Projeto Vida, Morte e Fé
Entrevista de Carmen de Mello Cordeiro (Mãe Carmem de Oxum)
Entrevistada por Lucas Torigoe
São Bernardo do Campo, dia 7 de fevereiro de 2025
Código: PCSH_HV1439
Revisão: Nataniel Torres
P - Dona Carmen, primeira pergunta, então, ela é bem difícil. Qual é o seu nome completo, local e data de nascimento?
R - Meu nome completo é Carmen de Mello Cordeiro. Eu nasci em zero dois, zero sete de 1952. Dia 2 de julho de 1952.
P - Em que cidade foi?
R - Eu nasci em Minas Gerais, Curvelo.
P - E você tem irmãos?
R - Eu tenho irmãos biológicos, nasceram cinco irmãos do meu pai e da minha mãe, Terezinha de Melo Cordeiro e José do Carmo Cordeiro. E eu tenho desses irmãos, eu tenho dois irmãos falecidos. Então eu tenho a minha irmã e mais um irmão, comigo cinco.
P - Quais são as primeiras lembranças que você tem da sua vida? Você consegue puxar agora?
R - Sim. Eu lembro da minha vida até quando eu tinha dois anos de idade. Eu consigo lembrar que meus pais eram pessoas, muito trabalhadeiros, muito fortes, e tinham uma vida muito humilde. E a minha mãe, eu sou a filha primogênita, e meus pais vendiam verduras e bananas na feira. Tinha uma banquinha de feira em Minas Gerais e eu tinha dois anos. E a minha mãe me levava para a feira, e eu ficava ali brincando, ou deitada, dormindo ali naquele momento, e eles vendiam essas frutas, principalmente as bananas, e a gente vivia e comia daquelas coisas que aconteciam ali aos dois anos de idade. E quando eu tinha mais ou menos uns seis anos, cinco, uns cinco anos, eu também… Um dia eu peguei as bananas que minha mãe tinha na geladeira, e eu gostaria de ter comprado um presente para ela, para agradá-la. Então eu peguei as bananas, pus um caixote, eu acho que… Pelo que eu guardava dela vender as coisas, aí eu coloquei bananas e vendi essas bananas para comprar um presente para ela. Então, acho que eu deveria ter mais ou menos uns quatro anos de idade, eu lembro muito bem...
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Entrevista de Carmen de Mello Cordeiro (Mãe Carmem de Oxum)
Entrevistada por Lucas Torigoe
São Bernardo do Campo, dia 7 de fevereiro de 2025
Código: PCSH_HV1439
Revisão: Nataniel Torres
P - Dona Carmen, primeira pergunta, então, ela é bem difícil. Qual é o seu nome completo, local e data de nascimento?
R - Meu nome completo é Carmen de Mello Cordeiro. Eu nasci em zero dois, zero sete de 1952. Dia 2 de julho de 1952.
P - Em que cidade foi?
R - Eu nasci em Minas Gerais, Curvelo.
P - E você tem irmãos?
R - Eu tenho irmãos biológicos, nasceram cinco irmãos do meu pai e da minha mãe, Terezinha de Melo Cordeiro e José do Carmo Cordeiro. E eu tenho desses irmãos, eu tenho dois irmãos falecidos. Então eu tenho a minha irmã e mais um irmão, comigo cinco.
P - Quais são as primeiras lembranças que você tem da sua vida? Você consegue puxar agora?
R - Sim. Eu lembro da minha vida até quando eu tinha dois anos de idade. Eu consigo lembrar que meus pais eram pessoas, muito trabalhadeiros, muito fortes, e tinham uma vida muito humilde. E a minha mãe, eu sou a filha primogênita, e meus pais vendiam verduras e bananas na feira. Tinha uma banquinha de feira em Minas Gerais e eu tinha dois anos. E a minha mãe me levava para a feira, e eu ficava ali brincando, ou deitada, dormindo ali naquele momento, e eles vendiam essas frutas, principalmente as bananas, e a gente vivia e comia daquelas coisas que aconteciam ali aos dois anos de idade. E quando eu tinha mais ou menos uns seis anos, cinco, uns cinco anos, eu também… Um dia eu peguei as bananas que minha mãe tinha na geladeira, e eu gostaria de ter comprado um presente para ela, para agradá-la. Então eu peguei as bananas, pus um caixote, eu acho que… Pelo que eu guardava dela vender as coisas, aí eu coloquei bananas e vendi essas bananas para comprar um presente para ela. Então, acho que eu deveria ter mais ou menos uns quatro anos de idade, eu lembro muito bem disso.
P - E você comprou o que para ela?
R - Eu comprei sabonete, comprei uma água de cheiro para ela poder usar, porque antigamente se usava água de rosas, que era uma das coisas que faziam um asseio no corpo. A mulher usava muito isso. E a minha mãe era extremamente branca. Minha mãe era muito branca, com os olhos verdes. E eu comprei um talco, porque a minha mãe gostava de usar talco. E a minha bisa, que aproveitou para usar um pouquinho das coisas, ela usava muito talco, porque ela também era bem branquinha mesmo. E meu pai, um senhor negro, a família do meu pai, um senhor negro, com tradições africanas, e fez essa… A junção de nós, nascemos assim, negros.
P - Como é que você lembra da sua mãe nessa época? Do cheiro da roupa dela, do humor dela, do que você pode ver?
R - Minha mãe era uma mulher muito bonita. Minha mãe era uma mulher muito bonita, uma mulher muito inteligente e vaidosa. Minha mãe tinha um defeito físico, que quando ela tinha dois anos de idade, ela teve uma queda. E essa queda, ela quebrou um osso, assim, aqui da bacia, que se fala. E naquela época, pelas condições, ela não teve como fazer um tratamento para arrumar tudo isso. Então, com o passar dos anos, ela foi ficando curvada, curvada assim. E, mesmo assim, ela era uma mulher extremamente perfumada, cheirosa. É tanto que eu comprei as coisas assim para ela. E a minha mãe, por esse defeito físico, ela tinha a roupa que a minha mãe usava, ela gostava de roupa colorida, sabe? Bastante colorida. E tinha que ser feita pela modista. Comprava o tecido e levava para a modista fazer a roupa. É tanto que eu aprendi a costurar também fazendo essa roupa para a minha mãe. E a minha mãe, ela é uma pessoa, assim, até hoje mesmo, ela estando falecida, eu me lembro, assim, e converso com ela ainda. Quando eu quero falar alguma coisa, quando eu tô meia aperreada mesmo, né? Então, às vezes, eu falo pra ela, “ai, mãe, queria tanto falar com a senhora, a senhora me faz muita falta, né? Então, eu queria te dizer isso. Se a senhora puder, a senhora me ajuda daí, que eu tenho certeza que vai ser bom para mim”
P - Qual era o nome da sua mãe?
R - Terezinha de Melo Cordeiro.
P - E como é que essa conversa que a senhora faz com ela?
R - Assim, eu aprendi uma coisa muito forte. Eu aprendi uma coisa que as pessoas, quando morrem, elas não desaparecem. Elas podem vir, elas podem falar conosco, elas podem estar presentes no nosso dia a dia. E eu tinha algumas diferenças com a minha mãe, com muito amor, tanto da parte dela quanto da minha, mas eu sou uma pessoa voluntariosa, talvez a independência que eu tive que ter desde pequena, tudo. E a minha mãe era uma pessoa muito geniosa, uma mulher de Áries, uma mulher de Oxalá, com Iansã, então ela tinha um poder meio forte. E quando a minha mãe foi falecer, a gente correu muito para tentar evitar a morte dela. Existe fazer uma limpeza, fazer um ebó, uma oferenda. Então, o meu filho mais velho, o Pai Carlito, de Oxumarê, então a minha mãe sempre pedia: “Carlito, a morte quer me levar mas eu não quero ir agora". Então, ele corria fazer uma coisa, fazer outra coisa para a gente evitar a morte dela recente. No dia que ela foi, que eu senti mesmo que isso ia acontecer. A gente tinha conversado meio áspero e tudo, mas no mesmo dia eu falei com ela, eu falei, “querida, está tudo bem”. Ela falava “sim, está tudo bem, minha filha”. Então, no outro dia de manhã, eu levantei cedo, saí, fui comprar uns materiais na rua e também comprei um peixe. Achei um peixe bonito, uma corvina, um peixe muito bonito, e eu falei para o meu outro filho, o Cláudio, falei: “filho, eu vou levar um peixe para fazer para a tua avó, porque ela gosta muito de comer o peixe”. E peguei aquele peixe, mandei cuidar do peixe, tudo para fazer. Cheguei em casa, ela ainda estava dormindo, preparei o peixe, tudo para ela, e senti falta dela acordar. Ela estava demorando para acordar. Daí eu peguei e falei assim, da cozinha, que era grudado no quarto dela, porque ela morava aqui comigo, o quarto dela era aqui e a cozinha aqui. Então, eu falei assim: “mãe, acorda, já está tarde, querida, você tem que acordar, a senhora não tomou café, a senhora vai almoçar. Tomar um banho, almoçar, eu estou fazendo um peixe para você”, falei para ela. Aí ela não me respondeu. Aí eu chamei de novo, ela não me respondeu. Aí eu fiquei um pouco angustiada, porque era tarde, era mais de meio dia, aí eu saí da cozinha, fui até a porta, né? Cheguei na porta e peguei e falei “mãe”, ela muito quieta, deitada na cama. “Mãe!”. Aí eu olhei pra ela, eu vi um risquinho, aqui assim, nela, roxo. Um fio de linha. Eu achei aquilo muito estranho. Aí eu cheguei, falei, cheguei perto dela, falei, “mãe! Mãe, acorda, mãe!”. Aí ela não se mexeu. Aí eu comecei a gritar muito. Então eu comecei a gritar, “mãe”, “mãe!” Gritando, gritando, gritando e aí todo mundo escutou. Aqui tinha muita gente nesse dia e a minha mãe tinha falecido dormindo. Então foi uma coisa muito forte que aconteceu na minha vida e de eu ter encontrado ela. E isso abalou muito, muito mesmo, todos nós. E uma das coisas muito fortes que eu disse que eu sei que existe a gente estar juntos depois da morte, que um dia eu estava dormindo e eu tive um sonho, foi uma visão. Aí ela chegava na minha casa, ela estava toda de branco, ela chegava e a casa tinha algumas pessoas, né? E ela vinha também com algumas pessoas. Aí eu falava assim pra ela, “mãe, que maravilha que a senhora chegou, eu estava com muitas saudades da senhora. Estou muito contente que a senhora chegou”. Aí ela me dizia, ela olhava assim pra mim e não me falava nada. Ela olhou assim pra mim. Aí eu falei, “meu Deus, e agora? Ela vai ver que eu desmontei o quarto dela. Ela vai ficar triste que eu tirei as coisas dela do quarto, que eu esvaziei o quarto”. Aí ela olhou pra mim, fez uma cara séria, como era do hábito dela. Aí ela… a roupa dela escureceu um pouco, virou uma roupa cinza, e ela entrou dentro do quarto. Ela entrou, ficou desse lado e eu fiquei desse lado. Dentro desse meio, essa distância entre eu e ela, tinha um espaço como se fosse uma cova, um espaço como se fosse uma cova, e em volta desse espaço tinha uma erva que antigamente, eu digo antigamente porque eu sou de antigamente, tinha umas maçãzinhas vermelhas, uma frutinha que era umas maçãzinhas vermelhas. E quando eu era pequena, eu comia essa maçãzinha. Eu sempre comia coisas estranhas. E aí tinha essa frutinha e eu percebi que ela entrou dentro desse buraco que tinha. Aí eu peguei e fiquei apavorada. Eu falei, “não, mãe, não vai agora, querida. Não vai agora, fica mais um pouco. Eu senti muita falta da senhora”. Aí ela olhou assim pra mim. Ficou olhando assim como se ela levasse um choque de eu estar falando assim para ela, aí ela fez assim, ela arrancou um pouco daquela fruta, que eram bem pequenininhas, da folha, aí ela jogou assim para mim e eu peguei. Aí ela falou para mim: “filha, eu te amo”. Aí eu disse para ela “eu também”. E quando eu acordei de manhã, eu estava com aquela… Eu acordei com a mão assim, como se eu tivesse com aquela… ter pego de verdade aquilo, né? Eu acredito que isso foi uma das coisas que me ensinou a entender que dentro da nossa religião, que o corpo fica na terra, mas o espírito, a alma, a essência vai para um lugar onde nós vamos nos ver e nos encontrar muitas vezes. Então, todas as vezes que estou precisando muito de falar com a minha mãe, eu falo com ela. E é como ela fazia com a mãe dela também. Porque a mãe dela se chamava Carmen, como eu. Então, ela agradava muito a mãe dela. Ela conversava com a mãe dela e eu, até hoje, converso com a minha mãe e tenho certeza que ela me ouve. Então, eu tenho sempre a sensação de que estamos muito próximos.
P - Faz quantos anos que ela faleceu?
R - 14 anos, mais ou menos. 13 anos, mais ou menos. Eu não gravei isso, sabe? Eu não quis gravar muito assim.
P - Você conversa muito com ela, você conversa com outras pessoas também, ou é mais com ela?
R - Eu converso bastante com ela e converso com outras pessoas. Às vezes eu peço muita luz, eu peço para eles para entenderem a morte, para compreenderem a morte. Cada um tem um começo, meio e fim para viver. Então, eu converso com meus irmãos que faleceram, peço muita luz para eles poderem entender isso. Converso com um ancestral religioso também, pedindo para que eles nos deem essa proteção, porque eles podem fazer isso. E a gente tem uma proximidade, eu acho muito importante ter essa proximidade. Então eu converso com outras pessoas também. E às vezes também eu consigo ver aquele vulto, eu consigo ver aquela energia. Quando a gente está perto, eu consigo ver isso.
P - E você falou uma coisa que eu achei interessante, você falou dos seus irmãos, para eles entenderem, mas eles estão lutando contra alguma coisa?
R - Não. Entender a morte. Porque meus dois irmãos falecidos, eles morreram cedo, né? Então, quando ele foi morrer, que ele estava quase morrendo, o caçula. Minha irmã sonhou com ele. E ele disse pra minha irmã: “pede pra Carminha”, que eles me chamavam assim, “pra rezar pra mim, porque eu estou morrendo e eu não quero morrer agora”. Então ele disse isso pra minha irmã, minha irmã me ligou muito nervosa, ele estava já no hospital, numa situação de morte mesmo. Já pra isso, e eu sei que tem momentos que as pessoas que morreram cedo, às vezes, têm uma necessidade de ver a família ou de estar perto da família. Então eu peço muito para que eles entendam e façam por nós o que eles conseguem fazer por nós, o melhor. Eu rezo para eles e tenho certeza que eles pedem por nós também. É uma aproximação, que eu quero esse vínculo. Então, quando eu converso com eles, é porque eu quero esse vínculo. Eu acho importante esse vínculo.
P - Você não gosta de pensar que vai esquecer disso.
R - Eu nunca quero esquecê-los. Eu quero que eles tenham luz, descanso e vida eterna aonde for. Eu quero que eles evoluam espiritualmente, que seja o que for do lado de lá, como a gente não tem muita sabedoria do que acontece lá, mas eu não quero esquecê-los nunca. Então, essa proximidade é justamente para que a gente não perca esse vínculo, como ir para dentro de um cemitério, ir para dentro da terra e ali acabou. Então, aquilo que foi para a terra, voltou para a terra. Então, aquilo que está ali, para mim, é uma coisa que está bom, está ótimo. Mas a essência, a família, a ancestralidade, eu gosto de preservar.
P - Me fala um pouco do seu pai agora. Qual era o nome dele? Como é a figura do seu pai?
R - Meu pai era um homem negro. Magro, um homem caprichoso, um homem limpo, um homem que cozinhava, sabia fazer comida, sabia fazer doces. Meu pai se chamava José do Carmo Cordeiro. E meu pai fazia doces, me ensinou a fazer doces, doces de Minas Gerais, que fazia doce de mamão, fazia canjica, doce de leite. E meu pai cozinhava muito bem, meu pai fazia peixe, fazia carne de porco, que em Minas Gerais se fazia muito isso. Era um homem extremamente trabalhador. Nós éramos muito pobres, muito mesmo. Meu pai era mestre de obras, então ele trabalhava com construção. E eu, junto com meu pai, quando eu já tinha sete anos de idade, eu fazia os contratos para ele de emprego. Eu fazia os contratos para ele, para ele poder pegar obra, para ele poder pegar serviço. E quando não tinha o serviço, que não tinha fechado nenhum tipo de contrato, a gente saía na rua, eu e meu irmão, meu segundo irmão, o Pedro, nós pegávamos uma carrocinha, hoje fala reciclagem, mas nós saíamos nós três, de porta em porta pegando o que a gente achava nas portas. No lixo, às vezes, a gente achava uma lata, achava uma roupa, achava um brinquedo, porque nós morávamos num bairro de classe média, mas nós éramos muito pobres. Então, o que a gente achava com aquela carrocinha? A gente pegava para trazer para casa para o nosso uso. Então, eu e meu pai fazíamos muito isso. Então, meu pai era um homem muito esforçado. Ele ficava triste de precisar de fazer isso junto com a gente. E, às vezes, eu pegava ele andando com a gente, puxando aquela carrocinha, numa carroça grande assim, e eu via algumas lágrimas dele. Aí eu fingia que não tinha visto, não queria deixar ele preocupado com isso. E a gente passava o dia inteiro pegando aquelas coisas, e de tarde a gente levava para casa, porque às vezes a gente aproveitava algumas coisas que nós tínhamos para comer em relação a isso. Um dia nós achamos um bolo grande, que sobrou da casa de alguém, e a mulher pôs no muro. Quando eu vi aquele bolo, eu pensei, “meu Deus”, era um bolo azul. Fiquei pensando, será que é para pegar esse bolo da mulher? Aí ela apareceu e eu mostrei pra ela, ela balançou que eu podia pegar o bolo. Então eu peguei aquele bolo como uma prenda mesmo, que eu tinha achado aquele bolo. Meu pai olhou assim para mim e eu falei, “não, ela me ofereceu o bolo, ela me deu o bolo”. Então, a gente pegou o bolo, acomodou, para levar para casa, que ia ser uma festa aquele bolo lá. Aí nós levamos para casa o bolo e saboreamos aquele bolo com muita alegria mesmo. Passamos primeiro, vendemos todas as latas, as coisas que nós achamos durante o dia, levamos o dinheiro para preparar a comida, o jantar, tudo, e comemos aquele bolo lá como uma sobremesa maravilhosa. Nós cantamos até parabéns que não era para ninguém. E foi muito gostoso aquele dia. E meu pai sempre foi muito trabalhador. Mas ele, pelo peso, trabalhou com muito peso, muita obra. Então, ele teve problemas de coração, meu pai teve. Então, meu pai teve muitos derrames, que se fala assim, derrames. Teve muitos derrames, sabe? E quando ele foi falecer, ele faleceu nos braços do meu irmão. Nós levamos ele para o médico e ele olhou para o meu irmão, assim, só olhou para o meu irmão e faleceu naquele momento nos braços do meu irmão. Ele é um homem… Sempre foi um homem que eu tive muita afinidade com o meu pai. Muita afinidade. Muito respeito pelo meu pai, sabe? Foi uma coisa muito importante ter sido filha desses pais.
P - Você sabe como eles se conheceram?
R - Eu não sei como eles se conheceram muito assim, mas em Minas Gerais os dois se conheceram. Eles moravam em Curvelo e a minha mãe já tinha esse defeito físico, mas o meu pai se apaixonou pela minha mãe, porque o meu pai era apaixonado pela minha mãe e a minha mãe também era apaixonada pelo meu pai. E eles tiveram uma vida longa, eles conviveram em um casamento, porque ela conheceu meu filho mais velho, meu pai também, tudo. Então eles viveram casados muitos anos com afinidades, com atritos e afinidades, mas foi uma relação muito perfeita entre eles.
P - Como é que foi a sua vida em Curvelo? Você se mudou depois? Quanto tempo você viveu lá?
R - Eu não vivi em Curvelo. Eu fiquei em Curvelo, eu acho que uns três anos de idade, quando nós viemos embora. Os irmãos da minha mãe moravam em São Paulo. Aí a minha mãe, os meus tios, que eu lembro, com três anos, eles trouxeram os meus pais para cá, porque a vida em Curvelo era muito difícil. Já era difícil pelo trabalho do meu pai e tudo, então eles trouxeram eles para viver para cá, e eu vim. Aí eu vim, só vim eu primeiro, meus pais e eu, depois que nasceram meus outros irmãos. Aí nós viemos juntos para São Paulo, então eu não conheci Minas Gerais. Eu não conheço até hoje, porque eu nunca voltei na minha cidade. Eu nunca voltei. Então, eu não conheço Minas Gerais. Conheço, sim, de estudar alguma coisa, mas não conheci Minas Gerais.
P - Vocês vieram para qual bairro? Onde vocês vieram morar primeiro em São Paulo?
R - Nós viemos para a casa alugada, que era ali perto da Penha, por esses lugares assim. Era uma casa grande, que tinha um quintal grande. E aí foi nascendo meus irmãos ali. E eu lembro assim da casa, sei como que era a casa, tudo. Lembro hoje como era a casa. E meus pais, eles faziam meu aniversário. Eu nasci dia 28 para 29 de junho, que é festa de fogueira, festa de São Pedro. Fazia muitas fogueiras. Eu me lembro bem que o quintal era grande, então fazia aquela fogueira linda, fazia aquela festa de fogueira. Era muito bom. E a gente morava nesse lugar, que era muito bom. E eu me lembro assim também que a minha bisa morava com a gente ali. Porque a casa era grande, então a minha bisa morava ali também. E nós tínhamos uma perfeita relação afetiva, amorosa assim, familiar. Aí foi nascendo meus outros irmãos, mas foi muito bom. Uma coisa engraçada, eu era pequena, mas eu me lembro da morte de Getúlio Vargas. Eu me lembro que eu morava nessa casa e é uma das coisas que eu gravei. Quando falou que ele tinha morrido, eu achei aquilo uma coisa horrorosa. E falaram que ele havia se suicidado. Eu era pequena e falei assim: “mas isso não aconteceu. Ele foi morto”. Aí a minha mãe falou: “minha filha, não fala uma coisa dessa”. Eu lembro que ela falou desse jeito pra mim, com medo, porque ia se tornar um negócio muito grande tudo aquilo. Então, a gente vivia nessa casa maravilhosa desde quando eu era pequena.
P - Me conta uma coisa, você viveu muito tempo na Penha, nessa casa? Só pra eu entender, vocês se mudaram muito?
R - Nós não mudamos muito. Aí dessa casa, nós fomos para o Campo Belo. A maior parte da minha vida eu vivi no Campo Belo. Minha época de pequena, eu vivi no Campo Belo, foi quando eu estudei, meus irmãos estudaram. Eu estudei muito pouco, muito pouco. Eu estudei… Como chama assim? Não era ensino médio, como fala hoje. Era ginásio. Mas eu não complementei o ginásio. Então, eu estudei quarta série. Aí tinha quinta série, sexta série, que a gente dizia isso. Então, eu estudei já no Campo Belo. Primeiro ano de escola, eu já fui para o Campo Belo.
P - E como era a vida aqui em São Paulo de vocês? Você falou um pouco da casa, como era a rotina de vocês, da sua família?
R - Nós trabalhávamos. Eu estudava de manhã, ia para a escola de manhã, meu irmão, minha irmã, nós estudávamos de manhã. Quando chegava em casa, a gente comia o que tinha, o que a gente podia comer, e nós íamos trabalhar. Então, a minha mãe trabalhava como diarista, mesmo com defeito físico, a minha mãe trabalhava como diarista na casa da dona Ana, que era a diretora do colégio onde nós estudávamos. Então, a minha mãe trabalhava como diarista, a minha mãe passava e engomava roupa para artistas da televisão na época, da TV Record, tudo assim. Então, a minha mãe passava camisas engomadas, aquelas camisas super brancas, e eu costurava. Eu tinha sete anos de idade e a gente tinha a máquina de costura, que tinha o pedal assim, costurava, e a gente costurava calças jeans. Então chegavam uns fardos imensos de calça jeans para a gente colocar o bolso, para a gente colocar o zíper. E eu aprendi aquilo com uma facilidade muito grande e com muita rapidez. Eu sabia fazer isso muito bem. E eu ficava orgulhosa de mim, que eu ajudava os meus pais costurando essas roupas. E eu tenho isso na lembrança muito forte. Então, minha mãe saía para fazer alguma coisa e eu já continuava fazendo isso. E a gente trabalhava também com outro tipo de trabalho, que existia naquela época, o bobe, que colocava no cabelo uns negócios assim, que punha uma capinha assim, que encaracolava o cabelo. Então a gente trabalhava com aquilo, deixava limpinho, encaracolava tudo aquilo com as capinhas, e eles iam buscar e levavam. E era nossa sobrevivência, nós trabalhávamos muito com isso. E quando não tinha esse tipo de coisa, a gente fazia essas procuras na rua para manter também a sobrevivência.
P - E agora, além de trabalhar, vocês brincavam também, ouviam rádio, cantavam, faziam festa, como era também essa parte?
R - Assim, a gente não brincava muito, não tinha muito tempo para brincar. Minha mãe era uma mulher muito séria, muito rígida. Então, a gente não brincava muito. Mas, quando a gente tinha oportunidade, a gente brincava na rua. Brincava na rua porque não tinha brinquedos, então, nós brincávamos na rua. A não ser o que a gente encontrava e a gente brincava. A gente subia em pé de árvore, comia goiaba, do pé de árvore, assim, pegava, e a gente corria na rua, brincava, porque conosco morava também a família do meu pai, então nós morávamos juntos e tinha a família do meu pai, então tinha as meninas, como tinha a minha prima Marlene, que era seis meses mais velha do que eu, nasceu primeiro, seis meses, e a gente ia para a escola junto. Quando voltava, a gente vinha brincando, a gente brincava bastante, corria na rua, brigava também, porque eu era briguenta. Se alguém falasse qualquer coisa para eles, que a minha prima Marlene era preta. Então, é uma discriminação muito grande. Já naquela época. Meu irmão era da minha cor e minha prima era mais preta. Então, eles falavam assim, “a Marlene não vai brincar”. Falasse aquilo para ela, aquilo estava me matando. Eu falei, “ela vai brincar. Se ela não brincar aqui, ninguém vai brincar”. Aí a gente vinha correndo, brincando na rua, e ela tinha que brincar porque eu defendia eles. Defendia meu irmão, que meu irmão tinha uma fala meio fanho, ele falava meio fanho, e se dava risada do meu irmão que ele falava meio fanho, eu ia para cima para defender meu irmão. Aí chegava em casa toda suja, porque eu tinha rolado na rua, tinha brigado, tinha acontecido um monte de coisa. Aí a minha mãe brigava, e era pesado para mim lá. Eu falava “mas eles estavam brigando com eles”. Mas a minha mãe me ensinou muito. Meus pais eram pessoas valorosas, de uma dignidade muito grande. Então a minha mãe me ensinou a trabalhar, a valorizar tudo o que nós tínhamos. Tudo era muito importante para nós. E isso eu trouxe comigo. E meus filhos biológicos hoje também carregam esse processo de vida. Eles valorizam muito o que tem, o que pode, a conquista, com disciplina, com respeito.
P - Nessa época, vocês já participavam de alguma religião? A família do seu pai e da sua mãe traziam alguma religiosidade forte ou não?
R - Forte não, mas os meus pais eram católicos. Os meus pais eram católicos, não eram católicos de igreja, mas nós fomos batizados na igreja católica, nós fizemos a primeira comunhão na igreja católica. Porque antigamente, na escola, existia essa aula de religião, que era só o catolicismo. Não tinha o evangélico, não existia, mas existia a aula da Igreja Católica, no qual fazia a primeira comunhão, até em grupos. Aquele monte de gente fazendo a primeira comunhão, o batismo, eram muito feitos, e nós fomos todos batizados pela Igreja Católica primeiro. Agora, a família do meu pai também exercia a igreja católica. Não tinha a religião de matriz africana. Isso veio acontecer comigo. Quem trouxe a necessidade da religião de matriz africana na nossa família começou comigo a religião de matriz africana.
P - Como é que isso aconteceu?
R - Quando eu tinha 15 anos de idade, antes de 15 anos, eu fiquei via muitas coisas, via muitas coisas mas católicas, eu entendia que eram coisas assim, mas eu não falava também o que eram aquelas coisas. Então, quando eu fui me casar, que eu conheci um marido, que eu fui me casar, eu tinha 18 anos já, e eu fiquei muito, muito, muito doente. Aos 15 anos foi feita uma magia para mim, naquela época, foi feita uma magia para mim e eu me casei. Aí eu me casei com o marido, que é o pai dos filhos, dos três primeiros filhos, e eu fiquei doente, muito doente. Eu ia ao médico e o médico não sabia o que eu tinha. Então, um dia eu fui ao médico. O médico falou para mim que eu tinha uma doença que era a tuberculose. Era muito ruim essa doença, antigamente. Era uma doença que você ficava num isolamento. Então, isso era contagioso. Não tinha essa… Todo esse processo que existe hoje era um tanto precário. E nós ficávamos isolados. Mas eu já tinha me casado. E já tinha tido o meu primeiro filho, o Pai Carlito, eu já tinha tido ele. E eu fui internada. Larguei o filho com a minha mãe. O filho tinha seis meses, eu larguei ele e fui me internar. O meu marido me internou e meus pais me internaram no hospital. E comecei a tratar isso. Comecei a tratar, comecei a tratar. Só que chegou uma época que eu não me curava. Eu tomava todo tipo de medicação e eu não me curava. Então, o que aconteceu? O médico chamou os meus pais e o meu marido. E disse pra ele assim: “tem que levar ela embora daqui, se deixar ela aqui, ela vai morrer, eu não tenho o que fazer mais para ela". E eu estava muito perturbada ali naquele lugar. Aí foi um dia de noite, eu estava deitada na cama, que eram várias camas, era uma enfermaria, tinha umas seis camas, e eu olhei na janela. Quando eu olhei na janela, eu vi um marinheiro na janela, no terceiro andar. Aí olhei e vi aquele moço com aquela roupa de marinheiro e tudo. Aí eu peguei e falei, comecei a gritar, “tem um homem na janela, tem um homem na janela, tem um marinheiro na janela”, eu falei. Aí começou a vir enfermeira, todo mundo apertou aquelas coisas, tudo. Aí o médico chamou os meus pais mesmo, confirmou. Falei, “leve ela embora, porque o que ela precisa é espiritual. Ela não adianta ficar aqui”. Então aí o que aconteceu? Eles me levaram embora para casa. Eu saí de lá do hospital, eu saí do hospital e já comecei a me cuidar espiritualmente. Eu não tinha doença, eu tinha um fator espiritual muito grande que eu precisava de tratar, de cuidar, e da sequência, eu acredito, que foi por isso que eu me tornei a pessoa que eu sou hoje. Porque foi um início, eles me prepararam para que eu tivesse esse tratamento, que era o início de tudo que eu precisava, para que eu me desenvolvesse essa parte religiosa e me tornasse a pessoa que eu sou hoje.
P - Voltando no que você falou dos 15 anos, o que eram essas coisas que você via? Você pode contar para mim?
R - Posso, sim. Eu não conhecia uma parte da família da minha mãe, que eram primos, tios, irmãos da minha mãe. Tinha um irmão da minha mãe que eu não conhecia, e nem o primo eu não conhecia. Aí um dia eu estava sentada assim, sozinha, e eu vi entrar umas pessoas. Pessoas que eu não conhecia, e não eram pessoas palpáveis. Então entrou um primo que eu conheci, entrou o irmão da minha mãe, a cunhada da minha mãe, entrou umas quatro pessoas dentro da minha casa. E eu fiquei olhando, e eles entraram naquela sala. Eu lembro que esse rapaz, o meu primo, que depois a gente se conheceu, ele ficou muito próximo de mim, e ele estava vestido com uma blusa branca, uma blusinha de frio, um sueterzinho assim, e aqui na manga dele tinha dois risquinhos, o branco, o vermelho e um preto assim. E aquilo nunca saiu da minha cabeça. Aí ele entrou e eu olhei, fiquei olhando para aquilo, e depois eles sumiram ali da minha visão. E eu fiquei pensando, “meu Deus, o que será isso? Meus Orixás, o que será isso?”. Eu não entendia, mas eu fiquei pensando o que seria aquilo. Aí, quando passou um pouco de tempo, a minha mãe, eles entraram em contato, tudo, e eles foram nos visitar. Foram almoçar na casa da minha mãe e dos meus pais naquele dia. E esse, nunca esqueci, porque aquela cena que eu tinha visto naquele dia, e o primo com aquela roupa, ele estava vestido com aquela roupa. Então, eu via essas coisas. Acontecia de eu, de repente, ver esses tipos de coisa.
P - E você sentia outras coisas?
R - Sim, eu sentia outras coisas, via outras coisas. É como se, quando se dorme, a gente não fica muito no sono. Então, como se você saísse para cuidar de pessoas, para olhar pessoas, para trabalhar na rua. E quando eu estava dormindo, às vezes eu via crianças na rua, eu andava com crianças na rua. E isso foi desenvolvendo essa parte espiritual. Até quando eu saí desse hospital, que fiz esse tratamento dentro lá da medicina, e quando eu saí, eu fui fazer Orixás, aí eu fui raspar o santo, fui fazer as obrigações necessárias, com 19 anos, foi quando eu fui fazer essas obrigações, para ser Yalorixás, porque era necessário para a minha cura que eu me tratasse religiosamente.
P - Agora, por que exatamente a sua religião? Você chegou a pensar em outras ou você sentia que você tinha que estar aqui? Como é que foi essa escolha?
R - Eu acredito que nós não temos escolha. Nós somos escolhidos. Então, eu nunca quis outra religião também. Mas eu era uma pessoa estudiosa da religião, gostava de escutar. Então, a nossa religião, ela é oralidade. Então, eu gostava muito de escutar sobre a religião. E eu nunca quis outra religião. Eu não tive afinidade para outra religião de forma nenhuma. Então, quando eu saí do hospital, eu já saí com a missão. Acho que ter visto aquele marinheiro. Aí, meus pais conheciam uma senhora. Essa senhora, ela tinha um terreiro de Umbanda, então essa senhora aconselhou os meus pais, meus pais me levaram lá, então aconselhou os meus pais a fazer o meu santo, a cuidar de mim, porque o meu problema todo era espiritual e não tinha nada a ver com a medicina, senão eu ia ficar sempre doente, porque eu fiquei muito magra, já tinha o primeiro filho, já tinha um casamento. E essa forma de tratar da religião foi muito importante, porque eu fui me curando. Eu fui me curando e eu fui me desenvolvendo, a minha mentalidade, pensando na religião. É tanto que a religião era tão importante assim, que o meu primeiro filho, o Pai Carlito, com menos de dois anos de idade, ele incorporou numa criança, num Erê, tem uma espiritualidade que se chama Erê, ele foi, incorporou nesse Erê, foi na casa dessa senhora, que é uma coisa, a espiritualidade, a mediunidade, ela é espontânea. A gente não precisa ninguém chamar um espírito, um guia, um Orixás na sua cabeça. É espontâneo, eles entram dentro da gente e fazem a incorporação. E meu filho incorporou com esse Erê, benzeu todo mundo na rua, conversou com todo mundo. Essa criança que estava com meu filho disse que a minha mãe sofreria uma cirurgia, que a minha mãe estava doente, a minha mãe não sabia, que a minha mãe às vezes tomava um pouquinho de uma cachaça, e ele disse para a minha mãe, na época, que a minha mãe não bebesse, que a minha mãe não podia beber, porque a minha mãe estava com um problema de saúde que ia trazer um problema muito grande para ela. Dito e feito. Passou pouco tempo, a minha mãe teve um problema de vesícula muito grave. E a minha mãe, pelo defeito físico dela, a minha mãe foi fazer essa cirurgia no Hospital das Clínicas, e a minha mãe quase morre. Minha mãe quase morreu, porque antigamente não tinha esses furinhos e estava tudo bem. Tinha que abrir a barriga, tudo. E o espírito, o Erê, disse para minha mãe o que minha mãe iria passar. E isso foi nos aproximando muito mais com a realidade da religião de matriz africana. Então, foi muito importante. Eu nunca imaginei, nunca me imaginei em outra religião. Apesar que hoje, eu sou e a minha família, nós somos inter-religiosos. Então, nós temos amor e respeito por outras religiões também. E nós frequentamos um lugar que é a Secretaria de Justiça e Cidadania do Estado de São Paulo. Nós fazemos parte de um projeto, de um plano de governo no qual nós temos já o segundo mandato, e nós temos o inter-religioso. Então, todas as religiões, todas as religiões, nós fazemos parte desse contexto, que é extremamente importante.
P - Vamos retomar isso mais para o final, mas voltando no início da sua trajetória. Conta para mim, também para quem vai ver essa entrevista, que provavelmente não vai saber, como que se dá essa formação, você falou da descoberta do seu santo, alguma coisa assim, como é que é isso? Como é que é esse processo? Mas também não só explicar, mas como é que foi para você isso? Como é que foi esse período?
R - Quando eu saí do hospital, que eu precisava de me desenvolver, que eu precisava de fazer as obrigações para me curar porque era espiritual o que eu tinha passado. Então era uma cobrança espiritual, porque o Orixás vai te buscar, é um chamado. Então não é que eu vou olhar para você, olhar para alguém e vou dizer, “olha, você tem que fazer”. Sim, o Yalorixás, o Babalorixás vai dizer isso, mas aquilo já está em você. Então, vão acontecer coisas para que você tenha noção que é importante você se cuidar. Então, o que aconteceu? Quando eu saí, já estava determinado que eu teria que passar por processos de iniciação. Iniciação é quando você se entrega, você se recolhe, faz um recolhimento espiritual para desenvolver, para fazer esse Orixás, para esse Orixás entrar dentro da sua vida, entrar dentro da sua pessoa. E eu sempre fui uma pessoa com as minhas características, com o meu jeito, tudo assim, as pessoas falavam que eu era de Oxum. Falavam: “é filha de Oxum, ela é filha de Oxum”. Tinha algumas pessoas que diziam que ela é de Iansã, porque ela é muito resolvida, muito determinada. Mas eu sempre soube que eu era uma mulher de Oxum. E eu sempre soube que eu teria essa liderança dentro da Casa de Candomblé. Porque quando eu fiz o santo, eu já fui escolhida não só para ser uma filha. A senhora, a Ialorixás que fez a minha obrigação na época, que era uma senhora do Nordeste, ela disse para mim que eu teria uma missão dentro da religião. E isso eu já tinha certeza absoluta que eu teria essa missão. Eu me entreguei de corpo e alma porque também eu não tive opção. Quando você é escolhido, você não tem livre-arbítrio. Você é escolhido, apontado, e ali está resolvida a tua vida. Você não pode simplesmente falar, “não, eu não quero”. Tem pessoas que conseguem falar, “eu não quero participar disso, eu não quero ser isso”. Mas quando você é escolhido mesmo, quando o chamado é feito para você, não temos livre-arbítrio. Então você é feito de santo mesmo.
P - O que é ser de Oxum?
R - É maravilhoso. Ser filha de Oxum é minha essência. Eu não saberia ser outra pessoa, ser outra coisa. Eu não saberia ter outro Orixá na minha cabeça. É a minha personalidade, é a minha liderança, é a minha fé. Ser filha de Oxum é como se você fosse filha do universo, filha da criação. Oxum é uma santa, dona do rio, dona da água doce, dona da fertilidade, dona do ouro, dona das cachoeiras. Essa santa vai cuidar da sua barriga, vai cuidar do útero. Ela vai fazer aquela pessoa, aquela mulher, a procriar. Ela vai cuidar dessa parte toda. E ela vai cuidar também da espiritualidade dessas crianças. Porque Oxum, que é ser Ialorixás, ela ama fazer o que acontece aqui. Ela ama o Candomblé. Ela foi, para mim, a primeira e a Ialorixás que existiu. É tanto que tem uma história, um Itaqui conta, que não tinha filhos para ela raspar. E ela queria fazer filho, ela queria fazer o Candomblé, ela queria fazer o axé. E ela raspou a galinha de Angola. E num dos rituais que nós temos, coloca na cabeça do iniciado uma coisa que se chama adoxu, que é o que caracteriza a feitura. E ela fez isso com a galinha-d’angola. Então conta que a galinha-de-angola tem aquela coisinha assim na cabeça. Quem conhece a galinha-d’angola foi ela que colocou como se fosse a galinha-de-angola iniciada por ela. E aí foi criando assim esse Candomblé. Então ser filha de Oxum, ser filha de Oxum sou eu. Eu sou uma mulher filha de Oxum.
P - E para quem não conhece, quais são os outros santos que podem escolher a pessoa, o homem ou a mulher. A diferença deles…
R - Existem muitas. Nós vamos falar mais ou menos de 16 Orixás, ou 21 Orixás, que são os mais próximos, que todo mundo conhece. Então, cada um, quando já vem, porque quando a gente vai nascer, a gente não nasce aleatoriamente. A gente já vem determinado para aquela família. De lá, você já é escolhido, você já escolhe aquela família que você vai vir. Então, quando você chega e escolheu aquela família, vai saber que você é um religioso de matriz africana. Então, ali, quando você vem, você já vem com o seu santo determinado. Então, você pode ser filho de Ogum, de Oxóssi, de Iansã, de Obaluaê, de Nanã. Você pode ser filho de Oxumaré, de Logunedé. Você pode ser filho de Exu. Então, todos os Orixás, você vem com aquele Orixás determinado. Por quê? Porque você nasce com um número. Você nasceu, vamos dizer, 01, 03, 1900 e não sei o quê, 2025. Então, ali tem uma energia que responde por você. Tem um Odu que vai te ajudar a saber que… Qual é o Orixás que vai cuidar de você ali? A sua determinação de vida, o seu caminho está ali. E o Orixás, ele vem e ele te escolhe. Então, às vezes não precisa nem de jogar os búzios, ou jogar os búzios, que é o oráculo que vai determinar o seu Orixás, a sua vida, o seu destino. Então, olha para a pessoa assim e fala, ele é de tal santo, ela é de tal santo. Entendeu? Então, já está caracterizado, já está no perfil daquela pessoa, no arquétipo de cada pessoa, o Orixás que toma conta. E nós não temos um só Orixás, nós temos alguns Orixás que nos acompanham, que acompanham o seu primeiro Orixás. Então ele forma a sua personalidade na sequência dos Orixás que acompanham o primeiro. Mas cada pessoa tem o seu Orixás determinado, porque já vem com aquilo determinado. Cada pessoa tem o seu Odu, cada pessoa tem o seu destino. [intervenção] A minha cabeça, eu lembro de muitas coisas, mas eu lembro de coisas com visão. Não é só lembrar. Eu lembro de detalhes, eu lembro de cores. Então, com 73 anos, eu falo, hoje dói o joelho, dói a coluna, dói as pernas, mas a minha cabeça é uma cabeça como se fosse exatamente desse jeito a vida inteira. É um pouco estranho tudo isso.
P - Você acha estranho?
R - Eu acho. Sabe por quê? Porque eu acho que tem pessoas que esquecem muitas coisas. Às vezes, eu misturo. Eu tenho muitos filhos. Eu tenho cinco filhos biológicos e adotei dois filhos. Dois filhos pequenos. Tenho dois filhos adotados agora pequenos. Um veio e tinha quatro anos, que são irmãos, e um tinha sete. Hoje um tem 12 e o outro já tem 15. Que foi maravilhoso para mim também. Então, assim, a minha cabeça é como se eu tivesse sempre, fui sempre a pessoa que eu sou. Eu não conheci outra Carmen, com 18 anos, com 20 anos, eu não conhecia outra Carmen. Então, essa Carmen é a mesma. Hoje com mais experiência, com mais sabedoria, com a religião, tudo, mas eu não conheço outra pessoa a não ser essa.
P - Você já estava formada desde muito cedo?
R - Muito cedo. Muito cedo mesmo. A minha vida inteira, eu sempre soube de tudo isso. Eu não esqueço esses detalhes de vida. Eu lembro de tudo. Eu lembro de cores. Eu lembro de roupa, a roupa que eu usei na festa, que meus pais fizeram uma festa para mim de 15 anos, uma festa simples, não foi em lugares assim, salão, essas coisas que faz debutante, não foi isso, foi uma festa com um bolo, mas eu lembro a roupa que eu usei, meus pais me deram um anel, muito bonito, que era uma pedra verde, um jade, e aquilo foi o presente que eles me deram. Eu lembro desses detalhes, a vida inteira eu lembro dessas coisas. Então, eu acho que não consegui sair, eu sempre fui essa pessoa.
P - Não veio muita transformação.
R - Não. Eu evoluí muito, eu aprendi muito. Pelo meu estudo, eu escrevo muito bem, eu falo corretamente. Eu estudei muito pouco. E a Orixá, eu falo Orixá, o universo, eles me deram uma sabedoria, que eu sou muito grata, um reconhecimento.
P - E o que mais você gosta de lembrar? Tem algumas memórias que para você alguns dias, teve um dia que aconteceu isso, teve um dia que aconteceu aquilo, tem alguns dias na sua memória que você gosta de lembrar mais assim, que é um lugar de conforto pra você.
R - As coisas que eu me lembro mais, que eu gosto de me lembrar, é a convivência com a minha irmã. Eu tenho uma única irmã, sou eu e ela, então essa convivência que nós temos com a minha irmã é uma das coisas muito importantes. A gente tem um relacionamento muito bom e a gente dá muita risada, a gente brinca muito. E de madrugada a gente conversa. Eu durmo muito pouco. Eu não gosto de dormir. Eu falei que um dia eu vou ter que dormir tanto que eu quero dormir muito pouco. Vai ter um dia que eu vou dormir tanto que eu vou querer acordar e não vou conseguir. Então eu durmo muito pouco, então eu me lembro assim de coisas com a minha irmã, com a minha irmã pequena. Eu lembro quando a minha irmã ia pra escola, então eu lembro as coisas da minha irmã, que a minha irmã chorava muito, que a minha irmã não queria ir pra escola. Então eu lembro a gente dar muita risada juntos. Eu lembro do nascimento dos meus filhos, detalhadamente o nascimento dos meus filhos, lembro a escolha dos nomes dos filhos e da minha religião. O que eu mais trago comigo, o que eu mais carrego comigo, que para mim é extremamente importante. E como eu vivi bastante coisas, mas dos 19 anos em diante, eu vivi minha religião, então a maioria das coisas, detalhadamente, tudo é voltado para o sacerdotismo, para eu poder ser a pessoa que eu sou, que eu tenho um orgulho muito grande, que eu tenho um amor muito grande por tudo isso, porque eu acredito que a nossa ancestralidade sofreu muito. O que acontece nesse momento de estar fazendo isso aqui, essa entrevista, conversando, colocando tudo isso, é um marco, é uma história de valorização dos nossos ancestrais. Eu não vou nem dizer que é meu. Mas é os meus ancestrais que lutaram muito para que o que se fala hoje deles, eles fizeram muito para isso. Eles sofreram muito. Então, essas lembranças religiosas, para mim, eu converso mais sobre isso. Poderia contar outras histórias, mas as histórias importantes, para mim, têm a ver com a nossa convivência religiosa, com a nossa fé, com o nosso sagrado. Então, essas lembranças dos 19 anos para cá, todas são voltadas, além da minha vida pessoal, porque eu tenho uma vida comum, uma vida pessoal, eu tenho filhos, eu tive filhos, nasceu de uma mulher, partos normais, assim tudo, eu tive os filhos, tive casamento, relacionamento, eu me lembro muito perfeitamente, gosto de lembrar disso também, a gente dá risada, a gente brinca, a gente sai, viaja, passeia. Mas a maioria das coisas que eu convivo, na grande realidade, é religioso, é pela continuação da nossa ancestralidade. Porque eu acredito que quanto mais você vive, você convive com o seu sagrado, com a sua fé, com a espiritualidade, a ancestralidade também, isso valoriza. Isso não acaba. Porque a tendência das pessoas que lutaram muito era para encerrar a nossa religião, para que isso não existisse. E cada vez que nós conversamos com uma pessoa, com outra pessoa, que a gente propaga a religião, deixamos aquilo fluir, aquilo florescer, aquilo acontecer. Então, a religião é maravilhosa. E as minhas lembranças, dos 19 anos para cá, sempre foi a religião.
P - Nessas lembranças, tem algum ano para você que foi muito especial? Algum ritual? Alguma passagem. Que foi especial que você lembra mais? Alguma conquista na religião?
R - A religião é todo dia. Você vive todo dia, você amanhece todo dia vestida, você põe um pano na cabeça, você pega um fio de conta, você faz as coisas caminharem da melhor forma possível. Então, você amanhece Ialorixás e vai dormir e a Ialorixás. Você amanhece Mãe Carmen e vai dormir Mãe Carmen. Então, todo dia tem uma coisa. E tem muitas coisas que nós colocamos dentro. Um dia especial é um dia que você faz um presente para o Orixás. Um dia que você cuida de uma pessoa e você sente que aquilo, o Orixás, fez por aquela pessoa, porque nós somos apenas um instrumento. Nós não somos o poder. O poder é o Orixás. O poder é a energia. O poder, mesmo se a pessoa não tenha fé, nós temos que ter a fé suficiente para aquela pessoa. Tem pessoas que às vezes falam, “mãe Carmen, eu não tenho fé. Eu não acredito que isso vai ser bom”. Então, aí eu vou dizer pra essa pessoa que nós temos fé pra isso. Então, todo dia nós temos um momento maravilhoso. Então, quando você faz um jogo de búzios, que você tem uma coisa importante naquele jogo de búzios, então você vivencia aquilo e aquilo te dá uma alegria. Uma vez veio uma senhora aqui jogar búzios. Essa senhora tinha uns 79 anos, há mais um pouquinho, uns 82 mais ou menos, acho que eu lembro assim. Ela veio jogar búzios e eu falei para ela assim: “a senhora tem uma tristeza muito grande, que a senhora não conseguiu superar”. Ela falou: “não mãe Carmen”. Eu falei: “olha, nos búzios, quando a senhora tinha quatro anos de idade, a senhora teve uma tristeza muito grande que aconteceu com a senhora”. Ela falou: “quatro anos de idade, mãe Carmen, eu não lembro”. Aí eu peguei e falei: “a senhora ia numa festa com a sua mãe, e a sua mãe tinha uma roupa bonita, um vestido cheio de laço, de fita, e a senhora, sua mãe deu banho na senhora e no seu irmão, que a senhora tinha um irmão, e vestiu essa roupinha. E ela foi se arrumar, que vocês iam numa festa, que eu acredito que era um casamento. E ela caiu e sujou toda a roupinha dela. E a mãe dela deu uma surra nela. Ela chorou muito, muito, muito, muito com a roupinha suja, e ela não pôde mais usar a roupinha, teve que pôr uma roupa velha”. E naquele momento ela chorou, chorou, chorou, chorou ali junto comigo. Ela chorou, “mãe Carmen, eu não acredito, como que a senhora foi lá atrás buscar isso? Como que a ancestralidade trouxe a senhora, me mostrou tudo isso?”. E eu falei, “então, a senhora perdoa a sua mãe. Perdoa, né? Isso não faz bem pra ela e nem pra senhora”. Aí ela chorou mais ainda, né? E ela falou, “obrigada aos ancestrais”. Tem a minha sabedoria, né? Tem o meu dom, né? Porque os búzios, além da sabedoria, além do estudo, tem o dom, porque se não tiver o dom, você não tem evidência, você não consegue ir lá no fundo e trazer uma coisa tão forte como esse. E mais outras coisas, acontecem muitas coisas no jogo de bugios em relação a saber o santo, tem que ser no jogo de bugios, a vida, o futuro, porque se você não sabe do seu passado, você não chega no presente e você não vai no futuro. Então tudo isso tem que te trazer um caminho muito especial. Então o dom faz você saber de tudo isso. Então essas recordações, essas lembranças, essas alegrias que nós temos de viver essa vida, porque o sacerdote a sacerdotisa, ela é escolhida de um jeito que ela não, igual eu disse, não tem um livre-arbítrio, você não pode de repente falar “hoje eu não quero trabalhar, hoje eu não vou atender ninguém, eu não vou cuidar de ninguém”, se bater na sua porta pode ser a hora que for, você tem que receber. E a alegria que a gente tem é justamente de você poder servir. É de você se doar também, né? Então é muito importante tudo isso.
P - Tanta coisa pra te perguntar agora, mas eu fiquei pensando aqui, você não surpreende ou às vezes… Nunca temeu as coisas que você vê? Ou o alcance da sua visão? Como é a sua relação com isso? Toda vez que você joga um búzio. Você imagina alguma coisa?
R - O que me deixa angustiada é quando eu estou jogando os búzios que eu vejo a morte. Aí eu tenho um pouco de receio. Eu não gosto de jogar búzios para a criança e não gosto de jogar búzios para pessoa muito idosa. Por amor, por respeito… [intervenção] Então, aí quando fala a morte, que eu estou sabendo que aquilo vai acontecer, que cai uma caída do jogo de búzios, que diz que a pessoa está com risco muito grande de vida, e isso é taxativo. Então eu fico muito angustiada em relação a isso. Então eu quero pedir para o universo, para Deus, para os Orixás, se não for o momento… Se for o momento, não tem como. Mas eu acredito também, Lucas, que quando o Orixás manda uma pessoa procurar uma casa religiosa, é porque tem como cuidar daquela pessoa. A doença tem como resolver aquilo. Então, quando eu jogo os búzios que aparece aquilo, o Orixás me orienta a cuidar espiritualmente para a ciência, para o médico saber o que fazer para resolver. Porque tem pessoas que estão determinadas a passar aquilo. Quando a pessoa está determinada a passar aquilo, não resolve, não tem jeito. Já está marcado, já está escrito, então a pessoa vai passar por aquilo.
P - E a senhora fala para a pessoa?
R - Falo. Eu nunca omito nada, porque é proibido você esconder. Então eu falo claramente. “Olha, eu quero que você entenda, mas você está passando por um risco de vida”. Aí, às vezes, a pessoa fica: “mas mãe Carmen, como isso?”. Eu falo: “olha, aconteceu isso em tal tempo atrás que está te trazendo esse tipo de situação”. Porque hoje, assim, o emocional de cada pessoa, o TDAH, o autismo, a dislexia, seja ela qual for, principalmente do Ori, da cabeça, que seja um desconforto, seja ele qual for, tem uma ligação muito grande com o espiritual. Então existe, é igual existe a terapia, você faz a terapia, mas se você cuidar espiritualmente, você tratar do seu espiritual, da sua cabeça, você consegue tirar esses problemas super sérios que são, para mim, religiosos, mas a medicina vai entender a medicina. Uma vez, eu e meu filho, o Pai Carlito, fomos fazer uma entrevista, vou chamar assim, ou uma conversa entre psicólogos, psiquiatras e nós, eu e meu filho, religiosos de matriz africana. E eles, conversando com a gente, queriam fazer uma pesquisa para saber o que tinha a ver o emocional, a ciência e a religião. E é uma coisa que não consegue ser separado. Se você cuida do seu religioso, se você cuida da sua cabeça, então você consegue arrumar o seu emocional. Você não pode simplesmente tomar tudo quanto é tipo de remédio. Você tem que aliviar, você tem que cuidar da sua cabeça. Uma vez eu fui numa clínica de pessoas com problemas graves psiquiátricos. E a maioria deles eram pessoas que tinham que ter desenvolvimento religioso, pessoas que precisavam de se cuidar religiosamente. Eu ajudei bastante nessa parte, orientando como que pode ser feito.
P - Por que você falou que não gosta de tirar o búzio de criança? Não entendi o porquê.
R - Eu jogo para a criança, mas eu não converso muito assim com a criança. A criança ainda tem que viver algumas coisas. Ela tem que conhecer as coisas gradativamente. Todas as nossas crianças da nossa família são iniciadas até na barriga, são preparados na barriga para nascer e já ser filhos do religioso, do sagrado. Mas quando você conversa, por exemplo, a criança, ela não tem esse entendimento ainda de você dizer, “olha, você tem que fazer tal coisa, você tem que ser tal coisa”. Aí eu jogo para a criança, vejo o santo, brinco, converso com aquela criança, mas, por exemplo, se ela tiver um problema que ela precisa de um tratamento, aí eu não falo. Igual o autismo. Tem criança que chega aqui que tem um grau de autismo que a criança não é oral. E aí tem um tratamento que a criança fala com oralidade. A criança conversa. Dentro da casa existe um tratamento que nós cuidamos daquela criança e a criança vem a falar. A criança vem a conversar. Agora, tem que ter um cuidado muito grande, porque a ciência hoje entende muito mais. A gente consegue falar da ciência e da espiritualidade, mas antigamente não se podia. Não podia oferecer um chá, oferecer um banho, oferecer uma erva para a pessoa poder ingerir, que falava que era como se fosse uma feitiçaria, ou como se fosse subjugar a ciência. E, na grande realidade, todos os remédios vêm da folha. A maioria dos remédios, os componentes, têm a ver com a folha. A folha que a gente planta, que a gente colhe. E o banho que descarrega a cabeça. Porque antigamente se falava muito do quebranto, “a criança está com quebranto, a criança está com espinhela caída, a criança está com isso e aquilo”, e se benzia a criança. E os nossos ancestrais, eles não tinham um médico, eles tinham aqueles que rezavam por eles. É igual tinha quem rezava os filhos dos senhores das casas grandes, igual tinha as amas de leite, que amamentava, que fazia tudo isso. Então, a espiritualidade com a criança, você só não pode deixar ele ser uma coisa que não seja igual à sua família. Porque tem outras religiões que batizam a criança quando nasce. Por quê? É uma forma de trazer aquela religião para não perder aquele ser humano. Então nós fazemos a mesma coisa, principalmente na minha casa, para que essa criança nasça sob uma doutrina familiar e ancestral. Então, lidar com criança, você tem que ter um psicológico muito forte para essa criança viver uma história dela mesmo. Ela poder conhecer as histórias dela, ela poder viver as histórias dela.
P - Não antecipar nada?
R - É antecipado para não se perder. Porque se você não cuida daquela criança quando ela nasce… Porque tem crianças que nascem já espiritualizadas. E como eu disse, a criança já vem escolhendo a sua família e já vem com o seu Orixás. E tem crianças que já têm uma desenvoltura mediúnica muito grande, que vê as coisas, que conversa com outras crianças. Então, às vezes, tem pessoas que falam, “meu filho fala sozinho, meu filho tem os amigos ocultos, ele está no quarto, eu chego, ele está conversando, como se tivesse uma outra criança ali junto”. E, na realidade, tem. Na realidade, existe. Então é uma coisa muito, muito, muito séria mesmo, muito forte. Igual, tem filmes que relatam muito isso, e a gente vai entender isso, como “O Sexto Sentido” é um filme espetacular. Aquele filme traz tudo que a gente quis assistir àquilo, procurando entender, vai saber como é a espiritualidade de cada pessoa. Quando eu disse que, às vezes, eu peço para que a pessoa, que a minha família tenha luz, descanso e vida eterna, porque quando a gente assiste aquele filme, a gente pensa que o menino é que é a pessoa que morreu. E, na realidade, não é. É o homem que morreu. Ele que não conseguia entender a morte. Você entendeu por que eu disse isso, Lucas? Que a gente pede para que a pessoa tenha luz, descanso e vida eterna e consiga entender a morte que a pessoa teve. Senão fica sofrendo, fica tentando procurar uma forma de saber o caminho. Como vai fazer? Como eu vou viver sem meus entes queridos? Porque nós não estamos preparados para aceitar a perda. A gente perde aquela pessoa, a gente chora muito, depois vai se acostumando, mas não perde o vínculo, porque a gente lembra todos os dias.
P - E as pessoas têm muito medo do que vem ou do que sentem ou muito medo do que a religião diz, você sente isso pessoas que vivem coisas que não conseguem explicar e você sente que elas têm medo e às vezes até agressividade contra você ou a casa por terem medo.
R - Não, não. Hoje em dia é muito mais aberto. É muito mais aberto você chegar numa Casa de Candomblé ou de umbanda, você chegar numa casa e você ser acolhido. Então, a pessoa, quando ela vem, ela já vem ciente que ela precisa de conversar, que ela precisa de uma consulta, que ela precisa de um tratamento, só que quando você fala a realidade mesmo, “olha, existe isso, isso, isso, isso que está acontecendo com você”, ela tem um recuo, sabe? Aí ela analisa, aí ela sabe que é verdadeiro aquilo que você está dizendo. Então não tem medo e não é agressivo com a gente. Na grande realidade eles são gratos. Porque quando você trabalha com amor, com a família, com a fé, com o sagrado corretamente, porque você tem que ser correto, a pessoa é grato. E como nós somos gratos de ser escolhidos para poder ajudar aquelas pessoas. Mas também existe uma coisa assim. Se a pessoa já está com aquele destino marcado, Lucas, vai morrer. Eu sei isso, nós sabemos isso. Então, o que acontece? Eu vou dizer, “olha, nós temos um tratamento, mas você tem que ter muita fé, pedir muito”. Porque eu estou vendo que ali eu não vou ter um êxito, em nome de Deus e dos Orixás, eu não vou ter um êxito muito grande. E isso é muito sério, muito complicado.
P - É uma responsabilidade grande.
R - É uma responsabilidade enorme. É uma preocupação enorme. Quando você vai cuidar de uma pessoa doente, que vem muitas pessoas doentes, muitas pessoas com emocional muito ruim, você tem que ter um cuidado também consigo próprio. Porque quando você se responsabiliza em cuidar daquela pessoa, quando eu quero cuidar daquela pessoa, que eu assumo o compromisso de cuidar daquela pessoa, eu estou trazendo aquele problema, aquela responsabilidade para mim. Primeiro eu vou puxar aquilo que vem para mim. Eu sei que aquilo vem para mim. Depois eu tenho que tirar isso de mim. E já aconteceu coisas assim, de eu cuidar de uma pessoa e de repente eu ter que correr e cuidar de mim, tanto na espiritualidade quanto na ciência, porque aquela pessoa ficou bem e eu não fiquei bem.
P - Você pode dar um exemplo?
R - Sim. Tem um rapaz que eu nem me dava bem com ele. Ele era uma pessoa muito difícil de lidar. E ele chegou aqui desesperado, ligou primeiro e veio aqui desesperado, que ele estava doente, que ele estava com medo de morrer. E acho que ele tinha ido ao médico e o médico disse que ele poderia passar por isso. E ele veio naquele dia e eu fui fazer uma limpeza. Eu não deixei o meu filho, nem o Pai Carlito, nem o Ivan, nem o Vinícius, nem o Júnior fazer o trabalho pra ele. Eu fui junto fazer o trabalho. E ele estava com uma pressão muito alta. Ele é um rapaz novo e ele estava com 20, por não sei quanto, de pressão muito alta, foi para 22. Ele poderia morrer, ter um infarto e morrer. E nós fizemos o trabalho para ele ali, naquele momento, fizemos o trabalho para tirar isso dele. Ele estava muito nervoso, ele chorava muito com medo da morte, tudo. E nós fizemos o trabalho para ele, mandamos ele para casa. Quando foi à noite, eu tinha um compromisso aqui, uma festa aqui, e no meio da festa eu passei muito mal. Eu estava com a pressão 22. Eu estava 22 por 17. Eu estava com uma pressão muito forte. Alguém chegou perto de mim, eu estava muito vermelha, porque eu sou negra, então, para vermelhar isso daqui tem que ser um negócio sério. Falaram: “mãe, a senhora está passando bem?”. Eu falei, “não”. Aí eu levantei, eles me levaram por trás assim, eu saí e fui direto para o pronto-socorro. Do jeito que eu estava vestida assim, eu fui direto para o pronto-socorro. Chego lá, eles mediram a minha pressão, eu estava com a pressão exatamente igual a do rapaz. Então a gente puxa aquilo pra gente. Quer dizer que a responsabilidade é tão grande que você assume aquilo, mas você tem que tirar de si. Você tem que arrancar aquilo de você, porque se você não fizer isso, você pode passar um perrengue bem sério em relação à saúde. Mas tem pessoas também que tem o karma, mas eu tenho um compromisso tão grande assim, que eu acredito que se você procurar a espiritualidade, ela vai, o universo vai encaminhar a ciência para poder fazer aquele tratamento. E muitas vezes dá tudo muito certo, viu Lucas? [intervenção]
P - Agora eu vou perguntar com mais calma para a senhora.
R - Tá bom.
P - Então, queria falar um pouco da memória da senhora com relação à religião. De alguns casos ou trabalhos ou pessoas que você falou dar certo. Quais as pessoas, os trabalhos que você lembrou, você lembra assim, que deu certo, ou algum que te entristeceu, enfim, que a vida também tem coisas ruins. Mas se você quiser lembrar, puder contar para a gente algumas histórias.
R - Eu vou falar de uma pessoa, depois eu vou falar de outras também. Quando a pessoa morre, quando morre uma pessoa nossa, ou mesmo outras pessoas, se for da religião, existe um ritual que é feito quando a pessoa morre, que ela é da religião. E uma das coisas que me impressionou muito era um filho que eu gostava muito, um rapaz novo, um rapaz de Oxóssi, um rapaz bonito, um empresário da beleza. Ele tinha um caminho com produtos de beleza. E ele era muito bonito, muito vaidoso. Tinha problemas de saúde e ele morreu. E esse ritual precisava de ser feito. E me impressionei muito. Porque naquele tempo, alguns anos atrás, ainda tinha uns tabus muito fortes com a AIDS, eram umas coisas muito graves ainda, aqueles tabus que as pessoas tinham medo de cuidar de uma pessoa com AIDS. Quando o tiraram do hospital, ele foi para um lugar que era um leprosário para excluir o menino. Então foi uma coisa muito grave. Eu cheguei naquilo e aquilo me impressionou tanto, tanto, tanto, tanto, porque era um lugar completamente isolado. Aquilo me trouxe uma tristeza de saber que eles afastaram aquele menino para colocar naquele lugar. E ele estava deitado dentro do caixão, já arrumado, ele ia sair de lá para ir para o velório. E quando eu cheguei, cheguei com o Pai Carlito, com o meu filho Cláudio, mais uma pessoa que nos acompanhou, ele estava deitado com uma expressão bem fechada. Porque isso acontece. Dá a impressão de que a pessoa está vivo. E ele estava com a expressão bem fechada mesmo assim. E eu cheguei, fiquei assim na cabeça, do lado da cabeça dele, peguei nele e falei, “calma, sou eu que estou aqui, calma”. Que nós íamos fazer o ritual para tudo que ele fez, de religioso, ele deixar na terra, para quando ele fosse aonde tiver que ir, ele não precisasse de carregar coisas que talvez não fosse aceito onde ele estava. Ele fez assim, ele abriu o olho. Na mesma hora ele abriu o olho. E eu falei mais uma vez, “Nelson, calma filho, sou eu que estou aqui”. Aí ele foi abrandando, abrandando, foi se acalmando, e nós fizemos o ritual para ele poder se encaminhar, ter luz de descanso e vida eterna. Então, isso foi uma das coisas muito fortes que eu não esqueço, e nem meus filhos esquecem disso. Então, isso foi uma das coisas muito fortes que foi esse ritual, que faz até hoje esse ritual. Esse ritual, ele existe. E eu vou te dizer uma coisa assim, pessoas do santo, às vezes a gente tá assim, essas pessoas passam, mortos, eles entram, você olha assim, você depara com aquilo. Então você, “meu Deus, meus Orixás”, você fica meio assustado com aquilo, mas você vê aquela pessoa, né? E uma das coisas também que eu me lembro, isso tem mais de 20 anos, 20 e poucos anos. E veio uma pessoa jogar búzios. E eu tô jogando búzios pra ela e eu falei pra ela, “você está doente?”. Ela falou assim, “não senhora”. Aí eu joguei os búzios novamente e falei, “você está doente? Eu vou te perguntar novamente, você está com problemas de saúde sério?”. “Não, senhora”. Eu falei, “tá. Então tudo bem”. Ela era uma senhora quase da minha idade, eu era mais velha do que ela. Eu falei, “então a senhora tem que fazer um tratamento. A senhora tem que fazer ebós de limpeza, limpar o seu corpo, a senhora tem que fazer um bori”, que é um ritual que fortalece a pessoa, “você tem essa necessidade, porque o meu jogo de búzio está dizendo que a senhora está com um problema muito grave de saúde, e se a senhora não se cuidar, a senhora não vai conseguir viver”. Aí ela acreditou em mim. Eu falei “só que mesmo assim a senhora vai passar por um processo meio sério de saúde e eu vou fazer o que precisa e depois a senhora corre para o médico”. Aí ela veio fazer o que precisava de fazer e quando eu terminei todo o trabalho dela, ela teve um derrame aqui dentro da casa. Inclusive um derrame facial, que entortou tudo assim, ela. E eu não tinha… Foi de noite isso. Ela estava recolhida e foi de noite. Quando foi no outro dia de manhã que ela ia embora para a casa dela, ela não tinha visto que ela estava assim. E eu vi na hora também. Aí a filha dela chegou e eu falei, “leva ela imediatamente. Porque ela disse pra mim que ela não tinha problemas de saúde. E ela estava com um problema muito grande de saúde. Precisava de cuidado espiritual pra depois correr pro médico pra dar certo”. Ela é viva até hoje, Lucas. Graças a Deus e aos Orixás, ela é viva até hoje. Mas ela passou por esse processo super sério para ela poder se cuidar e ter saúde. Nós temos aqui dentro da casa as Ìyámi Òsòròngà, que são as nossas mães ancestrais. E elas cuidam quase que exclusivamente de mulheres. Porque tem o Ọ̀ṣọ́ que cuida dos homens, que são as corujas. A gente caracteriza elas como as mulheres-pássaros, as ẹlẹ́yẹ. Então, elas cuidam de todos os órgãos, desde a língua, vai descendo todos os órgãos, até o sangue, a menstruação, os órgãos genitais. Então, se Deus lhe guarde, essa pessoa tem uma doença grave dentro desses órgãos, pode acontecer uma falência, um CA, um problema grave, dependendo do que você vai fazer, a gente consegue, dos Orixás, das forças do universo, que a medicina resolva isso. Mas primeiro tem que fazer o ritual. E nós tivemos pessoas com CA. E essas pessoas se curaram. Então tem trabalhos na grande realidade que tem como se curar, porque o espiritual autoriza, o universo autoriza que você, que aquela pessoa se cure, que a pessoa se salve disso. Teve um rapaz, que ele tinha, além dele ter AIDS, ele estava no processo, ele estava internado no hospital aqui que recolhe essas pessoas com problemas desses, esqueci o nome, desse hospital. E ele estava internado na UTI muito grave. E eu pedi pra que mandasse roupa dele, que ele usasse dentro do hospital, pra fazer um ritual pra ele. E até o companheiro dele que veio pra poder fazer esse ritual pra ele. E nós fizemos o ritual. Foi a primeira vez que eu fiquei preocupada, que eu imaginei que eu não ia dar conta daquilo junto com os Orixás e com o universo. Falei, “isso não vai dar certo”, porque ele estava na UTI. Aí fiz todo o ritual, foi até num dia de domingo, cedo assim, era mais ou menos umas 13 horas, aí nós fizemos todo o trabalho junto aqui, junto com o companheiro dele que trouxe roupa, e fez o trabalho pra ele, e ele saiu da UTI. Ele saiu, ele está bem, ele é vivo até hoje, testemunha de que isso trouxe um resultado muito grande e ele conseguiu sobreviver com o tratamento religioso, porque ele já tem uma doença que ainda não existe a cura. Mas se ele estivesse bem espiritualmente, ele conseguiria o tratamento e sobreviver. E isso foi muito perfeito e ele conseguiu. Tá vivo, tá tranquilo, tá bem.
P - Quem que cuida da senhora? Tem alguém que lê os seus búzios? Tem alguém que você se consulta ou não? Como é que funciona?
R - É um pouco difícil quando você tem 52 anos, que você tem uma casa. Então, tem pessoas que nem gostam de jogar, porque falam, “ah, elas têm muitos anos. Ela entende muito”. Então, o que acontece de melhor para nós? Porque eu tenho o Pai Carlito, eu tenho o Pai Claudinho, né? Então a gente senta como se nós fizéssemos uma junta e um joga para o outro. Mas eu tenho uma casa que cuida de mim. Eu tenho uma casa que é na Bahia, que é a Casa Axé Cantuá, que é o Gantois. É a casa que eu e minha família frequenta. Então joga búzios pra mim hoje, quem joga búzios pra mim é os meus filhos mesmo. E eu jogo pra casa e jogamos um pro outro, pra gente poder verificar o que é necessário, o que é importante. Eu ensinei pra eles, eles aprenderam pra eles terem essa sabedoria e o dom eles nasceram. Então eles fazem isso com maestria, eles fazem isso com uma sabedoria muito grande. E a minha casa do Cantuá, que é a Mãe Carmen de Oxoguiã, ela, com uma palavra, pra mim, já é o bastante. Eu vou lá três vezes por ano, a Salvador, e a gente recebe as bênçãos lá, vem embora pra São Paulo pra dar conta do ano. Eu tenho que… E quando vai passar uma limpeza em mim, ou quando vai fazer uma coisa em mim. A casa tem muitos filhos, nós temos muitos filhos, acho que mais de 800 mil filhos. Então, nós reunimos uma quantidade de filhos e os Orixás desses filhos vêm e cuidam da gente. Eu peço para os Orixás cuidarem.
P - E eu vou, infelizmente, entrar nas perguntas finais por conta do tempo. Mas me conta um pouquinho só, antes das perguntas finais, como é a história dessa casa, desse lugar onde a gente está, que é um lugar tão bonito, tão lindo aqui, o espaço de fora, perto da represa. Como é que vocês fundaram há bastante tempo aqui? Está escrito na porta, enfim. Conta um pouco a história de como esse lugar tão maravilhoso foi criado.
R - Aqui, acho que estava esperando por nós, Lucas. Eu comecei numa casa alugada. Aí eu fiquei numa casa alugada, aí eu entreguei aquela casa, aí eu tinha uma casa própria, que era um quarto, um banheiro e uma cozinha. Aí eu peguei o quarto e fiz do quarto o lugar sagrado. E nós ficamos com o banheiro e a cozinha e o corredor, a gente usava para dormir. E o Orixá foi me acompanhando, foi me ajudando, foi me protegendo. E um dia o meu filho falou, o Pai Carlito falou pra mim: “mãe, nós temos que ter um lugar melhor, maior”. Falei “sim, meu filho, eu também acho”. E nós começamos a procurar um lugar para nós ter a Roça de Candomblé. Eu queria um lugar sagrado que nós pudéssemos cultuar da melhor forma possível. Então, o que aconteceu? Eu ia pra um lugar, eu ia pra outro, ia pra um lugar, ia pra outro. E um dia eu fui comprar umas coisas, encontrei um amigo. Eu falei, “querido, eu queria comprar uma chácara pra me fazer a minha roça. Minha Casa de Axé”. Ele falou, “eu vou levar a senhora, Mãe Carmen, num lugar onde se a senhora gostar, vai ser bom pra senhora”. E eu passei aqui na frente, ele me trouxe até aqui. Eu cheguei aqui, tinha um senhor que era um comodato. Ele me recebeu com uma espingarda e ele falou, “aqui não está para vender. Quem indicou a senhora não está para vender”. Aí eu entendi que como ele era comodato, ele não queria perder o lugar dele. Eu falei, “sim senhor, tudo bem, obrigada”. Aí eu comecei a procurar a proprietária daqui, ou proprietário, porque eu não sabia quem era. Aí eu fui daqui para ali, daqui para ali, procurar de um jeito que a gente conseguisse comprar. Aí eu encontrei a dona daqui, e descobri o endereço, eu e meu filho. Aí quando a gente foi na casa dela, meu filho era novo, eu também, aí eu cheguei, bati na porta e falei pra ela: “olha, eu soube que a senhora está vendendo um lugar e eu queria muito conversar com a senhora sobre isso”. Então, ela falou: “entra, vamos conversar”. E ela olhava para mim, olhava para ele, para o meu filho, e a gente novo. E pobrezinho, viu, Lucas? Pobrezinho, assim. Ela nunca acreditou que a gente poderia comprar isso daqui. Aí, ela pegou e falou: “olha, tem uma pessoa que está interessada, é uma pessoa do santo também”, porque eu tinha falado com um amigo que eu ia comprar aqui. E eu trouxe meu amigo para ver aqui o lugar. Ele me atravessou. Ele queria comprar o lugar, porque era maravilhoso. A represa, um lugar maravilhoso, tudo. Então, o que aconteceu? Ela pegou e falou: “olha, tem essa pessoa, essa pessoa está interessada, tudo”. Eu peguei e falei: “ai, e agora?”. Tudo bem. Aí eu comecei a conversar com ela, comecei a falar com ela, dizer para ela quanto que era, como que era, não sei o quê, não sei o quê. Ela pegou e falou assim para mim: “eu estou vendendo. Lá, eu não sei se vocês conseguem comprar, porque é um pouco caro”. Eu falei, “aham, tudo bem”. Ela falou, “então vocês vão embora, vocês pensam”, e foi conduzindo a gente, razoavelmente educada, conduzindo nós dois, pegou nós dois assim e foi levando para o portão. Foi levando a gente para o portão e quando a gente chegou no portão, meu filho estava com os fios de conta dele. Então ele segurou no fio de conta dele assim, aí ela olhou para ele e ela falou assim para ele: “o que vocês vão fazer lá?”. Aí ele disse, “nós vamos fazer uma Casa de Candomblé”. Ele estava chorando. Aí nós saímos, aí ela pegou… Ela voltou. “Volta aqui”. Levou nós para dentro da casa novamente. Aí nós sentamos com ela. E ela falou: “É caro”. Eu falei, “mas eu vou pagar à vista”. Não tinha um centavo. Falei, “meu Deus, como eu vou fazer?” Falei, “mas eu vou pagar à vista para a senhora. Eu vou conseguir e eu quero comprar”. Aí ela olhou para mim e falou, “o que essa pretinha está falando aqui?”. Aí ela pegou, ela falou, “olha, meu pai chamava-se Douglas, um francês, ele era um designer de automóvel. Isso daqui, ali fora, era a residência dele”. Não tinha nada a ver com o barracão aqui, não tinha nada a ver com nada que tem por aí. Aí ela falou: “meu pai era amigo de Roger Bastide e de Pierre Verger”. Eu peguei e falei: “e eu vou fazer uma Casa de Candomblé ali pra dar muito certo, dona Mariana”, eu falei pra ela. Aí ela falou o valor. E nós saímos de casa e o meu filho falou: “mãe, como nós vamos comprar isso?”. Falei: “filho, nós vamos conseguir”. Aí a gente tinha um carro, nós vendemos o carro. O meu filho, desde pequeno, desde os 11 anos de idade, antes dos 11 anos de idade, que ele trabalhava junto comigo e me ajudava. Ele conheceu uma senhora de Iansã, dona Bernadete, que ele fez um trabalho para ela sério de saúde, um trabalho que deu muito certo, e ela deu um presente para ele muito grande. Nós fizemos aqui dentro da casa um trabalho para um prefeito do interior, seu Antônio, fez o trabalho para ele, e deu um resultado muito grande, ele deu um presente muito grande para o meu filho, depositou na conta, que nós nem sabíamos quanto que era. Aí, nós fomos ver, juntamos todo esse dinheiro, dava para pagar à vista. Todo esse presente que a gente ganhou, mais a venda do carro, dava para a gente pagar à vista. Aí eu fui para o banco, antigamente se fazia um cheque administrativo. Então, aí eu estava com um envelope, com aquele cheque administrativo, porque aquilo era o ouro da nossa vida, aquilo era a nossa vida, estava ali dentro. Aí, a gente foi para a casa da dona Mariana, com aquele envelope dentro. A gente tinha medo, porque aí a gente já não tinha carro, a gente teve que ir de táxi, e com medo de ser roubado, ser alguma coisa assim. Aí nós chegamos lá, ela pegou e falou assim para nós, “não deu certo, né, dona Carmen?”. Eu falei, “não, senhora. Deu certo”. Aí eu peguei aquele envelope, entreguei na mão dela, Lucas. Ela tirou aquele cheque administrativo, que era o que garantia que tinha o dinheiro no banco. Nós assinamos todo o contrato ali. Eu assinei, ele assinou, eu coloquei no nome dele, porque eu tinha um casamento que tinha terminado, tudo. Eu coloquei no nome dele e nós compramos aqui do jeito que estava, porque era um mausoléu aqui. Aqui era um lugar muito difícil. E nós assinamos tudo, entregamos e compramos. Naquele dia, estava tudo resolvido. Fomos reconhecer as firmas, fomos fazer tudo e nós saímos dali proprietários daqui. E aqui era um lugar extremamente, era um grande mausoléu, com muitas mortes, esteve aqui dentro. Aqui dentro, os alemães frequentavam esse lugar. Mengele, Hitler, outras pessoas desse porte frequentavam aqui. Ali fora tem um lugar que tinha uma corda de couro, de boi, e tinha uma bola no chão ali, enterrada com uma argola, onde ali prendia pessoas naquele lugar. No meu entender, eles penduravam aquelas pessoas ali. Quando a gente chegou aqui, ninguém dormia aqui, porque era um barulho, um lamento, um gemido, uma coisa muito forte. E aquilo ali me causou uma impressão muito forte, porque eu falei que as pessoas vão embora por aqui. E é muito mato. Esse barracão não existia, não tinha janela, não tinha porta, não tinha escada, não tinha muro. Era uma coisa impressionante. E a gente foi crescendo aqui. A gente foi arrumando, foi trabalhando, trabalhando nós com a nossa própria mão. Nós ganhamos muitas coisas boas por trabalhos ofertados às pessoas com resultados positivos. Esse barracão com essas estruturas metálicas, essas tesouras, eu ganhei de presente de uma pessoa, de um trabalho que nós fizemos. Eu nunca imaginei que a minha casa seria desse tamanho. Quando eu ganhei isso daqui, o rapaz falou: “Mãe Carmen, a senhora aceita um galpão?”. Eu falei “aceito”. Eu nem conhecia o que eram essas estruturas. E ele pôs tudo numa carreta e trouxe para cá. E aqui tinha um rapaz que trabalhava com serralheria, com essas coisas. E ele me ajudou a fazer esse barracão. E nós fomos construindo, construindo, construindo, e se transformou no que é hoje. Então, a conquista daqui para nós é uma das coisas muito fortes, porque foi uma conquista com muita luta, muita luta, muita luta, muito sacrifício, muita fome. Nós passamos muita fome para a gente poder ter as coisas. Não é tão difícil para nós, porque eu passei muita fome. Meus filhos, os três primeiros filhos, também passaram muita fome. Eu sei fazer muita coisa, por exemplo, broto de abóbora, pé de abóbora, broto de chuchu, arapo nobles, que nascia nas cercas. Hoje, o arapo nobles é uma das ervas maravilhosas que existem. E a gente comia o arapo nobles como se fosse um quiabinho, como folha. A gente comia, misturava o feijão e o arroz, o broto do chuchu, o broto de abóbora, misturava tudo, fazia um ragu assim, e a gente comia aquilo, meus filhos comiam aquilo junto. Então, nós estávamos acostumados a viver simplesmente. Até hoje a gente sabe conviver assim. E ter comprado isso daqui, com todo esse sacrifício, com toda essa luta, porque essa luta até hoje. Hoje nós somos patrimônio do município e do estado de São Paulo. Nós estamos indo com fé para o tombamento federal, mas nós já somos municipal e estadual. Então nós fizemos muita luta para a gente chegar a tudo isso, porque a discriminação é muito séria. Eles tombam uma casa alugada, mas eles não tombam um terreiro de Candomblé. Nós temos, mais ou menos, de sete a oito terreiros de Candomblé tombados, ou seis terreiros tombados. E com muita dificuldade, muita dificuldade. E com muito orgulho, eu digo, sem falsa modéstia mesmo, eu sou uma das pessoas que tem uma casa tombada, não herança de ninguém. Porque a maioria das casas são tombadas, porque alguém lá na frente, lá atrás, fez um curso, fez um percurso. São pessoas que já morreram, que são reconhecidas e fizeram o tombamento. Eu tenho a honra de Oxum, dos Orixás do universo, ter me feito ter essa casa tombada, patrimônio comigo viva. O legado para os meus filhos, o legado para a minha ancestralidade, meus netos, meus bisnetos. Então, isso para mim é um orgulho muito grande. E nós lutamos muito mesmo quando nós compramos isso daqui. Nós passamos muita coisa mesmo para hoje ter esse palácio aqui, que é lindo, maravilhoso.
P - Vocês conseguiram limpar a casa que existia aqui?
R - Nós tivemos muitos problemas. Às vezes estava dormindo e muito barulho. Muito choro, muito barulho, muito lamento, “ai” coisas assim, porque teve muita ossada aqui, enterrada por conta desses alemães, mataram muita gente, e nas mediações também. E nós começamos a trabalhar. E tem rituais, têm casas, como o Ilê-Ìbó, que é onde ficam os mortos, como se fosse um cemitério dentro da casa. E nós fomos cuidando disso, tratando dessas almas, tratando desses espíritos, desses sofredores mesmo, tirando a carga para fora, limpando a carga, tirando esse sofrimento que tinha na terra, porque nós não conseguíamos pôr um tijolo de pé. É como se aquilo nos atrapalhasse muito. Então, nós tínhamos que limpar. Até uma galinha que a gente comprava, ela morria. Para a gente criar alguma coisa dentro, para alimentação, qualquer coisa. E a gente foi conseguindo limpar, limpar, cuidar, para hoje ser o Ilé Ọ̀lá.
P - Me conta o que é essa estrutura que está aqui atrás.
R - Isso é uma das coisas mais sagradas que tem numa Casa de Axé. Chama-se Opó. É a ligação do Ayé, que é a terra, com o Ọ̀rùn, que é o universo. Então, aqui tem um ritual plantado, aqui dentro. Ali dentro, o cipó é direcionado à nação de Jeje, porque aqui a nação é Ketu, e nós temos a nação de Jeje por conta de Babá Besen de Oxumaré, que é da nação de Jeje, que é do meu filho, o Pai Carlito. Então, aqui tem um fundamento plantado embaixo ali. E o cipó é a vida. Nós vamos crescendo. Começou com pouquinha coisa e nós fomos enrolando, enrolando, enrolando. E foi, cada dia coloca mais, cada dia coloca mais, com paciência. Então, o Ayé é a terra e o Ọ̀run é o universo, é o céu. Então, é uma direção. E é a firmeza que nós temos aqui. A firmeza com a terra e com o universo. É a garantia que vai dançar todos os Orixás aqui nesse chão, todas as pessoas de todas as cores, todas as raças, todas as etnias, pessoas de todos os gêneros, pessoas de todas as classes sociais, porque o Candomblé é isso. O Candomblé é o acolhimento. Nunca que uma pessoa vai descer essas escadas, e eu vou dizer para essas pessoas: você tem uma carteira profissional? Você nasceu aonde? Qual é o seu nome completo? A sua filiação? Você trabalha aonde? A primeira coisa que nós vamos fazer é acolher essa pessoa, pode vir com… Você é doente, você tem uma doença congênita, você tem uma doença… Nunca, nunca, nunca, nunca. Então, quando ele chegar aqui, ele tem que ser acolhido, ele tem que ser abraçado. Porque tem outras religiões que você entra naquele local, você vê estátuas que não vão te abraçar, que não vão te olhar, que não vão pegar na sua mão. Ali você ajoelha, você chora, você conversa, ali conta os seus problemas e vai embora. Dentro da Casa de Candomblé, não. “Você almoçou, quer um copo de água, quer tomar um café ou um chá?”, porque se não tiver nada de café, de comida, tem uma folha, que a gente pega aquela folha, ferve com uma água e oferece um chá para aquela pessoa. Então, o Candomblé, ele… Por que eu tenho essa fé e esse amor, Lucas? E a todas as pessoas? Porque o Candomblé, ele é um acolhimento muito grande. Ele é um amor muito grande que nós temos um pelo outro. É família. Nós amanhecemos de manhã, nós tomamos a bênção, que isso também foi se perdendo. “Bença minha mãe”, “bença meu pai”, “bença meu irmão”. Então, essa é a forma, nós reverenciamos o ser humano dentro do Candomblé. Se as pessoas estudassem o Candomblé, vissem o Candomblé como tem que ser o Candomblé, valorizariam muito mais. Não teria essa discriminação, esse desrespeito. Porque às vezes eu passo na rua, porque eu vou na farmácia, eu vou no mercado, eu vou a qualquer lugar vestida assim. E às vezes as pessoas se afastam da gente, como se a gente fosse uma coisa repelente, que tivesse que ser repelido. Então, é uma coisa muito séria, uma coisa muito forte, uma coisa muito complicada.
P - Há três perguntas, na verdade. As perguntas são curtas, mas respostas vamos ver. Primeiro, o que é a morte?
R - Eu não gosto. Eu falo claramente que eu quero viver muito. Que 100 anos é muito pouco pra mim. Eu quero viver muito. Então eu não gosto da morte. Porque eu ainda não entendo essa perda. Eu tenho amor. Então, perder, para mim, eu vou sentir falta daquilo. Não é só do ser humano, eu vou sentir falta do meu cachorro, eu vou sentir falta até de uma planta, que eu vejo morrer. Como eu vejo uma planta florescer, eu fico feliz, e se eu vejo ela morrer, eu fico triste. Então, a morte, para mim, é o momento certo. Eu sei que ela está ali, que a qualquer momento ela vai vir. É o que eu digo que é o começo, o meio e o fim. “Ninguém vai ficar para a semente”, como meus pais diziam. “Minha filha, ninguém vai ficar para a semente”. Mas a morte, ela vai… Tem momentos que ela vai te tirar o sofrimento. Tem momentos que ela vai te tirar a dor. Vai ter momentos que ela vai… Eu também entendo que o ser humano, quando ele vive pouco, é porque ele deve muito pouco. Porque o que você vai pagar não é em outra terra, não é em outro lugar. Tudo que você tiver que resgatar, Lucas, você tem que resgatar aqui. Nós temos que resgatar aqui. Você vem pra essa terra pra você ter o resgate do que você deixou lá pra trás. É igual eu falo que eu tenho meus dois filhinhos que são criados por mim e o Pai Carlito tem um que é irmãozinho, nós temos três filhinhos assim. Qual o momento que eu larguei essas crianças em algum lugar? Por que eles vieram? Eu tive que resgatar essas crianças e criar essas crianças. Pra fazer bem pra eles? Não. Pra fazer bem pra mim. Porque eles que me fazem bem, eles que me dão alegria, eles que me dão preocupações, eles que atualizam a minha cabeça. Então a morte tem momentos que ela é necessária, mas a perda é muito difícil ainda. Então eu não gosto muito da morte, mas eu sei que é o caminho de cada um.
P - E a vida, o que é?
R - É o nascimento. Eu já fiz parto há muitos anos atrás. Não como parteira, que eu não sei… Eu fui num lugar e fiz um parto junto com outras mulheres, e eu vi nascer aquela criança. Aquela criança nasceu empelicada. A senhora teve a mulher… Ela pariu a criança dentro da bolsa. E aquilo me impressionou muito. Eu era muito nova, tinha 20 e poucos anos. Eu levei um choque de ver aquela criança ali dentro daquilo, com aquele cordão umbilical ligado àquela mulher. Então aquilo, a vida, está no ser humano. Eu vi aquela criança nascer com sangue dentro daquilo, que eu tive que abrir aquilo, que elas precisavam que eu ajudasse. Eu abri, tiramos aquela criança, eu cortei aquele cordão umbilical, amarrei, e aquilo eu vi o ser humano nascer. Eu vi o quanto é importante a vida, o prazer, a alegria de você nascer, de alguém mandar aquele ser vivo para estar no seu meio. E eu tive filhos, eu tive cinco filhos, cinco filhos homens. Então, para mim, o filho, cada vez que eu sentia o filho. Eu tive filhos com distância de três anos, de dois anos, de quatro, cinco anos. Eu tive essa diferença. Mesmo que eu me cuidasse, o filho vinha. Eu tive filho programado? Não. Porque antigamente a gente se casava e tinha um filho, porque era da natureza isso. Então a vida para mim, por ser uma mulher de Oxum, eu sou uma mulher de Oxum, e a procriação faz parte da minha essência. Então, a vida é você poder viver, você amar o seu irmão, você fazer uma amizade, você ter respeito, você ter dignidade da vida, você tem que ser digno para poder viver. Você tem que ter disciplina e você tem que acreditar em alguma coisa. Mas eu tenho que respeitar quem não acredita também. “Eu não acredito naquilo”, a pessoa pode me dizer. E eu vou dizer que ele tem livre-arbítrio de não acreditar, de não querer ser uma pessoa religiosa, seja de qual, de que forma. Então, a vida é você poder viver, Lucas. Se você poder viver, só de você viver já é importante.
P - E como é que foi contar um pouquinho da sua história hoje?
R - Emocionante, eu estou emocionada. Eu sou uma mulher emocionada. Eu sou uma mulher que amo a vida, uma mulher que amo o sagrado, uma mulher que… Eu gosto de ser o que eu sou, gosto de ser a mulher que eu sou. Eu me sinto bem sendo o que eu sou. E estar com vocês… Estar contando essa história em vida, o tanto que é importante a vida, então estar viva para poder falar, para poder dizer, é muito importante. Eu nem sabia que existia o Museu da Pessoa. Eu achei de uma importância tão grande, tão grande. Eu falei: “meu Deus, meus Orixás, Olódùmarè”. Falei: “como é importante para minhas netas, para as minhas noras, os meus genros, minha bisneta, meus filhos todos: A história da Yalorixá Carmen de Oxum está sendo contada aqui”. E a importância do trabalho de vocês. É o meu trabalho, mas é o trabalho, a dedicação de vocês. Eu achei isso de suma importância. E eu fiquei muito orgulhosa de ser escolhida. Eu estou emocionada.
P - Obrigado, dona Carmen.
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