Projeto Conte Sua História
Depoimento de Sônia Regina dos Santos
Entrevistada por Carol Margiotte e Laura Garibaldi
São Paulo, 11 de outubro de 2018
Realização: Museu da Pessoa
PCSH_HV702
Transcrito por Rosana Rocha de Almeida
Revisado e editado por Paulo Rodrigues Ferreira
P/1 – Muito obrigada, Sônia. Sônia, boa tarde.
R – Boa tarde.
P/1 – Muito obrigada por estar aqui hoje com a gente.
R – Imagina.
P/1 – Prazer recebê-la.
R – Obrigada.
P/1 – E para começar, seu nome completo.
R – Sônia Regina dos Santos
P/1 – Local e data de nascimento da senhora.
R – “Vixi”, deu branco. 03 de fevereiro de 1961.
P/1 – Onde? Em qual cidade?
R – São Paulo
P/1 – Capital?
R – Sim
P/1 – E a senhora sabe como foi o dia do seu nascimento? Seus pais contavam essa história?
R – Não, nunca me contaram.
P/1 – E o porquê do nome Sônia Regina?
R – Na verdade, meu nome era para ser Sueli, meu pai queria que eu me chamasse Sueli. Mas minha mãe bateu o pé e ficou Sônia. Até que eu gosto.
P/1 – Mas tem uma explicação por que Sônia?
R – Não, que eu saiba não.
P/1 – E nem Regina?
R – Nem Regina.
P/1 – E falando nos seus pais, qual o nome deles?
R – Meu pai é falecido, chamava-se Laudelino Pereira dos Santos. E minha mãe, Antônia Rita dos Anjos Santos.
P/1 – Fale um pouco sobre eles, o que faziam, como eles são!
R – Bom, meu pai trabalhava como vigia, morava no emprego, não é? Eu o via mais nos finais de semana... Meu Deus, (corte da gravação). E minha mãe, Antônia Rita dos Anjos Santos...
P/1 – Se precisar... Vou pegar um para mim, quer?
R – Vai cortando?
P/1 – Fique tranquila.
R – E minha mãe, Antônia Rita dos Anjos Santos, ela trabalhava como merendeira. Trabalhou muito tempo como doméstica e depois como merendeira, entendeu? E o que mais?
P/1 – Você sabe como eles se conheceram?
R – Não. Eles não falavam muito sobre isso, família pequena e não tinha muito esse diálogo.
P/1 – E como seu pai era de personalidade, de físico? Descreva-o um pouco.
R – Meu pai era bonitão, tipo, ele parecia o Tarcísio Meira. Sério! Era bem um gato e mulherengo.
P/1 – E a sua mãe?
R – Também bonita. Um pouco tristinha, mas era alegre às vezes.
P/1 – E além da senhora, eles tiveram outros filhos?
R – A minha irmã, Sandra. Sandra Regina Pereira dos Santos. Tem o nome maior que o meu, não é?
P/1 – (risos) Mas ela é mais velha ou mais nova?
R – Mais nova.
P/1 – Conte para a gente como era a casa da sua infância. Onde vocês moravam?
R – Da minha infância, eu não me lembro muito bem. Não foi nessa casa em que eu moro agora. Nessa casa, eu moro há cinquenta anos. Agora, da outra eu não me lembro. Não tenho muita recordação.
P/1 – Mas qual é a casa que você lembra de ter passado sua infância, sua adolescência?
R – Na casa dos meus tios, que era na Vila Palmeiras. Tenho mais recordações de lá, porque eu vivia mais lá, nos irmãos da minha mãe.
P/1 – E como era essa casa?
R – Ah, era tipo uma chácara, era grande! Tinha um tanque em que a gente brincava, tinha pé de goiaba, pé de manga, a gente fazia muitos balanços. Ah, eu brinquei bastante. Aproveitei a minha infância bastante, acho que até com dezessete anos eu brincava.
P/1 – Em que momentos você ia para a casa deles?
R – Eu não me lembro. Mas assim... Eu só lembro que estava lá direto. Como minha mãe levava assim... Eu lembro que passava muito tempo lá.
P/1 – E Sônia, você chegou a conhecer seus avós?
R – Só minha avó por parte de mãe.
P/1 – Que se chamava...
R – Francisca Rita.
P/1 – Fale um pouco de como era dona Francisca!
R – A minha avó bebia um pouquinho, não é? A minha mãe saía para trabalhar e ela ficava comigo e com minha irmã. E, na parte da manhã, ela fazia as obrigações dela. À tarde, ela gostava de tomar um licorzinho. E gostava muito de fumar cachimbo, uns cachimbos, não é? Pegava aquele fumo de corda e fumava uns cachimbos.
P/1 – E como era sua relação com ela?
R – Ah, era agradável, não é? Eu não tenho muita recordação disso, entendeu? Porque foi pouco tempo, eu acho.
P/1 – E falando da sua infância, do que você lembrar você pode me contar como era a rotina em casa?
R – A rotina em casa... meu Deus...
P/1 – Como era a relação dos seus pais, em que momentos vocês se viam todos juntos!
R – Todos juntos era um pouco complicado porque, como eu te falei, meu pai trabalhava e dormia no emprego, não é? Então, era mais a convivência com a minha mãe. Minha mãe e minha avó. Aí, depois, minha avó foi embora morar com a minha tia. Aí, éramos eu, minha mãe e minha irmã.
P/1 – E a sua mãe conversava com vocês? Contava história sobre a família?
R – Contava mais ou menos assim. Porque eram minha mãe e minha tia, irmã filha do mesmo pai e da mesma mãe. E os irmãos eram por parte de pai, entendeu? Aí, ela contava mais ou menos. Mais ou menos.
P/1 – E que brincadeira você gostava de...
R – Bicicleta, carrinho de rolimã, peão, tudo que era de menino. Perna de pau! Até hoje eu vou ao SESC e fico enchendo a paciência do rapaz para fazer uma para mim. Ele fala: “Mas é daqui do SESC!” Eu falo: “Moço!” As crianças não acreditam que eu ando de perna de pau! (risos) Vou ao SESC Pompeia direto encher a paciência do rapaz para ele me dar uma perna de pau! (risos). Peão! Eu gostava muito, furava a orelha de muita gente.
P/1 – Como assim?
R – Jogava e acertava, sem querer, nas pessoas e furava a orelha. Eu era terrível!
P/1 – E quando isso acontecia?
R – Ah, as mães só faltavam me matar, não é?
P/2 – E a senhora chegou a machucar alguém feio assim?
R – Já.
P/2 – E como é que foi?
R – Como é que foi é que meu pai teve que pagar o curativo da criança e eu levei uma surra de cinto. É, eu era um pouco bagunceira. Moleque. A minha avó falava que eu era moleque: “Essa daí é moleque”.
P/1 – E a perna de pau você aprendeu com quem?
R – Ah, na rua, com os meninos! Nossa, até hoje eu ando. Quando vou ao SESC, eu gosto de andar na perna de pau.
P/1 – Mas como vocês montavam? De quem era?
R – Não lembro de quem era, só lembro que... Nossa! E skate também. Nossa, eu pegava o skate dos moleques e ia. Agora comprei um skate, há pouco tempo, fui ao Minhocão. Só que a pessoa não conseguiu, a pessoa foi sentada! (risos) Aí, a moça perguntou: “Você vai comprar para o seu filho?” “Não, vou comprar para mim”. “Você não acha melhor comprar um patins?” “Mas eu quero skate, moça!” Só que aí, meu marido me levou ao Minhocão, mas a pessoa não conseguiu ficar em pé! Aí, fui sentada. Comprei, tenho que usar!
P/1 – E o que a senhora queria ser quando crescesse?
R – O que eu queria ser? Modelo! Acredita nisso? Porque quando eu era criança – ah, lembrei – tinha muitas reuniões de De Millus. E como eu era comprida, todo mundo me chamava para desfilar, não é? Então, eu falei: “Já sei o que vou ser: modelo!” Mas só que não, não é? E não gostava de estudar, nunca gostei. Eu fugia da escola.
P/1 – Você lembra do primeiro dia na escola?
R – Lembro. Eu quase morri. Porque não gostava, nunca gostei de estudar. Só uma vez que eu gostei, na terceira série, mas aí a professora saiu de licença para ganhar nenê, minha mãe trabalhava como merendeira, eu saí correndo, fui na cozinha e falei: “Mãe, não vou voltar mais para a escola!” Aí chorei, chorei, chorei, não fui. Depois faltei uma semana, minha mãe quase morreu. Porque trabalhava na escola, não é? Imagina, coitada, o que ela não passou. Eu não gostava de estudar.
P/1 – Como era ter uma mãe merendeira na mesma escola em que você estudava?
R – Ah, era bacana, eu gostava. Eu gostava. Porque todo mundo elogiava a comida dela, não é? Aí eu gostava: “Ah, é minha mãe, minha mãe!” Gostava muito. Depois eu acabei sendo merendeira! Não, ajudante de merendeira, depois inspetora e depois... Sei lá. De casa assim, do lar. Porque minha mãe começou a ficar com Alzheimer, aí ficou complicado.
P/1 – Tudo bem fazer mais perguntas sobre essa época de escola?
R – Uhum.
P/1 – Fale das comidas que tinha na merenda que sua mãe fazia!
R – Comida... Era macarrão. E ela fazia um patê de sardinha que era muito maravilhoso! E o que mais? Uma sopa de fubá que agora não existe mais na escola, acho, não é? Ninguém gostava, mas eu gostava da sopa de fubá que ela fazia. E as professoras também. Aí, ela ficou muito tempo lá, depois me deu uma bicicleta com o primeiro salário dela! Até pouco tempo eu tinha essa bicicleta.
P/1 – Como foi esse presente?
R – Ah, foi maravilhoso!
P/1 – Mas conta para a gente como foi. Você sabia que ela ia lhe dar?
R – Não, não. Meu sonho era ter bicicleta. Porque eu usava sempre as bicicletas das amigas, não é? Aí, quando foi um dia, nem sei se era aniversário... Não! Foi na Páscoa. Ela falou: “ Eu já comprei o seu ovo”. Eu toda animada... Aí, foi uma bicicleta! Melhor ainda, não é? Mas no final, eu falei: “Mãe, cadê o ovo?” (risos) A pessoa ingrata, não é?
P/1 – E como foi andar pela primeira vez na bicicleta?
R – Ah, foi maravilhoso. Eu já sabia, não é? Porque eu já andava das amigas. Só não conseguia andar de patins. Todo mundo tinha aquele patins babuche na época, e eu não conseguia. Uma perna ia para a Lapa e a outra para a Pompéia. Então...
P/1 – (risos)
R – Nunca aprendi. Nem patins e nem bambolê, não teve jeito. O skate eu sabia, mas esqueci. Infelizmente. Eu gostava muito de empinar pipa. É, acho que eu era moleque e não sabia. (risos)
P/1 – Como era essa bicicleta? De cor, de tamanho!
R – Azul. É, não sei porque ela não comprou rosa, não é? Era uma bicicleta azul, era Monark, era bonita. Não era igual essas retrô, mas ela era bonita. Eu gostava muito.
P/1 – E quando vocês voltavam para casa, sua mãe contava história do dia na cozinha?
R – Contava. Mas não era bacana, não. Porque quando ela trabalhava de doméstica, às vezes ela chegava chorando, porque às vezes sumia alguma coisa na casa das patroas e, tipo assim, elas achavam que ela tinha roubado, não é? Aí, minha mãe chegava muito chateada e a gente chorava muito com ela, tentava distraí-la! Aí eu tentava... Quando ela começava a chorar e falar... Na casa em que a gente morava tinha uma janela... Para distrair, eu falava: “Mãe, vamos brincar. Os ônibus da direita são meus e os da esquerda são seus, para ver quem ganha?” Para ela parar de chorar, entendeu? Aí, a gente ficava... Porque, da janela, dá para ver Itaberaba. E ficava: “Mãe, quem perder tem que dar um tapa na bunda e sair correndo!” Daí fazia ela correr as escadas todinhas, ela esquecia um pouquinho. Depois ela chegava no outro dia: “Filha, você não sabe, a mulher achou tal coisa, estava em outro lugar. Não pediu nem desculpa, e é assim. Estuda, estuda para você não passar por isso”. Só que eu não ouvi o conselho e não estudei, não é? Mas não passei por isso, eu acho. Acho que não.
P/1 – E da escola, sua mãe contava alguma história?
R – Como assim?
P/1 – Da época em que ela foi merendeira?
R – Não, acho que não.
P/1 – Ela falava como era o dia a dia na cozinha?
R – Não, porque eu estava direto com ela. Ficava assim... Só que não ajudava. Deveria, mas não ajudava. Ficava olhando a Educação Física. Porque naquele tempo tinha Educação Física no ginásio, aquele negócio de... Como é que chama? Não sei. Era um negócio de madeira em que os rapazes pulavam. Aí eu ficava assistindo Educação Física. Era um tempo em que tinha negócio da Coca-Cola que ia, mas eu nunca era sorteada. Tinha umas atividades que a Coca-Cola levava, tinha umas argolas, umas coisas, mas eu só faltava arrebentar o braço e nunca fui chamada. Mas era legal.
P/1 – E o seu pai, contava história de como era o trabalho dele?
R – Ah, ele contava. Ele queria comprar um SP2 para mim e eu não sabia o que era um SP2. Ele fez de tudo para me dar e eu não quis. Agora se eu tivesse, não é? Eu falei: “Não, pai, para que eu quero esse carro velho?” Agora se eu tivesse esse SP2, seria bom. Eu não queria porque achava um mico, mas não era como na época. Eu falava: “Não, pai, um carro velho desses!” Porque ele trabalhou na Alfa Romeo um tempo, então esse carro estava lá - não sei nem o porquê - e ele tentando falar para o patrão dele que queria comprar para a filha. E tentando, tentando conversar, e: “Filha vou te dar, filha vou te dar, filha vou te dar”. Eu falava: “Está bom, pai, mas não tem que ser esse carro porque o primeiro passeio que eu vou dar vai ser no Minhocão e depois vou para Santos. Então, o primeiro carro que eu tiver, eu vou dirigir assim: vou para o Minhocão e vou direto para Santos”. Só que a pessoa tem medo, não dirige. Ai eu faço meu marido me levar pelo Minhocão e ele: “Mas você não cansa desse Minhocão!?” “Não, eu gosto do Minhocão”. E vocês que querem demolir o Minhocão, não façam isso não, eu amo o Minhocão. (risos) Ensinei minha sobrinha a andar de bicicleta no Minhocão também. Vou caminhar no Minhocão. Graças a Deus não fui assaltada no Minhocão, mas...
P/1 – (risos)
R – Muita gente já foi, mas eu não. E nem quero! (risos)
P/1 – Mas seu pai trazia histórias de como tinha sido o trabalho durante a noite?
R – Ah, trazia. Ele falava, mas eu não lembro muito. Eu lembro que ele vinha correndo quando vinha me trazer melancia e, na época, eu não gostava de melancia. E me acordava dez horas da noite: “Filha, olha o que eu trouxe para você, trouxe melancia”. Eu não aguentava, eu comia aquilo e não gostava. Hoje eu como melancia como uma doida! “Olha o que o pai trouxe para você: melancia”. E, meu Deus do céu, cortava a melancia e eu comia: “Oh, tem mais”. Meu Deus, onde ele descobriu que eu gosto de melancia? E comia. Coitadinho, já não via a semana inteira, tinha que comer melancia.
P/1 – E por que melancia?
R – Não sei, só a fruta que ele lembrava de trazer para mim era a tal da melancia.
P/1 – E como era, quando seu pai voltava para casa?
R – Ah, era muito gostoso. A gente queria que ele ficasse sempre, mas, devido ao trabalho, só final de semana mesmo.
P/1 – E sua mãe fazia alguma refeição especial quando estava todo mundo junto?
R – Hum, não me lembro. Não me lembro disso. Porque eu vivia também muito na casa das colegas, não é? A pessoa... Era uma chamando... Nossa, uma chamava daqui, outra chamava de lá. Tinha a que chamava para ir para os bailinhos... Porque tinha os bailinhos na casa. Tinha a que chamava para andar de bicicleta; tinha aquela que era para andar de skate; os meninos, de rolimã, à noite, no caminhão, de canto. Então, não tinha como ficar em casa.
P/1 – E como era a divisão de tarefas em casa?
R – Não tinha. Minha mãe não obrigava a gente a fazer nada. Por isso que não sou dona de casa exemplar, sou meia boca. Cozinhar é uma tragédia, meu marido é quem cozinha. E bem, por sinal. Eu não sei cozinhar muito bem não, só o básico do básico do básico.
P/1 – E tinha algum momento em que vocês quatro... Vocês eram quatro, não é?
R – É.
P/1 – Que vocês saiam todos juntos? Para passear ou para passar férias!
R – Não. Junto os quatro, não. Porque minha mãe ia para a missa, eu não gostava. Ela queria me carregar, mas eu não gostava muito não. E também não era muito unida com minha irmã, assim... A gente não era muito unida. Aí, meu pai ficava em casa ou ia para o bar, alguma coisa do tipo, e minha mãe na igreja. É isso.
P/1 – Mas você tem uma lembrança dos quatro juntos?
R – Os quatro juntos... Algumas vezes, mas era raro. Era raro (silêncio). Era mais eu e minha mãe, ou eu e meu pai, eu e minha irmã. Mas os quatro juntos para sair, não lembro. Minha mãe levava a gente muito no Ibirapuera, no Parque da Água Branca, ela fazia uma... meu Deus! ... Uma sacolinha, tipo sacola de feira, cortava rapadura – (risos) meu Deus! Cortava rapadura e a gente saia andando. Era gostoso. Era mais com ela mesmo.
P/1 – Ela que fazia a rapadura?
R – Não, ela comprava. Ela fazia a sacolinha só. E cortava como se fosse bala assim, porque ela vinham inteira. E a gente saía andando.
P/2 – Dona Sônia, e como era essa relação sua com a sua irmã? Vocês eram bem amigas na infância?
R – Não muito, a gente brigava bastante.
P/2 – Mas tinha alguma brincadeira que vocês faziam juntas, ou algum momento?
R – Ah, a gente brincava de STOP. Não sei por que eu não deixava ela andar na minha bicicleta. Todas as minhas amigas andavam e ela não. Ela fala hoje, que tinha cabelo bem armado e não gostava muito de pentear. Ela fala, mas eu não lembro (risos). Que, quando minhas colegas iam em casa, eu começava a pentear o cabelo dela todinho e fazia ela chorar. Mas não lembro disso, não! (risos)
P/1 – Sônia, onde era o bairro em que vocês moravam?
R – Freguesia do Ó, Vila Iório. Agora, dizem que é Vila Cavaton. É o mesmo lugar.
P/1 – E quando vocês se mudaram para lá?
R – Eu deveria ter uns três anos, por aí. Minha irmã já nasceu lá.
P/1 – E como é essa casa?
R – Como é essa casa? Ah... Era um barraco antes, agora é uma casa. E eu tinha mania de construir casa, aí eu construía uma casinha para mim, colocava um negocinho e só minhas coleguinhas entravam - minha irmã, eu não deixava. (risos) Ah, Jesus, eu tinha mania disso. E tinha o sonho de ter uma casa na árvore, mas eu não conseguia. Só que eu era imbecil, eu gostava de brincar na árvore... Em casa tinha um pé de mangueira e minhas colegas iam sempre para lá. Aí, todo mundo subia. Só que na hora de descer, eu não conseguia descer. Até hoje eu não consigo descer de árvore. Aí, tive que esperar meu pai chegar para me tirar. (risos) Todo mundo me largava lá. É como... Tem uma praça no Peccicacco, que tem uma pedra enorme. A gente brincava, brincava, brincava e ia para essa pedra, subia, aí a imbecil ficava lá em cima e todo mundo ia embora, não é? Eu sofria bullying e não sabia. Mas era gostoso.
P/1 – E o que passava na sua cabeça enquanto você esperava seu pai chegar?
R – Hum? A surra que eu ia levar depois. Por quê eu subi, se eu não conseguia descer nem a pau? Me davam a mão, colocavam madeira para eu escorregar, e eu: “Não consigo, não consigo, não consigo”. E não descia. Era bem assim.
P/1 – E como seu pai sabia que tinha que ir lhe buscar na árvore?
R – Ah, a minha avó avisava: “Adivinha quem está empoleirada lá?” Era eu, não é? Nossa, aí ele xingava! Não batia não, eu pensava que ele ia me bater, mas ele só me bateu uma vez. Assim... Naquele tempo a gente não tinha calça, era saia, não é? De fio de ferro! De uma quermesse até em casa. Porque eu tirei a sobrancelha e fiquei parecendo não sei o quê. Sabe um fiozinho de linha? Nossa, mas eu apanhei, mas apanhei, mas apanhei, mas apanhei, misericórdia. Mas também eu fiquei parecendo uma... não é?
P/1 – E como ele tirava você de cima da árvore?
R – Eu não lembro. Acredita que não me lembro? Mas era ele quem me tirava. Porque a pessoa não descia.
P/1 – E a gente estava falando da sua casa, que você falou que antes era um barraco. Conte para mim como era! Sabe por que seus pais se mudaram para lá?
R – Não sei te dizer por que eles se mudaram. Ah, acho que era da minha avó, uma coisa assim. Era um barraco, e era gostoso porque tinha os vãozinhos assim e você via tudo, não é? Agora tem um paredão. E foi gostoso morar naquele barraco um tempo, não é? Porque depois, quando você fica adolescente, é mico. Para arrumar os namoradinhos, você morava lá e quando ia trazer em casa, tipo, passava duzentas casas da sua para dizer que morava ali. Depois tinha que voltar correndo. Aí, o que você perguntou mesmo? Desculpe.
P/1 – Estava falando da casa mesmo.
R – Então, era tranquilo, tinha uma visão boa. Tipo assim, da janela dava para ver a Itaberaba e daqui, tipo assim, da cozinha, dava para ver tudo. Se você não quisesse atender alguém, dava para ver tudo. Hoje é tudo fechado, não é? Era gostosinho.
P/1 – E como era a divisão dos cômodos para vocês dormirem?
R – Ah, eram três cômodos. Dormíamos eu e minha irmã, minha mãe e meu pai, e era isso. Não tinha muito assim... Não era grande não.
P/1 – E a escola, onde era?
R – Era perto de casa, no quarteirão assim. Na Escola Marquês de Tamandaré.
P/1 – E você lembra do primeiro dia em que foi para a aula?
R – Lembro! Lembro de que não gostava. Eu fui, mas não fui... Sabe do que eu gostava só? Do material novo, por causa do cheiro. Depois que acabava o cheiro não queria mais saber de nada! (risos) Aquelas canetinhas Sylvapen, que secavam, um estojo que era de lata! Só do material novo, porque, de estudar, eu não gostava não. Infelizmente. Mas meu filho, graças a Deus, não puxou a mim.
P/1 – Conte dessas lembranças do primeiro dia na escola, Sônia!
R – Ah, todo mundo dizia que eu só gostava de desenhar casinha, somente casinha. Só desenhava casinha. E meu apelido na escola era ‘mortadela’, porque eu levava lanche de mortadela... E o cheiro, não é? Até quando eu fui votar, o menino veio: “Oi, ‘mortadela’!” Falei: “Ah... “. E saí andando. Não vou dizer nada. Agora, não tenho obrigação de... não é? Aí, ele ficou assim. É isso... Da escola... Só isso mesmo. Ah, e quando eu fui atropelada! Não é engraçado, mas... Porque eu tinha mania de comprar revista e álbum, não é? Aí, comprei a revista que vinha foto do Marcos Paulo, enorme! Eu tinha um Alain Delon enorme no meu quarto - não sei onde encontrei Alain Delon - aí fui comprar revista que tinha Marcos Paulo. Tudo bem, mostrei para todo mundo na sala. Depois, a menina chegou: “Oh, a Maria Helena roubou o seu pôster”. Saí correndo atrás da menina, não vi o carro e o carro ptzz... Me levou lá em cima. Como eu tinha estojo de metal, amassou o carro. Daí eu fiquei com apelido de... Como é que chama? Era um monstro que amassava... Esqueci o nome. Porque não aconteceu nada comigo e amassou o carro (risos). Ah, era Godzilla, sei lá, esqueci o nome. Graças a Deus não aconteceu nada comigo, só que eu tive pesadelo, não conseguia dormir, porque ficava lembrando do carro me atropelando, me atropelando, me atropelando. Não foi engraçado isso não. Mas a menina me devolveu o pôster.
P/1 – E quem estava no carro? Você conhecia?
R – Não, o moço me levou em casa, me levou no Pronto Socorro, que não existe mais, que era o Fratura da Lapa, tirou raio-X até da unha e, graças a Deus, não deu nada. O cara me socorreu, mas aí eu fiquei um mês que não conseguia dormir. A minha mãe tinha que ficar comigo, dormir comigo porque eu acordava assustada assim.
P/1 – E em casa, quando sua mãe soube?
R – Nossa Senhora, ela estava na escola, avisaram para ela rapidinho. Daí, coitada, pensou que eu já tivesse morrido, ficou assustadíssima. Mas, graças a Deus, só foi o susto mesmo. Tudo por causa de um pôster do Marcos Paulo.
P/1 – A senhora tinha quantos anos quando aconteceu isso?
R – Oito. Oito anos.
P/1 – E entrando já na adolescência, dona Sônia, sua mãe conversava com vocês sobre as mudanças no corpo?
R – Não, a gente não tinha essas conversas não. A gente aprendia mais na escola ou amigas, entendeu? Porque tinha uma vizinha minha que tinha oito filhas, então a gente ia uma conversando com a outra e ia aprendendo. Uma ficava noiva, casava, entendeu? Aí... Tipo assim.
P/1 – E você lembra desse período da adolescência, de perceber as transformações no corpo? Como foi encarar essa fase?
R – Ah, foi complicado. Porque eu gostava muito de andar de bicicleta e minha avó falava assim: “Não pode andar de bicicleta que você vai se cortar toda”. E eu andava e andava, minha vida era andar de bicicleta. Aí, quando fiquei mocinha, falei: “Nossa, morri!”. Saí correndo, desesperada, pensando que tinha morrido, que estava morrendo. “Meu Deus, estou morrendo, estou morrendo, estou morrendo!” Tanto que minha avó falou, não é?! Depois é que fiquei sabendo que não estava morrendo, que tinha ficado mocinha (risos). Não tinha essa conversa assim, nem era esclarecido. E, se tinha televisão, eu não tinha assistido, ficava mais na rua. E a televisão era preto e branco, eu colocava aquele negócio colorido que comprava na feira e colocava para dizer que era colorida. E não tinha essa conversa. E depois que eu fiquei mocinha, nem tive essa conversa com a minha irmã. Deveria, não é? Mas não tinha essa na época. Eu não sou Matusalém mas não tinha na época, não tinha essas conversas.
P/1 – Mas o que a senhora foi buscar quando percebeu que tinha ficado mocinha?
R – Fui buscar minha avó. Falei para ela e ela conversou. Falei: “Ah, vó, você rogou praga ‘nimim’!” “Não, filha, não é isso não. Agora você tem que parar com essa molecagem, não sei o quê”. Foi explicando e eu fui entendendo. E não gostei.
P/2 – Fiquei curiosa para saber se você tinha uma melhor amiga!
R – Tinha bastante assim, mas não era de conversar essas coisas não. Tinha várias amigas. Melhor amiga assim, não. Mas não conversava sobre isso não, porque não era tão divulgado e nem tinha esses negócios na televisão. Tanto que, quando fui namorar, Nossa, eu pensava que namorar era só beijar na boca. Minha mãe não me explicou nada, ninguém me explicou nada. A gente foi aprendendo com a vida, não teve essa orientação.
P/1 – E a senhora deixou de fazer alguma coisa quando ficou mocinha? Qual foi o conselho que sua avó passou?
R – Para eu não ficar brincando com menino. E começou a me proibir de um monte de coisa: “Você não vai lá, não vai aqui, não faz isso e aquilo”, entendeu? Proibiu-me de um monte de coisa e só vivia atrás de mim para não estar pra lá e pra cá... Ficou mais cuidadosa, só isso.
P/1 – E a bicicleta?
R – Ah, aí eu ficava com medo, não é? Depois de um bom tempo que eu deixei a bichinha lá é que eu fui saber que a coitada não tinha culpa de nada. Que eu podia andar normal, que fazia parte da vida, que era normal.
P/1 – Ainda nesse começo da adolescência, tem as primeiras paixões? A senhora se lembra quando se apaixonou pela primeira vez? Quem foram as primeiras pessoas pelas quais a senhora teve interesse?
R – Primeiras paixões... ‘Vixi Maria!’ Ah, tinha uns namoricos, não é? Eu namorava sempre nos bailinhos, aí tinha o namorado da matinê da Zona Norte, depois tinha da noite e depois tinha o da noite toda, não é? (risos) Ah, eu era bastante namoradeira. Só não namorava com ninguém na rua e ninguém conhecido. Tinha que ser lá... Entendeu? Mesmo assim, os meninos falavam que namoravam comigo. Mas... Não mesmo! (risos)
P/1 – Como eram esses bailinhos?
R – Ah, comecei com baile de casa assim, que tinha muito bailinho. E depois, a primeira vez que eu fui num baile, foi no GDR. Nossa, minha amiga me chamou para ir a um baile e eu não sabia que era assim, não é? Nossa Senhora Aparecida, quando eu fui e vi aquelas luzes, aquele globo... Nossa, eu fiquei encantada. Eu rezava todo dia para chegar o sábado para eu ir. E segunda-feira não existia, eu matava mãe, matava pai, matava todo mundo porque não conseguia trabalhar não é? Ia à matinê, ia à tarde, ia à noite, a pessoa não conseguia trabalhar! (risos) Ah, Senhor, perdão, matava todo mundo da família.
P/2 – E os seus pais deixavam?
R – Não! Minha mãe não deixava, mas meu pai trabalhava e dormia no emprego, não é? Eu fugia pela janela, minha mãe pensava que eu estava dormindo. (risos)
P/2 – E aí tinha que voltar antes dela acordar!
R – Antes dela acordar.
P/2 – E como era esse período em que a senhora saía assim? Qual o sentimento?
R – Ah, era muito gostoso! Agora quando meu filho vai para a balada, eu só falto morrer. Coitada da minha mãe! Será que ela está doente por causa de mim? Porque eu não durmo, eu não durmo, de preocupação. E olha que ele não sai como eu, ele vai de vez em nunca, heim? Uma vez ou duas que ele sai. Aí, uma vez, estava dormindo assim, o telefone toca: “Mãe, mãe, estou morrendo. Mãe, estão me matando”. E eu... “Mãe, mãe...”. Aí eu falei: “Mas que loucura é essa? Oh, seu louco, eu não tenho filha não, eu tenho filho!” Aí eu falei:”Ainda bem que estou assim, se meu filho estivesse na rua nem ia entender que era filha”. Pedindo dinheiro. Esses trotes que eles fazem aí. Ainda bem que naquele tempo não tinha para minha mãe passar comigo.
P/1 – E como foi o primeiro beijo da senhora?
R – Meu primeiro beijo? Ah, foi... Acho que não sei. Não lembro, eu beijei tanto que não lembro. É sério, eu não lembro não. Marcante, marcante, marcante, não. Depois que vai aperfeiçoando as coisas, não é? Não lembro não.
P/1 – E como foi começar a entender essa intimidade com os outros também?
R – Ah, foi bem depois. Eu era bem molecona, eu ficava brincando, brincando, brincando, aí brincava de beijo, abraço, aperto de mão, que era isso que tinha. O menino mais bonitinho você apertava os ‘zoio’ assim e beijava o bonitão! Depois que foi, não é? Não tinha intimidade, intimidade como agora essas meninas novinhas, que já vão logo para os finalmente. Porque meu pai era bravo! Uma vez ainda eu falei isso no rádio, meu Deus. Minha irmã estava no serviço dela, lá em Alphaville: “Sônia, é você no rádio?” As besteiras que eu falei.
P/1 – Como assim no rádio?
R – É, estava pedindo uma música para ganhar passaporte para o Hopi Hari. Aí... (risos)... aí o rapaz perguntou como tinha sido: “Não podia, senão meu pai me matava!” Ele fez uma pergunta assim: “Você já fez alguma coisa errada com seu pai no quarto ou na sala?” Eu falei: “Não, porque senão meu pai me matava!” E minha irmã liga: “Você é louca, era você, não é?” Eu falei: “É, mas eu ganhei o passaporte”. (risos)
P/1 – Queria saber mais sobre essas festinhas. Com quem você ia, como você se arrumava, o que acontecia nessas festinhas!
R – Ah, era bailinho mesmo. E depois, quando eu comecei a ir para discoteca - porque era no tempo do Dancing Days - eu curti bastante. Comecei a trabalhar, que eu não gostava muito também! E eu gostava muito do Thaíde - tinha o Thaíde e o DJ Hum. Eu ia ao Paissandu, porque eles ficavam ali na São Bento fazendo rap, não é? Eu ficava lá! Na época tinha...Ninguém acredita em mim, por isso que agora faço questão de falar! Na São João era assim: tinha a São João, do lado de cá tinha um negócio de boxe, mas era de japonês lá, que eu não sei o que era. E tinha um senhor, que parecia Papai Noel, e ele tinha do lado... Não tem um negócio de chá, na São João? Do lado, ele tinha um negócio de pipoca americana, vermelha - ninguém acredita - era da máquina. Eu comprava, ia a pé! Oh, pensa... A pessoa mora na Freguesia do Ó, a pessoa ia a pé do Correio até a Freguesia do Ó para comer a pipoca desse homem e ninguém acredita que existia esse senhor que tinha essa máquina! Você acredita nisso? Ninguém acredita. É como eu dizia assim, eu ficava lá assistindo Thaíde e o DJ Hum. Meu marido fala... Eu fui ao show do SESC e falei: “Thaíde, fale para essas pestes que eu lhe via lá na São Bento, você fazendo rap - você e o DJ Hum”. E ele: “Pois é, garota, é isso aí mesmo!” E conversou... “Tira foto com o meu marido para ele acreditar, tira foto com a minha mãe, com a minha sobrinha, com o meu cunhado, com a minha irmã!” Entendeu? E quando vou a um show do Edi Rock, eu o agarro, beijo: “Oh, Edi Rock, vou tirar foto assim, de ‘Senhor e Senhora Jones’”. Aí, ele me dá chapéu! É muito lindo ele, muito lindo. Eu adoro ele, e meu marido quer morrer! (risos)
P/1 – Mas o que tinha essa pipoca?
R – Então... É como essa pipoca do cinema, que vem cheia de manteiga. E ninguém acredita, quando eu vou ao cinema e como com meu filho, que vai ao cinema que tem negócio que treme, e não sei o quê. Eu falo: “Oh, meu filho, eu já comi essa pipoca aí na São João”. E ninguém acredita, nem minha irmã. Ninguém acredita. E eu ainda vou descobrir... Era uma máquina vermelha, uma coisa louca. Era fila para comprar essa bendita dessa pipoca na Avenida São João, acho que era até no lugar onde é o negócio do chá, porque eu não lembro de ter chá lá. E eu ficava lá assistindo o Thaíde e DJ Hum e mais um monte de rappers. E depois ia comprar pipoca e ia a pé, toda feliz.
P/2 – E você ia com quem?
R – Eu e Deus.
P/2 – Sozinha?!
R – É, porque ninguém gostava de baile, ninguém gostava de nada, não é?
P/1 – E o que motivou a senhora a conhecer esse mundo de rap?
R – Ah, eu sempre gostei. Não sei. É tipo isso: eu gosto. Gosto de Snoopy Dog. Adoro! Vou lá no Youtube e tome Snoopy Dog. Adoro.
P/1 – E tem alguma frase ou música que você lembra, dessa época?
R – Ah, do “Senhor Tempo Bom”, do Thaíde. Quando eu vou aos bailes eu peço para tocar e meu marido sai voando, não é?
P/1 – Como é?
R – Aquele: “Que tempo bom que não volta nunca mais!” Eu gosto.
P/1 – Que lembranças te traz essa música?
R – Ah, da minha infância maravilhosa! Do Edi Rock também, da música dele, “That’s my Way”, como é mesmo? Junto com “seu” Jorge. Nossa! Ele é show de bola, sempre que tem show dele eu estou indo, sempre estou indo, sempre estou indo. Ele é muito atencioso, muito gente boa, muito educado! Nossa! É show! Tudo de bom!
P/1 – E a senhora estava falando do primeiro trabalho, não é?
R – Aham, eu trabalhava em gráfica. Fazer caderno, essas coisas. Eu trabalhei um tempo na rua de casa, depois trabalhei na Mooca, depois trabalhei na casa de doce, depois trabalhei na Casa Mágica, na São João. Aí, arrumei esse serviço na Casa Mágica, a moça pegou... Era quase dia do meu aniversário, fizeram bolo, comemoraram, aí a moça mandava eu ir lá no fundo pegar não sei o quê, eu ia lá pegar e escutava: “Gru, gru...”. Aí eu voltava, fazia o que tinha que fazer. Voltava: “Gru, gru...”. Quando foi no fim do dia, eu: “Moça, quero minhas contas porque não sei o quê, não sei o quê”. “Mas, por quê? Você trabalha tão bem, não sei o quê”. “Não, não”. Depois que eu recebi tudo: “Mas por que você saiu de lá?” “Porque lá é assombrado”. “Mas não era, eram os pombos!” (risos) Mas não sabia, não é? Aí, já tinha pedido as contas! Arrumei um emprego no Bom Retiro, na fábrica do Antônio Ermírio de Moraes, me colocaram numa seção que o pessoal... Eu fazia meu serviço e iam olhar. Aí eu me estressei, porque sou um pouco estressadinha, não é? Pedi as contas e eles me colocaram na área de surdo/mudo. E eu não sabia, pensei que as pessoas... não é? (risos) Eu estou pagando mico, não é?
P/1 – (risos)
R – Eu tenho dessas coisas! Bem isso. Outro dia, eu fui na Cachoeirinha. Nem sei o que eu ia fazer na Cachoeirinha, aí sentei na lotação e o moço está assim... Aí eu olho para lá, olho para cá, e falei: “Moço, o senhor não enxerga não? Perdeu alguma coisa?” E ele “Não enxergo há trinta anos”. Eu desci do ponto, nem lembro o que fui fazer na Cachoeirinha! Até hoje, te juro, não lembro o que ia fazer na Cachoeirinha.
P/1 – (risos)
R – É, é bem isso.
P/1 – (risos) Ai, Sônia!
R – É. Como mulher grávida. Eu não dou mais lugar porque você não sabe se a mulher está grávida! Entra uma mulher barriguda, eu já fecho os olhos. “Senhora, não estou grávida”. Como você vai adivinhar se é banha ou gravidez?
P/1 – E o que te fez começar a procurar os primeiros trabalhos?
R – Roupa para ir para o baile! (risos) Porque eu ia para os bailes, era Black Magic... Agora estou indo de novo, eles voltaram, retrô! Nossa! Vou de novo, vejo todos os meus artistas, chego lá e tiro foto.
P/2 – Mas agora a senhora vai acompanhada do seu esposo!
R – Vou com meu marido.
P/2 – E ele gosta?
R – Gosta. A gente vai.
P/1 – Mas você lembra desse momento que lhe fez pensar: preciso começar a trabalhar?
R – Não, minha mãe ficou pegando no meu pé, não é? Que já tinha passado da hora de começar a trabalhar, que eu tinha que estudar - uma coisa ou outra! Aí, eu comecei a trabalhar, só que não ajudava muito não, quase nada, porque era só para roupa. Roupa, roupa para ir para o baile. Roupa e sapato, roupa e sapato. Até hoje tenho mania de sapato. Meu marido fala assim: “Você tem quantos pés, minha filha?” Eu tenho um monte, tem vez que tenho dó de usar, mas quando eu ia na reunião do meu filho - tenho só um filho, o Rodrigo - aí sempre tinha lá... A professora falava: “Olha, tinha uma irmã, eu fui para os Estados Unidos e comprava a coisa mais linda que tinha para ela”. Toda feliz: “Isso vou comprar para ela, porque ela gosta”. Quando ela veio... A irmã dela faleceu, não é? Quando ela veio, que foi procurar roupa para vestir a irmã, as coisinhas que ela comprou estavam todas guardadas. Eu pensei: Meu Deus, vou usar os sapatos antes que eu morra e os sapatos fiquem. Mas as caixas estão lá e eu vou na loja e compro outro, acho que a pessoa é doente por sapato. Eu adoro.
P/1 – Teve alguma roupa ou sapato, dessa época, que a senhora ficou muito feliz por ter comprado?
R – Ah, sim. Cheia de brilho, que eu cheguei no salão chegando! Era muito bom. Minhas amigas: “Ah, eu vou ganhar aquele rapaz ali”. Mas quem conseguiu fui eu, graças a Deus, não é? Eu chegava chegando, era muito bom aquele tempo. Mas eu guardo, pensando que a roupa vai caber em mim. Só que não. Eu não dou. Olho assim, mas não cabe mais. Era 58.
P/1 – E a senhora tem alguma roupa que guardou por muito tempo, dessa época?
R – Não, agora eu dei. Eu dei porque fiquei com depressão lá e falei: “Deixa eu dar tudo isso aí”. Porque eu comecei a acumular, acumular coisas e aí peguei e doei. Mas tem a lembrança, a lembrança ficou aqui e a roupa está assim, oh.
P/1 – Como era?
R – Ah, era tipo assim, tinha uma gola que virava, brilhosa - até hoje eu gosto de coisa de brilho - minha irmã fica doida, mas depois ela pede para usar! Era de brilho, era tempo do Dancing Days, era tudo que brilhava, não é? Parecia uma purpurina. Mas era legal, um tempo que não volta, um tempo bom que não volta nunca mais. Mas, às vezes, dá nos bailes que eu vou, dá um ‘tcham’.
P/1 – E como a senhora conheceu o seu esposo?
R – No baile. No baile. Conheci ele no baile. Estava sentada no palco assim, aí tocou uma lenta, ele veio e me chamou para dançar...
P/1 – E aí?
R – E aí me beijou, e aí foi.
P/1 – Que música que estava tocando?
R – Que música que estava tocando? Uma música que não acaba nunca mais... Como chama? Ah, eu não consigo lembrar. Ah, meu Deus, esqueci. Sei que era uma música que quando eram aqueles ‘negão’ que pegavam aqui, minha filha do céu, você saía assim... Vocês não lembram, vocês são novinhas. Eles pegavam aqui, olha, a música não acabava mais. Quando você pensava que acabava, ela começava tudo de novo. Teve um tempo em que eu comecei a ir para o banheiro quando tocava essa música, porque não dava, não! É bem tipo, cinquenta minutos. Tanto é que nos bailes é difícil tocar agora, nesses tempos, porque fica lá...
P/1 – E voltando para a primeira vez com seu marido, como foi ele lhe tirar para dançar?
R – Ah, como foi tirar para dançar! É complicado isso, porque era black, não é? E black é tudo igual. Quando marcava encontro, para saber se era ele... Ah, é tudo parecido, homem de black! Aí, você conheceu no baile, ficou a noite, não é? Namorou, aí marcou encontro. No outro dia, para saber se era mesmo... Porque, na época, era tudo black power! (risos) Ah, meu Deus, ele vai me matar! Ah, não sei... (risos)
P/1 – A senhora está bem?
R – Sim.
P/1 – Quer tomar uma água?
R – Não.
P/1 – Ele tirou a senhora para dançar e aí vocês dançaram...
R – A gente dançou, marcou encontro para ir ao cinema, a gente foi ao cinema, e aí foi indo, foi indo, foi indo...
P/1 – E como foi esse primeiro encontro depois da festinha?
R – Ah, foi legal. A gente ficou um tempo junto, depois separou, depois voltou, aí estamos juntos até hoje.
P/1 – Qual o nome dele?
R – João. Ah, meu Deus... (risos) ... Deixa eu tomar uma água.
P/1 – (risos) O que aconteceu, dona Sônia? Não quer falar sobre ele?
R – Não, não é isso não. Deixa eu tomar água.
P/1 – A gente não tem pressa nenhuma.
P/2 – E, também, se a senhora quiser deixar alguma pergunta sem resposta, não tem problema nenhum.
P/1 – Sim, super tranquilo.
R – Até suei.
P/1 – Vou perguntar um monte de coisa, Sônia. Se não quiser responder é só falar: “deixa isso aí quieto!” Tá?
R – Tá.
P/1 – Que filme vocês foram assistir?
R – Que filme que nós fomos assistir! Não era romântico não, era... Ah, meu Deus do céu... A pessoa não tem boa memória não.
P/1 – Não precisa! É mais para lembrar como foi o dia!
R – Ah, mas quando você namora você não assiste muito o filme, não é? Você só namora, não é? (risos)
P/1 – E quando a senhora o apresentou para os seus pais?
R – Assim... Ele queria que eu apresentasse mas eu não queria, porque morava no barraco e estava com vergonha. Aí, eu chegava do serviço e ficava no portão. Um belo dia, ele estava dentro de casa, e foi. Ele se apresentou para minha mãe, tipo isso. Não tinha mais o que fazer.
P/2 – E ele foi seu primeiro namorado sério?
R – Foi.
P/1 – Mas conta mais sobre esse dia em que você chegou e ele estava lá dentro!
R – Pensa... A pessoa quase morreu do coração! Mas daí já era, já estava lá dentro de casa, sair que não dava! Aí... Ficamos juntos. Nós temos um filho, o Rodrigo, que está com vinte e oito anos, que é meu tesouro, minha jóia rara. Estressado como eu, Aquário como eu.
P/1 – E qual foi a impressão do seu pai e da sua mãe quando o conheceu?
R – Meu pai não gostou, porque ele usava jaqueta de couro e tinha o cabelo desse tamanho, do Michael Jackson, na época. Meu pai achava que ele... Ah, não gostou. Não gostou, não gostou, mas, graças a Deus, ele sempre respeitou meu pai. Minha mãe falava: “Eu admiro o João porque, por mais que seu pai o tenha xingado, ele nunca desrespeitou, nunca respondeu! Então, ele tem o meu carinho eterno”.
P/1 – E mudou alguma coisa depois que ele foi na sua casa, na relação de vocês? Mudou alguma coisa em você quando o apresentou para os seus pais? O fato dele já ter conhecido a sua casa!
R – Ah, mudou, ficou mais light, mais tranquilo. A vergonha que tinha do barraco, passou.
P/1 – E como vocês foram fazendo planos juntos?
R – Ah, nem teve planos, foi assim atropelando. A gente foi ficando junto, ficando junto, ficando junto, aí eu engravidei e a gente foi morar junto.
P/1 – E como foi descobrir que a senhora estava grávida?
R – Ah, eu achava que estava com dor no estômago, dor no estômago, dor no estômago e aí fui ao médico. E, com uma gotinha de urina - porque eu não conseguia fazer xixi - descobri que estava grávida. Nossa, eu subi nas nuvens. Nem lembrei se ele ia gostar ou não, porque eu fiquei tão feliz! Eu sabia que era um menino! Falei: “Meu, estou grávida de um menino!” “Como assim?” Eu falei: “Estou grávida de um menino!” Quando eu fui para o hospital ganhar, eu falava: “É meu filho, é menino, é menino”. O médico: “Nossa Senhora, cadê a aliança?” Eu falei: “Moço, não precisa. É meu filho que vai nascer, é meu filho que vai nascer!” Deu anestesia, os negócios lá, e o médico: “É uma menina!” E eu: “Não, é menino!” E era menino. Rodrigo, meu filho. Eu sabia que era um menino, não sei como, mas eu sabia.
P/1 – E por que Rodrigo?
R – Ah, eu achava lindo esse nome, achava lindo. Mexia na barriga e falava: “Vai chamar Rodrigo, vai chamar Rodrigo”. No dia em que ele nasceu estava passando uma matéria no Fantástico que, tipo assim... Você fala com a criança e a criança sente, e não sei o quê, não sei o quê... Porque não era tão esclarecido como agora, não é? E eu prestando atenção, um domingo, passando o Fantástico... “e você fala com a criança e a criança sente e pá-pá-pá”. E eu: “E aí, Rodrigo, está demorando filho, a mãe quer ver seu rostinho”. Quando foi de manhã, eu fui ao banheiro e chamei meu marido: “Não sei o que está acontecendo, estou fazendo xixi toda hora!”. “Sua louca, foi a bolsa que estourou”. Aí fui para o hospital e foi rapidinho. Rapidinho não, que foi cesariana, ele estava sentado, aí foi. Está vendo? Ele ouviu! (risos)
P/2 – E a senhora tinha quantos anos?
R – Velha! Trinta anos! Trinta anos. Foi cesariana. A gravidez, eu enjoei os nove meses! Nossa, por isso que eu não quis mais. Eu enjoei, enjoei, passei mal, passei mal, passei mal. Eu passava mais no hospital do que em casa. Com enjoo de tudo, tudo, tudo. Eu fiquei assim, magrinha, magrinha, magrinha, só tinha barriga. Mas depois que ele veio, graças a Deus...
P/1 – E quais os primeiros desafios?
R – O primeiro foi trocar, que eu não conseguia trocar, eu tinha medo, parecia que ia quebrar. A minha vizinha veio - Sônia também, xará - e ela trocava. Eu não queria, mas não conseguia, tinha medo. E ela começou a dar banho, trocar... Meu marido que começou: “Deixa, deixa eu, eu...”. Ele que trocava. Fazia um pacote, a coisa mais linda. Meu marido que trocava. E eu não tinha leite, não tinha bico. Nossa, só faltava voar pelas paredes de tanta dor. Meu marido esquentava o ferro, passava o pente, enchia a mamadeira e... “já enche um monte, porque está doendo”. Muito complicado, Nossa! “Não dá não, acho que vou pegar leite em pó, não é?” Então fui na pediatra, a idiota. E ela “Mãe, você tem leite”. “Não tenho”. O leite foi parar lá não sei aonde. Sinto muito, perdoa filho, mas vai ser leite em pó. Era muita dor, muita febre, ficava assim... Era uma dor, uma dor... Aí eu não dei, não. Porque eu não aguentei de dor, era muita febre, muita febre, muita febre. Mas hoje ele está bem, saudável, graças a Deus. Trabalhando, estudando, batalhando.
P/1 – E como é ver assim, formar uma família?
R – Ah é gostoso, é bonito, é... Eu tenho muito orgulho dele, entendeu? Tudo bem que a gente bate de frente, porque são dois Aquários juntos, é guerra. Mas é maravilhoso. Só me arrependo de não ter tido outro, porque a minha mãe sempre falava: “Quem tem um, não tem nenhum”. E agora eu entendo o que ela quis dizer. Na época, eu achei o fim do mundo. Por quê? Porque eu tive muito enjoo, passei muito mal, de novo não aguento. Mas, todo mundo falava: “Mas uma gravidez não é igual à outra!” E minha mãe falava: “Você tem que ter outro, filha, porque não sei o quê”. “Não, mãe, vai a senhora ter outro!” E passava muita vergonha nas reuniões, porque meu filho fazia redação: “Eu sou o único menino no mundo que não tem irmão!” Eu ia em casa e dava limão para ele: “Quer um limãozinho? Tome limãozinho”. Fazia redação, quando chegava nas reuniões, já sabia que ia passar vergonha. “Oh, a redação do Rodrigo, o único menino do mundo que não tem irmão”. Nossa Senhora... “Rodrigo, muda o disco”. “Então me arruma um irmão!” “Não, filho, não” Mas agora já era, não é?
P/1 – E onde vocês foram morar?
R – Na casa da minha mãe. Meu marido construiu. No início, a gente morou junto, porque eu engravidei. Depois ele construiu, moramos todos juntos.
P/1 – E como é morar todo mundo junto?
R – É complicado, porque minha mãe queria, não é?... Tipo, educar do jeito dela, não podia. Aí meu marido já não gostava! Ele não podia andar que ela já dizia que ia cair...Era um pouquinho complicado, mas, entre mortos, a gente sobreviveu. E ele era apaixonado por ela, levava ela para tudo quanto é lugar. Eu ia trabalhar... Depois, não é? Ele levava ela para o Shopping Continental, ia não sei para onde, ia não sei aonde. Olha, levou minha mãe para conhecer lugar que ela nem imaginou! Ele aprendeu lugares assim... Ele falava que ia ser motorista de ônibus: “Quando eu crescer, mãe, eu vou ser motorista de ônibus”. Adorava ônibus. O que ele fazia de desenho, o que tinha... Quer dizer, ele tem a coleção de ônibus dele. Ele quer doar, mas cada um tem o dia que eu comprei, a hora em que comprei, por que eu comprei, então eu fico com dó. “Deixe para o seu filho”. Pelo menos... Mas estão lá os ônibus. Mas não foi motorista de ônibus não, trabalha em administração de shopping.
P/1 – E, Sônia, se você se sentir confortável para falar, como foi a morte do seu pai?
R – Então, assim... No atestado de óbito diz que foi pneumonia. Ele se engasgava muito e, na época, foi ficando doente, levou um tombo e quebrou o fêmur. Ficou de cama. Tinha que levar para fazer curativo, porque fizeram tipo uma janela para fazer curativo! E daí, ele bebia muito, começou a ver coisas e falou para minha mãe assim que ele queria parar de beber. Minha mãe: “Tenta parar sem tomar remédio”. E ele: “Não, eu vou comprar o remédio e vou tomar”. Começou a tomar o remédio, só que começou a ver coisas. Via coisas, via coisas, Nossa... Quando eu ia dar comida para ele: “Filha, dá para aquelas vaquinhas”. Nossa, eu ficava morrendo de medo! “Você já deu para aquelas vaquinhas?” E ficava, Nossa... Tipo assim, ele não sofreu muito. Sofreu, mas morreu rápido. E, da família dele, eu não conheço ninguém. Da família do meu pai. Sei que ele fez falta. Meu filho não chegou a conhecê-lo, não conheceu o avô. E avó tipo até dez, doze anos estava sempre com ela. Eu ia trabalhar - trabalhava na escola - e ela levava ele à escola, buscava... Ele gostava de shopping, tem mania de shopping, levava-a para conhecer vários shoppings. E a coisa que minha mãe mais gostava era de ir para Aparecida do Norte, Nossa! Ela era sempre da igreja. O passeio dela era Aparecida do Norte, sempre gostou.
P/1 – Você acompanhou em alguma dessas viagens?
R – Sim.
P/1 – Como era preparar essa viagem?
R – Nossa, era gostoso, ela ficava animada! Só que não comia nada, tinha que ir em jejum até lá, comungar, assistir à missa, comungar. “Mãe, mas Deus não quer isso, come alguma coisinha porque a senhora vai passar mal!” “Não, hoje é meu dia sagrado, hoje é o dia para Mãezinha”. Pois ela ia sem comer nada, sem beber nada, assistia à missa, comungava, depois é que ela ia comer. Toda a vida foi assim. Toda a vida foi assim. Aí, depois, ela foi esquecendo, não é? Aí foi complicado.
P/1 – Em que época vocês costumavam ir, Sônia?
R – Assim... Duas vezes por ano. Mas ela ia mais com a minha irmã, em excursão, entendeu? Com minha irmã em excursão. Depois que a gente comprou o carro, a gente já ia de carro, ia sempre de carro com ela. Depois, quando ela começou a passar mal assim, a gente pegava a cadeira de roda lá e a levava para os lugares, porque ela só tinha problema de andar. Depois que ela foi esquecendo... Mas o lugar que ela mais gostava de ir. Para a praia, a gente chamava e ela preferia ir para a igreja. Agora, com o esquecimento, onde você chamar, tipo, vai. Porque ela não está... Quando ela podia ir de livre e espontânea vontade, aproveitar e curtir, ela não quis ir.
P/1 – O que aconteceu com a sua mãe?
R – Ela está com Alzheimer. Está bem esquecida, agora está dando feridinha nela, tipo assim, é complicado esse Alzheimer. Porque ela esquece de tudo. A pessoa fala, ela vira uma criança. Não é uma criança, é pior. Criança é felicidade, não é? Agora, o Alzheimer não. E tipo assim... As pessoas julgam muito porque eu não consigo trocar. Tipo assim... Eu não estou preparada para ser a mãe da minha mãe... Difícil. (choro) A minha mãe nunca se trocou na nossa frente, nunca. Eu não consigo trocar. As pessoas me julgam porque eu não consigo, mas eu não consigo! Mas não é por isso que eu não cuido dela... Passo o dia todo com ela, a tarde toda, a madrugada, ela querendo ir embora para casa (soluços, continua chorando). Ela procurando o nenê dela, procura na gaveta, procura no armário. Desculpe!
P/1 – Imagina.
R – A minha irmã troca ela, dá banho, eu não consigo. Não é que eu não queira, eu não consigo. É difícil, dói demais você ver a sua mãe, que você ama, daquele jeito. Antes, ela ficava o dia inteiro procurando a nenê: “Cadê minha nenê, devolve a minha nenê”. Eu falava: “Mãe, não tem nenê nenhuma”. “A minha filha, eu entrei com a minha filha aqui. Onde vocês colocaram a minha filha?” (choro) O médico falou assim: “Dá uma boneca para ela”. E a gente deu uma boneca. “Mas essa aqui não é minha filha, isso daqui é uma boneca, eu não quero essa boneca, eu quero a minha filha, que vocês pegaram”. E ficava a noite inteira na cabeça do meu filho: “Rodrigo, me dá a minha nenê”. E ele: “Vó, dorme vó, eu tenho que acordar cedo para ir trabalhar”. “Dá a minha nenê, me dá a minha nenê que eu deixo você dormir”. Ela fez oitenta e cinco anos agora, a mulher do meu primo deu uma boneca para ela, agora ela já está aceitando. Ela pega o peito para dar para a boneca e fica: “Sônia, vem brincar com a sua sobrinha, vem brincar com a sua filha, vem brincar com a nenê, a nenê quer brincar com você”. A boneca tem a mão assim, ela me chama: “Oh, acho que ela está morrendo. Arruma os dedos dela que ela está morrendo”. Eu tento distraí-la com alguma coisa para ela esquecer da mão da boneca. Aí, ela começa a brincar: “Vem brincar”. E ela dorme o dia inteiro. Quando dá seis horas da tarde, ela começa a enrolar a coberta: “Eu quero ir embora para casa porque eu tenho que fazer janta para o seu pai. Eu vou-me embora daqui. De quem é essa casa? Os donos da casa vão chegar!” (soluços) Aí, eu falo: “Mãe, a senhora é a dona da casa”. Então eu vou dar café para ela, ela fala que já almoçou, já jantou e tem que ir embora. E eu não durmo a noite toda, tem que arrastar as coisas para ela não sair, entendeu? E a minha irmã acha que eu não faço nada, mas tem dia que eu nem como, que eu esqueço. Outro dia, eu passei mal na rua, eram sete horas da noite, eu tinha esquecido de comer, não tomei nem café. Mas não é porque eu não troco ela que eu não estou fazendo nada! Às vezes, meu filho chega da Faculdade, ela fala: “Entrou um homem aí!” Eu falo: “Mãe, é o Rodrigo, seu neto”. “A hora que roubar tudo! Eu estou falando para vocês que entrou.” “Mãe, é o Rodrigo, seu neto”. Aí o Rodrigo vem, abraça ela, ela fica bem assim. É triste. Ela chama pela mãe: “Cadê minha mãe, cadê a mãe, a mãe está aí? E o pai? Eu quero ir embora para casa”. Outro dia... Ela mal anda, aí eu fiquei a noite toda acordada. Quando foi umas três horas da manhã, levantei, cadê minha mãe? Falei: “Misericórdia!” Olhei, abri a porta, nem me liguei que a porta estava trancada. Abri a porta, aí tem uma escada assim, eu falei: “Meu Deus, ela caiu lá embaixo”. Olhei assim, não. Aí gritei para o marido: “A minha mãe sumiu!” Ela tinha descido a escada caracol, disse que ia apagar o fogo porque o leite estava fervendo. E estava sentada. Eu: “Mãe, o que você está fazendo?” “Eu vim apagar o fogo, filha, está queimando tudo”. Aí a gente foi tentar levá-la para cima, um peso... Um peso...! É como... Eu vou dar comida para ela, minha mãe é magrinha, mas é um peso que eu não aguento! E ninguém acha... Ela está comendo assim, eu tento levantá-la... A noite toda isso, a noite toda isso, é muito difícil! Eu não quero nunca que ela morra, nunca. Ela dá menos trabalho que os outros, entendeu? O sorriso que ela me dá! Tudo bem que ela me chama não sei do quê, mas... (choro) Aí, eu fiquei com depressão. Eu fiquei três anos enterrada no sofá, que eu não conseguia fazer nada. E ninguém entendeu, achou que eu estava fingindo. O meu cunhado me julgava, a minha mãe caiu... A gente estava na praia - todo ano a gente vai para a praia, passar na praia, não é? Ele: “Vamos para a praia, vamos?” Eu falei: “Não vou, eu não estou legal”. Aí fez, fez, vamos. Nós estávamos lá, esperando a queima de fogos, aí meu marido e meu filho: “Vamos dar uma volta?” Mas eu não estava legal, não estava legal para nada, nada estava bom. Eu falei: “Não quero”. Mas peguei e fui, andei do canal não sei quanto até... Andando, não estava mais nem sentindo as pernas. Voltei, minha irmã e meu cunhado, de bico, porque arrumou a mesa assim na praia mesmo, achando que eu estava me divertindo, mas eu não estava... Aí, tudo bem, teve a queima de fogos, minha mãe começou a comer o guardanapo. E eu estava sem reação. Mas não estava fingindo, eu estava assim... E ela lá, comendo o guardanapo. E eu: “Mãe, come não, isso é guardanapo”. O meu cunhado veio, puxou da boca dela, chamou a minha irmã: “Vamos embora, vamos embora”. E não podia, não tinha como porque eles interditaram, ia ficar até não sei que horas, porque não podia passar carro. Então ele foi, falou que minha mãe estava passando mal, falou para os guardas, para o pessoal, se podia liberar para ele passar. Aí eu fui com as coisas, com o pé doendo, fui até onde estava o carro, para lá do SESC de Santos. “Eu vou levar sua mãe, porque sua mãe está sofrendo aqui, porque não sei o quê, não sei o quê”. Eu falei: “Tudo bem”. Ajudei a levar as coisas, peguei o braço da minha mãe e foi. E a gente ficou lá. No outro dia, meu marido quis ir e eu morro de medo de mar: “Vamos pegar a balsa, vamos não sei onde?” Eu estava assim... Se falasse para eu pegar avião, eu ia. Aí fomos, num calor de 40 graus: “Vamos na praia de Pitangueiras”. Sei lá onde é. Eu falei: “João, não consigo andar”. “Vamos!” Eu falei: “Não consigo andar”. Um calor, um calor, pegando fogo! Foi para outra praia, não consegui nem molhar o pé. Quando chegou na outra praia, não sei onde é: “Vamos lá na praia”. Eu falei: “Eu não estou aguentando”. “Então vamos embora”. Viemos embora. Era 1º de janeiro... Para fazer almoço, eu não conseguia fazer. Fomos na padaria, comemos alguma coisa, eu vim para casa dormir. A casa, a maior bagunça, eu não conseguia limpar, não conseguia arrumar. (choro) Ele tinha levado minha mãe para a casa deles. E eu não conseguia ficar em casa porque a casa a maior bagunça e eu não conseguia limpar. Mas também não queria ficar lá, mas também não queria sair, eu não sei o que eu queria! Aí eu o chamei para sair, era numa terça-feira depois do Natal. E ele: “Você quer ir para onde?” Mas eu não queira ir para lugar nenhum, eu não sei o que eu queria. Eu falei: “Vamos para o SESC Interlagos”. E fomos. Chegamos lá, não abria às terças-feiras lá. Toca o telefone, o celular: “Vem para cá agora que a mãe caiu”. Minha mãe caiu, trincou três costelas e estava internada em Barueri. Eu, que já estava ruim... Fiquei pior. Minha mãe teve que ficar internada um tempo para ver se precisava fazer cirurgia. Então eles ficaram lá com ela, minha mãe ficou internada janeiro, fevereiro, março. E eles ligando para eu ficar com a minha mãe, eu falei: “Eu não estou aguentando, não estou conseguindo”. Eles: “Eu não estou aguentando mais, eu estou morando no hospital!” Eu fui um dia. Eu chegava na Lapa... Saía de casa... Para sair de casa, eu tomava banho, me trocava e sentava. Abria a porta, sentava. Depois eu saía. Ia para o ponto, ficava no ponto. Passava um ônibus, passavam dois ônibus, passavam três ônibus, não pegava. Depois pegava, descia na Lapa. Passava um trem, passavam dois trens, passavam três trens, voltava para casa. Meu cunhado ligava: “Você abandonou sua mãe, sua mãe está aqui no hospital internada!” Não conseguia. No outro dia ele ligava, xingava, xingava, xingava. Eu falava: “Ah, meu Deus, eu tenho que ir”. Aí, caía logo sexta-feira, sábado, e não tem voluntários. O médico falou assim: “Você tem que colocar sonda na sua mãe”. Eu falei: “Misericórdia, não consigo fazer isso não!” “Não, você tem que fazer”. Eu falei: “Moço, eu não consigo!” Quase que perdi minha mão. Eu falei: “Moço, eu não consigo”. (choro) Aí fiz - não sei nem como eu fiz aquilo. Depois falou: “Você tem que trocar sua mãe”. Eu falei: “Eu não consigo”. [FALA INAUDÍVEL, CHORO] “... sua mãe”. Eu falei: “Eu não consigo, moço!” Ela fazendo as coisas, eu falei: “Eu não consigo”. Veio um moço lá, trocou para mim. Fiquei três dias no hospital, fedendo. Porque eu não tomei banho, eu só ia ao banheiro. E eles me deixaram lá três dias. Fiquei, aí vim para casa. Falou: “Tal dia você tem que ficar, revezar”. Mas eu não conseguia, não conseguia. Até que minha mãe foi para as Clínicas para avaliar, para ver se ia fazer cirurgia. Graças a Deus, não precisou. E eu ruim, com depressão. E meu cunhado me ligando, me ligando, me ligando. Eu falei: “Eu não consigo”. Aí minha mãe teve alta, graças a Deus, fez fisioterapia e, graças a Deus, ela melhorou. Depois teve a minha sobrinha, que eu não sei o que aconteceu, meu cunhado a proibiu de namorar, não sei o que aconteceu, eu não sei o que aconteceu. Eles vieram morar em casa, não sei o que aconteceu, eu não sei o que aconteceu... Eles chegaram em casa, à noite, e eu assim lesa, morta lá, e ficou, ficou, ficou. Eu falei: “Meu Deus, eu estou lesa, mas nem tanto, não é?” Passou da hora. Depois a minha irmã falou assim: “Posso ficar aqui?” Eu falei: “Pode”. Antes disso, eu subi para dar uma olhada no carro, se o carro estava lá no portão, o carro não estava. Eu falei: “Não tem colchão, pega os colchonetes que a Thaís dorme”. Aí ficou. No outro dia, também. Eu falei: “Meu Deus, o que está acontecendo?” Mas eu nem tinha coragem de perguntar. Quando eu menos espero, já mudaram de mala e cuia. Minha casa uma bagunça, tudo sujo, até mofo tinha. A casa de baixo... Porque ela tinha ido embora com o outro rapaz, com esse daí... Estava com os móveis todos lá. E aí, meu cunhado... Colocaram um colchão lá na cozinha, começaram a dormir lá na cozinha e foram tirando as coisas de lá. Nisso, a minha sobrinha engravidou, ganhou bebê e eu com depressão, sem ação. Até que daí meu cunhado pegou, e todo mundo: “Você tem que passar num psicólogo”. Eu fui na igreja, no Brás, Padre Marcelo, e falei: “Padre, eu estou assim lesada, esquisita, não consigo cuidar da minha mãe, minha mãe está ruim, com depressão, está na cama”. Ele: “Filha, você não viu o padre...”. Ele falou lá: “Está com depressão. Você precisa ir ao médico. Psicólogo não é médico de louco. Vai ao médico. Isso aí é...”. Ele falou lá. Eu peguei e falei: “Acho que eu vou”. Marquei e fui. Meu cunhado foi me levar. Ele falou: “O que está acontecendo?” Eu falei: “Está acontecendo isso, não consigo fazer nada, nem um sutiã eu consigo comprar”. Eu entrava no mercado, meu marido fazia a compra, eu não conseguia comprar nada. (choro) Eu andava, eu não sabia o que estava fazendo lá dentro. Chegava para fazer a comida, eu não conseguia, não conseguia fazer nada. Fui ao psicólogo, expliquei para ele. Meu cunhado falou: “Inclusive, eu mudei para lá para cuidar dela”. Eu peguei e saí. Quando cheguei lá fora, eu falei: “Como que é? Ele mudou para cuidar de mim?” Espera um pouquinho. Aí eu entrei e falei: “Doutor, tudo isso que eu falei para o senhor, mas ele não mudou por causa de mim. Eu não sei o que aconteceu que eles foram morar lá. Se eu deixar isso ficar assim, aí eu estou assinando o papel de louca mesmo! Isso não existe, doutor”. Aí, saí. Ele começou a me levar ao psicólogo, passou... Uma burocracia danada para conseguir, não é? Comecei a passar com o psiquiatra, começou a conversar, passou um tal de Sertralina. Minha Nossa Senhora! Me dava choque para tudo que era lado! Eu passava mal, passava mal, parecia que estava com chumbo nas pernas, me dava uns negócios esquisitos, meu rosto formigava, esticava assim, esticava assim, eu falei: “Meu Deus, meu Deus!” Daí voltei ao médico, ele trocou por um remédio outro: “Iscalopran”, que eu estou tomando até hoje. E eu passando mal, passando mal, passando mal. Aí, assistindo televisão, eu vi uma entrevista de uma... Ah, meu Deus... Luci Gameiro e Alexandre Gameiro falando não sei o quê, não sei o quê. Eu peguei, anotei o telefone e liguei. Comecei a conversar com ele, expliquei, expliquei, falei, falei. Falei: “Eu estou ruim, não sei o quê, não sei o quê”. Ele: “O que está acontecendo? Qual é o seu nome? Sônia? O que você está sentindo?” Aí expliquei. Ele falou. Ele falou: “A gente fica aqui na Ana Rosa, vem aqui Sônia, acalme-se. Você quer falar mais alguma coisa?” Aí comecei a falar, fiquei conversando, conversando. “Vem aqui no sábado”. Acho que ele falou alguma coisa de pagar, não sei. Eu fui lá no sábado, conversei com ele. “Você é a Sônia?” Eu falei: “Sou”. Ele me levou num lugar, respondi um questionário, examina assim, examina, examina, manda você deitar e aponta os pontos lá. Aí me enfiou um monte de agulha, fiquei lá. Depois pôs um negócio lá, tipo um incenso, não sei o que é aquilo, aí fiquei. Ele falou: “Semana que vem, você volta”. Eu fui. Fui, fui indo, fui indo, comecei a passar com psicólogo, com psiquiatra, tomar esse remédio e fui melhorando. E eles me indicaram... Como chama? MOA. Conhece? São uns japoneses que fazem uma imposição de energia bio não sei o quê com as mãos, ali perto do Pastorinho, na Paulista. Aí, a moça começou a fazer para mim, porque tem pago e voluntários, às segundas, quartas e sextas. Começaram, começaram, começaram, eu fui, entendeu? Melhorei um pouco. Falei: “Meu Deus, tenho que trazer minha sobrinha aqui”. Peguei e fui, falei para o meu marido: “João, me leva na casa da Thais para ver o que está acontecendo, não sei o que está acontecendo”. Meu marido: “Não, não vou porque não sei o quê”. Eu falei: “João, se você não for, eu vou ligar para o Uber e vou”. Ele falou: “Não, está bem, eu vou te levar”. Aí, a gente está chegando lá em Barueri, estão ela e o rapaz, e segurando na fralda assim. E meu marido é brincalhão não é? E falou assim: “Ah, é você mesmo, é com você mesmo que eu quero falar”. “E você é o quê? Encosta na viela”. Eu falei: “Como assim, rapaz?” “Encosta na viela”. Eu falei: “Como assim?” Abri a porta do carro e saí. Eu falei: “Como assim, encosta na viela? Minha rua também tem viela”. “Encosta na viela, o que você quer aqui?” Eu falei: “Não, eu sou a tia da Thais, eu estou com saudades dela, queria vê-la e conhecer a Rafinha”. “A minha filha você não vai conhecer”. E falou: “E você, corre”. Minha sobrinha só correu. “A minha filha você não vai conhecer, eu já paguei para matar você, eu paguei para matar você, matar sua mãe, matar seu filho, matar sua mãe, matar seu cunhado”. Eu falei: “Calma, caramba, eu nem te conheço!” “Eu te odeio!” Eu falei: “Você me odeia por quê? Eu nem te conheço, me dê a chance de te conhecer para saber se você é do bem ou se você é do mal. Você me odeia por quê? Se você me odeia, está bom, então por que você me odeia?” “Eu odeio você, eu paguei para matar todos vocês, os nomes de vocês estão todos na delegacia”. Eu falei: “Bacana que você colocou meu nome na delegacia, porque eu não devo nem favor à polícia”. Aí apareceu um cara da viela e ficou assim. A gente conversando, conversando: “E tem mais, não aparece mais aqui não”. Meu marido saiu do carro, veio: “E eu odeio você também”. Meu marido: “Como? Eu nem te conheço cara! Você me odeia, está bom. Você me odeia por quê?” “Eu odeio você!” Meu marido pegou e falou assim: “Olha, cara, quem não quer você na minha casa sou eu”. E a gente veio embora. A minha sobrinha... Fez um ano agora que minha irmã não tem contato, não me pergunte o que foi que aconteceu. E minha mãe chora: “Thaisinha, Thaisinha!”, com a boneca no colo. Não sei o que aconteceu. Nunca vi uma coisa dessas, você não ter acesso à sobrinha, nem à sobrinha-neta. Não sei o que aconteceu. Quer dizer, a família já era pequena, agora ficou menor ainda. Uma nenenzinha que a minha mãe podia estar curtindo, mesmo que ela não... não é? Você entendeu? Mas mesmo assim, do jeito que ela está, ela ainda lembra da Thais. Ela ainda lembra: “Vem Sônia, brincar com a Thais”. E eu não sei o que aconteceu. Meu marido fala assim: “Não, não vai procurar ela não, porque hoje em dia tem acesso a tudo. Ela não está estudando? Se ela quiser, ela pega um celular de uma amiga, liga de um orelhão, tem como ela entrar em contato, tem como ela pedir ajuda”. Entendeu? Não sei o que acontece, não sei o que acontece.
P/1 – E a sua irmã?
R – Seguindo a vida dela. Chora, eu pergunto o que aconteceu, ela fala que não sabe. Se ela e meu cunhado não sabem, piorou. Eu é que não sei mesmo, porque eu estava lesada! Uma vez, minha mãe, nessas crises de procura no berço, procura aqui, procura lá, ficou: “Não, porque eu quero, porque eu quero, porque eu quero minha nenê, quero minha nenê”. Esse meu cunhado veio para dar um soco na minha mãe. Eu segurei, falei: “Você está louco? Você pode quebrar minha mãe no meio! Se você fizer isso, eu mato você!” Então, agora, eu já não sei se minha mãe apanhava lá, porque se ele fez isso na frente da gente! Nesses tempos, eu fui passar no médico e falei para minha irmã... Minha irmã agora está morando lá nos fundos, não é? Falei assim: “Fica com a mãe que eu vou na minha consulta”. Estavam os dois. Aí, quando eu cheguei, minha mãe estava no chão. Minha mãe não desce, eu fico com ela, meu marido xinga porque, tipo, a gente ia para o barzinho, saía e não dá mais, não é? É como quando a gente foi para Aparecida do Norte - meu filho quis ir para Aparecida agora - nós fomos. Aí, quando foi tal hora, ligou: “Vocês estão aonde? Estão vindo?” Meu marido já fica estressado. Olha, é difícil! E assim... É doído, a minha mãe todo dia, todo dia, todo dia que ela... Você entendeu? E ele não entende. E meu marido briga comigo porque minha irmã troca ela e deixa cheio de... não é? E eu não consigo limpar. Aí, ele tem que limpar, briga comigo. Mas eu não consigo, eu não consigo limpar. É uma coisa minha, você entendeu?
P/1 – Como você se divide com a sua irmã hoje?
R – Ela troca minha mãe e eu lavo. Quer dizer, a roupa... Meu marido reclamando porque eu jogo fora a roupa, não consigo lavar a roupa de número dois. Eu jogo fora e compro de novo porque eu não consigo, eu não consigo, eu não consigo. Aí, o pessoal me critica: “Como? É da sua mãe!” Mas eu não consigo, eu não consigo. Ela vem, ela troca minha mãe, porque ela não está trabalhando. Meu cunhado faz filmagem de casamento, aniversário, sei lá. Acho que ele, tipo... Eles são estranhos, eles são estranhos. Porque a minha sobrinha era muito agarrada comigo. Todo final de ano, ela sempre alegre, já compro os kitzinhos para ela, sempre ligo: “E aí, Thais? Como foi o primeiro dia de aula?” “Foi”. Falei: “E aí, foi o que?” “Foi, tia”. Falei: “João, vamos lá, a Thais não abriu a boca, não falou”. Quando cheguei lá, eles tinham ido para Santos, sofreram acidente, todo mundo roxo, todos enfaixados, minha mãe tinha quebrado o fêmur. Eu falei: “Gente, isso é estar bem? Era para vocês terem morrido! Era para falar que tinha acontecido alguma coisa, não é?” Eles são tão estranhos! Outro dia, meu filho chegou todo feliz: “Ah, mãe, vou comprar pão para nós tomarmos café”. Eu falei: “Está bom, vou tomar banho primeiro”. Fiz café, a minha irmã: “Ah, tá! Vou fazer não sei o quê”. E meu filho demorou, demorou, demorou e eu nem percebi. A minha irmã falou assim: “Ô, Juju, o Rodrigo não está demorando?” Eu falei: “Não”. Ela: “Vou atrás dele”. E subiu, foi atrás, até a esquina. Aí, sumiu. Eu falei: “Caramba, se ela está falando que ele está demorando e foi atrás...”. Fui atrás também. Mas ele tinha demorado porque estavam fazendo o pão. Eu peguei, tomei banho, fiz café e espera minha irmã subir, espera minha irmã subir, espera minha irmã subir. Aí, nada. Então liguei, falei: “E aí, a Sandra não vai tomar café?” Meu cunhado que atendeu. “Não, a gente não vai tomar café não porque a gente está fazendo regime”. Eu falei: “Ué, você a proibiu de tomar café? Ela falou que vinha tomar café agora”. “Eu não proíbo nada não, não mando na boca de ninguém!” Quando eu desço, eles estão tomando lanche. Eu falei: “Gente, que falsidade!” Eu, quando não quero uma coisa, eu falo: não quero. Não precisa disso. Entendeu? É complicado, é complicado. E a minha sobrinha, tipo assim, ele tirou ela de casa. Ficava: “Esse tênis que eu comprei... Você tem esse tênis porque eu comprei”. Eu falei: “Meu filho, você a tirou de dentro de casa, não é mais do que a obrigação”. Só que o que aconteceu para estar essa... Eu não sei te dizer. E o rapaz não dá chance. Meu marido fala assim: “Não vai procurar não, porque se a mãe dela...” Não é? Quem pode saber o que aconteceu é a mãe dela. Não está, não é? Então...
P/1 – Eu queria que você contasse para a gente como são essas sessões que você vai fazer de... MOA que chama?
R – É, no MOA.
P/1 – O que você sente? Como é?
R – É uma tranquilidade. São uns japoneses assim... Eles perguntam o que você tem, tocam no seu corpo - algumas partes - e depois eles fazem imposição com a mão. É uma energia tão boa! Você sai de lá mais leve, eu senti que fez bem. Às vezes até o japonês mesmo que é cobrado. Ele vai: “Oi, Sônia, tudo bem?”, não sei o quê. E eles vendem muitas coisas naturais lá, tem um espaço que vem as coisas do sítio lá, do templo deles, eu compro bastante gengibre, esses negócios assim. E lá no Alexandre Gameiro, você conhece?
P/1 – Não.
R – Então... Eu não sei o que é, porque ele tem vários diplomas assim, ele está sempre no canal 11 e ele é um amor. É um amigo querido que eu fiz assim, eu agradeço a ele. Às vezes eu ligo: “Alexandre, estou morrendo!” “Não, Sônia, calma, respira, tudo vai dar certo! Pensa na sua mãe, coloca cinquenta coisas boas para você, olha uma planta, uma flor”. Eu falo: “Ai, Alexandre, só você!” Aí: “Querida, se anima.” Liguei para ele e falei: “Você não sabe o que eu fiz Alexandre, fui no show da Iza!”. E ele: “Como assim?” Eu falei: “Você não sabe o que eu aprontei”. (risos) Ele fica todo feliz em saber, a pessoa que torce por você de graça! De graça! Quer dizer, às vezes você não tem o carinho da pessoa de dentro de casa e você tem dessa pessoa que você... De graça. Eu falei: “Você é um amigo, você é meu anjinho”. Sempre eu vou lá agora. Nem isso dá mais, não é? Tipo, agora, para eu sair, eu deixo um monte de coisa assim, entendeu? E eu amo tanto a minha mãe! Ontem, eu dei sopa para ela: “Não, eu não quero, eu já tomei café, já jantei, já almocei”. Eu falei: “Uma coisa de cada vez. A senhora almoçou e a senhora jantou”. Meu filho: “Vai, vó, só toma a sopa para a senhora ficar com bundão!” E ela: “Que vai ficar com bundão não, quero ficar com a bundinha!” (risos) Ai, meu Deus do céu!
P/1 – De onde você tira energia hoje?
R – Das pessoas que torcem por mim. Como aquela música da Iza, Pesadão, entendeu? Seria assim, tipo meu hino. Quando começou a divulgar o show dela, a gravação do DVD, do Pesadão... Eu ouvindo na Mix. Eu acordo às cinco horas ouvindo a Mix e vou até... não é? Um mês antes, eu falando para o meu filho: “Rodrigo”... Porque eu não tenho celular, não tenho nada disso não. Eu só tenho Facebook, que foi minha sobrinha quem fez para mim. Tanto é que o pessoal fala: “Você estava em tal lugar”. Eu nem aí. Mas falei: “Rodrigo, participa aí do negócio - que é WhatsApp, não sei o quê - para eu participar do show que vai ter, da Iza com o Marcelo Falcão e com o Sapiência.” “Ah, que mico!” Eu falei: “Poxa, minha irmã Sandra”. E aí: “Faz alguma coisa para eu participar”. Porque eu tento conseguir pegar o telefone, porque as coisas para mim só funcionam no telefone. E aí pedi para o meu marido: “João, entra aí no negócio lá”. Aí foi passando, foram se passando os dias. Chegou sexta-feira, eu falei: “Caramba, e agora?” Daqui a pouco... Estou ouvindo a Mix: “Não sei o quê, não sei o quê, onze, doze. Falei: “Vou lá nessa Mix”. Peguei, fui na rua Vergueiro. E anda na rua Vergueiro para lá, para cá, entrei na Rádio Capital. Falei: “Moço, eu sei que aqui é a Rádio Capital, não estou doida não, tá!? Eu quero saber onde é a Mix”. (risos) Ele falou assim: “Está vendo essa avenida? Tem essa avenida, tem a praça, na outra rua”. Ele falou: “Espere aí, gostei de você. Está vendo aquele prédio azul brilhante? Então, é lá. É uma Faculdade”. Eu falei: “Está bom, obrigada”. Fui. Aí cheguei lá, o segurança. Eu falei: “Mas é uma Faculdade mesmo”. Eu falei: “Moço, a Mix fica aqui?” Ele falou: “É, você veio retirar seu prêmio?” Eu falei: “Vim”. Aí: “Qual é o seu nome?” Eu falei: “Sônia Regina”. Ele falou: “Fica no 22º andar”. Eu falei: “Moço, eu não ando de elevador!” Tipo isso. Mas, peguei e fui. Menina, eu peguei o elevador e vai que vai, que vai. Quando eu cheguei lá, estava assim... Pingando! O segurança veio: “Veio retirar o prêmio?” Eu falei: “Deixa eu respirar”. Encostei lá: “Está passando mal?” Ele começou a me abanar. Aí veio a moça e eu: “Deixa eu respirar!” Aí pegaram água, sentei. Ela: “Você veio retirar o prêmio?” Eu falei: “Vim”. “Qual é seu nome?” Eu: “Sonia Regina dos Santos”. “Empresta o RG?” “Ai, moça, deixa eu respirar”. E passando mal e o suor pingando, pingando. A moça veio com a pranchetinha: “Então... Sabe que eu não estou achando seu nome?” Eu falei: “Então... Hoje é o show da Iza, na Áudio, e eu preciso ir. Porque o hino dela é a minha vida, eu estava com depressão e agora estou melhor”. E falei: “Você tem que me ajudar!” Ela: “Mas não pode, não funciona assim, a senhora tem que participar das programações, e não sei o quê”. Eu falei: “Mas você tem que me ajudar, faz de conta que eu sou sua filha e você precisa me ajudar”. Ela falou: “Eu vou ver o que posso fazer”. Entrou, daqui a pouco ela veio com o convite. Eu: “Ah, meu Deus do céu!” Aí falei: “Meu Deus, eu tenho que viver para descer vinte e dois andares!”
P/1 – (risos)
R – O segurança veio, falou assim... Chamou o ascensorista e falou: “Desce com ela direto, porque ela passa muito mal”. Aí desceu, e eu lá. Quando chegou lá, o moço veio: “Está bem?” Eu falei: “Não”. Fiquei sentada e lá vem mais água. Fiquei, fiquei. Saí, falei: “Moço, agora estou um pouquinho melhor”. E daí, para saber se eu tinha que ir para lá ou para cá? Falei: “Meu Deus, e agora?” Aí tudo bem, fui. Falei: “Ah, meu Deus, me ajude!” Fui, peguei o Morro Grande e uma tontura, uma tontura, uma tontura. Cheguei em casa, a minha irmã estava lá. Tinha uma touca de chifrinho minha, eu falei: “Tem uns brilhantes aí, escreve Iza aí!” Fui tomar um banho: “Como assim?” Eu falei: “Vou para o show da Iza”. “Você comprou?” Eu falei: “Não tinha dinheiro, como eu comprei? Fui lá na Mix e pedi”. “É nada!” Eu falei: “É sim”. Fui, tomei um banho, falei: “Senhor, me ajuda a não me dar tontura, ainda estou tonta desse elevador”. Coloquei a touquinha com o negocinho escrito Iza, peguei uma fila na Áudio, lá do Parque da Água Branca até... E fui ao show. Fiquei lá na cerca, assim. Nossa, mas tudo de bom, tudo de bom! Quando ela entrou assim, muito linda, linda, linda, eu gritava, gritava, gritava! Depois entrou o Marcelo Falcão... Não, primeiro entrou o Sapiência, depois o Marcelo Falcão e antes uma drag lá que eu não sei quem é, eu tirei foto, mas não sei quem é. E gritei, gritei, gritei. Quando foi três e meia da manhã acabou o show. Aí, a pessoa não tem celular, não é? E para a pessoa vir embora? Eu saí, aqueles caras segurando carro. “Moço, onde tem orelhão?” “Senhora, orelhão é artigo de luxo!” Eu falei: “Então, onde tem um artigo de luxo aqui?” (risos) Ele falou: “A senhora vai ali perto do West Plaza, se a senhora achar...”. Aí lá fui eu, três e pouco da manhã, um frio! Liguei: “Rodrigo, misericórdia Rodrigo, vem buscar a mãe!” “Sua doida, você está aonde?” Eu falei: “Eu estou em frente ao Sonda, vem buscar Rodrigo.” “Mãe, você foi fazer o quê?” Eu falei: “Eu fui ao show da Iza”. “É nada!” Eu falei: “Fui, Rodrigo, fui. Eu falei para vocês que eu ia, eu fui e vocês não me ajudaram, mas Deus me ajudou e eu fui”. Ele veio: “Mãe, você é doida!” Eu falei: “Agora você me leva lá no Sumaré para comer um cachorro quente que eu estou com fome!” (risos) Nós fomos no Sumaré, que ele gosta de ir naquela barraquinha da Sumaré, sabe? Que vem aquele cachorro quente desse tamanho, cheio de carne moída, tem tudo lá! Eu não gosto, mas eu estava com tanta fome que foi! Cheguei em casa toda feliz da vida, ninguém acreditou, mas eu fui!
P/1 – Que música é essa que você falou?
R – O Pesadão? Nossa Senhora, O Pesadão. E agora, Dona de Mim, poderosa ainda, dona de mim, dona de mim! Aí, outra vez aconteceu uma coisa assim muito estranha e eu estava com a minha sobrinha. A gente, sempre no carro, colocava a música do Arnaldo Antunes – “Eu gosto de você...”. E ela: “Tia, cadê aquela música de que você gosta?” Aí, aconteceu uma coisa ruim comigo, ela: “Tia, vamos na 25 comprar um All Star na galeria?” Eu falei: “Vamos”. Fui, estou andando e escutando a voz do Arnaldo Antunes. Eu falei: “Meu Deus do céu”. E os pensamentos ruins. Escutando a voz do Arnaldo Antunes, escutando assim, escutando. Eu falei: “Thais, eu estou escutando a voz do Arnaldo Antunes”. “Quem é Arnaldo Antunes, tia?” Eu falei: “Daquela música de que a gente gosta!” “Que música?” Eu falei: “Eu gosto...”. “Ah tá! Ai, tia, você está batendo pino!” Eu falei: “Não estou não”. Eu falei: “Vamos entrar no correio”. Entrei no correio, e eu escutando a voz do Arnaldo Antunes. Entro lá, tem uma frase no som lá. Aí, quando eu olho: “Thais, o Arnaldo Antunes!” Ele tinha feito uma exposição - eu tenho até o negócio. Uma exposição dele, lá na Praça do Correio. Só que as exposições dele, os quadros, os negócios dele são todos... Ai, como eu posso te explicar? Eu tenho guardado, mas não vou saber explicar. Vamos supor: tudo de bom. Vamos supor. Então é isso: aqui, escrito tudo de bom. O negócio ao contrário de tudo de bom, tudo de bom. Aí fiquei olhando, olhando, olhando: “Thais, esse é o contrário, esse é de ponta cabeça, esse é ao revés”. E ele lá conversando com umas pessoas. Aí, eu peguei, tem um livro lá, eu escrevi: “Te adoro, te admiro como ator, compositor, poeta”. Escrevi lá tudo o que eu tinha que escrever. E de olho lá. Esperei ele conversar com o pessoal e falei: “Posso tirar uma foto?” Tirei foto - eu e a Thais. Estava indo, ele: “Vem cá, meu coração pediu para te dar um abraço!” (risos) Eu falei: “Se eu te falar que eu estava te ouvindo pelo caminho todo, você não vai acreditar, não é?” Eu postei no Face lá. Ela postou, porque eu não sei mexer! Aí, está lá. Quando tem show dele - como vai ter agora, no SESC - eu vou. SESC Bom Retiro, é. Eu vou, se Deus quiser! Porque eu sou doida pelo SESC. Pensa numa pessoa que ama o SESC, sou eu! Eu vou ao SESC de Bertioga, vou ao SESC de Santos... Vou para Santos, tenho que ir ao SESC de Santos. Meu marido: “Você é doente por SESC!” Eu falo: “Mas é tudo de bom, não é?” É tudo de bom, o SESC! Vou para o SESC Interlagos no show de todo mundo quando tem, quando eu gosto, não é? Mart’nália, Rappin’Hood, tudo de bom, eu amo!
P/1 – Eu queria que você cantasse ou falasse algum trecho dessa música da Iza, da qual você gosta.
R – Sério?
P/1 – Sério. Se rolar. Se não rolar, tudo bem. Mas ia ser legal, se rolasse.
R – Ah, meu Deus, eu sei ela todinha.
P/2 – Qual é a parte com a qual a senhora mais se identifica?
R – Toda, todinha! E agora? (risos) Ah, meu Deus... “Vou levantar...”.
P/1 – “Vou reerguer os meus castelos…”.
R – “Vou reerguer os meus castelos, ferro e martelo para re…”. Ah, meu Deus, eu sei ela todinha, mas eu estou... Nossa! Eu sei ela todinha, meu marido quer morrer! A música toca, eu “tudududu”, nas escadas, cinco horas da manhã! “Lá vai a doida!” Daqui a pouco toca e eu:“tudududu, tudududu”. A minha irmã: “Não aguento mais acordar com esse pesadelo!” Ah, mas é tudo de bom! E agora, a Dona de Mim é toda eu, toda eu. Nossa, a música foi feita para mim! Foi feita para mim, é meu hino, você entendeu? É muito linda.
P/1 – O que você sente quando a escuta?
R – Eu me sinto leve, sinto que a música foi feita para mim. E a Dona de Mim, também. Aí eu vou lá no Alexandre e falo: “Alexandre, O Pesadão é nós, Alexandre, O Pesadão é nós!” Ele fala: “Sônia, só de ver você assim! Como você estava e como você está!” Eu contei para ele, ele não acreditou que eu fui ao show do Pesadão. Meu marido não acreditou, ninguém acredita! Mas eu falo: “O ingresso está aqui!” A touca toda, o negocinho. A minha irmã: “Você não bate bem dos pinos!” Eu falo: “Bato sim”. Tudo de bom mesmo. Mas eu ainda vou conhecê-la um dia.
P/1 – E a Dona de Mim, você sabe um pedacinho dela?
R – Eu não consigo. Sabe quando dá branco?
P/1 – Ah, não. Tudo bem, tudo bem. Era mais... Não precisa nem cantar, falar só um trecho de uma coisa que você gostasse. Mas, tranquilo. Se lembrar depois...
R – Nossa, eu sei cantar ela todinha e não está vindo!
P/1 – Não tem problema. E eu queria que você me falasse um pouco da sua rotina hoje.
R – Minha rotina hoje. Hoje eu vou dormir sabe Deus que horas - três horas da manhã - acordo às cinco, arrumo a marmita do meu marido, a do meu filho, dou o leite da minha mãe, vou limpar a casa. Mas eu estou toda desorganizada, porque eu estou ficando assim, sabe? Mas eu estou bem, graças a Deus. Depressão não, e não quero ficar de novo, nem que eu tenha que ir embora de casa, abandonar tudo, mas eu não vou ficar de novo! Naquela situação, não. Olha, quem teve... A pessoa que não acreditar que uma pessoa fala que está com depressão, olha... Eu não desejo para ninguém o que eu passei! Eu ia ao mercado, eu não conseguia comprar nada. Um sutiã, eu não conseguia comprar. Eu não via... Nada tinha graça. Não era eu. Parecia que, tipo assim, eu estava sentada aqui, eu estava sentada aqui e só vendo o tempo passar, você entendeu? Eu não desejo para ninguém o que eu passei. E as pessoas que não acreditaram é uma pena, porque eu não estava fingindo. Só tenho que dizer isso. Se você estiver perto de uma pessoa que está com depressão, cuide dela, dê atenção, dê um abraço, porque é difícil. Não é frescura, não é preguiça, não é mesmo, é uma doença, é uma doença!
P/1 – O que você gostaria que tivessem dito para a senhora quando a senhora estava com depressão?
R – Só acreditar em mim, porque eu não estava mentindo, porque eu não estava fingindo. Só isso. E eu encontrei, em várias pessoas que eu nem imaginava, que eu nunca vi na vida. Pessoas que vieram assim... Eu fui em Aparecida do Norte e fiz uma promessa, tem até a foto. Eu olhei assim e falei: “Olha, essa não sou eu. Eu não me reconheço, eu não sou essa pessoa. Eu estou essa pessoa. Mãezinha, me ajude, me ajude. Eu não quero ser essa pessoa, eu não sou essa pessoa. Se eu melhorar, eu passo aqui de joelhos”. E, graças a Deus, entendeu? Eu fui. A minha irmã e o meu cunhado estão de prova. Meu marido não, porque meu marido foi com a minha irmã lá, que queria ir para o baile, queria ir para o baile, aí foi e nem avisou a gente. Foi lá, levou minha mãe para a missa e eu fui fazer o que eu prometi. Aí, quando eu atravessei assim, veio um moço, não sei de onde, não sei te dizer de onde. Ele pegou na minha mão assim e falou: “A senhora aceitou Jesus”. Eu e minha irmã olhamos para trás assim, ele só falou para mim. Cadê o moço deficiente? Sumiu! Agora se eu falasse, sozinha, ninguém ia acreditar. Mas estávamos eu, minha irmã e meu cunhado, os três chorando como besta. Meu marido, no desespero para vir embora para ir para o baile, para ir para o baile, quase mata a gente no trânsito. E voando com esse carro e voando com esse carro, eu: “João, pelo amor de Deus, João pelo amor de Deus!” E ele voando com esse carro e minha irmã chorando, e meu cunhado: “Deixa eu dirigir”. “Não!” E eu: “Misericórdia, mãezinha, não deixa... Se eu e minha mãe morrermos, não deixe a gente sentir dor”. O meu cunhado falou assim: “A gasolina vai acabar”. “O carro é meu, eu sei que esse carro dá para ir até em casa”. Menina, daqui a pouco o carro... prum... acabou a gasolina! Mas Deus é bom, não é? Porque lá na PQP tinha um posto de gasolina, lá do outro lado do mundo. Aí, meu cunhado vai, todo nervosinho. E ele: “Eu vou ficar aqui com você”. Eu falei: “Você vai porque eu tenho Deus comigo, você vai com ele porque eu tenho Deus comigo!” Foram comprar gasolina, voltaram e encheram. Aí, ele vai ver isso. Depois você corta! A gente... Minha mãe nem falava nada. Aí ele foi, não deixou meu cunhado pegar o carro. Falou assim... Eu falei: “João, minha mãe quer parar no Rancho da Pamonha para comprar pamonha”. “Quero não!”
P/1 – (risos)
R – Eu falei: “Meu Deus do céu!” Ela nunca abre a boca, não é? Eu falei: “Mas eu quero comer uma pamonha”. Mentira, não queria comer nada porque não descia! Eu desci do carro, cheguei lá no moço e falei: “Moço, você fuma?” Eu falei: “O senhor vai acender um cigarro, o senhor vai tomar um banho, o senhor vai jantar, o senhor vai fazer o que o senhor quiser, depois o senhor me atende. Tudo que o senhor tiver que fazer o senhor faz, depois o senhor me atende. E as pessoas que estão aqui, o senhor pode atender. Depois que fizer tudo que eu lhe falei, o senhor me atende”. O homem demorou. Daí ele veio: “Mas o que aconteceu?” Eu falei: “Não sei, tem muita gente”. Aí veio, e não dava tempo de ir para o baile mais, entendeu? A gente veio e ele voando com esse carro: “Senhor, não deixa eu e minha mãe sentir dor, se a gente morrer”. Mas, graças a Deus, chegamos todos vivos. Olha... Tudo isso para ir a um baile da polícia. Porque a gente vai ao baile lá do canil da policia, sabe? É chique de doer, muito bom, muito bom. Sempre tem atração legal, é muito bom.
P/1 – E, Sônia, para encerrar essa parte da depressão, teve algum momento em que você falou: “Nossa, estou curada!?” Teve esse momento?
R – Teve. Foi na hora em que eu comecei a fazer tudo que eu fazia antes. Porque eu não sou... Eu gosto de ir para o SESC, gosto de ir para cinema, gosto de ir para Santos, gosto de ir para vários lugares, fazer várias coisas. Às vezes eu vou para a 25, para a Liberdade, e meu marido fala: “Mas não tem dinheiro!” Eu falo: “E por que você não tem dinheiro, você não vai viver?” Aí eu vou. E eu não fazia nada, ia para o lugar e sentava. Eu ia para a praia de tênis, bota, calça. Sendo que eu já passo protetor, coloco chapéu, vou de short, já vou até com o negócio para não perder tempo. Pois eu ia e ficava assim. Do jeito que eu entrava no carro. Pois eu ia daqui lá e ficava sem reação. E meu filho no celular, meu marido no tablet e ninguém nem aí, achando que eu estava com frescura. Achava que eu estava com frescura, que eu não fazia porque não queria. Ninguém comia mais, porque eu não fazia comida e um esperando pelo outro, e um esperando pelo outro. Menina, olha, o que eu passei eu não desejo para ninguém, para ninguém mesmo. Eu não sei, eu não me reconhecia, eu virei outra pessoa. Eu não sei, eu não era nem uma pessoa, era uma coisa, era uma coisa! Porque hoje eu faço de tudo para não ficar naquela situação, e não vou ficar. Com fé em Deus, nunca mais, por nada e por ninguém! Já falei para minha irmã: “Naquela situação, por nada e por ninguém”. Porque quem gosta de você é você mesmo. Por mais que alguém faça... Porque, às vezes, você está tão frágil, tão fraca, que a pessoa fala: “Você não presta, você não presta”. Chega uma hora em que você acredita que não presta. Então assim... Eu peço a Deus todos os dias, eu durmo e peço a Deus todos os dias, eu peço e agradeço a Deus todos os dias para eu nunca mais... Se ele me honrou para eu sarar dessa, para nunca mais passar por essa situação... E eu acredito em mim agora. Quando fala... Como falou: “Ah, você não vai ao show da Iza, quero ver”. Eu falo: “Não vou? Eu vou, eu falei que eu vou, eu vou!” E fui.
P/1 – Sônia, a gente está chegando ao fim. Tem alguma história que você quer contar, que a gente não lhe perguntou? Falta contar alguma história?
R – Tipo o quê assim?
P/1 – Alguma coisa que você queira falar e que a gente não conversou ainda?
R – Não. Assim... Tipo assim... Eles reclamam porque eu falo que todo mundo fala comigo. Mas, se a pessoa está aberta para falar, não é? Meu filho: “Mãe do céu, você conversa até com as plantas!” Eu falo: “Mas não estou doida, não. Eu estava e ainda estava falando com as plantas. Agora eu estou bem e estou falando com as plantas!” (risos).
P/1 – (risos)
R – Ele fala: “Mãe, você é muito doida, mas eu te amo”. Eu falei: “Não fala que eu sou doida não, porque eu acho que já passei por isso. Não fala que estou doida, não”. Porque eu achei que eu ia ficar maluca, achei que ia ficar mesmo. E nessa eu fiquei até internada, você entendeu? Eu, falando que estava ruim, que estava ruim, que estava ruim, e ninguém acreditava. Eu não sei o que estava acontecendo. Eu sentia uma dor no coração, uma dor no coração, uma dor no coração. Eu falei: “Eu vou morrer!” Aí eu falei assim: “Não, vou aguentar”. Aquela dor foi aumentando, eu não conseguia respirar, não conseguia levantar, não conseguia deitar, não conseguia sentar. Eu falei: “Meu Deus, tenho que levantar”. Levantei, falei: “Rodrigo, a mãe está morrendo”. “Que foi, mãe?” Eu falei: “Eu estou morrendo”. Ele: “Mãe, misericórdia, chama o pai”. Eu falei: “Eu estou chamando você, se você quiser me socorrer, tudo bem. Senão...”. Porque eu falei que estava com dor e ele não acreditou. Aí me levou para o Albert Sabin. O moço veio: “A senhora quer uma cadeira de rodas? Eu falei: “Quero”. Depois eu falei: “Não, eu vou morrer até ele buscar essa cadeira de rodas”. Aí fui no corrimão, passou lá na minha frente, daí o médico veio: “O que você está sentindo?” Eu falei: “Eu estou sentindo uma dor no peito tão grande, tão grande, que acho que estou infartando”. Ele: “É assim e assim?” Eu falei: “É”. Me deu remédio para dor, nada! Cinco horas da manhã. Sete horas da manhã, nada. Dá remédio. Oito horas da manhã, nada. Vai internar. Internou. E eu nada, nada, nada! Toma medicamento, faz isso, faz aquilo... E eu na UTI, e nada! Nada, nada! Engraçado que eles foram me visitar depois, eu falei: “Rodrigo, não avisa ninguém não, deixa eu morrer aqui quieta”. Aí diz que foram me visitar, daí diz que eu não falei nada. O médico falou assim: “Não, mas ela estava conversando com todo mundo, ela não quer falar com vocês”. E eu não lembro de nada disso! Aí, tudo bem. Depois de cinco dias me levaram para uma tal... Como chama aquela máquina que você entra? Descobriram que eu estava com pneumonia no meio dos ossos, de idoso. Estão investigando até hoje como é que eu peguei essa pneumonia de idoso. Eu falei: “Moço, mas eu não sei. Se vocês que estudaram não sabem, como é que eu vou saber?” (risos) Não é? Aí, falaram assim...Eu não lembro de nada disso... O médico falou assim: como eu fiquei internada vários dias, ele me dava aquela injeção lá para negócio de coágulo na perna, por causa da posição. Aí, falou assim... O médico veio e falou assim: “A gente vai colocar um PICC na senhora para não sentir mais dor, porque a senhora está sendo muito furada”. Eu falei assim: “Mas o que é PICC, é de aniversário?” “Não, a gente vai colocar e a senhora não vai sentir mais dor. O senhor autoriza?” Minha irmã disse que pulou para trás. Meu marido pegou e assinou. E aí falou: “Tudo bem para a senhora?” E disse que eu falei sim, mas eu não sei. Quando foi no outro dia, veio a moça toda de roxo lá, de cinza: “A gente veio colocar o PICC na senhora”. Eu falei: “Mas PICC é o quê? É cirurgia, senhora?” “Não, é o PICC”. Daqui a pouco ela vem e coloca um negocinho. Eu falei “É cirurgia, não é?” “Não, é um PICC”. Eu falei: “Mas que raio de PICC é esse?” Daqui a pouco, eu começo a ver três cabeças. Eu falei: “Moça, o que você fez comigo? Eu estou vendo três cabeças!” Passei mal, passei mal, veio a moça e eu: “Doutor, estou com derrame! É Parkinson?” (risos) Menina, fiquei o dia todinho lesada. E foi uma cirurgia, que eu fiquei com a marca até hoje. Mas era uma dor, mas era uma dor! Quando dava o medicamento, eu chorava. Daí a moça, no quarto, me segurava, me acalmava. Nossa, para nunca mais saber desse negócio de PICC na vida! Era melhor ser furada! Agora, vamos ver como vai ficar. Então, meninas, é isso!
P/1 – Eu tenho mais duas ultimas perguntas. Mas antes, Mauro, Carol?
P/2 – Eu queria saber um pouquinho sobre o filho da senhora. Como ele é, como é a relação de vocês?
R – Ele é um filho ótimo, a gente se dá muito bem, graças a Deus. Ele é caseiro, só gosta de assistir umas séries meio estranhas lá - que eu não gosto - de arrancar cabeça, coisa que eu não gosto não. Eu passo assim: “Rodrigo, vê uma coisa mais alegre!” A gente se dá superbem. Às vezes, são três horas da manhã, a gente está indo para o McDonald's. Ele termina de ver a série: “Mãe, vamos comer um lanche?” “Vamos”. “Mãe, vamos ao cinema?” “Vamos”. Quando ele vai para a balada... Mas eu faço de tudo para ele não ir para a balada, porque é muito, não é?
P/1 – (risos)
R – Tadinho! Ele economizou, tadinho, o dinheiro da refeição para comprar um celular lá que tem aquele óculos. Aí foi para o Carnaval, roubaram! Só está o óculos. Ai, eu morro de dó, corta o meu coração porque o bichinho batalhou para comprar. Comprou à vista e os ladrões levaram. É meu orgulho. Só que eu deveria ter dado um irmão para ele. Porque já pensou se eu tiver Alzheimer, se for hereditário? Meu Deus do céu, o coitado vai sofrer! Tomara que não, não é? Vamos torcer para que não. A família é pequena e minha mãe assim... É muito triste ver ela assim. Mas é meu tesouro, minha florzinha que eu tento regar todos os dias. Só um sorriso que ela dá, já... não é? Eu tenho medo do dia em que ela não me reconhecer de vez. (choro) Às vezes ela me chama de mãe, eu dou o leite para ela: “É o meu tetê, mãe?” Mas tem horas em que ela se lembra de mim.
P/1 – Posso só mais duas perguntas?
R – Pode.
P/1 – Quer tomar uma água? Essa não é uma das duas perguntas!
R – Não. (risos)
P/1 – Eu queria saber: como foi para a senhora hoje contar sua história?
R – Foi bom, e assim... Espero que eu não me arrependa. (risos) Foi bom, foi bom. E obrigada, meninas. Se vocês conhecerem alguém que esteja com depressão, deem um abraço, ouçam essa pessoa, deem carinho e não duvidem. Eu só não pensei em me matar, mas assim... Acho que eu já estava morta. O que eu sentia, eu já estava morta. Mas, graças a Deus, eu consegui sair e espero nunca mais entrar nisso de novo.
P/1 – Última pergunta. Quais são os seus sonhos, Sônia?
R – Eu tenho um sonho, mas acho que eu não vou conseguir realizá-lo, que é dirigir. Porque eu sou estressada, e nervosa, e medrosa. Então a pessoa vai de Uber ou a pé. E outro meu sonho... Não é impossível sonhar, não é? Que a minha mãe vivesse por muitos anos ainda, mas que não se esquecesse da gente. Tudo bem que tem hora que ela não lembra, mas que ela não se esquecesse da gente. É isso.
P/1 – Então, Sônia, muito obrigada por ter vindo hoje, por ter contado sua história para a gente.
R – Obrigada eu.
P/1 – Muito obrigada mesmo.
R – Obrigada eu. Desculpa! (choro)
P/1 – Não tem do que se desculpar, obrigada mesmo.
FIM
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