Entrevista de Sandra Amarilles Lindolfo
Entrevistada por Luiza Gallo
São Paulo, 14/10/2021
Projeto: Reciclagem: Cadeia Produtiva - Tetra Pak
Realizado por Museu da Pessoa
Entrevista n.º: PCSH_HV1133
Transcrita por Selma Paiva
Revisado por Bruna Ghirardello
P/1 – Primeiro quero te agradecer imensamente por topar esse convite.
R – Obrigada, eu que agradeço.
P/1 – E, para começar, eu gostaria que você se apresentasse, dizendo seu nome completo, data e local de nascimento.
R – Meu nome é Sandra Amarilles Lindolfo e nasci no dia 25 de março de 1973, eu tenho 48 anos, nasci em São Paulo, Osasco e é isso, sou de São Paulo, enfim, é isso.
P/1 – E quais os nomes dos seus pais?
R – Maria da Gloria Pena e João Lindolfo.
P/1 – E onde eles nasceram?
R – São de Araraquara, interior de São Paulo.
P/1 – Como você os descreveria, o jeito deles?
R – Meu pai era fotógrafo, sim, meu pai era fotógrafo e minha mãe empregada doméstica, minha mãe sempre foi empregada doméstica. Eles não eram um casal normal, enfim, meu pai não era um pai presente, eles eram separados. Então, eu fui criada pela minha mãe, na casa dos patrões da minha mãe. Eu tive uma educação muito refinada, porque a vida inteira eu fui criada na casa dos patrões dela e eles eram meus padrinhos. Inclusive meu nome veio daí, o Amarilles, era o nome da minha madrinha, que era a patroa da minha mãe e eles foram quem trouxeram essa base toda: como sentar, como se portar, eles me trouxeram, de alguma forma, algum privilégio aí, nesse processo todo, mas foi lá que eu aprendi que eu precisava estudar muito, a minha tarefa com eles era estudar, eu precisava estudar. Então, minha mãe trabalhava muito e eu tinha que estudar, minha madrinha me colocava como meta, os estudos. Mas eu aprendi, naquela época, eu lembro muito disso, todas as tarefas de casa. Então, eu passava... passo roupa muito bem, (risos) adoro, (risos) eu adoro uma casa perfumada, adoro uma...
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Entrevistada por Luiza Gallo
São Paulo, 14/10/2021
Projeto: Reciclagem: Cadeia Produtiva - Tetra Pak
Realizado por Museu da Pessoa
Entrevista n.º: PCSH_HV1133
Transcrita por Selma Paiva
Revisado por Bruna Ghirardello
P/1 – Primeiro quero te agradecer imensamente por topar esse convite.
R – Obrigada, eu que agradeço.
P/1 – E, para começar, eu gostaria que você se apresentasse, dizendo seu nome completo, data e local de nascimento.
R – Meu nome é Sandra Amarilles Lindolfo e nasci no dia 25 de março de 1973, eu tenho 48 anos, nasci em São Paulo, Osasco e é isso, sou de São Paulo, enfim, é isso.
P/1 – E quais os nomes dos seus pais?
R – Maria da Gloria Pena e João Lindolfo.
P/1 – E onde eles nasceram?
R – São de Araraquara, interior de São Paulo.
P/1 – Como você os descreveria, o jeito deles?
R – Meu pai era fotógrafo, sim, meu pai era fotógrafo e minha mãe empregada doméstica, minha mãe sempre foi empregada doméstica. Eles não eram um casal normal, enfim, meu pai não era um pai presente, eles eram separados. Então, eu fui criada pela minha mãe, na casa dos patrões da minha mãe. Eu tive uma educação muito refinada, porque a vida inteira eu fui criada na casa dos patrões dela e eles eram meus padrinhos. Inclusive meu nome veio daí, o Amarilles, era o nome da minha madrinha, que era a patroa da minha mãe e eles foram quem trouxeram essa base toda: como sentar, como se portar, eles me trouxeram, de alguma forma, algum privilégio aí, nesse processo todo, mas foi lá que eu aprendi que eu precisava estudar muito, a minha tarefa com eles era estudar, eu precisava estudar. Então, minha mãe trabalhava muito e eu tinha que estudar, minha madrinha me colocava como meta, os estudos. Mas eu aprendi, naquela época, eu lembro muito disso, todas as tarefas de casa. Então, eu passava... passo roupa muito bem, (risos) adoro, (risos) eu adoro uma casa perfumada, adoro uma casa muito bem arrumada. Então, foi dali que eu trouxe essa cultura. Então, é isso. Meu pai eu tenho muito poucas lembranças, porque vivemos muito separados, são muito poucas lembranças, mas ele era fotógrafo, ponto. Era um pai ausente, eu não tive um pai presente, é isso.
P/1 – E como era, na sua infância, a relação com a sua mãe?
R – Ah, ela trabalhava muito, era uma mãe que trabalhava muito. Então, tinha também muita cobrança com estudo sempre, o mais importante para ela era que eu estudasse. Ela tinha na cabeça, em mente, que: “Você não pode ser empregada doméstica”. (risos) Nossa, as pessoas foram longe. (risos) “Você não pode ser empregada doméstica, você tem que estudar, estude, estude, porque eu lavo cueca de patrão para que você possa se tornar uma mulher... uma pessoa diferente”. Tudo que eu tinha, que eu precisava fazer, era estudar. Eu ajudava bastante em casa, ajudava bastante, mas era muito rebelde, era a pessoa rebelde, (risos) porque veja bem: o fato de eu morar com ela, no trabalho, não significava que eu gostasse, eu queria morar com os meus amigos aonde, de fato, eu fui criada, que era no Rio Pequeno, que era na comunidade de onde nós éramos. Não era que eu queria ficar, eu queria morar onde, de fato, eu nasci. Durante a semana, morávamos lá e nos finais de semana nós íamos para minha casa, que era no Rio Pequeno. Então, essa transição de cultura - que me trouxe até aqui, inclusive porque isso foi muito importante para Sandra que eu sou hoje - para mim era muito, era violento. Mas eu queria ficar, queria ficar ali no Rio Pequeno, eu achava que aquilo era o meu lugar, eu não queria voltar. Então, todas as segundas-feiras de manhã eu tinha que voltar e tinha que ir para escola e tinha que estudar e tinha que não sei o que e os meus amigos ficavam, eles tinham uma vida diferente e eu queria ficar ali, mas ela não: “Você tem que ir para escola, você tem que estudar, você pode ter seus amigos, mas você tem que voltar”. Mas a gente tinha uma relação muito bacana, eu acho que essa fase foi me fazer entender, entender isso foi muito difícil, aos dezesseis anos engravidei, isso para ela foi uma decepção, nossa, ela ficou muito mal, porque para ela foi: “Você me traiu.” Ela não entendia aquilo. E foi muito, assim, ela não entendeu, enfim ela não entendeu. Mas mesmo assim: “Você vai estudar!” Então, tudo para ela finalizava em: “Você vai estudar!” E eu lembro, indo fazer a minha última prova do colegial, com o meu filho no bebê conforto. (risos) “Você vai levar seu filho e você vai estudar”. E aí, fui e tal. Mas a nossa relação era essa, terminava tudo em: “Você vai estudar!” Uma mãe muito carinhosa, enfim, uma mulher muito forte, mas tudo terminava em: “Você vai estudar!” Então, era muito bacana isso, é isso, né? Ela faleceu quando eu tinha... vinte anos? Eu acredito dezenove, vinte anos e para mim foi um baque, porque eu não estava preparada para ficar sozinha, eu fui mãe solteira, eu não estava preparada para ficar sozinha. Meu pai já tinha falecido, nessa época, aí ela faleceu, aí eu fiquei com meu irmão, eu tinha um irmão que, tipo, era o amor da minha vida também, ele era onze anos mais velho que eu e ele era o amor da minha vida, eu amava meu irmão. E ele faleceu, enfim, a minha mãe faleceu, aí algum tempo depois meu irmão faleceu... não, algum tempo depois eu perdi o meu filho, é isso mesmo. Aí, eu perdi meu filho com dez anos de idade, esse filho faleceu, fiquei sozinha... então, minha mãe faleceu, aí eu perdi meu filho com dez anos de idade, que é uma coisa inimaginável, porque você não está preparado... uma mãe... a gente não foi criada quimicamente para perder um filho. Quimicamente, porque eu não digo nem que é psicologicamente, é quimicamente. Porque é muito forte. A química, o que acontece dentro de você ou a transformação química, porque tudo é programado para que a gente vá antes dos nossos filhos. Então, quimicamente é uma explosão que não dá para explicar. E aí eu perdi meu filho. Seis meses depois que eu tinha perdido meu filho, eu perdi esse irmão, que eu amava de paixão e aí, eu não tinha ninguém mais. E aí, eu imaginava, falava assim: “Meu Deus, eu acho que eu me suicidei na outra vida, (risos) eu deixei todo esse povo sozinho e esse povo está me deixando sozinha”. Porque não é possível, eu estava sozinha, eu não tinha ninguém, eu não tinha mais ninguém. E o que eu vou fazer? E eu não tinha mais nada. E, antes disso tudo acontecer, eu fui trabalhar como gerente, eu fui trabalhar no Boticário e sempre fui uma pessoa que eu me destaquei nos lugares que eu trabalhei, porque eu, sem falsa modéstia, porque eu acho que a maior hipocrisia da pessoa, é não reconhecer o que ela é, é muito triste quando você não se reconhece, os seus talentos. Eu acho que, assim, você pode até, assim... é feio você não reconhecer o que você é, a pessoa que fala assim: “Pô, você é bom no que você faz”. A pessoa fala: “Aí, eu não”. Não, eu sou boa no que eu faço. Você tem que reconhecer o que você é, é feio você dizer que você não é. E eu sou muito boa no que eu faço, quando eu me dedico para fazer uma coisa, eu faço corretamente. Bom, eu fui trabalhar no Boticário, enfim, em uma loja de perfume. Porque eu não tô aqui para fazer propaganda de ninguém. Eu fui trabalhar em uma loja de perfumes e fui trabalhar como atendente e, nessa loja, de atendente - como que é a vida, né? - essa loja de perfumes, fui contratada como atendente e passou-se cinco meses, a moça falou assim para mim... e eu estava lá só atendendo, porque eu achei que era aquilo que eu tinha que fazer, aí a moça falou assim: “Olha, eu não contratei você para ser só atendente, eu contratei você para ser a melhor atendente da minha loja e o que você vai fazer?” E aí, depois de uns cinco meses, eu virei a melhor vendedora dessa loja e aí, depois de um ano, eu era a gerente regional dessa franquia. Então, eu comandava cinco lojas dela, na avenida, em Santo Amaro. Então, eu tinha loja do Largo Treze de Maio, tinha a loja, naquela região de Santo Amaro, eles tinham umas cinco lojas, era uma franquia com umas cinco lojas e eu comandava todas aquelas lojas, era uma gerente regional deles. E foi uma fase muito importante para mim, porque foi uma época, uma fase que despertou em mim, a minha fase perua, (risos) porque eu tinha que andar de salto alto e foi uma coisa que eu sempre gostei, só que eu nunca tinha muita oportunidade de fazer isso, porque eu vinha de uma comunidade, de não sei o quê e eu não tinha tido ainda a oportunidade disso. Eu gosto muito de samba, mas eu não me vestia... são situações diferentes. Então, eu pude ser uma mulher elegante, que é o que eu gosto de ser, eu gosto de ser elegante. E, naquele momento, essa franquia, era uma época que as ‘botiquetes’ enfim, como a gente chamava, eram elegantes, nós tínhamos que usar saias midi cintura alta, de camisa, blazer. Então, nossa, eu era ‘A’ gerente regional. Então, foi uma época que me tornou... só que essa questão toda me fazia ver esse meu filho de dez anos só dormindo, porque eu chegava em casa, saía de casa, ele estava deitado e só voltava à noite, ele estava dormindo. Então, eu não via, ele saía para escola, quem o colocava na escola era o meu irmão, quem o buscava na escola era o meu irmão. Então, eu só o via dormindo e, no final de semana, a mesma coisa, porque quem trabalha em shopping... e aí, um ano depois disso acontecer, dele ter falecido, eu pedii: “Olha, eu estou cansada e eu quero sair, quero ficar um tempo em casa, que eu estou cansada e tal”. Foi a época que eu conheci o meu ex-marido, meu primeiro ex-marido e aí eu falei: “Eu quero ficar em casa e tal”. E pedi para sair e fiz um acordo, enfim, eles me liberaram e eu fiquei um ano com esse meu filho, em casa. E aí, nesse um ano foi quando aconteceu isso, que eu perdi esse meu filho. Então, o universo é maravilhoso, porque ele me presenteou, eu consegui viver um ano com meu filho, porque depois disso eu perdi. Ponto. E aí acaba a história do Gustavo. Aí, não, não acaba ainda não, espera aí. Bom, aí eu estou com o Gustavo, aí eu saí do Boticário, dessa empresa, tal e fiquei um tempo em casa. Nesse tempo todo, como eu sempre ganhei muito bem, eu também gastava muito bem, porque é consequência: eu ganhava muito bem, eu gastava muito bem, eu casei com uma pessoa que tinha um problema YX, que também gastava muito. Então, isso veio ser consequência de todo um processo e aí teve uma hora que eu fiquei sem grana e eu falei assim: “Cara, eu preciso voltar a trabalhar”. Só que eu tinha uma carteira de trabalho que era muito, muito... como se diz? Hoje as pessoas usam: “Nossa, a sua carteira é muito forte Ela é muito,muito graduada.” Então, ninguém queria me contratar, nem inclusive o Boticário, porque assim: “Você é uma gerente regional de cinco lojas, onde eu vou te enfiar? Eu não tenho condições, não sei o que, não sei o que lá. Você saiu, já tem uma pessoa no seu lugar, não tem como te contratar”. Era uma coisa, era uma coisa meio absurda. Aí, eu fiquei um tempo desempregada, só que eu vi que a coisa começou a apertar e é óbvio, quem está em um cargo... a gente entende, muitas vezes, quando a gente está em uma situação muito boa na vida, a ter uma empáfia muito grande e o universo também te mostra, tem que te mostrar o outro lado, porque você precisa aprender, muitas vezes, a olhar para frente e não simplesmente para cima. E aí, tudo que a minha mãe não queria, um belo dia chegou uma pessoa e falou assim para mim: “Sandra, olha só, você está chorando aí, falando que está desempregada e tal”. E não tinha emprego, não tinha, estava uma situação que ninguém queria me contratar e eu já não sabia mais o que eu fazia e o meu marido estava desempregado e não conseguia, aí tinha outros problemas Y, X, que eu acho que não me cabe abrir a intimidade dele aqui, enfim. E aí, ela pegou e falou assim: “Por que você não vai... eu estou com uma pessoa que trabalha”. A pessoa era diretora de um supermercado e essa pessoa estava precisando de alguém para passar as camisas dele: “Por que você não vai lá e passa as camisas dessa pessoa?” Nossa, eu só chorava porque, o que a minha mãe tinha dito? “Eu quero que você faça tudo na sua vida, menos que você seja empregada doméstica”. Lá vou eu ser empregava doméstica, o que eu fiz? Eu precisava sustentar meu filho, aí eu peguei, fui lá e aceitei o serviço e fui empregada doméstica. “Ah, eu estou desprezando o fato de ser...?” Não, pelo contrário, fui emprega doméstica e foi muito bom, mas assim, aceitar aquilo, para mim foi muito difícil, porque eu tinha uma empáfia muito grande, eu era a perua, eu ia trabalhar em plena Nove de Julho com um salto ‘deste tamanho’. (risos) Eu descia a Nove de Julho, com um salto ‘desse tamanho’ que, no dia que eu cheguei, no primeiro dia de serviço, a mulher falou assim: “Você está fazendo o que aqui, com esse...”. (risos) Falei: “Olha, por favor, eu só sei andar assim, pelo amor de Deus, não me tira isso. Eu sou essa pessoa, não adianta, não me tira isso”. E eu acredito que, quando você quer uma coisa realmente, da tua vida, você tem que ser aquilo que você projeta, eu projeto isso na minha vida, eu projeto que, quando eu quero uma coisa diferente na minha vida, eu projeto aquilo, eu tendo a pensar que aquilo já é meu. Então, não me tira isso, é o salto e ponto. E eu ia na Nove de Julho, descia aquela Nove de Julho para tomar o ônibus, com aquele salto enorme e voltava e descida e voltava e trabalhei um tempo. Aí, no dia do aniversário de três anos do menino que era da casa lá, enfim, eu sei que foi o dia que aconteceu o falecimento do meu filho, nós fomos em uma festa e aconteceu o falecimento do meu filho. Bom, foi nesse dia que, enfim, acabou a história do Gustavo e aí eles falam assim para mim: “Sandra, você quer ir trabalhar com a gente no escritório? Você mudou toda a política aqui da casa”. Então, esse cara era um diretor de um grupo de supermercados muito famoso e o tempo que eu fiquei na casa dele, eu mudei toda política da casa dele, toda, toda, toda. Então, ao invés de eu ser uma empregada, passadeira, eu virei uma governanta na casa dele e mudei toda política, desde a forma de atender o telefone, até a forma com que se limpava, que se organizava, quais eram as gavetas, tudo, tudo que vocês possam imaginar, eu mudei na casa dessa pessoa: a forma que servir jantar, a forma que não sei o que... porque isso tudo eu tinha aprendido. Então, tudo que acontecia naquela casa, acho que foi em dois ou três meses, eu mudei tudo. Quando aconteceu o negócio com meu filho, eles viram que eu estava muito mal e eu acho também com medo de eu ficar com o filho deles em casa, porque é normal, é psicológico: “Ela acabou de perder um filho, eu vou deixá-la com meu filho dentro de casa?” Não sei, talvez, talvez não, não sei, eles viraram para mim, eles tinham uma empresa de marketing, eles viraram para mim e falaram assim: “Sandra, você não quer vir trabalhar comigo, no escritório?” E aí eu fui trabalhar com esse pessoal, eu falei assim: “Ah, tudo bem”. E aí: “Você mudou toda a nossa casa, enfim, imagina o que você pode fazer para a gente, na nossa empresa”. E aí eu fui trabalhar com esse pessoal, no escritório deles, ponto. E foi muito bacana, foi lindo (risos) e aí, já é uma outra história, mas aí eu, sei lá, eu acho que tanta coisa aconteceu nesse processo, não sei, o que mais eu posso falar? Isso é a história do Gustavo, nesse meio tempo sim, estava casada.
P/1 – Posso voltar um pouquinho?
R – Pode, volta, volta, é justamente o que eu te falei, eu vou me perdendo.
P/1 – Eu vou voltar bem, tá?
R – Tá.
P/1 – Eu queria saber como era a sua relação com os seus padrinhos.
R – Ah, como os meus padrinhos? Ótimo.
P/1 – Lá na infância.
R – Tá, minha madrinha foi uma pessoa maravilhosa, ela foi uma base, assim, tipo uma pessoa que eu passava por ela e se eu tivesse cantando uma música em inglês, ela falava assim: “Coloca essa menina em um curso de inglês amanhã”. Meu padrinho é uma pessoa muito distante, ele era o provedor. Então, ele tinha uma empresa de engenharia - os dois brancos - e ele era o provedor, ele era... engraçado, ele era... essa história dele é muito engraçada também, ele era do... eu acho que não falando o nome da pessoa, eu acho que é tranquilo. Mas é muito engraçado um lance que vi outro dia, ele ia muito no Jockey Club. E eu achava aquilo o máximo. Todas as quintas-feiras ele tinha um passe livre e ele ia no Jockey Club. E eu achava o máximo que ele ia com os amigos no Jockey Club, era uma época, imagina, eu tenho 48 anos, vocês não imaginam o que era aquilo, mas era muito legal, só iam aqueles executivos e tal no Jockey Club, não sei o que, eu achava aquilo o máximo. E eles iam lá, apostavam, não sei o que, não sei o que lá e outro dia, eu fui no Jockey Club e eu me vi na arena e falei: “Cara, olha onde você chegou”. Que era, para mim, um terreno muito:: eu nunca vou estar lá. E eu estava ali, falei: “Cara, que doideira!” Mas, então... (risos) A relação com eles era muito legal, eu acho que a minha relação com o masculino, assim: meu pai distante, meu padrinho super distante e minha madrinha muito presente, muito presente. Então, ela me via cantando em inglês: “Ah, põe essa menina no curso de inglês amanhã”. Ela é uma mulher também super empreendedora, ela é jogadora de tênis, professora de educação física, jogadora de tênis no Clube Pinheiros, uma mulher extremamente refinada, falava um monte de línguas. Sei lá, minha relação com ela era muito, muito foda assim. Uma pessoa muito bacana, muito legal mesmo.
P/1 – E quais eram os principais costumes, assim, que você lembra da sua infância, vocês tinham datas comemorativas? Tem alguma comida, algum cheiro que te remete à infância?
R – Jiló, olha que legal! Eu tinha uma tia, muito legal, jiló. Minha mãe, eu passava férias na casa da tia Dita, (risos) minha mãe me mandava para passar férias na casa dessa minha tia e eu odiava jiló. E todas as vezes que eu chegava lá, a minha tia fazia bandejas de jiló, de todos os tipos, se não gosta de jiló, então ela colocava jiló no feijão, no arroz, em tudo quanto é lugar, só podia faltar fazer sopa de jiló. Hoje eu amo jiló, mas por causa dessa tia. (risos) Mas então hoje, todas as vezes, tanto que nas minhas marmitas fitness eu sempre peço jiló. Porque, nossa, eu sinto minha tia. Tem muito gosto de infância para mim jiló, é muito louco, jiló é uma coisa que eu realmente tenho uma lembrança, poderia ser uma coisa que pudesse me traumatizar, mas não, é uma coisa que me traz a família. Não sei, aconchego, me traz jiló. Jiló me traz aconchego, é isso.
P/1 – E a relação com o seu irmão, você morava com ele?
R – Nós morávamos, nós temos uma casa no Rio Pequeno e ele sempre morou, ele tinha uma casa a mais ali no Rio Pequeno e nós morávamos no mesmo quintal, ele era onze anos mais velho que eu. Então, tudo passava por ele. Eu era a caçula, antes de mim teve um outro irmão, que faleceu e depois a minha mãe engravidou novamente, esse irmão faleceu atropelado e eles eram muito amigos, os dois, eu vim depois. Então, como eu era menina, eu fui muito mimada. Então, para ele eu era a peste e a gente tinha uma relação muito louca, a gente era apaixonado e a gente era apaixonado um pelo outro, mas a gente convivia brigando, ele era meu ídolo em tudo e ele me ensinou a dançar, mas ele era superprotetor. Então, assim, selecionava quem podia chegar perto de mim, quem não podia. Uma coisa muito interessante dele: “Se você quiser usar...” - eu nunca experimentei droga, mas ele sempre falou: “Se você quiser, um dia, experimentar a droga...”. Ele, sim, todas as que você possa imaginar. (risos) Ele, todas. Então, assim: “Se um dia você quiser experimentar droga, você vai sentar na minha frente e vai experimentar na minha frente, você entendeu?” Porque a gente morava numa comunidade, então, assim, a probabilidade de eu querer experimentar ou usar droga era muito grande. Ele falou: “Não tem problema, se quiser usar é justo, porque todo mundo usa, mas se você quiser, você vai sentar na minha frente e vai usar na minha frente, tá bom? Ok? É só isso que eu estou te pedindo”. Mas eu nunca tive essa vontade, até porque eu acho que o meu receio de sentar na frente dele, ficava imaginando, eu falei: “Meu, olha esse cara louco, eu vou sentar na frente dele e vou usar?” Então, assim, nunca consegui ter essa proeza e passou, ele faleceu, enfim. Ele, inclusive, faleceu de obesidade e acho que isso é um grande receio mesmo meu e eu nunca, nunca usei droga. Mas ele era um irmão muito protetor, muito bacana, sei lá, uma pessoa muito gente boa. Tínhamos nossos perrengues, muito, já teve muito ‘carreirão’ assim, sabe, porque ele era enorme, (risos) muito ‘carreirão’, descia uma escada correndo, eu o ‘dedava’, era uma coisa absurda. Jesus, o que era aquilo? Mas era uma pessoa, assim, que eu não sei explicar, mas eu acho que é isso. Família é isso, né? Família é isso, família é muito esse lance desse aconchego, família são as relações de amizades que a gente tem, se a gente for, eu acho que, nas relações de amizade, a gente desenvolve essa relação de família. E é muito parecido, é muito parecido. E hoje eu consigo entender que as pessoas cumprem missões nas nossas vidas, porque a diferença da família para os amigos é que os amigos vão embora, a família morre. Então, familiar morreu, os amigos não, termina a missão, eles vão embora. Então, as pessoas saem da nossa vida mesmo, de qualquer forma, então o familiar morre. Então, ele terminou a missão dele, você fica lá, a família morre, ponto, foi embora. O amigo não, terminou a missão, ele simplesmente sai, enfim. Mas que essa relação eu acho que é igual a de um amigo, do familiar é a mesma coisa, eu acho muito legal, é isso.
P/1 – E, para você, como foi crescer, fazendo essa transição que você falou? Morando em bairros distintos, como era isso, para você?
R – Bem complicado, minha cabeça fica louca, porque para uma criança foi muito difícil, até em uma época onde você não era aceito, eu estudava na mesma classe que Eliana, apresentadora, estudei junto com ela. Inclusive foi muito engraçado essa época, a gente fazia até dieta juntas. (risos) Era muito engraçado. É muito difícil, foi muito difícil, em uma época que o negro não era aceitável, eu não me aceitava, porque naquela região do Itaim Bibi, por exemplo, primeiro que escola estadual era muito boa, você não precisava estudar em uma escola particular. Então, as pessoas que estudavam na minha escola eram pessoas muito, muito, muito filhinhos de papai, mesmo. E escola estadual era muito boa, muito boa mesmo, tanto que eu e a Eliana, a gente era muito perdida ali, porque ela era filha de zelador, eu era filha de empregada doméstica, nós estávamos ali, na mesma escola e tal e eu era negra e, assim, não com as possibilidades que se tem hoje. Hoje você tem: você arruma seu cabelo, você tem uma roupa legal, você tem orientação, você tem referências, você tem coisas que você não tinha, naquela época. Então, você não tinha como arrumar o seu cabelo, você não tinha referências, você não tinha incentivo, você não tinha nada, nada, absolutamente nada, era você e você. Era um momento, uma situação muito difícil, era muito difícil ser negro naquela época, ser negra naquela época. Eu fazia parte do time de vôlei. Então, você tinha que ser melhor que todo mundo, né? Aí eu fui chamada pelo Banespa e você tinha que ser melhor que todo mundo, mas você tinha que ser melhor que todo mundo mesmo. Eu acho que a minha gravidez foi uma forma de eu escapar daquilo tudo, hoje eu consigo ver isso com os outros olhos, eu tinha escapar daquilo, porque era muita pressão, você tinha que ser muito boa no que você fazia e era cobrança de todo lado: tinha minha madrinha me cobrando, minha mãe cobrando, todo mundo me cobrando, porque eu tinha que ser muito boa. Quando o Banespa me chamou, eu falei: “Meu Deus, e agora, o que eu vou fazer?” Porque eu jogava muito vôlei. Então, eu acho que tudo isso, essa pressão, vamos, né: “Vai, Sandra, vai, agora você vai”. (risos) Ai, meu Deus, eu só vim jogar um pouquinho de bola, (risos) eu estou cansada, estou cansada, me deixa um pouquinho. (risos) E nada. E não, vai, você vai, ‘pô’, você virou uma jogadora e tal. Lembro atravessando aquilo para ir para o Centro Olímpico do Ibirapuera e eu estava ficando enorme, sabe, porque eu também sempre fui grandona e eu estava ficando enorme, eu falava: “Caramba, como eu cheguei aqui, meu Deus do céu?” E vendo aquelas meninas grandes para caramba jogando aquelas bolas, batendo aquelas bolas em cima de mim, eu pegando aquelas bolas, eu falava: “Deus”. Eu acho que a gravidez foi, sim, uma escapatória. Então, assim eu não tinha cabeça, aquilo estava ficando muito pesado, muito pesado. E a gente não tinha, a gente não tinha saída, era muito difícil, desculpa, era muito difícil, (choro) viver sem referência é difícil. Você precisa ter alguém para você se espelhar e eu não... o espelho que eu tinha era minha mãe. Minha mãe, por mais que ela quisesse me falar que existia um outro lado, eu não via esse lado, eu não tinha como ver esse lado, que lado que era esse? Hoje eu faço muita questão de ser uma referência mesmo, de chegar na cooperativa e ser essa mulher que os meninos apontem e falem: "Meu, olha a negona chegando, cara! Ela é muito louca!" As meninas chegam, me abraçam. E elas falam assim: "Mano, você é foda!" Porque eu faço questão disso, porque eu quero que elas vejam que elas podem ser isso, elas podem ser, elas podem ser o que elas quiserem, porque é muito difícil você não ter referência. Eu acho que vocês pegaram em um ponto que, para mim, é crucial, exatamente isso, é isso que eu quero ser para essas meninas, sabe, de cooperativa, porque é um mundo muito machista, cara! E não precisa ser, não precisa ser, eu digo dentro do universo cooperativista, sabe, elas podem fazer a unha para fazer... por que não pode fazer a unha? Por que elas não podem se arrumar? Por que elas não podem estar com um cabelo legal? Por que elas não podem não sei o quê? Meu, tem chuveiro na cooperativa, à vontade. Sai da cooperativa bem, chega na cooperativa bem e é isso que eu quero ser para elas, eu quero ser essa referência e é lindo demais isso. Porque eu vivi sem referências, eu vivi sem referências e não foi fácil chegar até aqui, eu tenho fotos minhas, que eu até esqueci de separar, que a Giu me pediu. E de antes, quem era Sandra? E eu olho para as minhas fotos, eu não consigo me reconhecer, porque eu falo assim: “Cara, quem é você?” Eu fui criando essa pessoa e, detalhe, sozinha, porque por muito tempo ainda fiquei sem referências e eu era apontada pelas pessoas, por que as pessoas falavam assim: “Meu, por que você precisa fazer isso? Por que você precisa se vestir assim? Por que você precisa ser diferente das pessoas? Por que você precisa andar de salto alto? Por que você não sei o quê?” As pessoas me criticavam demais, eu fui apontada muito, muito, muito, muito: “Não, porque ela é muito perua, porque ela é muito não sei o quê”. As pessoas não conseguiam enxergar que eu precisava ter a minha essência. E isso é muito louco, né: você não poder ser quem você é e eu passei isso esses dias, inclusive, com o meu filho. Meu filho faz inglês, faz espanhol e aí, enfim, chegou uma nota dele de espanhol e na nota estava escrito... nota de interação, é interação? É interação, acho que é interação a nota e eu falei assim: “Essa nota é baseada no quê?” Ela falou assim: “Ah, ele é tímido, ah, então, ele é tímido e tal”. Eu falei: “Mas espera aí, (risos) oi? (risos) Ele é tímido? E...? Eu crio o meu filho justamente para ele sair dessa bolha, como assim, ele é tímido? Ele tem que fazer gracinha na aula? Ele tem que pular, fazer graça? Eu não entendi, ele ser quem ele é não é o suficiente para a escola? Ele tem que ter um padrão para vocês?” As pessoas se perderam com essa questão de julgar o outro pelo que elas querem que ele seja, que as pessoas querem que as pessoas sejam do jeito delas. Opa, espera aí! “Ah, tá, vamos rever” “Não, espera aí” “É, realmente nós estamos errados, vamos ver”. Aí foram olhar o que a escola que, na verdade, o projeto do colégio queria dizer, da escola de educação de línguas que ele frequenta, aí eles perceberam que não, que a professora estava julgando-o errado, aí vão fazer uma reavaliação, porque não existe isso. As pessoas chegaram em um ponto de querer julgar as pessoas pelo o que elas acham que elas podem julgar e você não pode fazer isso, cada um tem direito de usar tênis, ou usar salto, se quiser, usa o que for mais confortável para você. E é isso: referência. Eu acho que é, assim, a maior, para mim, da minha parte, da minha infância, da minha adolescência, eu acho que mais da minha vida como mulher, é isso: a falta de referência foi muito triste. Quando começaram a aparecer as referências e as pessoas começaram a me aceitar como elas... como eu sou, porque começaram a aparecer as referências. Então, as pessoas começaram a falar: “Ah, Sandra é normal, pô. (risos) A Sandra é normal”. Porque até então, eu não era uma pessoa normal, quando eu falei assim: “Eu vou sair da minha casa, porque eu não quero mais, eu quero viver, eu quero ser feliz, eu quero ter o direito a ser feliz!” Quando eu falei isso, as pessoas falaram, assim: “Meu, essa mina é louca, largar um casamento de vinte anos, ela é louca”. Não, mas eu não sou, você entende? (risos) As pessoas acham que não, hoje aí todo mundo se separou, hoje as pessoas falam: “Nossa, que show!” Não, mas eu fiz isso ao quê? Há cinco anos e é normal. Para mim era normal aquilo, o fato de você ser pioneiro, na verdade te causa muita dor, te causa dor ser pioneiro, né? Então, te causa dor primeiro, para depois amadurecer. Então, é duro isso. Eu acho que é bem isso: ser pioneiro te causa dor, mas eu não desisto de ser pioneira nas coisas, nas minhas lutas, nas minhas crenças. Eu vou ser pioneira e eu não estou nem aí para ninguém, eu vou ser pioneira, eu adoro isso, porque as pessoas vão ter que me aceitar do jeito que eu sou. É lamentável, é lamentável isso. Enfim, diga-me.
P/1 – Tem alguma história marcante da sua infância, que você queira compartilhar?
R – Da minha infância?
P/1 – Que te marcaram, de alguma forma, pode ser da escola ou não.
R – Ah, da minha infância... sei lá, deixa eu lembrar...
P/1 – Ou brincadeiras...
R – Não lembro uma coisa da minha infância...
P/1 – Como foi, para você, ir crescendo e ganhando responsabilidade? Como foi a gravidez, descobrir que estava grávida?
R – Ah, foi um choque. (risos) Foi um choque, meu Deus, foi um choque. Foi um choque ter que enfrentar meu irmão, a minha mãe porque, meu irmão sempre disse assim para mim: “Olha, eu sei que você tinha namorado, não sei o que, mas para mim você seria virgem até... se você não tivesse filho, você seria virgem para o resto da vida”. (risos) E decepcionar essas pessoas, para mim, era muito difícil, porque eles eram a minha rede de segurança e a decepção, saber que eu estava decepcionando essas pessoas, para mim era muito difícil. Então, foi bem complicado, não foi legal, mas depois que tudo isso passou, foi muito bacana, porque ele foi uma benção. Gustavo foi uma benção, foi muito legal. O difícil foi, realmente, passar por isso, e aceitar aquela situação, que eu ia ter que passar por aquilo sozinha, não tinha um companheiro para passar aquilo e eu sou uma mulher romântica. Então, eu achava que eu tinha que ter um companheiro, eu achava que a vida ideal seria eu e uma pessoa, que meu filho tinha que ter uma pessoa, eu tenho uma mão podre da porra, (risos) mas eu achava que eu tinha que ter um companheiro naquele momento e tal. Isso foi bem difícil para mim, mas foi gratificante a pessoa, em si, a pessoinha, sabe, a pessoa em si foi muito bacana, foi lindo, essa parte foi linda, mas é assim: eu, hoje, esperaria mais. Então, o que acontece? Foi lindo, foi maravilhoso? Foi, mas eu acho que hoje a gente tem métodos contraceptivos e acho que as meninas podem esperar mais. O sexo é maravilhoso, não tiro, né, esse lance, mas eu sempre, quando converso com muitas meninas que são minhas fãs, inclusive uma delas é uma moça que trabalha aqui na administração do prédio, uma estagiária e ela sempre: “San, eu quero falar, eu quero conversar e tal”. E eu sempre converso com elas e falo: “Cara, tem tanta coisa para você fazer na tua vida, meu e gravidez não é profissão.” Tem muita coisa para você explorar antes de ter um filho, eu não sei nem se eu teria um filho hoje, se a gente for olhar bem, eu acho que tem muitas experiências que a gente tem que passar na nossa vida, como casamento, (risos) são experiências. (risos) Então, assim: “Você é contra?” Não, não sou contra, pelo contrário, sou a favor, mas eu não sei. Você tem que tomar algum cuidado para falar sobre algumas coisas, mas tem muitos métodos contraceptivos, dá para esperar: “Você pode fazer?” “Ah, pode!”. Mas, sabe, se cuida, dá para você ir ao médico, dá para você usar camisinha, dá para você... existem N situações que você pode se preservar e curtir a vida, mas sem gerar uma outra vida, porque é uma responsabilidade muito grande, é muito grande. E eu tenho hoje, meu filho tem quinze anos, um metro e noventa e é um puta cara, um cara muito bacana, um cara muito legal, meu Deus, ele é um cara muito bacana, eu dei muita sorte, porque ele é um menino muito estudioso, ele quer ser médico. Então, ele é muito focado. Na linha dele, é concentrado nas coisas que ele faz. Mas o que acontece? O que alguns pais não achariam normal, que é, por exemplo: “Pô, eu queria meu filho na rua, jogando bola, fazendo o que, fazendo não sei o quê”. Não. “Você já viu médico na rua jogando bola, não sei o que, não sei o que lá? Não”. (risos) Ele é introspectivo, porque ele quer ser médico, então, ele não está na rua jogando bola e você tem que lidar com isso. Então, assim, você concorda que é difícil para uma mãe também ter que lidar com essa parte? Então, o que ele vai fazer? Não vai jogar bola, o que ele faz? Ele fica lendo o livro dele de química, de biologia, aí você fala: “Meu Deus, esse menino está doente, meu Deus do céu, Deus do céu!” Aí, você liga para a sua terapeuta e fala: “Eu vou matar essa criança, não é possível que é normal, não está normal?” Aí, ela fala: “Mas, meu amor, você já viu algum médico sendo simpático com as pessoas, pulando Carnaval, não sei o que, você já viu? Não viu. Então, por favor, (risos) ele está normal, quem não está normal é você, que está surtando, porque o menino está dentro do quarto, estudando”. Então, assim, está em férias, está de mau humor; voltou às aulas, o cara está: “Pô, que legal!” Eu falo: “Oh, meu Deus, ele é doente, ele é doente”. (risos) Então, eu surto, eu surto. Então, assim, é muita responsabilidade. Então, é uma responsabilidade que, porra, você com quinze, dezesseis anos não precisa ter. Você não precisa ter, vai curtir a vida, tem muita coisa para fazer, muita coisa para fazer. Então, é isso, eu acho que hoje eu esperaria mais, mas naquela época, também, a minha mãe não falava comigo sobre sexo, mal se falava sobre sexo, era um tabu nas famílias falarem sobre sexo, não se falava. Eu lembro que a minha cunhada falou assim para minha mãe: “Coloca anticoncepcional na comida dessa menina” “Imagina, minha filha!” (risos) Então, assim: são coisas que eram tabus, hoje em dia a gente conversa sobre sexo em qualquer mesa de reunião, com uma criança sentada do lado, mas naquela época você não podia falar sobre sexo. São situações e situações, né? Então, hoje, imagina ter uma criança de, sei lá, doze anos e a gente está falando: “Então, né, vamos falar sobre sexo”. Meu filho fez onze anos, eu dei para ele um livro sobre sexo, ponto. Liguei para o pai dele e falei: “Você conversa com ele, ou eu converso” “Não, pode deixar que eu converso” Ah, então está bom”. Entendeu? Então, é assim, tem que ser assim, é a vida e a gente tem que deixar os nossos com os pés bem no chão, porque a realidade é essa.
P/1 – E como foi se formar na escola, trabalho e escola? Ter um bebê e ter que escolher...
R – Ah, não foi fácil. Porque existia uma vergonha, sei lá, tipo: “Ai, meu Deus, lá vou eu levar uma criança para a escola, todo mundo vai ficar perguntando e não sei o quê”. Não foi uma coisa muito fácil. (risos) Mas foi, era o que tinha naquele momento. Então foi e eu acho que a intenção da minha mãe era essa, mesmo, porque ela dizia: “Se eu deixar, você vai ter um filho de cada pai, então você vai ter que passar por esse processo”. E eu acho que ela não estava errada. Hoje a gente contabilizando o processo, a gente vê que ela não estava errada. E foi, passou, foi um processo tranquilo, vergonhoso, na época vergonhoso, difícil, mas foi tranquilo. E aí, fui sair e tal. Quando, logo que eu terminei, ela já faleceu. Então, eu queria entrar na faculdade logo em seguida, mas já não consegui, aí já não deu, já não rolou, eu voltei depois, com uns vinte e pouco... um poucão. Foi isso que aconteceu.
P/1 – Nessa época de juventude, como você se divertia? O que você gostava de fazer?
R – Ah, dançar. Nossa, como eu gosto de dançar, eu amo dançar, meu Deus do céu, como eu amo dançar, amo dançar, mas eu nunca... ao mesmo tempo que eu gosto de dançar, eu sou muito recatada, olha que loucura! E é sério isso, as pessoas falam: “Sandra, você é tímida” “Sou”. Eu sou muito recatada. (risos) Hoje eu sou um pouco mais ‘light’, assim, mas eu sou muito assim, contida. Então, é difícil para mim, foi difícil para mim, mas o meu lance é dançar, sempre gostei muito de dançar, seja em um som no último volume, seja comigo mesma, sabe, eu tenho muito esse lance, pandemia foi e me despertou uma caixa de som em casa, dançando no último volume, porque não saio para lugar nenhum, não saio ainda, não saí ainda. Então, eu sou muito dessas de me curtir, sabe, curto a mim mesma e está tudo bem, vai rolar, uma hora vou estar permitindo e eu vou sair e eu vou fazer o que eu tenho que fazer, mas eu sou muito dessas de curtir a mim mesma, mas eu amo dançar. Nossa, é minha vida, adoro dançar, amo, amo, amo dançar. (risos)
P/1 – O que você gosta de dançar?
R – Ah, eu gosto de dançar samba, eu gosto de dançar samba, eu gosto de dançar samba-rock, eu gosto de dançar black, eu gosto de dançar músicas negras como um todo, eu adoro. Eu consigo uma entrega minha, assim, de coração, muito grande. Eu sinto que tem um coração batendo, assim e é muito gostoso para mim, eu gosto, mas eu não gosto de muito, nada muito... apesar de frequentar quadra de escola de samba, às vezes, essas coisas, não é minha praia, não é o que eu gosto muito, o que eu gosto mesmo é daquele samba gostoso, mais leve, que você fica escutando, aí você dança um pouquinho, aí você volta, eu gosto disso, até porque eu sou uma jovem senhora. Então, não dá para ficar pulando, pulando e pulando, (risos) não dá para ficar pulando, pulando e pulando. É o básico ali, sabe, mas eu adoro, é isso que eu gosto de fazer, eu amo! Amo, amo, amo, amo, é muito louco. (risos)
P/1 – E você começou desde cedo?
R – É, porque o meu irmão me ensinou a dançar e eu adorava aquilo. Meu irmão, nossa, eu adorava. Quando ele começou, todo mundo tinha um tal de Sandália de Prata, um monte de baile que eu nunca fui, porque ele nunca deixou, só podia ir ele e os amigos dele, eu fui muito mal tratada nessa infância, (risos) nesse processo. (risos) Ele tinha uns bailes, uns lugares que eu não podia ir, ele ia com os amigos dele e eu não podia ir. Então, mas tudo o que eles faziam lá, ele fazia, para que eu visse. Então, fazia os passinhos, fazia não sei o que, não sei o que lá e nisso eu fiquei muito contida, porque eu não podia sair. Então, essa parte eu nunca vivi, esses bares que todo mundo falava: “Ah, eu fui no... sei lá”. Tem outros bailes que o pessoal fala, não sei o que, eu nunca vivi, eu comecei a sair sozinha agora, eu acho que depois desse meu segundo relacionamento aí, que eu comecei a sair sozinha mesmo, porque saio, danço, sozinha, volto para casa e saio e digo sozinha porque é muito engraçado, porque como eu sou um mulherão muito grande, as pessoas sempre acham que vai: “Ah, vai chegar alguém, vai chegar alguém” e ninguém encosta. Então, eu curto a noite muito bem, vou embora para casa e volto. Ponto. Mas é isso o que eu faço, é bem assim, mas é gostoso, é o que eu faço da minha vida.
P/1 – E, Sandra, depois da escola, quais foram os próximos passos? Você foi trabalhar?
R - Depois da escola eu estava, deixa eu ver, depois da escola, eu entrei para o Boticário, né? É, depois da escola, entrei para o Boticário. E aí fiquei por um tempão.
P/1 – Aí depois se tornou a governanta da casa?
R – Aí, depois, me tornei governanta... é, eu virei passadeira, né? Aí foi isso mesmo: Boticário por um tempão, aí depois virei passadeira, governanta na casa dessas pessoas, depois eu fui trabalhar para eles. Aí eu fui trabalhar nessa empresa.
P/1 – Como que foi?
R – Ah, tá. Duro, não foi fácil. (risos) Então, aí eu fui trabalhar nessa empresa, como secretária. Eles estavam montando uma empresa que dava aula de culinária, enfim. E eu fui trabalhar nessa empresa como secretária, montar os menus, as receitas. Eu cuidava dessa parte, das agendas, marcava os cursos, enfim. E aí eles tinham uma sócia e essa moça cuidava da parte operacional e ela era muito boa. E ela me ensinou muita coisa, tenho muita gratidão por ela. E ela me ensinou muita coisa. E não foi fácil, aprendi na porrada. Só que, nesse meio tempo, eu tive uma trombose venosa, então fiquei ameaçada de perder a perna. Ih, agora vem a coisa louca, que a Sandra perdeu a perna (risos). E aí o médico falou assim: “Sandra, você vai ter que parar, porque senão eu vou ter que tirar a sua perna”. Menina do céu, olha, quando eu lembro, é como se fosse hoje. Gente, fui na praia, comecei a sentir uma dor na perna e não conseguia andar. Todo mundo na praia, Carnaval, todo mundo se divertindo e eu no carro, com a perna para cima. Aí eu falei: “Gente do céu!”, eu não conseguia me mexer. Eu falei: "Acho que foi picada de pernilongo, né?” Só que aquilo não passava, aí cheguei em São Paulo, fui para o Hospital Universitário. A minha sorte foi que eu peguei um médico muito bom. O médico na hora viu o que era e ali comecei a tomar Marevan, com aquele outro remédio lá, a injeção na barriga. E ele falou assim: “Cara, é o seguinte: você vai começar a fazer uma dieta restrita de ácidos. Fazer caminhada todos os dias, daqui a uma semana você vai voltar. Eu não vou deixar você internada, porque eu preciso que você faça esse exercício de uma semana”. E aí eu comecei a fazer tudo isso. “E, se não resolver, eu vou ter que te internar e aí a gente vai ver qual é o procedimento”. Eu só chorava, eu falei: “Meu Deus, eu vou perder a perna!”. E a perna inchada, uma coisa absurda. “E o que causou isso? Não sei o quê”. Precisava saber. “Sandra, trombose, simplesmente foi um coágulo que se formou”. E eu fiquei lá naqueles exercícios, naquela dieta, aquela coisa, tomando Marevan e aplicando injeção na barriga, em casa e fazendo exames, eu tinha que ir lá todo dia, fazer exame de sangue. E tive que parar o trabalho, parei o trabalho, fiquei em casa. Aí fui para lá, depois de uma semana, ele falou: “Olha, baixou um pouco, a sua coagulação está um pouquinho melhor, mas vamos ter que continuar”. Eu sei que nisso eu fiquei uns três meses em casa e aí eu falei assim: “Vamos fazer o seguinte: me manda a minha máquina para casa, que eu vou tentar fazer as coisas aqui em casa, para não deixar vocês na mão”. Desespero, porque eu falei: "Meu Deus, vou perder o meu trabalho e tal, enfim”. E aí eles mandaram a minha máquina, pegaram, trouxeram a minha máquina para casa, fui buscar minha máquina, trouxeram minha máquina para casa. Eu não andava, eu fazia caminhada, mas com uma dificuldade muito grande, porque eu não conseguia colocar o pé no chão, batia o pé no chão e tilintava assim. E aí, eu estava em casa uns três meses e bom, eu estava indo ao médico e o médico sempre falando para mim: “Tá melhorando, acho que vai dar, Sandra. Eu acho que não vai precisar tirar.Não vai precisar”, e aquilo me aliviando. “Mas você tem que continuar fazendo os exercícios, você tem que continuar fazendo os exercícios e tal”. E vamos lá. Eu sei que, em resumo, eu levei minha máquina para casa e continuei trabalhando. Em contrapartida, essa empresa tinha uma outra empresa, no segmento de promoções e eles estavam com um projeto, iniciando um projeto a pedido de uma empresa de varejo, para montar uma campanha de promoções na área de reciclagem. E contrataram uma equipe tremenda. Uma equipe muito grande de pessoas.E eu não tô sabendo de nada, porque eu tô lá na outra empresa, não tô sabendo de nada, curtindo a minha recuperação. Aí, um belo dia o médico falou: “Você está pronta já, está tudo bem”. Ai que alívio foi aquele dia, meu Deus, foi lindo aquele dia, foi lindo, ave, que alívio! Que vitória, ufa, que vitória! E aí, nossa, dá muito valor para a sua caminhada. Para o teu passo, para cada pisada no chão, para cada evolução. Um passo de cada vez, um pé na frente do outro. Nossa, aquele dia foi lindo, quando o médico falou: “Você está de alta”. E, apesar disso, tudo que eu vou fazer na minha vida, eu preciso hoje tomar um anticoagulante. Por exemplo: prótese de silicone, anticoagulante. Fui ter meu filho, eu tive que tomar injeção na barriga. Tudo, qualquer operação que eu vá fazer, por exemplo: eu queria fazer uma lipo, não pode, ninguém mexe, nenhum médico mexe comigo da cintura para baixo, ninguém. Então, tudo, eu posso fazer da cintura para cima, ok. Da cintura para baixo, nada Sandra, absolutamente nada, porque eles têm esse receio. Apesar disso, o fato deles terem me preservado, dou muito valor. Às vezes, eu esqueço um pouco. Hoje, odeio fazer ginástica, odeio. Por isso que eu tenho personal, tenho tudo. Eu falo para Deus. Eu falo: “Me dê condições”. Eu tenho personal, eu tenho uma equipe de pessoas que realmente me ajudam, porque eu sou muito sincera com o universo, mas eu pago para ter, porque eu sei a necessidade, como é importante você cuidar da tua saúde. Porque faz diferença, tem que ter. Bom, mas aí passou os três meses e aí, na empresa em que eu trabalhava, estavam montando essa equipe de pessoas, nessa outra empresa. Quando eu terminei esses três meses, voltei. Aí foi quando falaram assim: “Sandra, a gente não quer que você volte para essa empresa, a gente quer que você volte para outra”. Eu falei: “Mas por quê? Eu gosto tanto de lá! Eu odeio mudanças, sou ariana, odeio mudanças, sou sistemática, enfim. Não quero!” “Não, Sandra, vai para lá, porque as pessoas estão precisando de pessoas lá. Vai para lá, faz três meses que você não está na outra empresa, você não sabe o que está acontecendo, os cursos estão acontecendo lá, já tem uma pessoa cuidando. Volta devagarzinho, se der algum problema, se você precisar voltar a se cuidar, não vai dar problema”, “Vocês não acreditam em mim, eu estou ótima!” Eu sou dramática, adoro uma novela. Bom, enfim, aí fui para lá. E aí comecei a me envolver nesse projeto, comecei a me envolver nesse projeto de reciclagem. E aí eu comecei a pegar essa experiência minha do Itaim Bibi e Rio Pequeno. Cooperativa e executivos. Varejo e cooperativas. Olha o que é o universo, né? O universo é muito louco. Então, eu comecei a pegar isso. E eu sentava com o pessoal todo formado, que falava inglês e não sei o que, não sei o que lá e traduzia porque, na verdade, quem mexe com marketing, vocês sabem quem são vocês. E sentava com pessoal e traduzia. Falava: “Gente, o que eles quiseram dizer foi isso, isso e isso. Olha, essa proposta é isso, isso e isso” e traduzia tudo lá. E aí acabou que os caras gostaram dessa história toda. E aí eu falei assim: “Bom, agora eu vou voltar. Gente, vocês já entenderam, que está tudo bonitinho, agora eu vou voltar para lá”; “Não, os caras não querem. Os caras falaram que é para você ficar nesse projeto. Inclusive eles querem te contratar para ir para outra empresa, para ir trabalhar lá na empresa de varejo. E a gente não vai deixar. Então, ao invés de você trabalhar na empresa de varejo, a gente quer que você vire nossa sócia”. E aí eu virei sócia dessa empresa. (risos) Vocês têm noção dessa loucura? E eu fui convidada para ser sócia dessa empresa. Porque a única forma deles comprarem o meu passe e não deixarem que eu fosse trabalhar na tal ‘bam-bam-bam’ do varejo, era comprar o meu passe. Era falar assim: “Vem ser minha sócia”. E aí eu fui e virei sócia dessa empresa, nessa megaempresa e aí eu virei sócia dessa megaempresa. E aí, poxa, poxa, aí virei uma bomba relógio, aí virei uma louca. (risos) Aí tinha uma equipe, comandava mais de quinhentos pontos de coleta seletiva, tinha uma equipe enorme de pessoas, de mais de mil pessoas trabalhando, em nível Brasil. Viajei o Brasil inteiro, conheci o Brasil inteiro, fazendo implantação. E isso eu tenho, assim, no meu currículo, que eu amo, eu conheço cooperativa a nível Brasil, conheço o Brasil inteiro, cada cafundó do Brasil. Subi morro, desci morro, viajava e ficava dois dias mais, porque acabavam me pagando a estadia. Então, conheci lugares maravilhosos pelo Brasil. Mas também conheci lugares muito feios porque, na verdade, as cooperativas ficam no meio da favela. Então, eu conheci lugares que vocês não podem imaginar. Fiz muitos amigos, fiz muitos amigos, fiz muitos amigos. Essa semana estava falando com o Tião Gramacho, vocês conhecem o Tião? Que fez o filme [ “Lixo Extraordinário”] que foi indicado para o Oscar. Aquele cara que fez a abertura da novela das oito e que foi chamado para o Oscar, que fez um livro do lixo de Gramacho, do lixão de Gramacho.
P/2 – Vik Muniz.
R – Sim, foi o Vik Muniz, só que ele tinha um cara por trás dele, que era o Tião, certo? Esse cara, eu liguei para ele essa semana, que eu quero que ele vá trabalhar comigo, liguei para ele essa semana. Eu conheci esse cara lá atrás, quando eu subi o morro e fui conversar com ele. Então, eu conheci muita gente. E ele: “Meu, não acredito, cara, você!” Quando ele falou isso, eu falei assim: “Eu vou ligar para ele, mas ele não vai nem lembrar quem sou eu”. Ele: “Nega, é você, cara? Que porra!” Meu, isso é muito gostoso. Você fala: “Essas pessoas ainda lembram quem eu sou e eu não acreditava nisso”. É isso.
P/1 – Como funcionava o trabalho de vocês, o que vocês faziam?
R – Então, nós chamávamos as cooperativas de catadores, para trabalhar em conjunto, a ideia era que o cliente pudesse trazer as suas embalagens recicláveis de volta para o supermercado. E a cooperativa de catadores era beneficiada com esse material, então ela recebia de volta essa embalagem e fazia o beneficiamento dessa embalagem. E aí ela vendia, ela ganhava pelo seu trabalho ali. E, além de tudo, levava aquele material reciclável para a cooperativa, para ser beneficiado. E eu fazia toda essa interlocução de chamar a cooperativa: “Vem trabalhar conosco. O preço do projeto é esse, o custo do projeto é esse, tal, tal, tal, tal”. Aí tinha uma indústria por trás disso, que também pagava pelo projeto, então o projeto era composto de vários players Então, nós trabalhávamos com todos esses players, tínhamos uma equipe enorme de pessoas e tal. Foi uma fase muito boa da minha vida, onde eu aprendi muito, tenho muita gratidão por essa fase. Mas também tenho muita gratidão porque ela acabou. Eu acho que tem um momento que você tem que crescer e eu precisava crescer. E eu não sabia que eu precisava crescer, porque eu não sabia que eu precisava dessa mudança e essa mudança foi muito positiva para mim.
P/1 – Como foi essa mudança?
R - Foi causada pela imposição do universo. Quando aconteceu a política nacional, ela veio e o varejo falou: “Olha, indústria, não tenho mais nada com isso, isso é um problema teu”. Aí a indústria falou assim: “Tá bom, já que é um problema meu, então eu vou diminuir o número de estações de reciclagem”. Quando ele diminui o número de estações de reciclagem, a empresa onde eu sou sócia foi obrigada a diminuir a quantidade de estações. Você é obrigada a mandar aquelas pessoas embora, e eu perdi espaço dentro da empresa que eu sou sócia. Quando eu perdi esse espaço, eu perdi o meu trabalho, não tem, o que eu vou fazer, ali naquele espaço? E aí a cooperativa vira para mim - e a empresa que eu estou, que é a empresa que eu sou sócia, toma um outro direcionamento – e fala assim, uma das cooperativas fala: “Vem trabalhar com a gente”. Aí eu falo: “Mas eu vou fazer o quê?” Eles: “Ah, vem trabalhar comprando e vendendo material” “Eu não! A vida inteira eu falei para vocês que esses caras não trabalhavam direito, aí vocês estão me chamando para fazer o que realmente eu não acredito?” “Monte um trabalho, monte um trabalho que você acredite, um projeto que você acredite e com todas as estruturas que você acredita”. Falei: “Não vai dar certo, não vai dar certo, porque as pessoas não acreditam no meu trabalho, no meu ponto de vista, mas está nesse formato e tal” “Não, faz o que você acredita, você sempre fez o que você acreditou”. E aí me deram um cartãozinho e falou: “Vai nessa pessoa” - que era uma fábrica – “e conversa com essa pessoa e diz o que você quer que faça”. Eu fui, levei meu projeto nessa pessoa e falei: “Eu gostaria de fazer isso, isso e isso”. A pessoa falou: “Olha, mas você tem certeza? A gente pode fazer assim, assim”. Eu falei: “Não, assim não funciona, assim é o que faz hoje. Eu não quero fazer isso, eu quero fazer assim, assim, assado” “Mas você sabe que você vai passar fome, isso não vai funcionar”. Eu falei: “Não, vai dar certo”. E, realmente, no primeiro mês eu ganhei vinte reais. Foi duro. (risos) Eu voltei para casa chorando. (risos) E foi triste, triste. E voltei nessa pessoa que me convidou para trabalhar e falei: “Olha, mas não deu certo mesmo, porque a pessoa tinha razão” e eu tinha aluguel para pagar, eu estava com meu filho, dormindo com meu filho no chão, não tinha nada em casa, tinha acabado de me separar do meu segundo relacionamento, enfim. E estava realmente falida, falida, que é uma coisa que eu gosto muito de falar, porque eu acho que o ser humano fali, a gente tem que falir, para se reerguer. As pessoas têm muito medo da falência, né? E eu acho que a gente tem que falir, porque é falindo que a gente tem novas ideias. E a gente não tem que ter medo da falência. E aí eu falida.. E aí ele falou: “Sandra, volta e faz o que você acredita, porque tudo que você fez até hoje foi com amor. Faz o que você acredita, acredita em você”. E aí eu voltei e continuei fazendo. Aí eu fiz mais um mês e aí, no segundo mês, já foi: “Mas espera aí, acho que já deu uma excelência”. (risos) No segundo. No terceiro mês eu falei: “Cara, isso vai dar certo”. (risos) E aí hoje é uma grife. E hoje é lindo o meu trabalho, acho que o meu trabalho é maravilhoso.
P/1 – Qual foi o diferencial, a inovação que você trouxe?
R – Atendimento, acho que é atendimento. É saber levar qualidade de atendimento, que as pessoas sempre acharam que o catador era só mais uma pessoa no elo e ele não é, ele é o principal elo dessa corrente. Ele é o principal elo dessa corrente, então ele tem que ser muito bem tratado. Então, eu acho que é isso. E as pessoas precisam disso, elas precisam ser bem tratadas. Eu sou uma pessoa que eu cumprimento todos os carroceiros que têm, eu saio para correr todos os dias, seis horas da manhã. Eu tenho uma companheira de corrida, às seis horas da manhã estamos as duas na rua e a gente cumprimenta todos os catadores que a gente vê na rua, todos eles são os nossos amigos. Porque, na verdade, ele é o principal elo na nossa corrente, você vê esses caras mexendo no lixo, são eles que mexem no lixo. Eu não, eu tô aqui no sossego do meu lar. Como que eu posso querer ser mais bem tratada do que esse cara? Não posso, ele está fazendo um serviço mais pesado, dentro dessa cadeia toda do meio ambiente, ele está fazendo o serviço mais pesado. Porque as pessoas ainda têm muita, muita preguiça de fazer reciclagem, de fazer a coleta seletiva. Elas ainda não entenderam o que está acontecendo. Eu assisti muito essa questão na pandemia, acho que assim: nós tivemos a pandemia e nós vimos o que aconteceu. E o que aconteceu com a minha empresa, esse boom da minha empresa se deu dentro da pandemia. Foi bem louco isso. Porque as pessoas se viram dentro dessa pandemia, a gente viu aquele lockdown, todo mundo dentro de casa e com medo do vírus e tal. E eu fiquei imaginando assim: “Gente, um vírus para a gente, um ambiente para a gente. As pessoas precisam entender que realmente para e uma hora vai parar”. Eu trabalho com plástico. É, assim, o meu carro forte. Eu trabalho com todos os materiais, mas o plástico é o meu carro forte. E para, quando chove e você vê o Rio Pinheiros lotado de garrafa PET, é uma visão do inferno aquilo ali. Aí você fica imaginando: “Cara, uma hora isso vai parar, vai acontecer. A gente não vai poder sair”. Porque não tem como, não tem como, isso não derrete, não derrete, não tem, não é igual papel. Papel derrete: “Olha, que legal, não sei o quê”. O plástico não, gente! Só que se você perceber, tudo que a gente pega na mão é plástico, tudo que a gente consome é plástico. Então, assim, nós precisamos, não parar de consumir, nós vamos continuar consumindo, porque é normal, nós precisamos disso, mas a gente tem que ser consciente. E tem que reciclar, tem que reciclar! Não adianta, não dá mais para as pessoas continuarem achando que vai: “Ai, que legal, deixa para o outro resolver”. Vai acontecer. Foi duro a gente descobrir que nós éramos porcos, que a gente não lavava as mãos. Foi difícil a gente ter que assumir isso. “Meu, eu não lavava a minha mão!” Nós descobrimos isso na pandemia: nós não lavávamos a mão, a gente não passava álcool na mão. E a gente descobriu isso como? Na porrada, foi duro acordar de manhã e perceber que nós não lavávamos a mão. Ter que ter comercial falando: “Gente, olha, você precisa lavar a mão, depois que você sai, você volta”. Foi duro descobrir isso. E nós vamos ter, será que nós vamos ter que realmente passar por essa situação: “Olha, você pega a sua garrafinha, você joga no lixo, você pega a tampa da garrafinha, você joga no lixo”. Vamos ter que passar por isso? Vamos deixar chegar nisso? Tem algumas pessoas que são conscientes, tem algumas pessoas que não. E para as pessoas que não são, tem o catador. Então, esse cara, para mim, é o meu herói. (risos) Ele é o meu herói! E eu cumprimento esse cara, meu. Eu faço questão de passar por ele e falar: “Oi, bom dia!” Porque ele é meu herói. Tudo que a pessoa não quer fazer, quem faz é esse cara, então não tem como eu não dar valor para esse cara. E é triste a gente ver que é um cara que, porra, muitas vezes é um cara pai de família. Mas também muitas vezes é um cara que é usuário de droga. A gente tem que respeitar, são classes, né? É usuário de droga. Hoje a gente sabe que tem droga aí a dois reais, teve até um amigo falando para a gente que tem ferro velho que fica aberto a noite inteira e dois reais o cara compra uma pedra, enfim, sei lá. A gente sabe, mas de qualquer forma, infelizmente, é para isso que ele está comprando, mas que ele não deixa de ser meu herói, ele é meu herói. Então, infelizmente ou felizmente, hoje é isso que a gente tem e o que a gente tem que fazer. E o diferencial da Amarilles é esse, é reconhecer que esse cara é um herói. E que, dentro da cadeia, ele tem que ser reconhecido e ele tem que ganhar e ele tem que ser bem recompensado pelo trabalho dele. Eu tenho que ser recompensada pelo meu trabalho? Sim, claro, não trabalho de graça, gosto de dinheiro sim. Sou uma perua, inclusive. (risos) Mas tenho que trabalhar muito para ter o que eu tenho, assim como ele tem que trabalhar. O que não é justo é eu querer ganhar três vezes mais em cima daquele cara, isso não é legal. Então, eu acho que tudo que você faz em reconhecimento ao outro, é próspero para você. Quando você reconhece o trabalho do outro, é próspero para você. Não dá para você querer ganhar em cima do próximo, você tem que... cada um ganha o seu. Dentro da cadeia todo mundo pode ganhar, desde que cada um respeite o horizonte do outro. Não dá para eu querer ganhar em cima de você, porque aí não dá, cara. Eu acho que cada um na sua religião, eu tenho a minha, mas dentro do universo, eu acho que o universo, eu entendo que o universo te olhe da seguinte forma: “Se você deixar de beneficiá-lo, eu também posso deixar de beneficiar você”. Porque é uma cadeia, então não dá. Se você tira dele, automaticamente eu vou ter que tirar de você. Agora, se a gente ganhar, todo mundo ganha junto. “Ai, isso é comunismo?” Não, não é nada disso. Eu posso ficar rica, sim, mas se eu fizer todo mundo, dentro da minha cadeia, ganhar também. Eu posso ter mil clientes. Ué, eu vou ter mil clientes, eu vou ficar rica, óbvio! Mas eu vou trabalhar o dobro? Vou, três vezes mais, tem dia que dá meia noite e cinco, eu já tive três horas da manhã mandando mensagem para cliente e, às vezes, o cliente me respondia: “Sandra, pelo amor de Deus, vai dormir!” “Para mim você está acordado, não tenho culpa se você está acordado”. (risos) Ué, eu construí meu negócio assim, porque eu sou sozinha, era a única ferramenta que eu tinha, eu não tenho ninguém para olhar para mim. Então, assim, mas eu vou trabalhar três vezes mais? Eu vou trabalhar três vezes mais. Mas eu vou ganhar. Agora, o que não dá é eu querer ganhar de uma pessoa, o que eu queria ganhar de três. Então, é isso que eu tô falando, eu acho que é isso que é próspero na vida das pessoas e é isso que você tem que fazer e é isso que eu acredito, cara. Eu acho que é isso que dá certo na minha vida, a integridade, das pessoas saberem assim: “Meu, eu vou ali e aquela menina é íntegra nas coisas que ela faz”. E eu preciso, além de tudo isso, eu acredito que tudo que eu faço na minha vida é um exemplo para o meu filho. Eu quero que ele olhe e fale assim: “Meu, minha mãe é um exemplo para mim”. Eu quero que ele olhe e veja isso, eu sempre falo isso para ele: “Meu, dinheiro eu não vou te deixar não, mas estudo, porque foi a única coisa que a minha mãe me deu. Eu vou falir trinta vezes na minha vida, João, se eu tiver eu que falir, mas eu vou me levantar todas, sabe por quê? Eu tenho base, eu tenho estudo, eu tenho isso. O restante, meu, não interessa. Agora estudo eu tenho”. Vou viajar, a primeira vez que eu fui viajar... Eu tinha feito algumas viagens internacionais, mas a viagem, para mim, que foi muito marcante, foi quando eu fui com ele, isso é uma coisa bem legal. Desculpa, depois você volta. Eu passei por um relacionamento e nesse relacionamento, a pessoa falou assim: “Olha, vamos marcar uma viagem? Vamos fazer uma viagem?” Aí eu falei assim: “Vamos para o Chile?” Aí a pessoa virou pra mim (risos) e falou assim: “Você é louca. Onde já se viu, pensar numa coisa dessa, não sei o que, não sei o que lá. (risos) Você está maluca? Não sei o que, não sei o que lá”. (risos) Eu falei: “Gente” - eu pensei, né? - “Fui tão ingênua da minha parte, não sei o que e tal”. E passou. Depois de um ano, eu e meu filho estávamos pegando um avião para o Chile. Ainda eu falei com meu filho assim, ó: “É o seguinte: eu quero fazer uma viagem internacional. Você quer assistir um jogo do seu time?” - ele gosta muito de futebol, de assistir NBA e tal - “Você quer assistir um jogo do seu time? Você quer ir para onde?” - e ele ficou me enrolando - “Você quer ir para a Espanha? Você quer não sei o que?” - e ele ficou me enrolando, eu falei: “Olha, é o seguinte...”, eu acho que também falta no meu filho um pouco disso. Ele não tem só o meu DNA, não posso falar, né? Mas o pai dele é uma pessoa do bem e tal, enfim. Bom, mas aí então ele pegou e ficou me enrolando, acho que ele falou assim: “A minha mãe é maluca! A gente estava outro dia dormindo no chão, depois de um ano essa maluca está perguntando para mim para onde eu quero ir?” E aí eu falei assim: “Mas você quer assistir um jogo desses?”. Ele falou assim: “Meu, essa mulher deve ser louca” - porque eu acho que ele acha mesmo, de vez em quando eu acho que ele fala assim: “Meu, essa mulher é louca”. Mas eu falei assim: “Você não está me dando credibilidade, então é o seguinte: eu quero ir para o Chile”. Aí eu fiquei louca: “Como a pessoa não pode colocar crédito em mim? Eu sou Sandra Amarilles”. Aí eu sei que eu peguei, reservei tudo, chamei um guia e disse: “João, férias no Chile”. Arrumei minha mala, comprei não sei o que, falei: “Só a roupa que vou alugar lá”. Ainda falei assim: “Vamos alugar roupa lá”. Quando ele se viu no Chile, ele falou: “Mamãe, você é maluca, você é maluca”. (risos) E eu falei: “Não, filho, eu não sou maluca, é o que eu digo para você: eu posso falir mil vezes, João, mas o que me estrutura é o estudo. Se você estudar, você sempre vai se retomar.“ É esse o legado que a minha mãe me deixou. Eu nunca entendia isso, porque ela queria que eu estudasse tanto. Porque você pode falir milhares de vezes, mas se você tiver estudo, você tem estrutura para voltar, você tem como voltar. Agora, se ela tivesse me deixado dinheiro, eu tinha gastado o dinheiro inteiro e hoje eu não estaria fazendo nada. Então, se eu quisesse deixar dinheiro para você, você arruma uma mulher amanhã. Separação é coisa dura, meu filho! E aí cada um fica com os seus bens e você vai fazer o que da sua vida? Agora, estudo não, estudo você vai se retomar. E é isso que eu quero que você entenda”. Então, é isso, eu sou isso. Eu acredito muito nisso, eu acredito muito no ser humano, eu acredito nesse potencial que a gente tem, de se retomar, de se renovar, de ser alguém e que a gente pode tudo na vida, a gente pode tudo e que ninguém tem o direito de tirar isso da gente. Esse sonho, essa garra, essa disponibilidade de ser quem a gente quer ser e fazer o que a gente quer fazer. Esse apartamento não é meu, porque eu não quero, porque ele já me ofereceu quatrocentas milhões de vezes. Porque quando ele vem aqui, ele fala: “Cara, esse apartamento é a sua cara! Porque você fez dele e você cuida dele melhor do que qualquer outra pessoa cuidaria”. Eu falo: “Sim, porque é justo! Você me emprestou isso aqui, eu alugo, ele é emprestado, é justo que eu cuide dele como se fosse meu”. Ele falou: “Mas não tem nenhum apartamento alugado aqui, que é dessa forma” “Sim, mas esse é meu, você me alugou! Então, é justo que eu cuide dele como se fosse meu.” Então, assim: eu sou essa pessoa, para mim tudo tem que ser o melhor. Eu acho que quando você joga isso para o universo, tudo vem para você dessa forma. É isso, eu acredito muito nisso. É isso, cara. Fala, Lu, (risos) senão eu fico aqui, eu falo, eu falo. (risos)
P/1 – Queria que você explicasse pra gente como funciona o seu trabalho. Qual é o processo que você pensou e desenvolveu?
R – Eu trabalho com compra e venda de material reciclável. E algumas pessoas podem chamar isso de intermediação, mas eu trabalho com representação. Então, eu represento algumas indústrias, fábricas e indústrias, na compra de material reciclável. De que forma? Eu vou até as cooperativas de catadores, compro esses materiais e direciono para as indústrias. Algumas vezes, eu armazeno esse material no meu galpão, porque hoje eu tenho um galpão. Armazeno esse material no meu galpão. Outras eu mando direto para a indústria, dependendo da quantidade. A necessidade de armazenamento do meu galpão é para que a gente possa fazer uma carga melhor porque, como eu trabalho com muita gente de fora de São Paulo, existe a necessidade de alocar uma quantidade maior de material. E aí, para mandar isso para fora, em carretas.. Então, a gente armazena no meu galpão e manda para fora. A ideia é que a gente consiga agora começar a fazer o beneficiamento também, trazer este material. Existem muitos núcleos pequenos, que não têm prensa, então nós estamos já pensando em começar a prensar esses materiais, até a pedido de alguns clientes, para mandar para a indústria, está certo? Porque hoje a gente sabe que tem muitas cooperativas, que não são cooperativas, são pequenas... com a pandemia, muitas famílias criaram pequenos ‘galpõezinhos’ em casa, nas suas garagens, para triagem de material reciclável. Só que eles vivem o seu sustento deste material, mas eles não têm grandes equipamentos. Então, a ideia não é que Amarylles vire um ferro velho, mas é que a gente consiga dar uma melhor remuneração para essas pessoas, prensando seus materiais nos nossos galpões. É isso.
P/1 – Quais são os materiais que você trabalha?
R – Trabalhamos praticamente com todos os materiais: copinho descartável, embalagens longa vida, fitas de PET, bandejas PET, isopor. Estou falando das ‘baixas reciclabilidade’. Nós temos Pead, PP, PET, o papelão, o misto, o papel branco e o papel branco. A linha de papéis com um fluxo menor, mas a linha de plástico com um fluxo muito maior, então a linha de plástico é o nosso forte mesmo. Então, se você for no nosso galpão, você vai ter uma linha de plástico fortíssima, porque realmente é o nosso forte. Hoje muita gente trabalha com papelão e o plástico tem um preço que varia muito. E a gente trabalha com fábricas muito fortes, então a gente consegue ter um valor agregado muito bom, trazer esse preço, esse valor para o consumidor final, que seria cooperativa. Trazer esse preço para a cooperativa, a gente consegue fazer isso hoje. Então, conseguimos hoje trabalhar com fábricas fantásticas, com indústrias, com multinacionais muito boas, que conseguem nos trazer esse preço bom.
P/1 – E o que representa, para você, trabalhar com embalagem longa vida, que não é um material considerado tão nobre, então por isso ele é desprezado, de maneira geral, por muitas pessoas e como é, para você, trabalhar com isso?
R – Então, embalagem longa vida, para mim, sempre foi um sonho trabalhar. Desde a época que eu trabalhava como gerente de projetos. Porque era muito difícil para as pessoas mandarem esse material para a reciclagem. Elas reclamavam que o preço era muito baixo, elas reclamavam que era difícil coletar, existia sempre uma reclamação. Só que eu via, naquele material, uma beleza, porque é lindo quando você vê o armazenamento das embalagens longa vida. É lindo quando você vê aquele material saindo do caminhão. É lindo quando você vê aquele material entrando para a reciclagem, passando para o processo de reciclagem. E aquilo, para mim, era apaixonante, eu falava: “Meu Deus!” - eu sempre amei as caixinhas e eu falava: “Meu Deus, mas é impossível que as pessoas não consigam trabalhar com esse material. E eu tenho que entrar nessa cadeia”. Eu sempre falava pras pessoas que eu queria trabalhar com esse material. Um belo dia eu estava até, inclusive, nessa minha jornada aí, iniciando como representante. Eu estava no meu carro e ligou uma pessoa para mim e falou: “Sandra, meu nome é Cido” - ele é de um projeto - “... e eu queria convidar você para trabalhar com a gente, com embalagens longa vida”. Eu falei: “Você está brincando!” - parei o carro no meio da rua e falei: “Você está brincando! Meu, meu sonho é trabalhar com essas embalagens! (risos) É sério isso?” (risos) E a minha jornada com as embalagens longa vida começou aí. “É sério isso?”, ele falou, eu falei: “Cara”, aí eu comecei a contar pra ele a minha história. Assim, bem louca, né? Porque foi o que eu disse para você: os materiais começaram a chegar até mim. Teve uma época que eu ia atrás e aí aí a longa vida começou a chegar até mim: “E a gente queria que você viesse trabalhar com a gente e tal”. E, nesse momento, eu falei: “Nossa! Era meu sonho trabalhar com vocês e blábláblá”. E acabou não dando certo, inclusive, trabalhar com essa empresa que me chamou. E aí, numa segunda oportunidade, eu liguei para eles, para uma outra empresa e essa empresa me deu uma oportunidade de trabalhar com eles. E saber que eu estou trabalhando hoje com as embalagens longa vida, é gratificante. E saber que eu consigo dar para o cooperado a resposta que ele precisa dessas embalagens, porque eu consigo dar uma logística rápida para ele. Eles ficavam muito tempo esperando, eles não tinham para quem entregar as embalagens. Eles falavam assim: “Sandra, a gente até tem alguém para entregar, mas demora muito para vir buscar. A gente até tem para entregar, mas a gente não consegue prensar. A gente até tem para entregar, mas o preço está muito baixo. A gente até tem para entregar, mas...”. Sempre tinha um problema. Saber que eu tô conseguindo dar essa resposta para as pessoas, é muito gratificante. Saber que eu sou um ponto de referência, que eu vou fazer parte do mapa da Tetra Pak, é muito gratificante! Porque aquele mapa é tudo! Sabe? Você está ali, no ponto de referência, como recicladora, é muito lindo! E saber que eu mereci isso do universo.É muito mais do que eu pedi. Na verdade, é muito louco isso, porque eu nunca pedi. (risos) Eu nunca pedi, eu comecei a trabalhar só, com muita seriedade, com muito amor. Porque tudo que eu faço na minha vida é com muito amor, sempre dedico muito amor às coisas que eu faço. E eu não pedi, eu simplesmente só me entreguei de corpo e alma e aconteceu. E eu amo esse trabalho, eu amo esse trabalho. E ser referência, hoje, nesse trabalho, para mim é um sonho. É muito mais o que eu achei que pudesse acontecer na minha vida, porque eu sempre fui mulher de bastidores. Com tudo isso, eu sempre fiquei nos bastidores, eu sempre fui uma pessoa que eu ficava atrás de alguém. “Não sei o que, não sei o que lá”, atrás de alguém. Eu sempre fui mulher de bastidores. Eu não tenho rede social. Eu sempre fui mulher de bastidores. E, hoje, eu estou colocando a minha cara e as pessoas falarem assim: “Cara, você é referência no que você faz”, é muito legal, é muito lindo de ver, que eu cresci a esse ponto. É muito maravilhoso e eu só tenho a agradecer. E hoje às embalagens longa vida, que ninguém queria e eu quis. (risos) É muito bonito, é muito lindo! Sabe aquela embalagem que ninguém queria e eu sonhava com essas embalagens? Então, elas falaram assim: “Ó, você é uma referência”. Olha que louco! É a vida. É só isso. É muito doido.
P/1 – Nesse processo, na sua trajetória com a reciclagem, tem alguma pessoa, cliente ou catador ou qualquer pessoa no ramo que tenha te marcado, que a história dela tenha te marcado, de alguma forma?
R – Sim, o Carioca. O Telines, da Coopercaps. O Carioca foi uma pessoa que a história dele me marca muito. Ele é um cara que veio do Rio de Janeiro para São Paulo, teve problema com bebida alcoólica. Sabe quando a pessoa teve todos os problemas do mundo e teve todos os problemas para não... e hoje ele é gestor ambiental, formado, ele comanda uma rede de cooperativas e é referência no mercado dele, de trabalho. É uma inspiração, uma inspiração, um cara assim que eu, realmente, admiro demais. Mas eu tenho muitas referências. Eu acho que é injusto. Eu gosto muito do pessoal da Recifavela. Sei lá, eu acho que é injusto falar de uma pessoa só. Mas o pessoal do Cruma, o Roberto, do Movimento Nacional dos Catadores. São pessoas que são referência mesmo, pessoas que começaram tudo isso e mostraram um mundo melhor. “Olha, a gente pode fazer melhor e vamos fazer melhor”. E realmente fazem a diferença, fazem alguma coisa para ser diferente, estão fazendo. De alguma forma, usando as suas plataformas, a sua maneira de ser, na sua vida, em prol desse processo todo. Eu realmente admiro demais, admiro muito.
P/1 – E quais foram os maiores desafios que você enfrentou, na sua trajetória profissional?
R – Ser mulher. (risos) Ser mulher e ser negra não foi fácil, não foi fácil. Ser mulher não foi fácil, porque você tem que provar que você não está ali para brincar, que você não está ali porque você é um rostinho, que você é séria, que você não é casada, mas você não está ali para transar com ninguém. Pior ainda se você não for... ser solteira foi o pior desafio da minha vida, nesse meio. Porque eu tinha... Jesus, foi uma loucura. Hoje eu consigo. Você manter nessa estrutura não foi fácil. Ser negra não foi fácil. Hoje é lindo, hoje é maravilhoso, mas não foi fácil. E eu acho que foi isso, eu acho que foram os maiores desafios que eu tive. E, realmente, ser uma pessoa nova - não sei como falar isso - do ramo. Você chegar e falar assim, peitar, né e falar assim: “Ó, ok, vem tomar um café”. (risos) “Eu sei onde você mora, né?” - pros concorrentes. E eu falar assim: “Ah, então vem tomar um café comigo”. Porque até então eu não tinha outra opção. “Tá bom, se você já sabe onde eu moro, então vem tomar um café, porque eu não tenho mais o que fazer, eu não tenho opção. Não estou aqui pra brincadeira também”. Ok. Então, tem que falar alto, tem que falar grosso. Tive que tirar carta de caminhão. Ah, essa parte é legal! Tive que tirar carta de caminhão! Então, o que acontece? Um desafio muito grande que eu tive foi os caminhoneiros. Eu tinha, ‘imagina’, eu tinha que lidar com muito caminhoneiro, os meninos que faziam frete para mim. E era freteiro para cima e para baixo. Hoje eu tenho uma equipe, hoje eu tenho uma equipe de caminhões e tal, superbacana e tal. Mas eu tinha uns meninos que faziam frete para mim e eu contratava esses meninos, né? E cada dia era um e tal. E sempre tinha um drama, era um drama. “Eu não consegui por causa disso, disso, disso. Eu não consegui por causa disso, disso, disso”. Sempre tinha um problema: “Mas não dava para dar ré, não sei onde. Não dava para não sei o que e não sei o que, e tal”. E aí, um belo dia eu falei, tive uma discussão com um deles: “Mas por que você não conseguiu fazer?” “Não, mas eu não consegui fazer, porque eu tive um problema na hora que eu fui lá e aí deu um problema no caminhão, eu tive que fazer o freio e não sei o quê. O freio deu um problema e não sei o quê”. Eu falei assim: “Quer saber uma coisa? Eu vou tirar carta” “Magina! Você, com essa unhona? Com esse sol, a senhora vai tirar carta nenhuma” “Vou tirar carta. Me aguarde". Fui lá, fui lá, fui na auto escola, me inscrevi e tirei carta. Essa parte foi demais, o professor queria me matar. “Tira esse sapato, pelo amor de Deus, traz um tênis!” Foi horrível. Essa foi parte demais, ele é meu amigo até hoje, o professor da autoescola. E aí fui no dia do teste e só tinha homem. Ó aí, essa parte foi muito louca, só tinha homem e eu cheguei lá toda ‘emperequetadinha’. (risos) O professor, entrei no ônibus, porque você faz o teste com ônibus, né? Enorme! E, na hora da baliza, eu sou assim falante, o cara olhando para mim, o japonês e eu lá, fazendo a baliza, não sei o quê. O cara não abria a boca, não abria a boca. Falei: “Me ferrei, cara, o que eu fui inventar para a minha vida?” E os cara tudo lá esperando. Tinha gente que já tinha feito o teste, mas estava esperando a ‘emperequetadinha’ terminar o teste. (risos) Desci do ônibus, todo mundo sério, todo mundo já sabia se tinha passado ou não tinha passado e eu lá com a minha carinha. E eu: “Mãe de Deus, fala alguma coisa”. A última. Todo mundo esperando. O ônibus lotado de gente, só homem. Falei pro professor: “Me ferrei?” Aí ele me chamou lá na frente, falou: “Sandra, vem cá”. Aí eu fui lá, ele falou: “Olha, eu te falei, né? Falei para você que, se não passasse, eu não ia te dar mais aula, então pega o resultado, o seu resultado. Você vai ter que passar com um outro professor”. Na hora que eu vi, aprovado. Mas o ônibus veio abaixo. (risos) “Isso mesmo! Deu exemplo! Não sei o quê”. E aí eu fui avisar para eles, né? Eu falei: “Olha, meninos, é o seguinte: a partir de hoje acabou a brincadeira. Agora eu tenho Carta D”. Nossa! Gente, eu não acredito, fizeram mandar a carta, eu mandei a carta para o grupo, mandei a carta. Aí eu tenho carta, eu dirijo caminhão. E dirijo muito bem, por sinal. E aí os meninos: “Meu, ela tirou carta!” Mas como você pode pedir para uma pessoa fazer uma coisa, se você não sabe fazer? Fui lá e tirei a minha carta. E tirei a carta, isso foi um desafio também, um grande desafio. E todo mundo, todas as minhas cooperativas sabiam que eu estava tirando carta e ninguém acreditava. “Sandra, mas você tem coragem de pegar um caminhão?” No dia que eu cheguei na cooperativa de caminhão. “Meu Deus, ela veio! Meu Deus!” Mas eu precisava fazer aquilo, as pessoas precisavam que acreditar que, assim, é possível, quando você tem que fazer. Eu não podia fazer um negócio que eu não acreditava, eu precisava acreditar naquilo. E aí tirei a carta. Então, isso sim, foi um grande desafio, porque eu também falava: “Meu Deus, como que eu posso com esses ‘ciliozão’, com essas ‘unha’ enorme”, de salto alto, a pessoa querer tirar carta, como que pode? De caminhão”. Pois eu fui lá e tirei. Isso foi um desafio, porque eu não aguentava mais a reclamação, a pessoa falar: “Não, isso não dá. Não, isso não dá. Não, mas caminhão não consegue fazer isso”. Sempre tinha um problema. “Mas caminhão não consegue...”. Hoje eles pensam dez vezes para falar que não conseguem, porque sabem que, se eu por a mão, é feio, né? É feio. Se eu pegar o caminhão e fizer, eles sabem que não vai ser legal, então eles pensam dez vezes para fazer alguma coisa. Agora, minha próxima meta é fazer um curso de empilhadeira. (risos) Porque agora eu tenho um galpão, então assim: “Meu Deus, não é possível”. Não, vou fazer, tem que fazer. Não posso falar para as pessoas fazerem uma coisa, se eu não sei. Como que eu vou, que moral que eu tenho pra falar alguma coisa, se eu não sei? Esse foi um grande desafio, foi um grande desafio. É isso aí.
P/1 – Sandra, você falou que era uma questão ser mulher e ser negra e que hoje mudou, hoje é maravilhoso. O que mudou?
R - O que mudou? Eu acho que a forma com que eu me posiciono. Não que as pessoas tenham mudado, mas eu me posiciono de uma forma diferente. As pessoas talvez não tenham mudado, mas eu me posiciono de uma forma diferente. Eu consigo me posicionar de uma forma diferente, eu tenho essa energia, essa posição dentro de mim. Eu consigo passar isso para as pessoas, então é muito tranquilo. E as pessoas respeitam muito isso, né? Gente, hoje você tem a segurança de que o outro vai te respeitar e antigamente você não tinha essa segurança. Hoje você sabe que o homem vai te respeitar e, se ele não te respeitar, você vai pisar no pescoço dele. Ele vai te respeitar, não tem como ele não te respeitar. Agora, antigamente você sempre tinha um receio: “Ele pode ou não me respeitar”. Hoje não. E isso, para mim, te empodera, isso te empodera. E o fato de ser negra também, é você saber que o outro vai te respeitar. Saber que você é uma mulher inteligente, que você sabe falar, que você sabe o seu direito, que você sabe até onde você pode ir e até onde você pode não ir. E se eu quiser pular o meu limite, eu vou pular o meu limite, mas desde que a sua ação seja... que você saiba da consequência da sua ação. Eu acho que o que me trouxe até aqui é eu saber que eu sou responsável pelas minhas ações. Eu nunca fugi das responsabilidades das minhas ações em nada na minha vida, em nada. Seja profissionalmente ou seja na minha vida pessoal. “Eu vou fazer isso”. Eu tenho um cronograma, é muito engraçado. “Eu vou fazer isso”. “A consequência é isso, isso, isso e isso. Você está preparada, Sandra?” “Estou” “Ótimo, ok” “Ah, mas não sei o quê” “Não, mas eu já estou preparada”. Então, se as consequências vêm, está ótimo. “Ah, mas fulano de tal não vai falar com você, que não sei o que, não sei o que lá”. Problema de fulano de tal, não estou nem aí, a vida é minha, cada um com seu problema. O importante é que eu já sei qual que é o problema. Eu acho que o grande problema das pessoas é que as pessoas sofrem, porque as pessoas se preparam para a ação, não para a reação. “Mas, Sandra, se isso aqui der certo, não sei o que, não sei o que lá?”. Eu banco o que eu estou fazendo. Se não der certo, eu vou bancar o que eu vou fazer. Eu tenho que bancar, eu tenho que me bancar, eu tenho que bancar o que eu tô fazendo, está certo? Agora: “Ah, eu não me preparei para que desse errado”. Aí... você tem que ter uma ação, você tem que ser responsável pela sua ação. Então, assim, eu acho que isso é muito difícil, é difícil você viver assim, porque aí você realmente, além de você se prejudicar, você prejudica outras pessoas, você prejudica as pessoas que estão do seu lado. Então, você não pode fazer isso, você não tem o direito de fazer isso com as pessoas. E eu acho que grande problema do ser humano é esse. Você tem que ser responsável, você tem que pensar na ação e na reação das coisas. Você não pode achar que a reação vai ser só em cima - “Ah, não” - das outras pessoas. Não, não, não, espera aí. Você tem que saber que a sua ação é a reação... que a sua ação vai ter reações e você tem que estar preparado para as reações. Ponto. Te incomoda as reações dos outros? Então, você realmente precisa trabalhar isso dentro de você, porque eu acho que o que realmente me trouxe até aqui foi não estar preocupada com o que as pessoas iam falar. “Ah, vou tomar café... vou passar... eu sei onde você mora” “Ok, então vamos tomar um café” “Ah, mas você é feia” “Ok, então é um problema teu” “Ah, mas eu não quero falar com você” “Ah, então, é um problema seu” “Ah, mas não sei o que, não sei o que lá, a vida não sei o que e...” “Tá, então tá... ah, então tá e a vida continua” “Ah, não sei o que, não sei o que lá” “Ah, então tá, você ganha cem e eu ganho um milhão” “Ah, não sei o que, não sei o que lá”, você entendeu? Eu acho que é isso a vida. As pessoas se preocupam demais com a reação do outro. Eu não me preocupo, eu tenho que fazer o meu bem. E o meu bem para com a Luiza tem que ser muito bom. Se eu estiver tranquila com isso, o restante não me interessa, porque foi esse o meu compromisso com a Luiza, o restante não me interessa. “Ah, mas as pessoas vão falar”. As pessoas pensem o que elas quiserem, é um direito das pessoas, eu não posso querer exigir que as pessoas gostem do que eu tô fazendo. Eu tinha, na minha adolescência, eu queria que todo mundo gostasse de mim. Nossa, eu era uma bonequinha. Eu achava que todo mundo tinha que gostar de mim, que as pessoas tinham que gostar de mim. Então, pelo amor de Deus, cada um tem o direito de gostar de quem quiser. E você sofre demais com isso, não pode. Você vira um bonequinho amador.
P/1 – Eu queria saber qual é a importância, para você, do seu trabalho, para a preservação do meio ambiente, do planeta. Como você enxerga isso?
R – Ah, eu acho, eu me sinto um elo, as pessoas que trabalham comigo falam que eu sou uma luz, uma estrela. Muito legal! Eu fico toda assim, né? Não posso ficar vermelha, mas eu fico assim. (risos) Porque elas falam assim: “Sandra, você é um luz, você é uma estrela nesse ciclo nosso. Porque você tem noção da quantidade de famílias que você alimenta?”. Quando a pessoa falou isso para mim, eu falei: “Cara” “Você tem noção da quantidade de famílias que você alimenta? Quantas pessoas vivem da remuneração que você leva para as cooperativas? A importância que você tem nesse elo? De levar uma remuneração justa para a cadeia. A quantidade de famílias, a quantidade de levar bem-estar, qualidade de vida para essas pessoas. E por outro lado também de levar esses materiais para empresas certificadas. Para empresas que estão fazendo um trabalho certificado, não para empresas, enfim, que não estão preocupadas com a destinação final e poluição do meio ambiente e tal. Então, essa sua preocupação com documentação, com certificação das empresas, você tem noção do que você é, nessa cadeia toda? Da sua grandeza, nessa cadeia toda?” E, às vezes, eles sentam para contar essas histórias e me ligam para falar que um filho entrou na faculdade. E me ligam para falar que comprou um carro ou alguma coisa. E você fala assim: “Mas eu não tenho nada com isso” “Claro que você tem! Como você não tem?”. (risos) E eu fico assim: “Cara, eu só um grãozinho.” E você não consegue imaginar a importância que você tem nesse processo todo. E você tem importância. E, sei lá, é difícil, né? A gente, é aquela história que eu comecei contando para você, né: a coisa mais feia do mundo, a coisa mais triste do mundo é você não se dar crédito. E a gente tem muita dificuldade de se dar crédito, você ser bom numa coisa e não querer assumir aquilo para você e a gente tem dificuldade, isso faz parte da gente, a gente não foi criado. A gente fala que é feio, né? É feio você assumir isso para você e falar assim: “Nossa, sou boa nisso”. Mas é real. Realmente a gente tem esse poder de transformação na vida das pessoas e a gente precisa assumir isso, que a gente tem esse poder de transformação na vida das pessoas. E eu acho lindo isso, eu acho lindo poder fazer isso com as pessoas, eu acho que é essa importância, poder transformar a vida das pessoas. Seja na reciclagem, seja na convivência com as pessoas, é isso que eu gosto de fazer, transformar, transformar. Fazer do dia das pessoas, dos momentos das pessoas, um momento melhor, um dia melhor, uma vida melhor. Claro que nem tudo são flores. (risos) Nem tudo são flores, tem hora que a gente se dá uma pegada, mas é o que eu volto a dizer. É aquela convivência, a convivência com a família nem sempre é a melhor, mas faz parte do aprendizado. É isso.
P/1 – Antes de começar a trabalhar com reciclagem, com a cadeia, como você enxergava isso? E agora, depois de estar dentro, de estar trabalhando, mudou sua maneira de enxergar a reciclagem, as pessoas que fazem parte do processo?
R - Eu não enxergava, né? Eu não enxergava, eu não via. Eu não via o catador, eu não via o catador passando na rua. Eu não via o cara da carroça, eu nunca vi o cara da carroça. Eu não me lembro de ver um cara da carroça antes de estar nesse meio, não me lembro. Não me lembro de ver um cara da carroça passando com material reciclável, não me lembro. Não me lembro de ter visto uma cooperativa, não me lembro, não me lembro. Eu lembro de levar -quando eu comecei a trabalhar com isso - meu filho numa cooperativa e falar assim para ele... uma cooperativa com chão de barro, no dia de chuva. E o descer do carro, o pai dele tinha um carro de luxo e eu o desci do carro e o coloquei na cooperativa, o fiz pôr o pé no chão, de tênis, enfim, mas pus o pé no chão, debaixo de chuva e falei assim: “Presta atenção”, porque ele tem os privilégios dele, que são bem diferentes de um cooperado. Ele sabe que estuda em escola particular, ele tem o curso de inglês, ele estuda espanhol, ele tem privilégios que um cooperado não tem. Até porque ele tem um pai, ele tem, né? Enfim. Então, aí eu peguei e falei para ele: “Desce do carro”, desceu do carro. E ele viu o chão de barro, uma chuva terrível, aquele monte de vidro, monte de material reciclado jogado, assim e eu falei assim: “Olha, a metade da tua educação, do dinheiro da tua educação, vem daqui”. E ele tomou um susto, porque ele nunca imaginou, ele nunca imaginou aquilo na vida dele, nunca tinha visto. Eu realmente convido qualquer pessoa a conhecer uma cooperativa, porque é um mundo à parte, é um mundo à parte, porque só quando você conhece e eu realmente não tinha, eu não tinha essa visão antes. Eu não tinha noção, nunca tinha visto um catador na minha vida, eu não me lembro. Eles são invisíveis mesmo, quando a gente fala que existe uma camada da sociedade que é invisível, é invisível. Eu não tinha, não me lembro de ter visto na minha vida um catador, um carrinho, um cara com carrinho, de uma carroça, não me lembro, antes, não. A minha visão hoje: eu vejo todos, hoje eu consigo ver todos na rua, eu vejo todos. É muito engraçado, eu vejo todos, absolutamente todos passando na rua, mexendo no lixo, vejo um lixo espalhado e fico brava com eles, porque eles espalham, eles abrem os sacos, ao invés de eles fecharam, eles não fecham, deixam o saco aberto e o lixo fica espalhado na rua, se chover vai entrar no bueiro. Mas eu vejo todos, vejo a quantidade de casos que se tornaram verdadeiros centros de triagem. Hoje a gente consegue enxergar tudo, hoje eu consigo enxergar tudo, tudo, tudo. Aqui no meu prédio tem coleta seletiva, não foi organizada por mim, mas eles me consultaram, mas tem coleta seletiva. Funciona? Não funciona. Por quê? Porque as pessoas não trabalham, não o fazem, é difícil, as pessoas não são conscientes, elas vendem o material, mas as pessoas não são conscientes. Vende para mim? Não vende, tem um ferro velho aqui na frente. Por que não vende para você? Porque eu tenho um galpão faz um mês, eles estão atrás de mim, já. (risos) Mas eu tenho o meu galpão só há um mês, mas vendem para o ferro velho aqui na frente. Então, as pessoas não são conscientes, não adianta, não é uma cultura, não fomos criados, não fomos criados para isso. Talvez a próxima geração, mas essa geração, a nossa geração, a minha geração não foi criada para reciclar, não foi, não é da nossa natureza, não é. Não nascemos para isso, nós realmente jogávamos lixo pela janela, nós fomos criados para isso. A água nunca vai acabar, a luz nunca vai acabar, nós temos, nós tínhamos nosso país abundante, temos espaço, temos tudo. Aí, de repente, começou a acabar tudo. Então, a gente, realmente, até a mão a gente tem que lavar, a gente não precisava. Então...
P/1 – O que você acha que pode fazer para aumentar a conscientização ambiental das pessoas?
R – Educação ambiental, mesmo. Eu acho que tem que começar nas escolas, eu acho que sempre a criança é um educador natural, a criança é um educador natural. Eu acho que, quando você vai numa danceteria, você tinha que ter, numa danceteria simples, coletor de recicláveis. (risos) Porque hoje tudo é copo descartável, na danceteria, por que não tem coletor reciclável? Ninguém mais vai com copo de vidro. Em qualquer lugar que você vá tem que ter coletor, mas não tem, não tem. Então, devia ser obrigatório em todo e qualquer lugar ter coletor reciclável, né? Então, eu acho que devia ter. E, assim, o caminhão de lixo automaticamente tinha que ser reciclável. Existe o caminhão da Loga, existem os caminhões de reciclável e orgânico, mas eles não funcionam. Por quê? Porque as pessoas colocam lixo orgânico no reciclável, o reciclável... então, é uma bagunça só. E as cooperativas recebem lixo orgânico, é uma confusão, confusão. Então, tudo é educação ambiental, tinha que ter um programa de educação ambiental muito focado, para que as pessoas realmente ajudassem e fizessem o seu trabalho, a lição de casa, em casa. Porque, quando doeu no bolso, quando doeu nas suas casas, as pessoas começaram a lavar a mão. Quando doeu em suas próprias dores, começaram a sentir suas próprias dores, as pessoas fizeram a sua parte, então vai ter que doer nas suas próprias dores. A partir do ano que vem parece que nós vamos ter uma taxa de lixo. Vai entrar uma taxa de lixo, as pessoas vão ter que pagar uma taxa de lixo a mais, é uma taxa a mais que vai ter aí, então as pessoas vão dar uma acordada, porque vai mexer no bolso. As pessoas vão falar: “Epa, acho que vou ter que mexer nesse negócio aí, vou ter que reciclar, porque...”. (risos) Mas, assim, eu acho que é a maneira que as pessoas estão vendo de: “Opa, vamos acordar, gente?”, porque não está dando mais. Não está dando. Quem sabe funcione? Eu não acho, eu não concordo com a taxa, mas eu concordo que a gente tem que fazer, eles têm que fazer alguma coisa para melhorar, mas se essa é a única forma, que o seja. Mas que tem que ter educação ambiental, tem. E não é assim: hoje e parou. É constante, constante. Na televisão, tudo que é lugar, constante, não pode parar. Tem que ter, senão não funciona. É isso.
P/1 – E você acha que seu trabalho tem sido cada vez mais valorizado pelas pessoas, pela sociedade?
R - Sim, eu acho que reconhecimento sim, mas eu preciso fazer mais. Eu tô investindo, vou começar a investir nisso, em fazer mais, em divulgar mais. Porque eu também não fiz a minha parte, eu posso fazer mais em relação à educação ambiental, então eu quero fazer mais. Então, eu vou agora investir nessa parte de educar, de fazer a minha parte, para o meu público. Se isso alcançar as pessoas, vai ser muito bacana, eu espero que alcance, eu quero ser também uma formadora de opinião nesse processo. Porque até agora não fui, eu simplesmente fiz aqui ó, no meu cantinho. Então, eu quero também divulgar isso. Quero também formar pessoas, quero também trazer pessoas para isso, o meu nicho. Se eu posso fazer isso, eu vou fazer, que se der certo vai ser muito bacana, trazer mais pessoas. Se as pessoas me admiram tanto, que é uma coisa que eu não sabia, que eu fiquei sabendo outro dia, ai que legal, então vêm para mim e vamos trabalhar junto. E aí eu quero formar pessoas, quero formar, quero ser uma formadora de opiniões, nesse processo. E fazer minha parte. Porque a gente pode fazer a nossa parte, cada um de nós pode fazer a nossa parte. Dá para fazer. É isso, eu acredito muito nisso.
P/1 – E quais são os maiores aprendizados que você tirou da sua trajetória profissional?
R – Profissional?
P/1 – Ou da vida, pode ser também.
R – Da vida: “O Senhor é meu pastor e nada me faltará”. Eu acho que da vida é esse. Que eu sirva o universo. Eu sou uma cria do universo e sirva o universo. E que, se fizer o bem, o bem volta para você. Eu acho que quando você faz o bem, volta para você. E não tem jeito, não tem jeito, não tem jeito, é uma coisa muito impressionante. Quando você é verdadeira com as pessoas, quando você é verdadeira com a sua vida, a vida é verdadeira com você. E não tem outra forma, não tem outro jeito. Eu acho que a maior lição da minha vida é essa, porque tudo que eu fiz na minha vida, tudo, eu fui muito verdadeira, muito. Em todas as ações, vida pessoal, minha vida profissional, eu fui muito verdadeira. E a vida me respondeu exatamente em cima da minha verdade, exatamente. Muita dor, muito sofrimento, sim. Nossa, a vida não é perfeita, eu tive muitos altos e baixos, mas o que prevaleceu foi a minha verdade sempre, o que eu sou de verdade. E eu acho que a missão da minha vida é essa, que eu sempre tenho que ser verdadeira, eu sempre seguir o que é a minha verdade. Eu sou isso, eu sou essa pessoa, então é a minha verdade. Então, eu acho que é isso. É o que eu acredito, que é desde lá de trás: faça um projeto que você acredita, é a sua verdade, seja você, seja a sua verdade. Vá para onde for, o caminho que for, não é o dinheiro que te move, não é o dinheiro. O que te move é a tua verdade. E é isso que me trouxe até aqui. Porque, se você levar o teu caráter em frente, o que você está à frente, ‘meu’, o resto é consequência. Então, de tudo que aconteceu na minha vida, eu não consigo tirar uma vírgula. Não consigo. Primeiro casamento, segundo casamento, trabalho, filho, filho um, filho dois, tudo, minha verdade, do começo ao fim. Tudo que eu falei, assim, é minha verdade, minha verdade, minha verdade, eu vou manter essa minha verdade, automaticamente as consequências disso me trouxeram, sabe assim, um reino? Um reino. E, assim, eu tô montando um império. Eu me vejo assim. É lindo isso, eu vejo assim, um império. Mas formado em cima de muito caráter, de muito caráter. De pessoas amigas, pessoas que curtem. Quando eu vejo a Gil falar assim para mim: “Eu nunca saio de casa, eu nunca saio, eu nunca saio do meu mundinho, mas eu vim aqui para te ver”. É lindo. E as pessoas que me rodeiam são dessa forma, porque as pessoas têm esse lance comigo. Mas por quê? Porque eu sou muito verdadeira, eu não tenho, meio... sabe? Não vou falar uma coisa para te agradar, eu vou te falar porque é verdade. “Ah, mas eu não gostei da tua verdade”. É um problema que diz respeito a você, mas que eu falei, eu falei. Agora, se você não gostou, é assim. Então, é isso. Então, eu acho que é isso que me guia, é isso, é minha verdade. E essa é minha lição de vida, a minha verdade. Não é muito bem vista por algumas pessoas, mas quem sou eu para querer agradar todo mundo? Eu só preciso agradar a mim e eu tô muito feliz. Nossa! Eu estou em êxtase, (risos) em êxtase! Estou em êxtase. (risos) Meu Deus, que loucura tudo isso, mas foi bom.
P/1 – Como foi ser mãe pela segunda vez?
R – Nossa! Vamos lá! Gente, da onde essa menina tira essas perguntas? Foi um projeto solo. (risos) Não, eu estava casada, mas era um projeto solo, então meu marido não queria, mas eu queria. E isso é muito claro entre a gente. E aí eu falei: “Não, porque eu quero, nananã”. Aí eu falei que eu queria um bebê e tal, porque eu estava com trinta e poucos anos e eu falei, avisei todo mundo: “Eu vou engravidar”. Avisei na empresa, avisei todo mundo: “Cara, eu vou engravidar”. E aí foi maravilhoso! O João foi uma coisa linda na minha vida, meu Deus, que coisa linda! Fiz um projeto financeiro - nossa, é que eu sou toda metódica - e que não sei o que, não sei o que lá. No primeiro mês eu estava falida. Porque, o que aconteceu? Deu alteração no exame de pezinho dele. Ele tem um QI a mais lá, sei lá, ele é um gênio, enfim, coisas da vida. Aí Deus te presenteia com umas coisas assim. (risos) Aí, então, ele não aparece, aí dá um negócio, aí dá uma alteração. Só que a gente achava que era o quê? Uma doença. Aí leva para o médico, leva para o médico particular, não sei o que, o convênio não servia, aí teve que não sei o quê. E gastei uma fortuna, no primeiro mês eu estava falida. Aí o médico falou assim: “Olha, não tem nada. O que está acontecendo é isso”. Aí vai, faz medição disso, não sei o que, olha, uma loucura. E aí não adianta fazer planejamento nenhum, a vida... não adianta, não sei de onde que eu tirei que eu ia fazer um planejamento. Louca, louca. E aí foi lindo, foi lindo, o João foi uma benção e aí ele foi maravilhoso e complicado, porque como eu tinha perdido o primeiro com afogamento, você imagina ele, não podia pôr o pé no chão. Ele punha o pé no chão, eu falava: “Tira o pé no chão”. Ele entrava na piscina, eu falava: “Pelo amor de Deus”. A primeira coisa que ele foi fazer foi aula de natação. Aí tudo, eu era louca, fiquei uma louca. E aí, graças a Deus, entrou todo um processo, terapia, não sei o que, não sei o que lá, que me fez largá-lo um pouco. E ele também, né, me pediu. Mas eu fiquei bem mesmo com ele depois que eu entrei, que eu fui ser voluntária do CVV. Você conhece o CVV? Centro de Referência da Vida, que é pré-suicidas? Eu tive um problema de depressão muito sério, depois que eu me separei e aí, depois de um ano eu melhorei. E aí eu falei assim: “Eu queria fazer alguma coisa para ajudar alguém, porque eu queria agradecer de alguma forma o universo, pelo que eu recebi. E eu não sei como faço isso”. E aí eu falei assim... eu estava conversando com uma amiga, a gente estava fazendo uma caminhada, aí nós achamos o CVV. Eu falei: “Cara, é isso que eu quero fazer”. Ela: “Você é maluca”. Eu falei: “Sim, é isso que eu quero fazer”. Aí me inscrevi, depois de dois meses me chamaram, fiz o curso, tal e fui fazer CVV. E aí fiquei um ano fazendo atendimento. Só que no CVV você aprende a se desprender um pouco das pessoas. Você deixa, aprende a realmente deixar a pessoa viver e tal. Foi muito bacana, é uma coisa que eu aconselho, que tem muita gente que vai fazer para aprender a viver, na verdade. Independente de fazer a continuidade, que é fazer atendimento e tal. E muita gente que vai para aprender a viver. E eu fiz esse curso e fiquei um ano fazendo atendimento. E foi maravilhoso. E, depois disso, aí ele viveu, porque até então eu era um saco no pé dele, mas depois disso ele começou a viver porque, nossa, eu era muito chata, eu era muito chata, no pé dele. Mas aí ele começou a viver. Foi muito bom esse curso para mim, o CVV é um modo de vida. Você aprende um modo de vida, porque você aprende realmente a entender que a vida do outro é a vida do outro, a sua vida é sua vida. Eu tenho algumas instituições que eu sou muito fã, alguns grupos de apoio, que eu sou muito fã. Que são grupos de apoio que eu já li livros, algumas coisas, que eu sou muito fã e o CVV é um deles, ajuda demais. Se você pegar um livro do CVV, alguma coisa do CVV para ler, na internet, você vê que eles têm uma maneira de ajudar o outro muito bacana, de deixar o outro falar, de escutar o outro. Uma coisa muito boa, mas foi por um ano só, depois não dava mais, aí eu já não conseguia mais. Mas foi bom, pelo menos eu dei um pouco do que eu recebi. Ponto. Dei de graça o que recebi de graça. É isso aí.
P/1 – E, Sandra, como a pandemia impactou a sua vida? Pensando nos aspectos pessoais e profissionais.
R – Pessoal. ‘Meu’, pessoal... eu sou muito Sandra. Eu sou muito Sandra. Eu já tinha colocado o João, eu o coloquei para ficar uma semana comigo, uma semana com o pai. Por causa das aulas, eram online, então, para dividir bem, ele ficou uma semana comigo e uma semana com o pai. E eu sou muito Sandra, eu gosto muito da minha casa, então a minha casa, eu gosto muito dos perfumes da minha casa, eu gosto muito das minhas plantas, eu gosto muito da minha da minha colcha, eu gosto muito da minha televisão. Eu gosto muito da minha casa, eu gosto do meu vinho. Então, assim, eu não tenho problema em ficar na minha casa, eu amo minha casa, então eu não tive muito problema com isso, não. E o meu personal veio em casa alguns dias, a gente teve aula na escada. Então, ele deu aula para mim na escada, de máscara, todo o processo. Ele me deu aula na escada, eu comprei uma bicicleta, fiz bicicleta em casa. Mas eu não tive - os amigos falavam pelo telefone, alguns amigos falavam pelo telefone, eu gosto realmente muito da minha casa - problema. Ponto. Profissionalmente, eu trabalho nas nuvens, eu já trabalho nas nuvens, sempre trabalhei, então eu continuei trabalhando nas nuvens. Continuei trabalhando de casa, então sentava aqui na minha areazinha, com meu computador e fazia meu trabalho. Então: “Sandra, tem reunião hoje”, colocava uma blusinha e fazia a reunião. (risos) E levei minha vida. Então assim, eu não tive muito problema com isso. E foi onde... como... o que aconteceu? O mercado parou, o de recicláveis. Parou para quem? Parou para os materiais de grande porte. Agora, embalagem longa vida, copinho descartável, esses materiais que ninguém quer, não pararam. Por isso que eu falo: “Dinheiro não leva desaforo para casa”. E esses materiais que ninguém queria, eu continuei comprando e foi aí que eu fiz a minha grande clientela. Então, a pandemia, para mim, foi maravilhosa em relação a esse conceito, de que o material reciclável que ninguém queria foi o que deu suporte para as cooperativas que estavam trabalhando, que trabalharam naquele momento, porque elas conseguiram ter um mínimo de remuneração com os materiais que eu trabalhava. Então, eu não parei na pandemia, eu trabalhei muito na pandemia, né? Então, eu consegui dar suporte, consegui não deixar os meus cooperados parados, eu consegui dar suporte para eles, financeiramente. Então, fazer a minha parte com eles eu consegui fazer, não deixar ninguém na mão, trabalhei a pandemia inteira. Isso, para mim, foi gratificante demais, porque quando a fábrica falava: “Eu vou parar” “Não, não pára, pelo amor de Deus, não para. Não para, que eu preciso de você, preciso de você. Eles estão precisando de você, parar agora não dá”. E eles não pararam. Então, com toda a segurança, nós fizemos tudo direitinho, dentro dos níveis de segurança e não pararam. Agora, as cooperativas da prefeitura tiveram que parar e aí essas pararam, mesmo. Mas quem não parou, não parou. E a Sandra, no pessoal, foi isso que eu te falei: o João ficava uma semana comigo, uma semana com o pai, uma semana comigo, uma semana... não tivemos problema, porque eu volto a dizer para você, em relação a estudo com o João, eu não tenho problema nenhum, graças a Deus, isso foi uma tarefa que Deus me tirou, graças a Deus. (risos) E, juro, senão eu ia ficar louca, ia enlouquecer. É isso.
P/1 – E, Sandra, qual é a importância da reciclagem na sua vida? Ela mudou?
R – Mudou minha vida, mudou minha vida como um todo. Hoje eu tenho orgulho demais do que eu faço. Quem mexe com material reciclável se apaixona. Tente fazer por um mês, quem não faz, você vai se apaixonar. Porque o material reciclado é apaixonante, ele é apaixonante, ele te traz história, ele te traz história. Se você acumular material reciclado dentro dessa sua casa por um mês, você vai olhar a primeira embalagem que você colocou e você vai lembrar daquela festa, ele traz história, daquela festa que: “Olha, nós tomamos aquele gin! Nós tomamos aquela Coca-Cola juntos, naquele dia”, deixa história dentro de você. E eu tenho essa paixão dentro de mim, então ele mudou a minha vida, sim. E eu sou muito grata a ele, eu acho que eu tenho uma gratidão enorme pelo material reciclável, eu tenho uma gratidão muito enorme pela reciclagem e pelo que ela significa, né? Que ela te permite se renovar todos os dias e esse estilo eu trouxe para minha vida, ela me permite me renovar todos os dias. A reciclagem te traz isso. Eu acho que é isso me faz me apaixonar, porque é o que ela me faz. Ela me permite me renovar todos os dias e eu me renovo todos os dias, todos os dias eu me renovo. Todas as vezes que eu saio da minha cama eu me renovo. E a reciclagem faz isso com a gente, ela te permite isso, se renovar todos os dias. É isso.
P/1 – Quais são os seus maiores sonhos, hoje?
R – Hummmmmm. (risos) Meu Deus! (risos) Ser uma grande empresária. Transformar a Amarylles numa multinacional. (risos) Ela já é quase, nossa, que show. Quem diria? Quem te viu, quem te vê, Sandra Amarilles. Ai, ai. Ver meu filho formado no que ele quiser, eu já disse para ele: “Meu, vai ser comentarista de futebol, vai ser o que você quiser”, eu tento tirar dele essa questão de ser médico, mas ele não adianta, eu já tentei, olha que eu já fiz de tudo, mas não adianta. Porque, ‘meu’, vai ficar a vida inteira estudando, mas ele não adianta, eu já tentei, mas não adianta. Mas vê-lo formado no que ele quiser, que eu consiga fazer dele... que eu consiga dar para os meus clientes, a cada dia, um mundo melhor. Que eu consiga que Amarylles dê para os meus clientes uma remuneração melhor. Que eles sintam prazer no que eles façam através da minha empresa, eu acho que isso eu consigo fazer. Eu acho que eu não consigo, não está dentro da minha capacidade de fazer com que eles tenham um mundo melhor, mas está dentro da minha capacidade de fazer com que eles tentam muito prazer no trabalho que eu faço para eles e isso está lendo a minha capacidade e eu posso fazer. Então, o que estiver dentro da minha capacidade fazer para eles, eu quero fazer. E dar sempre o melhor, eu acho que isso é um sonho, assim. Ver a minha empresa reconhecida mesmo pelo atendimento, pelo preço, pelo... sabe? Pela postura de trabalho, eu acho que isso, acho que é isso meu sonho. Ser essa empresa que eu sempre sonhei. Ter cada dia mais e mais e mais essa postura de trazer o que eu realmente queria desde o começo, que é aquele projeto onde eu tinha, quando eu tenho a cooperativa como principal player, principal personagem. Principal reconhecida. O meu personagem principal, a cooperativa de catador, sendo bem remunerado, bem representado ali, ganhando uma boa remuneração nos seus materiais e tendo um atendimento a nível excelência, é isso. E isso aí eu vou conseguir. (risos) Isso já está no papo. (risos) É isso, acho que esses sãos meus maiores sonhos, assim, sei lá. O resto a gente corre atrás, mas eu acho que, cara, se eu conseguir isso, o resto eu tiro de letra. (risos) Eu tiro de letra, acho que é muito tranquilo para mim.
P/1 – A gente está caminhando para o fim, mas eu queria te fazer umas últimas perguntas ainda. Se você tem alguma mensagem que você gostaria de deixar sobre a importância da coleta, da separação e da reciclagem de resíduos.
R – Um mundo melhor... uma mensagem. (risos) Ah, eu queria muito que o meu neto, que o filho do João tivesse um mundo melhor. Onde a gente estivesse já estabelecida essa questão da coleta seletiva, da reciclagem dos materiais. E não dá para gente ficar mais protelando isso, né? Porque a gente vem desde a geração de antes do João falando assim: “Eu quero que o João, eu quero que o bisneto do João...”. Não dá mais. Eu acho que já chegou um momento que a gente tem que pensar assim: “Ontem eu tenho que resolver essa história”. A gente coloca como meta na nossa vida tantas coisas, que o lançamento agora tem que ser esse: melhorar essa questão da coleta seletiva, melhorar essa questão do meio ambiente. Porque é a hora, a gente já viu o que acontece, se a gente não fizer nossa parte. A gente já viu do que a gente é capaz. Foi lindo quando nós vimos, no lockdown, o céu lindo, azul, um azul que era inigualável, eu nunca vi aquilo, eu acho que eu não vi, mas eu vivi para ver. Eu quero viver também para ver, um projeto de coleta seletiva, para ver estruturado. Ver uma coleta seletiva estruturada, ver os nossos materiais devidamente coletados e reciclados e a gente pode fazer isso, nós somos capazes, eu sei que nós somos capazes, a gente só precisa querer, tudo é só o que a gente quer. E dá para fazer, a gente sabe disso. Então, eu acho que a minha mensagem é essa, que a gente possa colocar como meta na nossa vida, sabe, cada um fazer a nossa parte, não ficar esperando que o outro faça. A gente pode fazer, então vamos fazer o que a gente pode fazer. É isso.
P/1 – Você gostaria de acrescentar mais alguma coisa, contar alguma que eu ainda não tenha te perguntado? Ou deixar alguma outra mensagem, enfim.
R - Meu Deus, o que vocês não me perguntaram? Estou boba. (risos) Deixa eu ver... teve uma hora que a gente estava conversando e eu acho que é muito longo para gravar, mas eu queria te contar essa parte. A gente tava conversando e aí começou a filmagem, que eu estava falando para você do Sargento. Aí, o que aconteceu? Aí veio a pandemia e o Sargento resolveu parar de trabalhar e ele tinha cinquenta anos no mercado. Que loucura. O que esse cara fez? Então, cinquenta anos de clientes, passados de pai para filho, ele falou assim: “Sandra, você, dentro desse mercado, esse mercado de reciclagem é um mercado muito, muito, muito grande e eu conheço muita gente, mas eu e o meu pai conversamos e a gente quer dar para você a nossa carteira de clientes porque, de todos os nossos compradores que já passaram por aqui, você é a única compradora que trabalha de acordo com o que nós acreditamos ser uma forma leal de trabalhar com catador de reciclagem”. Você imagina minha cara na hora que o cara falou isso? Cinquenta anos de clientes, o que esse cara fez com a minha empresa? Então, aí você fala assim: “Cara, é isso que é o legado que eu quero deixar. É que as pessoas vejam em mim essa pessoa. Que as pessoas vejam em mim, acreditem em mim dessa forma, que elas vejam em mim essa pessoa, essa pessoa que realmente está levando um legado”. Que realmente acredita que o catador é a verdadeira estrela desse processo. É realmente esse o meu legado: garantir que o catador seja a verdadeira estrela desse processo. Então, foi fantástico quando ele me deu esse presente, porque é um presente, como você pega uma carteira de clientes com cinquenta... e, assim, são pessoas me ligando de todo lugar do país! “Sandra”. Essa semana, ontem veio um cara de Itanhaém, outro dia veio um cara de Curitiba, outro dia veio um cara de Recife. “Sandra, estamos mandando entregar material aí para você, estamos mandando entregar”. Só que essas pessoas estão me entregando copinho? Estão! Só que ele comprava só copinho, mas eu compro outros materiais, automaticamente eu fecho com essas pessoas outros materiais. Você imagina o que esse cara fez, pela minha empresa? Simplesmente por ele ver na minha empresa, ver na minha pessoa uma responsabilidade para com o catador. Então, isso, para mim, é o que eu queria, eu queria que as pessoas enxergassem em mim o que eu enxergo, a minha responsabilidade que eu tenho para com esse trabalho e ele conseguiu ver isso. Então, para mim, ‘meu’, missão cumprida, estou de fato no caminho que eu realmente risquei na minha vida. Eu tô trilhando o caminho que eu risquei. Então, isso, para mim, é muito importante, então eu acho que uma das coisas, sim, que mais me marcaram, foi isso, foi essa pessoa chegar para mim – boa - e falar assim: “A minha carteira de cliente de cinquenta anos de trabalho é sua, porque você consegue enxergar o catador como a estrela desse processo”. Ainda falei para ele: “Você quer que eu te pague uma comissão, você quer que eu te pague alguma coisa?” “Não!” Eu falei: “Meu, porque qualquer pessoa pediria alguma coisa, qualquer pessoa. Normal!” “Não, eu só quero que você tome conta dos meus clientes, assim como você toma conta dos seus clientes, só isso”. Agora imagina isso, olha a minha responsabilidade com esses clientes! Eu trato esses clientes como se fosse uma joia, cada um deles. Quando eles me ligam e falam: “Olha, o Cléber pediu para te ligar”, eu paro tudo, porque para mim são jóias.
P/1 – Se quiser explicar por que o...
R - Por que o catador é meu cliente? Porque, o que eu enxergo como cliente? Enxergo como cliente alguém que me fornece... alguém ao qual eu compro algo. Desculpa, alguém ao qual eu forneço algo e eu forneço para ele uma prestação de serviço, que é a compra os materiais dele. É isso, eu forneço para ele a compra dos materiais recicláveis dele, uma prestação de serviço, então ele é meu cliente. O que você tem - quando você tem uma loja, quando você tem um comércio - de mais precioso? O seu cliente. Então, o que eu tenho de mais precioso? É o catador. Ele é o meu principal elo, o principal elo da minha cadeia porque, se eu não tiver esse cara dentro do meu elo, eu não tenho nada, eu não tenho nada. Ele é o meu principal elo, eu posso ter até a fábrica, legal, mas se eu tiver a fábrica e não tiver o catador, eu vou fornecer o que para a fábrica? Então, automaticamente, o meu principal elo é quem? É o catador, então ele é o meu cliente. Eu acho tão engraçado quando o catador fala assim para mim: “Não, você é nossa cliente” “Não, cara, você é meu cliente!” (risos) Para com isso, você é meu cliente!” - e eles me tratam como se eu fosse cliente deles - “Não! Vocês precisam inverter isso, para! Você é o principal elo dessa cadeia, eu que preciso de você, não é você que precisa de mim. Tem milhares de pessoas como eu. Eu preciso de você, você é o principal elo dessa cadeia. Então, ele é o meu cliente. Eu acho que essa cultura que foi implantada, que os fizeram se convencerem que eles não são clientes, é o que realmente acho que até prejudica um pouco. Porque eles ficam numa situação, eles se deixam acreditar numa coisa que não é real. Eles se deixam acreditar que eles são menores, dentro do processo. E não é, eles são a estrela da coisa toda. E eles precisam saber disso, eles precisam ver isso. E se dar valor por isso. Eles têm que realmente colocar o salto alto deles e falar assim: “Não, espera aí, eu tenho que sentar na mesa de negócio com proeza, porque o material está comigo. Eu sou a pessoa que faz o beneficiamento, o material está comigo, eu que dou as cartas”. E eles geralmente deixam que quem chega na cooperativa dê as cartas. E não é, eles que dão as cartas. Só que eles não conhecem o valor que eles têm, eles não conhecem o poder que eles têm. E o que eu levo para eles é essa cultura, eu acredito nessa cultura, eu acredito que eles têm que se empoderar disso. Eu acredito que eles têm que se empoderar disso, que é deles esse poder e que que faz parte deles esse processo. É o que eu sempre falo. Sempre, no dia do cliente, eu faço questão de mandar para eles: “Vocês são os melhores do mundo, vocês são os melhores!” Eles ficam todos cheios e tal e eles têm que ficar, eles têm que se sentir, eles são, cara! Sabe? São os meus melhores. Porque é isso mesmo. Então, é isso, eu acredito muito nisso e que eles têm que assumir o papel deles. É difícil, tem alguns que ainda não conseguiram, tem outros que já sentam na mesa e batem o pau, mesmo. “Olha aqui, é assim, assim, assado, o preço do material é esse”. Porque são eles e eles deixam o outro fazer isso. Eles não podem fazer isso. Então, é certo: existe um mercado, existe isso, existe aquilo, mas eles que deveriam comandar o mercado e eles não, eles fazem o contrário. Então, assim: “É, Sandra, é um conceito muito futurista”. Pode ser, mas eu acredito, eu sou pioneira em tudo que eu faço, eu acredito nisso. Mas que o catador é a grande estrela deste processo e ele não tem força - e talvez até por falta de união - para assumir esse processo, ele não tem força, mas que deveriam, deveriam. Deveriam, deveriam. Então, é isso, a Amarylles acredita nisso, a Amarylles acredita que o grande cliente aí nesse processo é o catador. Sim, a indústria é meu cliente? É meu cliente. Ponto. Mas ele é de um outro formato. Eu tô aqui no meio, tô no meio dos dois, está certo? E tô balanceando aqui. “Ó, seguinte, ô indústria: os caras não vão vender material por esse preço não, você caiu do cavalo” “Mas, Sandra, o mercado é assim, assado, eu não vou vender por mais” “Tá bom, então você vai ficar sem material, ok?” “Ok”. Aí eu fico dois, três meses sem aparecer com o material. “Ô, Sandra, mas você não está me entregando o material” “Mas eu não te falei que apareceu um cara lá que estava comprando por um preço um pouco maior?” Aí volta, então, oferece um pouco mais. Aí eu vou lá: “Ó, ofereceram um pouco mais” “Ah, então tá, então vai levar”. Percebe que eles que mandaram? Eles que mandam! Mas eles precisam ter força, eles precisam fazer, eles mexem no mercado, mas eles precisam... então, a Amarylles está aqui no meio e é isso que eu quero dar: empoderamento para cooperativa. Poder para a indústria? Legal. Mas empoderamento para a cooperativa? Sim. “Ah, você quer montar uma guerra?” “Não, eu quero só que todo mundo se entenda. (risos) Mas que seja um entendimento justo para todo mundo”, você entende? Entendimento justo para todo mundo. O que não dá é para ficar uma pessoa aqui no meio, que tem alguém no meio ganhando muita grana, tem alguém no meio ganhando grana. Não sou eu, porque eu, na verdade, eu ganho desse cara, tá? Eu ganho desse cara, esse cara me paga. Mas tem outra pessoa aqui no meio ganhando. Então, assim: aí que vem. Então, assim, é essa questão da representação, que aí entra o intermediador e tal, que é o que todo mundo acha ruim e tal. Então, aí entram outras questões, mas eu acho que o catador tem que ter, sim, um reconhecimento, ele precisa. Tem que ter uma Amarilles no meio, brigando? Tem! Mas... (risos) enfim, é isso.
P/1 – Por fim, quero te perguntar como foi para você dividir um pouquinho da sua história com a gente, lembrar de como foi ter crescido em dois bairros diferentes, de perceber essa travessia de sair dos bastidores e poder ir caminhando para ocupar o seu devido lugar, que é onde você quiser.
R – Cara, foi lindo sair dos bastidores. Meu Deus, a trajetória! Sei nem por onde começo agora, faz de novo essa pergunta aí.
P/1 – Então, como foi pra você ter dividido com a gente tudo isso?
R – Ah, foi maravilhoso, eu tô me sentindo muito honrada de estar participando disso tudo. Vocês são maravilhosos, tocaram em pontos que... talvez pela dor ou pelo amor, eu tinha me feito esquecer, né? Mas eu lembrei com muito carinho e lembrei que existe muito carinho nessa dor. Foi muito legal saber que existe muito carinho nessa dor. A trajetória, saber que hoje eu sou uma mulher, essa trajetória de bairros, eu tenho muita gratidão pela minha mãe, eu acho que ela criou uma grande mulher. Talvez hoje eu entenda um pouco melhor tudo. Talvez não, eu entendo muito melhor tudo que ela queria me passar, tudo que ela me passou, eu entendo muito melhor. Eu entendo que realmente sou uma mulher fantástica. (risos) Sem falsa modéstia. (risos) E entendi tudo isso. Eu acho que todo adolescente tem um momento que a gente fala assim: “Mas para que tudo isso, né?” E aí, hoje eu vejo para que foi aquilo tudo, né? E estar aqui com vocês hoje é uma grande vitória, me sinto reconhecida pelo universo, me sinto reconhecida pela minha história, por tudo que eu passei, tudo, tudo, tudo, tudo, tudo, tudo, tudo. Tenho muita gratidão por todos os nãos que eu recebi na minha vida, porque eles me trouxeram até aqui. Passei situações que vocês não podem imaginar. Assim, gente, precisaria de outro dia, outra história. Porque, assim, eu passei por situações que vocês vão falar assim: “Sandra, é mentira que você passou por isso!” Pois eu passei e hoje eu tô aqui. Então... e hoje eu tô aqui. E então eu não consigo nem mensurar a importância disso para mim. Só tenho a agradecer, porque eu realmente não tô na metade da minha trajetória. Eu tenho muita coisa ainda para fazer, né? Muita coisa para viver. E hoje eu tô aqui. Então, meu Deus, assim, é louco saber o que ainda mais me espera. E você pensar que você estava dentro da sua casa, fazendo um trabalho e te viram em algum momento, porque o seu trabalho estava muito bom. O que você está fazendo pela tua vida, pelo universo, pela vida das outras pessoas, está muito bom. Se você estava dentro da tua casa, fazendo um trabalho e as pessoas te viram, você imagina se você sair pra fora e falar assim: “Oi, tô aqui”, o que vai acontecer?” Então, assim, eu quero realmente ser essa pessoa, eu acho, eu acho, não sei ainda, tô pensando. (risos) Acho que eu sou tímida. Mas eu tô muito feliz de vocês estarem aqui, eu estou muito feliz pela oportunidade, eu tô muito grata pelo carinho de vocês, pelo carinho com que vocês trataram a minha história, pelo carinho com que vocês tocaram nos meus pontos, pela delicadeza de cada momento, da atenção que vocês tiveram. Talvez fizesse muito tempo que eu não via tanta atenção, os olhos de vocês, foi muito lindo. Então, muito obrigada, muito obrigada, porque foi um momento muito especial na minha vida e que eu não vou esquecer de jeito nenhum. Então, muito obrigada!
P/1 – Muito obrigada, mesmo! Por tudo que...
R – (risos) Nossa Senhora, que horror! (risos)
P/1 – Que delícia de manhã!
R – Nossa, foi muito legal.
P/1 – Foi maravilhoso.
R – Te odeio, Gil. (risos)
[Fim da Entrevista]
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