempo, para outro não. Agora, em 1915, que eu nasci – eles se conheceram em 1910 ou antes ou depois, não sei –, era comum entre os judeus só chupá kedushá. Não foi tão importante correr atrás dos papéis oficiais de casamento.
P/1 – O casamento religioso é que era importante.
R – Era importante. Bom, entre certas pessoas, hoje também. Mas hoje, já tem lei que só fazem religioso depois que o civil foi efetuado, né. Então, já viu. Aliás, aqui também fiz casamento chupá kedushá sem ter civil. Porque quando eu fiz ainda não tinha desquite, não é. Não tinha divórcio. Desquite tinha. Não tinha divórcio. Era a segunda mulher. Então, também só foi chupá kedushá. Então, sendo que o pai lá poderia reconhecer o filho como dele, só não podia ter o nome do pai. Então, o pai é Vider Jozsef e a mãe é Lax Frida. Conforme usaram lá. Sempre o prenome antes.
P/1 – O senhor tinha mais irmãos? Como é que era a sua família?
R – Eu tinha irmão que não voltou da guerra. Um irmão menor. Eu gostei muito dele. Não voltou da guerra. E dizendo, nem o nome eu sei já. De meu irmão. Eu só sei que ele era menor e se eu tinha algum dinheiro e ele via, sempre dei algum dinheiro para ele. E...
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Realização Museu da Pessoa
Depoimento de Moriz Lax / Maurício Lax
Entrevistado por Karen Worcman e Diane Kuperman
Rio de Janeiro, 08/12/1987 (Parte 1), 15/12/1887 (Parte 2), 29/12/1887 (Parte 3)
Código: HL_HV008
Revisado por Joice Yumi Matsunaga
P/1 – Diane Kuperman
P/2 – Karen Worcman
R – Maurício Lax
R/2 – Abraham Lax
R – Meu nome é Moriz Lax. Nasci em Budapeste.
P/1 – Quando?
R – Bom... [interrupção]
P/1 – Seus pais. Qual era o nome de seus pais?
R – Meu pai é Vider Jozsef, porque eram casados chupá kedushá, né. Então, eu não tenho o nome do meu pai. Tenho o nome da minha mãe. Que aquela época, época não, porque é 1915. É 1915. Sei lá. Para um é muito tempo, para outro não. Agora, em 1915, que eu nasci – eles se conheceram em 1910 ou antes ou depois, não sei –, era comum entre os judeus só chupá kedushá. Não foi tão importante correr atrás dos papéis oficiais de casamento.
P/1 – O casamento religioso é que era importante.
R – Era importante. Bom, entre certas pessoas, hoje também. Mas hoje, já tem lei que só fazem religioso depois que o civil foi efetuado, né. Então, já viu. Aliás, aqui também fiz casamento chupá kedushá sem ter civil. Porque quando eu fiz ainda não tinha desquite, não é. Não tinha divórcio. Desquite tinha. Não tinha divórcio. Era a segunda mulher. Então, também só foi chupá kedushá. Então, sendo que o pai lá poderia reconhecer o filho como dele, só não podia ter o nome do pai. Então, o pai é Vider Jozsef e a mãe é Lax Frida. Conforme usaram lá. Sempre o prenome antes.
P/1 – O senhor tinha mais irmãos? Como é que era a sua família?
R – Eu tinha irmão que não voltou da guerra. Um irmão menor. Eu gostei muito dele. Não voltou da guerra. E dizendo, nem o nome eu sei já. De meu irmão. Eu só sei que ele era menor e se eu tinha algum dinheiro e ele via, sempre dei algum dinheiro para ele. E vivemos assim, um pouco afastado um do outro, de outra maneira. Era meio ____. Não era normal assim, porque estou sempre estou dizendo __________. Ser rabino num lugar calmo, certo, conhecendo as leis, está muito bem. Agora resolver nos dias difíceis, e nos dias difíceis e nas situações difíceis, é preciso ter uma personalidade completamente diferente. Porque eu tive lá um assunto de 19 de março de 19... Não sei exatamente o ano, quando entraram os alemães na Hungria, ocuparam a Hungria. Era um dia superespecial aquele dia, porque entraram em tudo à volta, quando Hungria quis pular fora da guerra, né, e alemães, naturalmente sabiam. Então num dia de domingo, de madrugada, entraram na Hungria, ocuparam a Hungria. Inclusive chegaram até Budapeste no mesmo dia. Motorizados, com aviões olhando sempre a estrada antes. Me lembro porque assisti tudo, como eles entraram em Budapeste, na Hungria, não é. E aqueles dias foram tão difíceis. Porque a primeira coisa que os alemães fizeram, cataram todos os judeus da rua e levaram em um tipo assim de cadeia, né, onde fecharam a nós, já para deportar, né. E neste lugar fomos tantas pessoas que não foi só possível deitar no chão, encostar, só um em cima do outro. Foi de velhos até crianças recém-nascidas, com mães, com crianças, catados todos na rua. Quem foi à rua, e pediram documentos, e era judeu – ninguém sabia que isso ia acontecer –, nunca mais voltou à casa, né. Foi direto para lá. E lá tinha os bondes, na linha de bonde chegarem até os trens, onde embarcaram. Para nem precisar levar até o trem. Não. Bom. E lá também tinha assuntos supercomplicados, que por conhecimento, quem conhece como que eu fui lá, sabe. Fomos tantas pessoas lá que... Só para saber. Budapeste tinha duzentos e setenta mil judeus. E na Hungria tinha aproximadamente seis por cento, né, de toda população. Tanto que tinha aquela lei que se chamava na Hungria numerus clausus, que nos cursos superiores só poderiam frequentar seis por cento de judeus, conforme a porcentagem de população. Isso já foi antes de Hitler. Isso já foi feito em 1920. Bem antes do hitlerismo, né. Então já tinha a lei de numerus clausus. E sabe que já a Hungria, como muitos países, já estava, em teoria sempre, em formas de antissemitismo, né. Isso sempre tinha. Nunca... E se tudo cresceu, foi por maioria, né. Então todas as leis foi fácil de fazer depois, né. Então, quando tinha oportunidade de catar os judeus nas ruas. Então, não precisou muito ajuda dos alemães, né. Porque já era uma situação bem preparada dentro da personalidade, né. Então, caímos nesse campo aonde fomos levados. Lá não tinha lugar para deitar, tanta maneira que todo mundo encheu os banheiros também em pé, né. Os corredores, aquelas salas onde deviam estar, e os banheiros também. Quer dizer, não tinha nem possibilidade de uma pessoa ir ao banheiro, porque também era cheio. Até dentro da privada também era cheio. Porque eram os primeiros três, quatro, cinco dias. Eu caí imediatamente, no primeiro dia nas mãos deles. Tanto que me levaram lá e eu assisti dentro, com meu corpo. Então, eram assim dias ainda bem... Não frios, mas bem fresquinhos. Naturalmente que em poucas horas a sala ficou com mau cheiro horroroso, não tinha possibilidade para nada. Estou dizendo que foram os primeiros dias quando os alemães chegaram.
P/2 – Eles reuniram então, todos?
R – Não. Todos não deu. Reuniram em nenhum. Simplesmente, quando a teoria dos alemães, superpreparados, com muito conhecimento já dos outros países, como que tem que agir, a primeira coisa que eles fizeram, no primeiro segundo, o que eles fizeram foi pedir o documento de todo mundo na rua para captar certas pessoas, inclusive os judeus. Quem pegavam na rua... Não poderia pegar todo mundo. Se a pessoa era judeu, imediatamente era levada.
P/1 – Mas tinha a menção a judeu no passaporte, no documento ou sabiam pelo nome?
R – Não. Primeiro, na Hungria, não existia nenhum documento, nenhum tipo de papel onde não está escrito religião. Essa é a primeira coisa que tem que saber. Nenhum tipo de papel de identidade, onde eu digo meu nome, meu endereço, meu nascimento que não conste a religião. Consta imediatamente religião. Como acho que aqui consta a cor. Não consta? Cor. Então, lá, imediatamente consta religião. Então, qualquer um documento que a gente tinha na mão, seja o que for, por mais simples que existe, todo mundo já sabia que era judeu, né. Quer dizer, não precisou nem perguntar nem nada. E imediatamente levaram a esses campos, de onde exportaram, né. Tinha um que chamava kistarcsa, onde eu estive. E tinha diversos. Nem um nem dois nem três. Porque nem cabia. E vou dizer mais. Nesses lugares eram criminosos. E os criminosos foram todos soltos e nós chegamos lá. Bom. Isso aqui também existe em muitos lugares do mundo. Inclusive em Israel, nós sabemos, quando tinha a Guerra de Seis Dias, foi deixado sair lá da cadeia pessoas que queriam ir a militar, né. Então, isto aqui também não estou falando que não é comum. Também existiu, não. Então, eu cheguei a esse lugar…
P/1 – Mas esse lugar é uma cadeia?
R – Bom, todo lugar é interpretação. Pode ser concentração, pode ser cadeia. Porque usa pra que quer. Nesses três dias, ele era concentração.
P/1 – Sim, mas era uma cadeia.
R – Era uma cadeia. Um lugar de concentração, de qualquer maneira, né. Porque não poderia dizer vai à cadeia, né. Então, fomos à concentração. Agora, de lá, a maioria foi deportado, né. Eu, por acaso, fiquei. Por acaso, como eletricista-bombeiro. Porque perguntaram, isso aqui pertence ao sistema alemão, que eles separam os profissionais. Quem era alguma coisa na vida, vamos falar, advogado, dirigente de comunidade, não é, eles separavam, porque eles usam eles para outras altas finalidades, não. Como contra os judeus. Servem em certa maneira, certas informações que podem pegar deles, não. Os registros dos judeus, todos, os ricos e ou pobres, né. Sei lá eu. Lá eu não estive, não. Em certo ponto de vista, eles separam eles também. Então, nesse lugar, tinha médicos, tinha professores, tinha rabinos, tinha discursos... Quebraram a janela, um ficou com frio, bateu chuva, um abriu janela, outro quis fechar. Então…
P/2 – Brigavam, né.
R – Brigava todo mundo. Aqui já é difícil de ser rabino, né. Que já não tem problema das crianças, se aprende alguma coisa ou não, né. Aqui já [é] assunto completamente diferente. Agora, só que tinha... Então, eu fiquei como eletricista-bombeiro. Porque separaram certos profissionais. E, naturalmente, os banheiros imediatamente não funcionaram e tinha… Mesmo se tinha... Porque isso é um assunto de polícia. Mesmo se tinha empregados para consertar, não desta quantidade, não desta maneira, não. Então, eu fiquei sempre trabalhando nessas certas coisas. Esticou-se o tempo, esticou-se o tempo…
P/2 – As mulheres, as que não tinham profissão foram deportadas logo?
R – A grande maioria, noventa por cento, imediato. Porque sempre chegavam novos, todo dia chegavam novos, não é. E todo dia foram deportados. Quer dizer, aconteceu que tinha pessoas que saíram de casa, desceram a rua para comprar um pãozinho, não voltou mais. Nem se falando que se foi um pouco mais longe. Nem se falando. Só, simplesmente desceu. Desceu e caiu dentro de uma revisão de pedir documentos, já não voltou mais.
P/1 – O senhor tem noção da quantidade de pessoas que eram deportadas por dia? Ou quantos comboios havia por dia?
R – Não. O número não. Depois, já esses lugares de concentração foram pequenos. Então fizeram concentrações, outros, muito grandes, né. Depois, isso não parou mais, até o fim.
P/1 – Isso foi em que ano? Começou em que ano? Os alemães chegaram na Áustria quando?
R – Bom, os alemães entraram em Budapeste, tanto de Romênia, de Tchecoslováquia, de Iugoslávia, que era a Sérvia, né, e de todos os lugares cercados. Porque já era cercado. E a Hungria sei que quis pular fora desse bloco, né. E foi ocupada e colocaram um grande fascista, que no fim da guerra foi executado, Szálasi era o nome dele, que ficou o presidente no lugar de Horthy. Porque mudou todo o regime na hora, né. Porque virou extremo fascista, no lugar de um fascismo moderado. Quando os alemães entraram, foi extremo fascista da Hungria. Não de Alemanha. Ocupou o lugar com a ajuda dos alemães, porque disse, não precisou muita coisa, apoio, para completar o extremo fascismo que foi mais religioso como os alemães. Isso aqui pode-se dizer assim também. E eles ocuparam Budapeste e depois eles fizeram, em certo ponto de vista, uma limpeza de teoria deles. Não precisou muitos alemães para fazer, porque eles mesmos resolveram. Que se chama, como os alemães se chamavam em húngaro horogkereszt, quer dizer, "hakenkrans", em alemão, conhece a expressão? O asiático se chama hakenkrans e na Hungria tinha nyilaskereszt, quatro também, mas com outro tipo de desenho.
P/2 – A suástica era diferente lá.
R – Era. Desenhos diferentes. Era mais ortodoxo do que os próprios alemães. Muito mais ortodoxo. Agora, depois…
P/2 – Aí, o tempo foi passando.
R – Este era o tempo, exatamente quando Wallenberg começou o trabalho deles. E este que entraram, acho que foi em 19 de março, em 1944. Era um dia superfamoso, porque mudou tudo para os judeus na Hungria.
P/2 – Em 1944?
R – Acho que era em 1944.
P/2 – Já no fim da guerra.
R – Já no fim. Porque eles depois duraram pouco tempo, não é. Aqui começou a ser o gueto e... Bom, sabe como é, a gente pensa em quarenta anos atrás, fica um pouco difícil. Os húngaros que estiveram na Hungria, em Budapeste, todo mundo conhece esta história. Se estiveram em Budapeste, todo mundo. Inclusive nestes dias. Quer dizer, 19 de março, 20 de março, 21 de março. Os primeiros dias sempre foram os piores de todos. Porque quando os russos entraram em Budapeste, eu estive em Budapeste, também os primeiros dias foram os piores que existem. Depois... Porque, na primeira linha, não tinha lei nenhuma. Não tinha lei nenhuma. Não tem polícia, não tem militar, não tem onde queixar, não tem para onde ir. Todo mundo sobrevive porque de uma certa maneira tem que sobreviver. Porque o que fazem senão sobreviver. Ninguém sabe fazer caminho de nada. Agora, a primeira linha numa guerra, nunca tem nada. Porque a polícia militar antiga está recuando, permanente. Abandona tudo. Os novos que entram, não têm nada. Posso dizer. Os militares fazem o que bem entendem. Não vou detalhar. O que bem entendem. Arrebentam as lojas, incendeiam apartamentos, incendeiam lojas, jogam mercadorias todas na rua para todo mundo catar. Quer dizer, a lei é que todo mundo faz o que quiser. Não tem lei nenhuma. Inclusive os civis com civis. Não tem ninguém que responsabilize ninguém. Agora, se depois de algumas semanas começa a normalizar, uma semana depois, então, certas pessoas podem dar certas queixas. Só que a situação é tão pesada que ninguém no mundo quer dar queixa contra ninguém. Então, depois, tem que passar pode ser seis meses, um ano, dois anos, que a gente tem coragem de dar certos tipos de queixa, não? Porque nos primeiros dias, esses que eu estou dizendo, esses asiáticos húngaros, que eram muito mais ortodoxos que os nazistas, né, para executar as coisas, eles, nos primeiros dias, os chefes deles foram todos pendurados lá no próprio quintal deles. Se chamava, a rua mais bonita, ainda me lembro deste nome, Andrássy út. É o nome de uma estrada. 60. Este era o comitê central dos fascistas. Era. Quando os russos entraram, ele, no mesmo segundo, virou a cadeia dos fascistas. O mesmo edifício, o mesmo prédio. Quer dizer, estas coisas são assim. Quando tem alteração por força, imediatamente por força armada, nem falo com um putsch, assim, por força armada, imediatamente tudo vira o contrário, né. Vira tudo contrário. Porque os comunistas que eram na Hungria aniquilados junto com os judeus... Inclusive era muito interessante. Nessas propagandas de rua, que colocam os papéis, ele tinha mostrado um Moguen David, como eu falo Moguen David, igual com a desenho de comunismo. Depois. Agora, quando os fascistas estavam no lugar, então, comunistas foram iguais com os capitalistas, não. Porque isso aqui sempre tem jogo. Judeu sempre tem jogo. Tem jogo de extremo comunista até extremo fascista e até extremo comunista até extremo capitalista. Cabe tudo dentro de judeu. Como em religião também cabe tudo, não é. Já sabemos. Cabe todo tipo de justificação dentro, interpretação. Dependendo quem... Porque não existe muito judeu comunista? Existe, não. Não existe muito judeu capitalista? Existe. Existe de tudo. Por isso também existe. Tem problema. Existe.
P/2 – Como até esse momento, até 1944, né, como era a sua vida? Como era a relação com a sociedade e em que trabalhavam seus pais até esse momento?
R – Bom, se eu vou dizer em que meus pais trabalharam, vai ser supertriste. Supertriste. Porque olha aqui. Quando eu vejo aqui no Brasil, na televisão, uma personalidade, um cantor ou muitas vezes até deputados, governadores, não, eles contam de vida que começaram como engraxates, começaram assim, começaram... Todo mundo tem a conta dele como que começou. Então, eu estou sempre dizendo. Se alguém perguntava uma vez na vida de mim, que ninguém perguntou nada, então seria uma imitação do que eu escuto sempre na televisão. Porque minha mãe andou de casa a casa a lavar roupa. Só nas famílias superortodoxas. Por motivo de comida. E eu era criança, pequeno, eu sempre tinha que ir com ela lá onde ela lavou roupa. Agora, lavar roupa lá na Hungria, lavavam sempre no último andar. Sempre tinha lá um lugar onde lavam roupa. E eu sempre tinha que ir com ela lá. Para dividir, primeira vez, a comida, e depois, para estar ao lado dela. Porque senão a gente fica meio jogada. E meu pai, até um certo tempo ele viveu separado da minha mãe, ele era um rabino da seguinte maneira. Porque ele não praticou nada. Mas os estudos dele chegam a ponto de ser o título rabino. Não sei quanto, ele estudou muito yeshivá, né. E ele permanentemente estudou comigo também. Me pegou, estudou um pouco Chumash, um pouco Rashi, um pouco Guemará, um pouco Mishnah. Tinha que sempre estudar. Inclusive, apanhei muito porque fui sábado jogar futebol, não, isso aqui era o pior que existe. Depois de ir ao templo, tinha que sempre ficar sentado ao lado dele, obrigatoriamente. Não poderia sumir, porque crianças gostam de cair fora de templo, não é, nem isso poderia fazer, porque se eu sumia do lado dele, ele vinha me procurar. Tinha que ficar ao lado dele. Então... Ele era um relojoeiro, consertou relógio. Sabe com o que ele ganhou dinheiro, uns poucos dinheiros? Sexta feira à noite, não sei se conhece a lei, que um judeu não pode se sentar à mesa, comer – por lei, também estudei, não é invenção minha –, sem ter um “ore'akh”, acompanhante. “Ore'akh”, em hebraico – não falo hebraico – quer dizer um convidado. Este convidado, a interpretação dele é um homem pobre, que não tem onde comer. Este homem pobre se chama “ore'akh”, convidado. Então, sempre tem que ter na mesa um convidado para comer. Essa lei deve ensinar hoje também. Então, em Budapeste, que tinha muitos ortodoxos, essa lei foi convertida da seguinte maneira: que todo mundo tinha que dar uma mensalidade de dinheiro. E tinha duas mesas, um para adulto e outro para as crianças. Que aquelas pessoas que não levavam “ore'akh” para casa dava em dinheiro. E lá poderia, muitos judeus pobres que tinha em Budapeste, incrivelmente pobres, iam lá comer, uma vez por dia, na hora de almoço. E para as crianças tinha outro lugar onde as crianças poderiam comer, convertido daquele dinheiro de “ore'akh”.
P/2 – E quando não iam o “ore'akh”, né.
R – Bom, ninguém vai levar, né. Porque... Se vai levar hoje para casa uma pessoa pobre para comer? Não vai. Então, por obrigação, a comunidade cobrou dele. Cobrou dele, de lei. Como o “peies”. Sabe o que é “peies”? Conhece “peies”? Sabe o que é “peies”?
R – Não. Ou sabe ou não sabe.
P/1 – Nós não sabemos. Explica para gente. Vai ser nossa educação hoje.
R – “Peia” [peiot?]. Eu sei que não sabe. Ninguém do mundo sabe. Eu sei que não sabe.
P/1 – Por isso seu depoimento é importante.
R – Aí está. Por isso estou invocado com este vagabundo lá. Porque ele é um vagabundo, não. É o seguinte: nos tempos antigos, quando tinha Israel, então, os judeus que trabalhavam na terra não poderiam cortar a lateral da terra em um “ahmen” [amah?] de largura. “Ahmen” é 96 centímetros oficial hebraico-judeu. Como o shekel, que é nosso dinheiro, que foi convertido libra para shekel. Então, o “ahmen”. Então, todo mundo que cortou os cinco tipos de... Que faz, pode fazer pão, aqueles cinco tipos, como o trigo, como os outros, estas ceias que existem, então, ele tinha que deixar para os pobres. O pobre foi, e cortou para ele mesmo. E por lei, se caiu do carro que eles colheram essas amarrações, isso não poderia levantar, isso já caiu, pertenceu aos pobres. O pobre poderia ir lá atrás e catar. Então, a lei, que não poderia cortar a lateral, em hebraico se chama “peia”. Não falo hebraico, não. Peies é plural. Então, quando chegamos a essa situação fora de Israel, então, os rabinos fizeram uma lei para não esquecer o pobre. Então, foi o peies, a lateral que foi obrigado a deixar para os pobres, né. Então, para nunca esquecer que nós temos obrigações com os pobres, e os “peies” que tinha que deixar lá no lado, tinha que deixar este aqui. Este aqui também é um que pertence “ore'akh” para levar para casa. Que não fica comendo sozinho, sem ter um convidado. Isso é um conjunto de leis. Agora…
P/2 – Interessante. A gente nunca sabe sobre isso.
R – Bom, é natural. Por isso eu disse... Porque eu sou de família ortodoxa. E estudei, né. Por isso eu disse que ele pegou o lugar muito errado.
P/1 – A gente vai chegar aí. Então, o senhor disse que seu pai…
R – Levou sexta feira à noite e diversos dias de templo pessoas para comer na casa. Ele recebeu dinheiro de comunidade para as pessoas que pediram comida da comunidade. Sabe o que é rosh ha-qahal, não? Rosh ha-qahal é o presidente... O rosh ha-qahal é um homem que sempre está no templo rezando, né. Então, os pobres conhecem, todo mundo, quem é o rosh ha-qahal, não. O presidente. Então, eles vão lá de manhã e pedem um almoço, vamos falar, ou o sábado. Então, eles dão um papelzinho. Contra este papelzinho, minha mãe, lá na casa deu comida para as pessoas. Depois, eles receberam dinheiro. Aqui eu tinha muitas diferenças com meu pai e minha mãe. Muitas vezes cozinhou um frango ou sei lá eu, eu muitas vezes não comi, porque eu era o último. Porque primeiro tinha que servir as pessoas a quem eles receberam em dinheiro, né. Você sabe como é criança. Então... São detalhes pequenos de vida. Então, depois, eu entrei no colégio ortodoxo…
P/2 – E era comida…
R – Kasher. Super. Estou dizendo que homem também não podia andar com cabelo. Senão por motivo de mikvé. Homem não podia andar com cabelo por motivo que ele não pode ter a “tutze” entre o couro de cabeça e entre o “tuin”. Tem que encostar. Então, o homem não pode andar com cabelo por motivo de “tuin”.
P/1 – Mas só tirava na frente ou tirava tudo?
R – Não, tirava todo. Isso meu pai, né. Tirava todo. Agora, a barba dele sempre era muito pequena. Agora, judeu não pode se barbear, sabe. A gente nunca na vida se barbeou. Então, depois, conforme cresci, entrei no colégio ortodoxo. O colégio ortodoxo tem uma coisa que eu me lembro cem por cento, que acho muito interessante, eu estudei de graça, naturalmente. Lá, todas as crianças que não tinham possibilidade de pagar estudavam de graça. E os ricos, naturalmente, porque tinha muitos, muitos ricos, não poucos ricos, naturalmente que pagavam, não. Então, o interessante no colégio foi o seguinte, que eu me lembro até hoje. A mãe de uma criança criou um tipo de escândalo lá no colégio porque o filho dele foi para repetir o ano. E, vamos falar, eu sempre passei o ano. E a criança, filho desta pessoa rica, não, sabia muito bem que eu não sei nem o décimo parte que ele sabe. Como que eu passo e como que ele não passa. Então, naturalmente que tinha alguma coisa diferente. Então, jamais vou esquecer este episódio lá com criança, quando dizerem para mãe da criança, que eu lembro até hoje que veio assim muito bonita, preparada só para briga, né. Então, explicaram para ela o seguinte: "Escuta aí. Você, por acaso, já sabe o que seu filho vai ser quando crescer?" – "Não." – Vai ser médico, advogado, engenheiro, sei lá. “Está vendo aquele rapaz lá que passou o ano? Ele não quer ser nada. Ele só precisa o papel que acabou o estudo. A mãe dele, o pai dele precisam do trabalho dele. Então, ele tem que passar de qualquer maneira. Agora, seu filho não pode passar. Porque não vai conseguir ir à frente depois". Então, tinha essas coisas. A pobreza e a situação cria esses excepcionais lugares em todo lugar. Dependendo, né. Não vai por lei, não pode ir por lei. Porque eu tinha que sair do colégio. Dar para outro pobre o lugar, para outro pobre ter documento. E eu fui para eletricista-bombeiro, desde criança. Agora, aquele que ainda vai trocar de colégio, vai nos outros colégios de governo, então, não pode ser com pouca sabedoria. Então, eles repetiram ano um atrás do outro, sabendo. E nós não repetimos o ano, mesmo não sabendo. Bom, você viu o que é. Não pode ir tudo por lei.
P/2 – É engraçado isso.
R – É engraçado não. Disseram... Quem está dentro, sabe!
P/2 – É diferente.
R – Não. Aqui também. Vamos falar. Tem um colégio e tem lá crianças pobres e você é o diretor e você conhece pai e mãe da criança e você sabe que ele não pode ficar aqui sentado anos, mais cada ano que ele fica sentado, o colégio perde dinheiro, né. Então, esses aqui têm que largar fora depressa. E se alguém não sabe nada, então o professor, de colégio, diz assim: “Escuta aí. Você está aqui sentado há um ano, você diz o que que você quer, o que que você lembra que estudou”. A gente fala qualquer coisa, já passou. Não perguntam. “O que que você lembra do ano que você estudou?” “Ah, me lembro isto.” “Obrigado.” De outros perguntam. E muito, né.
P/1 – Mas fala dos estudos.
R – Bom, então, eu fui nesse colégio ortodoxo até eu fazer catorze anos.
P/1 – O senhor entrou com que idade?
R – Lá todo mundo entra com seis. Tem quarto primário, quarto ginásio e depois parou. Porque, por lei, o quarto primário já pode largar o estudo. Por lei o quarto primário é obrigatório.
P/2 – Com dez anos já largava.
R – Já pode largar. Não poderia largar. Agora, estou dizendo sempre que é a lei. Lá não tinha o sexto primário, oitavo primário, tinha quarto primário. Aprender a ler e escrever e contar e mais algumas coisas, não é? Agora, o quarto ginásio foi obrigatório dentro da comunidade. O colégio tinha obrigado a aceitar, mesmo que não tem dinheiro, o mínimo até o quarto ginásio, para acabar. Quer dizer, para sair um pouco mais preparado.
P/2 – Esse é o colégio judeu?
R – Ortodoxo.
P/2 – Ah, esse é o colégio ortodoxo.
R – Porque colégio judeu tinha muitos. Agora, estou sempre falando no colégio superortodoxo, onde os alunos praticamente foram registrados como particulares. Porque se vem o governo examinar nosso estudo, nossas aulas, foi superconvertido. Foi muito de religião, são muito de religião. E o necessário, por lei, que precisa ter em conhecimento comum, de História, de Geometria e muito de religião. Tanto que hoje também, se vai a rabinato, em qualquer lugar, vai ver quantas aulas tem de religião e quantas aulas tem de resto. Vai. Tem aqui no Petrópolis um rabinato, não. Vamos falar desse malandro aqui, deste (Paulo?), que este aqui malandro. Ele vai entrar. Ele dá todo domingo, vamos falar, duas ou três aulas. Senta-se uma vez lá e vai ver, fora de religião, se tem mais alguma coisa. Não vai ter nada. Não vai ter nem um segundo. O assunto nesses ortodoxos, o assunto, noventa por cento é religião. Agora, nos outros colégios judeus... Porque Budapeste era superlotado com três tipos de judeus. O ortodoxo, status quo, que é no meio, e os neólogos. Os neólogos foram pessoas que foram cem por cento judeus, né. São. Como ARI, sei lá eu. Cem por cento. Agora, por ortodoxos, absolutamente não aceitos. Essa história não é invenção dele. Isso já é uma consequência dos antigos, né. Porque também ele vem de algum lugar de lá. Então, esses três. Um, que andou todo santo dia, de manhã, de tarde, no templo, e todo santo dia estudou um pouco lá no templo, no _____, tem sempre ao lado do templo uma sala de estudos, sentaram e estudaram um pouquinho. Naturalmente super-religiosos para sábado e tudo isso. E os status quo foram ao templo, mas não entregaram-se completamente para tanto. E os neólogos foram completamente separados, como aqui também deve ter fora de ARI. Que são judeus cem por cento, não. São... Aqueles que sábado vai com carro, com Yom Kipur, vai com carro, acende a luz, comeu um pedaço de treif também, se ele não gosta, não. É completamente outro tipo de judeu, né. São judeus. Por dentro de judeus são ainda muito mais judeus, né. Porém, na Hungria tinha ministros judeus, até o ministro da Justiça, o Vàzsonyi Jôzsef era judeu, muitos deputados. Porque vinte e oito por cento de habitantes de Budapeste era judeus. Então, foi fácil fazer eleições, antes do Hitlerismo, para muitos deputados e senadores judeus. Foi fácil, não. Porque aqui, vamos falar, se tivesse vinte e oito por cento, quantos judeus não teriam aqui? Os teatros foram judeus, quase todos, os artistas foram judeus, quase todos.
P/2 – Aqui ou lá?
P/1 – Na Hungria.
R – Na... Bom, estou dizendo vinte e oito por cento. Depois, eu já disse que tinha a lei de numerus clausus.
P/2 – Essa lei começou quando?
R – Essa lei não limitou em nada. Ao contrário. Aumentou. Porque eu disse que tinha judeus muito ricos, não. Tinha. Aqueles mandavam os filhos estudar na Viena, quer dizer, na Áustria, na Itália, na França, na Inglaterra. Agora, os diplomas de lá foram obrigados a serem aceitos na Hungria. Os diplomas foram reconhecidos. Então, os judeus voltaram com muito mais conhecimento, sabedoria e falando diversas línguas, não. E estudando fora – sempre estou falando dos ricos, né – e voltaram muito mais qualificados. Mesmo com a lei de numerus clausus. Numerus clausus existia para estudo. Agora, não para consultório. É muito diferente. Agora, era uma situação pesada e revoltante, porque vamos falar, no inverno, no inverno, quando neve está alta, então a Comlurb húngara, né, Comlurb húngara, pagou altos dinheiros por 8 horas de serviço de catar o neve da rua. Jogar para o lado ou jogar nos caminhões. Lá os judeus participaram muito. Os pobres. Sempre fomos lá. Eu sempre fui catar neve, pôr ao lado das ruas ou eu sempre joguei em cima de caminhões, por motivo de minha altura. Caminhões com laterais muito altas. Porque a neve não pesava. Então, foi essas laterais, com laterais que jogavam em cima a neve. Depois, pegaram a neve e jogaram no Danúbio, que ele não foi congelado. Seja quando os russos entraram em Budapeste, o Danúbio estava congelado e atravessaram com tanques em cima do Danúbio. Porque as pontes foram todas arrebentadas. Agora, chegou até vinte e oito graus abaixo de zero. E o gelo foi tão grosso em cima do Danúbio, que eles atravessaram. Porque o gelo nunca vai até o fim. Porque embaixo sempre corre água e os peixes todos sobrevivem, não. Agora, em cima foi supercongelado. Eles experimentaram, olharam a grossura do gelo. Bom. Então, foi assim. Depois de colégio, eu fui…
P/1 – O senhor falou da divisão do estudo. Um ano repetisse. Nos quatro anos de primário não deveriam se aprofundar muito na religião.
R – Ah, bom. Os outros... Os outros... Vamos dizer, esses foram os ortodoxos. Sempre falo de ortodoxos, né. Mas as comunidades, que eu disse tem três, os ortodoxos, status quo e... Ainda tinha mais divisão na Hungria entre os judeus. Porque esses três... Porém, não estou dizendo inimigos. Mas um não se misturou com outro, de maneira nenhuma. Eram totalmente separados.
P/2 – Havia alguma língua dos judeus, como na Polônia tinha o iídiche?
R – Não. É o seguinte... Isto já é assunto de história que eu vou voltar agora. A Galícia, uma parte da Polônia quando tinha a monarquia austro-húngara, a monarquia – sei se conhecem –, então, uma parte da Polônia pertenceu à Hungria. Se chamava Galícia. Então, esses judeus galicianos saíram de Polônia e chegaram até Budapeste. Compram uma grande parte do norte da Hungria. Para o sul, nada, né. Parte do norte. É onde os judeus poloneses chegaram, lá, eles sempre fizeram comunidades polonesas religiosas, porque os poloneses eram, em geral, todos religiosos. Não religioso tanto para rezar como religioso em língua, não, uma completa separação de outros. Que eu sei se empregada tinha filha que não é judeu, não... Para os judeus poloneses, cresceu, não falou polonês, só falou ídiche, cem por cento. Isso é supergarantido. Frequentou colégios judeus, falou ídiche e sabia tudo porque é um tipo de gueto onde nem poderia a criança da empregada sair fora... Não era um gueto. Era comunidade fechada. Porém tudo o mesmo bairro. Não um gueto cercado, não. E nem um gueto discriminado. Mas a comunidade ficou junto e lá, praticamente, foram todos poloneses judeus. Então, Budapeste também tinha muitos poloneses judeus. Então, sendo que tinha muitos poloneses judeus, o iídiche foi falado entre eles. Agora, aqueles húngaros de muitas centenas de anos de Hungria, eles não falavam iídiche, nenhuma palavra. Então eu falo iídiche porque meu pai e minha mãe é de parte de lá, do norte da Hungria, onde a prática era em iídiche. Meu pai é de Máramaros, é uma superprovíncia judaica, e minha mãe é de “Brashu”... Todos os dois agora pertencem à Romênia. É de “Brashu”. “Brashu” está no Cárpatos, três mil metros de altura. Eu, por acaso, estive lá, sem querer, né. De onde é minha mãe. E ela veio de lá. Também esta ocupação, norte da Hungria, onde se falava em ídiche. Agora, “Brashu”, ninguém falou nenhuma palavra. São ótimos judeus ortodoxos. Agora, se falarem, falarem em alemão. Porque todos os colégios judeus e não judeus a segunda língua, antes da Segunda Guerra Mundial, era obrigatório o alemão. Mas os colégios judeus, sem saber falar hebraico, sem saber falar o alemão, nós estudamos a bíblia de hebraico traduzido para alemão. E de nenhum... Entendemos nenhuma palavra. Bom. Eu me lembro até hoje. Vou dizer dois, três palavras. (O Chumashs Bereshit habe geschaffen, ________ im anfangs, _______ hat geshaffen etwas ________ in die Erde?). Em alemão, não em iídiche. Agora, nós não falamos nem hebraico nem alemão. Mas estudamos a bíblia traduzida de hebraico para o alemão. Bom…
P/2 – E como entendiam? Depois alguém explicava em húngaro?
R – Não adiantava explicar. Porque aprender é uma coisa, explicar é outra coisa. Estudamos de hebraico a alemão. Agora, não aprendemos hebraico, não aprendemos alemão. O máximo foi traduzido que quer dizer em húngaro. Agora, nós não estudamos em húngaro. Estudamos de hebraico para alemão. Explicando o que que continham as frases. Não estudando as línguas. Muito diferente.
P/1 – Mas acabou aprendendo alemão e hebraico? Com a Bíblia, pelo menos? (risos)
R – Aí cada um... Depende de que tipo de cabeça tinha e que origem tinha de casa. Porque as famílias de judeus falavam em alemão porque.... Conforme eu estou dizendo – tem que entender o que eu digo, senão não entende nada. A segunda língua da Hungria, não dos judeus, era o alemão. Nem se falando que era austro-húngara monarquia. Então, os avançados falavam alemão. Para isso os professores estudaram de hebraico ao alemão. Agora, nós, crianças, que já não pertencemos à monarquia, nós não falamos alemão, nenhuma palavra. É muito diferente. Então, eles sabiam, cem por cento, quem dava aula. Agora, nós crianças, húngaros, que nascemos sem o alemão, nós não entendemos nenhum nem outro. Agora, tinha algumas crianças que já falava de casa alemão junto com húngaro. Então, para eles foi fácil. Agora, isso foi uma..... já assim uma mistura, também por motivo das guerras. Agora, o que eu quero dizer que tinha duas grandes separações, mais entre os judeus. Porque eu falei os três tipos de religiosos, não? Olha que chegamos ao ponto que os ortodoxos nem poderiam entrar no templo neólogo. Quer dizer, um superortodoxo não poderia frequentar o ARI. Porque, primeiro, a criança não entendia. "Como rabino chega aqui? A pé?” Lá rabino chega de carro, né. Então, nem entrar poderia entrar. Conforme está vendo, era assim. Isso é a realidade, não. Agora, tinha mais uma grande separação. Quando eu era rapaz, vamos falar, dez, doze, catorze anos, conforme agora aqui no Rio de Janeiro também tem, cataram os rapazes todos e levaram a diversos grupos sionistas. Que fortemente funcionou. Hashomer, o Dror, o Mizrahi. E não sei, tudo isso funcionou em Budapeste, locais separados. Porque eles em si também não eram muito unidos. Quer dizer, o Hashomer era ateísta. O Misrahi era religioso. Então, viu dois grupos sionistas. Jamais poderia ser o mesmo... como que eu vou dizer... pensamento. Então, eles já não se darem. Agora, mesmo tendo os sionistas e os não-sionistas, que dizer, os ortodoxos foram esperando o Messiah, os neólogos eram super-húngaros, entendeu, super-húngaros, não reconheciam o planejamento de fazer um país judeu, né. Então conforme está vendo, os superortodoxos, por motivo de religião. Que nós estamos em castigo, tem que esperar chegar o Messiah, tudo isso. Toda essa história que todo mundo conhece, né. Os superneólogos eram super- húngaros, muito grandes húngaros, então, eles não reconhecerem como um segundo futuro país. Então, sobrou o status quo, que foi superdiscriminado porque eles, em segredo, apoiam o sionismo. Em segredo. Em segredo. Eu sei porque eu frequentei, algumas vezes, entrei no... era no Vasvári Pál utca, o grande templo deles. Eu entrei lá e até papéis de.... para ir lá, conhecer o sionismo, frequentar. Porque não foi proibido pelo governo, foi proibido pelas próprias duas extremidades de judeus. Mandaram papéis para as crianças irem lá, frequentar, para ver, para conhecer, o que é o sionismo, o que não foi tão simples, porque era tudo novo, né. Estou falando em 1920, 25, assim. Não é como hoje que o mundo inteiro sabe o que é. Não precisa... Naquela época não sabiam o que é. Mas tem isso, tinha que explicar? Não. Então, eu frequentei o Mizrahi também, que foi proibido frequentar, por ortodoxos. Porque os ortodoxos só podiam frequentar o Agudat Israel. Agudat Israel é uma especialidade, que tem no Israel também, que eles não são sionistas. São contra sionismo. Em compensação, já não são tão ortodoxos para esperar o Messiah. Quer dizer, estão entre os superortodoxos, porque são muito religiosos, não Agudat Israel. Mas não são tão ortodoxos que declaram que nós temos que ficar no Golut até o Messiah vir. Nós temos que preparar Israel para o Messiah já encontrar Israel. Mas são superortodoxos, não. Agora, não são a linha de sionismo. Agora, eu, que pertencia a Agudat Israel, mas foi muito mais divertido o Mizrahi, então, eu frequentei o Mizrahi também. O Agudat Israel também. Porque criança vai lá, primeiro, Agudat Israel não misturou garotas com garotos, né. Então, já viu, isso já não serve, nem para criança. (riso) Agora, no Mizrahi foi misturado as garotas com os rapazes, isso já foi mais agradável. Então, a gente largou Agudat Israel e chegou no Mizrahi, em segredo. Só [que] também todos os dois trabalhando por Israel, todos os dois trabalhando em base de religião, mesmo separados, superseparados. Agora, sabe o motivo porque foram separados? Nunca escutou falar? Pelo seguinte. O Agudat Israel usou essa frase: “O Misrahi pertence ao grupo de sionistas”. Pertence, não. O Agudat Israel não pertence ao grupo sionista. Então, eles dizem assim: se amanhã noventa por cento de judeus viram ateístas, ficam judeus, ateístas judeus, não. Então, eles vão mandar, como maioria, para Mizrahi, para turma religiosa. Então, explicaram: imaginemos que se um dia nós vamos fazer Israel – porque quem sabia que vai ser Israel aquela época, não. Se um dia vai ter Israel, se Messias vem, né, então, o anti-Deus, estando a maioria, como que ele pode ganhar com votação contra o Mizrahi. Então, o Mizrahi é obrigado a aceitar as leis daqueles judeus que não são religiosos. Então, Agudat Israel não entra para não cair na votação, se o sionismo escolhe alguma coisa. Como agora foi congresso mundial de sionismo. Agora, imagina que noventa por cento lá não é religioso e mandam leis, como o cinema, foi agora a história de cinema, que querem fechar os cinemas aos sábados, os religiosos. Se os sionistas, que estão em maioria, e a polícia e tudo, que está na mão dos sionistas, prenderem os judeus, que fizerem, quatro judeus foram lá presos, né, agora, em Jerusalém. Eu falo Yerushalayim, Jerusalém para mim é uma palavra completamente estranha, para mim, só Yerushalayim. Ficaram presos por motivo dessa história de sábado, de cinema, né. Então, o Agudat Israel, até hoje, é completamente diferente. Ele não está dentro de... Eles não vão, quando tem esta organização sionista. São completamente diferentes. E tem judeus em Israel que vocês conhecem, que é o _______, lá em Israel, porque eles não querem o Estado de Israel independente, porque estão esperando o Messiah. Que foi muito bem junto com o rei Hussein, com Jordânia. Até isso também tem. Tem de tudo, né. Quer dizer, nós já conhecemos toda essa história. Só não conhecemos se ficamos calados e não queremos nem ver nem escutar, né. Agora, eu estive lá, estive dentro. Tem o nome separado dessa turma toda, desses super-religiosos, me lembro. Quase todos os apartamentos onde eles moram, quase tudo é um templo. Todo lugar tem uma Torá, todo lugar tem possibilidade de reza.
P/1 – Pode ter a Torá em apartamento?
R – Bom, é o seguinte. Se pode ou não pode, não sei. Eles fazem da sala da casa deles uma Beit HaMikdash. O Beit HaMikdash traduzindo, beit é casa, Mikdash... sei lá eu, onde estuda ou santificado, não. Então, eles têm um quarto, como se chama? O pessoal moderno não tem um quarto biblioteca? Quem tem dinheiro, não tem? Tem sala de música, não tem? Não tem biblioteca? Então, o Beit HaMikdash é uma biblioteca de um religioso judeu. Onde são... conhece o Guemora, vinte e quatro livros que são deste tamanho e grossos, né. Primeiro, que tem Beit HaMikdash Guemora e tem muitos livros judaicos juntados. Isto, esta sala deles, se eles têm possibilidade de ter dois quartos, então, [em] um quarto dorme, noutro quarto é Beit HaMikdash. Que traduzindo em português é uma pequena biblioteca. Então, nessa Beit HaMikdash, eles têm um Aron Hakodesh. E nesse Aron Hakodesh, eles têm uma Torá, não. E ali, automaticamente, um pequeno templo. E ele tem amigos que vêm, frequentam e rezam lá. Eu estive nessa... [interrupção/troca de fitas] É o seguinte. Nós tivemos muitos tipos de estudo de religião. Então, é muito fácil. Vamos ver aqui na situação brasileira. Nós temos a história, né, nossa história. Que não podemos estudar só a bíblia e só o Chumash, por motivos senão nós nunca chegamos à história. Então, tinha só nossa história, que é a história da Babilônia, derrubada de Jerusalém, do templo, né, a história dos reis. Depois tinha aulas onde nós estudamos, mesmo se acabamos, frequentemente começamos de novo, só o Chumash. O Chumash com o Rashi (e as Tossafot?). O Torá, com a explicação de Rashi e outros. Parece que sempre tem embaixo a explicação, que eu também tenho aqui um Chumash onde está essa explicação. É de ARI.
P/1 – [Inaudível].
R – Não. Aqui de ARI, né. Ou foi de ARI ou foi aqui de Beit_______. Então, esta é uma aula. Depois, outra aula que era as leis gramáticas. Então, como seja aqui gramática em português. Depois, outra aula era aprender só ler Torá com os “meginens”, com aquelas maneiras de como tem que ler. Meio cantando, né. Se lê o Torá. Depois tinha a Guemora. Para ter um pouco de conhecimento, não. E depois…
P/1 – A Guemora, o senhor disse que são quantos volumes?
R – São vinte e quatro volumes e supergrandes.
P/1 – O que contém a Guemora?
R – Bom, a Guemora é o seguinte. Vamos falar dessas folhas desse tamanho. Ele é dobrado, não. Aqui no centro, ele sempre tem Mishnah. De que que criou-se a Guemora. A Mishnah foi feito de Chumash – Isso todo mundo conhece profundamente. Então, o Mishnah já era uma explicação de Chumash. Mas com os tempos andando, e lá na Babilônia, que a Guemora se chama Guemora de (Babylon?) porque foi escrito na Babilônia, então, escreveram a Guemora, a interpretação e a explicação de Mishnah. Mishnah foi uma explicação de Chumash. Depois, com o passar do tempo, a Guemora foi explicada em certos lugares por Rashi e por [as Tossafot?]. Esse nome era na Espanha. Já no tempo de Maimônides, mais ou menos assim. Então, quando a gente estudou, estudou o Chumash separado, estudou o Mishnah separado, porque temos os livros só de Mishnah, né. E depois, quem estudou mais profundamente, já estudou com o Guemora, tudo completo. Agora, nem sempre na mesma aula. Porque, para entender... Eu vou dizer assim. Um dia eu vi, por acaso, um filme de vídeo de óperas. Feito para criança. Com figurinhas, com... Lá cada ópera demora uns quinze minutos. Mas o principal para as crianças, né. E depois, sabe que sempre pode aprofundar e aprofundar mais, não. Então, cada um nós estudamos separado, com aula separada. Depois tem o Kitsur Shulchan Aruch. Só trata os feriados e os sábados. Todos os tipos de feriados e todos dias comuns de dias dos anos, como rezar e como se comportar. Bom. Isso já Kitsur Shulchan Aruch quer dizer em português “a mesa preparada”. Quer dizer, para não estudar todas as coisas, para ver como se comportar.
P/2 – Ah, é um manual.
R – Manual. Olha aqui, eu me lembro de Guemora. Vou dizer dois trechos pequenos, um: “Shinai mokzin betales”. É um trecho. Se duas pessoas andam num cavalo e uma é um jovem e outro um idoso – Conhece? Não conhece. Pode ser que conheça, não. Então, o idoso está vendo um objeto no chão e diz para o jovem: “Escuta aí, desce lá e me levanta, me dá esta peça aí. – Foi um relógio ou um outro objeto, né – ele levanta e põe na bolsa. E o velhinho: “Me dá”. “Por quê? Eu que encontrei, é meu.” “Ah, você encontrou, você só não tomou posse.” Então, o rapaz disse: “Eu tomei posse. É meu. Você só viu, você não tomou posse, não é”. – Este, a Guemora explica detalhadamente as leis. Agora, Kitsur Shulchan Aruch já entra a lei pronta. Aqui estudamos a lei. E lá aprendemos a lei pronta. Ou vamos falar um outro: ___________ Esse fala. Se nós podemos comer o ovo que a galinha põe, que sábado nós não podemos comer. Agora, se não é sábado, se é Yom Tov, se pode comer o ovo que a galinha botou em Yom Tov. Porque cozinhar pode, em Yom Tov. (Shabat?) não pode, né. Então, são esses... A Guemora, estes detalhes com um milhão de tipos e maneiras, não. Então, a Kitsur Shulchan Aruch, que já vem a lei pronta. Se a galinha põe ovo no feriado, pode comer. Agora, lá não. Lá os rabinos, primeiro, discussão toda, até chegar o ponto. E sei lá eu que tipo de aulas tinha mais em hebraico. Porque tinha todo dia cinco horas.
P/1 – Cinco ou oito horas?
R – Não. Oito horas foi ao colégio.
P/2 – E cinco horas de religião.
R – De religião. Agora, sexta-feira, foi de oito até doze. E não tinha de tarde, naturalmente. Agora, os... Eu estou dizendo colégio ortodoxo, não.
P/1 – O senhor tinha atividades físicas, ginásticas?
R – Bom, isso sempre tinha porque, de tarde, estão todas as aulas de lei, não.
P/2 – Do governo.
R – De governo. Quer dizer que, automaticamente, foi superobrigatório. Inclusive aquela aula de ginástica foi também baseada em militarismo. Porque tivemos aquele... um tipo de bengala, sei lá como se chama, bastão, não, com aquele... A brincadeira já foi preparada. E a maneira de ficar na fila, ficar em ordem, “em folgado”. Isso já... Quer dizer, isso jamais poderia ficar fora, porque isso foi uma lei forte da Hungria para já preparar [que] se alguém um dia for a militar, já não entre lá totalmente como desconhecido deste assunto.
P/1 – Então, o senhor fez até os catorze anos. Seu Bar Mitzvah como foi?
R – Ah, meu Bar Mitzvah foi no templo ortodoxo, no grande templo ortodoxo. Não li a Torá, que, conforme disse, tem muitos judeus ortodoxos pobres. Sempre tem que saber o que que eu falo. Porque isso pertence agora ao Bar Mitzvah também. Então, lá em Budapeste, todo sábado ou uma vez por mês, tinha muitas crianças pobres, ortodoxas, fazendo Bar Mitzvah. Então, fizemos o Bar Mitzvah embaixo de talis. Foi esticado um talis, fomos lá vinte, trinta crianças, juntas, não é? E fizemos o Bar Mitzvah em talis. Agora, na Hungria, os ortodoxos não leram a Torá no Bar Mitzvah. Eles no máximo lêem a Haftorá. A Torá não. Lá não liam. Isso é supergarantido que não liam.
P/2 – E por quê?
R – Isso aqui não sei. Só lia a Haftorá e acho que não li Torá. Isso aqui na Hungria não era costume fazer. Aqui criança lê a Torá, natural, né. E lá só a Haftorá. E quem não leu. Sendo que fomos muitas crianças permanente, né. Então, sempre foi feito essa maioria, ainda com pobres, desta maneira. Órgão não tem no templo. Bom aqui também não tem todos, né, órgão. Aqui eu já vi coisas inacreditáveis, eu vi com meu olho, briga no Yom Kipur, no templo! À seguinte maneira, o Keren Kayemet... Tem uma lei judaica que diz assim: que os judeus têm que fazer o kem... Mas, sabe o que é Mazkir? Nem sei se são sefaradim, ashkenazim. Por isso já começo aqui.
P/1 – Eu sou sefaradi. Mas pode.
R – Ah, não. Porque sefaradi é completamente diferente. Não. Eu sei o que eu falo. Não é a mesma coisa não. Então, é o seguinte. O ashkenazi, Yom Kipur, tem Mazkir. O sefaradi também tem uma memória dos mortos, mas não tem Mazkir, não tem o Yizkor, né.
P/1 – É. Não faziam isso não.
R – É. Não fazem. Muito bem. No Yizkor está escrito que a gente tem que dar uma doação de dinheiro para os pobres, para os doentes, para seja o que que for, não. Então, acontece que no Yom Kippur, os ashkenazim é diferente de sefaradim, quase todo mundo vai no templo. Lembrança de mãe e pai. Quer dizer, no templo está rezando uma certa quantidade de gente, na hora de Mazkir, está superlotado, não. Então, os Keren Kayemet, que são loucos por dinheiro, né, como todo mundo está louco por dinheiro, veio a Mazkir e pediram dinheiro e aceitaram em dinheiro vivo, dentro do templo… fora do templo, Yom Kippur, né. Então, depois, não sei quem foi falar para rosh ha-qahal, foram mulheres, não. E o rosh ha-qahal viu e virou a mesa na frente do templo. Foi aqui no Bairro Peixoto. E criou o maior escândalo e chutou as mulheres de Keren Kayemet fora, né. Com dinheiro deles, com papelada deles, com tudo. Um xingou o outro, outro xingou o outro. E, conforme está vendo, isso que tinha na Hungria tem aqui também. Não precisa ir pra Hungria. Tem aqui também. É uma pequena guerra no Yom Kippur, no Mazkir. Dentro. Isso foi no templo, embaixo, onde eu fui escutar o Mazkir. Porque tem lá no Bairro Peixoto em cima e tem embaixo, né. Esse foi no baixo.
P/1 – Bom, mas o senhor comentou com a gente também que o senhor foi militar, foi à universidade. O senhor pode contar.
R – Ah, bom. Depois chegou a época de militar…
P/2 – Quando o senhor saiu da escola, o senhor foi aprender a profissão?
R – Aprendi eletricista. É o seguinte. Lá, a aprendizagem tem três tipos. Aqui não existe, no Brasil. Alguém escolhe um ramo para fazer. Então, o sindicato põe ele em algum lugar para aprender. Quer dizer, eu quero ser eletricista. Então, o sindicato de eletricista, dependendo onde eu moro, digo onde tem oficinas, não, e ele me coloca para aprendiz. Agora, quem tem o quarto primário, aprendiz três anos. Quem tem o quarto ginásio, aprendiz dois anos. Por lei. Para receber a denominação como profissional. Quem tem maturidade, não, aprendiz um ano.
P/1 – Maturidade o que que é?
R – É quem tem oito ginásios. Quatro primário, doze anos de estudo. Porque aqui é um pouco diferente. Quem tem quatro anos de estudo, oito anos de estudos, doze anos de estudo. Então, com doze anos, a aprendizagem é um ano. Com oito anos de estudos, são dois anos, com quatro anos de estudo, que todo mundo tinha, praticamente não tem analfabeto lá na Hungria, porque é super-rigoroso, o pai vai para a cadeia mesmo. Não é de judeus. Se a criança não está no colégio, fica preso. Imediatamente. Nem pensa em não ir ao colégio. Então, todo aprendiz tem no mínimo quatro anos. Então, três anos. Eu fui para dois anos de aprendiz. E aprendi também no ortodoxo, meu professor era Shmai Yude Katz. Ortodoxos, em geral, foram “falado” em nomes hebraicos, não sei por quê. Katz é húngaro, né.
P/2 – Ele era o professor de eletricidade?
R – Não. Ele não era professor. Ele era o meu patrão-mestre. Quem fiz instalações. Que está em Israel, visitei ele lá em Israel.
P/2 – Como ele chama?
R – Shmai Yude Katz. Superortodoxo. Esposa, naturalmente, como (shadchan?). Esposas, noventa e nove por cento, casadas só por simples apresentação. Sem namoro nenhum.
P/1 – Esse é outro capítulo que o senhor vai nos contar.
R – É. Tinha muito essas pessoas que apresentavam e... Dentro de ortodoxia são reconhecidos. Que apresentavam. Pode ser de duzentos, trezentos quilômetros, conheciam as famílias que tinham filho, filha. Então, apresentavam, falavam com mãe e pai, lá tem isso, aqui tem isso, falavam da situação financeira, naturalmente, que sempre cai no meio. Que minha família fez isso, o irmão de meu pai. Então, vamos supor que um lugar tinha uma garota e tinha um rapaz pretendente. Eu assisti a essas coisas. Então, meu tio, super-religioso, sempre foi convidado para um dia de festas. Convidado na família. Bem, isso quando eu dormi, não me lembro. Então, meu tio, antes que visse a garota, que não chegou a ver a moça, né, então, eu me lembro até hoje, pegou o rapaz – o que é o mais difícil saber, estudar, é o Guemora. É mais complicado. A Guemora permanente cita trechos de outros livros, de outras páginas. Permanente. Então, a primeira coisa, pega o rapaz e diz assim: “Vamos... wir lernen ein bisschen Guemora [Vamos aprender um pouco de Guemora]”. Essa é a primeira coisa. Então, ele pega ele e fica com ele uma, duas horas ao lado de Guemora. E aquele Guemora e aquele papo é bastante para muitas outras coisas: primeiro, ver a mentalidade; segundo, ver o conhecimento profundo, porque Guemora cita de tudo. De Mishnah, de Chumash. A Guemora é, que eu estou dizendo, o mais difícil de todos. Então, senta-se com ele e lê Guemora e ele vai muito longe para saber do outro o que que ele quer saber. Então, já sabe de financiamento, o rapaz sabe o que que a garota tem, o pai sabe o que que o rapaz tem, né. Isso aí é superimportante, né. Como se diz em português? – [interrupção]... é judeu. Tenho muitos conhecidos assim, que ninguém no mundo sabe. Ninguém.
P/1 – Isso o senhor já nos disse. Mas me diz quando e por quê.
R – Porque, olha aqui, quando nós chegamos aqui, antes de nós chegarmos aqui, lá na Hungria – isto aqui está contra a minha vontade. Se ela quer, eu conto. (risos) Na Hungria, tinha uma época, conforme eu disse, que a Hungria quis pular fora do Nazismo, não falei? Acontece que nessa época, quando a Hungria quis pular fora do Nazismo, entrou um pequeno... entrou, de certa maneira, a Igreja. E a Igreja pediu a todos os judeus para se converterem ao Catolicismo. Por motivo..., se eles convertem, então, eles conseguiram arrumar com o governo da Hungria, que no lugar de levar estrela amarela, eles vão levar só uma faixa branca no braço. Quer dizer, não tem que carregar a estrela amarela.
P/1 – Aqui convertido do mesmo jeito, né. Uma faixa branca.
R – Não. Não. É o seguinte. Esta faixa branca também só carregou nos campos de trabalho. Também. Quem converteu... Tinha uma certa época, antes de 19 de março, quando disse que entraram, lá mudou tudo, não. Eu estou falando antes. Antes haviam muitas facilidades para as pessoas que se converteram. Então, estas pessoas que se converteram, tem dois tipos de pessoas. Aliás, chegou a três tipos de pessoas na Hungria. De neólogo, de status quo e de ortodoxos. Ortodoxos se converteram para salvar a vida, só. Não foram convertidos. Só para... E converteram. Não todos. Muitos ortodoxos. O status quo se converteu não se sabe como que ficou e como que não ficou. Certo? Agora, os neólogos se converteram, que eram também em grande parte sefaradim, esses convertidos, e depois ficaram cristãos. E depois, todo mundo tinha medo, depois da guerra, que amanhã isso pudesse acontecer de novo. Quer dizer, muitos judeus fugiram cem por cento de religião. E dependendo do que eles foram antes, porque tinha judeus ateístas, em grande quantidade, e judeus bons, judeus bons que jamais se inverteram. Os filhos frequentaram colégios judeus e tudo isso. Então, se um desses se converteu, acabou tudo. Acabou tudo. Eles já ficaram católicos, mesmo se não praticantes, mas ficaram. Então, já tinha certo papel católico, né, já conheceu pequena parte, já fizeram um bem para o judeu, porque converteram ele para ajudar. Não salvar a vida deles, não, porque chegou depois de 19 de março. Só quando era... se chama regime Lakatos, quando era para facilitarem tudo, não é. Porque sempre depende de quem está no governo, se é um ou se é outro, aqui no Brasil também. Facilita para um, dificulta para outro, né. É a mesma coisa. Então, quando foi facilitado, durante a guerra, um pouquinho, então, se converteram. E muitos ficaram. Foram a todo lugar do mundo e jamais na vida alguém do mundo [irão] saber deles que eles são judeus. Ninguém do mundo sabe.
P/2 – Ah, sei. Eles não voltaram.
R – Não voltaram. Não entraram nem em comunidade, não entraram. E não praticaram nenhum lado de Judaísmo, seja ou como religioso, ou como sionista. Não praticaram nenhum tipo de vida de judaísmo. Não tem nem um, nem dez, nem cem, no mundo inteiro têm milhares. Como eu aprendi ainda, quando de Israel saíram... Porque dizem, o Judaísmo de hoje é só de duas tribos, não é. Dez tribos saíram. Não saíram? Depois que acabou o segundo templo, em anos mais ou menos zero, no ano 70, quando derrubaram o segundo templo, as tribos saíram de Israel. Dizem que foram para Grécia, para Albânia, para Itália e esses países no Mediterrâneo, e jamais na vida eles contaram que são judeus. Assimilaram as dez tribos completamente. Não aquela assimilação de Portugal e de Espanha, que é outra coisa, não. Essa assimilação que é pessoas saírem e entrarem em certos lugares e... Porque se a gente vai pensar no passado, com certeza no passado sempre tinha dois tipos de pessoas: um que nasce com fé e outro que nasce sem fé. É um dom com que a gente nasce. Agora, aqueles que nascem sem fé, que é natural, de natureza, não adianta explicar que tem Deus, não tem... Nasce sem fé e acabou a história. Nasceu assim. Como alguém canta bem ou escreve bem ou joga bom futebol. Nasceu assim. Então, aquele que nasce sem fé, jamais na vida adianta explicar muitas coisas. Eles não chegam a ser sentimental. Ninguém encosta neles sentimentalmente, não. Então, eles se afastaram, depois acabou tudo. E os filhos, então, já nem se fala. Quer dizer, jamais hoje se pode dizer que antes de dois mil anos eram ou não eram, né, e essa mesma coisa continua. Aqueles que se converteram, que tanto faz, porque eram sem fé, eram tão bons judeus como tão bons católicos, porque não pratica a fé de nenhum de nem outro, né, então, se afastaram totalmente. Agora, tinha judeus que até muitas vezes chegam em ser... acreditando em Cristo, não é. Bom, não vou opinar meu pensamento. Só chegam em verdadeiramente. Também conheço muitos judeus, até praticam, como tem este... Antigamente tinha a Hora Israelita. Antes da Hora Israelita tinha judeus-cristãos, que nasceram na Hungria, judeus-cristãos – a gente querendo ou não querendo escutou, porque foi junto com a Hora Israelita. E pediram para os judeus frequentarem os judeus-cristãos, porque assado ou assado, porque Cristo foi o Messias. E foram dentro, muito, até ortodoxos, judeus ortodoxos, da Hungria, que praticaram, tanto que aqui no rádio, se vocês lembram ou não lembram, eu não sei, a gente podia escutar, porque tinha. Então, esse pessoal... [interrupção]... Não é importante. Na ortodoxia, o Agudat Israel, que também é superortodoxo, também não foi aceito. Por motivo principal que é: um espera o Messias e o outro está antecipando a vontade de Deus. A diferença de teoria. Agora, essas diferenças de teorias não nasceram dentro dos homens. Estas diferenças de teorias foram pregadas nos templos mais os sábados e feriados, para a multidão, para os Kehilah, não. Quer dizer, os nossos rabinos, entendeu, já cem por cento criaram antipatia e divergência entre os próprios ortodoxos agudistas e não agudistas, só pra ver, não se falando dos outros. Por isso estou dizendo que essas histórias todas, essas Paulo Pinchas, em modernizado em hebraico, porque não tem nada com hebraico, né, sabe fazer, isso também para mim é antiquíssimo conhecimento. Criar diferenças com miniaturas, coisinhas, que não é igual, não é, sabem criar inimigos até mortais, nossos rabinos. Agora, com esse Estado de Israel… Porque tem em Israel também. Só tem um ponto de vista um pouquinho comum, não muito comum, não muito comum, só um pouquinho comum. Porque nem todo mundo é sionista hoje, não é. Antigamente, nem se fala, né. Agora, nem hoje. E assim aprende. Estou falando isso, para... A gente está assim mesmo. Agora, a única, onde sempre não tinha muita diferença, quase nada, foi dentro do Fascismo. Lá era só simplesmente e acabou a história. Lá não tinha depois... Seja lá dentro, depois, entre si, continuamente tinha, mas para fora não tinha. Só para fora. Agora, entre si, lá dentro, também tinha.
P/1 – Claro. É a luta pelo poder, sempre, né.
R – É. Lá em Budapeste, aquele certo ano, quando entraram os alemães, em 31 de março e os judeus não saíram na rua, foram ao gueto, edifícios destinados... Essa história de Wallenberg, parecido, né. Lá, Yom Kipur, que caiu dentro deste curto tempo que falou, que é um tempo tão curto, foi de março até o fim de ano, até dezembro, tinha Yom Kipur. Também, sempre separados os religiosos, dos super-religiosos, todos os tipos, dentro do gueto, completamente separados.
P/1 – Então, me diga uma coisa. Essas separações eram por opção pessoal? Ou, se era de tal família, era obrigada a seguir?...
R – Não. Por família não era obrigado a seguir. Dependeu a qual Kehilah pertenceu e qual era o ponto de vista de rabino. De rabino. Que ele citou, tudo. Porque até hoje... Olha, eu estive em São Paulo, quando eu cheguei aqui, e juntaram dinheiro para... nem sei se para Israel ou pra Palestina ou não sei para quê. Não me lembro. Acho que ainda era Palestina, não. [pausa] Então, o templo lotou-se, naturalmente, superlotado. Todos os templos ashkenazim, no maasser é tão lotado como nos sefaradim no tocar do shofar, a noite de Yom Kipur também superlotam. É um costume, né. Todo mundo acostuma à alguma coisa. Então, quando o templo estava incrivelmente lotado, para nem se mexer, porque muitos não cabem dentro, até ficaram fora, isso permanente – na hora de maasser, né. Então, ele mandou fechar todas as portas, trancou, o rabino, e deu um discurso para catar dinheiro. Dinheiro para Israel, não. E ele disse que ele tem uma certa quantidade que ele tem que dar. Foi Yom Kipur e superortodoxo. E para este fim, todo mundo tem que subscrever. Eu não sei se conhecem como que é sábado. Se subscrevem, os ortodoxos, com dinheiro. Nunca viu?
P/1 – Não podem escrever, não podem nada. Mas eles falam.
R – Não. Falar é pouco. Porque não são tão ortodoxos que depois pagam o que falam, né. Então, eles têm cadernos assim... Tão ortodoxos não são. Quando trata-se de dinheiro, já... É duvidoso, né. Onde tem aqui borracha, elástico. Desce e sobe, desce e sobe, então cria pequena borracha. Depois, eles têm papéis quadrados assim pequenos, triângulos, assim, papeizinhos – assim mais ou menos, isso, né –, e aqui eles têm escrito o nome e têm separado, quantia. Então, eles pegam o nome, pegam a quantia e enfiam no buraco. Entendeu? É o sistema, entendeu. Então, depois, eles, cuidadosamente, abrem essas folhas, tiram os nomes e tiram as importâncias: Inclusive, na hora de ler o Torá, o Gaber – sabe o que é Gaber? Um tipo governante, não é, ele também “permanente” faz isso. Porque na hora de ler o Torá, dá doação aqui, dá doação lá, então, ele sabe os nomes, conhece os nomes, não é, ele cata os nomes e cata as importâncias e coloca lá neste triângulo. Eles não confiam tanto que é bastante dizer não. Tão ortodoxos não são, não é. (risos) Agora, também pode dizer que eles marcam para não esquecer. São muito ortodoxos.
P/1 – Claro. Tem muita gente, né.
R – Aqui, eu me lembro que precisou de muito dinheiro lá em Israel. Era um tipo de... Não sei, porque isso aqui há quarenta anos atrás, não sei. Mais ou menos, era Israel novo, não sei o que foi exatamente feito quando estive em São Paulo. Então, ele chegou a tal ponto que tinha uma revolução. As pessoas queriam sair sem maasser. Porque fez isso antes do maasser, né. Muitos advogados também tinham obrigação, tinham que sair. Sabiam que o maasser, meio dia e meia até uma hora, acaba. E a história acabou, né. Então, ele ficou com essa conversa comprida, pedindo dinheiro. Então, ele mandou certas pessoas a todo mundo catar, não dinheiro vivo, dessa maneira. Até de estranho, até certo ponto, entrou. Não sei como. E as mulheres também, independente dos maridos, das economias deles, e o maasser ficou quase três horas, porque ele fez repetição três ou quatro vezes, tudo igual, porque aquele dinheiro que ele precisa ter não tem. Até isso existe, acredita? Aqui em São Paulo, quando cheguei aqui, ele tinha que ter não sei quanto, é, quanto é não tem importância. Mas não tinha maasser, não tinha nada, as pessoas se revoltavam. Portas fechadas. E tinha que ter aquele... lsso foi o Munkácsi Rebe, o filho de Munkácsi Rebbe aqui no São Paulo. Mais ou menos quarenta anos atrás que eu estive lá em São Paulo.
P/1 – Mas vamos voltar para a Hungria.
R – É. Vamos voltar na Hungria.
P/1 – Alguém que quisesse frequentar uma escola não judaica, um judeu, poderia frequentar uma escola não judaica ou não?
R – Bom, tinha... Igual como aqui. Colégios dos padres, que qualquer um judeu poderia entrar ou qualquer um católico. Não tinha problema nenhum. E tinha os colégios de governo. Que nem se fala, que é mais que poderia entrar. Agora, em geral, a colônia viveu separada. Seja qualquer uma daquelas três. Em geral não tinha muita mistura com católicos. Os clubes deles eram separados, clubes judeus, não é. Seja neólogos, seja ortodoxos, seja status quo.
P/2 – Eram separados.
R – Era separado porque tinha que ser separado. Vou dizer por quê. Porque o antissemitismo, antes, bem antes da Segunda Guerra Mundial, era superaberto, na Hungria. Quer dizer, à toa, se um não judeu disse para outro: “Judeu fedendo”. Assim, “büdös zsidók” à toa. Nos colégios tinha brigas, nesse caso, colégios superiores. Criou-se brigas. Entendeu. Quer dizer, foram obrigados a se separar. Então, tinha bailes, tinha festas, porque sempre tem. Porque ainda mais os neólogos. E os ortodoxos nem podiam ter, porque... sabe o que é “drubes”, não? Não sabe não. Não adianta fazer assim não.
P/2 – Eu sei o que é. É uma coisa... É como se fosse um pecado. Não é isso?
R – É. É. Bom, “drubes” é o seguinte. Quando a mulher não é limpa, como se diz na religião judaica, não é limpa, então, o homem não pode encostar a mão nem o dedo no corpo da mulher. Por nossa religião. Então, acontece que, por esta lei, os judeus não podiam ir – religiosos, agora –, ir ao cinema, porque ele não sabe se do lado dele tem uma mulher e está encostando, querendo ou não querendo. Um judeu religioso jamais dá a mão de despedida a uma mulher. Se tem baile onde dançam, por isso dançam com o lenço, para não encostar no dedo da mulher, porque ninguém sabe que estado ela está.
P/2 – Dança com o lenço na mão?
P/1 – É. É.
R – Então, conforme está vendo, esse “drubes” se chama separação não. Essa separação era muito motivada por religião. Muito motivado. Então, nos ortodoxos, jamais tinha bailes ou festinhas para convidar as moças. Então, os rapazes ortodoxos e as garotas ortodoxas, em segredo, entraram nas outras comunidades judaicas, pelo menos para o baile, para dançar, para se encostar, para sentir o encostamento do sexo oposto, não. Então, tinha que fugir. Os pais já fecham o olho, mãe fecha o olho. Vai lá, não é. Já sabia. Então, não é simples. Então, nesses clubes, se não seria separado dos não judeus, ia ter incrivelmente brigas. Brigas permanentes. Primeiro ia ter por motivo de antissemitismo. Depois, na Hungria tinha uma lei nestes clubes que diz o seguinte: quando um rapaz pede uma moça para dançar, tinha três passos, então, outro rapaz tem direito de pedir ela. E o rapaz tem que ceder. Quer dizer, se viu, bagunça tremenda. A moça não tinha direito, não tinha assim nada. Tinha que ir com quem convidou. Agora, sempre passou de mão a mão, sem a menor vontade própria, o tempo todo. Então, essas leis, nos clubes judaicos, não prevaleceu, não tinha assim valor. Também pediram, não. Mas em geral as pessoas já pertenciam a alguém. As garotas já tinham um namoradinho, já pertence. Agora, não na ortodoxia. Na ortodoxia, a menina ou o rapaz jamais poderiam sair a qualquer lugar, nem à rua. Se eles tinham que ir a algum lugar – isso também vi com meu próprio olho – de um lado foi o rapaz e do outro lado do meio fio anda a garota. Não é papo não. Porque pode ser que ninguém do mundo escutou. Então, é, os ortodoxos, os rapazes e as garotas andavam em rua oposta, separados. Sendo que a paixão é a mesma. Porque até foi que rapaz e garota assim que andou na rua separado, garota era pobre, o rapaz era rico, superortodoxo, ele é rabino agora, em Israel, e ele, em segredo, combinou com a moça que ele ia para Israel, era Palestina, não, ela ia atrás e eles iam casar na Palestina. Quer dizer, o assunto de amor era o mesmo. Não tem mudança. Só a maneira de fazer, para conseguir se casar. Tinha que abandonar a mãe e o pai, por motivo, assunto de dinheiro, isso é pura verdade, todos os dois superortodoxos, todos os dois. Sei os nomes, mas não vou dizer, estão vivos. Foram todos os dois separados para Israel e o rapaz foi mandado para Israel para esquecer a garota, mas tinha esta secreta comunicação entre eles e ele foi. Depois, a garota também foi, não sei de que maneira, atrás dele. Porque a mãe e o pai, do lado da garota, concordou. E foi atrás dele. Estão vivendo até hoje juntos. Nem sei quantos filhos têm. Fui lá almoçar em casa deles. Os filhos grandes já. Nem foram na casa, já estão na América estudando e nem estão na casa. Então, tem de tudo.
P/1 – Mas no caso de namoricos, podia prevalecer um namorico, ou só prevalecia o arranjo do pai?
R – Para ortodoxo? Bom. Não. Ortodoxo é o seguinte. Jamais tinha oportunidade de conhecer, não. Então, o shadchan que arranjou os casamentos, não qualquer um poderia ser shadchan. Uma personalidade bem alta, super-reconhecida, de alta personalidade e super-religioso. Porque nos outros não precisavam. Os outros tinha oportunidade de se encontrar. Estou falando sempre dos superortodoxos. Então, aqui o que que restou. Vamos falar. Uma superpersonalidade, um rosh ha-qahal, foi visitado, este que tem aqui, a Fierj, esse tinha na Hungria também. Mas naturalmente, na Hungria não tinha estados, era Federação Israelita da Hungria, ortodoxos. Cada um tinha separado deles. Então, todos os lugares onde tinham certas comunidades, eles tinham um conjunto separado em Budapeste, na capital, certo? Então, esse tipo de fiéis que tinha lá... Porque rabino é uma coisa. Rosh ha-qahal é outra coisa. O rabino é uma profissão, pago, simples. Não tem nada com o Kehila. O rosh ha-qahal é uma pessoa, em geral, eleito, como um presidente. E o rabino como um juiz, praticamente, pratica as leis. A personalidade alta, em realidade, a personalidade alta do templo, era sempre o presidente, naturalmente sem receber pagamento, o rabino sempre recebe pagamento, não. Ele andou nessas centrais de encontros, como aqui o Fierj. Os rosh ha-qahals, os presidentes de turma, não é. Então, eles sempre se encontravam e falavam um milhão de coisas. Agora, a conversa importante entre eles era a situação de juventude, tá certo. Quem tem garotas, rapazes. Isso era uma conversa comum. Estou dizendo de onde eu vim, porque tem essa confiança para fazer, porque senão, não vou recomendar uma moça para alguém, um rapaz para uma moça, não. Então, eles se comunicavam e tinha pessoas intermediárias, que depois sabiam o que que tem aqui, o que que tem lá, e depois, a gente recomendou, em certo ponto de vista. Então, isso era tão comum que nem a moça se encabulou-se nem o rapaz se encabulou-se. Porque era um sistema que quem não conhece diz que é assunto vergonhoso, vender as garotas para alguém e não da própria vontade. Só que não tinha nada de vergonhoso, porque era aceito. Já nasceu aceitando essa situação. Ao contrário, a moça já estava superaflita para que aparecesse alguém – não um rapaz, apareça alguém para, pelo menos, apresentar. E o rapaz também já estava superesperando quando vem chegar. Agora, na juventude, toda garota nova, em geral, é bonita. Já por motivo de juventude. Bom. Em certo ponto de vista, em toda maneira, são bonitas, como crianças, bonitas. Em geral. Não vou dizer que não acontece, não. E os rapazes também são, em certo ponto de vista... Então, quer dizer, quando a garota sonhou encontrar-se com o rapaz, naturalmente que sonhou sempre com aquele rapaz bacana que vai chegar. E para o rapaz também vai chegar aquela princesinha que ele imagina. Quer dizer, cada um veio com os pensamentos superlotados de boa fé, de boa vontade, né. Quer dizer... Não, porque pode interpretar que é uma coisa feia. Não era feio não. Era bem aceita e bem querida esta situação.
P/2 – E isso se fazia entre os ricos e entre os pobres?
R – Fazia entre os ortodoxos. Não vamos pular fora da situação. Entre os superortodoxos, onde nem baile tinha e nem possibilidade tinha de que se conhecer. Existiam outros também, só não necessitou tanto como aqui. Porque falei exatamente por motivo agora de “grübes”. Você conhece as leis para ter vida longa? Quais as leis judaicas?
P/1 – Não. Isso é bom de saber. (risos)
R – Bom, pode ser que não é tão bom. Mas vou dizer. Que quando é para ter uma vida longa, as leis são também exigentes, né. Então, a primeira – Kibud Av Va-Em – honra tua mãe e pai. Entendeu. Isso aqui está em primeiro lugar permanente. Por quê? Porque os rabinos, em geral, eram pais e tinham esposas, não, então, colocou essa lei em primeiro lugar – honra a tua mãe e teu pai, né. A segunda: Tzedakah tatzil mi'mavet – quer dizer, as doações afastam o anjo da morte. Quer dizer, o judeu é superobrigado a dar doações permanentes. Superobrigado. E a terceira lei se chama Hakhnoses kale– ajudar a casar as garotas. Porque a vida para judaísmo é a continuação da vida da família. Então, para que as garotas não estraguem a vida, então, tem que ajudar de todas as maneiras, com doações para ter onde morar, para ter como comprar os utensílios. Então, essas três são as três principais... Olha que eu não sou rabino nem nada. Não quero aqui fazer discursos não. São as três principais que os ortodoxos... – Sempre falo ortodoxos, porque eu aprendi isso, né – ...que tinham que fazer para ter vida prolongada. Inclusive, no cemitério, permanente estava escrito – Tzedakah tatzil mi'mavet –, porque permanente as pessoas pediam dinheiro. Tzedakah tatzil mi'mavet, dá para você ter vida longa. Agora, essa coisa de ajudar as moças a casar é outra coisa que foi supercultivada na ortodoxia, porque arrumavam casa, arrumavam móveis, seja pobre, seja rico, foi uma superobrigação ajudar as moças. Não sei porque não rapaz, sempre para moça, né. Já aqui tem algum não justo, já não é superjusto. Sempre para moça. Então, só para você entender um pouquinho, lá na Guemará – porque isso tudo é história de Guemará, então, lá está escrito. O que isso quer dizer, “honra tua mãe e teu pai”? Você conhece lei de honrar mãe e pai? Não conhece. Então, eu vou dizer que lei é essa _ honrar mãe e pai. Se a mãe e o pai é doente mental, de um ponto que cai a saliva da boca, não sabe o que que diz, o que que fala e diz qualquer coisa para criança, a criança nunca pode dizer que não. Ele diz sim e depois não faz. Só não pode contrariar. Outro rabino no Talmud disse assim: Honra a tua mãe e o teu pai é tão grande coisa que se a casa pegou fogo e há perigo de morte de mãe e pai, ele não pode acordar a mãe e o pai dormindo. Nem com casa pegando fogo. Ele tem que chamar ou alguém para acordar ou fazer um barulho para acordar sozinho. Ele não pode acordar. Uma terceira versão de honrar a mãe e pai é tão alta que diz assim. A maior festa de judeus é o sábado. E sábado é superproibido trabalhar. Agora, se tem necessidade de casa de mãe e pai, a criança não que só pode trabalhar, sábado. Se ele pode ajudar a mãe e pai com isso que trabalha, ele é obrigado a trabalhar sábado, para levar para casa para mãe e pai assunto que é supernecessidade. Na ortodoxia. Olha lá até isso. Então, diz a segunda, essa Tzedakah tatzil mi'mavet, nisso aqui está o mais importante para os doentes, os velhos e as crianças. Para conseguir este três permanente manter no nível. Aqui também, os rabinos sempre entram nos velhos, porque eles, rabinos, também já sempre são avançados. Porque dizem que todo santo está com a mão para si, não é. Os rabinos também estão com a mão para si. Agora, o que é interessante é o terceiro. O terceiro... Porque estou falando de tempo atrás, não de Israel. Ele diz assim, que é para garotas... Que na ortodoxia não foram também misturados os religiosos e não religiosos, lá em Israel, anos ainda do Templo, então, o Tsion, que diz Sionismo, é montanha. Já no Monte Sion, naquela época, eram os mais famosos yeshivas, onde os rapazes estudavam, não é. Também andei lá. Uma vez fui lá, andei bastante, até trouxe para meu filho o tefilin, comprei lá no Monte Sion. Então, diz eles que uma vez por ano ou até três vezes por ano, cada vez que tem feriados judaicos, grandes feriados, [é preciso] catar as garotas de Israel e levar a Monte Sion, onde os rapazes estudam, e criar um baile, para se conhecerem, para poderem se escolher e para casar. Então, isso de ajudar as garotas casar já é um assunto muito antigo. Ainda li – li não, aprendi, porque ler não sei. Aprendi, porque explicam, não é. No Guemara, que até para garotas tinha que dar dólares cheirosos para eles ficarem cheirosas e desejadas para os rapazes. Estou dizendo, isso são as histórias de dois mil anos atrás. Então, isso para apresentar o rapaz, já é uma história que vem conosco de muitos mil anos e está bem aceita na religião ortodoxa. Que pode ser que noutro lado interpretem completamente diferente, não é, e com outros pensamentos desagradáveis, forçar uma garota ou dar não sei o quê.
P/1 – É importante esclarecer isso.
R – Não. Importante não. Porque, quem estuda, está tudo escrito, no mesmo livro onde eu estudei. Momentinho. Não tem diferença. É só querer. Está lá no Talmud, não é, é só querer estudar.
P/1– Agora, voltando um pouco para sua vida particular, nós tínhamos parado quando o senhor foi ser aprendiz de…
R – Aprendiz. Fiquei profissional, com o meu professor Shmai Yude Kratz, que também só fiz serviço noventa por cento na linha da ortodoxia do Judaísmo. Naturalmente, sábado não trabalhou. Tinha uma oficina onde o principal era dentro da oficina, o estudo dentro da oficina. Porque isso sempre foi super-religioso. E quando não tinha o que fazer, sempre tinha os livros. Guemara, o Rashi. Sempre abria os livros e sempre estudava.
P/1 – Aí está escrito em quê? Em húngaro?
R – Não. Sempre em hebraico. Sempre em hebraico. Sempre estudando. Todo judeu ortodoxo, quando não tem nada o que fazer, de uma certa maneira, né, ele abre um livro. Como lê um romance, outro vai ao cinema, outro vai ao teatro. Ele abre o livro e estuda. Porque jamais uma pessoa, acho que pode, não ler, estudar, tudo que o Judaísmo tenha escrito. Como também não pode nem de português ou de qualquer uma outra coisa, não. Então, não pode. Acho que não chega lá agora, ler é uma coisa, estudar é outra coisa. Ler, leu. Agora, estudar é ficar sabendo. E sempre tem citações, permanente tem citações. Anda uma, duas linhas, já tem citações. Para lá, para cá, para lá já tem citações, não é. Então, estudar é bem complicado. Agora, ler, as explicações dos cinco livros de Moisés, Chumash, as explicações do Mishnah e de Guemara, é por esse motivo que as pessoas não entendem. Então, ler não adianta, porque não entende. Agora, estudar, porque tem muitas explicações, igual como no colégio. Qualquer coisa. Vai estudar português, não adianta ler, tem que ter uma professora que explica. Então, ler é uma coisa, estudar é outra coisa. Estudar é para saber. Então, para esses livros, estudar é bem complicado. Primeiro, precisa ter incrível paciência e incrível vontade, personalidade, vontade para... Porque romance, livros, escolhe o livro, acha que é bom. Ou tem reclames ou é best-sellers, isso aqui não. Tem que pegar na mão, gostou ou não gostou, tem que ir à frente, e nem é tão interessante, muitas vezes, porque eu conto que eu estudei, são trechos interessantes que começam as crianças a estudar. Trechos, muitos trechos interessantes que a criança fica curiosa e vai aprendendo pequenos trechinhos, né.
P/1 – E o senhor nos deu o melhor, né.
R – Então, eu acabei, ser um profissional, trabalhei como profissional alguns anos... Olha aqui, a ortodoxia, lá em Budapeste era tão alta que, vamos falar, pessoas que tinham fábrica, algum tipo de fábrica e a fábrica começou às sete horas da manhã. Só por religião ortodoxa, o Shacharit. Sabe o que é Shacharit? São rezas de manhã. Só pode rezar quando está claro, né. E lá em Budapeste, sendo que está assim um pouco alto no mapa, né, então, lá no inverno sete horas da manhã está escuro, e já três, quatro horas da tarde também está escuro. No inverno. No verão, não. Três horas da madrugada já está. Então, no inverno, se um judeu ortodoxo foi trabalhar, ainda mais em fábrica ortodoxa, por motivo de sábado também, não, então, toda fábrica ortodoxa tinha um pequeno templo. Porque ele começou a trabalhar, na hora, quando poderia rezar o Shacharit, então, para, vai ao templo – só os ortodoxos, o resto de judeus não, só quem quer. Pode parar, foi… [interrupção]
P/1 – Uma coisa que a gente queria saber é como eram as festas.
R – As festas?
P/1 – É, as festas religiosas.
R – Olha aqui, eu, por acaso, conheço as festas das famílias ricas, da seguinte maneira. Porque lá em Budapeste, conforme eu falei, essa palavra “ore'akh”, certo, tinha... Sabe o que é “ore'akh”, não? Tem que ter um convidado na mesa. Então os ortodoxos, sempre os ortodoxos, isso foi praticado de diversas maneiras. Então, uma maneira, entre as diversas maneiras as famílias que tinha criança, então, os filhos ricos tinham que levar para as crianças pobres, no colégio, o lanche. Quer dizer, naquela época não existia o governo que dá lanche, não sei o quê, não. Então as crianças pobres em geral, não levavam lanche no colégio. E os ricos, em geral, levavam lanche no colégio. Então, as crianças ricas tinham sempre as crianças pobres delas, que já foi resolvido na reunião dos diretores do colégio, não que eles tinham permanentemente que levar lanche para os pobres, porque lá nos colégios ortodoxos não foi como aqui, num particular, se é particular, vão os ricos, para [escolas do] governo vão os pobres, né? Sendo que foi de religião e de ortodoxos, então foi supermisturado, com super-ricos e com superpobres, por motivo de religião. Então, eu era um que recebeu sempre esse lanche. Só que isso não chega [basta]. As crianças ricas tinham que levar para casa crianças pobres para almoçar. E para sábado e para os feriados tivemos convites das famílias para ir comer. Então, eu, por acaso, era um que andou em diversas famílias comendo, sábados e domingos e feriados.... Domingos não. Domingos era o colégio funcionando completo [normalmente]. Sábados e feriados frequentava essas casas onde também tinha crianças da minha idade. Quer dizer, não andei em lugar onde não tinha crianças da minha idade, onde tinha criança da minha idade. Então, a gente foi lá, almoçou lá e ainda ficou lá brincando. Isso sempre é um problema de criança, brincar, né? Então, para criança não ter vontade de sair de casa e não sei o quê, então trouxe um outro filho de um ortodoxo, dentro de família, com quem brincar, naquele nível, né? Não tinha ofensa, não tinha não sei o quê, coisas desagradáveis, não. Então eu andei, assisti muitos Seder super-ricos, super-ricos, inclusive comi muitas vezes no rosh ha-qahal, que também tinha filhos. Eu, feriados, na casa, na hora de comer, o que comeram, como que foi, eu me lembro até hoje. Inclusive, eu me lembro de um susto de uma casa ortodoxa, o seguinte: tinha um filho de mais ou menos, vamos falar, vinte e cinco anos – tanto faz a idade, se é vinte e dois, vinte e cinco ou trinta, não –, de uma família naturalmente ortodoxa. Eu, como eletricista, por acaso, sabia alguma coisa do filho velho, porque eu tinha amizade com o filho novo da família, né. Só sabia porque ele me pegou, me levou a um apartamento para fazer certas menores e maiores coisas lá, ajudar ele, né. Acontece que eu jamais soube que este apartamento, o que era. Depois, eu soube que ele levou lá as namoradinhas dele, né, eu não sabia de nada. Então, uma sexta-feira à noite – porque existe comer nem na semana, muito menos no feriado, que todo mundo não está na mesa. Tinha duas filhas e tinha dois rapazes. Depois, a família está em Israel. Se alguém vive... Não, pai e mãe não vivem, só os filhos. Estes quatro, ah! Um voltou da guerra. Então esse filho, uma sexta-feira à noite não foi no templo ao lado do pai. Porque lá é costume que os filhos vão ao lado do pai, não foi, e chegou em casa um pouco atrasado. Acontece que a mãe, a senhora – eu sei o nome de todo mundo, não falo o nome – trouxe as coisas para mesa para comer, e o pai disse que iam esperar meu filho mais velho e o rapaz chegou um pouco atrasado. Com certeza foi lá naquele apartamento, né. Chegou um pouco atrasado. E o pai perguntou ao filho, não sei onde foi, onde não foi, não sei o que ele respondeu, assim, detalhadamente. Eu sei uma coisa, que uma mesa grande, com um cobertor branco, sempre branco, as louças supercaras e boas, estava na mesa o peixe e a sopa de frango ou galinha, que sempre... Ele pegou a toalha, o pai puxou a toalha, espalhou tudo no tapete, na sala, entendeu e acabou o jantar. Eu nem sei como é que eu saí de lá, não me lembro. Só sei que eu me catei e fui embora, depois desta cena, né. Só para ver o que é ortodoxos. Que este Paulo Neto está muito longe desses assuntos, muito longe, muito longe. Assim foi ortodoxo, em Budapeste. Agora, eu frequentei casa de ricos assim que muitas vezes não cozinhavam. Porque sabe que no sábado ortodoxo não cozinha. Você sabe o que é Tcholent, não sabe? Então colocam o Tcholent e comem no sábado. Tem muitos tipos de Tcholent, tem Tcholent, sopa, tem Tcholent com carne de frango, com carne de boi, com feijão branco, com... feijão preto nós não temos, feijão mulato. Muitos tipos tem, né. Então, os ricos se não concordarem cem por cento comer todo sábado cem por cento igual, não é. Sabe como é, se alguém é muito rico é outra coisa, né. Então, tinha restaurantes ortodoxos, superortodoxos restaurantes. Então, se sábado não tinha almoço na casa, a mim sempre levaram nesses restaurantes onde comemos. Eu muitas vezes fiquei assim, nem entendi como é, como não é os serviços, tão finos e tão elites, era criança, não é, como que é. Para mim foi estranho. Sabe como é. Convivi com eles. Ainda mais, sempre fui sentado perto de outro rapaz amigo, né. Agora, me lembro até hoje como que eles foram sentados e o garçom – sabe, na Hungria, garçom é um pouco diferente daqui, é muito mais competente. E também, quem comeu lá, de ortodoxia, também não pagou nada… Só colocaram esses quadradinhos para cá, para lá, o dono, né. O dono colocou esses triângulos. Porque ele já conhecia todo mundo. Porque esse restaurante não foi para rua. Não poderia entrar assim, seja superelite, só foi feito de não entrar de rua, que são ortodoxos. Depois, tinha outro restaurante, o Taubert, que o dono veio aqui no Brasil, ele me reconheceu a primeira vez que me viu aqui no clube húngaro, na Souza Lima, tinha um clube húngaro, judeu. Não sei se sabem, 384. Funcionou muitas dezenas de anos. Era noventa e cinco, noventa e oito por cento judeus. Na Souza Lima. Agora tem um edifício, Clube Cultura Paulistano.
P/1 – E o clube acabou?
R – Acabou. Este clube era um clube muito famoso, frequentado por muitos judeus que nada tinham com o clube, chegavam para o ano novo, para diversas festas, sempre teatros, bons teatros, até eu já participei também de teatros, colégio, tem professor, onde os alunos perturbam tudo, né. Então, também eu frequentei um restaurante como um “ore'akh”. Dentro do restaurante, numa mesa separada, numa mesa pequena, eu sempre fui lá comer. Sabe o que é Kvater, não? Que segura a criança quando tem o Brit. É Kvater, né. Então me lembro, todo sábado de manhã eu também almocei na casa de Kvater, porque conforme disse, um certo tempo, minha mãe era separada do meu pai. Então eu fiquei com mãe, e eu andei nesses lugares com ela, porque.... Olha aqui, vou contar uma história. Sempre falo de Paulo. Que duvido que uma das pessoas de Paulo faria. Minha mãe ganhou, me lembro até hoje, quando lavou roupa, antes da guerra, tempo normal, quando o dinheiro não tinha inflacionado nada, três pengo e cinquenta centavos. Como três cruzeiros e cinquenta, só que tinha o valor dele, né. Quando ele trabalhou, quando lavou roupa, está certo? E nós morávamos num tipo de vila assim, não é vila, porque... ou seja, vila, muitas casas dentro de um quintal... Em geral, no bairro judeu, todo mundo é judeu, não existe quem não é judeu, nem vão lá outros. Não estava cercado, mas era já costume, se juntam, né. Então, tinha muitos mendigos judeus, muitos mendigos judeus, não poucos, sem parar. Então, uma vez, eu me lembro que veio um mendigo judeu e minha mãe deu cinquenta centavos para um mendigo que passou lá, eu vi, não sei quantos anos tinha, e eu disse: “Escuta mãe, não entendo essa história não. Você trabalha de manhã até à noite por três pengo e cinquenta, você dá para um mendigo cinquenta centavos assim?”. Eu me lembro o que ela respondeu, são coisas que agente não esquece: “Olha aqui meu filho, eu dou isso, se um dia você precisa, ninguém te dá um ou dois centavos". Falou isso. Depois, meu pai, vamos falar, meu pai. No sucot, sabe o que é Sucot, é natural, cabanas, uma festa de cabanas, né. Ele nunca dormiu na casa não. Ele dormiu lá no sucá, se chovia, catava o pano dele. Quando eu era pequeno, quando eram juntos, estou falando porque estou misturando, quando estavam juntos e quando estavam separados, né. Então, quando estavam juntos, eu era bem criança, meu pai sempre dormiu no sucá, eu tinha que dormir no sucá. Se chovia, corríamos para dentro do apartamento, não é. Nós dormíamos no sucá, não dormíamos na casa confortavelmente, não, dentro do sucá. São coisas que como é que os ortodoxos... Olha aqui, ortodoxos superpobres. Porque os sucá, se eram pouco ricos, ortodoxos, porque outros não faziam, não, então, foi incrivelmente bonito decorado. Só como uma fantasia de cinema, né. Rico. Agora, se era pobre, sabe o que era sucá? Um metro por um metro, sem mesa, naturalmente, uma cadeira só e aquele um por um, uma tábua fixa. E era naturalmente perto do apartamento, porque a mãe entrou lá, todo dia, pelo menos [para] comer, se já não dormiu lá. Todo sucá era um metro por um metro, mais ou menos. Ainda me lembro que tinha um nome: “pen sucá”. Em húngaro quer dizer “com dinheiro apertado”. A gente está na cabana apertada. Quem tinha assim sucá pequeno, né, então, se chamava “pen sucá”. Sucá quer dizer dinheiro apertado e também quer dizer que com o dinheiro apertado, a gente tinha que ter também uma sucá apertada. Só ortodoxo tinha, né. Olha aqui, não vejo no Brasil, porque em Israel tem muito, no Sucot tem o etrog. Sabe o que é etrog? Não sabe. É aquele tipo de laranja, que se reza.
P/1 – Ah, sei o que é. É cidra.
R – É cidra. Tem o lulav, a palma, não é, e tem mais duas coisas lá, nos dois lados. Então, olha aqui, se ele era religioso, não existiu um homem que não tem isso. Sendo que custou muito caro, porque foi tudo importado. Então, veio as importações e comprou. Naturalmente, os não ortodoxos, só os rabinos que tinham. Isso jamais poderia imaginar que meu pai não tem. Se tem dinheiro ou não tem dinheiro. Certos lugares jamais poderia imaginar que depende de dinheiro. Vamos falar. Toda sexta-feira, todo ortodoxo foi à mikvá, homens. Agora, muito ortodoxo, todo santo dia de manhã, foi à mikvá. Essa mikvá não é fácil, porque tem dias incrivelmente frios, no inverno, né, e ir à mikvá é... depois, para secar, pra sair de lá fora, né, naquele frio, é meio…
P/1 – Mas a mikvá é água fria?
R – A mikvá é água quente.
P/1 – Ah, é água quente. Se entra no poço direto, deveria ser água na temperatura natural.
R – Bom, só o mikvá está... Não. Os rabinos... Não. Eles vão aprender como que pode fazer coisas, onde eles têm que fazer. Lá eles não podiam escolher que não vai ter água quente. Então, eu sei, os superortodoxos, muitas vezes, nas aldeias, cada um tinha mikvá sozinho. Fizeram poço largo, onde a água está alta. Porque esse poço muitas vezes tem dez metros de profundidade, cinco metros. Muitas vezes dois ou três metros de profundidade. Então, fizeram o poço com um certo tipo de escada, desciam e tomavam banho. Banho naquele poço, né, que era quase particular dele, ou às vezes a família tinha um. E também tinha famílias mais ricas, que eram muito religiosas, que não queriam tomar mikvá na água que vem num tubo, porque tem que ser água nascente, não sei exatamente como discriminado, então, só serviria o poço. Até inventaram fazer, esquentar fundo de poço. Até isso. Então, fizeram, de chapa, um tipo de tambor, como um tambor de duzentos litros, né, e dentro daquela chapa tinha um pequeno fogão onde se fazia calor. E ele ficou lá dentro. Um pequeno fogão, vamos falar, de cinquenta centímetros de diâmetro. O tambor tinha oitenta centímetros de diâmetro, né. Então, esse ambiente de calor lá dentro esquentou um pouquinho aquela chapa de fora de tambor e esquentou um pouquinho toda a água que está no poço. Então, se o poço não é muito profundo, então, até esquentavam água do poço. Mas naturalmente, dá um trabalho tremendo fazer fogo lá dentro, abaixar o fogo, para esquentar um pouquinho, né. Bom, depois modernizaram tudo. Isso aqui eu vi, ainda como criança, funcionando. E quando eu acabei, depois, de ser profissional e trabalhei um certo tempo, depois já veio o tempo de militar, virei militar.
P/1 – Convocado para guerra?
R – Não. Lá não tem convocado. Como aqui. Cada um, certa idade, tem que se apresentar. Então me apresentei e eu…
P/1 – Era dezoito anos?
R – Lá, acho que dezenove anos, assim. Não me lembro exatamente. Entrei. Agora, anos, anos, me trouxeram todo dia almoço kasher lá no militar. Anos. Eu parei de comer comida kasher lá no militar quando me transferiram para o serviço de trabalho. Não é campo de concentração. Separaram o militar judeu, com militar não judeu. Então, os judeus foram no campo de trabalho, não campo de concentração. Porque fim de semana todo mundo ia para casa. Ainda era só diferenças que no lugar de armamentos, recebemos ferramentas. Então, lá também alguns trabalharam no campo. Trabalhei no campo, muito, ajudar plantação, não me lembro. Fiz plantação de cenoura. Só lembro que é cenoura porque me disseram que é cenoura. Então, quando eles botam na terra a cenoura, nascem cinco, seis juntas. Quando está pequeno, tem que tirar fora da terra e separar e plantar cada uma na terra separada, porque não sabe qual é que vai pegar. Então, as bonitas, planta-se. Então, eu me lembro que quando fui no campo, eu tinha que fazer isso, separação das cinco, seis cenouras, com o buraco separado, cada uma cenoura que já crescia um pouco. E outros diversos trabalhos no campo. Também, em certo ponto de vista, fomos escondidos também dos alemães.
P/2 – Pelo exército?
R – Quem foi do exército só. Eu fui transferido. Quando os alemães começaram a pedir sempre mais e mais judeus, não, porque ainda não era 19 de março, aquele governo, sabe como que é, que não podia fazer assim contra os judeus – tinha seiscentos mil, oitocentos mil judeus na Hungria, né. No início foi tudo lento, não. Então, esta palavra, escondidos dos alemães. Que nós dormíamos no campo, no ar livre, lá na terra, no chão. Como aqui dormem pessoas na calçada, assim nós dormíamos no campo. Só era grupo militar.
P/2 – E por quê? Eu não entendi.
R – Porque este era o nome esconder. Porque alemão sempre tinha ali na Hungria. Porque Hungria e Alemanha eram associados. Mas a Hungria não fez tudo que a Alemanha pediu. Não fez tudo. [Interrupção]
P/1 – Eu queria que o senhor explicasse como foi feita essa separação. (Quais foram os próximos passos?), que isso aqui é importante.
R – Bom, a separação, conforme disse, um dia chegou um coronel, de uma, patente mais alta, né, e mandou juntar, no militar, todo mundo que estava naquele grupo, não sei como “expressionar”. Então, tanto foram todos os cristãos como os judeus. Que fomos só três judeus, assim de duzentas pessoas, de cento e cinquenta pessoas, sei eu, só três. Por acaso fomos três também lá na universidade. Por acaso fomos três. E entrou com uma certa malícia, malícia, posso usar essa palavra, porque ele falou, que nem entendemos: “A raça dos lábios grossos… – Não esqueço porque não entendi, procurei entender e não entendi – vão ser separados, não podem ser mais…” – Que ele também era. O nome dele era (Kerényi Antal?). A Hungria tinha muitos tipos de raça. Então, na Hungria tinha muitos alemães, muitos tchecos, muitos romenos, muitos servos, tanto que a Hungria ficou muito menor, porque qualquer um dos outros país receberam, depois da Primeira Guerra Mundial, não a Segunda, a Primeira... Ao norte foi feita a Tchecoslováquia, de Transilvânia foi feita aquela Romênia grande, não, do sul foi feito Iugoslávia, não, que eram muitos habitantes de Iugoslávia, durante mil anos, sempre viveram lá na Hungria e agora pegaram os terrenos, se anexaram os outros países laterais. Então, tinha muitos alemães. E esses alemães também tinha no militar húngaro, não. Então esse oficial, com nome alemão, (Kerényi Antal?). Então, ele veio com essa expressão de racismo – os homens com lábios grossos – que sei lá eu, ele já viu isso.
P/2 – Por que lábios?
R – Eu não sabia o que isso quer dizer. Por acaso tinha muito mais lábios grossos camponeses, como nó, judeus, Eu não entendi. Eu sei que noutro dia me disseram, me explicaram que tem que ser. Porque isso foi feito na noite. Foi feito uma noite para o outro dia, não que outro dia já fomos embora. Então, depois me explicaram que eu tinha que ir, então, tinha que entregar a roupa toda, vestir-se a civil e entregar os... tinha armamentos, eu por acaso sempre andei com revólver, por motivo que eu era pioneiro no militar, durante quase três anos, não é, os pioneiros, sendo que trabalham com barcos em cima do Danúbio, eles não podem ter carabina. Nosso armamento oficial era revolver. Tem que aprender a usar carabina, quando a gente começa, né. Só depois, com o tempo, vira revólver, porque nosso setor é completamente diferente. Então, tinha que devolver tudo. Depois, acho que veio um caminhão e nos levou. Porque lá tinha muitos grupos. Então cataram de todos os grupos e levaram-nos a outro lugar, onde recebemos roupas militares. Mas um tipo de roupa militar que já não foi para uso militar. Para trabalhar com aquela roupa. Era mesmo roupa militar, só já fora de uso. Recebemos essa outra roupa. Depois nos separamos, lá fomos separados, quem sabe, quem não sabe, para ter maior proveito no trabalho. E onde eu fui, eu sempre tinha proveito, eles me aproveitaram nas instalações elétrica, hidráulica ou nos concertos ou na conservação. Então, eu sempre virei nessa turma especial, de uma certa maneira. Depois eu já me acostumei, eu já disse: “Olha aqui, eu sempre trabalho com isso”. Porque foi transferência para cá, para lá não. Então eu já sempre, todo lugar chegava, já sabia o que precisava, eu já sozinho disse: “Olha aqui, eu sempre trabalhei com isso”. E fiquei trabalhando, em geral, no meu ramo, quando foi possível. Lá no campo, que eu falei, que também era uma parte desta vida de trabalho, porque não foi nunca deportado da Alemanha, também era parte, lá não fui eletricista-bombeiro. Fui só onde precisou. Então a gente caiu numa situação diferente, então assunto, é.
P/1 – Eu queria saber o termo lá dos lábios grossos, em húngaro. O senhor consegue se lembrar da frase que esse militar disse?
R – Eu sei. Vastag Ajkak. Vastag é grosso. Vastag Ajkak é de lábios grossos. Eu tenho um dicionário aqui, muito velho…
P/1 – É. Não precisa.
R – É. Não precisa. É húngaro. Quando eu cheguei no Brasil…
P/1 – O senhor comprou aqui esse dicionário?
R – É. Só existe em Portugal, pode pedir na Hungria, vem muito bons, feito em Portugal. Este é feito aqui no Brasil. É um Padre Católico que fez. Para ensinar quem chegar. Agora a palavra é Vastag Ajkak.
P/1 – E não teria um outro significado que não labios grossos?
R – Não. Tanto que imediatamente fomos colocados por essa... Eu estou dizendo... [interrupção]
R –... Suíça. Sueco. É o passaporte com que eu cheguei.
P/1 – Tem o visto do Brasil atrás. Esse é o desembarque. Com esse documento chegou ao Brasil em 19…
R – Agora, eu antes tirei, se a gente olha, os papéis... eu nem sei onde tirei isso. Eu acho que isso foi tirado na Hungria.
P/2 – Comitê Internacional de Las Croix Rouge.
P/1 – Foi Roma ainda.
R – Bom. Bom. Aqui está escrito que esse campo de concentração da Hungria. Kistarcsa. Eu cheguei de lá. E queria ir à Austrália. Aqui foi aqueles três anos que eu falei. Este aqui, que foi tirado na Hungria, este era um passaporte interessante, vou dizer por quê. Este aqui é uma história mais ou menos complicada. Se querem entender, eu digo. Este é o seguinte: na Hungria, em 1920... Isso não tem significação, quer gravar, grava, mas não tem significação. Em 1920 tinha uma lei – isso não tem nada com judeus – tinha uma lei que aquelas partes da Hungria que foram anexadas à Tchecoslováquia, porque era Tcheco. Para Romênia foi anexada toda a Transilvânia. Para os sérvios foi anexado os húngaros-iugoslavos. Os eslovacos e tinha mais alguns, diversos tipos de povoações no sul da Hungria. E para Áustria também foi anexada uma parte da Hungria. A Hungria foi toda a volta cortada e anexado. Então, tinha uma lei na Hungria que todas aquelas pessoas que querem continuar sendo húngaros, então, ele pode vir, por um certo tempo limitado, pode vir à Hungria. Tanto romenos como eslovacos, que foi para junto com os tchecos para criar a Tchecoslováquia. Então, meu pai e minha mãe estavam em territórios que foram tirados da Hungria e foram anexados à Romênia. Então, quem quer continuar sendo húngaro, então poderia vir à Hungria. Até aqui foi certo. Em 1940, mais ou menos ou 30 e... Foi quando eu era soldado comum. Veio uma lei que todas aquelas pessoas que permitiram mudar para a Hungria, então, elas deveriam ser tratadas como estrangeiros. Para mim, não. Esta foi exclusivamente para judeus. Mas para mim. Eu não me lembro as leis, mas tinha. Então, de um dia para outro dia, eu fui contado na Hungria como estrangeiro. Eu virei estrangeiro. Exatamente, estava servindo [como] militar. Então, não só que “me contei” como estrangeiro como cada mês eu tinha que ir na polícia que registra os estrangeiros na Hungria, né, e dizer que “eu estou aqui”. Só isso. Porque não poderia sumir ou não sei o quê. Bom, isso são leis. Que durante a guerra tem um milhão de lei. Entre um milhão, é mais isso, né. Então, acontece que os judeus que foram cem por cento húngaros, com lei, foram encontrados como estrangeiros. E tinha uma... anos, um tempo prolongado, que foram deportados na Polônia como não húngaros. Este aqui era um trecho de época mais ou menos 1939, 40, 41. Nesses anos mais ou menos que cataram os judeus que nasceram naqueles territórios onde eles poderiam optar ser húngaros. Quer dizer, já eu expressando é complicado, né, agora, que entende, entende, não. Bom, então, quando eu estava como estrangeiro declarado na Hungria e depois que eu acabei meu tempo militar, eu acabei porque no início do trabalho, aquele que eu disse que fui transferido para trabalhos, não, não o campo de concentração... Mas o militar tinha a seção de trabalhos. Conforme disse, umas bombardeiras para consertar e trabalhos quase militar, né. Quase. Mas sem armas. E sem... como se chama? Porque os nossos chefes eram... a mesma coisa, todos. Não era ainda nem campo de concentração, longe de campo de concentração. Podíamos, como militar, toda a semana ir para casa. Isso foi um espaço de intervalo entre os piores e os poucos piores, né. Então, naquela época resolvi que eu queria sair da Hungria. Acho que foi isso. Acho. Por isso estou olhando. Então, eu perdi... Isso já.... conforme estou dizendo, quarenta anos, né. Então, eu pedi um passaporte. Só que eu não poderia receber passaporte húngaro. Não podia, porque contei como estrangeiro. Através de meu pai. Porque eu já nasci na Hungria. Agora, eu já contei como estrangeiro. Então, isso que contei como estrangeiro, então, eu pedi um passaporte Cruz Vermelha, pensando que com esse passaporte eu iria sair da Hungria. Então, eu ganhei esse passaporte que está na minha mão, onde está escrito em húngaro e francês, porque naquela época todos os documentos eram só em duas línguas, húngaro e francês, todo lugar, francês, né. Então está escrito que eu posso ir para qualquer lugar do mundo, menos para Rússia. O único lugar que não poderia ir, não.
P/2 – E por quê?
R – Porque em 1940, ainda a Hungria contou praticamente como país capitalista. Não era, não. Mas era como um país capitalista. Porque, mesmo que aliou-se com a Alemanha... Alemanha também combateu o comunismo, não combateu? Bom. Isso são... Porque depois fizeram amizade para acabar com Polônia, né. Por isso que eu estou dizendo que as coisas mudam dia por dia. Então, tinha época quando a Alemanha estava muito ruim com a Rússia. Eu nem sei se só isso já foi antes de ocupar a Polônia ou depois de ocupar a Polônia. Tenho que ver, porque tenho datas aqui. Então, se foi antes, então, foi porque a Alemanha era inimiga da Rússia. Se foi depois de ocupar a Polônia, então automaticamente eles viraram inimigos. Porque a Alemanha quis mais. Eles dividiram a Polônia, acabaram em alguns dias a Polônia, acabaram em alguns dias a Polônia, mas a inimizade continuou, não é. Então nesse passaporte foi escrito. Que aquela época só tinha praticamente só um país [do] comunismo, era a Rússia. Então, deram esse livro que posso ir a qualquer lugar, menos à Rússia. Agora, isso que foi antes ou depois da Polônia é “tanto quase” [tanto faz] porque esta amizade entre a Rússia e a Alemanha só existiu por algumas semanas. Por isso estou dizendo, só pessoas que estavam lá e conhecem profundamente as coisas, então, sabem. Então, eu recebi isso da polícia húngara, para emigração. Está aqui, e foi tirado no Budapeste, em 1939, 12 de dezembro. E tinha validez... Porque, conforme eu disse, eu fui em 1937 para militar. Então, aqui acabou dois anos.
P/2 – Tinha validade até quando?
R – Dois anos, Um ano. De 1939 até 1940, em dezembro. E, naturalmente, sair não podia. Sair não podia.
P/1 – Ah, então o senhor acabou não saindo com esse passaporte. Só pediu para ver?
R – Não, não saí. Isso aqui é um assunto, um trecho, uma ilusão na vida.
P/1 – Vendo esse retrato, agora entendo o que o coronel quis dizer, que aqui nessa foto o senhor tem lábios grossos... Então, está explicado. Olha aqui. Os lábios são bem carnudos.
P/2 – Mas será que todos teriam?
P/1 – Mas aí pode ter sido um ataque direto. Ou pode ter sido que os outros também fossem.
R – Agora, aquele papel...Aquele papel que eu falei, que foi fácil…
P/1 – Não, não, não. Não tira não. Não tira não.
R – Pode deixar. Eu sei o que eu estou fazendo. O original, fixação dele, não é isso. Esta aqui eu tirei, está vendo. E esta aqui que foi.... Esta é que é. Está tirado já de qualquer maneira. Isso aqui é insignificante. Isso é o seguinte. Quando agente pede passaporte, então, tem que ir à polícia pedir... Isso é um tipo de identidade, carteira de identidade. Então a polícia diz meu nome, quando eu nasci, [com] o que que eu trabalho. Então, aqui está escrito que eu sou eletricista, em húngaro. Está escrito que meu país não consta, óbvio. É a Hungria. Aqui está cortado. Era maior um pouquinho, né. Aqui foi que eu disse que eu consertei assim para um oito.
P/1 – É. Realmente, seria um cinco transformado em oito, está bem nítido.
R – É. Este aqui. Então, como esse aqui, eu resolvi os outros em dezoito, onde está escrito que quero ir à Austrália. Lá tinha uma certa idade que poderia ir. Eu não cheguei a ir, não. Este eu só botei aqui, este foi colado, que isto era minha identidade. A polícia que deu, como aqui também dá, só não tinha a carteira de identidade.
P/1 – Ah, o retrato era a própria identidade?
R – Bom, toda foto, para mudar para identidade, a gente foi na polícia e a polícia carimbou. Era maior, como identidade, usei para esse passaporte. Este aqui é outro carimbo, exclusivamente de passaporte. Aqui está escrito utlévél osztály – Seção de Passaporte. E esta aqui é a polícia que dá como identidade. Eu dou uma foto, eu digo onde estou morando, o que eu estou fazendo. Então, a polícia vai lá onde eu declarei que estou morando e fala com o responsável, tipo porteiro, né. Porteiro... Então, lá tem, como se chama?... Lá são tipos governantas. São mais que porteiros.
P/2 – Concierge.
R – Eles são…
P/2 – Tomavam conta do…
R – É toma conta. Mas são superorganizados, aqui um porteiro não tem uma organização máxima, o sindicato. Agora, lá não. Os porteiros, em cada bloco de prédios tinha um chefe porteiro. Quer dizer, este quarteirão todo à volta, vamos dizer tem vinte edifícios. Então, os vinte edifícios tinham um chefe. Por isso foi que o fascismo tão fácil levou os judeus. Então, esse quarteirão, dez ou vinte quarteirões tinha um novo chefe. Quer dizer, o porteiro era o chefe do edifício. O quarteirão fechado, era um chefe de vinte. Depois um pequeno bairro, novamente tinha um chefe, aqui não existe isso. E depois assim foi para frente. Até que tinha um chefe geral. Então, vamos supor que os alemães davam uma certa ordem, então, em um dia, entrou em certas vias até a última pessoa. Porque aquele chefe grande que estão atrás dele, isso em dia se resolve. E chegou até o porteiro, que era fechado com essa organização. Que automaticamente era um espião de altos militares. De certo ponto de vista, porque como eu estou dizendo, chegou até lá em cima. Então, quando tinha qualquer uma lei ou ordem militar, não precisou botar no jornal, não precisou fazer lei, não precisou se comunicar com ninguém. Um chefe lá de cima, seja quem for, o chefe civil, ou militar ou dos governados alemães, sejam quem for, sabia que tem um chefe principal lá dos…
P/2 – Porteiros.
R – Não dos condomínios. São os inquilinos. Porque naquela época, acho que nem existia ainda o condomínio. E nem existia ainda apartamento comprado e vendido. Se existia, está fora do meu conhecimento. Lá existiu no máximo quatro, seis andares, proprietários de edifícios que fizeram os edifícios, quase de graça, vou dizer porque de graça, para alugarem para inquilino. Agora, me lembrei agora. Essa palavra quase de graça é porque a construção, aqui no Brasil e no mundo inteiro, só fazem se alguém tem lucro. Se alguém não tem lucro, ninguém vai fazer uma construção para alugar e depois nem se sabe amanhã o que acontece com o aluguel. Ainda com leis de hoje, né. Então, o governo para facilitar a construção, para alguém pegar o dinheiro e empatar o dinheiro para fazer o prédio, fizeram uma lei que diz o seguinte: toda construção que está feita está isenta de imposto predial ou territorial, que tem aqui, não, durante trinta anos. Para recuperar as despesas de construção. Para conseguir alugar barato os apartamentos. Então, não era para vender apartamentos. Aconteceu que todo mundo fez construção, porque tinha cálculo que vai recuperar praticamente o dinheiro integral. Como se abre uma loja e o dono imediatamente calcula aquele capital empatado, quanto tempo demora para recuperar de volta. Isso, automaticamente, é o pensamento de qualquer pessoa, não. Então, esses porteiros eram espiões. Porque lá qualquer hora, [em] qualquer minuto foi largado apartamento. Nem sei se tinha aviso prévio. Porque estou dizendo, sempre a gente fala com quase cinquenta anos atrás, tá certo? Então, ele já era... Estou dizendo na hora quando os alemães e os húngaros fizeram, em amizade, fusão, tá certo. Então, já os alemães chegaram e já com essa prática de administração, converteram os porteiros e sistema dessa maneira, que em 1940 já funcionou bem. Então, para eu ter carteira de identidade, eu entro na polícia, declaro simplesmente por palavras, meu nome, minha moradia, minha profissão, meu nascimento e tudo que eu preciso, que eles perguntam. Quando eu declaro, eles escrevem tudo através de fotografia. Então, um polícia daquele bairro vai lá onde eu estou morando e fala com este porteiro, que já é automaticamente um confiante do governo e perguntam: “Ele mora aqui?” “Sim.” “O que que ele faz?” “Ah, é eletricista.” “Você sabe quando nasceu?” Bem, esse nascimento já não tem muito com o porteiro, porque apresento na hora o nascimento, não.
P/1 – Consta da fotografia se é judeu? A religião consta?
R – Eu não sei se constou. E se constou, pode ser que foi cortado. Eu só sei dizer de outra maneira.... que todos os documentos... Aqui não vou ver.... Depois dizem qual o dia que eu fui para lá morar... E olha aqui, onde eu fui militar. Estou vendo agora aqui. Hajógyári Sziget. Eu estava aqui, naquele trabalho. Isso foi uma ilha onde fabricavam navios. Uma ilha no Danúbio. Se chama ilha de fábrica de navios. Agora, aqui, não constou que eu fui judeu não. Aqui não constou. E se aqui constou, então, está cortado. Se constou. Bom. Insignificantes coisas, são. Agora este papel aqui... Este papel aqui quem deu foram os ingleses. Este foi aquele famoso papel que a gente saiu da Hungria, com aquela supercomplicada situação, que eu falei, de atravessar duas fronteiras. Uma da Hungria para Áustria, russo-russo, e de Áustria para Áustria, russos-ingleses. Quer dizer, que tinha que atravessar duas vezes a mesma fronteira. Uma era a fronteira da Hungria e outra era a fronteira de onde parou a guerra, não. Onde se encontraram os militares russos e ingleses. Que pode ser no meio, como em Israel era no meio de Jerusalém. Então aquela fronteira política é uma fronteira, de ocupação de territórios é outra. Então, quando da segunda fronteira atravessei para a Áustria, então, lá nós chegamos mais ou menos umas vinte pessoas. Sem a menor pessoa que nos dirigem, né. Chegamos num lugar, totalmente abandonados. Mas acontece que, pelo meu ver, né, pelo meu ver, esta era.... Porque da Hungria, foi a organização sionista que iniciou, não, que nos juntou, nos separou, durante umas duas semanas não poderia me comunicar com ninguém, nem sair, para não contar onde estou e onde vou ir. Então, naquela hora, quando me levaram para algum lugar para preparar para sair da Hungria, eu era já praticamente um preso. Porque, se eu saio de lá, eu, sem querer, conto para alguém o que que eu estou fazendo e onde estou e onde eu quero ir, não. Sendo que eu fui tudo clandestino, então, eu fiquei. Quando eu disse que queria ir e entrei na organização para ir, então, eu praticamente já fiquei preso. Preso para não conseguir, sem querer, falar alguma coisa, como criança que não deve falar. Eu já não era criança. Então, quando atravessamos a segunda fronteira e como já contei, aquele balde de água, tinha que ir atrás daquele camponês. Também mais ou menos combinado já tudo com o Sionismo em casa. Então, ele nos levou na aldeia Graz, chegamos em Graz. Já foi feito assim para não chegar no campo, né, para chegar numa cidade. Lá na aldeia Graz já tinha... Os ingleses lutaram junto com os palestinos. Lutaram ao lado dos ingleses, não dos americanos, porque naquela época a Palestina era ocupada pela Inglaterra. Então, isso foi mais ou menos já esperado, combinado. Porque nós andamos como sem mãe, sem pai, sem falar nada, alguns metros, e veio um... aqueles soldados que estão vigiando, né, dois, quatro e pararam nós e perguntaram a nós quem somos. E ninguém sabia dizer nada. Porque quando saímos da Hungria tinha que dizer uma coisa, quando chegamos, outra coisa. Ninguém sabia de nada. Então, ele imediatamente nos pegou e levou neste lugar. Aqui. Neste lugar, imediatamente fizeram um levantamento e automaticamente esse documento constou como identidade. Estou vendo aqui agora rasuras que não sei, não fui eu que fiz. Isso mais ou menos foram eles que fizeram. Tanto que aqui tem um segundo... um segundo... e botaram o primeiro. Eu nem sei o que é isso. Imunização. Está vendo? Para... Então, está aqui. E eu já disse naquela época, eu quero ir à Austrália e já tinha sabedoria da idade, não, então... Aqui já até contou religião. Seja que foram os ingleses.
P/2 – E isso foi emitido lá na Palestina?
R – Não. Este foi emitido no quartel militar dos ingleses.
P/2 – Em que lugar exatamente?
R – Em Graz. Deve ser em Graz. Vamos ver se está escrito em algum lugar. Como eu me lembro, foi em Graz. Aqui não está escrito. Nem carimbo tem. Bom. Não tem nada escrito aqui.
P/2 – A data está… Isso foi quando?
R – A data, cem por cento. Isto foi depois da guerra. Só pode ser em 1946.
P/1 – 5 de setembro de 1946?
R – 5 de setembro. Agora, aí está aquela história. Entre 12 de janeiro, quando entraram os russos em Budapeste, até 5 de setembro, ou seja, até mês de agosto, eu estive na Romênia, fui até Constança, não. Que eu disse que depois da guerra, eu peguei um trem russo, que levou para casa os feridos de guerra, e eu subi também num trem russo, como falei, de Áustria, também foi russo, que cheguei da Itália. Porque não tem trem assim fácil. A maioria é trem militar, não é. Então, também subi num trem russo, que quis ir, não fui sozinho, não é, porque a gente nunca está sozinho. Isso sempre acontece com turminha...
(Parte 2)
R – ... aula de hebraico e nunca tinha aula de iídiche. Só tinha aula de estudar os livros.
P/1 – E estudavam os livros em quê? Em hebraico, mas não entendiam?
R – Nada, não é. Porque está escrito nessa língua a Bíblia. Então, ninguém usou a língua hebraica para conversar, para falar, para comunicar, porque essa língua santa foi usada exclusivamente para estudar os Livros Santos. Os nossos Livros Santos. Agora, não para conversação. Então, nós não tivemos hebraico, automaticamente, não tinha. E também não tinha iídiche, porque na Hungria tinha muito pouco iídiche. Só aquelas pessoas que virem de lá. Agora, sendo que dizem que na Hungria tem judeus de mil anos, que já chegaram junto com Átila, naquelas épocas de mil anos atrás, aqueles, nenhum falava E para o sul, e para o lado da Áustria, não, ninguém falava. E ninguém do mundo falou, iídiche. Poucas pessoas falaram em Budapeste. Os que chegaram, depois da guerra, do norte, que foram anexados aos outros países e também chegaram quando o Galícia pertenceu junto com a Hungria à Monarquia Austro-Húngara, porque a Galícia pertenceu, contou como Hungria, em documentos. Então, daí chegaram uns poucos que falavam iídiche. Então, eu não aprendi nem iídiche, porque não era nosso; hebreu não poderia aprender porque... Lashon Hakodesh que não poderia usar nem falar, porque só os sionistas usavam. Porque, conforme disse, tinha três grupos de religiosos e só um aceitou, em segredo, o Sionismo. Os ortodoxos não aceitaram, por lei de religião, os neólogos não aceitaram, por lei que são os maiores húngaros, e os status quo, que estavam no meio, em segredo aceitaram o Sionismo. Em segredo. Não oficialmente. Não foi proibido. Também não era moda. Porque muitas vezes alguma coisa tem que ser moda para outra facilmente entrar. Então, agora, vamos ver, aqui tem um documento que eu trabalhei para UNRRA.
P/2 – Aquele ali a gente não acabou.
R – Acabou, até guardou.
P/2 – Ele, então, foi emitido como um documento de identidade, para identificação dos ingleses, né.
R – É. Pelos ingleses. Isso todo mundo que chegou clandestinamente.
P/1 – Mas aí, a organização sionista não encaminhava vocês?
R – Para onde?
P/1 – Para as autoridades. O senhor disse que quando chegava, não sabia o que falar, né. Eram instruídos na saída. Mas uma vez chegados, livros, acabou, não tinham mais que... instruções?
R – Não. Então, deram esse papel. Automaticamente, que não sei se já disse ou não, chegaram os palestinos, não, e sendo que foi escrito (Yevish?), entregarem-nos automaticamente às tropas palestinas e israelenses, né. Entregaram. De lá nós fomos a uma cidade muito interessante, que se chama Judenburg, Juden, em alemão, sabe que é judeu, não. E eu ainda lá perguntei aos austríacos, perguntei a eles se esse Judenburg, quer dizer, cidade dos judeus, perguntei se durante o hitlerismo não foi mudado o nome. Disseram que não. Sempre foi Judenburg. No Judenburg tinha um quarteirão militar que foi desocupado e fomos colocados lá, no Judenburg, nesse quarteirão militar, que era totalmente domínio dos sionistas, não, coligados com esses palestinos. Então, de lá de Judenburg, eu quis chegar ao mar. Ao mar pensando que [com] um navio a gente resolve muita coisa. A gente sobe num navio, vai trabalhar. Até depois li livros que muitos judeus foram a diversos lugares nos navios trabalhar. Tem diversos romances, nem lembro os nomes, quando cheguei aqui li diversos romances, né, exatamente com navios, que todo mundo tinha pensamento de chegar até um navio. Chegar a Israel, chegar à América, chegar aonde for, né. Só onde anda navio, é mais fácil para sair, né. Então, eu quis chegar ao mar. E um dia, de curiosidade, como que pode ir até Itália, que não era longe, então, eu peguei um trem e fui até a fronteira da Áustria com a Itália. Klagenfurt. E eu pensei: “Eu vou olhar como é que está aqui em Klagenfurt, como está o andamento dos trens para a Itália”. Eu não sei como que, como que não, chegou um trem da Rússia, com letras “ciris”, não. E parou lá em Klagenfurt. E sendo que alemão sempre falei um pouquinho, eu perguntei lá, não aos russos, naturalmente nem aos italianos, para onde esse trem ia. E era já tarde da noite. Eles disseram que ia à Udine, na Itália. E ainda perguntei isso, era frio, não, era já neve, com neve...
P/1 – O senhor estava onde?
R – Eu estava lá em Judenburg, né. Eu desci para um dia, só para espionar a situação da fronteira. Então, diz lá que vai a Udine, sei lá eu, atravessa as fronteiras lá, mas pelo lado de Salzburg, né. Atravessa as fronteiras e vai chegar a Udine. E eu não sei o que que deu na minha cabeça, eu disse: “Bom, eu vou atravessar, vou olhar, depois volto, apanho minhas coisas”. Então, eu fiquei lá perto do trem, isso já não era assunto, porque a guerra já tinha acabado, né, então, aquele trem já não era um trem pesado, já trouxe para casa prisioneiro italiano, não. Da Rússia. Que ficaram presos lá e para criar aquela amizade política, não é, então, sabe como é, mais fácil entregar os prisioneiros. Então, sendo que o trem não era um trem assim de alto gabarito russo militar, não. Era um trem que veio. Então, eu subi lá no trem, lá naquele buraco que é freio. “Eu vou chegar a Udine, lá eu vou ver como que eu faço, como que eu volto.” Então, cheguei em Udine…
P/1 – O senhor sem roupa, sem dinheiro, sem nada.
R – Sem nada. Isso, aquela época, quando a gente está naquela idade não tem muita importância.
P/2 – Dinheiro, também, o senhor não tinha não.
R – Não. Nunca tinha. Não naquele dia não. Dinheiro não tinha desde o dia de nascimento. Isso nunca tive, essa sorte de usar a palavra dinheiro. Tanto que isso jamais chegou ao pensamento. Então, eu subi naquele trem e em Udine, conforme eu disse, eu fiquei preso. Os carabineiros italianos cercaram o trem, exatamente porque os russos sabiam quem chegaria. Mas os italianos não sabiam quem chegaria. Então, queriam ver quem ia chegar, né. Que pode ser que viriam pessoas estranhas, né. Então, foi cercado. Eu quis ser inteligente, eu quis fugir pelo outro lado da descida. A descida foi aqui. Mas acontece que jamais poderia imaginar que foi militar à toda volta. Então, sendo que não falei italiano, me fecharam lá. A própria estação de trem tinha tipo de cela para presos. Não sei que tipo de presos. Qualquer preso, até se resolve a situação, não. Que aqui não tem. Vamos falar. Aqui tem juizado de menores, também, certos lugares. Lá tinha uma cela exclusivamente para os presos. Então, eu fiquei lá na estação de trem, preso. Fiquei lá três dias. E chegaram diversas vezes oficiais para perguntar como que eu cheguei, quem eu sou. Porque lá chegaram os prisioneiros, não é. E eu só sempre usei “Eu quero ir à Palestina”. Só sei dizer isso. Sendo que na Itália todo mundo sabia que tem hayal [hayal = “soldado” em hebraico] palestino, não. Então, chamaram pra mim um palestino, para ele falar comigo. Então, ele veio, entrou e começou a falar hebraico. Só que hebraico eu não falo nenhuma palavra, né. Então, eu perguntei dele se ele falava iídiche. Eu, por acaso, falo iídiche. Porque tinha muitos poloneses e russos que foram a Israel, antes da Primeira Guerra Mundial e depois, entre a Primeira e a Segunda, e aprenderam de mãe e pai a falar iídiche, independente do hebraico, aprenderam alguma coisa. Então, eu perguntei se fala iídiche e ele disse que alguma coisa, né. Eu disse: “Olha aqui, aconteceu isso, isso. Estou aqui, cheguei aqui para um, dois dias, só para ver, e quero voltar para lá”. “Pode deixar, eu resolvo tudo” – disse ele, né. Então, ele me pegou e levou à Mestre, a última estação de trem antes de ir à Veneza. E lá no Mestre tinha uma organização sionista bem forte, bem forte mesmo. E ele me levou lá e me entregou a esse grupo sionista, que eu estou recém-chegado.
P/1 – Mas antes de continuar essa etapa, eu queria saber. O senhor viajou como clandestino?
R – É.
P/1 – Como o senhor conseguiu viajar como clandestino num trem militar, onde tinha presos militares?
R – Eu subi naquele buraco... Não tem na estação dos trens quem empurra vagões? Não conhece a situação? Então, quando empurram vagões... É o seguinte. Todo ponto principal de estação de trem tem dez ou vinte pequenas separações de trens, né. Então, um trem – vamos falar, para ficar fácil de entender – que vem de Porto Alegre. Vem até Rio de Janeiro. Ele traz vagões que vão para Manaus, traz vagões para Belo Horizonte, que vai à Brasília, né. Então, ele veio de trem aqui, com quarenta vagões, de Porto Alegre, não. Daí, ele vai a vinte outros lugares ou a dez outros lugares. Então, tem uma locomotiva que pega aquele vagão e empurra aquele vagão dentro de um lugar onde estes dez vão à Brasília, estes cinco vão a Manaus, estes seis vão a João Pessoa. Então, tem essa separação. Porque chegar, chegarem juntos, de diversas fábricas ou minerais, né. Então, todos esses vagões, quando estão fazendo separação, não tem locomotiva nem nada. Eles estão empurrados para ir a lugar certo. Então, sempre tem dentro um freador que quando já entrou no lugar certo, ele começa a frear o vagão com a mão. Esse freiador nunca se usa. Isso só usa na separação dos vagões, né. Então, eu subi, mesmo que estava no inverno, com neve, neste buraco em cima onde eles fazem freamento. E aqui eu subi quando o trem já estava em andamento. E ninguém do mundo olhou que alguém ia subir, porque quem ia subir neste trem para ir à Itália, onde levam para casa prisioneiro, né. Um austríaco não vai subir, não. Um italiano também não vai subir. Pra quê? Então, fui eu sozinho que atravessei. Se a gente não pensa assim “tem perigo, não tem perigo”. “Não, essa, a primeira estação, para agora... E ainda hoje à noite.” Porque não era assim um dia de viagem. A distância era curta. De última estação de fronteira da Áustria até a primeira da Itália. Então, chegamos à noite, não sei que horas, com luzes todas acesas. Eles acenderam luz tudo à volta. E lá eu fiquei preso. Então, chamaram este... Assim eu cheguei à Mestre.
P/2 – E quando chegou esse palestino e resolveu levar, os italianos deixaram ir, não teve nenhum problema?
R – Não. Ele me tirou de lá. Eu não falei nada. Não sabia dizer nem bom dia. Ele falou que podia deixar por conta dele. Ele veio como militar, né. Então, ele resolveu. Porque o militar que era lá também eram ingleses, mais ou menos. Ingleses e americanos. Ao norte eram ingleses. Os americanos eram mais no sul da Itália. Então, ele veio com um soldado inglês. E ele me tirou de lá e me levou direto à Mestre e me entregou lá no... Então, lá, eu fiquei lá algumas semanas. Eu vou dizer uma coisa. Depois de ser tanto tempo militar, e na guerra, tinha muitas restrições. Não deu para mim essas rígidas restrições dos sionistas. Então, um belo dia eu disse: “Pra mim chega. Não dá mais”. Então, eu subi num trem... Porque lá nunca tinha dinheiro. Eu comecei a viajar. Quando descobri que quem não sabe falar italiano consegue viajar à toa. Então, eu viajei à Itália diversas vezes, à toda volta. Era um divertimento. Agora, comida, né. Comida é o seguinte. Eu já sabia como que pode arrumar comida no trem. Primeiro, as estações finais têm muita comida, porque lá desce muita gente. Os italianos levavam comida para viajar, né. Então, eles deixam a bagagem no trem. Eles não descem com essas comidas, então, tinha comida. Agora, nas paradas no meio, que não era o fim, não, se a gente descia de trem, em geral, perto do trem tinha algum acampamento militar. E lá naquele acampamento militar tinha muitos pobres italianos, muitos pobres. Filas permanentes na frente de acampamentos militares, para arrumar comida. Então, eu desci, fui até o acampamento militar, recebi comida e depois peguei o próximo trem e viajei de novo. (risos)
P/1 – O senhor conseguia viajar assim como clandestino, sem pagar, sem nada?
R – Sem nada. Aquelas…
P/1 – E tinha algum destino?
R – Não. Isso é normalmente dentro de vagão. Sentado.
P/1 – E não tinha um... aquele picotador de bilhete?
P/2 – Isso para passear?
R – Não. Aquela é uma coisa comple... Aquele foi vagões. Esse daqui foi trem de passageiros, na Itália. A gente subiu, então, viu um homem pedindo passagem, né. Então, primeiro, nem sabia dizer quem sou. A gente falou tanto, falou tanto que este homem que catou as passagens cansou-se e foi à frente. Entendeu. Como vou falar, antigamente, aqui no bonde. Se a gente não pagou, ninguém pegou e botou pra fora. Ele não esticou aquele... aquele que tinha, marcava a passagem, né, lá na frente tinha aquele negócio. Disse: “Olha, aqui, estou sem dinheiro”. Então, ele nem disse que desce. Ele só chacoalhou as moedas, né, quem cobrou, o cobrador, não, e ele registrou para uma vez vinte. Registrou dezenove, ou recebeu trinta e registrou vinte. Tanto faz, só um viaja... Mas não tinha importância, depois da guerra. Depois da guerra ficou todo mundo tão cansado que ninguém criou caso de nada. Isso era imediatamente depois de guerra, que eu caí no Sionismo. Então, ninguém criou caso de nada. E não sabia quem eu era, quem não era, quem poderia ser para o futuro. Então eles, simplesmente... Todos eles foram iguais. Eles até se divertiram porque a gente não conseguiu dizer nada. (risos) O trem já estava andando, o que que ele vai fazer? Agora, tinha um para cobrar todas as passagens. Ele andou de vagão a vagão. Então, para ele me colocar fora, eu devia seguir ele até o fim, né, e quando o primeiro diz para para descer, né. Então, ele vai me carregar de início do trem até o fim, para na próxima estação me colocar para baixo? Ele não... Não tinha importância. E assim eu fui até embaixo, fui à Brindisi e à Bari, lugares importantes, porque de lá andaram navios para Israel, né, de Bari. Bari era o lugar principal, naquela época, para Israel, para os navios. Fui à Bari e à Brindisi e à Santa (Maria di Leuca?). Fiz a volta diversas vezes. E, inclusive, voltei três vezes à Mestre, assim de graça. Fui à Gênova, à Nápoles, porque fui três vezes à Veneza. Até isso.
P/2 – Mas o senhor fazia isso para procurar saída ou para passear?
R – Não, passar o tempo. Fiz amizades. Tinha outros húngaros, rapazes, garotas, a gente se conhecia, depois separamos, depois ficamos num lugar uma semana, outro lugar uma semana. Porque comida nunca tinha complicação por motivo de muitos quartéis militares que tinha. E depois, não só isso, a comida não era um assunto principal, porque a gente não comeu tanto. Não era um assunto principal. Tanto não era assunto principal que eu vou dizer, um dia, estava com muita fome. E eu vi pessoa de uma obra comendo macarrão e era marmita, né. Marmita era redonda, sei lá eu. E eu vi que ele, depois, não comeu tudo, virou o macarrão. Aqui todo mundo leva na marmita arroz e feijão. Lá todo mundo leva macarrão. E ele pegou aquele macarrão todo, virou fora. “Ah, bom, isso já é meu”, né. Então, eu me lembro, eu consegui catar, arrumei em um lugar água, lavei o macarrão, cem por cento lavado, e era comida. Isso não era, vamos falar, uma bomba. Tem problema com comida? Não tem. Se cata, né. Então, não tinha problema de restaurante ou de ir comer em algum lugar, porque absolutamente não vem cogitação como que é, ou como que não vai ter comida. Sempre tinha. Sempre tinha.
P/1 – Agora, não tinha problema…
R – Nem de dormir. Vou dizer por quê. Com dormir eu só tinha um problema só. Quando viajei em Gênova... Porque sempre os rapazes diziam aonde nós íamos para conhecer a Itália. Então, fomos em Gênova, porque lá em Gênova tem esse cemitério famoso, né, que é de oitocentos ou mil anos, e de Gênova tem um bonde que sobe montanha, né. E em Gênova era também um grande porto dos navios, então, fomos à Gênova. E sempre fomos assim de grupinhos. Grupinho. Alguns abandonaram e alguns cresceram, né. Grupinhos. Seja húngaros ou não húngaros, seja judeus ou não judeus. Nesta hora era assim grupinhos só. Então, lá em Gênova... E sempre para dormir também não tinha complicação, porque todo lugar tinha, da Cruz Vermelha, para refugiados, lugar para dormir. Então, diversas vezes eu fiquei num lugar três, quatro dias, como em Milão, que é muito grande, né, fiquei lá, naquela superlinda estação de trem, que é uma das maiores da Europa, né. Procuramos sempre a Cruz Vermelha e lá na Cruz Vermelha era supergarantido que poderia dormir. Todo mundo dormia lá.
P/1 – E comer também?
R – As pessoas davam, ou íamos embora e arranjávamos comida sempre no quartel militar. Lá nunca tinha problema.
P/1 – Mas a Cruz Vermelha não tentava encaminhar você?
R – Não. Porque depois da guerra é tão grande a confusão que ninguém do mundo... Só preocupa-se em passar mais um dia. Ninguém se preocupa assim para... longe, para frente. “Ele veio aqui pra dormir, dorme, amanhã, tchau.” Ou volta amanhã à noite ou não volta. Com isso acabou.
P/1 – Não pede documento, não pedia nada?
R – Bom, eu tinha esse documento permanente, da Áustria, né. Agora, isso também não era... Eles perguntaram, no máximo perguntava, não pediam assim documentos.
P/1 – E não faziam a ficha de quem tinha passado por eles, não?
R – Sabe, quando alguém me pergunta... Viu o filme de Wallenberg, não?
P/1 – Não vi, mas conheço a história.
R – Bom. Conhece. Eu tenho gravado. Então, o Wallenberg sumiu no fim da guerra. Então, os americanos, suecos e todo mundo estava permanente procurando o Wallenberg. E lá no filme também diz que sumiu ____. Então, quando eu falo com alguém, estou dizendo o seguinte: no fim da guerra, porque também tinha muito assunto com Wallenberg, não pessoalmente, com assuntos dele, não. Porque eu também tinha esse documento que levei – levar não podia – tinha esse documento... que sou sueco, né, para defesa desses. Defesa. Wallenberg, suecos, não. Então, quando os russos entraram, eles cataram todos os homens de uma certa idade como prisioneiros. Tanto faz se foi judeu, se foi católico, se foi doente, se foi alemão, se foi húngaro. Viam um homem na rua, nos primeiros dias, né, eles já levaram como prisioneiro. Então, o prisioneiro, naquela época, não era registrado. Como você chama, de onde você é, quem você é. Ele entrou naquela onda de ser capturado, então, ele tinha um passeio, ir até Sibéria. É supergarantido. Eu caí fora disto aqui duas vezes, né. Então, se alguém ficou preso na rua, por qualquer motivo, né, ou ele ficou prisioneiro por qualquer motivo, lá não tinha nome, quem é ele, quem não é ele. E não tinha nem número. Tinha para encherem os vagões e levarem embora.
P/2 – Com que finalidade? Eles diziam?
R – Bom, as finalidades podem ser muitas. Primeiro, pagaram os homens, levaram para Sibéria, para trabalhar. Pegaram os homens, levaram à Sibéria para não ter um levante contra os russos. Bem, podem ser muitos, não. Simplesmente pegaram todo mundo na rua, juntaram e mandaram. Agora, não tinha fulano, não tinha documentos, não se sabia quem é, sabia quem não é. E foi-se. Foi-se. E ficou lá. Como outras um milhão de pessoas ficaram em diversos lugares na Rússia e ninguém depois saiu de lá. Largaram família. Depois já ficaram livres, saíram como prisioneiros, depois casaram, depois fizeram amizade, aprenderam a língua. Mas, a primeira coisa que fizeram foi levar o máximo de homens. Onde eles andaram à frente, encontraram um homem que ainda poderia ser, no tempo de militar, se chama o prisioneiro que foi mandado. Então, assim, na guerra não tem essa possibilidade de registro. Olha, aqui não tem guerra. Jamais alguém poderia registrar aqui os mendigos que estão aqui ou lá. Então, imagina quando aquilo está dentro daquele grande bolo desconhecido. Como que vai ser amanhã? Porque naquela hora, ninguém sabe como vai ser amanhã, não. Só sabe de agora, “estou fazendo”. E faz de uma maneira de rotina, que já está fazendo desde que começou russo sair da Rússia para ir à frente, não. Faz permanente, não. Bom. Depois que eu viajei a Itália toda com esses grupinhos, para cá, para lá…
P/1 – Mas aí, antes do senhor viajar, o senhor ia para a Áustria, sempre em direção ao mar, para procurar navio para sair para Israel, para Palestina. Agora, o senhor chegava ao mar e voltava. (risos)
R – Não. Um momentinho. Acontece... Não, a pergunta é naturalmente normal. Mas acontece que a moral da gente, a depressão... – como é contrário de depressão? Alegria? Não sei – muda, entendeu. Um dia a gente está com um astral muito baixo, de sede, de fome, de não sei o quê, como quis dizer que em Gênova me roubaram tudo, meu sapato, minha roupa, e no outro dia de manhã não tinha nada nem para vestir, nada. Me roubaram tudo, em Gênova, na Cruz Vermelha. Então, quando a gente está alto ou está baixo, pode estar perto do mar, ainda estava dentro de um grupo, então, a gente se diverte e continua. “Depois eu volto.” Quer dizer, não mudou a ideia de ir a Israel. Mudou instantaneamente uma possibilidade de conhecer Itália. Vamos supor assim. Então, a gente continua. Depois, não tem um porto, tem vinte portos, tem trinta portos. Então, tanto faz. Eu cheguei à Bari, à Brindis, onde os navios foram permanentemente para Israel, não. Inclusive, podia ser quase fácil ir, porque estava sempre... aqueles navios, noventa por cento eram soldados israelenses, aliás, que foram para férias, visitar a família. Porque de Bari até Israel em navio é muito pouco tempo, está muito pertinho. E sempre foram com bandeiras inglesas, navios militares. E lá já não tinha inimigos, porque Egito, a África do Norte toda já estava na mão dos americanos. Quer dizer, já a navegação era superlimpa. Então, a gente viajou, quando a última vez me roubaram tudo... Porque roupa também arrumamos de militar…
R – Então, a gente abandonou momentaneamente aquela preocupação de ir. Porque quando a gente alcança alguma coisa, não é, então, aparece assim: “Vou voltar amanhã. Não preciso me preocupar hoje com isso”. Então, eu passei nos portos, vi os navios, não tentei subir. Porque queria ficar um pouco na Itália.
P/1 – O senhor já pretendia ir como clandestino também ou ia tentar entrar pra trabalhar?
R – Bom, isso a gente não sabe. Porque isso é decisão na hora. A minha decisão depende daquele que me ajuda ou não me ajuda, né. Porque se eu vou lá tentar, então, eu ofereço alguma coisa. Então, ele olha em cima: “Vem cá, vais lavar louça”. Porque também depois de guerra não tem muita rigidez em nada. Depois, sendo que os navios não sei se eram ingleses, se eram israelenses, não. Eu não sei se foram lá passageiros particular também. Eu sei que tinha muito hayal que ia para casa visitar a família. Porque a guerra já parou, eram só tropas de ocupação, tá certo? Quer dizer, o passeio era alto. Inclusive escutei falar depois que quem quis ir, foi superfácil ir a Israel, da seguinte maneira: os ingleses davam licença para os palestinos judeus irem para casa, ida e volta, né. Então, os judeus que queriam ir lá, receberam roupa militar inglesa e documento de licença para visitar Israel. E no lugar de ir o hayal foi um no lugar dele. Quer dizer, mesmo que lá no navio estavam os ingleses comandando, ele veio com o documento limpo, com roupa. Ele não precisou falar em inglês, por motivo que o comandante dele falava em hebraico. Quer dizer, foi muito fácil ir. Isso eu soube depois. Naturalmente que tinha que combinar certo algum lugar, também mais ou menos dentro de grupo sionista. Não assim: “Eu vou lá e vou”. Isso também já foi outro tipo de organização, que escutei falar que podia ir. Mas eu não fui. A última estação minha foi Gênova. Quando em Gênova me tiraram toda a minha roupa, era inverno, neve, frio. Não tinha sapato e meu pé é muito grande, eu nem sabia o que fazer. Então, eu arrumei alguns panos e botei pano em cima, e fui lá até os militares. E eu pedi para ver se me arrumavam algum sapato grande. Porque lá tem. Tinha número catorze, quinze. Eu só usei treze. Ainda tinha muito maior também, né. Então, eu não sei como é, como não é, não tinha um sapato grande. Só disse assim: “Olha, está indo agora um trem para Roma. Lá em Roma tem a maior central de roupas. Vai à Roma. Lá você encontra sapato”. (risos) Disseram em Gênova. Quer dizer, “Agora vai sair um trem à Roma, nós colocamos você em cima do trem, vai arruma, lá em Roma você encontra sapato”. Nunca vou esquecer isso. Deram alguma roupa, então, eu cheguei em Roma. Só que quando cheguei em Roma, eu não conseguia saber onde é militar, onde não é. Porque para isso precisa de um grupo, um fala uma palavra, outro fala... Até a gente chegar a todo lugar. Assim, de repente, descendo do trem, ninguém sabe ir a lugar nenhum. Então, eu desci do trem e fiquei lá completamente abandonado, que diversas vezes aconteceu. Então, eu não sei quem e como me disse para ir a Cinecittá. Cinecittá estava desocupada, uma cidade de filmagens, porque lá tem campo de refugiados. Então, eu cheguei à Cinecittá. E lá era oitenta por cento, noventa por cento só judeus. Lá, em Cinecittá. E, naturalmente, as pessoas que dirigiam a Cinecittá eram todas, todos eram judeus. Então, era superfácil entrar em Cinecittá. Superfácil. Quando eu entrei, eu falei, mostrei que não tinha sapato. Então, eu não sei como, eu me lembro que chamaram uma enfermeira, inglesa, que também pertenceu a militar. Porque lá na Inglaterra já as mulheres acompanharam o militar, não é. E ela tinha domínio sobre um carro, esses carros onde se carregam doentes para cá, para lá... Porque lá no campo…
P/2 – Ambulância.
R – Ambulância. Então, eu só me lembro que ela chamou o chofer, me botou na ambulância e ela também viu, porque não falei nada, me levou para o campo militar e pela palavra dela, imediatamente recebi todos os tipos de roupas. Inclusive sapatos, dois pares. Só por palavra dela. Porque ela era... Pode ser que até foi iídiche, né, a gente nunca sabe, não. Porque lá a gente não sabe nem falar, nem pergunta, não é. Só sei que imediatamente recebi. E com o mesmo carro de ambulância, ela... Até eu gostei muito dela. Era muito jeitosa. Depois eu soube que ela era noiva de alguém lá no campo, né. E me trouxe de volta. Então, eu fiquei lá em Cinecittá. Quando eu fiquei lá, conforme disse que lá era mais que todo mundo, um... me lembro que se chama Spitz, é húngaro, também, judeu, me levou à Unrra e me registrou como eletricista, porque eu ia trabalhar com ele no campo como eletricista. E aqui está quando eu cheguei à Unrra e recebi, na hora de sair, esse documento. Não na entrada. Quando eu saí, que era oficial de…
P/1 – "A quem interessar possa... "
R – Que trabalhei lá no Cinecittá como eletricista. E depois, em Cinecittá, aconteceu aquele bonito dia que comecei... Também já era cheio de grupos, muitos grupos, grupos de centenas, que foram a diversos países, para a América, Austrália, para o Brasil, não. Então, eu já sabia lá em Cinecittá onde era fácil ir e onde era difícil ir. Então, depois, com o tempo passado, eu renunciei à Palestina, né, e entrei na fila da lista de visto para o Brasil…
P/2 – E a Austrália?
R – Não, Austrália é o seguinte. Todo mundo sabia onde é fácil. Austrália, América do Norte eram lugares superdifíceis.
P/2 – Austrália também?
R –Austrália também. Superdifícil. E muito pouca gente na fila e pode ser que deveria falar inglês e muitas outras coisas, né.
P/1 – É. Muitas exigências.
R – É. Era superdifícil. Agora, para Argentina, eu me lembro que não queria levar judeu nenhum. Para o Brasil, não queriam trazer judeu nenhum. Isso é supergarantido. Só a Unrra – sabe o que é Unrra? A Unrra era um grupo dos... em parte, não militar, foi organizado na América do Norte, não sei o que é a palavra Unrra, que foram ajudar, junto com o Joint, lá na Itália, para colocar os judeus em algum lugar do mundo. Porque tinha muitos. Muitas centenas, mil, não mil. Pode ser que cem mil, na Itália toda, na Áustria toda, não é. Então, a Unrra e a Joint eram esses dois grupos que trabalharam juntos, que pagou passagem e indicou como arrumar vistos. Porque a força deles foi até certo ponto, depois daquele certo ponto, eles não tinham mais força. Então, eu me lembro que nós fomos instruídos, quando entramos na fila, que eu ficasse três dias, noite e dia na fila, a gente dormiu lá na rua, em Roma, até chegarmos ao consulado, porque todo mundo tinha que ter profissão, que para mim foi fácil, que nós não somos judeus. Porque tinha cheio também com não judeu. Porque com fascistas…
P/2 – Tinha que dizer que não era judeu?
R – Não, se perguntassem. Não tinha que dizer nada. Se perguntam, então, não somos.
P/2 – Se perguntassem... Não.
R – Não. Não precisou dizer o que que eu sou.
P/2 – Confiavam assim na palavra…
R – É. Porque o assunto não foi assim reforçado também. O assunto foi mencionado. Tinha que dizer, não. E pode ser que aquela pessoa que aceitou a palavra simplesmente, não, aquele também pode ser que já tinha alguma coligação. Isso a gente nunca sabe onde acontece assuntos secretos, não. Eu só sei que foi fácil.
P/2 – O visto foi fácil.
R – É. Foi fácil. Eu fui pedir. Demorou três dias para entrar no consulado, só depois que entrei, em dois minutos, já tinha visto.
P/2 – E ele perguntou se o senhor era judeu?
R – Eu não me lembro se perguntou ou não. Só sei que fomos preparados para isso. Assim detalhar não sei. Só sei que depois que a gente entrou, saiu fácil com o visto. Que está naquele sueco (passaporte) o visto, não. Já foi fácil. E o Joint resolveu o resto. Qual o navio, a passagem, o Joint tinha muita força, e a Unrra também. Agora, a gente não sabe o que que resolveu e como que resolveu. Mas pode ser – porque nem nos perguntaram – mas pode ser que foi cinco que deu o visto, pode ser que de cinco, um perguntaram. Sem querer, perguntavam. Quer dizer, fomos preparados.
P/1 – A Joint cuidava só de judeus, não?
R – Não. O Joint tratou só de judeus para ajudar até um certo ponto.
P/1 – Mas pagaram as viagens, pagaram as despesas.
R – Bom, isso... Depois, voltou de novo a Joint. Agora, para dentro do consulado e sair, lá não tinha nada. Quer dizer, o Joint ajudou até eu ir ao consulado, eu e outros, e depois ajudou, depois de saída do consulado. A gente voltou, mostrou, recebeu o visto, então, eles já resolveram o navio, qual é o navio e como que vai ser e como que não vai ser. Depois, né. Então, só não ajudaram em nada na hora de pedir.
P/1 – Mas ainda voltando um pouco atrás. O senhor já vai embarcar, antes de sair à viagem, eu quero saber uma coisa lá atrás. Se os sionistas não eram reconhecidos, não era aceitos oficialmente na Hungria, como que eles puderam…
R – Não. Por quem? Por quem?
P/1 – Pelos religiosos. Por nenhum grupo, não é.
R – Não. Espera aí. Os sionistas não tinham que ser nem registrados nem reconhecidos nem nada. Existiu e pronto. Naquela época não tinha Israel e não poderia nem dizer que trabalhava para um outro país, né. Quer dizer, o Sionismo em si nunca na vida era um problema. Porque eram grupos pequenos, que praticamente os dois grandes não reconheceram e com muito pouca gente. Não era o Sionismo uma coisa volumosa.
P/1 – Não. Claro. Mas eu quero chegar aí, se a organização sionista que ajudou os judeus a saírem da Hungria para chegarem a Judenburg etc., como eles estavam organizados na Hungria. Ou não estavam? Devia haver um núcleo organizado lá dentro.
R – Bom, o seguinte. Tem dois tipos de sionistas. Vamos começar assim. Um que são húngaros que nunca foram à Palestina, naquela época, e os outros são os que chegaram de lá para a Hungria. Porque sabemos que imediatamente que entrarem os russos, chegaram muitos. Muitos chegaram. Só que esses muitos que chegarem, encontraram muito grande quantidade de pessoas... O grupo foi pequeno. Mas depois da guerra já não tinha aquele... aquele... “Ah, eu sou ortodoxo”, “Eu sou neólogo”, “eu sou isso”. Tinha só um tipo só. Sobreviventes, não é. E estes sobreviventes, a grande maioria quis sair da Hungria. Pode ser que nem quiseram ir a Israel, né. Quis sair. Então, aqueles poucos grupos sionistas que tinha, que reviveu-se, reorganizou-se imediatamente depois da guerra, estes grupos era pouca gente com muitos candidatos. E conforme eu falei da Rússia, aqui não tinha possibilidade de fazer maiores registros, e nem teria. O assunto principal foi sair da fronteira de um lado para chegar a outro lado da fronteira, onde eles já atuam livres, não é, como hayal e como aliado. Porque até para o Brasil, o palestino era aliado. Porque, afinal de contas, lutaram no mesmo lugar, por acaso, na Itália e com os mesmos aliados, não. Quer dizer, até o hayal da Palestina era cem por cento aliado até para o Brasil, afinal de contas, né. Então, lá tinha uma liberdade absoluta e não tinha que ser registrado, nada. E na Hungria, depois da guerra, também ninguém do mundo preocupou-se com uma coisa dessa. Não tinha que ser oficializado ou não oficializado. Existiu e está pronto, não é. E todo mundo atuou para ajudar. Agora, sei que chegaram muito porque tem aquele de... Durante a guerra, esse é um episódio muito interessante, durante a guerra, em Budapeste, levaram muitos judeus, depois de 19 de março, que eu sempre falo, e inclusive, por acaso, sem querer, eu, quando estive em Israel, apanhei um papel e aqui tem diversos dados interessantes. E eu aqui encontrei o 19 de março, que eu nunca olhei. Só depois que nós falamos, eu aqui, sem querer, encontrei. Acontecimentos. Então, olha aqui.
P/2 – 1944.
R – 19 de março, penetração do exército alemão na Hungria. Lembra que eu falei que nesse dia fiquei preso? Então, por acaso, está aqui entre as datas dos maiores acontecimentos desde 1933, quando o Hitler começou a atuar. Então, esta data aqui é aquela que eu falei que piorou. Então, depois desta data aqui, 19 de março, eles derrubaram o regime húngaro e botaram o regime mais extremamente alemão do que esses alemães. E esses extremos... não sei dizer, extrema direita, como que eu vou dizer, estes fizeram conforme eu disse que fuzilaram judeus em Danúbio, que todo mundo sabe, não é…
P/2 – Eram húngaros, não é?
R – Eram húngaros.
P/2 – Aliados. Mais radicais que os alemães, né?
R – É. Porque chegaram em 19 de março ao ponto máximo. E aqui já não tinha quase soldado húngaro. Estes grupos foram criados com rapazes, praticamente de treze, catorze, quinze anos, entendeu? Que quem conhece fotografia conhece que a carabina que foi colocada em cima do ombro das crianças puxou elas no chão. Nem chegou a se levantar do chão. Então, estes foram que dominaram tudo. Estes e os chefes deles. Porque os soldados húngaros, os homens foram sempre em algum lugar longe, não. Não foram em Budapeste, foram... Estavam já os russos chegando de lá para cá. Então, depois, eu, por acaso, olhei aqui, em Budapeste, se pegaram qualquer pessoa na rua... Porque aqui entrou 19 de março, que os judeus não poderiam ir à rua. Só numa hora certa. De nove até dez da manhã. Se pegavam, eles penduravam nas árvores aqui e lá era uma situação…
P/2 – Penduravam, enforcavam?
R – É. Enforcavam as pessoas. Toda essa rapaziada. Então, foi superperigoso.
P/2 – Mas quem era esse pessoal que ficou no poder?
R – Se chama Szálasi, que foi o primeiro dia pendurado, quando entrou os russos. É como disse. O quartel-general desse Szálasi, que era o máximo, o máximo, o máximo, era na Andrássy út, 60, é um prédio na estrada mais bela da Hungria. Na hora, quando os russos entraram imediatamente captaram essas pessoas e lá no próprio quartel-general deles, imediatamente foram todos enforcados, pendurados.
P/2 – Mas eles eram antes uma organização ou... era uma organização política, de direita?
R – Eram. Eu falei o nome. O nome em húngaro era Nyilas. Era uma organização que é o seguinte. Tinha aquela hakenkreuz dos alemães. Agora, a Hungria tinha um outro tipo de desenho que era assim quatro setas. E eles chegaram ao poder, e estavam cem por cento ao lado dos alemães. Este era o desenho. Este que chegou ao poder. O outro não usou isso. O outro. Eles chegaram ao poder, né. E eles fizeram em 19 de março, noventa por cento da deportação, até aproximadamente dia 10 de janeiro, dia 12 de janeiro, que entraram em Budapeste, os russos. Eles tinham quase um ano de atuação. Quase um ano. Esse foi de 19 de março até... até mais ou menos... vamos ver se tem aqui data de ocupação de Budapeste. Mesmo que tenha, essa data é uma data assim, porque os russos chegaram à província de Budapeste, chegaram até o centro de Budapeste, chegaram até o outro lado do Danúbio, até ocuparem tudo, não é de um dia ou de dois dias. Quer dizer, esta data é uma certa data prolongada. Agora, se tem aqui, pode ser aquela data que é o último dia, que caiu Budapeste. Agora, aqui está discriminado em detalhe. Vamos ver. Novembro... Está aqui. Partida de brigados até o centro da Itália. Eu não sei se consta aqui em algum lugar o acabamento da guerra ou a ocupação de Budapeste. Não, porque é uma capital de um país, não é uma pequena coisa. Porque tinha lá mais que dois milhões, com a resistência. Não sei se conhece a resistência, o que que fizeram com os russos. Porque a ocupação de Budapeste era espetacular, que no mundo não tem igual. Porque os russos pediram aos húngaros para fazer cidade aberta de Budapeste. Já estava no poder esse novo governo. E eles não cederam Budapeste como cidade aberta. E acontece, conforme os russos voltaram, com bandeira branca, acho que um jipe – está completamente também discriminado que os americanos deram muitos carros para os russos voltarem, com um jipe –, por trás, eles foram metralhados. Porque vieram para pedir, como parlamentares, a entrega de Budapeste, não. Então, os russos entraram em Budapeste com uma situação de raiva super, superelevada. Porque, naturalmente, no militar, isso, imediatamente está lido até a última pessoa, o que que acontece. E muitas vezes até ampliado também, para criar mais raiva, não. Então, eles entraram em Budapeste sem o menor escrúpulo, o que que acontece, o que que não, com um bombardeamento de vinte e quatro horas sem parar, né. E todos os edifícios das estradas principais, as janelas ainda não existiam de alumínio, era tudo de madeira, então, eles subiram e botaram gasolina, Querosene, óleo em todas as janelas de madeira e incendiaram todos os apartamentos, um por um, com chamas para rua. Com certeza tem filmes e fotografias disso, né. Só incendiaram Budapeste toda. Por isso estou dizendo, a ocupação de Budapeste não é uma ocupação de uma outra cidade não. Independente de eles não entregarem como cidade aberta, mas metralharam por trás. Isso aqui que estou falando está cem por cento documentado em certos livros, que eu não sei qual, onde se encontra a discriminação mais ou menos igual, e mais detalhado, ampliado, não. Então, se lá está escrito a ocupação de Budapeste, com certeza consta como que foi ocupada Budapeste. Que não foi… Então, por acaso... Eu não sei se contei como que eu passei de alemães, a última noite, à mão dos russos. Isso também foi muito interessante.
P/1 – Não tem importância.
P/1 – A gente desce e tira xerox dos documentos... o senhor almoça.
R – Bom, eu não tenho... mas isso também é uma identidade que eu perdi. É uma identidade que eu perdi também em Roma. Isso já... depois de Gênova, que cheguei em Roma, isso já em 1946. – Essas são identidades. E acabou. Não tem mais nada. Aí já são brasileiras.
P/2 – E aí, essa daí?
R – Não, isso aqui é brasileiro. Isso foi carteira de estrangeiro no Brasil, quando eu chequei. Eu olho em cima dos meus próprios, nem acredito que existo, não. Até no xerox a gente tinha uma expressão melhor, não é.
P/1 – Mas o senhor manteve a expressão. Pode ficar certo.
R – Bom, o que eu quero dizer, que é muito interessante, a passagem de última noite minha. Eu estive naqueles edifícios de Wallenberg, que disse que tinha muitos edifícios, né. E à noite, mais ou menos dez, onze horas, chegaram os alemães e entraram lá no... pediram entrada lá no edifício sueco. Tinha sempre a bandeira sueca lá fora, né. E nossa bandeira lá no edifício sueco era uma bandeira da Cruz Vermelha. Era denominado como hospital, não era hospital não, mas tinha lá médicos. E para garantia de passagem que esses rapazes não nos cataram tão fácil, fora que me levaram duas vezes, consegui me livrar deles, então, foi pendurado bandeira sueca, que o edifício está sob custódia de suecos. Então, entraram alemães... Nós operamos. Eu me lembro lá os médicos, que eram médicos ou não eram, sei lá, porque lá a gente nunca sabe de nada. Ele disse: “Olha aqui, nós somos hospitais, só nós não fazemos operações”. Nem se falando, que nem luz tinha em Budapeste. Completamente sem luz, sem gás, sem nada. Então, os alemães disseram, então, se eu poderia, eu e mais um, porque fomos lá na portaria levar um homem que recebeu uma bomba no rosto, assim, cruzado, uns pedacinhos de ferro, de shrapnel que se chama, porque os russos jogaram a milhões, porque disseram que foi sexta que jogaram de avião. E assim foram, não. E caiu, espalhou-se e aquilo estourou e pegou quem pegou e onde pegou, né. Então, para levar num outro hospital. Porque ao mesmo tempo nós já sabíamos onde tinha outro hospital, também sueco. A gente já sabia esses pequenos detalhes. Então nós levamos num outro lugar, que também não tinha luz, também não tinha nada para operar, também não tinha nada do mundo, não. Então, nós pegamos esse alemão, deitado lá naquele de carregar [maca]... Era Wehrmacht, não era SS. Sabe o que é Wehrmacht, não? São soldados comuns de Alemanha, não aqueles SS. E levamos a outro hospital. O outro hospital também disse: “Olha aqui, nós não podemos operar, não podemos fazer nada”. Então, me lembro até hoje, este oficial alemão, esse colega dele, soldado comum, não sei, pediu para deixarmos ele lá. “Aonde vamos carregar ele?” Inclusive os russos estavam muito perto, dez ou quinze quilômetros. Então, quando ele ficou lá, eu saí fora do portão junto com alemães, eu disse para os soldados alemães que eu queria voltar para lá de onde ele me tirou..... [interrupção]
R – Então, esse soldado alemão disse: “Olha aqui, você já não pode voltar porque lá mais ou menos estão os russos. Só que esse alemão nem sabia que éramos judeus, não. Porque lá não foi escrito que era edifício judeu. Mas tinha bandeira como hospital, não. Então, eu disse para ele, de repente, nem sabia o que dizer, se ele disse que lá estão os russos, ele nunca mais volta para lá, está certo? E eu exatamente já queria naquela hora estar ao lado dos russos, não. Então, eu disse para ele: “Olha, eu tenho lá…” – Nem me lembro o que que eu falei mais, irmãos ou esposa, alguma coisa, que eu vou tentar voltar. Ele disse: “olha aqui, um perigo de vida. Porque os russos ou já chegaram até lá ou estão bombardeando as ruas sem parar, permanente”. E eu nova vez disse para ele... Até já tinha medo que ele ia descobrir que eu era contra os alemães. Eu disse: “Olha aqui, eu queria voltar”. Ele disse: “Bom, se você tanto quer voltar…”. Não fui sozinho. Fui eu e mais uns dois que levamos, né.
P/2 – E eram todos judeus, não?
R – Lá no edifício só judeus, não. Isso foi a história Wallenberg.
P/2 – Não, sim, os que estavam com o senhor.
R – Só dois. Só dois. Fomos pegados lá para carregar um alemão ferido, né, alemão ferido. Então, eu disse que eu queria voltar. E de verdade, as bombas caiam na rua superintenso. Mas cheguei para casa. Havia os bombas e explosões. E escuro, à noite. Cheguei para casa. Eu desci no subsolo, porque em geral todo mundo, por motivo de bombardeamento, e contei minha história com alemães lá para todo mundo. E nessa época já ninguém dormia lá, porque já sabíamos, já até deu pra escutar, porque os russos chegaram e pediram para ninguém... como se chama?... fazer resistência, entendeu, com altofalantes. Porque tinha com certeza, que eu não vi, carros indo à frente, com altofalantes, que deu pra escutar a incrível distância. Eu não sei como é, como não é, quilômetros, penso eu, não, para não resistir, porque russos estavam chegando. E esse aqui já nós escutamos, não. Então, quando cheguei e estou lá em baixo contando as histórias que os alemães não queriam deixar, foi superemocionante, uma mulher se levantou e gritou: “Os russos estão aqui na porta”. E ninguém no mundo entendeu nada. Então, ainda perguntamos como que ela sabia. Esses buracos subterrâneos sempre tinham janelas de emergência para rua. Seja fechadas, mas tinha, né. E disse: “Olha aqui, eu escutei alguém gritar “stoi!” Stoi em russo quer dizer para. E se alguém aqui gritou “stoi” é porque os russos estão aqui”. Só que ninguém tinha coragem de subir para ver os russos ou não. Lá embaixo sabíamos que os russos já estavam passando. Quando começou a ficar claro... lsso foi tudo na mesma noite. Então, nós começamos dar espionagens para rua, subimos e olhamos como que estava a rua. Então me lembro que quando eu cheguei em cima eu só sei que vi isso, uma turma de moças russas com carabina cruzada, já marchando, porque a primeira linha já estava bem mais para frente. Esta foi minha última noite de passagem dos alemães para os russos. E depois de dois, três dias, isso foi nos primeiros dias de janeiro, eu fui à minha casa. Porque aqui eram edifícios de Wallenberg, não. Então eu fui ver como é que ficou lá de onde eu cheguei para cá. E... Eu nunca falei do meu pai, porque eu poderia falar muito dele, porque tinha muita ligação ao mesmo tempo com meu pai. Que até ficou fora. Cada um se defendeu.... Lá não tinha assim muito pai e filho. Cada um procurou se defender de uma certa maneira. Então ele escolheu ou não quis ir atrás dos documentos que o Wallenberg deu, os documentos suecos, ele ficou no gueto da Hungria. Eu fiquei nestes edifícios protegidos por suecos, não. Ele foi para um lado, e eu fui para outro lado. Eu cheguei a visitar ele lá no gueto. Porque tinha oportunidade de visitar, porque no gueto tinha um certo horário, aliás não só no gueto, de outro lugar, para ir fora na rua, vamos falar, podia ir duas horas. Então, esse tempo, eu fui visitar meu pai várias vezes. Quando eu voltei na casa, na casa, se chamava Király ____, onde estava morando, ele também saiu do gueto e veio ao mesmo lugar. Nós imediatamente nos encontramos. Então, também assunto principal era a comida. E os russos que operaram lá em Budapeste que também me pegaram duas vezes, os russos, para levar, que eu consegui me livrar deles por um certo motivo, que... (risos). Se vai desligar o gravador, vou contar o motivo como foi que me deixaram os russos sair, duas vezes. Então, eu fui para casa. E nunca esqueço, uma noite cheguei em casa, quando fui prisioneiro russo de manhã até à noite, cheguei em casa e encontrei na casa, que meu pai trouxe para casa de algum lugar, cascas de laranja açucaradas, porque os russos pegaram as.... Conforme disse, entraram com muita raiva, não, incendiaram Budapeste. Então, quebraram todas as lojas que existiam fechadas e jogaram tudo da loja na rua, e nunca faltou muito grande quantidade de pessoas para catar, fosse uma toalha, fosse comida, fosse roupa, jogaram tudo na rua. Da farmácia, o remédio todo foi jogado fora na rua. Farmácias que eles quebraram, né. Isso durou dias. Isso não é assim que “hoje chegaram, hoje quebraram tudo”, porque a primeira linha não tem tempo para isso, porque tem tiroteio para cá, para lá, né. Então, este quebra-quebra aconteceu no segundo e terceiro dia, porque a própria primeira linha não tem possibilidade. Depois, dizem que vêm as tropas de ocupação, não, porque a primeira linha é tropa de guerra, não. Depois de linha de guerra, que tem completamente outro tipo de instruções, vêm as tropas de ocupação. E essas tropas de ocupação que quebraram tudo, incendiaram tudo e fizeram tudo isso. Também tinha um certo limite. Dizem que isso foi dado para eles, licença oficialmente para fazer isso. Já de alto militar dos russos. Sendo dos acontecimentos que tinha, então, se chamava três ou quatro dias ou cinco dias, total liberdade das tropas de ocupação. Isso era um tipo de castigo, uma devolução de matança dos parlamentares. E depois começou-se organizar o Partido Comunista Húngaro, porque sempre tem escondidamente simpatizantes com comunistas. E começaram a organizar novos policiais e começaram a fazer tudo devagar, devagar, botar na linha. Mas isso aqui também, é... Os primeiros dias, só para dizer, um, dois ou três peixinhos. Vamos falar assim. As ruas, as calçadas, independente que era neve, inverno, não é, estavam cheias com mortos, deitados. Porque toda pessoa que morreu no lugar de não ficar na rua, onde podia andar um carro, outro carro, então, pegaram os mortos e puxaram na calçada. Onde a calçada era pouca, então fizeram cruzado. Uma linha de mortos assim, uma linha de mortos assim, empilharam os mortos até... Bom. Foi assim. Eu vi com meu olho, não é. Então, até eles foram levados. Também não foi registrado quem é quem. Conforme estou dizendo na guerra, assunto não é assim quando a gente... ah!.. Bom, isso aqui... Quem ia registrar? Quem foi lá? Pode ser que quem foi lá não sabia ler nem escrever. Esses são assuntos muito complicados. Então, enterraram mortos, todos os edifícios eram uns cemitérios, os últimos dois, três meses. Porque não poderia levar mortos ao cemitério, por motivo de bombardeamento, não é. Então, todo quintal que tinha, edifícios que tinha quintal, automaticamente virou cemitério. Depois tiraram tudo fora e levaram. E muitas vezes pessoas foram enterradas com sinais, porque ninguém sabe, porque cataram, porque tinha que trazer da rua lá para dentro, para enterrar, porque a rua estava asfaltada, né. E assim foi. Este aqui foram alguns dias muito complicados. E depois desses alguns dias foi que eu peguei aquele trem russo, não, que levou aqueles feridos e cheguei à cidade Arad. Essa foi a primeira saída de Budapest.
P/1 – Isso o senhor vai contar na volta.
P/2 – Ele já contou.
R – Já contei tudo.
[interrupção]
R – Em certas épocas sempre conheceu certos tipos de pensamentos, leis, não é. E sempre muitos conseguiram escapar com diversas maneiras. Agora, também tem, como todos os governos do mundo tem. Um dos governos sempre tem diversos estágios. Eu vou falar agora exclusivamente como do judaísmo, ou, vamos falar, que são completamente contra eles, que acham culpado até que vivem, não, e outros que são simpatizantes, não. Então, entre esses dois extremos sempre tem um montão de outras pessoas. É sim, é não, nem quero, nem digo, nem sabia. Por dinheiro resolve tudo, nem por dinheiro resolve nada, não. Então, certas pessoas têm certas comunicações, que todo lugar do mundo existe, para se salvar. Seja por uma semana ou por um mês ou por dois meses. Depois vamos ver como continua, não, porque sempre, de uma certa maneira, alguma coisa continua. Como aqui hoje é com esta nova Constituição, é a mesma coisa. Esticam para cá, para lá, o que já foi resolvido já não dá, já pensam... Tudo se muda diariamente. Algumas pessoas têm interesse em esticar, esticam, não. Aqueles que não têm interesse em esticar queria abreviar. Só que nunca ninguém sabe o que que vai sair exatamente, não. Bom. Em todo lugar é assim mesmo.
P/1 – O senhor ia contar das suas fugas.
R – Fugas? Bom, eu já te disse.
[Interrupção]
P/1 – Eu queria saber como o senhor passou do campo de trabalho para essa casa da Suécia?
R – Bom, aqui tinha muitos assuntos. Porque diversas vezes saí, diversas vezes voltei.
P/1 – O senhor saiu fugindo?
R – Não. Aqui não tinha que fugir... Conforme eu disse. Até 19 de março era organização militar comum. Quem não foi deportado, era dentro de organização militar comum. Onde tinha início e tinha acabamento, não.
P/1 – Certo. Tinha folga uma vez por semana?
R – É. Podia ir para casa. A gente voltou. Mas não era um tipo de campo, porque era cercado e não poderia sair, não. Então, esse aqui foi só uma separação assim de trabalho, o militar trabalho e o militar armado. Era uma separação. Agora, tinha vencido o terceiro ano, liberaram. Acho que essa Cruz Vermelha foi tirada quando estava naquele campo de trabalho. Não concentração. Com liberdade de ir pra casa e voltar, né.
P/2 – Lá só judeus, no campo de trabalho?
R – Bom, que eu sabia, só judeus. Pode ser que foram outros.
P/2 – Comunistas, ou problemas políticos…
R – Bom, isso aqui, por acaso, os comunistas na Hungria, nesta época, eram todos presos, eram presos. Só os comunistas não foram misturados com nós.
P/2 – Com os judeus?
R – Não.
P/1 – E os judeus comunistas ficavam onde? Com os comunistas ou com os judeus?
R – Não. Depende. Porque tinha muito comunista judeu. Tanto que na Hungria foram dois comunistas judeus enforcados. Só não na guerra. Bem antes da guerra. Muito antes da guerra. Com panfletos pegaram e foram enforcados. E, inclusive, em 1920, a Hungria era comunista. E este Horthy, que esteve lá, ele combateu o comunismo e era superproibido o Partido Comunista. Mas sendo que a Hungria era sempre um pouco fascista, independente do hitlerismo ainda não existir, então, sempre tinha muitos simpatizantes com comunistas que cantaram igualdade. Não pensaram como hoje está, que não soltam os judeus. Mas muitos judeus trabalham pelo comunismo, não. Que ainda aquela época... Conforme estou dizendo, muitas vezes não dá para entender uma teoria, porque já falei contrário. Se isso dia por dia muda, não. O Chamberlain não disse que era aliado da Rússia? Quando no dia 8 de maio a guerra acabou, disse: “A guerra não acabou, porque ainda temos os russos”. Hoje foram aliados e no mesmo dia, quando foi declarado o armistício, ele já disse, já declarou que “não acabou não, porque temos ainda os russos”... Porque isso estou dizendo. Muita gente desaparece porque fala contra ditadura. Mas não é, porque diariamente muda turmas políticas e ideias. Depende de uma situação de uma hora para a outra. Vou contar uma situação disso. A Hungria não quis entrar de maneira nenhuma na guerra. Isso todo mundo sabe, húngaros não judeus, católicos, todo mundo sabe. Então, para os alemães conseguirem incitar a Hungria para entrar na guerra, bombardearam em diversas aldeias, diversas igrejas. Igrejas bombardeadas. Só à noite, onde ninguém morreu, ou na madrugada. Na Hungria foi comunicado por aquele grupo menor, que foi, ao lado dos alemães, que viram os russos bombardear as igrejas. E por motivo desses diversos bombardeamentos, chegou a Hungria declarar guerra contra os russos e se aliar com a Alemanha. Mas isso de uma hora para outra. Houve a viração. Isso não tem nada a ver com 19 de março. Isso está, vamos falar, em 1939 ou 1940. Porque não quis entrar na guerra de maneira nenhuma. Já nem quis entrar, mas foi obrigado, porque estava dentro do Eixo. Sabe o que é Eixo, não sabe. O Eixo se chamava a linha de Berlim até Roma. O Mussolini e o Hitler chamaram o Eixo de Europa. E nós caímos dentro desse Eixo. E nós tivemos muita amizade com a Itália e um pouco de inimizade ainda com Goebbels, com a Alemanha, antes da guerra. Até Mussolini esteve na Hungria, o Goebbels esteve diversas vezes na Hungria. E o nazismo estava em formação. Mesmo assim a Hungria não quis entrar na guerra. Porque Hungria tinha uma certa amizade com a América e com a Inglaterra. Porque a Hungria, durante vinte anos, pediu à Inglaterra e à América para corrigir o Tratado de Paz de “Trorion”, não sei se conhecem a palavra “Trorion”, foi o tratado de paz de 1918, quando parou a Primeira Guerra Mundial. E foi cortada da Hungria essa incrível quantidade de terrenos. Então, a Hungria permanentemente pediu aos ingleses e aos americanos para retificar essa injustiça, porque só para Romênia foi anexado mais que sobrou para Hungria. E cidades e bairros cem por cento húngaros, onde não tinha nem sequer um romeno. Não romeno... Porque é o seguinte. Em anos mais ou menos 1500, mais ou menos, a Hungria convidou, para aumentar a população, isso acontece em diversos países do mundo, convidou romenos, tchecos, alemães para morar na Hungria. Convidou. Porque convidarem os judeus também, diversas vezes na história, para chegar nos diversos países. Foram chamados. Eu estudei isso, não me lembro qual é o ano, não sei onde. Só sei que foram convidados. Isso eu aprendi lá na história deles. Então, foram assim convidados. E estes convidados, que durante mil anos só pertenceram à Hungria, né, nesta guerra de 1914 foram anexados, pelos húngaros, cem por cento, injusto, não. Pelos húngaros. Mas, os húngaros mesmo perdendo a guerra, imploraram muito para a América e para a Inglaterra, para tentar fazer uma revisão nessas fronteiras injustas anexadas à Romênia, à Tchecoslováquia. Como agora nessa Segunda Guerra Mundial, a Tchecoslováquia tinha três países unidos. Eram os tchecos, eram os eslovacos e eram os rutenos. Os rutenos têm dois nomes. Ou rutenos ou pequenos russos. Esses pequenos russos, que estão no Cárpatos, ao norte da Hungria, entre a Romênia e entre a Tchecoslováquia, um trecho a Rússia exigiu para ele. Tanto que hoje a Tchecoslováquia é menor, sem Rússia pequena. Como foi antes de 1918 e a Segunda Guerra, era a Tchecoslováquia mais comprida. Agora, ela é mais curta, porque a ponta final da Tchecoslováquia, os russos pegaram, porque são russos pequenos. Então, a Hungria foi assim bem cortada. E nossas amizades, nem se falando que pode ser que também pertence... Porque a Hungria tinha mais de setecentos mil judeus, tinha incrível quantidade de artistas de cinema, de jornalismo, de livros de medicina, etc. E estas pessoas, independente de tudo, tinham amizade pela América, porque tinham lá muitos parentes, automaticamente, e muitas ligações. Então nós, Hungria, não éramos amigos assim dos alemães. Então, alemão tinha que bombardear aldeias russas, derrubar igrejas, para os húngaros irem ao lado dos alemães, entrar na guerra para Rússia. E depois tinha muitos húngaros, não poucos, muitos que participaram como trabalhadores militares, não deportados, militar, fazendo trincheiras nas fronteiras russas, junto com os soldados húngaros, quer dizer, que não foram deportados com alemães. Ao contrário. Com os alemães e com os húngaros juntos, como militar sem arma, foram à Rússia fazer guerra contra os russos, mas não com armas. Foram cavar trincheiras e tudo isso. E muitos, naturalmente, nem voltaram. E com certeza muitos ficaram, muitos morreram. Também tinha no meio isso aqui também. Por isso eu disse, se vai falar com cem, todo cem tem outra estória. Porque não fui no campo de concentração, não fui deportado. Outro pode ser que foi deportado, não foi deportado mãe e pai. Outro pode ser que ele não foi deportado, foi deportado pai e mãe. Quer dizer, tinha muitos tipos.
P/2 – Várias situações?
R – É. Muito tipo. Eu só posso contar aquele pequeno.
P/1 – Mas é isso que agente quer. A sua história. Que já está bem.... bem comprida (risos).
P/2 – E aquele negócio que obrigavam vocês a escutar uma música?
R – Música?
P/2 – É. Acho que era russa.
P/1 – A internacional?
R – Isso é outro... A internacional. É o seguinte. Quando era situação desta guerra, naturalmente, diversas pessoas tinham rádio que pegava Londres, pegava Viena, pegava diversas capitais da Europa, seja ao lado dos alemães ou seja contra alemães. Porque rádios suecas, suíças ou da Bélgica, quando ainda não foi ocupada, tinha transmissões para cá. Então, gente conseguiu pegar até a Rússia também. Mas se gente pegou Rússia com o rádio, era superperigoso. Porque conforme eu disse, os porteiros eram espiões, não é. Então, tudo tinha que fazer um supersegredo. Mas, nós sempre queremos saber… Porque o judeu é assim, está sempre misturado com língua horrorosamente. Tinha judeus que falavam francês, porque estudaram lá, na universidade; outros, italiano. Outros falavam, sei lá, alemão, porque estudaram na Áustria, porque ainda não foi anexada à Alemanha, não. Outros falavam inglês, porque estudaram na Inglaterra. Depois, quando eles voltavam lá, então, eles , entre si, têm uma mistura de língua danada. Então, muitas vezes, eu, como eletricista, trabalhei em algum lugar e de repente o marido e a esposa, para quem eu fiz o serviço, começaram a falar francês, ou italiano ou outro lugar, porque queriam discutir entre si se é caro, se eu sou barato, se fazem, se não fazem, não. Então, para eu não entender nada, então, começavam a falar as línguas que eles aprenderam durante os estudos. Mesmo que não falavam perfeito. Mas de qualquer maneira, para se entender, eles sabiam.... [interrupção]
R – Aquela última noite que a mulher gritou "stoi" – “para”, ela foi Rusinsko. Aquela parte da Hungria que agora pertence à Rússia. E lá se fala, se chama pequeno russo branco. Isso é o nome da língua deles. Em húngaro se diz: "Kis oroszok, Kis fehér oroszok". Não sei por quê. Pode ser que os casacos já têm cor um pouco mais marrom, não é. Como ucranianos são assim. Veja que os ucranianos, eles em geral, já de origem, nato, antissemitas. Já assim nato. Não precisa explicar para eles para ser. Eu sempre digo para meus amigos húngaros.... Porque muitos adotam cem por cento o novo sistema húngaro como amigos e vão para casa, muito prazer. Eu disse: “Tá muito bem. Mas se amanhã não tiver comunismo na Hungria…”. Porque aí está. O comunismo na Hungria é bom para os judeus, porque freia os fascistas. O comunismo na Rússia já é ruim para os judeus, porque não deixam sair. Conforme está vendo o mesmo comunismo... Aqui está bom para judeu. E o mesmo comunismo, já metros para lá, já é ruim para judeus. Por isso estou dizendo, a gente pode parecer que fala contrariado, mas não é, porque, em cada um metro, a situação é diferente. Então, eu sempre digo para os húngaros assim: Somos húngaros e são muito todos. A criança quando chupa o leite da mãe, já chupa o antissemitismo dentro de si. Não precisa colégio, não precisa explicar. Já vem assim. Automaticamente. E não adianta que agora tem igualdade, tem comunismo, é proibido falar de religião, não... Se tem oportunidade, é. E se amanhã quebra o comunismo na Hungria, então, oitenta por cento vira nova vez fascista. Como já tentaram fazer na Alemanha diversas vezes, esse neonazismo, não. Então pode deixar, que é imediatamente. Naturalmente não as mesmas pessoas, aquelas outras pessoas que hoje estão com o cadeado na boca. Então, quem fala hoje, amanhã põe cadeado na boca e começa falar outra turma, né. Quer dizer, Isso aqui só entende quem quer, porque senão toda palavra minha [soa] contraditória, mas não é, porque a prova está dentro de tudo, porque ontem eu li que na Argentina um padre falou na igreja que os judeus querem quebrar as duas colunas... Não leu?
P/2 – Acho que não.
R – Acho que é. Duas colunas de infraestrutura da Argentina. Então, eu li. Onde está aquele que vi... [Interrupção] Quer que agente fale em um minuto o que aconteceu em dois anos, né. (risos)
P/1 – Não. Mas tem tantos anos para contar que... (risos). Não, mas, eu queria tentar explicar um pouco melhor. Então, o senhor tinha permissão para sair. Então, o senhor saía regularmente e ia…
R – Não saiu. Não saiu. Eu disse que depois de três anos fiquei livre. Acabou a obrigação do exército, então, fiquei livre de trabalho também. Depois, diversas vezes…
P/1 – E aí depois, o que que o senhor fez? Quando o senhor ficou livre do trabalho, o senhor podia trabalhar naquilo que o senhor queria?
R – Trabalhei sempre. É, trabalhei. Depois sempre havia novas comunicações para entrar. Porque sempre precisou de mais e mais pessoas. Então eu entrei. Na segunda entrada, poderia sair ainda… [interrupção]
P/1 – ...reconvocado. O senhor ficou livre do trabalho…
R – Isso eu não sei. Mas, a convocação na guerra jamais era generalizada. Porque aqui no Brasil cada um tem que se alistar, não é. Mas lá se coloca panfletos na rua. Lá foi nos panfletos, pessoas desta e desta idade têm que entrar. Então, entrei pela segunda vez.
P/1 – E foi direto para o campo de trabalho?
R – Não. É o seguinte. Quando convocaram, não tinha que ir. Já estava lá. Só que eu consegui de novo me equilibrar com esse eletricista. Quer dizer, porque tinha melhor lugar e pior lugar. Então, eu sempre fiquei em Budapeste, em meu ramo de serviço, eletricista. Isso eu já sem querer descobri que podia ser.
P/1 – Outra coisa ainda que.... Não ainda antes de chegar aí. Então, o senhor foi convocado, ficou trabalhando e nesse regime o senhor tinha suas folgas, tinha um regime normal?
R – Tinha tudo normal.
P/1 – Aí o senhor frequentava o Misrah, que estava se reorganizando?
R – Não essa reorganização foi depois da guerra, que eu falei. Isto foi antes de acabar a guerra.
P/1 – Durante a guerra. Depois da guerra.
R – Durante a guerra. Vamos falar, em 1940, 41, quando ainda não era tão ruim, não, 1942.
P/1 – E aí o senhor frequentava alguma coisa ou não frequentava nada, não tinha partido?
R – Eu vou dizer uma coisa. Eu nem sei nesta época como que foi assim, se eu frequentei ou não. Eu só sei que saí diversas vezes e entrei diversas vezes. Também vou dizer como. O primeiro-ministro, nós tivemos um tipo de "führer". Como querem fazer aqui, parlamentarismo. Tinha um presidente... Aquele presidente contou, não voltou, não é? Então, aquele presidente convocou, não sei por que motivo, inclusive a família dele era judia, né, se chama Horthy Miklós, convocou diversos tipos de primeiro-ministros. Então, esses diversos tipos de primeiro-ministros, tinham alguns que eram simpatizantes com os judeus. Tinha pena pela situação, então, aliviou certas coisas. Aliviou. E depois tinha que era pior para os judeus. Então, este primeiro-ministro.... E mais ou menos esse presidente da Hungria, mais ou menos, era pressionado por diversos lados. Um pelos alemães, outro pela rádio, seja o que for, porque televisão não tinha, por grupos estrangeiros, outros para pular fora da guerra, porque ele tentou pular fora, quando eu falei que entraram os alemães, né, e ele tentou diversas coisas, que não conseguiu. Então, quando ele tentou fazer alguma coisa, não para os judeus, para a Hungria cair fora deste último final, né, que aconteceu, ele sempre tentou. Então, ele convidou primeiro-ministros, para de um certa maneira ver se eles conseguiam pular fora. Por que Itália não pulou fora da guerra? Pulou. A Romênia não pulou fora no fim da guerra? Pulou. A Itália pulou fora, não, no meio da guerra. Então, a Hungria quis fazer a mesma coisa, só que não conseguiu, porque no 19 de março foi ocupada. Então, quando ele quis pular fora da guerra, naturalmente, naturalmente ele tinha que convidar um primeiro-ministro que tinha que aliviar a situação de todos os lados. Então, ele aliviou, inclusive para os judeus. Soltou os judeus todos. Soltou. Vamos falar em 1942, em 1943, soltou. Depois, não conseguiu fazer, chamaram um outro primeiro-ministro. Agora pode ser que foi pior ou foi melhor, então, também dependeu dele. E o último, quando declarou pular fora da guerra, ocuparam os alemães. Aquela foi uma declaração de pular fora. Anexar-se aos aliados. Agora já não conseguiu, porque ocuparam Budapeste.
P/2 – Agora, fora esse grupo que tomou o poder, que era fascista, a população, de uma forma geral, ela agia como? Ela denunciava?
R – População nunca na vida consegue fazer nada, porque sempre depende de que tipo de governo... O governo com armas ou governo sem armas. Atrás deles foram os alemães, armados e ocuparam Israel [Hungria] armados. Pode ser da Hungria noventa e nove por cento contra eles. Jamais noventa e nove por cento contra um por cento, porque tinha um apoio integral pelas tropas ocupadas da Hungria que colaboraram com eles. Quer dizer, isso aqui já é um outro assunto, não tem nada com a guerra. Se um grupo pequeno tem o apoio de um militar, ele pode ser assim pequeno, mas tem apoio e acabou a história.
P/2 – Mas, em relação aos judeus, por exemplo, eles denunciavam, eles achavam bom que deportassem os judeus, eles apoiavam? Ou eles eram indiferentes, ou eles não…
R – Bom, sempre tinha pessoas que davam documentos falsos, sempre tinha pessoas que esconderem pessoas. E tinha uma frase muito interessante: que todo católico tem o judeuzinho dele. Quer dizer, sempre, não, este aqui é o homem certo, este não merece, este eu vou cuidar. Não generalizar. Então, quer dizer, se todo católico tem o judeuzinho dele, então, judeu tinha na Hungria seis por cento. Então, porque não foram guardados todos, não é. Porque eram só noventa e quatro por cento para guardar e só seis por cento para ser guardado. Então, conforme está vendo, não funciona essa teoria – todo católico tinha o judeuzinho dele.
P/2 – É, melhor seria, alguns católicos... (risos)
R – Bom, natural, não, vou dizer uma coisa, um trecho interessante, chegou agora na minha cabeça. Quando existiu o Wallenberg com essa casa de protegidos, ele tinha comida estocada num certo lugar. Me lembro até o nome da rua: Szabadság Tér, que era assim um lugarzinho. Então, já era muito pesado entregar comidas para as casas protegidas, não, porque a guerra superintensa. Então, nós judeus, de uma certa maneira, tínhamos que ir lá e catar comida e levar nos edifícios. Isso também foi assim no final. Já em novembro, dezembro. Também foi no final. E eu fui uma vez, eu sei que eu peguei um carrinho de mão e eu fui com um outro – nunca sozinho –, com um outro, trazer comida para aquele edifício. Então, conforme eu andei, eu me lembro que fui vestido de uma maneira, velha, roupa rasgada, entendeu, porque senão é superfácil o que acontece na rua. Porque a rua estava cheia de rapaziada. Mas não rapaziada nova, vamos falar, de vinte, vinte e dois anos, não. Acontece, quando eu fui aprendiz de eletricista, lá tinha obrigação, junto do aprendizado, colégio. Quer dizer, fui aprendiz durante seis dias, de manhã e de tarde, só um dia de tarde, uma vez por semana, dois dias de tarde tinha que fazer aprendizagem no colégio. E lá era misturado. Isso antes do hitlerismo, né. E um rapaz me pegou, que era um desses fascistas, me pegou puxando esse carrinho. E ele me chamou pelo nome, pois não estava com certeza, né. E eu virei para trás. Já com isso foi tudo resolvido, não. E ele perguntou se eu lembrava dele. E eu disse que se não estava enganado, fomos juntos nesse colégio. Disse ele: “Você sabe como é a situação”. E com um papinho, ele me largou. Ele me largou. Ele poderia me prender e juntar e levar a Danúbio para execução. Ele me largou. Tinha uma outra vez que me largaram. Isso já foi um “largamento” muito pior. Lá tem uma ilha, se chama Ilha Margaret, no centro de Danúbio. E a Ilha Margaret tem um ponto que atravessa do lado Peste ao lado Buda, e daquela ilha dá entrada para Margaret. Lá também tinha esses trabalhadores judeus, mas cada lugar tinha muitas vezes arrumado com dinheiro ou sem dinheiro, não sei, onde foram ricos, onde eram pobres, onde eram “cliques”, arrumadinhos, separadinhos. Onde foi muito fechado que não dá pra se entrar. E pode ser que até foram escondidos, assim como campo de trabalho escondido, certos lugares. Isso a gente sempre escuta que tem aqui, tem aqui. Sempre andam as notícias, não. Então, um dia eu resolvi visitar esse “clique”, judeus ricos, entendeu, como que eles estavam nessa ilha de Margaret. Mas a guerra estava tão perto do fim que fizeram um teste de arrombar, todas as pontes foram arrombadas entre Buda e Peste, tinha mais ou menos dez, não sobrou nenhuma. E arrombaram essa Ilha, essa ponte que ia para ilha. E vieram os pioneiros e fizeram com o tanque uma ponte, para conseguir ir à ilha. Porque não poderia fazer ponte até o outro lado, por motivo que não passava navio. Então se alguém de Buda queria ir à Ilha, ele numa outra ilha para Budapeste e depois aqui voltou e aqui voltou com a ilha para... E eu um dia resolvi ir lá. E já era superproibido para os judeus ir à rua. E eu subi nessa ponte de pioneiros e fui ver como estava a situação lá nestes – eu não sei como traduzir – o nome na Hungria é "munkatábor'', munka é trabalho, tábor é campo. Campo de trabalho. Pois é. Estou dizendo não naquele trabalho. Poderia entrar, poderia sair, né. Então, eu pensei: “Vou ver como eles vivem lá, se lá o esconderijo é bom, se é ruim, se eu posso entrar como eletricista e tal”. E conforme eu atravessei essa ponte para entrar, eu entrei. Também me pegaram. Só que me pegou quem eu servi junto como militar, em 1937. Isso foi em 1942. Servi com ele em 1938. Quatro anos depois. Também me pegou. E ele: “O que é que você está fazendo aqui?”. Eu disse para ele qual era a situação, que ali tinha esse campo de trabalho de judeus e eu queria ir lá para fazer uma visita. “Ah!, você não pode andar…” Naturalmente ando sem estrela, sem nada. Senão, não ando nem um metro, né. Disse: “Você já…” Nem sabia, ele nem sabia o que tinha que fazer comigo, né. Nem ele sabia. Por fim, ele me largou.
P/2 – Mas, o que o senhor falava para eles, que eles sempre largavam o senhor?
R – Besteiras. Não tem o que falar. Não tem. A gente fala besteira. Olha aqui, fomos assim juntos tanto tempo, seja o que for, visito um parente. Eu não vou passar mais aqui, deixa, eu já vou ficar lá. Ele sabia que tinha esse campo de trabalho, não. Porém, mais ou menos escondido, numa ilha assim. Foram escondidos por uma certa... Pode ser até por dinheiro, pago, não. Porque tinha muitos judeus que conseguiram ir à Suíça, os próprios alemães levaram, tanto que tinha esse filme que passou a última vez…
P/2 – Holocausto? Wallenberg?
R – Não. Esta menina…
P/2 – Ah! O Diário de Anne Frank.
R – É. Lá também foi falado que por dinheiro levam à Suíça. Judeus, não. Tinha. Então, sempre tinha mais negócio lá. Inclusive naquela ilha.
P/2 – Nessa ilha eram os judeus ricos que estavam?
R – Não. A ilha... Um pequeno lugar. Porque a ilha tem dois quilômetros, comprida. A ilha não. Um certo lugar era um certo... Porque tinha que entrar, não. Então, certas pessoas tinham certa possibilidade de ter ligações para criar. Porque está dentro da lei e no mesmo tempo está de uma certa forma protegido, caído fora da mão dos outros, não. Sempre tem. Todo lugar tem. Sempre tem.
P/2 – E o senhor chegou lá, chegou até lá?
R – Eu cheguei lá, mas não fiquei lá, tinha que voltar. Não me deixaram de maneira nenhuma entrar para ficar lá.
P/2 – O senhor conseguiu entrar, mas, não queriam que o senhor ficasse?
R – Não queriam deixar lá e eu tinha lá conhecido também.
P/2 – E por quê?
R – Não disseram... Também não tem importância o que que diz. Superlotado, não tem mais lugar. Já tem aqui duzentos mais que devia ter. Se alguém conta o que tem aqui, já ninguém sabe, ninguém escapa de nada. Porque já não fui sozinho. Se já caiu no meu ouvido é porque já estava no ouvido de outros quinhentos, não é. Então, tudo mundo corre lá, porque lá é melhor, não é.
P/2 – Era melhor de fato?
R – Bom, se eles conseguiram fazer aquilo naquela ilha, então, era naturalmente melhor. Não foram para fazer serviços fora, não caíram na mão... Porque essas pessoas foram... Porque nós fomos transferidos de um lugar para o outro, outro chefe, outro patrão, não. Agora, eles não. Ficou com o mesmo chefe, com o mesmo ambiente, com o mesmo regime.
P/1 – O senhor conhece gente que tenha sobrevivido desse campo?
R – Não. Nem sei quem estava lá. Lá tinha algumas centenas de pessoas. Jamais eu vou saber quem. Eu sei que eram turmas de elite. Elite. Até muitas vezes as canções, os divertimentos deles eram completamente diferentes.
P/2 – E eles eram assim como protegidos pelos próprios…
R – Um certo ponto de vista.
P/2 – Tolerância?
R – É. Depois, não foi possível fazer a qualquer hora. Quando o regime era favorável, poderia preparar. E quando veio o regime desfavorável, já era, pronto, já funcionou. Porque estou dizendo, isso mudou sempre. Então, foi feito quando era favorável. E já depois passou, quando foi desfavorável. Porque, vamos falar, cada minuto é diferente. Como eu disse, não, esse rabino aqui. Veio aqui a Dona (Gehm?) – não quero ofender mulher de maneira nenhuma, já nem estou na idade – e conversou comigo. Eu não sabia onde ela queria chegar. Quando alguém vem aqui… Eu não sei o nome de vocês, nem perguntei, que eu vou perguntar, pelo nome para saber, né.
P/1 – A gente falou.
R – Pode ser que falou. A gente, da primeira vez, não grava, né. Depois, se a gente recebe escrito é uma coisa.
P/1 – Já escrito com telefone e tudo. (risos)
R – Bom, então... Minha memória também já não funciona bem. Então, ela começou e falamos sobre Abraham, porque ela conhece, porque já andou com filha, não é, daqui para lá. E eu sempre xingo esse rabino porque para mim é o último homem que pode existir na terra. Para mim. Para outro pode ser o maior santo. Então, ela começou – se eu não quero legalizar o Abraham. Eu sei o que quer dizer legalizar. Por acaso eu conheço certas coisas de religião. Já mostrei que conheço. Legalizar é o seguinte, quer se converter de novo e fazer um pequeno bris de novo. Entendeu?
P/1 – Mas ele não fez o bris?
R – Ele fez, cem por cento.
P/1 – Então?
R – “Conhece a palavra legalizar. Legalizar, mais um cortezinho, mais um pouco sangue, mais um pouco cerimônia”, não.
P/2 – Coitado dele (risos).
R – Ele nem sabe de nada. Eu disse para ela: “Olha aqui, quem tem que legalizar a cabeça desse rabino. Esta tem que legalizar. Agora, mais ou menos ele mandou ela para cá. Então, eu mandei meu recado que aqui está tudo legal, não. Agora, quem tem que legalizar é a cabeça do rabino.
P/1 – A gente faz um corte na cabeça dele. (risos)
R – É. Eu não sei. Só pode legalizar que lá é que tem algum defeito. Porque mesmo que estivesse tudo errado, tudo errado do meu lado, não, ele jamais poderia fazer o que ele fez. Você lembra onde ele te sentou?
R/2 – Acho que foi na... Um que todo mundo estava de um lado e eu estava de outro.
R – É mas, onde do outro lado? Porque eu vi.
R/2 – Eu estava lá atrás.
R – Atrás nada. Você estava encostado à porta.
R/2 – Não, mas... Então, é o que foi um lá e outro cá. Estava na porta.
R – Bom, você não entende isso. Ponto. Ele foi separado como um mamzer. Pronto. Eu sei. Agora, ele pensa que só ele estudou alguma coisa no mundo, não. Fora de mim a sabedoria dele. E o comportamento normal não é esse, né. Agora, eu pouco ligo. E juro que estava sempre com pena da esposa dele, que é uma mulher... acho tão simpática. Veio falar comigo, trouxe cadeira e ele não deixou falar comigo. Então... (risos) Eu estava até com pena dela.
P/1 – A gente vai conversar sobre isso quando a gente chegar ao Brasil. A gente ainda está…
P/2 – Vamos embarcar para o navio.
P/1 – Sim. Mas, ainda uma coisa. O senhor chegou a falar que o senhor viveu duas discriminações. Uma, a dos lábios grossos, e, a outra, na universidade. Esse episódio da universidade, o senhor ainda não contou.
R – Bom, é o seguinte. Não foi puramente universidade. Vou dizer como. Como tem aqui este... antes de entrar para universidade tem que passar pela…
P/1 – Pelo vestibular.
R – Vestibular. Então, lá era um tipo de vestibular. Porque lá na universidade, também não é tão fácil entrar, não.
P/2 – Isso foi em que ano?
R – Isso foi mais ou menos em 1937, setembro, que eu entrei para o militar. Em 1937. Sempre assim no fim do ano que entramos para o militar, né. E esse deve ser em 1937, mais ou menos o ano... quando começa o novo ano. Então, nosso ano de estudo começa mais ou menos em julho. Ou agosto assim. Porque nosso intervalo de verão vai de... sei lá eu, de abril ou de maio... não, maio/junho, até julho e agosto, não é. E em setembro.
P/1 – Em setembro começam as aulas.
R – Então pode ser que foi em 1937, pode ser que foi em 1936, quando começa o ano, né. Este livro e este papel também levei comigo lá na Áustria, ficou lá no Judenburg. Inclusive, eu me lembro o nome do diretor. Agora, de repente, veio na minha cabeça, (Vig Antal?), era o nome dele. E eu vou dizer mais. Ele tinha livro de nome dele também para estudo. Preparo. E também tinha o nome de (Vig Antal?) o livro dele que eu comprei. Agora me lembro o nome dele. Então lá, ele simplesmente entrou, foi ao pódio e disse que por comunicação, por lei superior, que eu não podia frequentar. Era um tipo de vestibular.
P/2 – Quer dizer, o senhor não chegou a entrar na universidade?
R – E entrei. Eu estudei só poucas aulas. Vamos falar dez ou vinte. Aulas noturnas, exclusivamente noturnas. Porque de dia trabalhei. Eu sei ainda andar, sempre andei com bicicleta. Até eu me lembro. Eu tinha duas bicicletas. Bicicleta de Cadillac, só para domingo. Nem existia Cadillac, isso eu estou dizendo uma bicicleta bonita, para passear domingo. E tinha bicicleta de trabalhar, que era muito diferente, inclusive atrás, para colocar ferramentas e tal, né. E eu andei com o meu “cadillaczinho”, com aquela bicicleta elite, para esse tipo de vestibular. E a gente não detalha assim pequenas coisas quando ocorrem. São insignificantes.
P/1 – Essas insignificâncias que são importantes?
R – Não. É. Isso é. Todo mundo no lugar igual. O único que pode ser importante é como ele entrou. Ele recebeu uma ordem, não é. Ele entrou e leu. Inclusive, ali deve ter muitos judeus, porque acho que ele falou assim: “lamentavelmente... não sei o quê”. Porque ali não foi só o nosso caso. Lá foi vinte. Ele tinha que andar de sala em sala.
P/1 – E não era mais fácil botar um edital, um aviso na porta? Todo mundo podia ler e obedecer?
R – Bom, eu não sei se era mais fácil ou não. Só sei que aconteceu assim. Ele entrou, subiu lá no pódio onde estava o professor que ia dar aula, ele era o diretor do colégio e eles nos comunicou.
P/1 – E qual foi a relação dos colegas de turma?
R – Fomos também três. Fomos tanto três aqui quanto e no militar. Todos dois chegaram.
P/1 – E os outros não judeus reagiram como?
R – Nada. Já era assim hitlerismo um pouquinho. Nada. E nós três nem mais nos encontramos. Cada um foi por si. Separou-se.
P/1 – E saíram na mesma hora? Ou esperaram acabar a aula?
R – Bom, eu nem sei. Isso já é um assunto.... Foi dito e…
P/2 – O que o senhor ia estudar na universidade?
R – Também eletricidade. Porque comigo aconteceu o seguinte, eu andei no colégio, lá naquele colégio ortodoxo, né, e eu, como simpatizante de instalações elétricas, eu já fiz instalações elétricas como simples estudante do colégio. Eu aprendi iídiche só de escutar o outro falar. Porque nunca na vida aprendi iídiche. E eu hoje mais ou menos falo iídiche. Eu aprendi ser eletricista porque onde eu vi um eletricista trabalhar, eu me colei a olhar e perguntei. Então assim, eu já tinha pequenos biscates, antes de eu acabar o quarto ginásio, eu já fiz biscate. Então, eu, depois já tinha... Esses livros aqui são noventa por cento de eletricidade. Porque cada fabricante que fabrica.... Ainda mais porque... Não contei, agora tanto faz, né, eu trabalhei em alto gabarito de eletricidade, não assim de consertar uma lâmpada, não sei o quê, eu fiz alta tensão, posteamento, assentamento de transformadores de alta tensão, cabines de alta tensão, eu estive três vezes nas mãos fazer instalações bem grandes, tanto de eletricidade como de hidráulica e de ar condicionado. Mas minhas instalações eram assim centenas de toneladas de refrigeração. Essa é a expressão. E depois... Esse aparelho nem existe na minha vida, aparelho de janela, não. Então, essas instalações que eu fiz... Eu não tinha nada com aparelho de refrigeração. Porque todo dia comprava o que que eu tenho que fazer em eletricidade, em hidráulica, em comandos, lá, mas em geral, os volumes e as preparações para a refrigeração foi muito volumosa. Trabalhava até com tubos de quatro polegadas, assim de ferro. Depois, não sei se conhecem, tem refrigeração de água, de ar e tem outras, não. Então, quando a distância é grande e o ventilador não consegue empurrar ar frio à distância mais prolongada, lá toda a refrigeração é de água. Então, ele se chama água gelada, não é, em tambores, que tem um nome em inglês, eu esqueci. E dessa água gelada, com tubos isolados, ele vai até cem, duzentos metros de distância também, sempre isolados. E também num certo lugar, ele entra num certo tubo mais fino. Sempre tem ida e volta. Sempre anda três. Um que vem, um que vai, um que está entre os dois, para não misturar-se a água quente e frio, não. Então, tem uma palavra que se chama "fan-coil". Então, entra em cima de porto uma água gelada, uma tubulação, e o "fan-coil", é, inglês, um ventilador que atravessa ar sobre esta água gelada. Então, ele resfria as salas. Agora, tem um automático que está frio dentro, e então, a água gelada está cortada por um registro elétrico, que se chama solenóide. E vai a água direto. Se está esquentando, então abre o registro – é um registro de gelatina, que é gelatina, que entra mais água e facilita a circulação. Se está quente, muito quente dentro, então, toda a água é obrigada a passar por este "fan-coil", não é. E, vamos falar, um hospital, um colégio, um escritório que tem um corredor e tem vinte salas em seguida e cinco andares ou dez andares, lá só pode trabalhar com esse sistema. Não tem outro sistema para trabalhar. Aqui também tem diversos tipos de sistemas, que ele faz esse frio numa sala hermeticamente fechada e de lá, com ventiladores, vai para as salas. E vai onde entra essa água gelada em todas as salas. Então, eu fiz essas instalações bem grandes lá em Manaus. Inclusive, aqui no (Sarsa?) fizemos uma instalação disso.
P/2 – Aonde?
R – (Sarsa?). É um fabricante de remédio. Lá no (Rocha?). E fiz diversas instalações. Eu trabalhei muito no Metrô, trabalhei muito na Fundação Oswaldo Cruz, lá tem muitos prédios e eu trabalhei lá bastante.
[pausa]
P/2 – O embarque no navio?
R – É. Acabaram com esse navio. Não sei como.
P/1 – E o senhor embarcou nesse navio, como passageiro, pago pelo Joint?
R – Pela Joint. Isso foi um grupo de vinte. Chegamos aqui…
P/1 – Não, mas, eu quero saber como saíram. Primeiro como saiu. Depois o senhor chega. (risos)
R – É o seguinte. Eu estive em Roma, né. O barco saiu de Gênova. Então levaram-nos... eu nem me lembro... Levaram-nos, para não se espalharem, acho que o Joint levaram-nos com caminhão ou um ônibus ou com trem, não sei, à Gênova.
P/1 – O que que levou o senhor a embarcar de uma vez por todas? Se o senhor estava sempre desistindo, desistindo…
R – Bom, é o seguinte. Aqui já chegou ameaça. O campo de Cinecittá ficou quase vazio. Aquelas instalações que eu consertei, fiz lá, instalações elétricas e... [interrupção]. Então, aquelas embarcações, permanente andaram. Que eu também fui. Antes de mim já foram outros diversos lugares, não. Muitos voltaram à pátria. Muitos judeus da Itália voltaram para Hungria. Muitos lá de Cinecittá, voltarem para Hungria.
P/1 – O senhor não quis voltar para a Hungria? Nem saber da sua família, nem…
R – Eu não quis. Muitos voltarem para Hungria e conseguiram sair de novo, com os sionistas. Tinha de tudo. Muitos voltaram para a Hungria e conseguiram trazer família para fora. Bom, isso aqui já é da personalidade nata da pessoa, não. Tinha pessoa, que tenho aqui, que o irmão foi buscar o irmão menor. Se chama Varzeg. É húngaro. Estão aqui. (Onde você esteve?) O Varzeg foi buscar o irmão dele. Tinha. Nós levamos nossa Gênova. Chegamos a Gênova... (Abre aquele… oferece um pouco. Tira um pouco fora).
P/1 – Não.
P/2 – Ou põe na geladeira, senão vai ficar...
R – Não. Vamos comer. Abre isso.
P/1 – Não, não, não. Isso aqui é pra ele.
R – É pra ele? Ah, então também eu quero ser de repente assim. Rapaz novo. (risos) Ele foi lá comigo à feira um dia, tinha lá aquele doce de Cosme e Damião, recebeu em todo lugar Cosme e Damião. Agora é só de... Então... É negócio ser assim. (risos)
P/2 – É negócio ser criança. (risos)
R – Então, levaram-nos à Gênova. E em Gênova esperou esse navio, que era muito grande, que era transporte militar, porque agora já era tudo civil. E nós fomos vinte redondos. Fomos lá esperar o navio chegar e embarcamos. Só sei que fomos muitos dias esperando o navio chegar, porque tinha um rapaz que foi buscar o irmão dele lá em Budapeste, voltou e ainda pegou o mesmo navio. Então, tinha lá um certo tempo esperando, depois embarcamos. E quando embarcamos, o Joint já avisou aqui... Por isso sei que deve ser tudo avisado, porque nós já fomos esperados por uma turma de húngaros lá no navio, quando nós chegamos, né. Então, inclusive, com uma certa maneira, alguns até subiram no navio para nós...
P/1 – (Melhor tirar para não manchar os documentos)
.
R – Então, por isso estou dizendo, eles já avisaram, já aqui sabiam da chegada. E não a turma toda, alguns até subiram no navio para nos facilitar descer com a língua portuguesa, porque não tinha assim quem nos guiava. Então, tinha quem subiu, que nos procurou lá no navio. Então, quando descemos, aconteceu já diversos... Alguns tinham aqui conhecidos, parentes, que foram levados, não que o parente já sabia, não sei como. Depois, já tinha entre nós pessoas que já estiveram aqui no Brasil, antes da guerra. Voltou para a Hungria e ficou lá preso, não é, não conseguiu. Já era daí mesmo, voltou para cá depois da guerra. E tinha também misturado diversas pessoas. Sobramos um pouco e esse pouco que sobramos, nos levou – que até hoje ainda existe – ao hotel Cruz Vermelha, na Mem de Sá, na Praça Cruz Vermelha. Então, nos levaram lá, para dormir lá, na chegada. Depois de lá chegaram diversas pessoas para nos levar para trabalhar com eles.
P/2 – Oferecendo…
R – Oferecendo diversas coisas. Um foi oferecendo, médico que já faleceu, doutor Paulo Monk, que era húngaro…
P/2 – Paulo o quê?
R – Paulo Munk. Doutor Paulo Munk. Era aqui em Copacabana, só que era ainda no beira mar. Então ele ofereceu-se como médico. Doutor Paulo Rónai ofereceu-se para nos dar aulas de Português. Conhece o livro “Os meninos da Rua Paulo"?
P/1 – Conheço.
R – Leu? Também leu? Este vagabundo aqui não leu. E já dei para ele o livro há meio ano.
P/1 – É lindíssimo. Você tem que ler. Minha filha, da sua idade, leu. E adorou.
R – Está lá. Mostra que está lá. É. Mas não leu, não é. Então, esse Paulo Ronái, que traduziu o livro, ele deu aula para nós de Português. Eu me encontrei com ele há pouco tempo, ele foi condecorado pelo governo húngaro. Ele foi expulso pelo governo húngaro e proibido de retornar. Agora ele foi convidado, depois da guerra, pelo governo húngaro e condecorado pelo governo húngaro. E agora, que não sei, ele tinha, acho que oitenta anos, o governo húngaro veio aqui de São Paulo, fizeram um coquetel pra ele. Eu, por acaso, estive lá, como iluminador desses vídeos, não, e eu conversei com ele. E eu falei muito ruim Português, naturalmente. E ele disse se eu contei para alguém que ele me deu aulas (risos). Que ele é até o construtor desse dicionário do Aureliano, não sei se viu o nome dele lá, não é. Então já viu, ele que traduziu aquelas (“barzáquias?”) todas dos livros…
P/2 – Ah, ele é o Paulo Rónai.
R – Então, eu vou dizer que aprendi com um húngaro e falo tão mal. Disse: “Não menciona meu nome em lugar nenhum, porque com você eu passo vergonha”. (Risos). Tem coisas assim também, né. Como a gente fala de quarenta anos atrás, e quando Leon Uris escreveu os livros, em geral falou de trinta anos atrás. Eu tenho que falar de quarenta anos atrás. E cada um tem completamente outras histórias. Cada um é. Porque nunca fomos assim juntos em lugar nenhum. Cada um tem a sua.
P/1 – A gente queria detalhes sobre a viagem. O senhor embarcou em Gênova. Como que era? Era navio de passageiros?
R – Durou catorze dias.
P/1 – Havia separação em classes?
R – Tinha lá diversas classes. Mas nós, de terceira classe, naturalmente, sempre conseguíamos furar a piscina de primeira classe. Como, não sei, mas furamos, não. Tinha entre nós... Tinha, mais interessante coisa quando eu cheguei. Sempre há pessoas que falam diversas línguas, que conseguiram chegar até o... tinha mais prática de vida, mais idosos, chegou falar com o capitão, chegou a convencer ele, conseguiu licença para passar aqui, para... Porque muitas coisas a gente não sabe o que acontece, que quem com quem o que que conversa. Pensa, não tinha a sorte que passei. Não. Já foi feito assim pra conseguir passar.
P/1 – Era navio de que bandeira? De que nacionalidade?
R – Deve ser francês. Porque o navio foi francês. E o navio estava estacionado em Marseille, lá no sul da França, não. E ele chegou de Marseille para Gênova para catar esses refugiados. Nós fomos só vinte. E no navio foram dois mil ou três mil.
P/2 – Mas, no navio eram todos judeus?
R – Não. Só vinte. Bom, pode ser que tinha muitos mais. Eu estou falando do meu grupo. Agora, quantos tinha mais, eu não sei. E as pessoas aquela época não diziam que eram judeus. Ninguém se declarou. Ninguém quis…
P/2 – Eram refugiados de guerra?
R – Não. Ninguém tinha certeza que já acabou. Ninguém quis declarar que era, porque ninguém sabia se amanhã não ia ser um outro tipo de hitlerismo. Muitos resolveram que jamais alguém no mundo sobre ele ia saber que é judeu. Isso aqui eu já tinha bastante largo conhecimento. Católicos, cem por cento, limpo, puro, esposa... Não era. Era judeu. Isso aqui é supergarantido, mais que supergarantido. Era. Só ele jamais na vida, chegou aqui no Brasil, ele usou... A única coisa que ele não podia esconder: ter alguns amigos judeus. Mas a gente sempre estranhou, como é que ele tem tão fácil, tanta amizade. Aconteceu que um sabia do outro e frequentou duas casas como católicos, mas nenhum era. Os dois eram judeus. Até isso aconteceu. Ninguém sabia, só aqueles dois... Também era meio confuso. Até hoje vive, com idade elevada. Até hoje vive. São muito poucos, porque muitos faleceram. Agora, se alguém psiquicamente seria capaz de vir descobrir, no início, descobriu incrível quantidade de pessoas. Descobriu. Por um tato, não. Mas eles também foram lá pessoas estudiosas, universitários, pode ser, né, eles apagaram e não queriam saber mais nada. Que ficou judeu, mais ou menos, as pessoas pobres, os poloneses. Agora, assim já de um gabarito, que tinha muito na Hungria, sabe, esses conseguiram muito bem se disfarçar, muito bem. Depois tinha um assunto interessante quando eu cheguei aqui no Brasil. Nós vinte sempre fomos mais ou menos juntos. Mesmo se moramos separados, só fomos em juntos. Um dia, nós fomos lá na Lapa, e ficamos parados na frente do Metro, cinema, não existia o Metro, cinema. E conversamos em húngaro como que poderia entrar no cinema, porque ninguém tinha um centavo, não. Mas acontece que ninguém tinha nenhum casaco, nenhuma gravata pra entrar.
P/1 – Tinha que entrar de terno no cinema?
R – Não poderia entrar. Nem poderia subir no ônibus sem gravata. Sem gravata e sem casaco. Só no bonde poderia subir. E nós morávamos em Santo Amaro numa família judia que tinha uma grande casa e nós moramos lá, uns quatro ou cinco.
P/2 – Na Glória?
R – Lá na Glória.
P/2 – Esse foi o seu primeiro endereço no Rio?
R – Não sei se primeiro. Mas, foi bem no início. Então, ficamos lá em frente do Metro, comentando como poderia entrar no Metro. E alguém estava nos escutando, né. Húngaro. E ele veio... “Bom, se vocês tanto querem entrar, então vocês vão entrar. Agora, o problema é o casaco e a gravata. Porque sem casaco e gravata, aqui ninguém entra.” Então, ele disse o seguinte: “Eu vou arrumar um casaco e uma gravata”. E ele mostrou a saída. Quando um entrar lá dentro, tira, e alguém vai trazer fora do portão. Para mim era assim aberto aquele casaco, não (risos). Então, entramos todos lá no cinema, em algum lugar, escondidos. Acho que lá tinha essa mansarda, em cima, não, e ele deu para nós um lugar. Depois ele veio lá. Então, ele se apresentou: “Sou Walter não sei o quê, sou húngaro, sou judeu e sou contratado direto de Goldwyn Mayer”. Também sabemos que no Goldwyn Mayer, todos os refugiados judeus que chegaram na América do Norte foram húngaros, a primeira palavra, já foram empregados lá na fábrica de filmagem. Primeira palavra. Não precisou só ser judeu húngaro. Não precisa saber falar ou tal. Ele tinha essa fama. Foi judeu, foi húngaro, a entrada foi cem por cento aberta para ele. Tanto faz varrer o quintal ou seja o que for.
P/1 – Os donos da Goldwyn Mayer eram húngaros também?
R – Eu não sei se era húngaro, só que... Bom, então, vou dizer de outra maneira. Na Hungria, antes do hitlerismo e durante o hitlerismo, porque Goldwyn Mayer mais ou menos emigrou depois da Primeira Guerra Mundial. Então, a Hungria era um país onde se diz que é muito elevado os artistas húngaros que chegaram na América e o Metro Goldwyn tratou todos esses artistas húngaros. Em geral todos que chegaram. Os judeus que já fugiram do futuro hitlerismo que já sentiram que ia ser bagunça, né. Então, o Metro esgotou-se com judeus húngaros, da Hungria. E eles, no meio tempo, viraram artistas já.. Não vou dizer famosos, mas já mão direita dele. Então, eles, com certeza, lá dentro, já diziam: “Olha aqui, se é húngaro, vem”. Entraram. Isso eu sei. Garantido.
P/1 – E aqui no Brasil empregaram também ou não?
R – Bom, aqui não tinha onde empregar. Aqui eram só três cinemas. Era cinema da Tijuca, cinema de Copacabana e cinema Cinelândia, não. Agora, ele era mandado de Metro Goldwyn Mayer, com esposa, aqui, para o Brasil, para ser gerente de cinemas dele. E ele entrou também assim, não. Isso é complicado.
P/2 – Mas, e ai? Quando o senhor chegou aqui, que o senhor estava lá na Cruz Vermelha, e vinha gente oferecer coisas, né, trabalho. E aí, como é que foi?
R – É. Empregos e documentos. Arrumaram os documentos, levaram-nos à polícia para fazer aquelas coisas. Sempre tinha alguém que nos levava. Sempre tinha alguém que nos levava a todo lugar. Depois, eu caí na mão de um homem que se chamava (Stephen Grunter?), que era da ARI. Os dois. Aliás, ARI, não existia. Só vou dizer porque estou falando que eram de ARI. Eram assim reformos…
P/2 – Reformistas?
R – Reformistas, não. Eram religiosos. Era de ARI. Tanto era de ARI, porque eu dei a expressão assim, rápida, de ARI. Porque o (Dénes Grunter?) faleceu no Lar de ARI. Dénes Grunter. Esse Walter, que eu falei, faleceu há muito tempo, a esposa dele era uma campeã de tênis de raquete, e faleceu lá no Lar de ARI. É húngara. Por isso estou dizendo que eram de ARI. Porque eu sei que eram. Por motivo que é o seguinte, os húngaros não misturaram-se com os poloneses. E nem poderia nunca se misturar. Por quê? O polonês falou iídiche. Húngaro não falou iídiche. O polonês, em geral, permanente, xingou os judeus húngaros, não é.
P/1 – E os húngaros xingavam os poloneses?
R – Não. Eu vou dizer. Agora aí está a história. Os poloneses entre si, entre judeus, em si, tinha a frases, que eu aprendi deles, que na Hungria não existiu essa frases. Agora, vamos falar: Por exemplo: (“arzamera capuraza”?).
P/1 – Chega mais perto e traduz.
R – Traduz. Bom. (“Zamea”?)... Que no Yom Kipur, o Rosh Hashaná não é, tem a kaparot. Então, “zamera” quer dizer que outro homem diz para outro que ele seja o kaparot dele, não. E o (“arzamera capuraza”?). Traduzido na Hungria não encontra. Em iídiche: (solle der schwarze _______?). Que engole o preto fim, o escuro fim de vida dele, não. Quer dizer, xingavam-se entre si e entre para os outros. Uma maneira de xingar em polonês, era supercultivado e uma palavra muito comum... Que na Hungria não era tanto. Entendeu?
P/1 – Não, mas, não insultavam os húngaros. Insultavam suas próprias gerações.
R – Eu sei... Só não... Sabe o que que tem? Nunca deu, nunca deu para nada. Eles mesmos, os poloneses mesmo se separaram e falaram só iídiche. E os húngaros falaram só húngaro. E não tinha língua comum. Nem no campo de concentração nem no campo de trabalho nem em lugar nenhum. Nunca tinha nem ideia comum.
P/1 – Mas, nem no campo de concentração vocês conseguiam se reunir, na hora do desespero, das…
R – Nunca. Nunca. Nunca. Fomos “em junto”, no mesmo quarto. Então, tinha aqui cinco isso, cinco aquilo. Eles não falaram húngaro de maneira nenhuma. E nem falar... Porque nem era a língua apropriada. E os húngaros não... Eu aprendi iídiche deles, escutando. Aprendi polonês também, algumas palavras, sempre, não. E aprendi de russo algumas palavras russas também. E na Itália também aprendi. Aqui no Brasil também. Só usavam a língua em si, eles sempre foram separados. Se tinha em algum lugar uma possibilidade de ganhar dinheiro ou de melhoramento, então, eles favorecem a si, os húngaros se favorecem, a si. Não foi ligação entre os dois.
P/2 – Mesmo assim, todo mundo num quarto. Ficava um de um lado…
R – Bom, em certo ponto, não, em certo ponto de vista. Podem ser comuns alguma coisa. Agora, sempre tinha separação. Pode ser mais de cinquenta por cento assuntos comuns. Só no fim, no fim, no tempo de recreio, à noite, as turmas eram separadas. As turmas sempre eram separadas. Então, os húngaros, aqueles húngaros antigos que chegaram aqui depois da Primeira Guerra, que nos receberam, os húngaros não frequentaram – onde eu quero chegar – os templos poloneses. Por isso eu disse que já havia ARI antes de haver ARI. Porque a maioria dos templos, o Tenente Possolo, e os outros templos, em geral, eram asquenazim. Os asquenazim eram os húngaros que falavam húngaro. Os poloneses também, mas conforme os poloneses têm Israel na mão, em muitos lugares, porque Fierj não é asquenaze, o Sholem Aleichem, onde ele estuda, não é asquenaze. Até iídiche tem que estudar. Está aqui o livro de iídiche. Eu nunca na vida estudei iídiche. Então, tem uma denominação aqui, em geral.. Então, assim na Hungria, os húngaros asquenazim não se misturavam... Porque sempre estou dizendo, isso é um assunto bem... assim mesmo... com os asquenazim poloneses. Então, a ARI que não é de asquenaze polonesa, a ARI é alemã, é húngara e, sei lá eu, pode ser italiana, não é. Não sei. Já era ARI antes de existir ARI.
P/2 – Já estava separada, né, do resto.
R – Aliás, não estava separada. Nunca estiveram juntas. Nunca chegaram a se juntar. E nem hoje, em Israel, se juntam. Nem lá, mas a nova geração pode ser que se junte. Nova geração. Agora... Porque este aqui... Eu estou dizendo para ele que não mostre o livro que não entendo. E nem em hebraico nunca entendo nada. Por motivo que eu falo asquenaze, ele fala sefaradim. Então, eu vou encher a cabeça dele com quê? Então, ele... trouxe aqui, é iídiche, não.
P/1 – Vai aprender com ele?
R – Algumas palavras entendo. Muito não. "Sara schreibt"...
(Parte 3)
P/1 – Nós pegamos o senhor no navio, chegando no Brasil.
R – Cheguei no Brasil.
P/1 – Então, conta toda a história do senhor no Brasil. Mas, antes de o senhor chegar no Brasil, ainda tem alguns pontos que ficaram um pouco obscuros para gente. Desculpe se a gente vai se deter outra vez.
R – À vontade. Se eu posso responder. Senão... Já esqueci.
P/1 – Mas, uma coisa que ficou um pouco nebulosa foi a sua relação com o seu pai e sua relação com sua mãe e seus irmãos e com o resto da família. Principalmente durante a guerra.
R – Isso aqui é supercurto. Supercurto. Primeiro, o meu pai e a minha mãe viveram separados desde que eu tive três anos. Três, quatro anos. Minha mãe era uma senhora analfabeta. Isso é garantido, eu sei. Meu pai era uma pessoa, de uma maneira, bem avançada. Porque, como casaram, isso já não tem nada com o assunto. Porque nem eu sei. Sei, isso acontece. Alguém agrada a alguém e se casam, né. Isso já sei da minha vida também.
P/1 – Sua mãe era judia?
R – Natural, mais que natural. Com shaiklis. Vida inteira com shaiklis. Já contei porque o shaklis, não. Do mikvah. Ela era com shaklis. Agora.....
P/2 – Ela era ortodoxa, né.
R – Superortodoxa. Aquela ortodoxa máxima. Máximo que eu conheci na Hungria. Na Hungria tinha ortodoxo e ortodoxo foi ortodoxo. Porque quem não foi ortodoxo nem poderia estar lá na ortodoxia. Porque, vou dizer por quê, que vocês também não conhecem. O Cholent... Sabe o que é Cholent, né? Não sabe?
P/1 – “Musharret”?
R – Não. Aquele feijão que se coloca e deixa de molho.
P/2 – Ah, sim,Cholent.
R – É. Sabe o que é Cholent, não. Sabe o que é. Cholent em Budapeste… Sempre falo só do meu pequeno círculo. Nunca falo se escutei de outro falar, só de meu círculo, não é. Então, Cholent foi levado sexta à tarde à panificação ortodoxa. Onde ele botou todas as panelas dentro de onde se põe o pão, no mesmo lugar. Não sei como se chama aquele buraco em Português.
P/1 – No forno.
R – Botou naquele forno de pão, que foi já preparado para esse Cholent. Preparado quer dizer: reesquentado para uma certa temperatura. Porque esse Cholent não poderia nem ferver, não poderia nem deixar de ferver. Quer dizer, tinha que ferver... Eu conheço como que ferveu. O Cholent ferve assim: cada um minuto dá uma pequena bolhinha. Depois daí a um minuto, dá uma pequena bolhinha. Esse é um “fervimento” lento, para ele não ressecar e não queimar para o outro dia. Então, sempre foi preparado um ou dois nessa temperatura, para ele não queimar para o outro dia, o Cholent. Então isso entrou na sexta feira, vamos falar, três horas da tarde e saiu no outro dia, vamos falar, doze horas. E depois as pessoas chegaram e cada um levou panela dele. Porque a panela era fechada com papel, nem o papel acendeu, não é, e de cada um quando de sexta feira pagaram para botar no forno, então, cada um recebeu um papel como de uma mala de viagem, um papel em cima da panela, no papel em que foi amarrado, e outro papel levou o freguês. Depois veio no sábado com aquele papel, que nem aquele papel ninguém poderia carregar não. Só lembrou o número... E lá foi com o máximo de confiança, porque foi tudo dentro de ortodoxia, inclusive o panetero era ortodoxo. Que acho que faleceu aqui no Rio de Janeiro, que tinha a maior bagunça com o filho dele lá no campo aonde nós fomos levados em 19 de março, não. Se chamava (Weismor). O nome dele. E o (Weismor) tinha diversos filhos e uma filha de (Weismor) mudou-se com o pai aqui para o Rio. Mais ou menos depois da guerra. Que eu não sabia. E com uma neta eu fiz aqui um curso de hebraico lá no unificado. E por acaso descobriu-se que o pai dele faleceu com noventa e oito anos aqui. E ainda uma vez eu disse que eu iria visitá-lo, mas, nunca cheguei lá. Que conheci eles tudo crescendo, como garotas de panetero, né, lá na Hungria. Eles estão aqui no Rio de Janeiro. Agora, essa ortodoxia, quando levou a panela, jamais poderia ser misturada com panelas que não ortodoxas. Porque ninguém sabe o que que bota dentro, não. E ele transborda e... um pouquinho, dá aquela fumaça, não, e tanto pode botar dentro carne de porco como um frango, como carne de boi defumada. Pode botar dentro muita coisa, não. Então, aqui, só ortodoxos que levavam. E todo mundo sabia quem é. Agora, para não ter dificuldade dos empregados, então, eles tinham mais um cartão separado, que poderia ser aceito panela. Quer dizer, cada um tinha um cartão que a panela dele podia ser aceita. Porque isso foi feito não só por ele, foi feito por outros padeiros também, que eles colocavam sexta feira, sábado de manhã tiravam para colocar o pão e sábado, sei lá eu, dez, onze horas recolocavam as panelas. Aqui não. Aqui colocavam e ficou, não. E estou dizendo, precisou de, como se diz, Kehilá, não, lá de rabinato... não rabinato, lá de... onde está todo mundo registrado que ele pertence à ortodoxia. Então, lá, ele recebeu um cartão que a panela dele pode ser aceita. Naturalmente que nossa panela também esteve aqui. Um assunto assim também superseparado. Agora, meu pai e minha mãe viveram separados. Minha mãe faleceu quando eu tinha doze anos e meio. Não viveu até meu Bar Mitzvah. Mas ela foi um e meio ano no hospital no Rio de Janeiro, do governo, onde todo santo dia eu levei para ela comida Kasher.
P/1 – Isso em Budapeste?
R – Em Budapeste... Foram sete quilômetros que andei a pé para levar para ela todo dia comida Kasher. Eu no [serviço] militar recebi, prolongado tempo, comida Kasher. Eu no militar, né, como disse, em 1937, eu entrei no militar, não. Lá prolongadamente me mandaram comida Kasher. Não foi assim simples como a gente imagina as coisas, não. Depois quando ela faleceu, eu voltei a meu pai, fiquei com ele durante muito tempo. E quando teve esta bagunça…
P/2 – E o senhor tinha irmãos?
R – Eu tinha um irmão que voltou da Rússia.
P/2 – E ele estava com o senhor essa época toda?
R – Não. Ele era com a segunda mãe. Eu nem sei que fim levou a segunda mãe. Mãe dele.
P/1 – Seu pai casou com outra mulher. Então, esse irmão é meio irmão?
R – É. Então, não sei que fim levou ela. Sei que ele não voltou de.... Eu sei também que eu tinha muita amizade com ele antes de sair. Ele era um rapaz bem mais novo. Eu sempre dei algum trocadinho pra ele. Eu já ganhei, ele ainda não ganhou. Ele sempre recebeu de mim algumas coisas, e sempre veio. Só era um rapaz com pensamento completamente diferente do meu. Ele frequentou... Ele não foi assim…
[Interrupção]
R – Bom, depois com meu pai, eu vivi certo tempo junto com ele. Mas não estavam muito acostumados com ele. Mas ele me fez estudar, conforme contei, Guemora. Ele fez tudo, não. Como que eu tinha que fazer. Tanto que cheguei até militar eu comi Kasher, não é. E depois mudou-se os assuntos, sei lá de que maneira mudou-se, eu saí de lá. Não morei com...
P/1 – Quando o senhor morava com o seu pai, ele tinha a segunda mulher com ele?
R – É. Sempre, porque faleceu com doze anos, não.
P/1 – Não, estou dizendo, o senhor foi morar com o seu pai depois que sua mãe faleceu. Ou quando ela já foi internada?
R – Não. Quando ela foi internada, eu morava no nosso apartamento. Porque a porteira, aquela poderosa porteira, não, que eu disse... essa era outra porteira, porque nessa época ainda não era poderosa, porque ainda não chegou aquelas combinações, não. Isso, cada tempo aconteceu uma coisa, uma novidade, né. Então, ela alugou vagas no apartamento, para pagar o aluguel e para me sustentar. Foi alugado muitas vagas. E para ser bem franco, que não tem nada com isso, ele tinha uma terceira mulher quando eu estive. Tinha já a terceira. Por isso eu disse que mãe de meu irmão eu não sei que fim levou, porque não tinha ligação. Ele já tinha a terceira.
P/2 – Era a segunda. E o senhor tinha ligação com a terceira?
R – Era a segunda, de filho, não. Eu tinha ligação com a terceira, não.
P/1 – E com essa terceira o senhor não teve irmãos?
R – Não tinha irmãos. Também foi ortodoxo... Todas as três foi com shaiklis.
P/2 – E ele era ortodoxo? Seu pai?
R – Ele? Superortodoxo. Não ortodoxo. Superortodoxo. Bom, essa palavra super nem existe. Existe só ortodoxo, ortodoxo é ortodoxo. Não tem super. Eu inventei. Só simplesmente ortodoxo. Que é mais religioso do que aqui os ortodoxos. Isso é garantido. Outro ponto de vista, moderno ortodoxo. E tão moderno que a gente pode pensar... usando a palavra moderno, a gente pode pensar: “Bom, com essa palavra "moderno", não pode ser tão religioso”. Apenas uso a palavra "moderno" porque vestia-se modernamente... Vou dizer porque moderno. Este é um outro conflito que é difícil entender. Porque em Budapeste viveram diversos tipos de ortodoxos, um tipo que veio da Polônia, tá certo? Agora, de Polônia vieram diversos tipos de ortodoxos. Uns com shtreimel. Quem sabe o que é shtreimel? Que judeu ortodoxo húngaro não usou.
P/2 – O que é shtreimel?
R – Shtreimel é um chapéu que é de pele a toda volta, pele de animal, não.
P/2 – Eu já vi isso. Eu já vi mas, não…
R – Bom, eles chegaram assim da Polônia. Estou dizendo moderno ortodoxo porque os ortodoxos poloneses usavam shtreimel, que ortodoxo judeu naturalmente não usou. Os ortodoxos poloneses usavam kaftan, aquele casaco comprido, preto, que ortodoxo húngaro não usou, não. E assim, a frente, esses ortodoxos poloneses ou ortodoxos de certas outras partes da Hungria, sempre ao norte, de sul não, sempre para o norte, foram diferentes desses ortodoxos húngaros. Os ortodoxos poloneses tinham payos comprido, tinha, em geral, barba de maneira que cresce, nada de corrigir, os ortodoxos húngaros não tinham barba, só no máximo o rabino. Se tinha payos, quase ninguém percebeu, porque foi feito atrás, como se estivesse atrás da orelha, ninguém viu, não. Porque payos tinha, porque isso pertence à ortodoxia. Só de outra maneira. Pode ver o payos de meu pai. Está lá. Isso é peis. Quem entende, não. Agora, mas também ele não fez barba nunca, porque foi proibido fazer barba. Ele tinha máquina de cortar e ele cortou sozinho a barba dele, não. Agora, os ortodoxos que eu estou dizendo, modernos, ninguém na rua sabia que ele era judeu ou não era judeu. Nem se falando que eu estou dizendo ortodoxo. Que não levou nem lenço sábado na bolsa, nem chave nem nada disso. Nem acendeu a luz nem apagou a luz, nem se falando que não tinha dinheiro, ou loja foram todas fechadas sábado. Ortodoxos. Agora, esses outros ortodoxos que tinha, esses não foram natos em Budapeste. Esses chegaram.
P/2 – E a diferença entre esses dois era só no vestuário?
R – Não. É muito diferente. Muito diferente. Primeiro esses ortodoxos poloneses, eles falavam iídiche, não falavam húngaro. Os ortodoxos húngaros não falavam iídiche, nenhuma palavra. Falavam alemão clássico. Alemão eu aprendi o Torá traduzido para o alemão, não para iídiche. Agora, os ortodoxos que chegaram, não, com os costumes deles, é um assunto que sabem falar as pessoas que viveram lá entre eles. Eu sei que tinha templos diferentes. Eu conheço dois templos, por acaso. Um se chamava (“Hebra lle"?) e outro se chama Polish Shul. Polish Shul é templo polonês. E (“Hebra lle"?), (hebra?) é junto das pessoas e (“ile”?), onde estudam a bíblia. Não sei exatamente tradução para português. Então, não foi só (“Hebra lle"?) e "Polish Shul". Tinha diversos pequenos templos onde iam só os poloneses e só aqueles que falavam iídiche. Agora, eu, por acaso, conheço bem esse assunto porque como criança todo sábado... sabe o que é Seudah Shlishit? Não sabe. Terceira comida [refeição]. Não conhece? Sábado tem que fazer três comidas [refeições] com pão. Uma é sexta-feira à noite, outra é sábado ao meio dia. Porque de manhã em geral, tem aquele bolo, que não é pão, né, recebe açúcar e leite, não é mais pão. Então, sábado ao meio-dia. E sábado de tarde faziam a terceira reza sobre o pão. E esse Seudah Shlishit, a terceira comida Seudah Shlishit, é comida, não, seja como for. E nessa terceira comida o pessoal ia ao templo. E lá no templo faziam essa comidazinha e cantavam e dançavam este... conhece esta dança? Dança chassidica. E eles faziam as baguncinhas deles…
P/2 – Esses os... poloneses.
R – Poloneses. Poloneses ou não poloneses, de onde meu pai chegou e de onde minha mãe chegou também é dessa parte de iídiche, de Marrocos. Conforme disse. No norte da Hungria e no Rusinsko também era falado em iídiche, que era perto das fronteiras da Polônia, por quê, não sei. Porque lá se misturam as pessoas, e já foi assim mesmo, não. Então, lá neste Seudah Shlishit, em geral, lá davam, naturalmente, pão, em geral pão preto, e mais outras comidas. E era muito... Todo mundo gostou arenque matjes, que aqui também tem, aqui também se dá um pedacinho. Então, tinha arenque matjes, tinha pão e tinha mais outras coisinhas. E nós fomos lá. Eu, como criança, participei da comida e participei também na dança e participei também em cantar, se chamavam “neginas” [nigunim?] estas músicas sem letra. Só cantavam, né. Agora, tinha mais. O rabino ortodoxo, que era do templo ortodoxo, toda sexta-feira recebia os fiéis ortodoxos. Eu estou falando agora dos modernos ortodoxos. Completamente outra turma, não. Então, lá também eu participei. Porque o rebe esticou o jantar por horas e todo mundo foi do templo para casa jantar. E os religiosos, eles tinham apartamento enorme, já para este fim, que estava dentro de onde estava o templo, no mesmo edifício, e à noite, depois de jantar, chegaram os ortodoxos fiéis à casa do rebe. E ele esticou a janta porque era costume o rebe dar para todo mundo um pedacinho do jantar dele. Então, em geral, foi peixe e muitas outras coisas. Então, o rebe já foi preparado de dinheiro de ortodoxia, não, que tinha peixe sem fim. E quem esticou a mão dez vezes, ganhou dez vezes, quem esticou a mão vinte vezes, ganhou vinte. E então, a gente também subiu lá – eu não fui sozinho – com outros rapazes, e ainda comemos um pouco de peixe com um pouco de pão. E depois, como se diz, cantar zmires. Zmires são essas canções iídiche, sem letras. Cantar os zmires e depois ainda acabar o jantar com aquela reza depois de jantar. E depois todo mundo foi para casa.
P/1 – O senhor se lembra de alguma zmire? Poderia cantar pra gente?
R – Ah, eu não canto. Olha aqui, tem aqui discos que todos eles conhecem. Tem aqui aquele disco, Rapsódias, o nome dele é Rapsódias Judaicas. Cantando com música, também sem letra, que todos eles são esses zmires. Todos eles, tem vinte peças. Se querem escutar, eu boto. Pode escutar. Eu nem sei se tenho. Eu falei que tenho. Pelo menos vou mostrar o disco.
P/1 – Tem, que eu vi outro dia.
[Interrupção]
P/1 – Outra coisa que eu sinto falta. Tem a sua família. Mas, o senhor nunca falou de avós, de tios, de primos.
R – Bom, esses, eu nunca conheci nenhum. Eu tinha tio que não morava em Budapeste. No Gyõngyõs, a sessenta quilômetros de Budapeste. Com família grande. Tinha sete garotas, três rapazes. Eu sei que alguns voltaram depois da guerra. Alguns. Depois, tinha em Budapeste um outro tio, que também sei que voltou, por motivo que ele mandou fotografias de meu pai lá na Itália, atrás de mim. Tinha muito poucos... Também todos ortodoxos. Todos ortodoxos. Agora, minha família era ortodoxa assimilada. Não assimilada da ortodoxia. Assimilada de costume polonês para costume húngaro ortodoxo. Porque a entrada dos poloneses para Hungria, pode ser que durou cem anos ou duzentos anos, não sei quanto, não. Entraram. E os filhos e os netos... lmagina como aqui no Brasil, vieram poloneses aqui, o neto, garantido que não fala iídiche, certo? O neto é garantido que veste-se diferente dos avós. Em compensação, pode ser que ele continuamente seja ortodoxo. Então, estou dizendo, minha família, eu sei que são ortodoxos cem por cento, são já moderados em roupa, não usou kaftan, não usou shtreimel, não tinha nada dessas coisas. Já era assimilada à ortodoxia húngara. E se não tivesse a guerra e eu estivesse lá em Budapeste, então, eu seria mais assimilado e meus filhos ainda mais assimilados. Só de origem, voltando à volta, eu sei de onde é. Meu pai é de (Máramaros _), minha mãe é de (Brasher?), destas partes onde falavam iídiche. Quer dizer, porque lá também tem, a gente assimila-se com a situação local. Porque vamos falar, esse que se chama de rabino, que para mim de longe não é, ele dá aula e tira o tzitzit fora. Manda as crianças com tzitzit fora aprender alguma coisa de Hebraico. Mas isso na Hungria não existiu. E todo mundo tinha tzitzit. Se chamava (“leitzdark”?). Em nome ou iídiche ou alemão. (“Leitzdark”?). Quer dizer no lugar de Talit, usava o tzitzit. Nunca na vida por fora. E foram ortodoxos. E nem os poloneses eu vi nunca com esse tzitzit fora, com este rabino aqui. Não vi. E não depende da ortodoxia que alguém vá com este tzitzit fora. Agora, meu avô não conheci nem minha avó. Este aqui nem sei se existiu na minha vida quando eu vivi. Quer dizer, já pode ser que já faleceram antes de eu nascer.
P/2 – O seu pai, ele era rabino, não?
R – Bom, agora... Espera aí. Esta palavra rabino vamos limpar. Um segundo. Na Hungria... Espera aí, pode chegar lá. Vou dizer…
P/2 – Ele era estudioso.
R – Não. Aqui não trata de estudioso. Aqui trata-se do seguinte. Vocês vão entender muito fácil. Na Hungria tinha o Yeshiva. Certo? E tinha seminário. Que aqui tem seminário. Agora qual a diferença entre Yeshiva e seminário. O Yeshiva, a gente entrou para estudar e alguém não saiu de Yeshiva. Já poderia ter oitenta anos, ainda estava no Yeshiva.Yeshiva é Yeshiva, para vida inteira, não. Agora, o seminário, para como ser advogado, para médico, começa e tem fim. Tá certo? Para ser rabino tem um começo e tem um fim, um diploma, não. Agora no Yeshiva, não precisa ter esse tipo de diploma. Eu vou dizer o que que tem. No Yeshiva, se alguém estiver com certa quantidade de anos de ieshive, frequentando já, inclusive como pessoa já crescida, vamos falar, com vinte até trinta anos estava no Yeshiva, então, lá tinha um certo grau, não aquele tipo de grau de seminário, que o estudo dele é equivalente a de rabino. Entendeu? Isso não quer dizer que ele depois virou rabino, não. O Yeshiva não é um rabinato que faz rabinos. Em compensação, depois de um certo estudo, ele automaticamente chega à classificação de rabino, que nunca na vida praticou. Só se ele queira praticar, não. Então, depende se tem local onde praticar ou não. Agora, estudo completo de rabinato, isso eu sei que ele tinha. Isso eu sei. Agora, não é o mesmo tipo como rabinato, como conhecem o rabinato. Esse também é sistema ortodoxo. Porque imagina, duzentos, trezentos anos atrás ou até mil anos atrás, não tinha seminário para dar diploma, não. Porque aqui dão. Aqui dão, lá em Petrópolis. Agora, nós chegamos a ter um certo estudo que automaticamente é equivalente a rabino. Estou dizendo. Se a gente fala só uma palavra não dá para entender. Agora, cada uma coisinha tem uma certa evolução, não. Agora, até hoje, vamos falar, lá em Israel tem muito Yeshiva. Tem muito Yeshiva. Eu não sei hoje como é lá, eu não sei se isso vai por diploma ou não vai. E vou dizer porque estou perguntando. Eu tenho amigo... Pode ver, de criação ortodoxa, se tenho amigo lá no Yeshiva, não, de colégio onde estudei… [interrupção] Sendo que não conheço profundamente as coisas, eu disse pra ele... Chamava como criança, ainda, com o nome de apelido, assim, Andi. Andi Andre. Assim, apelido em húngaro como era no colégio, né. Eu disse: “Andi, escuta aí”. Porque ele me mostrou todas as salas. Desde crianças até pessoas já bem adultas, né. Depois, ele me mostrou uma sala de Yeshiva que aqui são só homens casados, quando ele me apresentou esse Yeshiva dos homens casados, era assim meio um choque para mim. Porque não conhecia essa Yeshiva, Yeshiva de homens casados. Então, eu disse pra ele: “Escuta... – falando tudo em húngaro, né – este Yeshiva de homens casados, como é? Os homens estudam aqui de manhã até a noite, e a mulher, como que ela... Quem ganha a vida e comida de tal, não?”. “Bom, olha aqui, esses homens que estudam aqui…” Eu nem me lembro o que ele respondeu. Só sei que as mulheres ganham dinheiro, de uma certa forma, né. Estou dizendo... Como que eu me lembro dessas perguntas, já isso é mais ou menos dez anos atrás. Disse: qual é a mulher que escolhe um homem para sustentar, para ficar a vida inteira aqui do Yeshiva para estudar? Porque quem estuda também não vai no “militar” [exército]. Quem estava no Yeshiva não tinha que servir “militar”. Estava no Yeshiva. Ele disse: “Olha aqui, como você pensa, como que eu não sei. Agora, sei que muitas mulheres escolhem maridos”, isto está no Bnei Brak, em Israel, perto de Tel-Aviv, porque elas querem ter maridos que estudem no Yeshiva de manhã até à noite, depois do casamento. Então, estou dizendo que tem um milhão de coisas que a gente não entende, não. Como eu já contei que lá em Israel, eu estive lá, eu entrei naquela turma que tem o nome “Meier” assim, aqueles ortodoxos que incendeiam ônibus, que “virem” isso, que “virem” aquilo, não.
P/1 – (Não sabe?)
R – Eu não sei o nome deles. É uma turma dessa turma pesada, não. Estou falando pesada porque eles criam essas máximas diferenças lá, não. Então, eu entrei lá, porque sendo que eu falo iídiche, eu fui curioso como que é lá, porque nós já sabemos que eles são bagunceiros, não é. Eu entrei. E fui superbem recebido. Porque uma pessoa estranha quando aparece, acontecem diversas coisas. Primeiro, eles estão sempre prontos para pedir dinheiro, não é? Isso é um assunto principal, não. E depois eles querem se apresentar a pessoas de alta elite. Então, quem entra lá, pode ser o péssimo judeu, come treif à vontade, mas lá estão muito bem recebidos porque eles têm uma boa apresentação e para conseguir levar dinheiro. Então quando entram... na rua... Porque aqui todo mundo é esse ortodoxo “Meier” ou como se chama a turma, não. Então, todo mundo convida para entrar no apartamento. Então, não pode ir a todos, sempre a gente entra em um ou em outro, terceiro lugar, não. Então, cada um pergunta, como aqui, de onde é, de onde não é. E depois cada um... São superpobres também. Cada um pede para deixar algum (“medover?”) – sabe o que é (“medô”?), né. Um presentinho lá. Então... Tem de tudo. Tem de tudo. Por isso estou dizendo, a gente permanentemente se contraria. Mas existe de tudo, não é. Então, meu pai, com quem eu não vivi muito, porque eu fui para o lado de meu pai com mais ou menos treze, catorze... treze anos, assim. Porque depois que minha mãe faleceu, não fui imediatamente lá. Porque tinham conforme disse, apartamento que a porteira tratou, alugou vagas e eu fiquei lá, não sei, um ano ainda mais. Até que um belo dia acabou tudo. Acabou tudo. Acabou tudo. Então, meu pai levou. Eu fiquei lá com meu pai, com minha madrasta. Muito pouco tempo. E vou dizer por quê. Porque eles alugaram vagas, até no quarto onde eles estavam dormindo tinha à noite mais oito camas abertas para vagas. Porque a pobreza não foi pequena não. Isso já disse uma vez, não. Então, abriram diversas camas onde à noite dormiam ou solteiras, ou moças solteiras, ou casais, não, até casais, mas todos trabalhadores. Não é de bagunça, não. Que isso me lembro bem. E eu era um tipo desse inquilino desta vaga, naturalmente como filho próprio, não pagando nada. Mas era uma dessas vagas preenchidas. Então, meu pai e minha mãe tinha a cama de casal e estas camas eram todas fechadas, de ferro. Então, duas camas de minha mãe e meu pai eram, de dia, assim altas. Porque tudo foi colocado lá e coberto, não. Era um... À noite, tiravam e abriam as camas. Tinha cama na cozinha também. E tinha mais um quarto lá também. Esses pagavam incrivelmente pouco quase diariamente… Tenho que dizer que todos eram judeus. Isso é superimportante dizer. Superimportante. Só judeus. Por isso estou dizendo que, mesmo os judeus têm bagunceiros bastante, não é. Mas, de qualquer maneira, até um certo tipo de limite, porque minha madrasta e meu pai tinham um superpoder em cima deles. Quer dizer, com ameaça de colocar fora. Não precisou juíz ou não juíz, porque colocou fora à toa, não. Com super-respeito para meu pai e para minha mãe. Então, eu caí dentro dessa situação, eu não gostei. Então, eu fui ao mesmo tempo para aprendiz, vamos falar, com catorze, quinze anos. Eu fui pra aprendiz de eletricista três anos, quem tem oitavo primário, aprendiz dois anos, quem tem madureza, aprendiz um ano. Então, eu caí aprendiz dois anos, com oitavo primário. Se chama ginásio. Quando eu acabei meus dois anos como aprendiz, eu fiquei como simples oficial eletricista. Um oficial que já não tinha contrato com firma de aprendizagem, né, e procurei emprego, ganhei melhor. E eu sempre fui um eletricista assim um pouco melhorado e eu sempre ganhei um pouco melhor. Como aqui sempre ganhei um pouco melhor como um simples eletricista. E quando eu já ganhei tanto que sabia que poderia arrumar uma vaga num outro lugar, então, eu caí fora de casa da vaga do meu lugar. E eu fui numa senhora, também iídiche. Porque lá naquele bairro todo mundo foi iídiche. Por isso disse que aparece muita bagunça, que meu pai... Mas todos foram judeus, assunto é diferente. À noite cantavam canções. E como [havia] pobreza só, eles se viraram assim. Tinha namoro para casar, né. Mas assim uma situação leve, não aquela pesada. Ainda não era hitlerismo, não era guerra, não. Então, aquela situação agradável. Tumulto, mas agradável, não. E toda noite briga, porque minha madrasta “fechou” luz, não é. Alguns queriam ler, acendiam velas, liam na vela, não. Cada um tinha a baguncinha. Depois, não, não pode vela, porque não sei, dormir... Depois compraram uma lâmpada e lá também tinha poloneses judeus no meio, né, então, gritaram em iídiche... em polonês, até falaram polonês, me lembro: Zakaz lampo, apaga a lâmpada, estão me perturbando, não. Porque a vela era cara, então, compraram lâmpada de petróleo para à noite, quando já minha mãe... Que eu disse que tinha muito respeito. Se alguém acendeu a luz depois que ela apagou, isso ninguém tinha coragem, porque no outro dia mandava embora, não. E lá, ainda por vinte centavos dormia lá uma noite Toda noite, aqueles poucos centavos, mas tinha aonde ir. Então, tinha muito respeito. Ninguém tinha coragem de acender a luz depois que ela apagou. Dez horas em ponto era apagada a luz, não. E assim aprende. Esse é um assunto que só quem viveu nesta turma sabe. Quem Não viveu, não adianta nem contar. Nem acredita, quem não viveu nessa turma. Então, eu fui à outra casa, onde só tinha poucas vagas.
P/2 – Isso que o senhor está falando, quantos anos o senhor tinha? Uns dezessete?
R – Mais ou menos dezesseis. Porque estou falando. Com catorze, quinze eu acabei colégio, fui aprendiz dois anos, dezessete. Então, eu me mudei numa outra casa judia, no mesmo edifício. Edifício só de três andares, andares enormes, casa enorme, com corredor enorme. Então, eu mudei para um outro lugar onde era muito mais confortável porque, vamos falar, só tinha três, quatro vagas alugadas, não é, com mais dinheiro. Tinha empregada que, de um certo ponto de vista, tratava melhor. A dona de casa tinha empregada. Não eu, né. A dona de casa. Porque ela fazia compra, cozinhava também, quem quisesse comer, comia, janta, quando chegasse, não. Lá já tinha mais rigor, à noite, ela vinha, levantava o cobertor, olhava o pé de cada um, se estava sujo, se estava limpo, jogava para fora da cama quem não foi tomar banho, (risos) que ela não ia lavar a roupa de cama tantas vezes, não é. Eles foram super-rigorosos. E olha lá, não tinha banheiro dentro de lugar nenhum. Banheiro só no corredor, para todos, um. E mesmo assim. E tinha inverno também. O assunto era pouco diferente, porque lá tinha banho uma vez por semana, no inverno até uma vez por mês. Não é falta de higiene não. Porque quando, em geral, estava por volta de zero grau, não vou falar muito, por volta de zero grau, ninguém sua, não tem poeira e não se suja. Pode ser que, depois de uma semana, trocando um blusão, vai pesquisar, se tem menos sujeira do que aqui, trocando por dia. É muito diferente. Porque este aqui também... Se vou dizer: não, dá só uma semana. Famílias ricas nem sempre tomavam banho mais vezes que uma semana. Ricas. Porque esquentar a água era caro, não. E depois, sei lá eu, não é tão confortável. E tomar banho onde a temperatura está bem baixa, não é como aqui que a gente toma banho, sai nú, faz o que quer, o que que não quer. Lá o assunto é um pouquinho diferente. Depois, esquentando a água com lenha, em geral, tinha tambor, onde no centro ia um tubo que passava a chama e a fumaça, e embaixo lenha. Depois, quando a gente, de fora sentia que o tambor estava bem quente, enchia o banho. Depois, não tinha repetir a água quente. Porque acabou lenha. Não é assim, que eu vou tomar banho, depois, eu pego um chuveiro e tiro o sabão todo, não. O banho era numa banheira. Então, a gente não usava muito sabão, senão ficava todo melado de novo, não. E depois a família muitas vezes, pai, mãe, filhos, tudo na mesma água, no mesmo tempo. Deixavam um pouco mais a água quente pra entrar. Porque a água no tambor é exatamente a que entra na banheira, não. Eu estou dizendo sempre com cinquenta, sessenta anos atrás.
P/1 – Mas não tinha que fazer o banho toda sexta-feira?
R – Bom, nos judeus não precisou muito este banho não, porque, em geral, todo mundo frequentava a mikvé. Por limpeza de corpo, por motivo de um papo, não, os homens sempre tinham papo, por motivo de um descanso dentro de uma água quente, dentro de uma sala, dois ou três, como isso, não muito grande, porque também era tudo muito caro, não. Dizem que aquela época foi barata. Foi barato nada. Sempre tudo muito caro. Sempre. Me lembro aquela dona, onde eu estava morando, depois que saí de meu pai, ela todo santo dia disse que era impossível aguentar, não tem quem aguentasse essa carestia. É a mesma coisa. Todo santo dia. Isso não mudou nunca. Mas dizem que aqueles tempos eram bons. Dizem. Agora, nunca foi. Nunca foi. E se foi, foi para alguns. Nunca para pobres. Pode ser que os ricos, que havia muitos ricos, sempre foi. Agora, não para pobres. Para pobres nunca foi, pobre ficou à toa colocado para fora do apartamento para rua, que aqui nem existe quase, que ficou devendo um, dois anos, não pagou aluguel, que usou luz alguns meses, uma lâmpada de 15 watts só, e também foi cortado, porque não conseguiu pagar a luz. Isso aqui depende, não. Porque não tinha possibilidade de ganhar dinheiro. Ainda mais aqueles tempos, que todo mundo conhece, 1928, 29, 30, 31, quando dizem que teve aquele "crachá" [crash] da bolsa da América de Norte, né. Depois desses anos, ninguém do mundo tinha dinheiro. Não correu dinheiro não. Nem um pouco. Eu sei, sabe por que eu sei disso? Eu já era profissional. Eu sempre tinha tendência a ganhar dinheiro com biscate. Trabalhei na firma, quis fazer biscate. E eu fiz biscates e recebi tão pouco dinheiro pelo biscate que até hoje eu me lembro, sempre pensei “Vale a pena fazer este biscate?”. Incrível pouco dinheiro. Muitas vezes fiz um serviço, ganhei vinte centavos. Eu não sei dizer como é vinte centavos. Mas era muito pouco dinheiro. Um almoço mais ou menos, tipo botequim, era cem centavos, um pengö. Então, já viu.
P/2 – Cem centavos?
R – Bom, cem centavos, maneira de falar. Porque vou dizer um pengö, nem vai entender o que eu falei. Porque era pengö lá, era pengö, né.
P/2 – Quer dizer que um biscate era muito menos que um almoço.
R – Muito. Mas... Bom, biscate também tem tamanho. Eu estou falando de biscate de uma hora ou duas horas. É incrível pouco dinheiro. Só fiz também biscate nos judeus, em vários judeus.
P/1 – Vai ver que é por isso que pagava pouco.
R – Não, não por isso não, porque aqui tinha coisas piores, aqui no Rio de Janeiro. Muito piores.
P/1 – Então, vamos chegar ao Rio. Conta pra gente como que o senhor chegou.
P/2 – Ainda uma última perguntinha da Hungria.
R – Da Hungria. Vamos lá, Hungria.
P/2 – Durante a guerra, então, o seu pai ficou onde, durante a guerra?
R – Isso eu já contei. É o seguinte. Lá em Budapeste tinha muitos judeus. Pode ser que aqui agora nem tenha tanto judeu como tinha em Budapeste. Tinha duzentos e oitenta mil judeus, vinte e oito por cento, não é brincadeira não. Então, é o seguinte, eu não morava junto com meu pai, está certo? Agora, lá, conforme eu disse, a história de Wallenberg. Lembra que eu falei? Eu entrei para ganhar este papel de Wallenberg, que era uma adoção, me adotaram para ser sueco, não. Aquele papel. O papel era do tamanho dessa folha, onde declararam meu nome e tal, e eu sou sueco, não. Esse papel, como eu falei, algumas vezes tinha mais valor, algumas vezes tinha menos valor. Algumas vezes esta pessoa do tipo hitlerista pegavam e rasgavam. Rasgavam e acabou, não tinha mais papel nenhum. Muitos arrumaram diversas vezes papéis, se tinha tempo, não é. Porque o papel não era brincadeira. Porque lá no consulado sueco tinha que alugar um outro prédio, porque, por dia, tinha que fazer mil papéis desses, ou dois mil. Então, nem deu para o consulado fazer não. Então, ele empregou judeus para fazer esses papéis. Então, já tinha diversas máquinas de escrever, depois, diversos carimbos. Por que quem vai fazer na pior guerra carimbo de metal? Aquele carimbo que o correio usa, né. Carimbo de metal, que àquela época... Hoje tudo é fácil. Porque tem que pensar sempre com cinquenta anos atrás, né. Então, não poderia fazer carimbo de metal. Então, fizeram carimbo de borracha. Então, descobrirem que o carimbo de borracha não é... é falso. Não era falso. Só não poderia arrumar outro, né. Então, rasgaram todos esses papéis que era com borracha, que não tem valor. Era o mesmo valor, chegou do mesmo lugar. Mas tinha tanto que fazer que não tinha mais possibilidade de fazer de outra maneira. Então, meu pai, onde estou falando a separação, entrou no gueto comum. O gueto comum. Tinha o gueto. Porque muitos sobreviveram no gueto e não sobreviveram lá onde eu fui... E muitos sobreviveram lá onde eu fui e não sobreviveram no gueto. Então, ele entrou no gueto comum. E este Wallenberg tinha outro bairro judeu, de judeus ricos, não. Então, lá, pegaram os católicos todos, tiraram fora e fizeram um outro tipo de gueto onde foram pelo menos vinte países do mundo dar essa proteção, esta possibilidade de adotar-se para um estrangeiro. Eu me lembro, o Vaticano fez, me lembro, São Salvador fez, aqui na América Central, alguns países fizeram. Brasil não foi no meio. Isso é garantido que não. Nem a Argentina fez. Alguns países fizeram. Esses três países é garantido. Suécia, Vaticano e São Salvador, mas tinha outros... Como?
P/1 – Vaticano também?
R – Vaticano também tinha. Mas, com certeza, o Vaticano não deu pra qualquer um, só para quem se converteu. Porque mesmo se convertendo continuava sendo judeu, não. Mas tinha. Vaticano tinha. Se chamava... Nem sei traduzir. Esse papel se chamava... uma adaptação... adaptaram para... Porque o Vaticano é um país independente, não é. Eu sou vaticano... Eu fui sueco, não. Então, eu fui correr atrás desse papel. Eu era jovem, meu pai era idoso. E meu pai não tinha que entrar no gueto central. Porque onde ele morava, automaticamente era gueto. Quer dizer, ele não tinha que mudar nem um metro. Agora, eu saí do gueto comum e fui nesta parte do gueto internacional, onde foram os judeus com defesa destes outros países. Então, chegaram pessoas, levaram tanto de lá turmas. Ele sobreviveu lá e eu sobrevivi aqui. Depois, eu voltei na antiga moradia, onde ele também voltou, e nos encontramos. Então, ficamos depois da guerra um certo tempo juntos. Acontece que eu voltei lá à Mizrachi. Porque todos os locais judeus depois da guerra, tornou tudo a mão de judeus, porque foi tudo abandonado, não. E quem tomou esses lugares judeus? Só os fascistas, não. Sendo que perderam a guerra, então, automaticamente todos os lugares judeus, que eram judeus, foi tudo abandonado. E todos os judeus que foram a essas comunidades encontraram paredes vazias. Então, tinha muitas facções sionistas. Eu frequentei, em segredo, porque oficialmente não podia, a Mizrachi. Então, eu fui à Mizrachi, ver o que que aconteceu lá. Então, quando eu voltei lá na Mizrachi, eu encontrei lá diversas pessoas. Então, começaram imediatamente a falar se eu queria ir a Israel, que estavam fazendo turmas que saía da Hungria, que ia para Áustria, para Itália. Quando começaram a falar isso, eu disse que não queria. Só não sabia, não conhecia bem esta palavra, o que isso quer dizer – que quero ir. Então, isso já foi quando voltei da Romênia. Conforme disse, que fui à Romênia, não. Então, eu disse que queria ir. Quando eu voltei da Romênia, nova vez estava junto do meu pai. E quando disse “Quero ir”, um dia, eu não sei como disseram: “Vem comigo”. E alguém me levou a um certo lugar, disse: “Pronto, daí você não pode sair mais”. Então, fiquei lá dois, três dias até nos prepararem. E tinha oportunidade para mandar as turmas, conforme disse, com trem até a primeira fronteira, que se chamava Hungria-Áustria-Russo, e a segunda fronteira, que se chamava Áustria/Russo, Áustria/Ingleses. Tinha duas fronteiras que tinha que atravessar. Então, nós fomos sempre abandonados, porque nenhum poderia se comprometer. Agora, fomos superencaminhados como fazer. Agora, aquela pior coisa que foi atravessar a fronteira Russo/Áustria, que foi a segunda fronteira, que só dizerem: “Olha, aqui tem esse riozinho, você sempre tem que ir ao lado até chegar em cima da montanha. Onde não tem mais rio. Quando acabou o rio, você senta-se”. Então, veio aquele homem com aquele balde e perguntou se alguém queria tomar um pouco de água. Ninguém aceitou, ninguém falou. Porque falando já dá para escutar. Era ainda escuro, de madrugada. Então, fomos avisados que o homem ia embora e nós, a cem, duzentos metros de distância, iríamos atrás dele. Se um desses russos nos pegam, não, então, ele não está no meio, ele está longe. Pode ser que era judeu sionista, não sei, nunca mais vi aquele homem. Ele só serviu para nós descermos a montanha e entrar no Graz, na cidade. Onde fomos capturados, que eu dei aquele papel. Agora, nunca fomos, por um dia, levados. Só foi bem explicado como que tínhamos que fazer. O guia poderia ser um sionista, não. Ele foi... Que mandava quase todo dia turmas, né. Então, ele não poderia se comprometer conosco. Ele só... Já um guia bem conhecido poderia dizer: “Vocês têm que fazer isso, isso e isso, até vocês não ficarem presos lá na Áustria”. E aconteceu tudo assim, lugares escolhidos, conforme eu disse, para chegar até lá. Então, quando eu cheguei lá, eu deixei meu pai, sem avisar nada. Conforme eu disse, não, eu saí, não sabia a consequência desse rolo comprido, o que que vinha atrás disso. Porque isso foi um assunto instantâneo – “eu venho, você vem, você vai” –, a gente jamais foi conhecido desse rolo comprido que aconteceu, até hoje não é. Então, esse tio meu que ficou lá em Budapeste, meu pai ficou doente, com pulmão, ele foi num hospital, e ele faleceu num hospital. Sempre pensei que iria a Israel, depois eu levaria ele, não. Foi assim um pensamento, aquela época, não. Mandou esta foto atrás de mim. Tinha uma foto assim pequena, eu mandei fazer isto. E a pequena, perdi. Mais ou menos a pequena ficou com homem que me entregou esta grande, que eu mandei ampliar. E assim acabou a história da Hungria. Agora, se tem contradição, isso não é contradição. Simplesmente os tempos estão cruzados. Os tempos estão cruzados. Porque eu estive lá na Romênia há muito pouco tempo. Porque quando eu fui lá, com aquela moça, que eu falei, não, eu fui lá, não poderia ir... eu já voltei. O que que eu vou fazer na Romênia? Não… [interrupção]
P/1 – Então, entramos no Brasil. A primeira palavra que o senhor aprendeu foi água, a segunda foi suco.
R – Isso foi na Romênia. Não aqui. Romênia. Subi no bonde. Porque ninguém cabia lá. Todo mundo quis viajar, ninguém cabia. E quando chegaram em casa, a primeira palavra foi "esta água". Também fiquei lá poucos dias. Ainda mais quando descobriram aquela garota, não, não judia. Então, voltei imediatamente.
P/2 – Da Romênia?
R – Na Romênia. Voltei para Budapeste imediatamente. Eu fui para lá mais ou menos em janeiro, e, vamos falar, no meio acabou a guerra, não, 8 de maio, 10 de maio, então, 20 de maio eu já voltei. Imediatamente. Fiquei lá cinco meses. Quando acabou a guerra, eu imediatamente voltei.
P/1 – Já podemos chegar ao Brasil. A viagem, o senhor já contou a viagem.
R – A viagem foi supersimples. Muito estrangeiro, só estrangeiro, um navio muito barato, que a Joint também não pagou navio rico, não. Inclusive nós, em terceira classe, chegamos aqui.
P/1 – Chegou no Rio de Janeiro, desembarcou no Rio de Janeiro. Quando?
R – Eu tenho o documento. Lá tem. A data no documento do dia do desembarque.
P/1 – O senhor não lembra?
R – Não. Eu entreguei o papel. Vou lembrar, quarenta e dois anos atrás, qual o dia que cheguei aqui? Nunca precisou.
P/2 – O ano que o senhor saiu de lá, o senhor saiu de onde?
R – Olha aqui, eu saí de Roma. O navio estava no Gênova parado, esperando. A Joint comprou passagem de Gênova, Dacar, Rio de Janeiro. Não parou duas vezes – Marseille, Dacar e Rio de Janeiro. Em Dacar descemos, ficamos em Dacar, foi abastecimento, não, chegamos ao Rio de Janeiro.
P/1 – Isso o senhor contou. Chegou no Rio, tinha o pessoal esperando.
R – É Esperando a turma. Foi, redondo, vinte. A Joint avisou. A Joint e o Hias, mais ou menos igual. Conhece Hias, não, então, a Joint ou o Hias avisou aqui aos húngaros que estava chegando uma nova turma lá. Fomos a primeira turma que chegou. Então, eu só de meu lado sei dizer uma coisa, que tinha lá muitas pessoas nos esperando. Naturalmente já muitos não vivem. Inclusive um que foi da ARI e faleceu também lá no Lar dos Velhos, da ARI. Se chama (Denes Grunter?). Ele foi que me levou para trabalhar com ele. Então, eu trabalhei na rua Assunção, acho que número 5, em Botafogo. Então, eu…
P/1 – O senhor trabalhou de quê?
R – Imediatamente como eletricista. Porque ele era um decorador e instalador. O primeiro serviço que eu fiz foi o Carneiro, no Saens Pena, que até hoje existe. Instalação elétrica.
P/2 – Onde que o senhor trabalhou? Rua Assunção…
R – Cinco. Denes Grunter, que era sócio da ARI. E faleceu também lá no Lar dos Velhos, da ARI, lá no Rio Comprido. Nunca fui lá, só sei. Trabalhei com ele, como empregado. Tinha assuntos interessantes com ele, não. Ele tinha uma casa lá na rua Bambina, onde está agora o Hospital Samaritano. Este terreno era dele, com uma casa dele. Ele também morava lá pertinho. Então, ele me colocou lá, e mais cinco. Deixou ele dormir naquela casa, até vão começar fazer a renovação para hospital, não. Então, dormimos lá. E eu trabalhei para ele. Entre muitos eu sei que água nunca tinha. Encontramos o tubo de entrada da casa antiga e tinha que fazer mais ou menos um buraco de um metro de profundidade, que lá em baixo entrou água algumas vezes. Esse tubo subiu até o terra, lá já não entrou água. Então, eu, como bombeiro, desmanchei tudo, botei um registro lá embaixo, fizemos um buraco lá e lá algumas vezes entrou água. Então, eu comprei um balde, fiz debaixo do balde um furo e coloquei lá um registro, como chuveiro, pendurei o balde em cima e tinha chuveiro com um balde de água. Tinha aquele registro de corrente que tinha que puxar, né. Então, como foi interessante. Isso é tudo só simples, que foi interessante. Eu trabalhei o primeiro mês pra Dionísio. Dionísio, chamava todo mundo. E, no fim do mês, eu recebi meu pagamento. Mas eu cheguei duro aqui. E ele disse para... lá nas redondezas, na primeira esquina lá, para o dono do botequim, para me dar almoço, janta lá. Mais janta, porque de dia não... estava lá trabalhando. Tinha algum dinheiro, mas muito pouco, não. Depois, no fim do mês, íamos resolver a conta. E eu fui e supereconomicamente, me lembro até hoje, porque já sabiam que eu ia comer arroz com…
P/2 – Feijão.
R – Não. Isso não. Isso aqui, até hoje não cheguei. Nem até hoje cheguei até lá. Como arroz e como feijão. Agora, arroz e feijão, isso não é comigo. (risos)
P/2 – la comer o quê?
R – Rizi-bizi. É nome húngaro. Arroz com petits pois, misturado. Se chama na Hungria Rizi-bizi. E eu não falei português, e sempre pedi para fazer um Rizi-bizi ou arroz com ovo e tal. Eu só sei que chegou ao fim do mês e eu recebi meu pagamento. Eu fui pagar lá o português, o botequim. Não deu. Não deu. Tudo que eu ganhei, não deu. E olha aqui, supereconômico. Eu não comi lá todo dia. Porque comecei a cozinhar lá naquela casa velha, sozinho, não. Eu falei: “Seu Dionísio, tem algum erro por aí…”. Ele disse: “Qual é o erro?”. “Eu não sei, no pagamento. O mês inteiro, o que ganhei não deu para pagar o jantar, não.” “Isso é impossível” – Disse ele. “Como impossível? Recebi isso…” Porque falei com ele em húngaro, né. Então, ele, até meio assim irritado, correu ao gerente. O gerente se chamava Diamantino. “Ó Diamantino – eu tenho carteira aqui assinada por ele, Diamantino –, eu não disse para você fazer o melhor pagamento para ele?” Diamantino disse: “Eu fiz”. “Fez como? Ele disse que não conseguiu pagar nem o jantar.” Disse: “Olha aqui, o nosso pagamento é sete cruzados por hora para oficial. Eu dei para ele catorze. Pode ver a carteira dele. Eu até tenho medo que amanhã outros vão ver, o que que vão dizer”. E o Dionísio disse: “Escuta aí…”. Porque eles falaram em português, né, eu não entendi nada. Eu só entendi o que eu falei com o Dionísio. Disse: “Escuta aqui, o que você está queixando? Você recebe dobrado do que outros. Ninguém pode saber”. Então, me lembro a primeira resposta para ele: “Senhor Dionísio, como que posso sair do Brasil? Porque se o senhor me pagou dobrado e para mim não deu para jantar, isso não é lugar para ficar”. Então, primeiro... (risos) Ele disse assim: “Ah, mas no Brasil... Calma…”. “Calma o quê? Se nem para jantar?!” – Falando em húngaro, não. Ele disse assim: “Olha aqui, nós todos fomos assim, nós dormimos na rua, em cima de jornal. Nós não tivemos dinheiro. E cada um de nós está mais ou menos numa situação boa. Eu não sei…”.
P/2 – Quer parar um pouquinho?
R – Não. Esse já falou tudo. Então, ele disse: “Olha aqui, para nunca faltar dinheiro para você. Isso aqui é só para começar. Eu vou melhorar para você, particularmente, não. Então, ele, não sei, me levou para jantar algumas vezes na casa dele, algumas vezes ele me deu por fora algum dinheiro. E depois comecei a fazer biscates também entre a turma de judeus. Procurei fazer alguma coisa domingo. Um que foi muito triste para mim... Eu, no início, estava morando... depois que saí da rua Bambina, não. Porque a gente sempre sai.... na rua Santo Amaro. Lá no Catete. Também uma família judia.
P/2 – Alugavam quartos, é isso?
R – Alugamos quatro quartos, quatro rapazes que chegamos juntos. Uma casa grande, muito grande. No lado esquerdo, na subida.
P/2 – Segunda moradia. A primeira foi na…
R – Foi naquela casa caída. A segunda foi lá na rua Santo Amaro.
P/2 – Essa casa ca....
R – Casa caída, onde está hoje o Santa... Samaritano, Hospital Samaritano. Na rua Bambina, na esquina. Essa foi... Não, a primeira moradia foi, até recebermos os documentos, a Cruz vermelha.
P/2 – Lá no…
R – Não. Mem de Sá. Pode ser de fato. Esse foi o primeiro. Só lá no hotel foi alguns dias, o tempo de receber documentos, eu fui à rua Bambina. Depois eu fui à Santo Amaro. Lá já morava um tempo um pouco mais comprido, não. Família alemã, judeus alemães. Porque isso já é assunto... estou também aqui, por motivo que não quero sair fora de... de kehilá, como se diz. Isso a gente está acostumado…
P/1 – Isso eu queria perguntar para o senhor, o senhor chegando, o senhor sempre ortodoxo, sempre procurando comer Kasher, como que o senhor fez?...
R – Não. Eu não disse que no militar, um certo tempo, comi. E abandonei.
Depois, nunca mais voltei. No militar, eu falei, um certo tempo recebi comida.Kasher. Depois, abandonei. E depois nunca mais voltei.. Nem como praticante. Não voltei mais. Esse é um assunto nova vez muito complicado. Lá em Budapeste tinha muitos ortodoxos, não. E ortodoxos desse tipo polonês e ortodoxos modernos. Nós revivemos... não revivemos... nós vivemos Rosh Hashaná e Yom Kipur no gueto, não. E, conforme disse, no marco, 19 de março foi ocupado pelos alemães, os russos entraram, como eu disse, nos primeiros dias de janeiro. Está certo? Então, no meio desse tempo, tinha Rosh Hashaná e Yom Kipur, não tinha? Está certo, não é. Em setembro, não. Nesse Rosh Hashaná e Yom Kipur era já a situação muito pesada, superpesada a situação. Já na mão dessa turma de... nessa turma de juventudes, que eu contei. E, naturalmente, os judeus que sempre correm a Deus para pedir, não, tinha muitas rezas, com muitos... muitas maneiras de choro e não choros e famílias foram rasgadas, crianças aqui, crianças lá, ninguém sabia de ninguém, nada. Não. Então, foi um Rosh Hashaná e Yom Kipur, superpesado, não. Mas todo mundo viu que isso aqui, nem um pinguinho, resolve nada, entendeu. Bom, quem foi assim superconvencido na fé, foi à frente. Quem foi menos, também foi. Quem foi pouco convencido, também foi, não. Agora, um montão de pessoas descobriu, que não foi difícil descobrir, que isso aqui não ajudou nada. Chegaram ao ponto que viram, não. Quer dizer, tinha uma passagem assim que, conforme a data se estava dizendo, tinha isso no meio, não, então, fizeram duzentos templos aqui, rezaram lá, rezaram... Porque reza era pequena, assim de vinte, trinta pessoas. Não era assim de templo de... E isso, depois, muitas pessoas, até um certo ponto... não se chocaram mais com religião assim, profundamente. Olha, eu tenho aqui uma garota, vou dizer, muito culta, que o pai dela faleceu lá na Praça Cruz Vermelha, aqui na Mem de Sá, com câncer, né. E essa garota também era super-religiosa, católica. Era minha secretária aqui na loja de balas, que eu tinha. Depois, quando ela viu o pai ali sofrendo, ela ficou lá como enfermeira, gratuitamente. E trabalhou lá dois ou três meses, gratuitamente, lá na Cruz vermelha. Já não era minha empregada. Só para tratar os cancerosos. Quando ela saiu de lá, e o pai dela faleceu, ficou lá até o último dia, até o pai falecer, quando ela saiu – se chama Judite –, eu diversas vezes me encontrei com ela, trabalhou na minha casa quase dois anos, fui à casa dela, ela casou, no mesmo tempo, disse: “Olha aqui, quem esteve lá, nunca mais sai com esse pensamento, ideia com que entra. O que que tem lá de sofrimento, só sabe quem está lá, como eu fiquei lá como enfermeira, me ofereci para trabalhar lá. Nunca mais quem sai de lá, fora é a mesma pessoa que entrou”. Então, esse Rosh Hashaná e Yom Kipur, lá em Budapeste, ninguém foi mais o mesmo, depois, que era antes. Isso cada pessoa tinha uma reação. Agora, que tinha, tinha. Viu o filme Massada? Conhece? Não viu o filme Massada? Passou aqui na televisão. Que lá também, com todas as rezas, não veio ajuda. Até morreu todo mundo no fim, não. Então, já viu. Isso são assuntos já à parte, não tem nada com isso. Quem vai, como vai, não.
P/2 – Bom, mas aí, o senhor estava morando na Santo Amaro…
R – É. Moramos anos. Eu, inclusive, tanto quis ganhar dinheiro, sempre, tanto quis ganhar dinheiro, que eu fiz um trabalho lá na rua do Catete... Porque tinha muitos judeus lá, muitos judeus. Lojas. Então, eu pensei, que eu falava um pouco iídiche, que eu comprei uma escada e comprei uma caixa de lâmpada fluorescente. E eu peguei, botei a escada em cima das minhas costas – era, naturalmente, jovem, não é –, e andei de loja em loja, falando iídiche, que eu colocava lâmpadas novas onde lâmpadas estavam queimadas. Eu fui em muitas lojas iídiche. Mas ninguém mandou trocar a lâmpada comigo, né. O primeiro que mandou trocar a lâmpada…
P/2 – Não era iídiche. (risos)
R – Não era iídiche. Era uma farmácia, na rua do Catete, nem sei se hoje existe, como chegamos da cidade, ao lado direito, numa esquina, numa esquina depois de Santo Amaro. Indo para a Polícia, entre a rua Santo Amaro e a Polícia. Foi o primeiro. Mas abandonei depressa esse serviço. Inclusive, tinha outro húngaro, que ele disse... Ele era Klaper. Ele disse: “Olha aqui, aqui, só com esta pode ganhar dinheiro”. Então, eu disse para ele: “Vem, ajuda para mim, vamos vender lâmpadas”. Não consegui. Mas, estou dizendo, aquela farmácia. Ele pegou servente dele, mandou trocar a lâmpada. Vai mandar gastar dinheiro comigo? Não tinha nada, nem em pensamento. “Quer? Coloca uma lâmpada, tá bom.” Nada. Não consegui vender nem uma lâmpada. É difícil. Polonês não é…
P/2 – E aí, o senhor…
R – Depois eu comecei a trabalhar de outras maneiras, outros biscates. Trabalhei nas firmas. Com esse Dionísio, eu trabalhei bastante tempo. E depois, eu nem me lembro onde trabalhei. Eu fui a São Paulo, trabalhei na Klabin, fui enrolador de motores na fábrica Klabin. Depois, casei em São Paulo, depois voltei ao Rio de Janeiro, depois abri uma oficina…
P/1 – Vamos mais devagar. A gente quer saber dos seus amores. Seu filho pode ouvir.
R – Amores? Ih... Não tenho amores.
P/1 – Ele pode ouvir? Senão a gente pede para ele... (risos)
R – Não, não tem nada. Eu não tenho amores nem para contar. Eu fui para São Paulo e, conforme eu disse, mudei daí para lá pensando que lá se ganhava melhor dinheiro, não. Sempre…
P/2 – Continuava aqui, sem ter problemas.
R – Não. Essa história de dinheiro é o seguinte. Eu não sei onde vocês nasceram nem... Nasceram aqui no Brasil?
P/2 – Eu nasci aqui.
P/1 – Eu, no Egito.
R – Bom, isso é assunto mais... Outra complicação. É o seguinte. Um estrangeiro vem aqui, seja o que que for, japonês, português, não ele não tem aqui, em geral, mãe, pai, irmãos, parentes, amigos. Se tem, tem novos, não antigos, não. E ele não tem muita segurança de estrutura moral dele. Ele não tem. Pensa se vocês amanhã vão à China ou vão ao Japão, ou se vai a qualquer um outro país, Hungria, Alemanha. Chegou lá e não fala nem japonês e nem chinês. Então, primeiro, “vou ficar aqui ou não vou ficar aqui?”. “Se vou ficar aqui, eu não vou envelhecer sem um centavo, não.” E também “não vou ficar sem um centavo, porque se precisa amanhã de alguma coisa, aonde eu vou, com quem eu falo?”. Conforme eu disse, a história da lâmpada não ajudou muito, né. Então, não é tão fácil não. E vamos supor se eu vou lá pedir à uma comunidade judaica para ajudar, ajuda uma vez, ajudar duas vezes, dez vezes, um dia acaba, não. Então, todo estrangeiro, não precisa ser judeu ou não, se vai a algum lugar, ele tem o problema de querer fazer uma pequena estabilidade com dinheiro, não, porque ele sabe que se amanhã quiser procurar um outro emprego, não tem tempo para procurar, porque tem que comer alguns dias e onde morar. Ou podem ser alguns meses, não. Ou mudar de uma cidade para outra, não é. Então, quando a gente vem aqui, qualquer estrangeiro, normal, normal, tem que procurar consolidar-se um pouco com dinheiro, não. Então, aqui no Rio não deu muito para ganhar dinheiro, então, eu fui a São Paulo. Lá eu trabalhei também. Sempre na casa de judeus. Tinha um que se chamava Havas, húngaro. Ele era um fabricante de aparelhos elétricos. Tinha um…
P/2 – Como que o senhor chegava nessas casas? Indicado por outras?
R – Não. É o seguinte. Nisto aqui também tinha prática. A gente sempre procura ou comunidades judaicas onde tem húngaros ou clube onde tem húngaros. Nisso aqui a gente tem prática. Isso eu já contei que no Bucareste, ou no Arad, que saí fora do trem, a primeira coisa que eu procurei foi isso. À noite, quando disse que recebi aquele pontapé. A gente já vai procurando isso. Eu fui a Porto Alegre, eu perguntei, nunca fui lá. Eu fui ao Uruguai, Montevideo. A primeira coisa que eu fiz – se tem uma pensão húngara, se tem... A gente procura imediatamente perguntar isso, não. Essa é a primeira pergunta. Como que eu cheguei a trabalhar com um húngaro? Porque eles já nos procuram, nós já procuramos eles. Se você vai a qualquer lugar, vai procurar. Iídiche ou brasileiro. Vai ser o primeiro lugar. Como se diz... Dizem, não é verdade. Peguem um judeu, botem em cima de um avião, vira no mundo, em qualquer lugar, larguem ele com um pára-quedas, onde ele caiu, ele vai começar a procurar. Como formiga encontra as outras numa distância tremenda. Procuram, sei lá eu como. Se orientam, perguntam, procuram, tanto faz judeu ou não, se tem templo, se não tem. Imediatamente, as primeiras perguntas são essa. A gente chega a clubes onde tem outros húngaros. Não vou procurar alemão. Nunca. Vou procurar húngaros. Imagina assim. Prefiro húngaro. Não judeu como católico. Não judeu como judeu alemão ou outro. Porque não se entende. Se entende muito melhor húngaro com húngaro. Se entende melhor. Mais fácil. Já por língua, não. Depois, muito mais fácil sentir um passado conjunto, com outro húngaro. Como encontro um americano iídiche ou um finlandês iídiche. Não tem passado. Só tem história conjunta. Não tem passado. Porque com húngaro, eu falo o que que aconteceu lá nos últimos anos e com um finlandês judeu, só posso falar o que que aconteceu antes de dois mil anos, não. Quer dizer, é fácil entender. A distância é muito mais longe entre dois judeus de completamente outras terras como de um judeu e não judeu de um mesmo país. Porque o passado é passado presente, não. De nossos dias. E lá o passado não se encontra. A gente só fala, antes de dois mil anos, antes de três mil anos. Não tem passado nenhum. É muito diferente. Então, como lá no clube húngaro, lá tem cem, duzentos associados. Formação espiritual, cada um é diferente. Um pronto para ajudar, outro é pronto para nem escutar. Tem problemas bastante próprios, não é. Então, aqueles purinhos que escutam a gente, então, lá a gente procura obter maiores ou menores vantagens ou outras coisas, não. Eu me lembro. Eu sou enrolador de motor, não. Já não faço mais. Nem se poderia fazer. Então, eu me lembro, lá tinha um húngaro que ainda a Electrolux não tinha aqui no Brasil, fábrica, hoje tem, não. E ele era representante de Electrolux, sueco. E os motores foram importados. E os aparelhos todos importados. No mesmo tempo, tinha que dar garantias. Então, estragou um aparelho, outro aparelho. Então, ele me entregou os aparelhos para consertar, ainda mais os motores para enrolar. Nem me lembro como se chama. Lá no clube húngaro. Aquele Ravache, que eu disse que tinha uma fábrica de aparelhos elétricos, também era do clube húngaro. Me levou lá para fábrica dele, para trabalhar lá em São Paulo. A Klabin. Eu nem sei como que eu cheguei lá. Eu só sei que trabalhei na Klabin bastante tempo. Alguém me deu o endereço. Disse: “Olha aqui, lá, todo dia tem admissão de novos operários”. Mas tudo isso não deu renda. Dinheiro que eu procurei, emprego nenhum não deu. Aquele que a gente procura, não dá, isso tem que ter um outro fenômeno para aparecer o dinheiro. Dinheiro não aparece assim fácil. Olha aqui, e muitas vezes, nem por conta própria. Mas o fenômeno é completamente diferente. Porque... Olha aqui, como que é completamente diferente? Eu vou dizer dois assuntos aqui no Brasil. Um amigo meu, que ainda vive, húngaro, que também não pode contar hoje nada, por motivo que ele teve derrame cerebral e agora está só sentado numa cadeira, não, ele veio aqui no Brasil e disse para mim assim... Ele veio depois de mim. Sabe, como húngaro, a gente se encontra rapidamente. Tem que saber, imediatamente, tem cheiro, se alguém veio ou não veio, Por quê, não sei. Só sei que é super-rápido, não. Então, disse: “Escuta, o que que você está fazendo?". Me lembro… [interrupção] ... não sabia nada, não. Então…
P/1 – Aí ele disse que em três meses.
R – É. Três meses. Porque ele já sabia o que que o polonês faz e já sabia como que eles ganham dinheiro e já sabiam quanto ganham, não. Já sabia. Então, ele foi…
P/2 – Trabalhar com os poloneses, não é.
R – É. Sabe como ele apareceu? Como um russo? E com chofer, porque nem cartão ele poderia tirar, porque ele não falou português nenhum. Chegou com um russo e com um chofer – “Vem cá, senta-se aqui. Está aqui o carro que eu falei”. O que que ele fez? Eu sei o que que ele fez. Ele começou com cortes. Vendeu cortes, como linho inglês, não é, esse foi superfácil. Linho inglês. Esta aqui é história comprida, porque sabia até imprimir já em letras inglesas, com ouro, na ponta de... Sei lá eu. Bom, depois, depois tinha outro. Porque aqui no Brasil, que quem fabricou, como fabricou, para quem fabricou, que motivo, eu não sei, só tinha relógios de ouro. Ouro 18 quilates, da Suíça. De que tipo de relógio? Ele tinha tampa dupla, não, atrás. Uma tampa de metal e uma tampa de ouro. Aquela tampa de ouro era fina como um papel. Só era tampa funcionando cem por cento. Mas muito leve, muito fina. Escrito 18 quilates, fabricado na Suíça, tudo original. Em cima deste relógio foi colocada uma pulseira, superleve, dourada, não. Que ele vendeu o relógio de ouro, todo mundo pensou que a pulseira era ouro. Por que pensou que a pulseira é ouro? Porque era superleve, supersimples, não. E ele vendeu o relógio de ouro. Então, foi levado, todo mundo achou muito barato. Viajou com Hudson, de uma aldeia, não dormiu lá, porque... (risos) Não sabe, à noite já foi. Então, foram dois amigos. Um andou de um lado da rua, outro andou no outro lado da rua, quando a rua acabou, já entraram no carro e já foi à outra localidade, não. Então, eu tinha amigo que disse assim: “Escuta aí. Você sabe quanto é um milhão de dólares?”. “Eu sei. É muito dinheiro.” Ele disse assim para mim: “Você sabe, quando alguém tem um milhão de dólares, qual a situação dele?”. Eu disse: “Ainda não”. Ele disse: “Nunca mais na vida ele tem que fazer nada. Porque só de juros de um milhão de dólares ele ganha tanto dinheiro que ele vive superfolgado a vida inteira”. E ele me explicou detalhadamente quanto é um milhão de dólares. Agora, ele disse: “Você vai ter uma vez na vida um milhão de dólares?” “Eu não creio.” Ele disse: “Eu vou ter. E muito breve”. Aqui me encontrei com ele alguma vezes. Foi polonês.
P/2 – Era polonês.
R – Era polonês. Ele sempre disse quanto tem. A última vez que eu me encontrei com ele, que ele disse que ia embora do Brasil, foi à Venezuela, que lá pode ganhar fácil dinheiro, ele vendeu pinturas, não. Ele disse: “Olha aqui. Duzentos mil já tenho”.
P/1 – Mas ainda não chegou a um milhão de dólares.
R – Mas ele chegou. Sabe por quê? Porque depois eu soube que todo mundo que foi à Venezuela ficou super-rico. Depois, eu soube. Que foi com essa história de petróleo deles, não sei, ame... não sei o que que foi. Só sei que em dólar, na Venezuela, tinha uma época quando foi tão fácil ganhar um milhão de dólar como aqui dois mil cruzados hoje. Tão fácil. Bom, do mesmo tempo, não. Mas foi fácil. Se alguém quis economizar para ganhar, ganhou. Porque, olha aqui, tinha aqui um casal húngaro, com quem cheguei junto, que disse: “Aqui não fico”. Então, não sei ele o que que fez, não sei ela o que que fez, eu sei que chegarem à América do Norte, me escreveram diversas vezes carta de lá para cá. A mulher entrou num caixa, onde precisou falar muito pouco inglês, entrou num caixa, só para dar troco, não. Acho que também foi numa padaria. Entrou no caixa numa padaria... não me lembro. E ela me escreveu. Eles virem depois aqui no Brasil passear. "Olha aqui, o que eu ganho dá e sobra para nossa vida. O que meu marido ganha, tudo vai na caixa. Lá tinha caderneta de poupança, quando aqui não tinha, não. Tudo vai à caderneta de poupança. Escrito em húngaro. Húngaros. Eu tinha outro amigo húngaro. Também aqui ele, o pai e a mãe – não eram judeus – com muita dificuldade viverem. Muita dificuldade. Um belo dia, o pai foi para casa – eu tinha amizade com o rapaz, o filho –, disse assim: “Eu falei com muitas pessoas e eu descobri que no Canadá é muito fácil ganhar dinheiro. E nós vamos nos mudar ao Canadá”. Olha aqui, eles se mudaram para o Canadá, assim, de um dia para outro, resolveu ir. Não foram de um dia para outro. Só resolveu ir. Quando chegou a primeira carta do Canadá para mim, ele escreveu o seguinte: “Olha aqui, quanto dinheiro eu vou ganhar e como viver, eu não sei. Só estou aqui trabalhando, estou ganhando bem. E agora quero comprar um posto de gasolina, com que eu vou ganhar muito dinheiro”. Depois ele me escreveu, me chamou para ir lá, e não sei o quê. Mas eu tinha Wallacks, eu não quis me mexer. Disse: “Olha aqui, vem para cá, tu vais ganhar aqui dinheiro, aqui no Canadá”. Eu tinha outro húngaro, ele era ourives. Ele saiu da Hungria e foi à Áustria. Ele escreveu carta. Pode ser que eu ainda tenha a carta da América do Norte para cá. Eu fiz para ele instalações elétricas, se chama Kovács, na Hungria, na oficina dele de ourives. E ele, tinha muita amizade com ele. Ele era casado. Ele católico, a moça judia. E ele me chamou: “Vem aqui na América do Norte, se resolve tudo. Vamos trabalhar aqui”. Eu era bem mais jovem, foi imediatamente depois da guerra. Eu já tinha a Wallacks. Não imediatamente, eu já tinha o Wallacks, que é uma firma que eu tinha. E eu sofri tanto para fazer aquela firma de Wallacks, que eu já não quis deixar, não tinha vontade de deixar. Porque no início estou falando que eu quis sair. Como que depois, de repente, me chamam e eu não vou. Tanto aquele que foi para o Canadá, tanto como aquele que fez ourives, ele saiu em 1956 da Hungria. E ele me chamou, já eu tinha uma firma instalada, com muitos empregados, quer dizer, já não quis ir. Porque aqui também tem contra indicação, depende do tempo. Então, não fui. Todos eles ficaram muito bem. Olha aqui, tinha um outro húngaro. Ele foi para a América do Norte, em 1956, quando na Hungria tinha aquela revolução contra o russo. Ele era construtor. Como aqui tem muitos judeus construtores, não. E ele conseguiu ir para a América do Norte. Se chama Lazar Ferenc. O nome dele. Também pode ser que tenha o cartão. Ele me escreveu assim da América do Norte: “Escuta aí. Você sabe o que eu estou fazendo aqui e ganho bem dinheiro?” Estou dizendo: “Não”. Em correspondência. Inventa, depois tinha outra carta escrita. Então, na outra carta escreveu: “Olha aqui, eu ando – ele me disse o bairro, o estado onde ele anda –, de casa em casa oferecendo fazer piscina no quintal. E você não acredita. As casas onde eu ando a oferecer, mais da metade encomenda piscina comigo”. Então, eu ainda falei com ele: “Mas como lá tem tantas pessoas para fazer?” Porque eu sou modesto, quero ganhar pouco, faço a piscina, agrado as pessoas, não. E estrangeiro lá na América do Norte também tem vantagem, que não temem tanto de malandragem, não. Então, me entregam o serviço. Pego o serviço, faço, já outro vizinho me espera, já um recomenda outra. Entrou numa cidade pequena, aldeia, não sei onde, diz que ganha muito bem. Faz piscinas. Como não se vê aqui na televisão que um vai a engraxate, ganha dinheiro, outro é mecânico de automóvel, não…
P/1 – Mas vamos voltar para o senhor.
R – Pergunta. É tudo de imigração. Tudo que eu falo é de imigração. Coligado. Tudo é coligado.
P/1 – Eu sei. É importante. Claro que é importante. Mas nós estamos curiosos com o senhor. O senhor em São Paulo passou quanto tempo?
R – Não sei... Dois anos. Casei lá Lá no clube húngaro. Fui a uma festa e eu dancei lá com uma garota. E perguntei a um amigo, que se chama Paulo Engelberg, ainda vive. Eu disse: “Você conhece esta garota?”. Disse: “Conheço”. Só perguntei. Todo dia, na hora do almoço, nós íamos jogar snooker. Lá tinha um lugar, onde trabalhei, pertinho, fomos jogar snoker. E o Paulo Engelberg disse: “Escuta, vem comigo”. Eu fui com ele. Entramos numa boate que não funcionava, meio-dia, porque boate só começa à noite, não. E lá tinha uma pessoa arrumando e preparando, não, arrumando as garrafas de bebidas. E fomos lá. Eu não sabia para que finalidade que eu fui lá. Nem poderia nem pensar. Então, fomos lá, e o dono que se chama Eugênio, já faleceu, Jenõ, em húngaro, era húngaro, judeu, não, disse: “Vamos lá fora sentar no botequim”. Pediu café, Não sei o quê. Ele era o dono dessa boate. E conversamos lá no botequim, depois saímos. Eu não entendi nem patavina nenhuma. Depois de uma semana, duas semanas, o Engelberg falou, não. Disse: “Você sabe quem é aquele homem que nós fomos lá naquela boate, depois no…”. “Não sei não.” “É o pai daquela garota que você informou-se. Ele gostou de você. Convidou você para ir na casa dele para jantar.” Conforme está vendo. Tem histórias assim, curtas, simples. Depois casei, depois não deu certo, que eu já sabia antes de casar. Era a primeira.
P/1 – Essa mulher era judia?
R – Não foi judia, porque é o seguinte, ela era a filha de mãe e este homem não era o pai. Este homem já casou com a mãe da garota já tendo a garota. Mas, mesmo assim, era tipo família judia, não. Porque sabe como é. O clube húngaro era judeu. Se chama Clube Cultura Paulistano. Aquela época era noventa por cento judeu. Não tinha nome judeu, não. Então, eu conheci ela dentro do clube judeu, o pai também era judeu. Depois ele virou até dono de buffet lá do Clube Cultura Paulistano. Mas depois separamos. Todas as duas vezes, como se chama? É um casamento... Aqui, não quero analisar a minha situação não. Só vou dar uma expressão simplificada. O casamento é uma consequência de guerra e de solidão. Entendeu? Eu... Porque, eu poderia dizer mais complicado, mais prolongado. São consequências, que a gente não quis ficar sozinho. Olha aqui, primeiro casamento, eu vi que não ia dar certo. Eu disse para Jenõ, que era muita amizade lá, do clube húngaro, depois criou-se amizade, eu disse: “Escuta, isso jamais vai dar certo e…”. Ele começou: “Olha aqui. Você está aqui, não. Se você casa com ela, para início, você fica dois anos na minha casa cem por cento, com todas as despesas, comida, bebida, moradia. O que que você quiser, você tem tudo. Você casa com ela…”. Se eu mostrasse o retrato, não acreditaria. Uma garota superlinda, superbonita, não. Então... “Se você casa com ela, você tem tudo isso para começo. Depois de dois anos, se deu certo até lá, eu compro para vocês um apartamento.” Ele não era pobre não, é.
P/2 – Era o pai dela, esse?
R – Não, só o pai de criação. Disse: “Olha aqui, casa com ela”. Então, por isso estou dizendo. Aqui tem aquelas circunstâncias que a gente está sozinho, não tem mãe, não tem pai, como que é, como que não é. Uma oferta superconvidativa, não. Sabe como é. Bom, eu não sei explicar. Hoje, hoje a gente pensa até “o que que esse barbudo aqui, o que ele quis com essa garota”. Isso não foi que quer, porque também tem que a garota também quer, não. E também não era sempre assim. Então, tem... Depois, a gente com aquele medo, como que fica. Porque isso também foi bem no início, nos primeiros dois ou três anos de minha estada no Brasil, não, o primeiro casamento. Minha filha esteve aqui agora, de São Paulo, duas semanas atrás, já duas vezes. Cada vez que ela vem, ela vem aqui. Malandra como só pode ser, também não é mulher simples não.
P/2 – É filha desse primeiro casamento?
R – É. Ela agora... Ela só anda com Magen David. Ela é supermetida entre judeus. Ela só dá-se como judia, em todo lugar, não. Mesmo com todos os cristãos, não. Agora, ela trabalha por conta própria para fazer excursões, de médicos, de outros tipos de pessoas para estrangeiro, onde tem algumas reuniões. E ela esteve há pouco tempo na Europa, agora esteve no México, antes de dois meses, mais ou menos, esteve no Peru. Ela leva turmas.
P/1 – Qual a idade dela?
R – Ela deve ter volta de trinta e... A filha é mais velha que meu filho, não. Deve ter trinta e oito, trinta e seis anos, assim.
P/1 – Com a primeira mulher o senhor teve essa moça e um rapaz.
R – É. Esta e mais um rapaz. O rapaz trabalha na Bolsa. Mentirosos os dois. Eles mentem mais que outro diz bom dia.
P/1 – O senhor ficou casado só dois anos?
R – Com primeira esposa? Eu fui casado seis anos com ela.
P/2 – Ah, então deu certo. Então, os primeiros dois anos deu certo, ele deu o apartamento...
R – Deu o apartamento aqui no Rio, que, conforme recebi, eu devolvi para ela integralmente. Conforme recebi foi vendido e devolvi para ela até o último centavo, todo, que imediatamente ela perdeu, imediatamente perdeu. Porque começou a especular, emprestar dinheiro para juros, àquela época, acho que pagaram cinco por cento de juro. Eu sabia qual seria o fim disso. Quem começa isso para ganhar dinheiro, perde tudo, porque a metade, três quartos não paga, nunca na vida. A mãe ficou sem nada. Só os filhos ganharam dinheiro. Todos os dois. Só nunca na vida recebi, ao contrário, se posso dar, dou.
P/1 – Qual é nome dos filhos?
R – Bom, um é Jorge Lax, a outra é Tilda Lax. Assim está todos os dois no catálogo. Jorge Lax e Tilda Lax.
P/2 – Hilda?
R – Tilda. T-i-l-d-a.
P/1 – E ela é mais velha?
R – Mais velho. Mais uns trinta e oito, assim. O filho deve ter trinta e seis.
P/1 – Ele trabalha na Bolsa? Também em São Paulo?
R – Um trabalha na Bolsa. Também, em São Paulo. E ela faz turismo. São malandros, todos os dois. Só eu…
P/1 – Saíram ao pai.
R – Não. Igual com pai, não. Porque nunca na vida contei para ninguém que tenho... Meu filho me enche o saco, ele pensa que eu acredito nele todas as palavras, e ainda fez coisa pior também. Fez mil coisas ruins comigo; um, que ele quis ir a Israel; depois, ele quis voltar, depois tinha que pagar passagem de ida e volta, depois me diz que ele viria aqui, ia ganhar dinheiro, ia me devolver. Nunca vi um centavo. Paguei passagem de ida e volta a Israel, com um papinho, não... Sabe como que é, tudo custa dinheiro, afinal de contas, e eu não vi nada. Agora, a última vez, eu fui a São Paulo, faz três anos agora, hoje. Estive lá entre Natal e Ano Novo, exatamente três anos, ele contou para mim coisas que ele ganha... Ele disse: “Pai, olha aqui, eu tenho dois milhões de cruzados”. Eu fiz a conta, foi quinhentos mil dólares, né. Disse: “Olha aqui, está vendo esse edifício?” – Ele mora na Rua Augusta, em frente daquele prédio que pegou fogo antes de um ano, assim. Lá tem o Banco do Brasil. Eu estava no apartamento dele, sei lá, no décimo sétimo andar, não, então, ele disse: “Olha aqui, aqui tem carteiras de Bolsa. Guardam as ações de Bolsa. Olha aqui, pai, neste prédio aqui, eu tenho dois milhões de ações de todas as firmas que tem na Bolsa”. Eu não topei nunca esse papo, né. Só deixo ele falar. Deixo ele falar. Então, ele um dia, conforme falamos, [disse] se eu não queria comprar ações. “Que ações?” “Meu pai, se você quer algumas ações – aqui veio o corte, não –, então, eu arrumo ações para você, que dá muito bem”. “Que tipo de ação?” “Pode deixar comigo.” Então, eu me lembro, eu tenho aqui os recibos, mandei para ele quatro mil cruzados. Dia 3 de janeiro, quando voltei de São Paulo, que disse que fiquei lá Ano Novo e tal, dia 3 de janeiro mandei para ele o dinheiro, era mais ou menos mil e duzentos dólares. Não é o fim do mundo, não, mas mandei para ele. Quando começou a cair as ações, eu disse para ele no telefone: “Escuta, meu filho, eu tenho prática. Ações quando sobem, sobem anos. Ações quando caem, caem anos. Estamos no início. Não queres vender minhas ações?” “Para você falta dinheiro para comida? Não. Falta para moradia? Não. Assunto de saúde? Não. Então, para que que você quer dinheiro?” “Estou dizendo, para que que eu vou perder?” “Não, pode deixar. Ação desce, sobe e desce, pode deixar.” (risos) “Olha aqui, se eu vendo agora, você vai perder dinheiro. Só vou vender um dia suas ações quando você receber no mínimo de volta aquele dinheiro, quando empatar.” Eu concordei. Nunca na vida vou ver as ações. Nunca. Nem sei quais ações que eu comprei. Ele disse o nome que não tem no jornal. (risos) Ele disse que é ações de baixo do balcão, ações debaixo de balcão é o nome dele. Não sei se químico ou petroquímica, não, que não está nos jornais. (risos) Mas quando eu dei para ele aquele dinheiro, aqueles quatro mil cruzados, quatro milhões que era antes, estou dizendo, agora vai ser daí cinco ou seis dias... Olha como que ele escuta. (fala para alguém lá) Pode fazer assim também. Pouco ligo, não.
P/1 – A gente também está ouvindo aqui. (risos)
R – É. Então... (risos) Ele me disse: “Olha aqui, pai, eu digo já uma coisa. Não adianta contar para ninguém que você tem esse dinheiro comigo, porque se você falece, o dinheiro está comigo, eu não dou para ninguém do mundo nenhum centavo disso. “Você não precisa dar e ninguém do mundo vai pedir dinheiro de você.” E assim o dinheiro já está lá, já está enterrado. Eu jamais na minha vida vou pedir este dinheiro. E já disse. Se não falta para comida, para bebida, para moradia, para saúde, então, não vende. Que ele sabe que não me falta, né. Então, para que vender. E um dia, quando der lucro, ele disse: “Eu vendo, dou dinheiro para o senhor”. Só nem sei que ação é. Eu nem sei se dá lucro ou não. Então, já viu, dinheiro enterrado. Agora, como…
P/1 – Tem que confiar no filho.
R – Com minha filha também tenho dinheiro enterrado. (risos) E ainda minha filha diz claramente, fala assim: “Pai, eu nunca cortei do senhor com uma importância maior”. Quer dizer, está preparando para cortar uma importância maior de mim. Mesmo que eu dei uma sala comercial para os dois, para renda, para minha filha e meu filho. Como dei para ele e para outro filho também sala comercial, que acho que já em breve não vai mais. Mas isso, já estou preparado, não. (risos) Isso também pertence àquele tipo de solidão, mesmo sendo casado, porque a gente casa com uma mulher, muitas vezes, pode ser que a gente vive uma vida inteira e ainda não são juntos não, ainda sempre tem uma separação entre duas pessoas. Nunca chega a serem juntas. E muitas vezes pai e filho também nunca na vida chegam. Muitas vezes duas pessoas estranhas chegam mais fácil a juntar-se. Então, o segundo casamento. Eu nunca me senti nem um pouco ligado com minha segunda mulher, porque desde o início, ela começou a pedir de mim que escrevesse o nome dela num imóvel, porque se eu faleço – ainda não tinha separação, desquite, não –, então, meus filhos do primeiro casamento iriam tirar tudo, ela iria ficar sem nada. E com este papo, eu dei para ela um apartamento, dei para os filhos sala comercial. Antes que chegou o divórcio, não. Depois, já viu, já dei, já está no nome dela, já mais ou menos está tudo vendido. Pode ser que não, pode ser que sim. Depois, dei muita coisa, que perdeu depois tudo, né. Depois, quando já viu que mais ou menos que aqui não lucra mais, não, então, de uma certa maneira, bonitinha nos separamos. Nem com a primeira esposa, nunca na vida eu cheguei com ela a ser em comunicação completa.
P/2 – O senhor diria que o senhor teve mais comunicação foi com aquela da Hungria.
R – Não. Com nenhuma das duas eu tinha comunicação.
P/2 – E aquela da Hungria?
P/1 – Ela era romena.
R – Aquela não era assunto nunca de casamento. Se tivesse, podia ser comunicação completa, porque lá não tinha interesse, porque aqui tinha outros interesses, entendeu? Tanto na primeira como na segunda tinha interesses. Porque a primeira, mesmo que era uma moça muito jovem, mais ou menos dezessete, dezoito anos, muito bonita, cabelo comprido, ondulado. Hoje já tem cinquenta anos, ela tinha um amante complicado, ela foi apaixonada por um homem casado, entendeu. Apaixonada. Ela nem quis casar. Os pais forçaram ela, que eu não sabia. Bom, depois a gente sabe, depois de um tempo comprido. Nova vez aquela contradição de palavras, não. A gente não sabe. Eu não sei o que que conversa entre mãe, pai, filha, amante ou não. Só sei que não dá certo, não. Eu só sei isso, que estou vendo que não está certo. Agora, isso que mãe e pai fizeram tudo para ela casar, disseram: “Não faz mal, casa com ele, fica com ele dois, três meses, depois separa-se. Pelo menos você é mulher casada. É muito diferente, não”. Até essa conversa andou lá e mais outras conversas, que eu senti que não daria certo. Nem aquela nem aqui... Isso tudo são consequências de muitos acontecimentos. Como eu tinha muito caso com garotas iídiches. Não sei se já contei ou não contei. Nenhum? Vou contar um, rápido.
P/1 – Pode contar muitos.
R – Olha aqui, Cibi, carnaval. Sabe que o Cibi sempre fez grande festa de carnaval. Pode ser até que participou em muitos, não. Eu pulei, ainda aprendi a pular na Itália, porque lá, no carnaval, pulam muito à volta de sala, não é, aprendi já a pular lá e... ou eu colei ao lado de uma garota ou a garota colou ao meu lado, por que isso a gente nunca sabe, quem cola ao lado de quem, só, de repente, está lá, não, de repente está no lado. Então, eu pulei lá com uma garota e tal... Separamos, boa noite e tal. E combinamos um encontro no Largo do Machado. Isso faz também muitos anos. Se chamava Ivan, o gerente lá do Cibi. E eu tinha muita amizade com Ivan, tinha muitas instalações elétricas lá no clube, para doutor Mateus, que faleceu há pouco tempo, não é, e conhecia a presidência toda, porque sempre fiz diversos serviços lá. Então, disse: “Escuta, Ivan, você viu com quem eu dancei aqui no carnaval?”. Porque, naturalmente, ele e a família dele está lá, que hoje já não é mais o gerente, já há muito tempo. “Sei. Eu vi.” Estou dizendo para ele... [interrupção] “Você não conhece esta garota?”. “Sim, eu conheço.” “Conhece como? Conhece mãe, pai? Como que conhece?” “Eu conheço mãe, pai, conheço irmão.” “E como que é essa história?” “Olha aqui, o irmão é este homem que está aqui, trabalha também aqui no Cibi. Está aqui ao meu lado. Este é o irmão dela. Ele escutou tudo que você falou.” Então, o Ivan disse lá para o rapaz que estava ao lado dele: “Eu posso falar da sua irmã duas palavras?”. O rapaz diz assim: “Fala”. Então, disse: “Olha aqui, a garota também é separada do marido, também tem dois filhos, não entendo esse escândalo, o que que ela queria”. Só para você ver, isso aqui, pessoas todas vivem, quer dizer, podem informar. Só pra ver como que não é fácil. Recebi um escândalo de uma moça que estava na mesma situação. Agora, vou contar um outro. Também todo mundo vive. Tinha aqui (Mihajlović Vili). Também é húngaro, mas daquela parte de cima, que fala iídiche. Então, sendo que eu falo do lado dos poloneses como de não poloneses. Então ele diz: “Olha aqui... – Ele tem um Möbelgeshäft, no Madureira. Eu vou te levar... Não, no Campo Grande, eu acho. Ele disse assim: “Vou te levar lá no Campo Grande, vou te apresentar lá para uma garota”.
P/1 – Tinha o que lá?
R – Möbelgeshäft, em iídiche, loja de móveis. Não de imóveis, de móveis. Então, eu fui lá. Acho que é Bangú. Não me lembro. Eu fui lá. Disse: “Bom, a garota não sabe de nada, a quem te quero apresentar. Você fica aqui na loja e o pai da garota vai passar aqui com a garota e vão te ver. Fica aqui comigo”. Garota não sabe de nada. Pai sabe. Depois, vamos ver o que que aconteceu. Então, eu fui até lá. Foi entre os dois casamentos, não. Eu fui até lá. Foi entre os dois casamentos, não. Eu fui até lá. Fui até lá e outro dia me encontrei, ele mora aqui em Copacabana, vai todo dia para lá. Acho que já não tem há muito tempo loja, já envelheceu, já vendeu, não. Então, ele disse assim: “Olha aqui, o pai gostou de você. Mas, quando o pai contou para filha que você é casado, tem dois filhos, a moça não quis nada”. Agora, disse assim: “Eu vou te contar um segredo”. Disse meu amigo: “Eu não entendo como essa garota não quis nada contigo”. Eu era bem, tinha o Wallacks, era bem de dinheiro, sempre tive carro, durante dezenas e dezenas de anos tive carro, até dois carros também. Estou dizendo o que que tinha lá. Ele já apresentou a situação como muito interessante. Disse: “Olha aqui, a irmã dela vive com um homem separado da esposa, católico, nem é judeu, a mãe e o pai, o pai não trabalha quase nada, a mãe é costureira, trabalha na casa e ganha centavos. A família inteira está numa situação superpesada. E a menina, disse, trabalha não sei onde, ganha também mixaria. Agora, olha lá, uma garota dessas não quis você. Porque eu falei que você tinha situação boa em dinheiro”. No Wallacks, eu tinha dezessete empregados. Bom, eu só posso dizer que sendo que os amigos contam como que eram as garotas, não é. Então, eu estou contando que poderiam as garotas não contar para mim o resto de história. Tanto Ivan contou como o Vili também contou. Então, tinha outro aqui em Copacabana, também alguém me apre... Tinha em Nilópolis também, alguém me apresentou a alguém. (risos) Aqui, a primeira semana, em iídiche – polonês fala iídiche –, a primeira semana, limpamente, sem o menor escrúpulo, entendeu, desta maneira perguntou: ("Wus haste und wus verdienste"?). “Mi van..._” é húngaro. “O que que eu tenho e o que que eu ganho.” Limpamente, entendeu. Primeira semana. E se vale a pena, continua, se não, não. Quer dizer, puro comércio, não. O que que você tem e o que que você ganha. Então, já viu. É possível assim? A gente nem marca um segundo encontro, não. Que é impossível, não. É impossível. O que que vou responder para ela?
P/2 – E a sua segunda mulher, o senhor encontrou onde?
R – A Segunda? Foi história... Agora escuta como que eu fui conhecer tua querida mãe. É o seguinte. Eu tinha muita amizade lá no Hospital Adventista, lá em Santa Teresa e eu tinha um amigo húngaro, iídiche, com esposa húngara, iídiche, que tinha diversos males de coração. Não sei o que é. Foi operado e faleceu também. Mas durante a operação, depois da operação, eu visitei ela algumas vezes, porque viveu muito pouco tempo. E conforme lá no Hospital Silvestre a gente entra, lá, na portaria quando sai, lá sempre tem um montão de garotas, um montão, não uma ou duas, até dez, vinte, não, que esperam carona, porque lá tem uma subida muito ruim, para ou pegar ônibus ou alguém levá-las até embaixo, a Copacabana ou até o Catete, porque lá também tem descida, ou leva lá na rua Riachuelo, não, que também tem descida. Para descer. Então, lá, as garotas estão esperando, lá tinha antigamente, hoje não tem, uma moradia de moças, dormitório de moças. Lá, naquele dormitório de moças, moravam aproximadamente oitenta moças, todas adventistas, que trabalhavam no Hospital Silvestre. Então, quando eu andei a visitar essa senhora húngara, né, com quem eu tenho amizade desde a Itália, se chamava Eva, então, as moças pediram carona para mim. E eu sempre andei com kombi, enchi a kombi com garotas, né. Levei elas para passear, paguei pra elas isso... Elas fizeram uma festa lá atrás que não posso dizer, não é, e cantando, tudo isso. E eu gostei. E fui lá buscar diversas vezes e catei diversas vezes, que tinha telefone no dormitório para elas. E cada vez vinha outras moças, porque quem poderia levar dez, doze. Mas aquelas trabalharam ou namoraram, ou não sei o quê. Então, sempre vinham novas. Por fim, eu conheci a turma toda de lá. Porque fui muitas vezes lá. Então, conforme esse conhecimento, eu convidei uma moça a trabalhar na minha casa no dia de folga dela, para fazer limpeza, que ela já era da seção de limpeza. Não era enfermeira. Tinha médicas também nesse dormitório de moças, que nunca levei. Só enfermeiras e de escritório, levei muitas. Esta garota, por acaso, era da seção de limpeza. Então, eu perguntei se queria dar uma mãozinha lá na minha casa. E ela veio uma vez por semana fazer essa certa limpeza, não. Uma noite, ela trouxe uma amiga dela. Até pensei que ela era do hospital, do Silvestre, não. E esteve lá, não, e tal..
P/2 – O senhor morava onde?
R – Morava aqui em Copacabana, aqui onde está o Wallacks. Décimo catorze andar, 1102. E depois foram embora. Era amiga dela, veio como amiga dela. Porque muitas vezes ela veio até com amigas do Hospital Silvestre também. Até veio, chamou para ajudar ela, outra moça também, no serviço de limpeza, que sempre até uma acabou e outra começou, não. E uma dessas moças conheceu a mãe dele da seguinte maneira. Eu morava aqui no Barata Ribeiro, não morava em cima... Porque também trouxe para baixo moças que não moravam no dormitório, não. Que trabalhavam no hospital, só moravam fora do hospital ou em Santa Teresa, tem quem mora aqui em Ipanema, no Leblon, que são de lá. Então, eu trouxe ela para baixo. E elas fizeram amizade no Barata Ribeiro, numa loja, Vulcan, que já acabou. Era uma loja de plástico. E fizeram amizade, e depois, foi contada a história que a minha segunda esposa estava atrás de procurar alguém com que ela não tivesse que trabalhar, chega de sofrimento e tal. E ela comunicou-se com esta moça adventista, não. E esta moça adventista disse para ela: “Olha aqui, estou fazendo limpeza em apartamento onde o homem está sozinho”. E ela trouxe ela já com um certo completo pensamento. Isso que eu estou dizendo. Eu conheço uma pessoa hoje, eu jamais posso na minha vida imaginar o que que ela tem na cabeça, não. Então, a mãe dele, já sendo que veio com este pensamento de procurar um pessoa, entendeu – eu não vou dizer que era para casar ou não casar –, procurar uma pessoa. Fiquei com ela cinco, seis anos sem casamento. Procurar um encosto. Porque pode ser de moças pobres, noventa por cento procura isso, numa certa idade, não. Então, a situação foi agradável. Porque se alguém não vem para esses fins, é uma situação não. Então, a situação tornou-se agradável, seja em conversa, seja em simpatia. Do meu lado, que é uma garota nova. E do lado dela, que “pode ser que vou encontrar isso que procuro”, não é. Isso é um conjunto, não é. Então, para falar duas palavras, moça de programa, em geral, ela sempre está com pressa, ela sempre tem mãe doente, ela sempre tem que resolver isso, sempre tem diversos problemas que quer colocar em cima do homem. Quem sabe que o homem ajuda ela, não. Um assunto com conversa, em geral, um pouco pesado, puxado, não. E de outras maneiras, seja que por segredo, ela está com pressa porque já tem outro encontro marcado, não é. Mas aqui não aconteceu isso. Por que não? Porque exatamente ela tinha um pensamento que ela não poderia complicar a situação, não. Então, por fim, ela frequentou a minha casa. Eu perguntei se ela não queria ficar lá, dormir comigo lá na minha casa. Naturalmente que concordou... Então, ela já tinha todo o plano pronto, não... Então, começou com um certo tempo para... Existe um papel para doar o nome. Ainda não tinha divórcio aqui no Brasil. Então, doei o nome. Depois começou que... sabe como é – estas palavras dela, sempre as mesmas palavras –, sabe como é, quer dizer, se eu morro, os herdeiros não vão dar nada para ela. Sabe como é, não. Então, “põe isso em meu nome, põe aquilo em meu nome”. Sempre tinha certos assim acontecimentos. Por isso estou dizendo que nem no primeiro nem no segundo. Aquela que eu senti como amiga mesmo, com quem eu estou junto, tanto faz na cama ou não na cama, não, esta aqui não existiu. Como eu nem tenho uma profunda amizade para lá. Por que não? Por que ele tem onze anos, sei lá eu, amanhã eu não existo mais, e ele sabe coisas que eu não quero saber, e vai no ouvido da mãe, supergarantido. Então, já tem, por motivo de separação, já tem certa coisa que já não é simples. Poderia ser. A gente, de longe, pode olhar que aqui é o máximo, tudo que existe. Mas não pode ser. Porque tem certas coisas contra o meu interesse. Agora, olha aqui, na separação, eu dei para mãe dele um apartamento, que já foi dado antes e dei para renda, para este e para outro menor, uma sala comercial para renda. Então, mulher é mulher, homem é homem. Eu tinha dois advogados pagos por mim. Um advogado que fiz escritura e outro advogado que eu levei, que me ajuda a resolver tudo em maior ordem. Acontece que a mãe dele, quando quis colocar em nome dele e do outro meu filho uma sala comercial para renda, então, a mãe começou: “Bom, sabe, se a gente amanhã muda, o assunto assim, ou acontece alguma coisa com você... – Sempre, sabe, acontece é minha morte, não é –... então, eu vou ter dificuldade, de me mudar ou resolver assuntos difíceis. Tem que botar em meu nome. Assim, você não vai imaginar que eu vou gastar o dinheiro deles e tal”. E todos os dois advogados, aquele que fez a escritura no cartório e aquele que eu levei, meu advogado, para sair tudo certo, com aquele sorriso de mulher, com aquela pintura, com aquela joia pendurada aqui, para lá, para cá, os homens perdem a cabeça imediatamente, virou contra mim e começou a se puxar para o lado dela. Entendeu? Então, conforme está vendo, nem pagando para cuidar do meu interesse eu recebo, imagina se não é para este fim. Por fim, caiu em cima do nome dela, os dois me convencendo, entendeu, que não está bom em cima do nome deles, porque vai dar muita dor de cabeça e complicação no fim. Então, o que acontece, a mãe vendeu o apartamento e quis ganhar muito dinheiro. Emprestou dinheiro a vinte por cento (risos) – Não sei se ele olha para cá ou para lá ou ele está aqui para escutar.
P/1 – O senhor quer sentar aqui? Que assim o senhor não liga para ele.
R – Não. Por mim ele pode escutar tudo. Porque se não quero que ele escute, eu nem falo. Para início, não. Então, sempre com isso. Sabe, mas... Então, sempre viu... Agora, ela vendeu o dela, emprestou dinheiro, perdeu dinheiro, praticamente tudo. Você sabe que é tudo? Tudo. Em 1979, eu trabalhei em São Paulo, ganhei muito bem dinheiro, todo domingo, todo sábado, toda noite fiz serão e ganhei dobrado. Porque a firma do Rio de Janeiro fez superdepressa aquele prédio onde é a Philco-Hitachi. E uniu-se para fazer este novo aparelho, antes de dez anos, começou a Philco-Hitachi. A Philco é a Ford, é a mesma coisa. Superpotentes com dinheiro. A firma que tratou, tratou bem alto. E o engenheiro-chefe que entregou para aquela firma que tratou no Rio de Janeiro, também recebe porcentagem. Então, viu, um bolão de dinheiro. Era muito grande. E a pessoa que defendeu o dinheiro do japonês e da Ford também estava no bolão, porque recebe também uma parte, não. Então, o dinheiro correu, ganhei muito dinheiro. E lá em São Paulo, exatamente estava procurando aqui no Rio de Janeiro uma casa fora, para ter uma casa para sair aos domingos. Então, tinha uma casa, que eu conhecia já, encostada de seis lotes de terreno que eu tenho, de um outro proprietário, e tinha um carro Corcel, de uma garota estudante de universidade, com dois anos de uso que tinha poucos quilômetros no carro. E minha ex-esposa já tinha diversos carros, mas sempre Fusca, coisa assim. Bom. Agora vou comprar este Corcel II e comprei uma casa na baixada, que eu falei, não, de cimento armado, tudo muito bom, comprei... Luz ligada – para uma vez só, com aquele dinheiro que ainda sobrou no bolso, fora isso que eu gastei no São Paulo e fora que minha filha sempre me cortou com cruzados, entendeu. (risos) Porque isso também tem, não.
P/1 – Claro. A filha faz parte.
R – É. Faz parte. Até quantos anos faz parte? (risos) Bom. Deixa. Isso aqui já é assunto dela, não. Ela sabe muito bem. Então, ela sempre pediu e sempre: “Pai, você dá tudo para ela...”. Então, ela já fez questão... Porque... Conhece essa palavra, ______ é uma mitzvah. Não conhece. _____ De um porco tirar um cabelo é uma mitzvah – Por quê, não sei. Isso é um ditado polonês. Então, todo aquele dinheiro que Tilda tira de mim, minha filha, é uma boa ação para não cair todo no outro lado. Entendeu? A mesma comparação. O ___ sou eu, não. Tirou de mim um pouquinho, é um bom ato que eu faço, porque sai menos para aquele (risos). Por isso estou dizendo, deixa, que é complicado. O assunto é isso, não. Porque isso também existe, não. Então, eu sempre telefonei aqui no Rio. Fui lá três meses e só vim para casa duas vezes, para um fim de semana, não.
P/1 – O senhor ainda estava casado?
R – Era casado. Bom. Então, exatamente antes de acabar…
P/2 – Morava em Copacabana com ela?
R – Morava com ela aqui e eu lá. Fiz aquele serviço, né. Então, ainda falamos pelo telefone. O carro, eu já conheci antes que fui a São Paulo. Conheci aquela universitária, conheci o carro. E ela era uma moça rica, portuguesa, não, quis comprar carro novo, também comprou Corcel II, só novo, e vendeu para mim este carro de dois anos, cento e vinte mil cruzados, a dinheiro, à vista, não. E combinei com ela que ela iria comprar o carro em 80 e eu iria receber em 80. Só combinei com ela já dois, três meses antes, que ela iria vender para mim. A casa, eu também já conheci antes de ir para São Paulo. Porque sempre tinha algum dinheiro já pra tratar, para comprar aquela casa. Então, me lembro até hoje, minha filha, Tilda, que me viajou, não vigiou, ela sempre, de uma certa maneira, esteve perto de mim, não. Ela também tinha carro. Eu também tinha carro lá, por que fui com um Dodge Dart para lá. Este Dodge Dart nacional que tinha aqui, aquele carro comprido, grande, não. Então, eu telefonei para cá para o Rio, da rua, 07, a gente chama 07, liga direto e pode ligar da rua direto, não. Então começou a mãe dela: "você vai ter dinheiro para comprar o carro?". “Vou ter.” “E vai ter dinheiro para comprar a casa?” “Vou ter, eu estou dizendo, você pode fechar, pode deixar, para todos os dois tenho dinheiro à vista.” Então, minha filha sempre estava lá, ouvindo, não. Então, aqui, bom: "Se ele tem dinheiro para carro, sempre tem alguma coisa que sobra para mim também, né". (risos) Então, muito bem. (risos) Eu tinha tanto dinheiro na mão que disse que ia comprar todos os dois à vista. Cheguei em casa, à casa nova, começou – “Sabe, como que é, põe no meu nome, isso é para criança, amanhã a gente quer vender, não consegue vender – Pus no nome dela. Depois, comprei aquele automóvel, à vista – “Sabe como que é, põe em meu nome, pá-pá-pá…”. Pus no nome dela. No dia da separação, ela disse assim: “Tudo que está em meu nome é meu”. Pronto. Comprei televisão Philips, também aquela grande, de 20 polegadas, colorida, meu nome. Comprei geladeira, aquela de três portas, não sei se conhece, aquela só para o freezer em cima, para congelador uma porta, depois para geladeira, e depois uma separada só para as verduras, ainda hoje está na praça. Então, conforme está vendo, sempre comprei coisa boa. Que aqui, pode ver, essa televisão foi a mais cara televisão que eu comprei. Esse vídeo-cassete…
P/1 – O senhor gosta de coisa boa.
R – Bom. Esse vídeo. Todos os dois é o mais caro. Quando eu comprei aqueles aparelhos de som, aqueles é tudo importado. O toca-discos é Pioneer, aquele toca-fitas é Sony e aquele é (Gomas?), são americanos. Parece um lixo, não, mas todas as três peças são estrangeiras, importadas. Comprei, sabe, no contrabando. Porque quando comprei ainda não tinha aqueles 2-1 nem, aqueles racks e nem fabricavam aqui no Brasil. Mas parece lixo. Mas não era lixo, era coisa ótima, não. Então, assim, na casa, sempre comprei, em geral, os melhores. Sempre tudo no nome dela. Quando do dia da separação, eu não tinha nada. Só tinha uma coisa. Fiquei livre dela. Valeu tudo. (risos)
P/1 – O senhor teve dois filhos com ela.
R – Dois. Tem Abraham Lax e Benjamin Lax.
P/1 – Abraham. Tem quantos anos, Abraham?
R/2 – Doze.
R – Olha lá, como ele escuta a música. Viu como ele escuta a música? (risos) Viu?
P/2 – Está ouvindo tudo. Ele.
R – Ouça aqui. Este aqui devia ter um som assim. Normal. Voltou ao normal. Ele abaixou o som para o mínimo, para escutar tudo que nós falamos.
P/1 – Mas é lógico.
R – Olha aqui, é tão lógico que quando eu puxo o cabelo dele, ele não gosta.
P/1 – Também, com a mãozinha do senhor, ninguém vai gostar. (risos)
R – Viu? Abaixou o som para escutar todas as palavras. Tirei fora o pino, viu como que é, não.
P/2 – Ele tem doze anos, não.
R – Isso aí pouco ligo, porque não tem segredo nenhum. Eu não posso contar para ela nada, porque nem entende nada. Olha aqui, mais ou menos, imagino eu que a mãe dele... Agora também é uma confusão tremenda…
P/2 – O Benjamin tem quantos anos?
R – Tem quanto? Nove. Então, a mãe dele convidou…
P/2 – Benjamin mora junto com ele?
R – Lá em Rondonópolis.
P/1 – Não. Mora com a mãe.
P/2 –Ah, mora com a mãe. E a mãe mora lá em…
R – Rondonópolis.
P/2 – É em Rondônia isso?
R – Não. Isso é no Mato Grosso. Viu, malandro, como que eu tenho... como se chama? Espiões. Espiões? Viu?
P/1 – O senhor não tem é segredos.
R – Bom, eu não falei segredos. Ele foi espião. Eu não falei segredos. Ele foi espião.
P/1 – É. Quis nos tapear, né, Abraham.
R – Não, tapeou. Não quis tapear. Tapeou. Botou aqui... Só para ele entender tudo, (risos) ele abaixou som. Me tapeou, não. Me tapeou. Um espião. Mas ele pode tirar também. Antes dele colocar isso, disse que não falo coisas que ele não pode saber. Antes. Quer dizer, ele pode escutar tudo. Porque o que não quero falar, não falo, não é. Pulo.
P/1 – Por isso que eu perguntei. Porque eu quero que o senhor fale tudo.
R – Não. Não falo tudo não. Isso aqui, a gente não fala tudo nem se ele não estiver aqui. Porque tem certas coisas que a gente não fala.
P/1 – Exato. Eu gostaria que o senhor falasse ainda das suas atividades. O senhor teve o...
R – Eu sempre, a vida inteira, trabalhei. Por último, o trabalho foi que eu... Isso também foi interessante. Porque ainda não tinha dinheiro. Eu um dia comprei lá da Wallacks, aqui na Praça Sarah Kubitschek, o primeiro apartamento, para ter uma oficina com sede própria, porque tinha muito serviço já, aqui em Copacabana. Já poderia comprar, não. Então…
P/1 – Isso foi em que ano?
R – Isso deve ser por volta de 1953, assim, 1954, não. Então, eu não tinha dinheiro para comprar. Pediram dinheiro à vista. O dono dele era um famoso cigano, cigano, violonista, que está lá em São Paulo, tocando, né. (Radith?). Superfamoso. Já escutou esse nome, Josephine Baker? Nunca. Escutou Josephine Baker? Era a amante dele. Ele viajou o mundo inteiro com Josephine Baker. Esposa dele foi aqui, com amante, fazer programas, foi toda a volta do mundo. O Japão, todo lugar. Só a esposa... sabe como é, manda dinheiro, tudo; tem não sei quantos filhos, não.
P/1 – Que horror! (risos)
R – Que horror não. Porque, oficialmente, ela era uma dançarina e ele era o violonista. Oficialmente era uma turnê profissional, não... Tem um trilhão disso, não. Agora, quando eu tinha que comprar... Sabe o que é ness? Ness. Milagre. Então, aconteceu. Que a gente sempre tem milagres na vida, não. Milagres, maneira de falar, milagres, são acontecimentos casuais. Então, tinha aqui um húngaro, se chamava Berger, já nem sei o outro nome dele, que era representante da Parker 51, ele era atacadista em joias e ouro, na rua do Rosário. Morava aqui em Ipanema. E eu fiz para ele instalações elétricas, tanto na cidade quanto em Ipanema, na casa dele… [interrupção] ...Eu resolvi que ia à casa dele, não. E estou tocando campainha e quem abre porta é esposa dele. Tinha no mínimo três, quatro empregados. Sei lá eu. Casa enorme. Eu estranhei. Mas pensei que ela, por acaso, estava na porta. E eu conheço muito bem a mulher dele. Ela não é nem um pouco agradável. Estou dizendo que fiz lá diversos serviços. Nem um pouco agradável, nem um pouco carinhosa. E ela estava carinhosa e agradável e, abriu-se, e entra e senta... “Que tipo de milagre que tem agora aqui?” Mas já a conhecia há muito tempo. Ela nada não é disso. Bom. Sabe que a gente não pode falar nada, né. Entrei... “Espera aí.” Ainda nem falei, porque cheguei, que queria falar com o marido. Não falei nada. Então, entrei, sentei lá na sala. Nunca foi na vida gentil comigo, nem um pouco. Fui lá como simples eletricista. Ela saiu, daí a pouco ela voltou e me disse para vir e abriu a porta. E entrei num quarto lá, o marido dela estava numa cama, esticado, com o pé engessado, e o pé amarrado para cima, pendurado, o pé dele. Então, eu comecei a ligar, de repente. Essa mulher pensou que eu sabia que o marido dela está doente e eu cheguei a visitar ele. Só pode ser isso, não. Então, tão pouca gente visitou ele que até eu contei como um grande acontecimento como visitante, não. Porque o homem não era nem um pouco bom. Todo mundo sabia dele, que é um homem ruim, não. Nato ruim. Então quando eu vi o homem lá engessado, um tubo para cima, mais pendurado, o pé dele, então: “Bom, aqui já não pode falar de dinheiro. Agora já virei visitante”. (risos) Então, o tempo todo em húngaro, né, ele era húngaro-Berger. “Como que aconteceu isso?” “Não, meu filho, sabe como é. Fui a Teresópolis e lá diversos rapazes chutaram bola e o bola saiu longe e eu disse pra eles devolverem a bola, não, e chutei no chão. Quebrei meu pé.” Então: “Mas o senhor não sabe que o senhor já não é para chutar bola..”. (risos) Eu nem sabia o que dizer para ele. Mas ele também ficou... Não tinha visitantes, entendeu. Ficou melado comigo, não é. Então... Entretanto, o mel é que tem que resolver certa coisa, não é. Então, nova vez voltei com pensamento, agora já vamos ver o que acontece, não, agora já vamos ver o que que acontece, não. E eu disse para ele: “Eu tenho a oportunidade de comprar um apartamento, eu queria fazer oficina. E quem sabe o senhor pode me dar um mãozinha para eu comprar este apartamento?”. “Pois não, meu filho. Não sei o quê, assado, não assado... – isso foi sábado ou domingo – ...vem aqui amanhã, amanhã te resolvo tudo”. Voltei. Ele tinha fama de homem ruim, não pouco. Então, eu voltei e disse: “Vamos resolver já”. Então, ele pegou telefone e telefonou ao Banco Aliança, na rua São José, ao gerente com quem ele tinha muito negócio, com certeza, não é, e disse: “Olha aqui, um amigo meu precisa de um empréstimo. Dá pra ele. Depois a gente resolve”. Ele virou fiador assim, pela boca. “Vai lá, ele te atende. Fala para ele, diz quanto você quer, ele vai te atender.” “Bom, se o Berger disse que vai atender, vai atender, né.” Porque não foi homem bom, só foi potente. Isso são duas coisas diferentes, né. Eu disse quanto era, foi setenta mil cruzados assim, ou sete mil cruzados, não sei, naquela época como que foi. Eu disse: “Eu vou devolver por mês mil ou dez mil, sei lá eu, não, sete mil”. Eu ainda não conhecia história de banco. Disse: “Bom, nós vamos fazer três de mil, o quarto, para quatro mil. Depois vence o quarto e vamos fazer um desdobramento nova vez, não”. Eu nem entendi o que que ele falou. Pouco interessa o que que ele falava, o que que eu assino. Queria ver o dinheiro e está pronto. Deram-me um livro de cheque, disse: “Olha aqui, pode sacar. Amanhã o dinheiro vai estar na sua conta”. “Tá bom.” Então, assim eu comprei esta loja. Já tinha aqui proprietário, aquele que meu sogro comprou, quando estava na primeira esposa, lá na Siqueira Campos, não. Que eu vendi, entreguei o dinheiro completo para ela.... Mas isso foi depois, não é. Foi depois. Então, eu abri a firma, onde comprei, uma atrás da outra, seis unidades, sempre coladas. Comprei tudo. Com o tempo, naturalmente, que devolvi o dinheiro. Fui ao Berger de novo pedir dinheiro. O primeiro telefone que comprei, também o Berger deu o dinheiro. Porque agora, tanto faz, já deu um, já devolvi pontual, tanto faz. Então, ele deu a segunda vez também dinheiro. Porque no meio tempo, sempre tinha amizade, porque eu sempre fiz para ele serviços, não. Inclusive, eu fui comprar dele um Parker 51, porque ele reven... “Mas meu filho, para que que você quer Parker 51.” Porque era caro. Era a pena de ouro, não sei se lembra. Mas eu comprei. Ele tanto tinha razão e tanto ficou com olho grande em cima da minha caneta, que não cheguei com ela em casa. Botei aqui atrás e... tinha bonde, não é, e no bonde tiraram na mesma hora. Na mesma hora tiraram no bonde. E eu ainda não conhecia esse serviço, que daí saiu tão fácil a caneta. Não sabia.
P/1 – Mas então, o senhor comprou a oficina e depois o senhor abriu uma loja.
R – Eu abri uma ponto de saída. Porque eu tinha, quando abri loja, eu já tinha firma no meu apartamento, na Siqueira Campos, antes de me separar da primeira esposa. Depois separamos. Depois, minha firma, mesmo separando, vendendo a loja, ficou Siqueira Campos, 180, apartamento 102. Firma individual. Não sei se ainda existe hoje. Se chamava Firma Individual. E ainda sei que o despachante, me lembro até hoje, ele disse uma palavra: “Na rua onde anda bonde, é permitido abrir firma individual no apartamento”. Esta era a lei. Rua onde anda bonde se chamava rua comercial. Então, na Siqueira Campos anda bonde, pode... Por isso Copacabana está supercomercializada. Porque quando andava bonde, era a lei que podia, nos andares, abrir oficina. Quem viveu naquela época, todo mundo sabe. Bom, viveu não como criança, né, já como adulto. Que antes de quarenta anos era assim. Andando o bonde, lá podia abrir firma.
P/2 – O último lugar que o senhor morou, antes de morar aqui, foi em Copacabana?
R – Foi. Lá no Wallacks. Você não conhece o Wallacks? Conhece. Com certeza.
P/1 – O Wallacks ainda existe? Continua senda aquilo que foi?
R – Não. O Wallacks cresceu muito. Existe. Cresceu. Eu vendi o Wallacks, lá aconteceu um desastre. É o seguinte. Eu tinha um sócio. E aquele sócio entrou de graça no Wallacks. De graça.
P/1 – Quando que o senhor abriu o Wallacks? O Wallacks é lá na…
R – É. Abri quando comprei a primeira loja. Abri. Eu já tinha firma individual. Com aquela individual, eu mudei dois lugares. Na Raimundo Correia, aluguei um balcão numa loja. Eram dois húngaros judeus. Um é Turcsan e outro Gabriel. Eu abri lá e, depois, eu fiz muitos serviços para Cibi. E o Mateus gostou muito de mim. Trabalhei muito na casa dele. E ele me deu no Cibi, onde está agora a sauna, ele me deu aquele fundo de quintal para eu fazer um barracão. E eu fiz oficina lá. E de lá eu saí, trabalhei em tudo que é canto. Depois, eu comprei aquele de Wallacks. O primeiro. Depois comprei o décimo quinto andar todo, depois comprei o décimo catorze andar todo, não é. Depois, ganhei dinheiro, andei comprando. O Wallacks, eu tinha o décimo quinto andar todo meu. Décimo quarto andar era todo meu.
P/1 – Era oficina elétrica?
R – Embaixo. Oficina. Depois, quando eu comprei as outros lojas, outros apartamentos, que eu virei pela loja, até lá tinha um muro de flores, derrubei, fiz aquela escada, não. Então, pessoas que me conhecerem, chegarem na oficina. Eu sempre tive um pequeno estoque de material. Porque eu andei a trabalhar, não vou comprar o material na hora. Então, algumas caixas de lâmpadas, rolos de fios, tubos. Eu tinha muito material estocado, não. Então, sempre vinham... “Me cede uma Lâmpada, me cede isso, me faz isso, me vende isso, me vende aquele”. Então, eu abri as janelas, com licença do prédio e da prefeitura, e fiz lojas. E vendi até cimento, areia, tijolos, brita. Vendi tudo, não. E virou uma loja grande. E depois, eu tinha um sócio, húngaro, não iídiche, ele quis muito ser muito rico. Quis ser muito rico. [interrupção] Então, aquele sócio quis ser rico. E ele começou a fazer compras muito grandes. Eu já não era pequeno comprador não. E me levou dentro de uma dívida, me lembro, hoje, cento e doze mil cruzados. Isso foi vinte anos atrás. Mas a firma andou bem, ganhou muito dinheiro. Só quando tinha muita dívida, tinha uma firma, que diversas vezes aparece o filho do velho, se chama Lorenzetti, que manda banco lá em São Paulo. O pai desse rapaz que aparece aqui na televisão. E o pai dele escreveu uma carta que ou ele me protesta ou eu pago para ele. Assim. Isso não é nada. Porque o velho Lorenzetti me conheceu pessoalmente, me convidou a ir à fábrica, conhecer a fábrica dele. Eu já tinha o Wallacks há quase vinte anos. Nesses vinte anos, muitos donos de fábrica me visitaram, não. Porque quando eu tinha uma outra loja, a Kelson, esse dono da Kelson, também me visitou. E o ldma, que está fazendo na hora este reclame, também me visitou, o dono, e eu visitei a fábrica, pessoalmente me veio me levar. E muitos outros fabricantes vieram de São Paulo, me levaram para conhecer a fábrica. Inclusive o (Tungstamor?), General Eletric, também, me levou a conhecer a fabricação de motores, de lâmpadas, que é aqui na rua Miguel Ângelo. Então, isso é comum, não. Então, à toa poderia resolver. Eu tinha duas kombis e um caminhão, que entreguei muito material na Barra de Tijuca. E ainda disse para meu sócio: “Você comprou demais”. Eu também não compro pouco. Comprei caminhões de mercadoria de uma firma, caminhões inteiros. “Ah, não é nada. Pode deixar.” Porque também não sei sempre o que que anda no pensamento do outro. Então, o outro quis enriquecer, que faz uma concordata. E com esta concordata, a gente ganha muito dinheiro na firma, não é. Então, um belo dia, eu disse: “Vamos lá conversar com o guarda-livros. (Etka?). Mas ele já preparou Etka também para tudo, para fazer essa concordata. Lá na Etka tinha advogado, tinha contador, tinha despachantes, tal. E quando eu fui lá, eles me levaram numa sala, conversaram comigo, de repente, estou vendo sete à minha volta, entendeu. Todos eles forçando para eu querer fazer uma concordata. Então, isso já foi preparado, entendeu, para eu concordar fazer uma concordata, que não tinha necessidade nenhuma. Só tinha aquela uma carta deste Lorenzetti, que foi uma importância, mas que a gente com uma telefonema resolvi, vou pagar... “Não, é melhor fazer uma concordata e tal.” Então, eu concordei. Mas não foi tão fácil como ele imaginou não. Primeiro, novas compras, só a dinheiro. Mas acontece que muito fornecedor nem a dinheiro vendeu. Vamos falar, a Eletromar. Que não é uma firma pequena. Eu tinha amizade com o gerente. O gerente veio aqui no Wallacks, disse: “Olha aqui, quem abriu seu crédito fui eu. Agora, você também não vai sujar meu nome. Agora, tem um porém. Se você paga pontualmente, seu crédito está aberto. Se você faz qualquer sujeira comigo, então, o crédito também acabou e mais outras coisas”. Então, as coisas não rolaram assim simples, concordata, como que ele imaginou que ia rolar. Então, quando eu vi que esta concordata é um pouco complicada, eu combinei com meu sócio da seguinte maneira... Sócio de graça. Eu botei ele na loja, de graça. Dei para ele dois por cento. Que eu usei a palavra, nova vez, como casamento, de solidão, usei a palavra. Eu botei um sócio com dois por cento, só para o nome dele é sócio, não é, sem isso no ativo. Ele tinha um padrinho que comprou para ele mais oito por cento. Ficou com dez por cento sócio, depois, comprou mais quarenta por cento, ficou cinquenta/cinquenta, não. Depois. Só começou com dois por cento. Então, isto ficou um pouco complicado e ele reconheceu que não foi assim simples como ele imaginou. Tinha complicação de tudo quanto é lado. Tinha um que é inacreditável que exista. A companhia Hansen, que é também superconhecida, dono da Tigre, ele veio de São Paulo, entrou na minha loja, disse o seguinte: “Olha aqui, se a concordata é uma coisa. Com isso seu crédito está aberto”. Também um homem com barba grande, veio lá em Copacabana. Que eu era um bom freguês, estou dizendo, eu vendi muito. E ele abriu o crédito imediatamente, independente de concordata. Disse que eu podia comprar o que eu quisesse. Então, quando vimos que o assunto não é tão fácil, resolvemos vender a loja da seguinte maneira: ou eu fico com um novo sócio ou ele fica com um novo sócio, ou nós dois saímos e vendemos para alguém. Muito bom. Depois, combinamos o preço. Se eu arrumo um outro sócio, eu tenho que dar para ele tanto, se ele arruma, tem que dar para mim tanto. Ou se nós dois saímos, então, nós dois rachamos o que nós recebemos. Quando nós fizemos esse acordo, ele arrumou um sócio, que pagou a mim. Foi o Raimundo, português, que está lá até hoje. O Raimundo é muito potente, tem no mínimo vinte grandes lojas, como disse, como Cardin, na Miguel Couto, como Palácio de Ferramentas, pelo menos cinco prédios lá na rua Buenos Aires, como Rivera, lá na rua Carioca. E muitos outros. Casa de lâmpadas, lá na Marechal Floriano, onde está a Marinha. Muitas lojas. E não lojas pequenas, não. Na Cancela também tem um. São Cristóvão. E ele arrumou este Raimundo. E meu sócio tinha um papo daqui, bom, tanto que ele resolveu com Etka também o que ele quis, e ele escolheu ele, era muito mais jovem, para ficar como sócio. E eu saí fora. Recebi um bom dinheiro. E eu comprei uma casa no São Cristóvão e depois também me desfiz disso. E eu vendi a firma e recebi meu dinheiro até o último centavo. E quem comprou, levantou concordata imediatamente. Para todos os credores que estão na lista, ele disse que quer levantar imediatamente, quanto quer, por telefone e tal. E concordaram com uma certa importância de... Tanto que recebi, eu também, um documento que concordata foi levantada, para não ficar meu nome como concordatário. E antes de fazer, eu era lá presidente-diretor. Era lá, neste Wallacks. Era sociedade anônima. E ainda hoje é. Agora, os sócios, eram todos de Etka. Quando fizemos a sociedade anônima, os sócios eram todos de Etka. Isso também foi pensamento do meu ex-sócio. Não sei por que tinha que fazer sociedade. Ele imaginou coisas, não. Pode ser, que até hoje não sei o que que ele imaginou. Bom. Por fim, vendi, não fiquei devendo a ninguém, recebi o que que eu quis receber, muito pouco menos do que eu quis. Ele me ajudou muito para o homem comprar minha parte, quis pagar muito bem, mas ele ajudou para elevar. Porque nós fizemos uma combinação que ele não pode vender minha parte, só se eu estou satisfeito. Então, ajudou pra levantar o preço, elevar o preço, não. E eu saí de lá. Depois, de lá, eu fiquei empregado em duas firmas grandes e depois me aposentei. Disse que chega. Chega, essa palavra também é muito complicada. Eu já vi que... aquele entendimento já, de longe... Para que que vou me quebrar mais. Não... Me aposentei com trinta e três anos, acho, seis meses e catorze dias de trabalho comprovado. Estou aqui.
P/1 – Isso foi há quanto tempo? O senhor se aposentou em que ano?
R – Minha aposentadoria... Bom, eu tinha mais ou menos sessenta e três anos, assim. Com tempo permitido.
P/1 – Sessenta e três anos. Em que ano foi isso?
R – Bom, eu estou aqui há quatro anos. Eu me separei, pode ser que foi há cinco anos, eu fiz essa aposentadoria antes da separação... Sete, oito anos atrás. Eu tenho documento.
P/2 –1980.
R – Mais ou menos. Eu tenho papelada. É insignificante. Eu entreguei também para um iídiche, ele está na cidade, que ele sempre fez anúncio naquela rádio Hora Israelita e fez o anúncio no Diário Israelita, um iídiche. Exclusivamente, ele foi especialista no Inps, na aposentadoria. E eu fui lá, entreguei para ele os papéis, e sem... porque tem aposentados, muitos, com dinheiro. O meu é super simplesmente por comprovante de tempo, limpamente aposentei. Eu já estava pagando sobre quinze salários. Recebo uma mixaria hoje. Paguei sobre quinze salários, cinco, seis anos, mesmo assim não dá muita coisa. Que eu recebo hoje mais ou menos dez mil cruzados, eu recebo. Porque, primeiro, eu não completei trinta e cinco anos de trabalho, foi trinta e três. Eu recebi oitenta e três por cento, para início. Depois, meu advogado fez uma coisa que não entendo, nunca na vida vou entender, nem quero escutar ninguém que explica, ele disse que eu tenho que pagar quinze salários-referência. Eu até hoje não sei o que foi esses quinze salários-referência. Foi o guarda-livros que pagou, eu dei para ele o dinheiro. Agora, essa referência foi bem menos do que quinze salários. Essa referência. Então, eu só tinha oitenta e três por cento por trabalho, que faltou, não, e depois tinha a referência de depois, conforme está vendo, recebo esse pouco dinheiro. Desse pouco dinheiro, eu dou ainda cinquenta e sete por cento para mãe dele. Não para ela, para as crianças. Mesmo que dei para as crianças uma renda a vida inteira, e dei apartamento para ela. Mesmo assim, ainda dou esse dinheiro, mesmo assim ela perdeu o apartamento, perdeu o terreno de Teresópolis, que dei para ela, mais de três mil metros quadrados, o terreno, vendeu. Mais, quando ela saiu de mim, tinha duzentos e oitenta gramas de ouro, que mais ou menos também não tinha nada. Esses presentinhos que a gente dá durante fim de ano. Era elevado o peso porque, se recebeu presente pequeno, chorou com lágrimas, que ela só merece isso. Então, tinha que ser sempre presentes um pouco puxados. Bom. Assunto feminino…
P/1 – Foi inteligente, não.
R – Não. Isso é assim mesmo. Assunto feminino. Vocês são casadas, se vai receber um pequeno presente também, muito fácil pode ser por dentro uma insatisfação. Ou vai acontecer ou já aconteceu: “Será que eu mereço só isso? (risos) Não. Olha aqui, nós já não somos de ontem, né. Nós conhecemos a vida. Se não tivesse assim, se não tivesse firme, permanente, aqueles homens que trazem os mais belos presentes às mulheres. Mas como que o mundo conhece este sistema? Porque mulheres sempre foram exigentes. E sempre valorizam-se muito, né. (risos) Até conseguem isso. Porque se não tem para homem, para quem se valorizar, fica a zero. A mulher só fica subindo quando tem que valorizar-se ao lado de um homem. Se por acaso acabou, acabou, então, cai e volta muito. Não estou dizendo zero, só... não tem mais para quem dizer “só mereço isso”. Não tem mais para quem dizer. Depois, toda mulher, em segredo, que está casada, sempre imagina que pode arrumar marido melhor. Esse é outro defeito de mulher. Pode ser não sei quem é o marido, entendeu. Mas sempre, em segredo, mulher pensa que poderia arrumar melhor. Isso eu já conheço. Porque se a gente tem intimidade com a mulher, ela já começa a se abusar... ah, foi assim, que aquela época... sempre poderia ser melhor, não é. Sempre. Isso é... Também já é da natureza. Então, estou dizendo que não estou culpando por tudo. Isso já é assim mesmo. Depois que perde tudo, a gente não tem para quem dizer... Olha aqui, quando eu me separei da minha primeira esposa, nunca na vida esqueci as palavras dela: “Você pensa que você é o único homem do mundo?”. “Eu desço na rua, me... (risos) todo mundo me chama anjinha.” “Você vai atrás disso, vai. Vai ver quando você não está ao lado de um homem, se chama de anjinha, os conhecidos e tal.” Se querem tanto... Porque até que a mulher pertence ao homem, todo mundo quer ela. Porque não tem responsabilidade, não tem nada disso, não tem segredo, não pode falar, não pode xingar, não pode se queixar, porque pertence a outro, não é. Quando está livre, todo mundo vai longe. “Opa! Essa mulher é perigosa. Pode se colar, pode me falar, pode me fazer isso aquilo…” Não é? Então, isso já, hoje, todo mundo com uma certa idade, conhece tudo isso, não é. Todo mundo conhece tudo isso. Cheguei aqui, não tem escolha, eu dei aqui muito dinheiro, burramente. Pode ser que já nem ficava aqui, pode ser que ficava. Eu pensei muito, eu vou a Israel, não vou. Não foi por motivo de duas crianças. Não foi entre eles, não foi. Depois, quando separamos, eu ainda tinha alguns imóveis, que hoje já não tenho, graças a Deus, nenhum. Me desfiz depressa. Por certos... por certas imaginações secretas. Que não é secreto. Imaginação secreta que a gente sempre anda na cabeça. Que eu... Vamos falar, a segunda mulher usou uma frase, disse... Ela usou muito, sempre, muito: "Se eu fosse a um juiz pedir que me sustente, eu ganhava". Porque só dou em nome para os filhos, não. Se ela tinha uma renda...Vamos falar, até hoje Abraham tem doze mil cruzados, aquele apartamento alugado em Belo Horizonte, que é deles. Isso agora, acho que ela vende. Acho, não sei. Tenho motivo de pensar que ela vende. Então, já não vai ter aquela renda. Ela já usou. Se ela pode ir ao juiz, então ela poderia ganhar sustentação de mim… [interrupção] ... História sem fim, não. E esta empregada era uma paraguaia, uma moça paraguaia. Uma moça novinha. Ela procurou emprego no edifício. Eu gostei da cara dela, disse: “Olha aqui, quer emprego, vem aqui em cima, aqui tem emprego para você”. Eu estava morando sozinho, né, e dei emprego para ela. Acontece que com o tempo, ela ficou lá muito tempo, tinha menos que vinte anos, rostinho novinho, brigou com a mãe, namorado, pegou uma mala e veio aqui no Rio. Nem sei como que chegou no edifício. Mas acontece que eu não quis que ela ficasse lá comigo, vivendo como esposa-marido. Não quis. E mil vezes disse para ela: “Olha, não quero que você fique mais aqui. Arruma emprego aonde quer. Mas sai daí”. Sempre tinha diferença, não. Então, ela sempre arrumou emprego. Saiu. Mas quando ela não ficou aguentando o novo emprego, ela veio à minha porta, nem tinha coragem de tocar a campainha, botou as malas embaixo e sentou-se no chão. Ou quando eu chegasse ou quando eu saísse, iria encontrar ela. Isso ela fez diversas vezes, não. Um dia, uma senhora me telefonou. É de Santa Teresa, do hotel, aquele famoso hotel onde os futebolistas estavam dormindo. Ela arrumou emprego lá. Então, uma dona me disse: “Olha aqui, eu sei tudo sobre você, porque a garota me contou tudo sobre você. Mas essa garota, até ela vive, não vai ter um emprego, não vai ganhar e não vai trabalhar”. Estou dizendo: “Não entendo o que a senhora quer dizer”. “Eu vou dizer para você: quando mulher sente que tem onde dormir, tem onde comer e não precisa trabalhar, esta mulher nunca na vida vai trabalhar. E esta garota, você já viciou. Ela vai à sua casa, sei de tudo de você, dorme lá, come lá, tem livre saída – porque nunca disse para ela não sair, não –, tem livre saída, então, mulher jamais quer mais que isso. Isso que você dá para ela é o máximo”. Bom, para esta garota. É o máximo pra ela. Então, estou dizendo, quando mulher perde, que não tem onde dormir, que não tem o que comer, que não tem essa segurança, então, faz todo, todo tipo de arte na frente do juiz para ganhar o caso. Faz tudo. Ela tem um milhão de motivos para fazer isso. Primeiro, é assim conhecido em alto relevo que a mulher é mais fiel que o homem. Então, sendo que todo juiz já sabe isso, ela já tem meio caminho ganho, mesmo se ela já não é mais fiel. Mas já por ideia, já tem um certo ponto de vista. Depois, sempre, em geral, que o homem continua ganhando e a mulher não ganha, não, esse já é um outro motivo para ela ganhar. E assim à frente. Sempre ganha. Então, para não acontecer diversas desgraças, então, tinha que me livrar de tudo. Então, entra muitos... Eu sou um tipo de homem... Olha aqui, eu era título remido... não remido, proprietário do Hospital Silvestre, eu tinha no Riviera Country Clube, aqui na Barra, eu tinha no Floresta Country Clube, todo o lugar comprado, título. Eu tinha. Agora tenho na Cibi. Também remido, não. Então, eu, que sou um tipo de remido, tipo de remido... Porque abandonei os remidos também, porque depois os remidos também têm que pagar não sei o quê, depois, não frequento, não me interessa. Fui remido no Guanabara Clube de Automóvel. Até hoje estou remido lá. Mas nunca mais fui lá. Mas sou remido. Como vendem no Touring Club também títulos remidos. Vende. Então, sei lá eu, me deu um estalo, exatamente de medo do futuro, de secreto medo de futuro, quem sabe como que vai acontecer, como que não, eu vou me remidar aqui. Então, apartamento. Paguei este aqui dez mil cruzeiros até eu vivo. Agora, só depende de quanto eu vivo. Se era muito dinheiro esses dez mil cruzeiros, isso paguei, em fevereiro, antes de quatro anos. Agora em fevereiro vai fazer quatro anos. Pode ver quanto dinheiro foi os dez mil cruzados, não.
P/1 – Mas por que que o senhor escolheu aqui?
R – Muito. Muito dinheiro. Redondos, quatro anos atrás. Muito dinheiro. Olha aqui, pode ser que foi... não sei se vou exagerar, se vou dizer quinhentos mil, hoje. Acho que foi mais que quinhentos mil hoje. Foi muito dinheiro. Mas pode ver a tabela de OTN aqui. Só ver a OTN em fevereiro, quando entrei aqui, quando paguei em fevereiro, ver de hoje. É muito fácil ver. Pode ser que foi até um milhão também. Não sei. Bom, depois, um belo dia aqui, eu estava morando lá no fundo, comprei este apartamento. Não comprei por escritura. Por até eu vivo, é meu, não é. E eu morava lá porque ainda estava em construção. Então, eu perguntei a eles... Ah, e paguei cinco salários por mês. Comida, bebida, roupa lavada, luz, coisas pequenas, não. Então, eu vi que esse edifício aqui anda muito devagar, que é falta de dinheiro de construção, não. Então, eu fui à diretoria – isso bem no início, quando cheguei aqui, março, assim, segundo, terceiro mês. Tenho aqui recibos com mês. Então, eu fui à diretoria, disse: “Eu estou disposto... Eu sou remido na Cibi. Eu sou sócio da Cibi mais ou menos vinte anos. Mais que isso. Quase quarenta anos. Quando tinha a primeira esposa, eu já era sócio lá na Cibi. Já as crianças, aquela Tilda e Jorge, iam lá, não tinha piscina na Cibi, não. Hoje tem piscina. Não tinha piscina. Lá tinha campo de voleibol, basquetebol. Então, elas já brincaram lá na Cibi. Lá tinha assim... lá no fundo, voleibol e basquetebol, tinha brinquedos de criança. Onde tem hoje aquele clube, aquela cobertura, não. Lá era – tudo nada, não. Então, calcularam, calcularam, calcularam... Quarenta mil cruzados. Também há quatro anos atrás. Isso é dinheiro à beça. Eu ofereci vinte mil cruzados. “Olha aqui, vinte mil, eu dou vinte mil, fico remido.” Então, sei lá eu, para cá, para lá, para cá, para lá... concordei com trinta mil cruzados. Então, dei trinta mil cruzados. E assim, fiquei remido. E eu fui, em certo ponto de vista, por motivo deles. O segundo, “vou a Israel ficar lá totalmente sozinho”. Aqui tem quatro filhos. Começar lá de novo o que começou aqui há não sei quantos anos? Depois, eu conheço Israel. Quem chega lá sem nada, fica a vida inteira lá miserável também. É garantido. Eu fui lá uma vez só. E vou dizer por quê. Eu tinha conhecidos no Tel Aviv. Eu conversei com eles, entendeu. Quem não entra no kibutz, quem quer ganhar a vida trabalhando, mesmo se ganha salário melhor (que) como aqui, é uma luta pela vida permanente. Garantido. Não é sopa viver sem capital, trabalhando. Então, vamos ver o que tem em Israel, uma grande parte, que tem mais ou menos uma instalação boa... Então, vamos ver o que tem em Israel. Um, os kibutz, que dá uma certa segurança, os moshav ou kibutz, o kibutz, que também tinha lá meu filho, nove meses; o Jorge foi lá num kibutz, nove meses. E o outro, olha aqui, muitos foram, depois de guerra, que recebem dinheiro de alemão, muito grande porcentagem. Eu também poderia receber, mas era muito orgulhoso que eu não preciso e não quero. Por isso não recebo. Poderia receber muito dinheiro, muito. Até eu fui uma testemunha para alguém de Bori. Sabe o que é Bori? Não sei se sabe. Um superlugar famoso. Bori é na Iugoslávia, uma mina. Não sei que mina. Uma mina, onde foram levados muitos judeus da Hungria à Iugoslávia, nesta mina. E era um local onde não tinha documento nenhum. Era não sei como e quem, os advogados lá descobriram isso. Entendeu. Então, eu tinha húngaros que foram lá no Bori... Como é? Bori…
P/2 – Bori.
R – No Bori. Então, não tinha lá, como no Auschwitz, como nesses outros lugares, tantas pessoas. Se eu sei que fora disso, entendeu, fora disso, foi superfácil arrumar a todo lugar esses dinheiros. Mesmo que nunca na vida fui. Alemães não discutiram. Pediu, pagou. E até hoje estão pagando. E até hoje estão pagando para viúvas. Estão pagando. Não faço isso daí.
P/1 – O senhor não participou por orgulho?
R – Bom, isso foi misturado com muitas coisas. Um, que eu não conhecia profundamente até onde vai isso. Conforme a gente sempre diz, quando deixei meu pai em Budapeste, a gente muitas vezes não sabe até onde vão as coisas, né. Muitas vezes, a gente pensa que vai resolver uma coisa grande e em três dias acabou em nada. Muitas vezes, a gente acha que não está fazendo nada, uma besteirinha, e aquela besteirinha carrega a vida inteira, não é. Por isso estou dizendo, as coisas, a gente não sabe. Então, primeiro, não sabia as muitas dezenas de anos depois desse valor. Nem sabia aquele tempo o valor e não sabia... Porque eu conheço pessoas que ainda hoje recebem grande importância, não, em marco alemão. Até hoje compram muito mais verde com esse dinheiro do que compraram há quarenta anos, tá bom. Então, depois tinha que... Eu trabalhei muito. E devia ir a São Paulo. Isso foi feito em São Paulo. Eu teria que ir lá, tinha um húngaro que resolveu tudo. Se chama doutor Kertész. Ele... Eu fui lá uma vez com ele, mas não quis entrar nessa bagunça. Ele até arrumou para mim uma vez um dinheirinho. Não sei como. Eu não pedi. Só não me botou como aquela sequência, mensal, não. Não sei o que que ele fez. Não sei. E vou dizer mais isso, porque nem saí da Hungria…
R/2 – Pai, seis e meia.
P/1 – Ah, é. O jantar.
R – Não faz mal. Não tem jan... Isso é insignificante. Tenho aqui comigo essa janta.
P/2 – Fez jantar?
R – Não. Não tem nada. Isso é, ele fala. É insignificante. É hora de janta aqui embaixo. É insignificante. Então…
P/1 – Vai até que horas?
R – Até seis e meia, acabou. Não tem que de que até quê. Seis e meia. Quem desce, come, quem não desce... não tem nada. Pode atrasar cinco, seis minutos. Depois, todo mundo comeu, já está tudo fechado. Mas também o jantar aqui não falta para ninguém, nem almoço. Eu não sei se eu... Sabe o que que tem? Um tipo de comida o máximo simplificada, sem o menor interesse de qualquer pessoa – não estou falando de dinheiro – de melhorar ou de mudar ou de estudar. Porque até as damas que vêm aqui, da Cibi, do Lar dos Velhos, elas estão satisfeitas se vêm aqui, estão ajudando, dando almoço. Agora, jamais alguém vai se meter e dar opinião. Está satisfeito quando entrou e muito mais satisfeito quando saiu fora da porta. Não vai resolver nada.
P/1 – E vocês que usam, que pagam e pagam muito, não poderiam reclamar, protestar e viver melhor?
R – Olha aqui. Primeiro, não tem de quem exigir. Porque quem é o diretor, de quem poderia pedir, ele está na mesma situação. Está fazendo, mas quer fazer o mais simples que é possível, entendeu? Ninguém está aqui para agradar, como uma esposa quer agradar o marido ou o filho. Aqui, a procura de agrado é o mínimo que é existe. Olha aqui, o arroz e o feijão, quatro anos, todo santo dia, tem na hora de almoço. Não falha. Agora, aquela típica comida que tem aqui, com aquela incrível, pequeníssima mudança, quer dizer, quase nada, é super... nem no militar... Tem mil vezes... Olha aqui, o menor, o mais barato prato, porque eu comi durante muitos anos o mais barato prato de uma pensão na cidade ou no subúrbio, os mais baratos tipos de pensão, pode ser que serve muito, muito além disso que eu como aqui. Porque, olha aqui, eu não sei se judeu pode comer mocotó ou não. Aqui, vamos falar, o mocotó não existe. Mas lá existe. Aqui não pode ter cozido, mas lá existe. E olha aqui, que por preço…
P/1 – Pode ter comidas….
R – É. Mas, olha aqui, entra nessa pensão, se recebe um pratinho para salada, um pratinho para tirar feijão ou traz feijão num pequeno aço inoxidável ou louça, feijão separado. Ou feijão e arroz estão na mesa... Bem, não são esses velhos, todo mundo tira o que quer. Ou perguntam, em muitos lugares, quer comer o quê? Se quer arroz ou se quer macarrão, se quer feijão, se quer, mistura, se não quer, não mistura. Quer dizer, um tipo de serviço muito diferente. Aqui vai, quase sem perguntar, tudo no mesmo prato. Bom. Já este, ou alguém acostumou antes de entrar aqui... tem aqui uma padaria, quentinha. Eu ontem trouxe um quentinho só farofa. Outro, só feijão. Porque só esses dois misturados já tira um o gosto do outro. Se chupa o caldo, a farofa, de lá, já não é aquele gosto, não é comida, não. Então, não pode... Olha aqui, um dia, uma vez, acho que nós todos os quatro anos tinha aqui farofa. Uma vez só. Eu não estou dizendo que é uma grande coisa. É uma coisa insignificante. E uma vez, agora, para Natal, uma vez em quatro anos, tinha alguma carne com molho. A primeira coisa da dama do dia, para fazer um grande bem, pegou o molho e virou em cima da farofa. A farofa acabou-se para mim. De um grande bem que quis fazer, não. Quer dizer, já viu. E assim tudo. Agora, isso que vai feijão quente em cima da salada ou contrário, depende se a salada vem antes ou se a salada vem depois. Agora, olha aqui, tem aqui comidas pior que horrorosas, para mim, moela, moela de frango, para mim não é comida. Entendeu. Cortada em pequenas peças, quatro ou cinco pecinhas, entendeu, seja dez pecinhas, o que é que eu vou dizer? E tem... Bom, um tipo de caçarola, um tipo de bife, não vou falar bife de filé, é tipo um bife de caçarola, isso não... O máximo de músculo tem... cortado. E vou dizer uma coisa. Pode ser que nem a empregada... Empregada quer o quê? Quer ganhar a mensalidade e todo mundo procura trabalhar o mínimo que é possível, não. Ninguém vai esforçar-se, trabalhar doze horas, quando tem que trabalhar oito. Olha aqui, empregada, só depois de sete e pouco, não. Porque eu acho que tem oito. Tem uma camareira, tem um cozinheiro, tem um lavadeiro. Então, todo mundo tem a folga também. Então, já viu. Para tantas pessoas, até pode ser que é pouco, não.
P/1 – Não, mas eu acho que vocês deveriam exigir mais. É inadmissível.
R – Não tem... Depois, olha aqui, vou dizer uma coisa. Eles pensam que é o melhor que é possível. Porque, olha aqui.
P/1 – Não. Não. Eles mexem.
R – Não. Ninguém mexe aqui. Ninguém. Olha aqui, ontem tinha doce de banana. É uma comida brasileira, cem por cento limpo, típico, boa. Mas eu prefiro uma banana inteira do que doce de banana. Agora, ninguém pergunta, não tem escolha. Põe à frente, entendeu. Eu posso dizer “não queria isso”. Mas, que que acontece? Vou dizer para quem? E vou perturbar a cabeça por que e para quem? Entendeu. O que que vou alcançar…
P/1 – Fala com a Renée, fala com…
R – Não adianta. Porque dura uma vez. Olha aqui. Eu, no início... Eu não sei. Porque sempre dizem “uma vassoura nova limpa melhor”, não. Então, no início, também quis, não sei, imaginar coisas. Então, eu quis fazer o quê? Ouça bem que ideias eu tinha aqui. Depois morreu tudo. Primeiro, sexta-feira à noite, aqui está cheio com mulheres. Acendem duas velas num castiçal. Sempre muitas mulheres. Não precisa mais. Só duas velas. Só lembrança de vida delas anterior. Nunca cheguei para ter aqui um castiçal. Elas estão acendendo em cima de um prato virado, as velas, lá em baixo. Nunca cheguei que aqui sexta-feira à noite, percebe, alguém quer. Nem no Rosh Hashaná, nem no Yom Kipur, nem em festa nenhuma. Ofereci que eu compro os castiçais.
P/1 – E tem castiçais.
R – Eu não sei. Eu nunca vi. Nunca, nem no Pessach foi aceso, tá bom. Agora, pode vir aqui no Pessach e olhar. Pode vir. Agora, ofereci, é ambientar. Eu ofereci que toda semana vamos fazer uma loteria esportiva. Ainda números nem existia. Uma loteria esportiva, onde todo mundo dá alguns cruzados, só para torcer e olhar, quem sabe se ganhou, não.
P/1 – Claro. Ver se ganha, né.
R – É uma atração, não. Com quem eu falei um dia. "Não, isso aqui é velhos, eles não entendem, isso não..." Entendeu? Ficou em nada. Isso era um pensamento. Eu ofereci, se eles compram, eu faço instalação, dois altofalantes lá na sala de jantar. E durante o almoço ter música de ambiente. Eu empresto fitas com assuntos iídiche e não iídiche. Nunca consegui chegar nem a ponto de resposta. Então, pode pensar aqui, será possível que eu sou mentiroso? Ou se é que eles não se interessam pelas coisas? Mas, eu ofereci. Olha aqui, eu ofereci, embaixo esteve em obras, para comprar dois bebedouros. Vou dizer por quê. E eu dou dez por cento de despesas de dois bebedouros, a doação. Um bebedouro com frio e outro com natural. E, inclusive, se um enguiça, o outro está funcionando. Para botar lá embaixo, onde tem uma parte coberta, não. Nem resposta, entendeu, para esta oferta, eu recebi. Resposta. Quer dizer, foi abandonado o pensamento, entendeu. Até fui procurar o preço dos bebedouros na rua Mem de Sá, na rua Riachuelo. Quando ainda tinha ambição. Porque hoje já não ligo para nada, não é. Isso é natural. Olha aqui, tinha diversas coisas que passaram, não... Aliás, eu fiz mais duas coisas aqui. Eu fiz que toda sexta-feira e sábado ao meio-dia, para almoçar, com toalha branca, entendeu. Foi colocado duas, três, quatro vezes. Depois faltou a empregada, depois ficou lá na prateleira onde se coloca, não. Não chegou... Foi algumas vezes colocado. Mas, nem a diretoria nem os empregados. Por quê? A diretoria pode ser que luta com dinheiro, entendeu. Vamos ver de diversos pontos de vista. A diretoria tem certos empregados com quem não quer se contrariar, porque necessita como... como não sei o que pessoas, entendeu? Não vamos contrariar. Vamos fazer tudo como que anda, só para andar, não. Então, e assim à frente. Tinha muitas outras coisas que a gente, no início, quis, entendeu, quis. Depois... de verdade também tem pessoas supervelhas, superdoentes, sempre, que já não contam para nada, não. Depois, tem pontos de vista, que, conforme se diz, lhes falei, seja na religião, na política ou sociologia, cada pessoa não tem dois pensamentos iguais no mundo. Com todos os partidos e com todos os livros que existem. Cada pessoa é um pensamento completamente diferente. Então... Depois, pode ser que alguém pense que isso não é um sanatório, também, pode ser que alguém pense que isso não é um sanatório, também, pode ser que a metade não pague nada, que eu não sei, ou pague muito pouco, não. Eu não sei. Eu não quero me entrosar neste assunto. Eu só vi que assim como está é bom, é bom, suportável e tem que ir. Assim tem que ir. E assim não tem enguiço. Nem se falando que tem um provérbio velho que alguém fala alguma coisa certa e a primeira consequência que quebra é na cabeça. E aqui no Brasil também vemos todo dia no jornal, não é. É bastante dizer, dar uma opinião certa, o outro não gostou e dá, pronto. É o mais fácil que existe, é primeiro bater na cabeça do outro. Então, eu já vi qual é a situação. E ninguém pode ajudar. Porque, vamos pensar, se eu tivesse casa, tivesse empregado na casa e não acontece isso que o dono ou dona de casa quer. Inclusive, também, na televisão se mostra, comicamente, os assuntos. Não…
P/1 – Mas o senhor sendo tão autônomo, o senhor não estaria melhor dentro de uma casa sua?...
R – Estou. Casa sua onde? Aqui?
P/1 – Não, em qualquer lugar…
R – Para sair daí? Eu gastei aqui o meu dinheiro todo quase.
P/1 – Não, digo, antes do senhor gastar. O que que fez o senhor optar por aqui?
R – Por acaso já contei. Com um palavra digo tudo. Toda mulher que abandona o marido, quer voltar. E eu não quis que ela volte mais. Com esta uma palavra, eu já digo tudo. Só esta uma. Tem outras. Só está já é bastante. Só isto já é bastante. Para não ter onde voltar.
P/1 – Diga as outras também, que aí a gente aprende. (risos)
R – Bom, isso é natural. Porque toda mulher pensa, arruma-se mil vezes melhor. Quando descobre que não, então, vem. Sabe como é que é, não, sabe... Quer começar convencer o marido para voltar, não. “Vamos esquecer…” Quem quer? Eu não quero esquecer nada. Não quero. Olha aqui, eu, depois da separação, dormi com ela, em Petrópolis, no mesmo hotel, na mesma cama. E disse para ela: “Olha aqui, se você vem mais para cá um milímetro, eu já saio da cama. Dorme naquele canto. Eu durmo neste canto. Ela veio aqui, não... [interrupção] Tá certo? Olha aqui. Estas prateleiras – porque sou homem de fazer – eu fiz. Não tem grande coisa não. Tenho três panelas de pressão, não uso, só tenho. Até de dez litros, de quatro litros e de dois e meio. Olha aqui, eu tenho aqui cozinha completa. Aqui e aqui eu faço tudo que eu quero. Não faço. Só se eu quero. Faço bife fritado, sem fazer gordura nenhuma. Está tudo bem funcionando, né. Eu aqui…
P/1 – Realmente, é de uma funcionalidade ímpar. Tenho vontade de contratar o serviço do senhor para arrumar a minha casa. (risos)
R – Eu, aqui no banheiro, eu fiz três prateleiras de mármore. Mas até aqui a porta. Por favor. Vou mostrar o que que eu fiz aqui. Olha aqui. Este é meu último trabalho. Eu botei aqui o colchão do meu filho. Tem cama de abrir. Tem enceradeira, que ela não quis. Agora, o que eu fiz aqui também... Olha aqui. Com prateleiras de mármore. Tem muitas coisas. Eu fiz muitas coisas. Agora, estou dizendo... Esta prateleira aqui, esta prateleira de livros aqui. Olha aqui, que todo mundo compra, eu fiz, televisão giratória. Cem por cento. Aonde eu quero, eu vejo, giratória. Este aqui está enviesado, sabe por quê? Porque, da cama, eu consigo ligar e desligar o vídeo, não. Então eu tenho isto aqui. Se tivesse virado, eu não poderia usar. Assim, eu sei usar daí. Tá vendo? Então, tinha que virar, para bater a outra aqui. Então, eu estou aqui na cama e eu faço com ele o que que eu quero, não.
P/1 – Realmente, é fantástico.
R – Então, eu... por isso estou dizendo. Parece torto, mas não é. Eu vejo quando eu mexo aqui com o dedo o que que ligou, o que que não ligou. Então, eu fiz muito mais outras coisas, não. Aqui também. Eu fiz duas antenas. Tem uma em cima e tem uma embaixo. Agora, em cima, comprei, aqui embaixo, eu fiz a antena, para fazer boas gravações. Excelentes gravações. Eu faço gravações tão boas, como se estivesse comprando fita de qualquer uma fábrica de fita, não. Eu fiz ar condicionado também. Tem que cortar a janela toda, pode ver. Toda essa parte, eu botei fora, porque não cabia. Que engenheiro fez aqui, eu fiz aqui.
P/1 – É cheio de aparelhos.
R – Esse aqui é só para canal 6. O resto vai em cima, não. Fiz aqui para pendurar. Fiz muitas coisas.
P/1 – Eu estou dizendo. Eu vou contratar os serviços do senhor. Porque lá em casa nada funciona. Meu marido não conserta nada. (risos) Bom, mas uma coisa que o senhor ainda não contou para gente…
R – Olha aqui. Esta aqui também eu fiz tudo, estas prateleiras aqui. Está vendo?
P/2 – É. Estão bonitas.
R – Não, bonito não é. Mas eu fiz.
P/1 – Não. É. É funcional e é perfeito. Mas senhor Moriz, a sua segunda esposa se converteu. Então, tem todo o episódio da conversão da sua esposa. E sobre a vida…
R – Não, cem por cento, limpinho, converteu-se. É. E até hoje é convertida. É judia.
P/1 – E os filhos também são judeus?
R – Bom. Este aqui é um. Era minha e é cem por cento. Tudo cem por cento.
P/1 – Por que que o senhor optou pelo Lar das Crianças para ele?
R – Bom, isso já... é o único jeito para ele ficar comigo. Porque ele veio aqui, tem oito anos, dez meses, não.
P/1 – Ele não poderia morar aqui com o senhor?
R – Não. Nem tem lugar e eu nem tenho mais paciência com ele. Eu fico supernervoso com ele. Eu xingo ele de manhã até noite.
P/1 – Eu vejo. (risos)
R – Eu só tolero tudo por motivo que gosto dele. Agora, não tenho desejo de ficar aqui com ele. Ele abre esta cama, eu não tenho mais possibilidade de nem me mexer aqui no quarto. Está totalmente acabado, não. Depois, isso não é lugar para dois. Nem para ele e nem para mim. E eu jamais posso sair. Se eu sair, eu sei lá, a mãe dele já inventava uma coisa, já estaria um dia dentro do apartamento. Eu sei lá. Então, eu teria que sair de novo, não. E depois, eu já nem quero gastar. Eu já gastei o dinheiro para que que tinha que gastar. Eu não vou dizer que eu estou duro, não. Mas também a gente não sabe o dia de amanhã. Eu tenho uma certo segurança. Mas aquela segurança... eu, exatamente, estou dizendo que tenho uma certa importância de dinheiro. Porque em um e meio ano não gastei da importância que eu tenho nem um centavo. Ganhei. Porque o que que eu tenho de Inps é muito pouco, não. Então, eu sempre consegui ganhar. E paguei já para ele três viagens de avião para Rondonópolis, paguei doze mil cruzeiros dente para ele. Paguei muitas outras coisas. O último dinheiro maior que eu gastei foi o vídeo-cassete. Foi quinhentos e cinquenta dólares. Mais cinquenta dólares transcodificação. Me saiu seiscentos dólares. Quando eu comprei, ainda não tinha nacional. Também está ótimo, está bom. Sei lá eu…
P/1 – Abraham, você gosta de morar no Lar das Crianças?
R/2 – Gosto.
R – Eu sei que ele gosta lá. E inclusive aquela outra criança, se um dia pode vir aqui, eu trato ela. Como, eu não sei. Mas sei se ele vem, vai ter tudo. Não vai faltar nada.
P/2 – Mas isso por que o senhor fez um acordo com ela que cada um ficava com um filho? Foi isso?
R – Não. Acordo não tinha nada. Acordo... Que eu não sabia aonde eu ia, não. E eu estava superdesorganizado com meu pensamento. Não conseguia nem coordenar meu pensamento. Porque, conforme eu disse, tinha pensamento de Israel, eu poderia comprar um apartamento, poderia ir a Petrópolis, a Teresópolis, poderia ir a Friburgo, poderia ir a Friburgo... Eu poderia ir a muito lugar. Poderia comprar um pequeno apartamento, poderia alugar, eu poderia entrar numa pensão. Eu poderia fazer muitas coisas, não é. Mas eu não tinha nenhuma ideia assim fixa – isso é bom. Não tinha. Então, conforme eu contei, uma vez nós fomos lá no templo de Beth El e lá tinha uma maquete disso. Eu nem sabia que tinha Lar dos Velhos de Beth El. E eu vim aqui olhar. Aliás, quando eu vim aqui olhar, eu já tinha pensamento de ir ver o Lar dos Velhos de ARI, e já tinha pensamento, não pensamento, já fui ver o Lar dos Velhos lá de Jacarepaguá. Eu já fui lá. Estive lá. Eu procurei um diretor, lá no Catete tinha uma loja de móveis, e ele me convidou... Schneider. E ele me convidou para ir lá, inclusive almocei lá com ele na mesa e ele mostrou como que é, como que não é. Ele me levou e ele me trouxe. E estive lá no escritório, na Rio Branco, no último andar daquele Edifício Central, não. Lá tem o Lar dos Velhos, uns escritórios, não. Eu estive lá. Então, depois, eu vi isso, passei aqui, vi perto da praia... Eu não sou muito de pária, só perto do meu ex-apartamento, perto de meu costume de vida, não. Eu ainda não me acostumei com Ipanema não. Ou eu tenho ideias erradas, aquilo que eu falei, cada cabeça pensa diferente, ou Copacabana muito melhor. Para mim, Copacabana muito melhor que isso. Esse tem o nome mais famoso, não. Encontro mais loja, mais facilidade. Não tem aqui aquela facilidade que tem em Copacabana. Pode ser que dia por dia vai. Que vamos falar uma insignificante palavra – um Tele Rio Times Square não tem em Ipanema nem no Leblon. Não tem. A gente sempre entra, não. Tem muitas coisas que aqui não tem. Agora abriram aqui Lojas Brasileiras, tem pouco tempo. Mas não tinha, não. Não tinha. Quer dizer, está mudando para melhor, não. Agora, lá de Copacabana, onde eu fui, muito fácil eu poderia ir à Golden Cross. Daí já está mais longe para cá e mais longe para ir ao Leblon. Quer dizer, eu ainda sinto saudade, que era mais centralizado lá em Copacabana. Para ir à cidade está mais longe. Muitas conduções tenho que pagar para ir a Copacabana, que não consigo resolver aqui. Muitas. E de Copacabana nunca tenho que vir aqui a Ipanema ou Leblon para resolver qualquer assunto meu. Nunca. Tudo resolvi lá em Copacabana. Agora, daí, tenho que ir lá. E lá nunca na vida tinha que vir por aí. Em compensação tem nome mais bonito. Também essa Prudente de Moraes, rua mais porcaria que eu conheço. (risos) Em base dos assaltantes, não. Não só Ipanema. Esta rua também. Olha aqui, aqui pegado de mim tem um senhor que aqui na porta tiraram o relógio da mão dele. Aqui na porta. Antes, que vim aqui, eu fui assaltado na Prudente de Moraes. Tem aqui uma imobiliária, do outro lado, um pouco mais em cima, fui para lá resolver um assunto, me assaltarem aqui no ônibus, indo à imobiliária. Eu, não tem muito tempo, vi aqui um dia uma senhora, duas pessoas pegaram ela assim cruzado, no pescoço, entendeu, para tirar um colar dela, um com revólver na mão, outro fazendo o trabalho, não. Minha filha um dia veio aqui, ela escutou, um dia, disse: “Pai, aqui na porta, já viu, veio duas pessoas”...
R/2 – Pivete.
R – Pivetes, e pediram dinheiro. Mas não tinha dinheiro. Disse para ela, então, “Bom, tira o chinelo, vou levar seu chinelo”. Acredita isso? Agora, sei lá se minha filha fala mentira ou não. Eu acredito. “Me dá aqui o chinelo.” Então, já viu, né. Maiores coisas também tinha, não.
P/2 – E o senhor tem... Vou mudar o assunto. O senhor tem netos?
R – Tenho netos. Tenho três netos. De meu filho, uma filha, e de minha filha, dois. Inclusive a minha neta é uma moça, esteve aqui semana passada. E antes de duas semanas, um. Agora, tem muita bagunça. Olha aqui, meu filho, meu filho... (Tá, escreve três netos. (risos)). Meu filho, não sei que motivo, não suporto ele. Antes de três anos…
P/2 – Três netos.
R – Três netos. Um se chama Paulo, outra Naila e a terceira, Letícia. Eles nem sabem se são judeus. Sabem, sabem. Isso é outras complicações.
P/2 – Que idade eles têm?
R – A Letícia tem mais ou menos sete, oito, assim. De meu filho. E de minha filha... Andaram no colégio judeu, durante um comprido tempo. Mas, depois, por certos motivos, que eu não conheço, ela se separou, minha filha com o marido, ela quis me entregar os dois netos. Naquela época, eu nem sabia, já estava muito ruim com minha esposa. Vou botar mais lá duas crianças como? Era impossível. Agora, eu não tinha bem conhecimento – isso já faz dez anos – não tinha bem o conhecimento de lá das crianças. Se eu tivesse, eu resolvia para levar eles lá. Mas não tinha esse conhecimento, saberia que hoje tenho. Agora, meu filho, acho que já contei história com Golda Meir, não? Meu filho foi pra Israel. Ficou lá nove meses. Entrou num kibbutz, kibbutz Givat Oz. Ele estava lá naquela época quando Golda Meir declarou que quem tem mãe judia, judeu, quem não tem mãe judia, católica, não. Bom. Quando ela declarou isso, ele tinha um certo caso lá em Israel. Não sei qual é o caso. Ele largou o kibbutz e começou andar lá em Israel. Foi até Eilat, foi a todos os lugares assim, conhecidos. Começou a me escrever cartas para trazer ele de volta. E eu até estava preparado para ir lá, ainda nem conhecia a mãe deles, não é, e eu pensei em ir para lá. Então, meu filho tanto quis voltar, que já nem poderia nem pensar em ir lá. Ainda bem que não vendi nada para ir lá. Porque se eu poderia, eu vendia abaixo as coisas e ia me mudar lá para Israel, não. Ele quis voltar e veio cartas supercomplicadas. Inclusive, eu nem entendi as cartas que ele escreveu. Eu jamais consegui entender o que ele falou. E depois eu falei, escrevi alguma coisa. Ele me respondeu: “Não adianta falar, porque aqui eu não fico”. Sei lá eu. Com agressão, sei lá. Bom, paguei a passagem. Voltou. E também ele falou comigo muito esquisito. Eu não entendi nada. Ele fez serviço militar aqui no posto 6, ele foi três anos... Três meses condenado, porque ele não se apresentou no tempo certo, não. Vieram buscar ele no apartamento, eu disse (risos) que estava em Israel. Quando voltou, ele entrou, não é, e, com muita marmelada, ficou só três meses preso, não. Eu fui sempre visitar ele, levei coisas para ele. Foi aliviado, não. E eu nunca tinha paz com ele. Nunca. Depois, ele casou com uma moça cristã. Em certo ponto de vista, casou bem. A moça é dez anos mais velha que ele. Mas uma moça bem espetacular. Ela trabalha todos os anos na Johnson & Johnson. Ela é divulgadora de mercadoria da Johnson & Johnson para o Brasil inteiro. Ela viaja tanto para o norte, para o sul, ela faz reuniões entre médicos, enfermeiras, nos hospitais, divulgando sempre a mercadoria, renovado ou não renovado, que a Johnson & Johnson fabrica, não. Eles têm um grande escritório aqui também. Ela é uma boa chefe lá. Sempre tinha carros recebidos da firma. E bom emprego. Sei que é muito bom emprego. Ganha muito bem. Muito bem mesmo. Eu não sei como meu filho fez, conheceu ela aqui na praia, aqui no Copacabana, quando ela fez divulgação para Johnson & Johnson aqui no Rio. E ela sempre só nos cinco estrelas que ela morou, hotel, não. Como que eles fizeram amizade, não me importa. Mas fizeram e casaram. Casaram catolicamente. Mas acontece... Eu nem fui ao casamento. Convidaram e não fui. Acontece que não sei o que que acontece, como que acontece, que a gente nunca sabe profundamente as coisas, um belo dia... Eu tenho um amigo, Samy, polonês, ele foi a São Paulo. Ele gostou muito do meu filho Jorge. Gostou muito dele. E ele visitou meu filho. Eu não falei com ele anos já, não falei nada, nem bom dia. E ele veio para cá, disse: “Olha aqui, eu visitei seu filho. Agora, te digo uma coisa que você acredita, acredita ou não. Estive sexta-feira à noite e a mulher acendeu vela e rezou hebraico, acendendo vela. Assim”. Estou dizendo: “Samy, eu não vou duvidar de tuas palavras. Mas também não entendo nada”. Então, isso foi antes de eu ir a Israel. Pensei: “Bom, agora vou a Israel, vou telefonar para meu filho, dizer que eu vou. Então, telefonei para meu filho, perguntei se ele queria alguma coisa, ela falou alguma coisa, falei com ela. “Quer alguma coisa?” Ela pediu para eu trazer castiçais de Israel. “Tá bom. Vou trazer.” E ela me mandou aqui no Rio, pelo Correio, não sei, como uma orquídea, que sequei também em algum lugar, está guardado. Quando voltei, eu fui a São Paulo e entreguei pessoalmente os presentes. E criou-se certa amizade. Mas já antes disso, antes da história da vela, eu uma vez discuti com ela e ele. E essa palavra "vocês", não entendi. Então, eu perguntei: “Que história é essa "vocês", que eu nunca entendi? Quem é este "vocês"? Fala para mim “você”. “Ah, vocês, judeus.” “Vocês, judeus, como?” “Bom, você não sabe que Golda Meir disse que eu não sou judeu? Então, São vocês. Eu não sou.” Assim que eu comecei a entender a palavra "vocês". Depois, brigamos, depois, não falamos. Depois, ele converteu-se com ela junto para o Judaísmo, não. Bom. Depois, eu fui uma vez a São Paulo visitar eles. Isso já foi há muito tempo atrás. Eu fui lá sexta-feira à noite. E não foi acendido vela, não. Eu não sou religioso. Eu pouco ligo de vela ou não. Eu só estou contando a história. Então, eu disse para ele e ela, estamos juntos, não é, já nasceu aquela criança. Me lembro ainda, já estava dormindo sempre com o neném. E eu disse: “Bom, vocês pararam de acender a vela?”. Porque a gente com filho sempre tem amizade, não. Que não é uma distância. Não fala só... não é uma distância grande, não é. “Ah, pai, o culpado de tudo sou eu.” “Por quê?” “Porque eu não dei apoio para ela e... e assim abandonou-se tudo.” Não falei nada. Mas são convertidos para judeu. Quando já a criança cresceu, perguntei: “Não quer botar no colégio judeu?”. Eu nem sei o que que ele respondeu. Que tem um ótimo colégio lá pertinho, não sei o quê... Pronto. Também acabou o assunto. A minha filha, quando eu não aceitei os dois filhos para criar, não – a menina bem lindinha, tem dezesseis, dezessete aninhos, e o filho por volta de quinze. Duas crianças muito saudáveis. Fortes. Não como ele, magrinho. Fortes mesmo. Cheias de carne, músculo. Então, voltaram nova vez ao colégio católico. Voltou. O que que vou dizer? Depois ela entregou as crianças para o pai, depois queria de volta, depois o pai casou pela segunda vez, depois apanhou de volta. Agora as crianças já não estão em lugar nenhum. Uma vez com a mãe, uma vez com o pai. A mãe também sempre tem namorado, não. É natural, mais natural que existe. Está tão misturado tudo que... a gente depois está satisfeito se tem uma cama onde pode deitar. E pronto. Acabou. Sabe, com uma palavra, perdi o interesse em qualquer coisa desse mundo que exista. Não me interesso por teatro, não me interesso por cinema, não olho televisão. Praticamente zero de televisão. Quando estou aqui sozinho, nunca ligo a televisão. No máximo uma, duas vezes por dia, para notícia. A notícia me interessa. E mais me interessa se fala alguma coisa de Israel. E as notícias internas... Só para não ficar completamente fora de tudo, não. Agora, novela, filme... Filme não aguento, porque adormeço no meio. Fita não coloco no vídeo-cassete. Muitas vezes meses passam. Nenhuma. Meses. Não colocou nenhuma fita. Comecei a gravar para ele segundo grau. Gravei duas, três vezes, parei. Ele não olha. Eu não me interesso. Vou acordar sábado de manhã cedo para gravar para ele inglês? Parei. Não vou mais. Se vira. Não tem interesse para nada. Olha aqui. Assim, também vocês vão chegar lá, não adianta dizer que não. Perco interesse de ir ao cinema, perco interesse de ir a teatro, perco... é devagar. Perco interesse em ter carro, perco interesse até de falar com mulher. Falar. Não vou mais longe. Falar. Não me interessa o papo delas. O papo de mulher, a mim não interessa. Porque... Dinheiro, não quero gastar com mulher. Não quero levar nem a restaurante nem a teatro nem a cinema. Então, que papo que eu tenho com elas? Que papo, não? Então, olha aqui, quando a gente já não tem vontade de ir a restaurante, não tem vontade de ir a teatro, cinema, não tem vontade nem para o papo mulher, que já conhece todo tipo de papo, novela não vai me dizer, ilusão com mulher, eu já não tenho. Posso ter ilusão com mulher? Não posso, né.
P/1 – Não. Não pode. Mas precisa da companhia, de qualquer maneira.
R – Não existe companhia. Porque, olha aqui, o que que eu faço com mulher como companhia?
P/1 – Vai para o cinema, vai para o teatro. Não precisa ser nada sério. Uma brincadeira.
R – Não, não me interessa. Porque não vou buscar a mulher na casa e depois levar na casa dela. Não sou transportadora. (risos)
P/1 – As mulheres hoje são independentes. Têm carro.
P/2 – Tem que arrumar uma mulher jovem, diferente. (risos) Que seja feminista.
P/1 – Ela vai no carro dela, leva... (risos)
P/2 – Hoje em dia as mulheres sustentam os maridos. (risos)
R – Bom. Eu não falo novo, porque na Hungria, antes de sessenta anos, todo mundo sabia que mulher é muito mais fácil arrumar emprego, muito mais fácil ganhar dinheiro que homem. E muita mulher... A mulher escolhe marido muito mais fácil que marido de mulher, não. Porque a mulher dá oportunidade para aquele homem que ela quer para conquistar ela, não. Só ela joga a oportunidade para ele, não é. Ele pensa que ele conquistou ela. Não. Ela conquistou ele, pensando, para deixar para ele a coroa que conquistou. Isso não é simples não, né. Então, o que quero dizer, esse assunto aqui que mulher mais fácil sustenta um homem que homem a mulher, isso já era assim antes de muitos anos. Isso não tem nada de novidade. Agora, pensar besteiras, viver na ilusão, não estou aqui para isso. E assim abandonei completamente. E quando a gente já abandona estas coisas, então, fica só uma cadeira, uma cama para deitar, para levantar. Para comer qualquer comida e está pronto.
P/1 – O senhor não deve deixar chegar a isso não.
R – Mas não adianta, porque a natureza, a natureza leva a pessoa aqui. Depois, tem diversas perturbações de saúde. Então, o que que mulher tem com isso, que eu tenho perturbações? Então vou ainda querer que ela colabore comigo com minhas perturbações?
P/1 – Ou perturba mais ou ajuda a sofrer menos. (risos)
R – Mas... escuta aí. Eu não quero fazer ninguém sofrer. E depois, se eu sei que ela encontra mil vezes melhor que eu, então, pra que que eu vou catar o tempo dela? Como aquela moça lá disse, no Largo do Machado, que ela poderia arrumar melhor. Para que…
P/1 – Deixa ela resolver se pode arrumar melhor ou não. (risos)
R – Não. Eu não deixo me aproximar... [interrupção]
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