P/1 – Boa tarde!
R – Boa tarde.
P/1 – Eu gostaria de começar agradecendo sua presença aqui no AFS e a sua contribuição ao Projeto Memória e vou começar nossa entrevista com a sua apresentação, perguntando nome completo, data e local de nascimento.
R – Meu nome é Ana Beatriz dos Santos. Eu tenho 44 anos. Eu nasci em São José dos Campos, São Paulo, em 18 de julho de 1971.
P/1 – E qual era o nome dos seus pais?
R – Meu pai é Dorival Faustino dos Santos e minha mãe Maria Nazaré dos Santos.
P/1 – Você poderia falar um pouquinho da origem da sua família?
R – Bom, minha mãe ela se classifica como cearoca. Ela diz que é cearense criada no Rio de Janeiro, então ela é cearense carioca. A família dela migrou para São José dos Campos na década de 60, em 1964, no ano do golpe militar. E a família do meu pai é de Caçapava que é uma cidade pequena no Vale do Paraíba que é do lado de São José dos Campos e eles se conheceram em São José dos Campos no bairro que surgiu do lado do Inpe [Instituto de Pesquisas Espaciais], da Embraer [Empresa Brasileira de Aeronáutica S/A], do CTA [Centro Técnico Aeroespacial]. As duas famílias, foram as famílias pioneiras que ajudaram a criar esse bairro que surgiu ali. O grupo de famílias, a maioria delas de origem rural que comprou esses terrenos que surgiram das fazendas que foram loteadas ali naquela região e assim que eles se conheceram. Eles moravam ali naquela região, se casaram muito cedo.
P/1 – E o nome dos seus avós?
R – Meu avó paterno é Amadeu dos Santos. Minha avó paterna é a Tereza da Silva Santos. Ela morreu quando meu pai tinha 7 anos de idade. E quando eu nasci o meu avô era casado de novo com a Maria Isabel Santos. Com a Teresa Silva Santos ele teve dois filhos que é meu pai e minha tia Lúcia e com a vó Maria Isabel ele teve mais seis filhos. São os meus tios mais novos. E do lado da minha mãe, minha mãe tem 12, não, 11 irmãos. Daí é o avô Genésio e a Vó Francisca.
P/1 – E o que eles faziam?
R – Meu avô Genésio, como a maioria dos imigrantes do nordeste, ele trabalhava na construção civil, ele era carpinteiro. Minha avó era dona de casa. E o meu avô paterno era motorista de caminhão da cooperativa de laticínios da cidade.
P/1 – E você, tu lembra como era a casa que você morava? Na verdade, como foi a sua infância? Poderia falar para gente? A rua, as amizades...
R – São José dos Campos, quando eu nasci, já era uma cidade próspera, já tinha uma economia baseada na indústria, então eu tive acesso à educação pública de qualidade. Meus pais eram muito jovens, eles tiveram filho e se casaram muito jovens. Imagina, pela educação religiosa católica que eles tinham, eu acho que os namoros não podiam ser muito longos. Quando eu nasci, minha mãe tinha 20 anos meu pai, 23. E a diversão dele era jogar futebol no fim de semana, da minha mãe era passar o tempo com a família e tudo. E eu fui a sobrinha mais velha do lado da família do meu pai. Do lado da família da minha mãe não, porque ela teve irmão mais velhos. Eles tinham muitos filhos. Então a diversão sempre envolvia muita brincadeira ao ar livre, muito jogo de bola, o que mais? Fazer brinquedo assim carrinho de rolimã, pipa, papagaio, porque eu era mais ou menos, parte dos brinquedos dos meus tios que eles eram crianças, né, então eu era mais ou menos isso. Principalmente dos meus tios por parte de pai, que a casa dos meus pais era vizinhas da casa dos meus avós paternos, né. Então era isso, eu era parte dos brinquedos do lado do meu pai, não do lado da minha mãe, eles moravam um pouco mais distantes. Eu participava muito das disputas, destas coisas de fazer, de me envolver nas experiências então tinha muita essa parte da engenhosidade, e era legal que me despertou talvez assim o interesse pelo conhecimento um pouco maior do que pelas crianças ali daquela situação de morar no bairro operário e na periferia e por isso talvez acho que também na situação das meninas que viviam naquele universo de boneca, muito de seguir a mãe, de se envolver nas brincadeiras, talvez de aprender da comidinha daquela rotina muito caseira, muito... Eu me envolvia nessa brincadeira dessa coisa mais de moleques mesmo, mais dos meninos mais arteiros, das meninas mais que brincavam mais na rua mesmo, que tinham árvore em casa, era uma parte bem divertida e isso até os sete anos. Depois, nós nos mudamos para outro bairro. Nós somos em quatro meninas e meus pais tiveram todos os filhos muito, muito cedo. Nós quatro temos assim numa escadinha, então acho que tinha 26 anos já tinha quatro filhos, então. Nós nascemos todas muito perto uma da outra, uma escadinha. E aí eles compraram uma casa maior em outro bairro e nós saímos um pouco naquela realidade de morar naquele clã das duas famílias morando muito próximas e tal e a gente se descolou um pouco dessa realidade e fomos morar um pouco mais distante. E criamos o nosso, e nós eu digo é eu e minhas três irmãs, próprio círculo de amizades, né, frequentando outras escolas, e conhecendo frequentando um centro comunitário que era um clube que tinha acesso a outros esportes, e crianças com outros interesses e foi assim que a gente viveu, talvez até os meus 15, os 14/15 anos e aí essa época a minha mãe voltou a trabalhar novamente. Ela voltou para o mercado de trabalho e tal e a gente voltou a morar novamente perto dos meus avós. E essa época eu estava no Ensino Médio e aí foi quando eu comecei a ter interesse em fazer intercâmbio.
P/1 –Ah então, mas até a gente chegar já no Ensino Médio, eu queria que você falasse os primeiros momentos na escola, né, quais as primeiras lembranças, ou as lembranças mais marcantes do período escolar?
R – Eu gostava da escola em si, eu gostava de me desprender desse ambiente de familiar. Por ter uma família muito grande e ter nesse ambiente aqui todo, a minha família era muito extensa e a gente vivia muito no meio dos primos e a gente tinha uma família muito grande, de todo mundo se conhecia. Eu achava interessante isso de um encontro desconhecido, de interagir com outras crianças. Eu gostava muito da escola, do ambiente escolar e das coisas que a escola trazia de diferente para minha vida, isso eu sempre gostei. Então gostava da pré-escola, gostava da primeira série, gostava da escola, gostava de fazer tarefa. Eu sempre achei a escola muito fácil, o fato de nascer no meio do ano tinha essa complicação de estar sempre atrasada, porque no meu período, na época que eu estudei, nunca se matriculava criança mais cedo, sempre mais tarde, nas escolas, então eu sempre, sempre tive a sensação que a escola era muito fácil. Nunca que a escola era muito difícil, a escola nuca foi desafiadora para mim, nunca tive dificuldade nenhuma, nada que a escola apresentava para mim era desafiador, então.
P/1 – E quais as disciplinas que você gostava mais?
R – Eu gostava de tudo, eu gostava de tudo.
P/1 – Voltando, então quais eram as disciplinas que você gostava mais na época de escola?
R – Gostava, eu gostava de tudo, não achava muito desafiador. Mas eu gostava muito de ler e de escrever. Sempre gostei bastante de ler e escrever. Então, Língua Portuguesa, Literatura, História, Geografia eram as disciplinas que eu gostava mais.
P/2 – Você se lembra de alguma professora ou algum amigo, alguma pessoa marcante nesse período?
R – Da escola, eu tinha muitos. Acho que eu sou capaz de lembrar de quase todos. A primeira série... Eu mudei de escola basicamente três vezes, tinha sso. A gente sempre, eu me lembro e depois minhas irmãs, a gente sempre se lembra dessa professora porque ela deu aula para muitos, basicamente, ela só não deu aula praticamente para uma das minhas irmãs, ela não deu aula para minha irmã Patrícia. Para as outras, deu aula para Flávia, deu aula para Viviane, deu aula para mim. Que é a professora Luciana, porque ela era assim aquela professora formada naquele estilo antigo do colégio normal, entendeu? Então, ela tinha um jeito formal de escrever na lousa, de olhar caderno e ela já estava perto de se aposentar pelo Estado de São Paulo. E ela tinha toque, tem gente fala que ela tinha toque. Hoje a gente sabe que ela tinha toque. Ela tinha mania de limpeza assim, ela mandava os alunos levarem material de limpeza de casa para limpar as carteiras antes de sentar e limpar o chão, entendeu? Então era muito engraçado, que ela fez isso, ela fazia isso, todos os anos, todas as séries que ela ensinava. A coisa mais engraçada, que a gente falava, que os alunos brigavam para serem os ajudantes da limpeza e daí o comentário da minha mãe era sempre esse, que em casa ninguém queria ajudar a fazer nada, diz que na sala de aula todo mundo brigava para ser o ajudante de limpeza da professora, da dona Luciana. Ninguém queria ajudar a fazer nada, mas na escola todo mundo queria ajudar a limpar carteira, a varrer o chão, a catar o lixo da sala da dona Luciana, não que tivesse porque na sala dela não existia essa coisa chamada lixo, papel, sala suja, nada disso.
P/1 – E era uma escola pública?
R – Era uma escola pública, estadual.
P/1 – Você sempre estudou em colégio público?
R – Eu estudei em escola pública até o Ensino Médio, até a antiga oitava série do Ensino Fundamental. E aí, no Ensino Médio, eu fui para a escola particular.
P/2 – E você pode contar um pouquinho como foi essa transição para uma escola particular, num Ensino Médio?
R – Em São José dos Campos, é muito curioso isso, é muito interessante a hora que eu comecei a conviver com pessoas que eram de outros lugares. Enquanto a gente morava naquela cidade, morei só naquela cidade até meus 18 anos, eu não tinha noção do que era desigualdade social porque as coisas lá eram muito igualitárias, então, independentemente de você ser muito rico ou você ser classe média, ou classe média baixa, você tinha acesso a basicamente às mesmas coisas. E isso nos anos [19]0 também, você não tinha como importar um tênis, assim, escandalosamente caro, você não tinha como ter um carro que fosse absurdamente caro numa cidade que vivia basicamente da indústria, entendeu? As pessoas tinham mais ou menos a mesma coisa. A variação de renda numa cidade industrial ali, vamos dizer assim, no eixo Rio-São Paulo, ali na região industrial, vamos dizer no ABC [região de Santo André, São Bernardo e São Caetano] (SP) ou em São José dos Campos ou em Taubaté (SP) não era muito grande, a diferença entre o maior salário e o menor salário não era gritante. A gente não conhecia gente assim. Na realidade que eu vivia, a gente não conhecia ninguém que passasse fome, que não tivesse roupa vestir, entendeu? Provavelmente, essas pessoas existiam, a gente sabia que sim, mas elas não viviam ali naquela realidade, da periferia industrial e a gente também não tinha acesso a pessoas que fossem assim extremamente ricas. Também não fazia parte da nossa realidade. A gente conhecia pessoas um pouco mais ricas. A gente tinha essa realidade, então se a pessoa podia estudar num colégio particular, mas ela também mesmo que ela tivesse mais dinheiro em São José dos Campos ou em Taubaté, em Caçapava (SP), ou em Jacareí (SP), ela não teria aonde ter acesso a essas coisas, para comprar para gastar, entendeu? As pessoas eram muito parecidas e depois que eu fui morar em Brasília (DF), que é onde eu moro hoje, eu soube que na década de 70 as pessoas viviam mais ou menos naquela mesma situação, porque você não tinha também onde ir, onde ostentar, onde conseguir coisas muito diferentes, a menos que seu pai fosse sei lá um diplomata, ou o que acontecia em São José dos Campos, as pessoas eram por exemplo da aeronáutica e iam fazer uma missão no exterior e aí traziam alguma coisa do exterior muito fora da realidade. Mas para os outros, quando você é muito igual, aquela coisa muito diferente ela não cria um olhar de inveja, ela não cria um olhar de desejo no outro, porque o outro nem sabe o valor daquilo. Nesse ponto, uma infância muito equilibrada, muito feliz. Acho que, então fico imaginando assim, se você mora, sei lá, na beira do rio Araguaia, entendeu, e você não tem acesso a certas coisas que não te despertam o desejo, a cobiça, a tua vida é muito feliz, sabe? Você sabe o que é um chinelo havaianas, mas você não sabe o que é uma bolsa da Chanel, você não vai se sentir a pior das criaturas porque você não tem a bolsa da Chanel. Ah, grande coisa, e aí, não tenho a bolsa da Chanel, mas eu tomo banho no Rio todo dia, olha aqui que maravilha, olha o sol que eu vejo nascendo. Nesse ponto, eu acho que a infância era um pouco mais preservada de algumas coisas. Você não tinha tantas angústias então era bem interessante. E também não se via, em São José dos Campos, pelo menos, a gente não via carro importado, sabe, aquelas coisas, as pessoas não tinham BMW, não tinha Mercedes Benz, não tinha nada disso. Quando eu fui fazer faculdade no interior de São Paulo mesmo, bem no interiorzão, onde tem aquelas pessoas que vivem do dinheiro de pecuarista, filhos de donos de fazenda, aquele povo que exporta, filho de usineiro, aí sim, aí eu vi o que era desigualdade um pouco mais de perto, né. Então, aquilo deu um choque. Mas até então, não. Não tinha essa ambição toda. E é ali mesmo, assim a escola que meu pai podia pagar, como metalúrgico, era a escola que o filho do prefeito podia pagar, porque é a única que tinha, entendeu, tinha um Anglo, um Objetivo e o colégio das freiras, então, era isso que tinha. Os dramas existenciais eram outros.
P/1 – E o AFS ele surge no Ensino Médio?
R – No Ensino Médio.
P/1 – Como foi ter conhecimento sobre o AFS, como foi esse?
R – O AFS surgiu porque um colega de escola que fazia curso de idiomas em algumas coisas, é isso que eu estou dizendo: a diferença, acho que talvez a diferença de ter mais irmãos e menos dinheiro era nessas coisas, por exemplo, eu não podia fazer um curso de inglês porque minhas três irmãs não podiam fazer também, já tinha que medir essas coisas. Podia fazer coisas que as três, todas as quatro poderiam fazer. Então, eu não podia fazer o FISK, né, mas meu amigo, que estudava comigo, podia fazer o FISK. Meu amigo fazia curso de inglês no FISK e. na nossa escola tinha um intercambista. Ele falava inglês, ele podia conversar com o intercambista e eu não né. E eu achava muito legal ele conversar intercambista, porque eu também gostava de música estrangeira e eu tinha interesse em conhecer literatura porque eu gostava de ler e eu tinha interesse natural por leitura, era uma coisa... Música, cinema, era uma tendência natural e tudo. E eu acabava me aproximando das pessoas que tinham esses interesses parecidos e tudo mais e esse intercambista que foi estudar na nossa escola acabou despertando interesse, eu fiquei sabendo que ele tinha vindo para o programa de intercâmbio, era uma coisa que a gente sabia que existia, mas não tinha muito acesso, e tal. E a partir do Ensino Médio a gente ficou sabendo que existia. E foi assim que a gente ficou sabendo do AFS e uma amiga duma amiga de uma amiga falou que tinha feito a prova e foi assim que a gente conheceu o AFS.
P/1 – E como que foi o primeiro contato com o AFS?
R – Foi através dessa amiga que tinha falado que tinha feito a prova e o processo, falou que o processo seletivo era dificílimo e aí o que nos encantou foi que o processo seletivo era dificílimo (risos).
P/1 – Foi um desafio?
R – Exatamente, foi a ideia do desafio, né.
P/1 – E procurou, tinha um Comitê já em São José?
R – Existia um comitê que atendia São José dos Campos, Jacareí, Caçapava, aquela região ali do Vale do Paraíba.
P/1 – E como foi? Participou do processo seletivo, no ano seguinte estava viajando?
R – Isso, existia um processo seletivo, na época era assim: existia uma prova de conhecimento gerais, você tinha que fazer uma prova de conhecimento gerais, escrever uma autobiografia. Na época, eram três bolsas pra mais ou menos 300 candidatos. A concorrência era mais ou menos, eu acho que era, nesse ano que eu viajei era 100 candidatos para cada bolsa. E era uma coisa que na época a gente ficava mais ou menos atento a isso, por conta do vestibular, a relação candidato-vaga e tudo mais. Eu me lembro até do que minha mãe disse na época: “E se você passar?” Eu falei: “Mãe, são cem candidatos para uma vaga, qual é a chance de eu passar? Mas se eu passar, eu vou! Mas a chance é 100 para um, é muito pequena, é muito remota a chance que eu passe nesse processo seletivo”. E eu passei (risos).
P/1 – E a prova era em inglês ou em português?
R – A prova era em português, era uma prova de conhecimentos gerais. E a minha amiga que tinha prestado a prova antes de mim ela não tinha sido aprovada. E aí ela havia entrado para o comitê para ser voluntária. Até isso, o fato de ela não ter passado despertou o interesse dela em saber como era feito o processo seletivo.
P/2 – E o que você acha que fez você ser escolhida?
R – Eu acho que eles queriam um candidato que fosse proativo, que fosse uma pessoa que se comunicasse bem, que tivesse interesse em ser curioso mesmo em levar o Brasil, coisas do Brasil para o exterior e fosse capaz de aprender e trazer de volta. Fosse capaz de levar conhecimento e trazer conhecimento. Eu acho que era isso que eles estavam buscando. Depois, quando eu me tornei voluntária, eu vi que era que realmente, os jovens que eles buscam é um jovem que é capaz de trocar conhecimento, trocar experiências. E um jovem que sabe aprender a aprender. Aprender a aprender. É um jovem que consegue passar por situações que querendo ou não ele vai ser colocado numa situação de crise porque você sai daquele seu universo de conforto, você, provavelmente, vai sair da sua zona de conforto pela primeira vez na sua vida. Vai ser colocado numa situação de estresse muito grande. E dali você vai tirar uma lição que vai te acompanhar para a vida toda. E você tem que ter provavelmente uma maturidade grande suficiente para entender que aquilo vai ser positivo para sua vida, e talvez, tem gente que é incapaz de aprender essa lição. E não é errado, tem gente que vive a vida inteira e não aprende. Isso não torna essa pessoa pior do que aquela que tem a capacidade de tirar proveito de uma experiência intercultural.
P/1 – E quando que você foi e para qual destino?
R – Em 1989, fiz intercâmbio para os Estados Unidos, eu fui morar numa vila de cinco mil habitantes no interior do estado de Nova Iorque. Quando falaram :”Ah, você vai para o Estado de Nova Iorque”, as pessoas já imaginaram: “Ah, ela vai morar na Big Apple”. Não, eu fui morar praticamente há duas horas, duas horas? É três horas da divisa com o Canadá, no meio do Estado de Nova Iorque, e numa comunidade de cinco mil habitantes e na zona rural. Eu fui morar na zona rural. Eu não tinha irmãos da minha idade. Meus dois irmãos hospedeiros estavam na universidade e os meus pais hospedeiros trabalhavam o dia todo, então eu fiquei praticamente filha única, morando numa zona rural. Não tinha ônibus, não tinha meios de locomoção, tinha três gatos, um cachorro hottweiller, no meio de uma plantação de maça, e era isso.
P/1 – E você foi por qual programa?
R – Eu fui pelo programa anual. Eu fiquei 11 meses.
P/1 – E estudou lá nos Estados Unidos?
R – Eu fiz, eu fiz high school. Fiz o senior year lá, com os alunos do último ano do Ensino Médio apesar de eu não estar no Ensino Médio. Eu quando saí do Brasil, eu fazia o colégio técnico. Eu estava numa escola técnica, então eu abri mão da escola técnica, não pude aproveitar os créditos. Foi como se eu tivesse repetido de ano. Então, eu voltei, tive que voltar.
P/1 – E terminar?
R – Terminar do ponto que eu parei.
P/1 – Como que foi assim a experiência? O significado dessa experiência de ir para outro país e de conviver com as outras pessoas, como você foi por exemplo recebida na escola, que era uma escola pública também, não é isso?
R – Sim, sim era uma escola pública.
P/1 – E houve algum momento de crise, passou por esse momento de crise?
R – Foi, aconteceu uma coisa, eu viajei no ano do plano Collor. Eu viajei no ano do plano Collor, meus pais estavam construindo uma casa, uma casa melhor, maior para a família. E o dólar que estava um por um simplesmente disparou. Então, assim, a previsão de dinheiro que havia para que eu levasse numa família que não era rica era uma e elas praticamente se desfez. Então houve isso, uma quebra de previsão financeira, então basicamente eu não tinha dinheiro para levar para gastar, fazer um gasto sei lá, qualquer coisa que fosse além. A gente teve que repensar, a família teve que repensar tudo isso. Chegando lá, a cidade que eu fui morar era uma cidade rural, mas dentro da região Syracuse, que é a cidade grande que é onde eu vivia, né. A minha cidade tinha cinco mil habitantes, a Syracuse tinha duzentos mil, era uma cidade universitária, eu estava mais ou menos sei lá, há dez, quinze quilômetros de Syracuse. Syracuse era pequena né, Cazenovia que era um lugar que eu morei era uma região de lago, era um destino turístico, razoavelmente chique para os moradores de Nova Iorque, da região Urbana de New York City. E as pessoas que moravam ali, eles se achavam um pouco mais “classudos” que o resto dos fazendeiros da região, tinha isso. A escola pública se achava acima da média nacional porque a maioria dos alunos entrava na universidade. Então, os alunos se achavam grande coisa. Eles se achavam muito grande coisa, eles eram extremamente esnobes (risos). E na cidade não tinha preto. Não morava nenhuma família negra na cidade, morava uma família negra na cidade. E essa família negra era de imigrantes jamaicanos que já tinham morado em Londres, então eles eram basicamente ingleses, eles não eram negros americanos que moravam ali na região. E só uma filha deles estudavam ali, porque a outra filha estudava numa escola católica particular, que era um pouco mais próxima da cidade grande. Tinha isso, (risos) então assim, eles se achavam. Eles se achavam assim uma coisa maravilhosa. Eles se achavam a última Coca-Cola do deserto, na zona rural americana! Era uma coisa, era uma coisa engraçadíssima, olhando para trás a gente olha e ri muito, assim. Eu olho, eles eram meio cômicos. Minha mãe hospedeira era graça de pessoa. Ela era de uma família que tem essa característica muito interessante, essa região do Estado de Nova Iorque que eu morei, que apesar de eles todos serem filhos de imigrantes, eles têm uma situação de aculturação engraçadíssima, eles ainda colocam bandeira do país do qual a sua família imigrou para os EUA há 150 anos, há 200 anos na porta de casa. Então tem as famílias dos italianos, tem as famílias dos irlandeses, tem as famílias dos gregos, entendeu? Então eles têm a bandeira dos gregos nas portas, eles ainda mantêm os traços, o costume das famílias de origem, dos seus antepassados, é bem curioso isso.
P/1 – Mas isso traduz, assim, num cosmopolitismo ou era uma cidade eminentemente provinciana?
R – Eles se achavam mais cosmopolitas do que as cidadezinhas vizinhas. Mas, para nós que fomos criados no sudeste do Brasil é muito engraçado, porque eles olhavam para a gente como se nós fossemos os coitadinhos do terceiro mundo. E eu que vim de uma família muito mestiça, por exemplo, a madrasta do meu pai ela é negra, a vovó Maria. A mãe do meu pai não, ela era branca. Então é muito engraçado, porque meu pai, a madrasta do meu pai é negra, então ele tem muitos hábitos, a gente tem muitos hábitos de uma família que tem uma mãe negra e um pai branco, né? Do lado do meu pai. Apesar da vovó Maria fazer diferença entre os netos brancos e os netos mulatos porque ela não considera por exemplo, mas a gente está pouco se lixando. E na família da minha mãe, o meu avô, o pai da minha mãe é mulato, e assim, existe uma característica muito forte entre os nordestinos. Existe muito nordestino que tem preconceito contra os negros e, o meu avô materno, apesar de ele ser mulato, ele não gostava de negros também. Então é muito engraçado isso, então assim era uma família muito miscigenada e para a gente nunca foi um problema muito grande nem nada, tudo isso de conviver com um monte de tradições diferentes, a gente tem vários costumes de vários lugares do Brasil. A região Sudeste é a miscelânea é devido a migração e tudo mais né. Então assim era muito engraçado eles olharem para a gente, para mim principalmente lá como a coitadinha do terceiro mundo entendeu? (Risos) Nada como a coitadinha, a terceiro mundista, né? Tadinha... E, às vezes, eu mostrava as fotos da minha família, e cada um de uma cor então assim primo com traços mais negros, com cabelo mais cacheado e ao mesmo tempo assim do lado de um primo mais loiro, um primo de olho azul, as minhas irmãs tem traços quase de japoneses assim, a mistura é tão grande que meus primos, os filhos da irmã do meu pai, eles se parecem realmente com japoneses, são confundidos com japoneses mesmo. Como a gente não tem muito acesso a essas histórias de antepassados, a gente realmente não conhece as origens. Tanto que muitas vezes meu pai passa em São José dos Campos e Mogi das Cruzes (SP) como mestiço, mas como mestiço japonês, então é muito engraçado (risos). Então a gente deixa passar batido: “Seu pai é japonês?” “É, japonês, beleza, beleza”. E é engraçadíssimo porque eles olhavam aquilo então assim: “Nossa, terceiro mundista, estes são os negros do terceiro mundo. Oh, coitadinhos”. Eu não sei, acho que eles tinham aquela noção que a gente era muito atrasada, que o Brasil era um lugar muito pobre e o fato da minha mãe ser de origem irlandesa e ela era muito católica e tudo mais, então eu acho que ela tomava a América do Sul como um todo. Então assim, às vezes, chegava um missionário peruano na igreja, um missionário equatoriano na igreja, ela tomava o Equador, a Bolívia, o Peru, como São Paulo (risos). A princípio aquilo me incomodava. Depois, passou a não incomodar mais. Então assim, aí tinha por exemplo o filho da presidente do comitê do AFS tinha feito intercâmbio do Chile, aí ele começava a tomar, depois que eu vi que ele estava tomando a tradução de “barrio”, que “barrio” em espanhol é quase tradução de favela, né. E demorou, demorou para eu pegar aquilo. Por quê? Porque naquele ponto, nós também não nos reconhecíamos como América do Sul. Isso em 1987, 1988, quando eu estava fazendo Ensino Médio, a gente achava que português e espanhol era parecidíssimo e a gente não tinha aquela preocupação de estudar o espanhol como os adolescentes, como existe hoje essa preocupação de ensinar o espanhol na escola com um pouco mais de cuidado. A gente achava que portunhol estava bom. Então quando ele falava barrio, eu falava é bairro, entendeu. Então, assim, eu ajudei a estigmatizar certas coisas, porque eu não me preocupava muito. Porque não tinha esse, até esse desinteresse do adolescente mesmo, pela ignorância do adolescente e aí que eu me toquei, demorou muito, demorou vários anos depois que eu acabei o intercâmbio para ver isso. Porque aqui a gente tem olhar de dominador, mas lá eu era dominado. E o que me ajudou a quebrar um pouco esse olhar: a hora que eu virei voluntário, porque eu tinha que ensinar os meninos aqui que a gente tem que olhar, que a gente tem que ter respeito pelo olhar do diferente, né. E ei falei gente, olha o tanto de besteira que eu fiz enquanto eu era intercambista, né.
P/1 – E assim a língua, você disse que não aprendeu a língua em virtude de, enfim, por causa de que se uma irmã fizesse todas teriam que fazer...
R – E sim, por causa de grana, por causa de dinheiro, questões financeiras.
P/1 – Isso, e aí foi uma resistência, por exemplo, ao ir para os Estados Unidos e ficar numa família de origem irlandesa, não é isso?
R – Sim, sim.
P/1 – Teve algum problema, foi difícil ainda a adaptação lá por conta da língua ou não foi? Como que era a comunicação?
R – Não, eu acredito, eu acredito que eu aprendi em três meses, eu estava falando inglês. Foi um dia eu acordei eu estava falando inglês e é assim. Ou aquele inglês que a gente aprende na escola realmente funciona, em três meses, eu estava falando e em seis meses eu estava falando perfeitamente. Assim, um dia eu acordei e eu voltei para a escola no feriado de natal e os meus colegas de escola falaram: “Você está falando bem!”, eu falei: “Estou”, ela: “O que aconteceu?”, eu falei: “Não sei, eu acordei e estava falando inglês”. Foi assim, e eu escrevia muito bem, porque eu gostava de escrever, eu tenho a memória visual muito boa e eu gostava mesmo, eu escrevia bem. E o problema era falar, então veio. Aquilo, você ouve, você é obrigada a falar, você é obrigada a pegar a língua, porque você fala, você escuta, você vê televisão, você lê jornal, você ouve as piadas, você ouve as músicas então, veio instantaneamente, estava ali.
P/1 – Foi por osmose?
R – É por osmose, exatamente. Então, apareceu, não teve tanto problema.
P/1 – E o retorno ao Brasil, como que foi? Quando você chega ao Brasil, você já percebe alguma mudança em você ou você percebe as mudanças só muito tempo depois?
R – Eu ganhei muito peso, engordei muito, comi muito (risos), eu comia muito. Não tinha muito o que fazer, no frio e tudo, então ganhei bastante peso. Eu estava mais calada. Eu acho que passei muito tempo, tendo só o meu pai hospedeiro e minha mãe hospedeiro para conversar, só parte do dia, então eu tinha pouca gente para conversar e na escola tinha os outros intercambistas, tinha colegas de escola, tudo. Tinha menos gente para falar do que eu tenho na casa dos meus pais que são minhas irmãs, minhas primas. Eu acho que o barulho me incomodou. O entra e sai que a casa cheia de gente, de adolescente, de barulho, aquilo me incomodou mais. Eu acho que a cidade grande me incomodou mais. Morei numa zona rural então eu acho que a cidade grande princípio me incomodou. E o que mais? Eu acho que o hábito, que é um hábito bem brasileiro, das pessoas se tocarem tanto, aquela coisa de empurrar as pessoas na feira, ou já de vim tocando, abraçando, beijando, isso eu não imaginei que ia me chocar tanto na volta e me chocou. Porque foi uma coisa que nos Estados Unidos talvez nem seja tão grave quanto é na Europa, por exemplo, mas que foi talvez isso uma coisa que me surpreendeu. Talvez tenha sido a surpresa maior, que era uma coisa que me chamava atenção, assim. Por eu fazer cursos de teatro, fazer um, ter uma preocupação com linguagem corporal, por causa de dança, por causa de curso de teatro, por causa de cantar, na volta, essa percepção pegou mais forte, né. De saber usar o espaço ao redor das pessoas. Isso aí pegou mais forte, e isso foi falado na orientação do AFS antes de viajar e passou assim, entrou no meu ouvido e saiu e pegou demais. Essa foi uma das coisas que mais me surpreendeu. de você se incomodar com o toque das pessoas, com o fato das pessoas te tocarem muito, de te abordarem fisicamente e você se incomodar com isso. Isso foi chocante, foi chocante. E saber que não é assim no mundo todo, isso foi talvez o que mais me incomodou.
P/1 – E aí, como que foi continuar, né, voltar para concluir o terceiro ano, como que segue a sua trajetória?
R – -É, quando eu voltei do intercâmbio...
P/1 – Então [voltando], como que segue a sua trajetória, voltar do intercâmbio né?
R – Ah, eu voltei do intercâmbio em 1990. Aí foi uma correria porque aí sim, aí, pelo menos, eu voltei focada, eu sabia que, pelo menos, depois do intercâmbio, uma coisa que me chamou muita atenção nos Estados Unidos foi que as pessoas pagavam muito caro para frequentar uma universidade. Aí eu me toquei, eu falei: “Olha se eu realmente quiser fazer uma Universidade, eu posso fazer uma universidade pública no Brasil, realmente sem pagar nada e eu só tenho que estudar”. E aí eu voltei focada quanto a isso, então eu realmente estudei, passei no vestibular da UNESP, da Universidade Estadual Paulista, e fui fazer Jornalismo. Na realidade, no primeiro vestibular eu passei foi Letras e minha equivalência de estudos não ficou pronta a tempo, que é um documento que você tem que fazer quando você termina o Ensino Médio no exterior. É uma burocracia porque a Secretaria de Educação de São Paulo estava em greve, teve uma greve monstro em São Paulo nesse ano da Secretaria de Educação, aliás, todas as escolas estaduais nesse ano tiveram uma greve enorme. Quem fazia esse documento era a Delegacia de Ensino. Então não tinha quem fizesse, enfim, aí eu acabei tendo que refazer o terceiro ano novamente, mas foi bom. Eu não acho que foi um período ruim. Foi bom porque eu trabalhei como professora de inglês nesse ano seguinte, e decidi que eu não ia fazer Letras na faculdade (risos). Eu fiz, eu prestei vestibular para Jornalismo na Unesp e foi ótimo, porque aí sim eu entrei na faculdade com 20 anos e entrei extremamente focada. O dia que eu sentei na cadeira para assistir a primeira aula na Faculdade de Jornalismo eu sabia exatamente que eu não queria passar nenhum dia lá dentro a mais que o necessário, queria sair de lá (risos). Falei eu não vou ficar aqui nem um minuto além do necessário. Falei eu vou ficar aqui exatamente o tempo necessário para pegar o meu diploma e ir fazer outra coisa da vida, então foi muito interessante. E nesse momento eu reencontrei pessoas, conheci pessoas que tinha feito intercâmbio pelo AFS lá dentro da Unesp, tive a chance de fazer trabalho voluntário lá em Bauru (SP). Bauru não tinha comitê AFS e eles tinham interesse em fazer uma representação. E aí em Jaú (SP), tinha um comitê, eu acabei trabalhando com uma voluntária de Jaú chamada Evelina, que era uma senhora que era dona de uma escola de inglês lá. A gente selecionou um menino da guarda mirim, que ele era um aluno excelente. Ele foi bolsista de um programa, de uma bolsa integral, que inclusive a empresa com a qual ele trabalhava como guarda mirim, ajudou a bancar parte da viagem dele, foi bem emocionante, fiz grandes amigos lá em Bauru por conta do AFS essa época. Meu namorado nessa época ajudou o AFS, meus amigos de república ajudaram o AFS, a gente participou de coisas assim bem legais por contado AFS dessa época, em 1993, 1994.
P/1 – Se foi a partir desse comitê de Jaú que você entrou no voluntariado ou se você teve alguma experiência anterior?
R – Não, quando eu voltei do intercâmbio, meus amigos ainda estavam trabalhando como voluntários, aqueles que viraram voluntários antes de eu viajar. Então, naquela época, quando eu voltei do intercâmbio em 1990, o AFS ainda não tinha uma coisa que existe hoje, que é uma orientação de retorno para os estudantes que voltaram do intercâmbio, que é para mais ou menos te situar na volta entendeu? Fazer como se fosse um “chill out”, assim você chegou do intercâmbio mas vamos voltar a sua vida normal, né? Vamos fazer uma desaceleração, vamos te situar para você voltar à vida normal, que a gente chama de orientação pós-chegada. Hoje a gente tem isso, em 90 não existia. Quem dava isso era mais ou menos a família. Para os estudantes que chegavam, que o AFS recomendava: vai fazer um trabalho no Comitê, vai ajudar, porque isso daí vai te ajudar a refletir sobre a experiência que você teve. Foi isso que eu fiz, então eu ajudei o comitê de São José dos Campos, durante 90 e 91 que foi o tempo que eu estudei para entrar na universidade, então ao mesmo tempo que eu estava ralando, estudando para entrar na universidade, eu também estava ajudando o AFS de São José dos Campos.
P/2 – E durante a universidade, você participou?
R – Aí durante a universidade foi a hora que o pessoal de Jaú me telefonou. Eles sabiam que eu estava me mudando para a cidade, porque o AFS avisa, os voluntários avisam um ao outro, existe uma corrente falando: “Olha, está mudando, fulana vai mudar para sua cidade, dá uma ligada para ela”. Aí uma antiga participante me telefonou, a gente foi tomar um café e tal porque já havia existido um Comitê em Bauru na década de 70 e aí essa participante que na época era professora da Unesp, e a gente tomou um café e tudo, aí ela falou que estava interessada e a gente começou a fazer uns trabalhos juntos, não lembro o nome dela. Não lembro o nome dela.
P/1 – E nessa época era uma representação...
R – Era basicamente uma representação.
P/1 – De Jaú?
R – De Bauru, era uma extensão de Jaú.
P/1 – De Bauru, o comitê já tinha surgido, desaparecido e estava ressurgindo.
R - Isso isso, e com o apoio de Jaú.
P/1 – Mas como que era essa fase da universidade? Tipo você no primeiro dia falou assim só vou ficar o tempo necessário mas desenvolvendo esse trabalho, dando aula também?
R – -Dando aula de inglês...
P/1 – De inglês, e as amizades com gente do AFS também na universidade, como que foi esse período, assim, em termos de amizade, de conhecimento?
R – Ah, Bauru foi ótimo, Bauru mostrou uma realidade muito diferente. Tão perto de casa... Bauru está a 300 km de São José dos Campos. Está dentro do mesmo Estado, era ia realidade completamente diferente, né. Eu comentava nas reuniões do AFS com os pais que queriam mandar os estudantes para o intercâmbio, eu falava que quando eu era intercambista do AFS, eu me sentia mais segura. Há dez sei lá, milhares de quilômetros de casa, né, eu tinha muito mais suporte do que estando há trezentos quilômetros da casa dos meus pais, porque era uma vida completamente diferente, porque a vida de estudante universitário que mora numa república é completamente diferente da vida de um estudante de intercâmbio que está morando com uma família hospedeira que trata ele como filho, né? Não tem nem comparação. Então assim, a gente, a busca a independência, da vida, de você construir uma vida sozinho e ao mesmo tempo está ali para correr atrás do seu diploma, construir sua vida profissional, é muito diferente da vida de um estudante intercambista que está para aprender um novo idioma, conhecer uma nova cultura mas vai voltar para a vida que ele tinha antes. Então são etapas muito diferentes da vida. Eu falava isso para os pais: “Olha, é completamente diferente, intercâmbio é uma coisa e seu filho fazer universidade fora de casa, numa outra cidade do Brasil são duas coisas completamente diferentes, né?”.
P/1 – Mesmo com uma idade mais avançada, né?
R – Mesmo com uma idade mais avançada se você comparar que está com seis anos de diferença, um com 16 e o outro com 20 ou 18, enfim, e era muito interessante fazer isso, porque às vezes eu me sentia meio desamparada, né? Era muito engraçado, mas eu não arredava o pé. A experiência do intercâmbio para mim foi essencial para lidar com diversos tipos de conflito que a gente tinha dentro de uma república, ou para negociar uma nota, uma nota com o professor ou para decidir certos rumos que a gente precisava dar na vida acadêmica.
P/1 – E a internet? Porque nos anos 1990...
R – Não existia, não existia a internet.
P/1 – Tão popularizada como era hoje. A comunicação se fazia só via telefone e cartas.
R – Via telefone e via cartas. Todo o contato que era feito com o escritório do AFS e outros voluntários era via telefone e via cartinha, não tinha outro meio de contato. A menos que você fosse fisicamente na casa das pessoas. Então, a troca de mensagem era essa, então quando você tinha que dar um recado, marcar alguma coisa, você já tinha uma lista de voluntários que você tinha que telefonar, então você falava assim, fulano, eu sou o primeiro da lista, você vai ligar pra o número dois, então o número dois já sabia quem era o número três, e era assim que a gente fechava as reuniões, fechavam os encontros e tinha os dead lines, a gente sabia quais as datas do mês a gente podia fazer quais e qua=ais coisas entendeu. Era muito diferente do que é hoje.
P/1 – E você se forma quando?
R – Eu me formei em 1995. E aí em 1995 saí.
P/1 – Em 1995.
R – Saí da Unesp e saí de Bauru.
P/1 – E vai para?
R – E voltei para São José dos Campos.
P/1 – E voltou para o comitê também, do AFS?
R – Não, eu não voltei para o comitê, eu deixei todas as coisas do AFS para trás. Eu engravidei no último ano de faculdade. Eu engravidei no último ano de faculdade, saí de Bauru com dois diplomas. A Maria Clara e o diploma de Jornalismo (risos). Aí voltei para São José dos Campos, fui ter o bebê perto dos meus pais, na casa dos meus pais, e o Márcio, o meu marido, foi para São José dos Campos também. A Globo contratou ele, no mês seguinte, ele já tinha uma proposta de trabalho na Rede Globo. E ali a gente ficou, a gente ficou em São José dos Campos, e aquela batalha de começar a vida com o bebê pequeno, e tal. A gente tinha que estabilizar um pouco a vida para voltar a fazer trabalho voluntário.
P/1 – E aí você começou a trabalhar depois?
R – Sim. A Clarinha com um mês, eu já fui para a rádio, eu não tive licença maternidade. Eu voltei, eu já entrei na rádio no que tinha condições de deslanchar, de iniciar na carreira, porque eu não tinha tempo, não tinha condições de esperar passar um tempo, porque senão eu ia continuar dando aula de inglês o resto da minha vida e eu nunca ia trabalhar como jornalista, provavelmente seria isso que ia acontecer. E aí eu comecei a trabalhar numa rádio, meio período, cinco horas de trabalho, e cuidar dela e tal. Depois, eu continuei pegando aula de inglês para poder comprar a fralda e tudo mais, porque a rádio pagava muito pouco e tudo. Depois, o Márcio foi fazer a pós-graduação, eu fui fazer a pós-graduação. E em 1998, eu passei num concurso para a prefeitura de Campinas, para jornalista, assessora de imprensa.
P/2 – E continuou morando em São José dos Campos?
R – Não, nessa ocasião a Rede Globo mandou ele pra Bragança Paulista que é uma cidade próxima à Campinas também. E aí a gente se mudou pra Bragança Paulista que é há uns 50 km de Campinas.
P/2 – E nesse período você também trabalhava dando aula de inglês ou trabalhava com jornalismo?
R – Trabalhava só como jornalista, que era período integral na prefeitura de Campinas. Aí eu fiquei um período lá, e depois eu fui fazer uma assessoria de imprensa para uma Universidade em Bragança Paulista, dessa Universidade aí que eu comecei a fazer o Mestrado, em Multimeios, na Unicamp [Universidade Estadual de Campinas], e de lá eu me mudei de curso, fui fazer mestrado em jornalismo científico, e nós voltamos a morar em São José dos Campos novamente. A Rede Globo levou ele de volta para São José dos Campos, e eu abri um pouco mão da minha carreira em função da carreira do marido.
P/2 – E você teve algum envolvimento com a AFS nesse período?
R – Não, não, encontrava com meus colegas. Nessa época, o comitê de São José dos Campos... Ah não! Nesse período de 1998, o que aconteceu? Eu voltei para São José dos Campos, eu estava fazendo mestrado e eu peguei algumas aulas de inglês numa escola que abria espaço para que o comitê de São José dos Campos fizesse algumas atividades, então eu me inteirava do que estava acontecendo no AFS, mas as pessoas do Comitê não me chamavam para participar das coisas, mas eu sempre me oferecia e tudo, porém não me chamavam, e eu também como eu tinha pouco tempo, por conta de ter filho pequeno, não dava muito do meu tempo. Porque dependendo dos comitês também eles querem que o voluntário se dedique horas e horas e horas. Depois eu fui ver que não precisa ser realmente assim. E aí, quando a Maria Clara fez 14 anos, mais ou menos, 13, 14 anos, aí eu já morava em Brasília, eu fiz contato com o comitê de Brasília porque eu queria que ela fizesse intercâmbio, né? Chegou a época dela viajar e eu retomei o contato com o Comitê de Brasília porque eu queria ajudar o Comitê, eu já tinha mais tempo livrem eu já era concursada do Senado, meu horário de trabalho não era tão pesado, eu tinha tempo livre, essa época eu já estava divorciada do Márcio.
P/1 – E você vai para Brasília porquê?
R – Porque eu passei no concurso para o Senado, isso.
P/2 – Para Jornalismo?
R – Para Jornalismo, isso. Eu trabalho na rádio do Senado. Eu fui em 2005 pra Brasília.
P/2 – Aí você retomou o contato com o AFS através do Comitê de Brasília.
R – Através do comitê de Brasília, para que minha filha fizesse intercâmbio.
P/2 – E ela chegou a fazer o intercâmbio?
R – Sim, sim, ela fez o intercâmbio em 2012.
P/1 – E foi para onde que ela foi?
R – A minha filha foi para o Canadá.
P/1 – Qual, é Maria Clara né?
R – Maria Clara, isso.
P/2 – E, é, nesse período você se envolveu com o Comitê de Brasília?
R – Sim, sim. Em 2011 quando ela começou a fazer a preparação, geralmente os estudantes fazem a preparação um ano antes da viagem. Aí eu comecei a participar dos encontros e me envolver novamente. Me ofereci para participar dos eventos, a ajudar a levar os estudantes que iam participar dos acampamentos, das orientações, ofereci minha casa para fazer alguns eventos. Depois que eu fiquei sabendo que os voluntários mais jovens eles falavam assim: “Ah, põe aquela mãe para procurar vaga em escola”, que existia um certo preconceito pelo fato de eu ser mãe, dona de casa, ser mais velha. E a gente vê que é uma besteira e aí no fim, acho que a primeira atribuição que eles realmente me deram foi procurar vaga em escola, e eu consegui vaga para todos os alunos, todos os estudantes que eles precisavam. E uma das voluntárias falou: “Como que ela consegue?”, e eu falei: “Olha. eu devo ter alguma coisa que vocês não têm!” (risos). E é exatamente isso, é questão de passar credibilidade também, lógico né, aí a gente vê a forma como os adolescentes vão nas escolas pedir vaga. E pra eles é uma afirmação de repente usar um piercing, uma saia curta, uma blusa rasgada, agora para Madre Superior de Colégio Salesiano, de repente não é uma boa ideia, ela não vai acreditar num programa de intercâmbio que chega lá, de repente, a coordenadora de educação de uma ONG que chega lá falando que é uma coisa séria, e vai.
P/1 – E como que está estruturado o comitê de Brasília, né, nesse momento?
R – Que eu comecei a participar?
P/1 – Isso, quando você chegou assim?
R – Ah quando eu cheguei eles tinham, eles tinham um presidente que era o Ivan Kimura e tinha um mais uns seis voluntários ativos, O Ivan estava acabando, já tinha acabado a Faculdade de Biologia e os outros voluntários eram todos os acadêmicos da UNB [Universidade Nacional de Brasília], todos os estudantes. E tinha a Cida Cunha, mãe da Clara, que fez intercâmbio na década de 70. E aí eu perguntei e aí Cida, você não participa, e ela: “Ah não, eu estou cansada, mas eu deixo os meninos participando, ofereço a casa, vou fazer uma compra quando eles fazem churrasco e tal, essas coisas”. Tinha um casal, o Fábio e a Rogéria que já tinha sido família hospedeira. O Fábio trabalha na TV Senado, então era mais ou menos meu colega também, trabalha com tevê digital e tudo, então a gente tinha uma conversa mais ou menos parecida, então a gente acabou fazendo um grupinho, assim, mais ou menos com assuntos parecidos e a gente acabou ficando no Comitê.
P/1 – E ele abarca assim outras regiões, o de Brasília?
R – O Comitê Brasília ele cobre, basicamente, o DF todo, então o DF Brasília, né, a cidade satélite de Brasília e o entorno de Brasília. Então, se um estudante de Unaí, que é Minas Gerais, ou um estudante de Formosa, que é Goiás, ou um estudante de Santo Antônio Descoberto, que também é Goiás, procura o AFS ele é direcionado para o comitê Brasília. Agora se você olhar no mapa, depois de Brasília, indo na direção norte – não sei – mas existe uma direção no mapa onde você não tem mais nenhum outro comitê do AFS, então o único Comitê que aparece é o comitê Brasília.
P/2 – E você acha que, por ele, teria influência em toda Brasília, DF, e essas cidades vizinhas, ele tem alguma particularidade que você tenha passado...
R – Oeste, da Bahia também.
P/1 - Oeste da Bahia?
R – Sim, existe uma cidade chamada Luís Eduardo Magalhães que já é Oeste da Bahia. A área de influência... O grande centro dessa cidade, Luís Eduardo Magalhães, é Brasília e não é Salvador e não é Feira de Santana. Existe uma região no Piauí que é grande produtora de soja, que é o grande centro de influência é Brasília e não é Teresina.
P/1 – Então o Comitê do Oeste da Bahia?
R – Exatamente, tem uma região do Oeste da Bahia, uma região no sul do Piauí, Maranhão não tem comitê do AFS. O comitê mais ao norte que tem é Palmas, no Tocantins. A região norte inteira, fora Palmas, não tem mais comitê do AFS. Então, todas as pessoas, geralmente um pai, uma mãe, um estudante, uma escola liga procurando o comitê do AFS, e eles pensam em uma capital, a primeira capital que eles lembram, eles não lembram de Palmas, eles lembram de Brasília, então todas essas pessoas procuram o Comitê Brasília, para pedir informação, para se candidatar a uma bolsa, para se candidatar a fazer um intercâmbio qualquer, ou mesmo para receber um estudante eles recorrem todos para o comitê Brasília.
P/1 - E nisso a internet ajudou muito né
R – Muito, muito a comunicação, porque perdendo.
P/1 – Perdendo o Comitê, se perderia a possibilidade quase que desse contato e das orientações do AFS.
R – Sim. Agora, o que a gente vê ali, tanto em Brasília quanto na nossa região, a região Centro-Oeste. A região Centro-Oeste, ela não é estruturada como a região Sul, a região Sudeste. Os Estados são enormes, enormes, enormes, enormes. O Estado de Goiás, ele é imenso, o Estado de Mato Grosso, é gigantesco e aí o que acontece? A nossa estrutura dentro da organização AFS dividir o Brasil em regiões funciona maravilhosamente bem. Mas se você tem um comitê em cada capital e se você coloca um voluntário para fazer um treinamento com o voluntário da mesma região, mas os comitês estão há dois mil km de distância uns dos outros, e você dá um dinheiro para esse voluntário ir de ônibus de um lugar para o outro, e você dá um dia e meio para o voluntário fazer um treinamento não funciona, quer dizer, até funciona, se você contar que existe pelo menos uma estrada pavimentada ligando essas duas capitais, porque não existe. Porque existe no Sul, existe no Sudeste, existe em parte do Nordeste, agora no Centro-Oeste, não existe. Centro Oeste não existe estrada. Se chove, quer dizer, você tem seis meses de seca, seis meses de chuva. Ligando Mato Grosso à Goiás, você tem uma estrada que ela tem partes do ano, por causa do transporte de soja, a estrada vira basicamente um buraco. Então, as chances de você conseguir fazer essa viagem de ônibus que em determinado período do ano ela dura nove horas de ônibus é período bom, você conseguir fazer essa viagem em 12, 14 horas, sem o ônibus quebrar, a chance de você fazer essa viagem sem o ônibus quebrar em 14 horas é assim como ganhar na loteria. Para a gente, a realidade você fazer um comitê funcionar nos moldes do restante do Brasil é muito difícil. Então a gente, às vezes a gente pena, a gente tem muita vontade de fazer as coisas no mesmo tipo de estrutura funciona no resto do Brasil, para a gente não funciona. Por exemplo, fazer um acampamento em que você coloca cinco estudantes no carro e fala: “Ah vou passar o dia”, eu fiz isso, eu fiz isso com essa mentalidade interior de São Paulo. Eu falei, eu vou pegar os estudantes, vou colocar no carro e vamos visitar uma escola Uruaçu, que olhando no mapa são 200 km de Brasília. Eu saio de Brasília cinco da manhã falando: “Ah que legal, então nove da manhã eu estou em Uruaçu”. Eu cheguei em Uruaçu meio dia. Quer dizer, eu perdi metade da atividade do comitê de Uruaçu. O menino da Dinamarca dentro do carro, o menino na Itália dentro do carro e uma menina da Alemanha dentro do carro. Isso assim, tudo bem, meu carro podia ser um fusca, mas não era um fusca. Era uma caminhonete com tração nas quatro rodas, a gente pegou o caminho que o Google Maps indicou, só tinha caminhão de soja no caminho. (risos).
P/1 – E a visão que eles tiveram do Brasil? Porque o Brasil procura também, reforça uma imagem daqui de lugar de praia, mulher bonita e futebol. Aí vai para o meio do território..
R – Eles vão principalmente, os meninos que vão acabam indo para o Centro-Oeste, não só para Brasília, mas para esses outros comitês da nossa região. São na verdade são seis comitês que compõem a região Centro-Oeste: Brasília, Goiânia, Uruaçu que é interior de Goiás, Palmas que é no Tocantins... Eu vou lembrar os outros, não vou lembrar de cabeça agora. Barra do Garças que é do Mato Grosso, nós fechamos agora o Comitê de Cuiabá, mas tínhamos um comitê de Cuiabá até esse mês. Palmas eu já falei. Jataí, interior de Goiás...
P/1 - Seis?
R – Seis. Brasília, Goiânia, Uruaçu, Palmas, Barra do Garças, Jataí e Rio Verde, também interior de Goiás. Interiorzão de Goiás, esses bem interiores assim. Então, o que acontece? Você chega, esses meninos que vão para essas cidades geralmente são intercambistas que vem de países muito frios assim, Finlândia, Noruega, eles vêm atrás do calor, ou Itália. A ideia delas é o que, eles quando eles falam que querem vir para o Brasil, eles querem vir atrás de lugar que seja muito quente, e eles conseguem, porque esses lugares são muito quentes (risos)! E tem muito, tem bastante estudante que vem da Tailândia, vem de lugares... A gente não escolhe quando a gente recebe estudante estrangeiro, geralmente eles colocam que eles querem o Brasil mas eles não podem escolher onde, eles não podem escolher a cidade. Então a gente tenta fazer a colocação de acordo com o perfil das famílias que vão receber. Geralmente nas cidades pequenas as famílias são um pouco mais patriarcais. Então, a gente coloca o estudante que vem de um perfil de família que tem um pouquinho mais de aceitação desse modelo: o pai e mãe mandam, os filhos obedecem mais um pouco. Esse perfil de famílias mais do interior é mais a chance da gente conseguir colocar os estudantes que se dão um pouquinho melhor. Geralmente os tailandeses se dão melhor, os estudantes que Hong Kong, que já estão um pouquinho mais acostumados a esse tipo de modelos familiares. Agora o que eles encontram lá é muito bom porque geralmente as cidades são muito pequenas, então eles têm um modelo de liberdade muito grande, que é excelente então, passeia de bicicleta, vai em baile, banho de rio, cachoeira, então é bem legal, eles gostam bastante.
P/1 – E além de ser voluntária, de ter trabalhado né em três comitês, né, atuado em três comitês, é você atuou aqui na secretaria, trabalhou na, no AFS?
R – Trabalhar, remuneradamente, como servidora, não. Eu sempre fui voluntária do AFS. Eu tive os cargos locais eu fui voluntária de base, fui presidente do Comitê Brasília e sou diretora regional da região Centro-Oeste.
P/2 – Pode comentar um pouquinho dessas duas experiências de ter cargo de presidência de comitê, você pode contar um pouquinho?
R – Bom, ser presidente do comitê de Brasília foi uma experiência bem interessante. Eu acabei presidente porque esses voluntários que eram todos estudantes da UNB em um certo determinado período do ano eles simplesmente todos foram fazer [o programa] Ciência Sem Fronteiras, porque o perfil dos voluntários do AFS parece que chama essa experiência do Ciência Sem Fronteiras ou uma experiência de um período de estudo no exterior durante a graduação e a pós-graduação. Então, o comitê Brasília se viu com dois voluntários. Então, ficou eu de Presidente e uma outra voluntária como coordenadora para receber e enviar os estudantes. Então assim, esse cargo de presidente caiu no meu colo, chegou. Se eu não aceitasse o comitê ia fechar. E foi bem interessante e, porque querendo ou não, eu acho até pelo fato de eu ter uma vida profissional já e já administrar minha própria carreira, ter trabalhado como freelancer no jornalismo, ter exercido tantas funções dentro do próprio jornalismo, como assessora de imprensa, e tudo o mais, isso acaba ajudando a gente ter uma certa noção administrativa, e até o fato de eles serem muito jovens e muitos nunca terem passado pelo mercado de trabalho, eles veem muita dificuldade em coisas que já não acho tão difícil. Até o fato de administrar a própria casa e tudo o mais, isso a gente já vê uma certa facilidade, em gerir certas coisas. E o cargo de diretora regional foi para organizar a convenção nacional de Brasília que aconteceu no início desse ano, o diretor regional, que era voluntário do comitê Goiânia, o Vitor Bastos, que tem uma trajetória bonita e muito longa dentro do AFS, tem uma história de voluntariado enorme, o comitê Goiânia é muito tradicional do AFS, umas coisas lindíssimas, os voluntários são extremamente dedicados. Eles tiveram uma baixa muito grande no número de voluntários, as pessoas assim até pelas suas próprias histórias de vida, momentos de vida, de repente dá uma sumida nos voluntários. Você pessoas novas não capacitadas suficientes para tocar as coisas acontecendo e o Vitor precisou sair para cuidar da vida pessoal dele e, de repente, a gente não tinha um diretor regional. Foi isso que aconteceu. E ele ligou para mim perguntando se eu podia assumir a diretoria regional e eu assumi para que a nossa convenção nacional pudesse acontecer em Brasília até para facilitar a tomada de decisões e tudo e aí as histórias foram caindo na minha cabeça desses comitês todos, e aí foi quando eu descobri dessa situação da região Centro-Oeste que eu achava que a gente tinha Brasília e Goiânia e só. E aí foi quando eu fui me tocar realmente do que que é morar no grande Brasil, do Brasil que não é a região Sudeste nem na região Sul.
Parei aqui 1h18,28
P/1 – Ah então mesmo Brasília sendo um comitê que recebe por exemplo a demanda que vem dos Estados do Norte, mesmo assim há uma diferença quando você vai trabalhar com a região Centro-Oeste como um todo?
R – Sim.
P/1 – Não é simplesmente uma pequena mudança?
R – Não.
P/1 – A escala realmente aumenta quando...
R – A escala realmente aumenta, porque Brasília é uma cidade muito surreal, né? Brasília é capital do país, mas ela é uma realidade surreal porque ela foi criada para ser capital do país. Agora o que está no entorno dela é um grande deserto humano. Você tem realmente um deserto humano, um deserto de infraestrutura, cidades muito pequenas, muito afastadas uma das outras, com baixa infraestrutura, com baixo acesso à tecnologia. Você ouve história horrorosas ali né, naquela região do alto Goiás, chegando na divisa com o Pará, até casos de trabalho escravo, denúncias de trabalho escravo. Se você pensar que em Unaí, onde houve aquela chacina dos fiscais do trabalho, na Chacina de Unaí há dez anos atrás mataram quatro fiscais do trabalho. Unaí não está tão distante de Brasília. E era uma plantação de feijão e se você vai olhar lá, a cidade não é pouco desenvolvida, havia um comitê do AFS lá. São esses tipos de realidade que a gente tem que lidar.
P/1 – E tem algum programa ou projeto que tenha te marcado nesse tempo todo de AFS como voluntária?
R – Como voluntária, com certeza a bolsa BP.
P/1 – Você pode falar um pouco dela para a gente?
R – A bolsa BP é esse projeto, Global Citizens of Tomorrow, que é uma bolsa de parceria que a Petrolífera BP está patrocinando e o AFS é o selecionador dessa bolsa. Esse ano de 2015 é a última edição que nós selecionamos jovens vocacionados para fazer intercâmbio que são estudantes de escola pública ou bolsista de escola particular que nunca teriam condições de fazer intercâmbio. E eles chegam até nós por meio de uma prova de matemática e língua inglesa, e nós selecionamos os dez finalistas por meio de uma entrevista pessoal e uma prova de inglês também. Só que na região Centro-Oeste a gente entendeu que o ideal seria fazer essa seleção por meio de uma dinâmica de grupo. E nós convidamos esses bolsistas, esses candidatos, os dez primeiros colocados para passar um final de semana em Brasília. Então, primeiro, eles têm que enviar um comprovante que eles estão no limite de renda, uma autorização dos pais de que eles estão capacitados, que os pais autorizam, que eles se desloquem à Brasília para participar desse final de semana. E aí na primeira edição eles foram colocados em casa de voluntários de Brasília e aí eles participaram de dois dias de dinâmica de grupo, entrevistas pessoais e. fizeram uma carta de apresentação.
P/1 – Em inglês?
R – Em português. Mais ou menos no modelo que era a seleção antiga do AFS. Ao final desse dia, a gente conversou com o voluntário que recebeu esse estudante, e esse voluntário deu uma nota de como foi o comportamento desse estudante em casa. Teve estudante assim: “ Ah, olha, esse estudante não lava um copo.” “Ah esse estudante não puxou a água do banheiro.” Teve estudante lá na nossa região, os candidatos vieram de Manaus, vieram de Belém, vieram do Norte do Brasil inteiro né. Teve estudante que veio acompanhado da irmã maior de idade que a irmã maior de idade passou a roupa dele para ele poder ir para a seleção. Então quer dizer, isso para a gente colocou eles em situações em que eles tiveram que fazer algum tipo de dramatização assim, os “roll playings”: “Você é a mãe, você é o filho, e. dramatizar algum tipo de situação”. Aí a gente sabe que eles vão passar no exterior. Foi tudo bem bolado durante o dia todo, com dinâmicas de grupo, entrevista pessoal. Ao final do dia, a gente fez uma classificação e no dia seguinte eles fizeram uma prova de inglês, que é uma exigência da patrocinadora da bolsa e do AFS dos Estados Unidos. E aí a gente escolheu quem era o primeiro e o segundo colocado. Agora assim isso criou um clima de amizade tão grande entre eles, essa convivência, que até hoje eles são amigos (risos).
P/1 – Quem foram os felizardos?
R – Esse primeiro ano, quem viajou foi um menino de Araguaína que é interior do Tocantins, que já voltou, o Danilo Alencar. Agora, este ano a bolsista que está viajando ela é do interior, Primavera do Leste, interior do Mato Grosso. E hoje está saindo nome dos dois finalistas desta seleção que vai viajar ano que vem. E o primeiro escolhido foi de Brasília, um menino da escola pública de Brasília que inclusive tem uma parceria muito grande com o Comitê de Brasília.
P/1 – Então foi o Danilo Alencar e a menina?
R – É a Katiana Hugue. Katiana com “K”, “h” u”, “g” “u” e”. E o primeiro bolsista é Gabriel...
P/1 – Danilo Alencar?
R – Danilo Alencar foi o..
P/1 – O anterior
R – O anterior ainda não participou desse processo de bolsa que a gente estabeleceu.
P/1 - Ah sim.
R – E aí esse ano, como a maioria dos estudantes era mais da região Goiás, Mato Grosso, a gente fez a seleção em Goiânia. E aí foi mais ou menos esse esquema. O esquema foi diferente, a gente fez um acampamento numa escola de inglês que cedeu o espaço para a gente e as famílias hospedeiras ofereceram uma alimentação. Aí a gente ficou acampado nas escolas de inglês, e as famílias hospedeiras ofereceram alimentação e local para tomas banho, a gente foi, cada estudante tomou banho na casa de uma pessoa e voltou. Isso aí é fantástico, eu acho que poder ajudar um jovem que não tem a menor, tem menos condição do que eu tinha na minha época, cara isso é fantástico, isso é uma coisa que o AFS proporciona que... que não tem dinheiro que pague, eu tive um problema de saúde esse ano...
P/1 – E a prova de inglês é difícil? Porque geralmente né quem não tem dinheiro, não tem nenhum...
R – É relativo isso. Hoje você tem formas, a Katiana, por exemplo, essa menina é fantástica, fantástica. Ela é tão boa, tão boa, tão boa que a escola deu uma bolsa para ela, entendeu? Ela é tão interessada, tão maravilhosa... Esse menino o Gabriel ele também, é tão inteligente tão inteligente, aprendeu tanto sozinho. Tem uns meninos assim, por exemplo, hoje em dia, as redes públicas de ensino eles tem o curso de língua separado, entendeu. Então a escola manda, se ele tem interesse ele busca sozinho a universidade tem um centro de línguas, assim, se você tem interesse você corre atrás.
P/1 – E a senhora chegou a conhecer o programa bolsa zero?
R – Programa Bolsa Zero, sim, eu fiz a seleção desse menino da guarda mirim junto com a Evelina da Bolsa Zero. Eu programo a Bolsa Zero. Eu fui selecionadora do...
P/1 – O Almir Ramos, que foi o primeiro.
R – - O Almir Ramos que foi o primeiro selecionado da bolsa zero né? No ano do Almir, a minha candidata perdeu para o Almir. A minha candidata perdeu para o Almir, a candidata do comitê São José dos Campos perdeu para o Almir.
P/1 - Quando que é o programa de Bolsa Zero? Ele é anterior ao Plano Bolsista (1:27:46)?
R – Ele é anterior ao... Programa Bolsa Zero ele é de 1993 eu acho, 1994.
P/1 – Foi um período que o AFS queria ampliar a quantidade de bolsas oferecidas?
R – Não, esse programa bolsa zero aliás assim, foi uma época... juntou eu, eu basicamente era um época que eu comecei a me desligar do AFS, foi até um fato que me motivou o meu desligamento eu também estava grávida, estava cansada naquela época, recém me formando, eu tinha que me preocupar com minha própria vida, estava grávida... O Programa Bolsa Zero foi instituído se não me engano em 1994 ou 1993. Acho que o Almir viajou em 1993, então foi mais ou menos isso, 1992, 1993. Antes, o AFS tinha um programa que era um programa de negociação financeira. Primeiro, a gente escolhia os estudantes talentosos, depois o AFS iniciava a negociação financeira. Aí o que acontecia, você criava uma certa tensão entre as famílias, por que? Porque você sabia o quanto de montante o AFS precisava levantar de dinheiro por ano. Mas você não sabia se a família daquele estudante teria condições de pagar aquele valor que o AFS pedia. No meu caso, eu paguei metade, basicamente metade da bolsa, 1500 dólares. Eu sabia que meus pais não podiam pagar mais. Mas assim, no nosso caso por exemplo, o dinheiro que eu deveria levar para me manter durante o ano que eu fiquei nos Estados Unidos ficou comprometido por conta da questão da virada do plano verão para o plano Collor. Entendeu? Então, isso foi crucial. Agora, por exemplo, vamos supor que no caso que o meu pai se propusesse a pagar um pouco menos para, né, mil mais uma outra família não pudesse pagar mais, né. Aí você jogava o montante de dinheiro que o AFS iria arrecadar anualmente para baixo. Então provavelmente eu poderia perder a chance de viajar porque o meu pai não ia pagar o tanto que ele realmente poderia pagar entendeu, levando em conta a situação financeira da minha família. Então era uma coisa muito tensa essa negociação financeira. Então por isso eles queriam acabar com esse programa. E para fazer isso, o que eles iam fazer, eles queriam acabar com esse padrão de negociação financeira e estabelecer o programa de bolsa zero, e criar um programa chamado bolsa mil e aí o que aconteceria, os estudantes teriam que se candidatar para essa bolsa e comprovar que a família dele não tinha condições financeiras de mandar o estudante para o intercâmbio se não fosse por meio dessas bolsas, entendeu?
P/1 – Uma bolsa integral?
R – Uma bolsa integral. E aí o que que ia acontecer? Como você ia criar uma série de regras para essa bolsa, você ia deixar de fora uma parcela do público do AFS remediada, digamos assim, né. Você ia matar uma boa parte do público do AFS que provavelmente tinha uma parcela que não teria condições de pagar a tarifa integral do AFS, mas não teria condições de se candidatar a bolsa zero, porque o corte de renda deles seria superior àquele da bolsa zero. Então isso criou um grande mal-estar dentro da organização.
P/1 – É como se não houvesse um meio termo né?
R – Não havia o meio termo, exatamente. É aquilo, você acabou com o médio, com o remediado. Você criar o extremo, o baixo e você criar o alto e aí você ia matar toda a camada intermediária que havia, que era muito grande, né.
P/1 - Então o Programa zero foi...
R – E esse foi o Programa Bolsa Zero
P/1 - Aí ele deixou de existir?
R – Não, aí ele foi criado e isso, nessa época em que ele foi criado, muitos voluntários se revoltaram contra esse programa e desistiram de ser voluntários do AFS e saíram da Organização e se revoltaram quanto a isso, né. E falaram que não iam ser babá de menino rico, e por aí foi, né. Foi nessa, nessa mais ou menos, nessa época. E esse foi o Programa Bolsa Zero. E muitos comitês acharam que era justo, que tinha que fazer mesmo e tudo mais, e houve um movimento, acho que o primeiro bolsista foi o Almir. E aí no ano seguinte já se criou a instituição que cada região teria um bolsista; E aí a primeira bolsa da região São Paulo dois foi para o Comitê Ijaú, e o Comitê Ijaú deu essa bolsa para a representação de Bauru, e aí a seleção a foi feita lá na, aí a Evelina que escolheu a guarda Mirim de Bauru para fazer a seleção da Bolsa, e aí a gente ficou muito chateado. Eu lembro disso assim, muitos voluntários ficaram muito chateados, porque a ideia era fazer essa parceria com a Secretaria, com a Delegacia de Ensino de Bauru para beneficiar o número maior de estudantes e não só a guarda mirim que só atendia meninos, por exemplo, entendeu? E só atendia meninos e a guarda mirim era uma instituição bancada pelo Rotery Club, então ficou ainda mais restrito, então ainda havia mais conflito, então teve voluntário que era da Unesp, que ajudava na representação ficou muito chateado, né. Agora o menino que ganhou a bolsa era um garoto fantástico, ele era guara mirim da papelada, da indústria de papel Tilibra, não, da indústria de eletro, de serviço... A bandeirante, tipo a bandeirante. CPFL [Companhia Paulista de Força e Luz]! Ele era guarda mirim da CPFL.
P/1- É ele está escalado para ser entrevistado?
R – Giordano Rosetto?
P/1 - Não, o Almir
R – Ah o Almir está escalado?
P/1 - Está escalado
R – Isso. Então, foi um ano antes, é excelente, fantástico
P/1 – E aí como é essa bolsa, e essa bolsa então deixa de existir depois de quanto tempo?
R – Ah, eu não vou saber te dizer porque eu saí na organização no ano seguinte. Eu fiz a seleção do Giordano.
P/1 - Mas houve uma rebelião então?
R – É.
P/1 – Uma crise na instituição por conta da bolsa?
R – É, não, mas isso foi no ano que ela foi instituída, e as pessoas trabalharam como sempre se trabalha no AFS, crescer com a crise. Isso aí, toda crise é momento de crescimento, acho que isso aí na vida de todo mundo, e eu lembro que houve um treinamento muito bem feito, porque eu participei do treinamento inclusive para fazer a seleção da bolsa da SC2 que foi a seleção do Giordano Rosetto.
P/1- Mas hoje não existe mais esse programa, a bolsa zero?
R – Não existe mais esse programa bolsa zero.
P/1 - Não existe.
R – Por isso que essa bolsa BP foi uma... Muito interessante que ela é uma bolsa integral.
P/1 - E em parceria né?
R – Em parceria com a empresa BP.
P/1 – Então, agora a gente está, seria ótimo poder continuar a falar mais um pouco, conversar né sobre o AFS, do seu trabalho como voluntário, enfim, só que a gente tem um horário né?
R – Não, tranquilo.
P/1 – Então a gente já está encaminhando para o final, então eu queria fazer só umas perguntinhas que seria mais de uma avaliação final que tem mais esse caráter. Então, que história que você acha que o AFS tem para contar para o futuro nos próximos anos com relação ao seguimento que ele atua, de intercâmbio?
R – Bom, o AFS foi e tem condições de continuar sendo um Programa de Intercâmbio que tem um diferencial de preparar cidadãos para construir um mundo melhor. Eu conheci uma pessoa que uma vez falou que todas as pessoas interessantes e instigantes que ele conheceu não só na área de trabalho dele, mas na vida, tinha um ponto em comum, e toda vez que ele conversou com essas pessoas, ele notou que essas pessoas tinha um envolvimento com o AFS e ele acredita que isso tem uma razão de ser. Ele acredita que o AFS ele marca a vida das pessoas de uma maneira especial e, por conta disso, ele queria que a filha dele participasse, porque ele achava importante, é o pai de uma participante lá em Brasília. Ele falou que conheceu pessoas muito marcantes e ele falou: “Eu quero que minha filha também seja uma pessoa marcante”, achei bem bacana isso.
P/1 – E a sua filha tem interesse em ser voluntária também? Porque ela fez intercâmbio
R – A minha fez intercâmbio, ela é voluntária, ela é voluntária com termo assinado. Agora no momento ela faz duas faculdades então ela pediu um afastamento. A gente foi família hospedeira de três estudantes, recebemos o Franchesco, em 2012, Franchesco Carnazza, que é da Itália. Franchesco é escoteiro, depois que ele fez intercâmbio aqui no Brasil ele foi passar uma temporada em um país com os escoteiros, em um país que estava em Guerra, eu não vou lembrar o nome do país agora, num país que estava se separando da república sérvia. Não, perto da República Sérvia...
P/1 – Será que não é na Bósnia?
R – Perto da Bósnia, uma daquelas... Kosovo!
P/1 – Na Iugoslávia né?
R – Isso, perto da antiga Iugoslávia. Ele foi passar dois meses no Kosovo, para ajudar as crianças do Kosovo, reformar a escola e tudo mais, ele foi com os escoteiros. E agora ele faz Física na Universidade de Milão, e se você pensar que ele aprendeu física na escola que ele estudou em Brasília, que até então ele nunca tinha estudado física, então o intercâmbio no Brasil fez diferença na vida dele. A Mike na Alemanha, está estudando para fazer medicina, volta o ano que vem para visitar. E a Karla, acabou o intercâmbio lá em casa, ela teve problema na colocação dela em Barra do Garças, foi terminar o intercâmbio dela lá em Brasília, ficou três meses com a gente. Karla disse que também quer fazer trabalho voluntário quando acabar a escola.
P/1 – E qual é a sensação de ser mãe hospedeira?
R – Ah é muito boa, é muito interessante, e o mais, acho que o mais interessante seja o desprendimento. Porque você, você não pode cobrar nada né, tem que ser um amor desprendido, então é muito, é muito interessante, você não pode cobrar nada daquelas pessoas e ao mesmo tempo você deseja todo o bem do mundo a elas, então é um aprendizado constante.
P/1 – O que é ser voluntário do AFS?
R – Ser voluntário do AFS é tentar devolver um pouco toda a magia que o trabalho, que a mão amorosa de outras pessoas colocou na sua vida um dia. Eu acho que o pouco trabalho que eu faço tem um pouco da mão da minha mãe hospedeira que era uma voluntária muito feliz, das amigas dela, que eram voluntárias muito boas, e daquelas pessoas que vieram antes delas nos Estados Unidos e hoje quando eu olho, em diversos pontos do mundo, pessoas que fizeram e fazem a mesma coisa também. Então, é fazer parte de uma coisa maior e que gente sabe que é uma gota de água no oceano, mas é um oceano do bem.
P/1 – E o que você achou dessa proposta do AFS de contar sua história, seus 60 anos, através dos seus voluntários, colaboradores, servidores, enfim, de deixar registrado para a posteridade, para a eternidade o depoimento, a história, contada por vocês?
R – Ah, eu acho maravilhoso, a gente tem uma dificuldade muito grande, eu fico muito, dava uma angústia muito grande por exemplo a gente procurar os colegas que nos anos 1980 por exemplo que viajaram com a gente, a gente tem essa angústia de não saber o nome das pessoas mais, entendeu. São memórias que a gente tem, são momentos que foram tão marcantes na construção do ser humano que a gente é hoje, a gente não tem o nome dessas pessoas mais, a gente lembra delas e não lembra mais coisas simples e é muito importante a gente ter esse registro. É uma história tão rica, que ela merece ser contada.
P/1 – Então agora para finalizar, a última questão, o que você achou de ter dado esse depoimento, como se sentiu dando esse depoimento?
R – Eu gostei de ter contado essa história. Com certeza existem história riquíssimas dentro do AFS, eu espero ter ajudado a somar.
P/1 – Muito.
R – Espero ter ajudado a somar, gostei de terem lembrado de mim. E espero que outras pessoas complementem né, as coisas que eu disse.
P/1 – Então, em nome do Museu da Pessoa e do AFS, a gente gostaria de agradecer mais uma vez a sua participação.
R – Obrigada.
P/1 – Obrigada.
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