P/1 – Bom dia, Bruna. Antes de começar essa entrevista, eu gostaria de agradecer a sua presença, né? E a gente começa a entrevista, com uma breve apresentação sua. Então, queria começar perguntando seu nome completo, data e local de nascimento.
R – Bruna Poersh da Rosa. Eu nasci em 19 de maio de 1988, cidade de Salvador do Sul, no Rio Grande do Sul.
P/1 – Qual o nome dos seus pais e o que eles faziam?
R – Meu pai é Luiz Melo da Rosa, ele é professor. E a minha mãe é Sidônia Maria Poersch da Rosa, ela é advogada.
P/1 – E, você poderia falar um pouco sobre seus avós e a origem da sua família?
R – Sim. Por parte da minha mãe, meus avós são os dois de ascendência alemã. Se não me engano, foi meu tataravô que migrou da Alemanha pro Brasil, em função da guerra. A minha mãe tem uma outra irmã também, é uma família bem pequena. Meus dois avós maternos já são falecidos, né? E o meu avô eu não cheguei a conhecer, mas a minha avó, sim. Ela falava só alemão, não falava português (risos), dialeto alemão, né? E até hoje assim, a minha mãe fala super bem o dialeto, na minha cidade todo mundo fala assim. É uma origem muito forte, as raízes ainda bem fortes. E da família do meu pai é de ascendência espanhola e portuguesa, eles são da cidade de Montenegro, que também é no Rio Grande do Sul. Da família do meu pai, eu sei um pouco menos, porque é uma família muito grande, então eu não sei quem é que migrou pro Brasil e quando, mas meu pai tem dois irmãos. Meu pai é o mais velho e meus dois avós paternos ainda estão vivos, meu avô está com 93 e a minha avó com 87, se eu não me engano.
P/1 – E eles faziam o quê? Eles faziam o que no Rio Grande do Sul?
R – Os meus avós maternos, eram os dois agricultores. Eles tinham plantação de milho, essas coisas assim. A minha mãe trabalhou com eles, bem na roça mesmo, a maior parte da vida dela e aí, com 13 anos, ela foi trabalhar numa casa de família, como babá. É, acho que foi com 13 anos, se eu não me engano. E ela ficou nessa família por muitos anos, tanto que a família que ela ficou, a Senhora pra quem ela foi trabalhar, hoje, eu chamo de vó. É mais minha avó do que qualquer outra vó, né? E os filhos dela, que minha mãe criou, são meus padrinhos. E do meu pai, os meus avós também sempre trabalharam com agricultura, meu avô tem plantação, a gente chama de bergamota mas é mexerica, tangerina (risos) e a minha avó sempre foi dona de casa, sempre cuidando mais de animais, agricultura e tal.
P/2 – Qual o nome dos seus avós?
R – Dos meus avós maternos, a minha avó é Amália e meu vô é Bruno. Dos paternos, a minha avó é Maria Aldina e meu avô é Eduardo.
P/1 – E você tem memória da sua casa. Como era a sua infância lá em Salvador do Sul? O que você fazia?
R – É, como é uma cidade que tem sete mil habitantes, então é bem pequena, né? Minha infância foi muito na rua, eu sou filha única e minha mãe me teve super tarde, com 42 anos, então assim, ela trabalhava, já estudava, então ela não tinha muito tempo pra ficar comigo. Eu sempre fui criada pelos vizinhos, pelos tios, com quem estava disponível, enfim, acho que foi uma infância, bem infância, mesmo. A gente brincava muito na rua, a maioria dos meus amigos a família tem terras para trabalhar com agricultura, então a gente brincava muito na roça, e com trator... Era muito bom. Acho que foi uma infância muito feliz, assim, porque numa cidade menor a gente tem, de certa forma, um pouco mais de liberdade, por questões de segurança, né? Todo mundo se conhece, onde quer que eu estivesse, eu sempre estava segura e tinha alguém conhecido, então, foi uma infância com muita liberdade, e também, apesar de ser uma cidade pequena, é uma cidade que investe muito em cultura, então eu sempre fiz aula de dança, de música, de teatro.
P/1 – Então, você estava falando da sua infância, desculpe interromper...
R- Não tem problema. Foi uma infância bem rica de cultura, desde os meus, acho que sei lá, acho que seis anos de idade, eu participava de um grupo de danças étnicas alemãs e fiquei até os meus 18 anos dançando. Era um grupo maravilhoso, a gente era super amigos e viajava bastante pra dançar, então, isso era muito bom. Acho que eu comecei a me apaixonar por arte, cultura, mesmo sendo uma cidade pequena. Foi lá que eu tive todo o incentivo da minha família e a cidade sempre proporcionou muitas coisas, era tudo de graça, assim, então, eu podia fazer. E até hoje é assim, é uma maravilha, né?
P/1 – E da escola, você tem alguma lembrança? Quais são as primeiras lembranças da escola?
R – A escola, é, tem só uma escola lá na minha cidade. Quer dizer, tinha pelo menos na minha época, então, não tinha muita opção, mas a minha escola era muito boa. Meu pai já tinha dado aula nessa escola, então, todos os professores eram amigos do meu pai, então eu me sentia em casa. Era muito bom. Os amigos também, a gente acabava conhecendo todo mundo, por ser turmas pequenas, foi um período muito bacana, todos os professores eram mais do que professores, eram quase como pais, faziam tudo pela gente e, eu acho que uma das coisas que eu mais gostava era poder soltar minha criatividade. Sempre gostava de mexer a turma assim: "Ah, vamos fazer um teatro, vamos fazer alguma coisa!". Então a gente tinha muito essa liberdade no colégio de poder fazer, trabalhar com questões bem diferentes, poder fazer uma peça de teatro, uma competição de esportes, alguma coisa, era a gente que organizava tudo. Assim, eu sempre fui bem envolvida, sempre gostei dessas coisas e nunca queria ficar muito quieta não (risos). Como era uma cidade muito parada, eu gostava sempre de movimentar as coisas pra ter algo acontecendo, né? (risos)
P/1 – De agitação, né? (risos) E quais eram as disciplinas que você mais gostava na escola?
R – Ahn, eu sempre gostei muito de História e de Português, gostava muito. Quando começou a ter aula de Inglês, gostava muito do Inglês também. Adoro idiomas, sempre me identifiquei muito, e História, eu acho que foi muito pelos professores que eu tive, que eram sempre muito legais, eu acabava gostando muito do conteúdo pela forma como ele era ensinado, era maravilhoso, né?
P/1 – E você sempre estudou nessa mesma escola? Fez todo o....
R – Não, não. Eu fiquei até o primeiro ano do Ensino Médio, aí depois, a escola tava num período meio ruim, assim de professores. Aí o meu pai me transferiu para uma escola que fica em Montenegro, que é onde mora os meus avós. Um colégio técnico, só tem Ensino Médio lá. Meu pai é professor de Química e já tinha dado aula nessa escola também (risos), então eu fui fazer um ano de curso técnico de Química. Eu odiei porque eu gostava muito da teoria mas no laboratório quebrava tudo, queimava tudo, era terrível. Aí eu acabei desistindo, mas permaneci nesse colégio fazendo o Ensino Médio Normal e fiquei lá até a metade de 2005, quando eu fui fazer o intercâmbio, e aí depois eu voltei pra lá, pra terminar meu Ensino Médio, no final de 2006.
P/1 – E antes da gente entrar nessa fase do intercâmbio, você tem alguma lembrança de algum professor, que tenha te marcado durante o período escolar?
R – Claro. Tem a professora Roseclair, que era minha professora de História, era maravilhosa, bem doida (risos), mas ela conseguia fazer a história ficar viva pra gente. Era impressionante, era muito boa e a professora Vanice, que a gente chamava de Fani, que era o apelido dela, era professora de Educação Física, e também, ela sempre foi super ativa, ela montou um grupo de danças no colégio, ela fazia de tudo com a gente. A gente viajava pra dançar, fazia de tudo, ela era espetacular também. Essas duas, acho, que mais me marcaram.
P/1 – E nessa época ainda de escola? Você já sabia o que você queria ser?
R – Ahn, mais ou menos. Eu me formei em Relações Públicas, mas eu só fui conhecer o curso mesmo, no final do meu Ensino Médio, porque antes eu sempre soube que eu queria trabalhar com alguma coisa de público e comunicação, só que eu nunca tinha ouvido falar do curso de Relações Públicas, então eu não sabia, eu tava: "Ah! vamos ver o que acontece". E foi antes até de eu fazer o intercâmbio, que eu fui numa feira de profissões em Porto Alegre, com colégio e foi assim, do nada, eu entrei numa sala que era o pessoal de Relações Públicas, e aí, quando eles começaram a explicar, eu disse: "tá chegando, é isso, né?"(risos). Mesmo antes do intercâmbio, eu já sabia que era isso que eu queria fazer.
P/1 – E como que surge essa ideia de fazer o intercâmbio? Era algo comum na sua cidade?
R – Não, não era. Eu desde pequenininha, a minha mãe sempre me colocou em curso de inglês, porque ela achava que algum dia aquilo ia ser bom pra mim e foi quando, eu acho que eu tava já com 15,16 anos, que eu tive uma professora que era nova no curso e eu tava sempre falando pra ela: "Ai, como eu queria um dia morar fora". Na verdade, eu tenho até vergonha de dizer, mas eu nunca tinha ouvido falar de intercâmbio, nem sabia o que era isso (risos) e aí ela disse: "Ah, eu morei um ano na Bélgica", daí eu: "Como assim? Como é que tu fez isso, né?" E ela: "Ah, eu viajei pelo AFS em 1996. É uma ONG que faz intercâmbios pro mundo todo, eu acho que tu deveria tentar" e eu fiquei com aquilo na cabeça e disse: "Meu Deus, gente, isso é maravilhoso!". Saí pesquisando tudo sobre o AFS. Na época, eu contatei os voluntários do comitê de Caxias do Sul, que era o mais próximo da minha cidade e foi assim: amor à primeira vista, com o AFS, tudo me encantou, só, que, aí, eu estava conversando com os meus pais, que eu queria muito, muito, fazer e a minha mãe disse: "Olha, quem sabe a gente hospeda uma intercambista aqui em casa antes, pra tu ver como é que ela vai se comportar, pra tu conversar com ela, ver as dificuldades que ela tem, aí você já tem esse aprendizado quanto tu for viajar" e, aí, a gente acabou fazendo isso. A gente hospedou uma intercambista do Canadá, em 2003, na minha casa. Foi uma experiência bem legal, ela não falava português, então eu tive a oportunidade de aprimorar um pouco meu inglês e poder ensinar pra ela outro idioma mas aconteceu que ela veio também de uma cidade muito pequena, até menor que a minha e ela ficou frustrada de ficar em numa cidade tão pequena. Aí, a gente conseguiu ajudar ela a trocar de família, para uma cidade um pouquinho maior, mas ela ficou lá em casa oito meses, a maior parte do intercâmbio, né?
P/1 – Porque era de um ano, né?
R – Isso, exato. E foi bem legal, a gente mantem contato com ela até hoje, ela é bem querida. O nome dela era Maryann e, enfim, aí, depois que ela foi embora eu comecei a entrar mais em contato com o comitê de Caxias do Sul, comecei a participar de orientações e reuniões lá, aí, aconteceu uma coisa que até então eu não tinha reparado: que eu teria pagar pelo intercâmbio (risos) e era um preço bem alto! Meus pais, na época começaram: "Pois é, né?" "É bastante caro" e eu enchendo o saco, porque queria fazer. Então, essa minha avó “emprestada” (risos), que se chama Dona Ivone, ela dá pra todos os netos dela uma viagem para Disney, quando eles fazem 15 anos. E ela queria dar um pra mim também, daí eu disse que não queria uma viajem, que queria o intercâmbio. Aí, ela acabou pagando meu intercâmbio, foi maravilhoso (risos), deu tudo certo!
P/1 – Então, como que foi a sua sensação, como família hospedeira? Chegava a pessoa de outro país, né? Você nessa época, encontrava alguma dificuldade com a língua, embora já tivesse feito curso de inglês?
R – É, um pouco sim. Eu já falava um pouco de inglês mas não tinha uma fluência. Eu acho que eu tava muito animada quando a intercambista chegou, assim, eu acho que eu tava até um pouco demais! (risos) Como eu era filha única, não tinha irmãos, aí eu: "Meus Deus, eu vou ter uma irmã e ela fala inglês!", sabe, era um monte de coisa, e ela era uma menina super legal, a gente se deu super bem. Só que foi aquela coisa bem de choque cultural, né? Ela era um pouco mais quieta e eu queria toda hora falar, pra fazer alguma coisa (risos). Até que um dia ela me disse: "Olha, deixa eu ficar na minha um pouco?" e eu: "Nossa!" tomei aquilo como: "Ela me odeia", chorei... Nossa, foi uma coisa! E, aí, depois eu fui conversar com ela, aí ela disse: "Tu tem que entender que eu às vezes preciso de um tempo pra mim" e foi assim, aos pouquinhos, que a gente foi tendo esses choques culturais, né? A minha mãe também aprendeu a ser um pouco mais flexível, que ela era assim na criação, devido a toda cultura que a gente tem de colonização alemã, o pessoal é um pouco mais rígido, né? Então ela também aprendeu com a intercambista a ser um pouco mais flexível. Acho que pra nossa família foi um aprendizado bem importante. A minha mãe pensa nas coisas que são ideais mas tinha dificuldade em flexibilizar, quando não era exatamente como ela queria, então, essa intercambista ajudou ela muito a melhorar esse aspecto.
P/1 – E, em você?
R – Em mim? eu acho que o que foi melhor pra mim, foi eu ver que ela passou por dificuldades, que, quando eu fizesse o intercâmbio, eu também passaria. E, aí, eu conversava muito com ela: "Tu tá com saudades da tua família? Como é que tu lida com isso?, então eu questionava muito ela pra saber o que que ela fazia nesses momentos mais frágeis, porque eu tinha muito medo de: "Ai, eu vou pra lá...e aí? Se eu sentir saudades, o quê que eu vou fazer? Eu não posso voltar, meu Deus, como é que eu faço, né?" (risos). Então, pra mim, foi muito bom, porque ela foi pra mim, meio que, uma experiência de eu poder ver como é que alguém que ta morando num lugar totalmente diferente, com pessoas estranhas, como é que aquilo funcionava porque na minha cabeça era um pouco ainda estranho, sabe, essa ideia. Pra mim isso foi bem importante, bem importante.
P/1 – E, aí, quando você vai pro intercâmbio... Não, antes disso, você se torna voluntária? Ou você só tem um contato com o comitê de Caxias do Sul?
R – Não, porque Caxias do Sul fica à 90 quilômetros da minha cidade, então, é um perto, mas não tão perto, né? Eu acabei não sendo voluntária, nem nada, eu só ia fazer as orientações, me aproximei deles dessa forma. Foi bem interessante, eu conheci outras pessoas que também iam viajar e pra destinos bem diferentes. Eu fiz bastante amigos, conheci pessoas bem diferentes, tive experiências muitos legais, principalmente nas orientações, né? Hoje é um pouco diferente, mas, na época, a gente fazia um final de semana inteiro. A gente tinha que tomar banho gelado (risos), eles acordavam a gente com panelaço: "Vamos acordar!", tinha que cozinhar, tudo pra testar a nossa tolerância com as coisas, porque eles diziam: "Ah, isso pode acontecer na tua família também, tu tem que tá preparado", era algo que eu achava um máximo, era bem engraçado. Depois que eu voltei do intercâmbio, eu também acabei não sendo voluntária por que eu fui morar numa outra cidade para estudar, sempre estava em trânsito. Quando eu faço as coisas eu gosto de me comprometer, então, pensava: "não vou ser voluntária e não ajudar em nada", então acabei não aderindo (risos).
P/1 – E aí, quando que você vai para o intercâmbio?
R – Eu fui em 2005, foi agosto de 2005. Eu fiquei na Pensilvânia, numa cidade chamada Sellersville. O primeiro choque cultural que eu tive, foi quando a minha família hospedeira foi me buscar, que, quando a gente chegava lá, eles colocavam todos os intercambistas num hotel, porque a gente tinha uma orientação quando chegava, e aí, as famílias vinham buscar a gente no final do dia de domingo. E aí, a minha família foi me buscar. Eles estavam tão bonitinhos com balõeszinhos, com um monte de coisa, aí, eu fui dar um abraço (risos) e o meu pai hospedeiro fez uma coisa, tipo assim: "Tá, com licença, tu tá invadindo minha privacidade", aí eu: "Meu Deus, isso vai ser difícil! (risos)", eu fui no carro bem quietinha: "Meu Deus, esse povo não gostou de mim (risos)". Aí, foi o primeiro choque cultural e eu tava com muita vergonha quando cheguei, então eles: "Ah, tu já comeu alguma coisa?" "Sim, to sem fome" mas eu tava morrendo de fome...aí, a gente chegou na casa deles e minha mãe hospedeira perguntou se eu queria almoçar alguma coisa, e eu disse: "Não, tá tranquilo, tá tudo bem". Eles foram dormir, eu acho, não sei o que aconteceu, aí, eu vi um cacho de bananas em cima da mesa e eu acho que eu comi umas seis bananas (risos). No outro dia, ela: "Nossa, comprei um monte de banana ontem, onde é que foi tudo?" e eu bem quieta assim: "Meu Deus, que vergonha!" (risos). Então, foram as primeiras coisas... Eu botei na minha cabeça: "Olha, quando eu tô com fome eu tenho que falar, agora eu vou morar aqui, eu não sou uma visita. Eu tenho que ser alguém da família". Aos poucos, eu fui colocando, assim, coisas na minha cabeça: "Eu tenho que me portar dessa forma porque eu sou da família", eu tinha muita vergonha de atrapalhar, de incomodar, no ínicio e fiquei numa família incrível, o nome do meu pai hospedeiro é Herb e da minha mãe hospedeira é Peggy, eu tinha uma irmã que tinha a minha idade, o nome dela é Molly, e tinha outras duas irmãs, mas que não moravam mais em casa: a Alicia e a Kate. Foi incrível, eles me trataram realmente como filha, não tinha tinha distinção nenhuma entre as meninas e eu, sabe? Presente de natal eles compravam a mesma coisa pra mim e pra elas, me levavam pra passear muito, sempre que eu tava doente a minha mãe cuidava super bem de mim, então, em momento algum eu senti que não era bem quista ali, bem pelo contrário, era bem quista até demais, isso pra mim foi maravilhoso porque eu tive muitos amigos estrangeiros que tavam perto de onde eu tava e que tiveram problemas com família, que a família não os trataram bem, quiseram trocar, e eu nunca tive nenhum problema nesse um ano todo, nunca briguei com nenhum deles, foi tudo mil maravilhas!
P/1 – E você foi por qual programa?
R – Eu fui pelo Programa Year School, o de High School, na verdade. Eu fiz o terceiro ano lá.
P/1 – Então, você foi estudar lá na Pensilvânia. Como que foi estudar num colégio no exterior? Como isso influenciou na sua vida, no próprio intercâmbio, na sua estadia ali?
R – Foi uma experiência bem única. Eu sempre me lembro de pensar assim: "Ah, o colégio vai ser como nos filmes" e foi mais ou menos isso. Uma coisa que me espantou muito desde o início, foi essa distinção muito forte que eles têm de estereótipos e pelo menos eu, na minha cidade, sempre fui meio que amiga de todo mundo, sem criar muitos estereótipos e aí, quando eu chego lá, me lembro, assim, do primeiro dia de aula que eu fui almoçar, era exatamente como nos filmes: tinha mesa dos jogadores de futebol, tinha a mesa dos góticos, a mesa do pessoal mais artista, a mesa das patricinhas... E eu pensei: "Onde eu vou sentar?" Fui procurar minha irmã hospedeira, fui sentar com ela, ela foi me explicando: "Olha, se tu sentar aqui, tu não pode sentar lá com os fulanos" "Mas por quê?" "Não pode!" "Ok, né". Isso me chocou muito, foi uma das primeiras coisas que eu disse: "Gente! E se eu gostar daquela pessoa do outro grupo? Não posso nunca conversar?" No início, isso foi muito difícil de entender, mas logo eu peguei disciplinas bem alternativas, porque como esse ano eu não queria que contasse como ano escolar mesmo pra mim, porque eu ia voltar e terminar o Ensino Médio, então eu fiz aula de cerâmica, de canto, teatro, só tinha duas obrigatórias que era: uma disciplina de Inglês e uma de História, que precisava fazer. Então, eu fiz coisas bem diferentes, que eu nunca tive no colégio, né? Em função disso, fiz amigos de todos esses clusterzinhos assim, né? Eu lembro que um dia, a minha irmã americana falou assim: "Ah, se tu for sentar com eles, tu não senta mais aqui comigo" e eu: "Mas eles são meus amigos do teatro!" "Não, aquele povo é maluco, não senta lá" e eu: "Gente, mas eles são tão legais". Então, pra mim, isso era uma coisa muito difícil (risos), é a única coisa, acho, que eu não gostei de lá, que as pessoas levam a sério isso de estereótipos. Mas eu fiz muitos amigos por minha conta, porque eu sempre não quis depender da minha irmã. A gente tinha a mesma idade, tava no mesmo ano, mas eu não queria me acomodar, de que os amigos dela fossem os meus. Eu fiz bastante amigos que nem conheciam ela e sempre pedia para minha mãe hospedeira: "Posso fazer uma festinha aqui em casa, convidar o pessoal?” Eu fiz um grupo de meus amigos, bem forte, a gente se fala até hoje, pessoal bem bacana e de todos os grupinhos, foi algo que até quanto eu fui embora, minha irmã hospedeira falou que era um aprendizado que ela tinha tido comigo de ter um pouco menos de preconceito e eu fiquei bem feliz.
P/1 – E na turma, por exemplo, existia esses grupinhos mas isso acontecia na hora do intervalo? Como que foi você na turma, na aula de cerâmica, como que as pessoas te receberam? Os outros colegas, os professores...
R – Eu acho que todo intercambista tem bastante receptividade por ser um estrangeiro, então, as pessoas têm curiosidade e se aproximam, realmente, para conhecer mais sobre outra cultura, então, isso era um ponto bem positivo, que às vezes, eu não precisava nem me esforçar e as pessoas vinham falar comigo. Por exemplo, em todas essas disciplinas eram turmas diferentes, então, eu fui fazendo amigos em cada disciplina e mesmo nas disciplinas, tinha a distinção dos grupinhos, o pessoal que ficava mais junto mas, enfim, não levei isso muito a sério e disse: "Ah, gente, eu não sou assim, não vou fazer isso" (risos), foi até bem fácil de me enturmar pelo fato de ser estrangeira, as pessoas vinham conversar comigo, os professores também. Os professores eram sempre bem legais comigo, por exemplo: o professor de História quando tinha prova, ele considerava que não era o meu idioma, ele sempre avaliava minha prova com carinho.
P/1 – Um desconto, levando em conta que você não era…
R – Exatamente. Isso foi bem legal, isso não posso reclamar, o pessoal foi muito legal comigo. Não tive muito problema de adaptação. Eu acho que por um lado, as pessoas pelo fato de eu ser brasileira, elas tinham um outro tipo de pessoa em mente, tanto que, quanto chegou a temporada de futebol no colégio, começaram a me encher o saco para entrar no time. Eu disse: "Gente, eu não jogo nada!" "Vai, vai, vai, tu é brasileira" "Ai, Jesus, tá bom, então né?" (risos). E me colocaram de atacante, nunca joguei, sempre fui péssima no colégio, odeio esporte, nada a ver comigo mas tava ali, né? Fazia tudo errado, até que o técnico viu: "Bom, né, ela realmente joga mal" (risos). Aí, ele me colocou como reserva, eu tava um pouco mais feliz porque não tinha pressão, fiz gol contra, fiz um monte de coisa. Também participei de time de natação. Tudo que tinha eu tentava me envolver e o engraçado foi participar do time de natação porque foi uma das coisas que mais aumentou minha autoestima, durante o intercâmbio todo. Foi muito engraçado, porque a gente tinha competição em outros colégios, né? E eu nunca nadei super rápido ou maravilhosamente bem, só que quando chegava a tua hora, tu tinha que pular e vai e faz o teu melhor. No início, eu ficava: "Meu Deus, eu vou quebrar o time porque todo mundo nada super bem, nadam desde os três anos de idade e eu, aqui, toda perdida" Mas o pessoal foi tão receptivo comigo, que depois eu comecei a achar que eu tava indo bem naquilo (risos)! Eu acho que tivesse sido uns anos antes, eu acho que eu nunca teria tentado, porque eu ia ter vergonha, mas eu abri meu coração e fui! (risos)
P/1 – Então, voltando... Peço desculpas de novo pela paralisação, você tava falando sobre a turma de natação, como você se sentia participando daquela turma.
R –Foi muito bom. Eu nunca ganhei nada, mas eu acho que por experiência foi algo muito legal. Toda vez que eu mergulhava na água eu me sentia o máximo, tipo, eu não tô ganhando mas estou fazendo o meu melhor, então, isso foi muito legal e o pessoal foi bem legal com isso também nunca me cobraram muito nem nada, então, foi uma experiência muito boa.
P/1 – E era escola pública?
R – Era escola pública, mas, essa é uma das coisas que me impressionou logo quando eu cheguei era escola pública mas era muito melhor do que qualquer escola particular que eu já vi no Brasil, nossa, maravilhosa, então, isso foi algo que eu também comecei a valorizar muito a questão da educação, que eu via que lá tinha um investimento maravilhoso e eu sempre fazia essas comparações: "Ah, porque que no Brasil é assim, né? Que pena".
P/1 – E nesse período, você mantinha contato com a sua família?
R – Sim, sim. Logo que eu viajei eu fale pros meus pais, porque até foi orientação do AFS mesmo, da gente não contatar tanto a família porque às vezes pode dar saudade, então, complica um pouco mais, então eu dizia pra mãe assim: "Mãe, vamos falar uma vez por mês, tu liga ou a gente fala pelo messenger". Na época, ainda existia tinha o Orkut e coisas do tipo mas ela, às vezes, não se segurava e ligava uma vez por semana ou a cada duas semanas. Mas, a gente se falava assim com frequência, eles direto me mandavam caixa com presente pra eu dar pro pessoal lá, com coisas aqui do Brasil, a gente tinha um contato bem frequente.
P/1 – E o que te marcou, do intercâmbio? Você percebeu que você mudou por conta do intercâmbio, logo que chegou?
R – Sim, muito, muito. Eu acho que o principal foi o fato de, quando tu é de uma cidade muito pequena, o que tu conhece da vida e do mundo é aquilo que tá ao seu redor. Quando eu fui viajar, eu comecei a perceber que o mundo é tão grande, tão grande, que eu vivo numa micro bolha e aquilo ali não é nada, comparado ao resto do mundo. Isso, quando eu cheguei a essa conclusão, foi algo, que, tipo, eu disse: "Meu Deus, isso é maravilhoso, eu preciso viajar mais, eu preciso sair da minha cidade, preciso morar em outros lugares". E, desde que eu voltei do intercâmbio, realmente tenho feito isso. Eu logo que voltei, voltei pra casa dos meus pais, mas fiquei só uns três, quatro meses. Aí minha mãe me mandou pra terapia, porque achava que eu tava maluca, porque eu queria sair de casa, foi algo bem engraçado. Acabei indo morar numa cidade chamada São Leopoldo, que é onde tinha a universidade que eu estudei, que é a UNISINOS [Universidade do Vale do Rio dos Sinos]. Aí morei um tempo num pensionado de freiras, porque a minha mãe queria eu longe, mas com as rédeas curtas, então, foi o jeito dela, mas logo depois eu consegui alugar um apartamento com uma amiga minha, que eu conheci neste pensionato mesmo. Depois, fui morar em Porto Alegre. Em Porto Alegre, eu acho que eu fiquei uns três, quatro anos. Depois fui morar em Campinas e agora eu vim pra cá (Rio de Janeiro) e já to pensando qual vai ser o próximo lugar (risos).
P/1 – Em 2015, você veio pra cá pro Rio?
R – Não, eu vim em 2013 pra cá.
P/1 – Agora, desse período de juventude, então, quais são as lembranças mais marcantes? Antes disso, a readaptação foi fácil?
R – Não.
P/1 – Voltar pro Brasil...
R – Foi a pior coisa. Quando tu teve uma experiência num país, de certa forma, de primeiro mundo, onde tu tem tudo super acessível o tempo todo e tu volta pra uma cidade que as pessoas são super conservadoras e que tu não tem acesso fácil às coisas, é um baque, né? Tu pensa: "Porque quê aqui não é assim, isso tudo errado". Então você começa a comparar e eu comparava tudo. Aí, minha mãe fazia almoço: "Ah, porque lá o almoço era assim, assim..." e minha mãe: "Aqui é assim, né? Tu viveu a tua vida toda aqui" "Tá, mais lá é melhor". Então, a gente tinha muito essas discussões que eu ficava comparando tudo, virei uma chata. O Brasil era uma porcaria, achava tudo horrível, foi bem difícil. Apesar de eu morar com uma família, no intercâmbio, eu tinha uma certa liberdade. Quando eu queria ficar sozinha no meu quarto, eu ficava. Agora, na minha casa, eu ficava no meu quarto, ela vinha: "Ah, tá fazendo o quê, tá fazendo o quê?" "Meu Deus!". Eu tive problema de relacionamento, principalmente com a minha mãe, ela queria que eu voltasse a ser a pessoa que eu fui antes do intercâmbio, que eu era super submissa, fazia tudo que ela queria, não respondia e eu voltei uma pessoa com a cabeça mais definida: "Eu quero tal coisa, eu vou atrás disso", "Não vou deixar as pessoas me influenciarem, né?” O período de volta, de readaptação, foi bem complicado, até porque, a minha família de lá queria que eu ficasse, eles me levaram pro monte de universidade, pra eu conhecer e ficar por lá.
P/2 – Você falou que a sua família de lá, queria que você ficasse, a levou para conhecer faculdades. Em algum momento, passou pela sua cabeça ficar por lá?
R – Sim. Muito... Isso foi muito conflitante no período de ir embora, porque eu sempre choro, que coisa, sabe?! Como eu sou filha única (choro), minha mãe queria muito que eu voltasse (choro)... Aí, tem como cortar?
P/1 – Tem sim...
R – Então foi muito conflitante no final... Aí, de novo...porque eles queriam muito que eu ficasse, a gente se apegou muito. E eu pensei: "Ai meu Deus, minha mãe tá me esperando" (choro) "Meu pai também", então foi bem ruim, porque eu não queria magoar ninguém. Enfim, aí, eu decidi: "Eu vou voltar, que eu tenho que terminar o Ensino Médio, vou dar um tempo e, se eu resolver um dia voltar, eu já tenho algumas opções". Aí, eu voltei pra casa, acabei ficando no Brasil mesmo, até porque, fazer faculdade fora é um custo super alto, eu tinha como conseguir bolsas, enfim, logo depois que surgiu oportunidade, sempre voltei pra visitar a minha família de lá, então, a gente realmente se conectou (choro).
P/1 – E aí, você ingressa na universidade. Você poderia falar um pouco sobre esse período?
R – Sim, sim. Eu comecei na universidade em 2007. No início, eu viajava todo dia da minha cidade, São Leopoldo, que é onde ficava minha universidade, que dava uns 70 quilômetros, era sempre uma viagem (risos). Mas foi um período bem interessante, muito bom, e todo dia que eu ia pra aula e a gente conversava sobre as coisas, fazia um seminário, eu conseguia sentir como o intercâmbio tinha me impactado. Eu sempre via que eu tinha uma maturidade que os outros colegas não tinham. Às vezes, os professores comentavam que eu parecia ser mais velha do que eu era, eu sempre falava: "Eu tenho certeza que foi o intercâmbio", porque quanto tu sai de casa e tem que fazer as coisas por ti, sozinho, tu aprende muito e tu tá com pessoas totalmente estranhas. Eu acho que o intercâmbio me fez ter uma maturidade para encarar a universidade, de uma forma muito mais séria. Eu via muitos colegas: "Ah, vamos matar aula pra beber chopp" "Gente, os pais de vocês tão pagando, vamos pra aula!" "Ah, careta" "Eu vou" (risos), vou fazer o quê. Eu não sei, se, sem o intercâmbio, eu teria essa mentalidade, a gente aprende a valorizar muito mais as coisas. Enfim, a faculdade foi um período muito bom, sempre participei de tudo que era atividade que tinha, seminários, congressos, sempre tive certo interesse em seguir carreira acadêmica, mas não ainda, quero dar um tempinho, por isso, eu tentava me aproximar bastante desse mundo, pra ver se era isso mesmo que eu queria, né?
P/1 – E aí, você se formou em Relações Públicas?
R – Relações Públicas, exatamente.
P/1 – E quando você começa a estagiar? Ou já arranjar um trabalho?
R – É, já no segundo ano da faculdade eu arrumei um estágio, em 2008, no Ministério Público do Rio Grande do Sul. Foi engraçado, porque, era um setor de cerimonial, a minha chefe me adotou meio como filha dela. A gente se deu super bem e anos depois que eu tava lá... Não, os dois anos que eu fiquei lá, ela falou pra mim que, no dia que eu fui fazer a entrevista, ela quase não me chamou porque meu pai tinha ido junto (risos), e ela pensou: "Meu Deus, essa menina é uma criança!", "Mas eu vou dar uma chance" e hoje eu sou super grata a ela, porque ela meio que abriu as portas do mundo profissional pra mim. Eu já tinha trabalhado antes como professora de inglês, mas não na minha área, né? Então, foi o primeiro trabalho na minha área, foi fantástico, aprendi muito, ela era uma figura, ela sempre dizia: "Olha, no mercado de trabalho tu tem que se vestir bem, tu tem que fazer com que as pessoas te notem", então, sabe, ela me dava várias dicas de crescimento pessoal, foi incrível. E depois, eu estagiei também numa assessoria de imprensa, depois num outro órgão público, e aí, eu comecei a fazer um estágio na Dell Computadores, e também, eu tenho certeza até hoje que eu só consegui em função do intercâmbio, de ter desenvolvido bem o inglês e pela experiência que eu tive, que também o pessoal falava que eu tinha uma maturidade, então eu sempre via: "Poxa, que bom, sabe?", isso foi bem importante. Depois, eu acabei ficando na Dell, trabalhei por lá, fui contratada, fiquei três anos lá e, inclusive quando eu vim morar aqui no Rio [de Janeiro] e quando eu morei em Campinas, eu trabalhava pela Dell em casa. Sempre foi uma empresa super flexível, que eu tinha muitos amigos, me apeguei bastante, foi bem difícil sair.
P/1 – E aí, você Morou em Campinas, trabalhando pela Dell?
R – Isso, trabalhando pela Dell. Fiquei oito meses em Capinas, aí, eu vim logo aqui pro Rio.
P/1 – Também trabalhando pela Dell...
R – Também trabalhando pela Dell, só que em Campinas, a Dell ainda tem fábrica lá, então, eu tinha mais um contato com as pessoas, ia duas vezes por semana pra fábrica, mas aqui no Rio eu não conhecia ninguém e tava só em casa, chegou num estágio que eu comecei a conversar com os meus gatos (risos), foi que meu namorado falou assim: "Tá na hora de tu trabalhar fora de casa, né?". E aí, eu comecei a procurar emprego. Eu trabalhei, antes aqui do AFS, numa outra empresa de tecnologia, na área de comunicação e a empresa começou a ficar mal das pernas, fui olhar anúncios, o primeiro que eu vi foi do AFS, eu disse: "Gente, não acredito que tem vaga no AFS", eu olhava, assim: "Ah, vou mandar meu currículo, vou ver no que vai dá".
P/1 – Então, aí, você queria sair, trabalhar fora de casa porque já tava cansada, conversando com os gatos...
R – E aí, trabalhei nessa outra empresa antes, que começou a declinar. Declinar, não, decair, aí eu pensei: "Ah, vou procurar outra coisa”, foi quando eu vi a vaga aqui no AFS, me candidatei e: "Vamos ver no que dá". No mesmo dia, a [Ann’] Andreza me ligou (risos), pra saber se eu podia vir fazer uma entrevista no dia seguinte, aí eu: "Nossa, claro né!". Aí eu vim, clicou tudo, foi maravilhoso. A gente ficou conversando um tempão, quando eu saí daqui, eu pensei: "Gente, imagina se eu realmente conseguir no AFS?", porque o AFS sempre foi pra mim aquela coisa maravilhosa, que mudou a minha vida. No mesmo dia que eu fiz a entrevista, no final da tarde, a Andreza já me ligou, que eu tinha passado: "Meu Deus!" (risos). Eu liguei pra minha mãe: "Mãe, tu nem acredita, vou trabalhar no AFS!" "Cooomo assimmm?!". Eu liguei pra todos os meus amigos que tinham feito intercâmbio pelo AFS: “Vocês não vão acreditar, vou trabalhar no AFS!". O AFS sempre foi uma entidade presente na minha vida, que eu sempre valorizei muito. Então, trabalhar aqui foi algo que eu nunca imaginei na vida! Foi super ao acaso e deu super certo!
P/1 – E quando você chega pra trabalhar, você vai trabalhar em que área?
R – Eu já entrei nessa área de desenvolvimento organizacional, que eu tô agora. Entrei em fevereiro desse ano, de certa forma é recente, né? No início, eu acho que ajudou muito eu ter feito intercâmbio porque eu já conhecia um pouco a cultura da organização, a dinâmica, essa questão dos comitês, porque pra quem é de fora, é algo bem diferente de compreender como funciona a organização. Como eu já sabia, eu só tinha que aprender as coisas. Já conhecia, já sabia um pouco da cultura, né? E hoje eu trabalho com toda base voluntária, gerenciar a base voluntária, fazer eventos, cadastros dos novos voluntários, ajudar nas questões de gestão de comitê e eu vejo que o fato de eu ter feito intercâmbio me aproxima ainda mais dos voluntários do que se eu não tivesse feito. A gente tem coisas em comum, a gente tem essa cultura AFS enraizada na gente, que sempre digo: "Aqui não é só um trabalho”, a gente acaba se apegando muito as pessoas e a organização, porque a missão é maravilhosa. Quando a gente tá aqui, a gente tem que tá com o coração todo aqui, senão, não adianta. (risos)
P/1 – Tem algum programa que é desenvolvido pela sua área?
R – A gente trabalha muito com treinamento de voluntários, captação e também com programas de reconhecimento de voluntários, é uma das coisas que eu entrei aqui, que eu fui começando a questionar as pessoas, os próprios voluntários que têm pouco reconhecimento... Então, é uma coisa que eu como pessoa, pretendo deixar esse legado pro AFS, de criar formas de reconhecimentos variadas e mais constantes. Eu acho que o trabalho que os voluntários fazem, eu não sei explicar, por serem voluntários eu fico pasma! (choro) Eles deixam de fazer coisa da vida pessoal e eu acho incrível!
P/1 – Esse seria o maior desafio da sua área?
R – Eu acho. Porque tem muito voluntário que faz muita coisa, que nunca é reconhecido, então, eu acho que todo mundo que é voluntário, precisaria algum dia ter reconhecimento, só pelo fato de dedicar um pouquinho de tempo, já é algo incrível! (choro)
P/1 – E como coordenadora, você encontra algum tipo de dificuldade em relação aos programas de captação e treinamento, porque isso é feito numa esfera nacional?
R – Sim.
P/1 – Então, você tem a distância, o tamanho do território brasileiro...
R – Eu acho que a maior dificuldade, na verdade, é entender que o Brasil é um país muito grande, que mesmo aqui dentro, cada lugar é muito diferente do outro. Então, como a gente tem voluntários no Brasil todo, o que eu sempre tento fazer é que as coisas sejam boas para todo mundo: pra alguém do Nordeste e pra alguém do Rio Grande do Sul, por exemplo. Até pras formas de reconhecimentos, eles têm ideias muito diferentes de como é ser reconhecido. Tem gente que gosta de ganhar uma placa, tem gente que gosta de ganhar uma viagem... [Tem gente que] Com um simples cartão já faz uma festa. Isso, acho que é um super desafio, não só pra mim, mas pra todas as áreas daqui que quer trabalhar com essa diversidade cultural do Brasil.
P/1 – Então, como você definiria o voluntário? Qual a importância do voluntário para a instituição?
R – O voluntário é a base, sem ele o AFS nem existiria. Essa é uma das coisas que eu acho, até hoje, um dos grandes diferencias do AFS comparado a qualquer outra organização de intercâmbios. Todo mundo que tá aqui, tá aqui porque acredita na missão da organização e quer fazer uma diferença, mesmo que seja simbólica, no mundo. Então, eu acho que sem os voluntários, a organização não tem como funcionar.
P/2– Como é que é feita essa seleção dos voluntários?
R – Cada comitê tem o seu tipo de selecionar o voluntário, eles têm essa autonomia pra buscar perfil de pessoas que possam contribuir. A gente não tem regra, nem nada.
P/2 – Mas é feito um processo seletivo?
R – Os comitês fazem, cada um tem o seu, não tem um standard, cada comitê faz seu processo seletivo, né?
P/1 – Um manual da secretaria executiva? Não?
R – Não. É uma coisa bem local. Tem voluntários que querem fazer processo seletivo, tem uns que convidam a família, os amigos... Varia muito e a gente não quer tirar essa liberdade deles de escolherem com quem eles vão trabalhar. O que a gente faz, é só dar suporte do que eles precisam mas nunca tirar a autonomia dos voluntários de gerenciar o seu local.
P/1 – E, já que você perguntou sobre a questão da seleção dos voluntários, eu me lembrei de perguntar pra você se houve um processo seletivo, pra você fazer o intercâmbio. E como que é esse processo seletivo?
R – É, na verdade, lá no comitê de Caxias do Sul, na época que eu fiz o intercâmbio, a gente tinha que fazer uma prova de conhecimentos gerais, e eles faziam entrevista com a família. A entrevista, eu creio que permanece hoje. Eu não sei muito dessa área dos intercâmbios, eu não trabalho com isso aqui. Na minha época era entrevista com a família, comigo e uma prova.
P/1 – Prova escrita ou oral?
R – Era prova escrita, de conhecimentos gerais. Eu, particularmente acho que no momento que um comitê faz uma seleção dessas, um processo seletivo, a pessoa que vai viajar se sente mais valorizada, que eles não pegam qualquer um pra viajar, né? O AFS tem essa preocupação de entender que não é todo mundo que tem o perfil para fazer intercâmbio... Pessoas que talvez tenham alguma depressão ou alguma coisa assim, às vezes, é complicado porque é uma experiência muito turbulenta, para pessoas que talvez tenham alguma instabilidade, alguma coisa, então, isso desde o início eu achei maravilhoso, deles terem esse cuidado de selecionar bem as pessoas e preparar a gente tão bem para fazer o intercâmbio.
P/1 – Como que foi essa trajetória mudando de cidade e trabalhar no AFS, por exemplo? Como que é viver no Rio de Janeiro, atualmente?
R – Agora sim eu gosto muito daqui. No início, eu tive bastante dificuldade de adaptação, principalmente pelas questões mais culturais. Mesmo em Campinas, eu sentia uma certa familiaridade com o Rio Grande do Sul, pra situação de serviços e coisas e aqui, eu sofri muito no início, ficava super brava: "Nossa, mas essa cidade! Que ódio! Ah...". Só que eu fui aprendendo, aos pouquinhos, a gostar muito do Rio. Eu acho que o fato do AFS ser aqui no centro do Rio, o escritório, me fez gostar muito mais da cidade porque eu tô no coração da cidade e o centro do Rio é maravilhoso pra quem gosta de História, pra quem gosta de coisas diferentes, aqui tem de tudo, tenho tudo. O bairro que eu moro, que é a Barra da Tijuca, é bem afastado e eu, particularmente, acho que não tem nada a ver com o Rio de Janeiro (risos), né? Eu, Bruna, gosto do Rio, o Rio-centro, Rio-pessoas, Rio-muvuca. Não gosto do Rio-Barra da Tijuca, que é tudo meio Miami. Eu levei um tempo pra me adaptar, mas agora eu consigo dizer que eu me sinto em casa aqui. No início foi bem difícil, mas deu tudo certo.
P/1 – Então, além do intercâmbio pra fora do país, ainda você fez os intercâmbios internos. Do Rio Grande do Sul, São Paulo e Rio de Janeiro.
R – Que as vezes é mais difícil do que pro exterior (risos). Até o fato de ser gaúcha. Eu conheço muitos gaúchos que moram aqui no Rio, muitos deles sofreram preconceito, porque as pessoas têm essa ideia do gaúcho ser grosso, preconceituoso. Isso existe, mas não é todo mundo e acho que todos os Estados têm pessoas assim. Lá, eu sei que é forte, eu ficava sempre com medo de falar que era gaúcha, as pessoas começavam a falar alguma coisa de que eu sou grossa. Não é que eu sou grossa, eu sou objetiva, vou direto ao ponto (risos). Até isso aqui eu aprendi. O carioca dá aquele rodeio, ele quer dizer pra ti assim: "Eu preciso que tu faça tal coisa", "Então, dia está maravilhoso... lá lá lá lá lá lá, pode fazer isso pra mim?" "Claro, posso" eu já vou: "Faz isso pra mim, por favor?". Essas coisas, eu fui me adaptando. Esses intercâmbios no Brasil, acho que são maravilhosos, está sendo um aprendizado bem legal morar aqui.
P/1 – E como é seu dia a dia? O que você faz nas horas de lazer?
R – Durante a semana, eu passou muito tempo no trânsito, porque a Barra é bem longe daqui. Eu perco por dia, sei lá, umas três ou quatro horas no trânsito.
P/1 – Você não pensa em mudar da Barra?
R – Sim, já estou vendo apartamento (risos), em Botafogo. Eu tenho gatos, né? Tenho três gatos e eles são, pode parecer ridículo, mas eles são meu hobby. Eu amo brincar e ficar com eles, sabe, cuidar que nem filho, né? Eu faço exercício na praia e eu acho que isso é uma coisa que o Rio tem de bom e eu tô tentado aproveitar, a praia, que eu quase nunca vou. Moro super perto e, às vezes, eu esqueço: "Ah tem praia", vou pra praia. Então agora eu to fazendo exercício lá, que é muito bom. A gente já passa o dia todo dentro de caixinhas: é o ônibus, a casa, o trabalho, então, eu preciso sair da caixa um pouco, né? Eu gosto muito de fazer coisas em casa, de cuidar da minha casa, minhas plantinhas... Eu tenho uns hobbys bem de velha (risos), mas são coisas que me deixam tranquila, que eu gosto de fazer.
P/1 – Você já retornou ao seu lugar de destino? Do intercâmbio?
R – Sim, eu já voltei. Eu fui visitar minha família em 2008, passei o natal e o ano novo com eles lá. Em 2013, eu fui pro casamento da minha irmã hospedeira, eu fui madrinha dela. Ano passado, ela e o marido vieram passar o natal e o ano novo aqui, comigo e com a minha família.
P/1 – Ah, que ótimo..
R – A gente manteve bem forte o nosso relacionamento. E falo, a cada três meses com os meus pais hospedeiros por Skype, a gente conversa muito pelo Facebook, quase que diariamente.
P/1 – Então, foi uma família que foi incorporada...
R – Sim, sim. No casamento da minha irmã hospedeira, no dia antes, a gente fez um a janta com toda família. Mesmo tendo passado oito anos já que eu tinha morado com eles, todo mundo me tratava como filha. Foto da família? "Vai junto". Isso pra mim foi algo que, não tem outra coisa, foi o efeito AFS, que a gente chama (risos).
P/1 – O que o AFS desempenha na vida dos bolsistas? Como que você avalia, tanto dos bolsistas quanto na sociedade?
R – Essa missão do AFS, de promover esses encontros e essas experiências pras pessoas, é algo que outras organização que fazem intercâmbio não promovem. O AFS não é só o intercâmbio e tu ir morar num lugar diferente, estudar um idioma é toda uma experiência, a gente tem toda uma preparação, orientação que fala de coisas muitos pessoais e psicológica. Então, todo teu período de intercâmbio, tu trabalha muito essas questões: "Como que tu tá se sentido?" "Como é que tá mudando a sua vida?". São muitas reflexões que fazem os intercambistas, bolsistas, crescerem muito, porque eu acho que quando a gente vive uma vida corrida, no cotidiano, tu não para nunca pra refletir. E o intercâmbio te permite essa reflexão sobre a tua vida, teus valores, a tua cultura. E pra sociedade, eu acho que o AFS, apesar de não ser um curso (risos), ele é uma instituição de educação sim, é uma instituição formadora. Eu acho que todo mundo que faz o intercâmbio, a família que recebe o intercambista e os voluntários, são pessoas mais tolerantes, mais mente aberta para as diferenças, pessoas com menos preconceitos. Eu acho que esse é o grande legado do AFS pra sociedade que é semear esses valores de tolerância com tudo: com culturas, com diferenças de gênero, de sexo, de tudo...pelo menos eu vejo que isso impactou muito pra mim. Eu era uma pessoa com preconceitos e voltei uma pessoa totalmente aberta às coisas e mais compreensiva.
P/1 – Que história você acha que o AFS terá pra contar nos próximos anos? Justamente nesse momento de intercâmbio, formação...
R – Eu acho que, pros próximos anos, eu creio que o AFS vai tentar dar mais bolsas, pra dar oportunidade pras pessoas que não têm esse dinheiro pra pagar o intercâmbio, porque a gente sabe que é um investimento. O comprometimento do AFS em crescer essa oferta de bolsas pras pessoas que não têm essas condições, é algo que tende a crescer muito com os anos. Hoje, a gente tá fazendo de tudo pra conseguir mais recursos, pra poder oferecer isso. Eu gostaria de ver o AFS fazendo isso. Eu conheço muita gente que só não fez intercâmbio, porque não tem condições financeiras. E eu até vejo por mim, que se não fosse a minha avó, eu também não teria feito. Ninguém que queira ter experiência pode ser privado disso pela questão financeira. Acho que esse deve ser o legado do AFS, de cada vez mais proporcionar bolsas.
P/1 – Você gostaria de falar alguma coisa, contar algo mais?
P/2 – Alguma outra experiência que tenha te marcado?
R – Eu acho que o intercâmbio foi a mais marcante.
P/1 – E você, Carol, gostaria de fazer alguma pergunta?
P/2 – A relação de trabalho de vocês aqui na empresa, pelo que eu vi, vocês tem um carinho entre vocês...
R – Muito, muito... A gente é uma família aqui, né? Toda pessoa que vem trabalhar aqui tem que entender que o AFS é feito de voluntários e que os voluntários contam muito conosco para auxiliar eles, nas atividades deles. O voluntários às vezes vem falar contigo de noite, no teu Facebook, tu tá em casa. No começo, eu ficava: "Não vou responder, não é meu horário de trabalho", mas "Poxa, sabe, o quê que custa também, né?" Esse carinho que a gente desenvolve aqui é muito vindo dos voluntários, pelo carinho que eles têm uns com os outros. A gente acaba incorporando isso aqui entre nós também porque a gente tem que identificar com eles para poder trabalhar juntos, da melhor forma possível. Tem que ter essas coisas similares. O AFS não é só um trabalho que tu bate o ponto e vai pra casa e não pensa mais nisso. Eu vou pra casa pensando: "Poxa, o fulano lá de não sei aonde, está precisando de ajuda" "Amanhã, não sei o quê, tenho que fazer tudo". É algo muito maior e a gente trabalha muito final de semana aqui também, que é quando os voluntários têm tempo. A gente viaja muito para encontrar com eles, nos eventos locais, acaba virando tudo uma grande família. Sempre que a gente tem a Convenção Nacional, todo mundo sai se abraçando, se beijando... Amigos de infância que tu acabou de conhecer. Isso é maravilhoso, é uma coisa que, particularmente, eu só vi no AFS (risos). Em outros lugares, nunca vi.
P/1 – A Convenção Nacional ocorre quando?
R – Ela sempre acontecia em setembro ou outubro...
P/1 – Mas, todo ano?
R – Todo ano. Esse ano, a gente fez ela em maio e a gente vai, a partir dos próximos anos, fazer em maio também. Sempre no início do ano, que dá um gás pro pessoal continuar o ano bem motivados.
P/1 – A gente está caminhando para o final da nossa entrevista, então, gostaria só de fazer duas perguntinhas: o que você achou do AFS estar registrando os seus 60 anos de história, com a participação de funcionários, intercambistas, colaboradores, parceiros....
R – Eu creio que todo esse projeto vai ser um presente que o AFS tá merecendo, de ter a sua memória registrada e perpetuada. As histórias aqui no AFS estão com as pessoas, não estão em lugares físicos, em documentos, estão com as pessoas. Eu acho que esse projeto é perfeito pro o AFS, proque é um lugar, que, sem as pessoas ele não seria nada. E essas pessoas tem histórias de vidas diferentes, percepções diferentes do AFS, viveram coisas tão diferentes com o AFS, que elas que vão realmente construir essa história e deixar o legado pros próximos anos.
P/1 – E o que você achou de dar esse depoimento?
R – Ah, eu achei maravilhoso! (risos)
P/1 – Gostou?
R – Super. Ah, eu amo o AFS. Pra mim, é maravilhoso poder participar! (choro)
P/1 – Então, a gente gostaria de agradecer em nome do Museu da Pessoa e do AFS, nosso parceiro agora. Muito obrigada pela entrevista!
R – Obrigada.
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