P/1 – Paula, boa tarde!
R – Boa tarde.
P/1 – Primeiro, eu gostaria de agradecer de você ter vindo até aqui pra essa entrevista. Agora pra gente começar eu queria que você falasse pra gente o seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R – Meu nome é Paula Volkmann Godoi Rosa. Eu nasci dia 15 de janeiro de 1998 em Canoinhas, Santa Catarina.
P/1 – Tá certo. Fala pra gente o nome dos seus pais, Paula.
R – É Karen Regina Volkmann e Drausio Francisco Godoi Rosa.
P/1 – E o nome dos seus avós, qual é?
R – Por parte da mãe, Leopoldo Volkmann e Pauline Ostrowsky. E por parte de pai, Francisco Godoi Rosa e Teresinha Marli.
P/1 – Fala pra gente o que você sabe da origem deles, da história dos seus avôs.
R – Bom, o que eu sei da parte da minha mãe remonta muito tempo atrás, que foi quando, na verdade, nem tinha o nome do Volkmann ainda, era Stryker. Eles vieram de navio no ano de 1900 pro Brasil. Eram de Jaraguá do Sul. Lá, a minha tataravó casou com o meu tataravô que aí prosseguiu o Volkmann. Por parte do pai, eu só sei da minha vó, que os avós dela eram da Espanha.
P/1 – Conta pra gente o que os seus pais faziam ou fazem?
R – Meu pai é engenheiro químico e a minha mãe não se formou na faculdade, mas ela tem licença pra ser professora, magistério. Agora minha mãe é dona de uma boutique.
P/1 – Você sabe como os seus pais se conheceram?
R – Não tenho a mínima ideia.
P/1 – E você tem irmãos?
R – Tenho uma irmã, ela é mais velha do que eu, ela tem 20 anos agora.
P/1 – Fala pra gente do que você se lembra de quando você era bem pequena em Canoinhas?
R – Bem, eu nasci e morei numa casa que era nos fundos da loja do meu vô, que o meu vô tinha uma loja de sapatos. A casa era lá no fundinho, era parte de um prédio assim, a gente morava lá. Depois de um tempo, eles venderam o prédio e a casa e a gente se mudou pra um terreno do lado da casa da minha vó, que a gente construiu um prédio e eu cresci lá e moro lá até hoje.
P/1 – Você se lembra dessa casa no fundo da loja do seu vô?
R – Lembro. Não era assim uma casa grande, mas tinha bastante espaço atrás, a gente tinha uns vizinhos de trás que sempre mudavam, então eu sempre tinha um amigo novo lá pra brincar. Como era um território, um lugar grande, a gente sempre brincava de: “Ah, vamos cavar um buraco aqui e se enterrar no buraco”. Era assim bem coisa de criança mesmo. E era num lugar mais baixo da cidade, então lá sempre pegava enchente, coisa que eu não cheguei a ver mas meus pais, minha mãe principalmente, já passaram por enchente de três metros de altura. Eu o máximo que vi foi a água chegando assim na porta de casa.
P/1 – E você se lembra da loja do seu vô?
R – Lembro. Era grande, só tinha dois balcões na frente e todo o estoque ficava pra trás. Aí tinha duas cadeiras entre os dois balcões, que era pra provar os sapatos e o meu vô sempre ficava sentado atrás do balcão tomando chimarrão.
P/1 – E você se lembra de ajudá-los, ou brincar ali naquele espaço?
R – Eu sempre brincava. Corria de um lado pro outro na loja, derrubava sapato aqui: “Ai, Paula!”. Aí sempre chegava a hora do chimarrão, que lá é tradicional, então todas quatro horas da tarde sempre ia minha mãe tomar chimarrão com meus avós e eu sempre tava junto brincando e, sei lá, correndo pela loja.
P/1 – Você lembra a primeira vez que começou a tomar chimarrão com eles também?
R – Eu nunca tomei chimarrão... Na verdade, eu já tomei, só que eu traumatizei por causa do meu avô por parte do pai, porque um dia a gente tava lá, reunião de família, eles falaram: “Toma um chimarrão aqui”. Aí eu fui tomar o chimarrão, eles falaram: “Não. Tá quente”. Eu criança fui lá com toda a esperança do mundo de que ia tomar o chimarrão, eu me queimei toda, falei: “Não é pra mim”. Nunca mais. Eu sempre participava do chimarrão da família só conversando, porque eu passava na roda, a Paula não... Eu não era parte ali da rodinha do chimarrão.
P/1 – E você falou que tem uma irmã mais velha, qual que é o nome dela?
R – É Carolina.
P/1 – Carolina. Conta pra gente como é que era a relação de vocês quando vocês eram pequenas, se vocês brincavam juntas, se vocês faziam as coisas juntas.
R – A gente sempre foi muito amigas. Como a gente tem um ano e meio de diferença de idade, a gente cresceu juntas, a gente brincava toda hora, sempre tinha uma pra ajudar a outra. Sempre foi assim, a gente sempre foi muito, muito amigas.
P/1 – E qual que era a sua brincadeira favorita?
R – Pois, olha, eu gostava de brincar de gato mia, que a gente brincava com os nossos primos. Aí sempre, nossa, era uma coisa quebrada aqui, outra lá, mas era bem divertido.
P/1 – E o que você queria ser quando crescesse?
R – Já quis ser tudo. Eu já fui de querer ser modelo, querer ser atriz, médica. Mas depois assim que eu comecei a ter mais noção, pesquisar mais, eu queria fazer Psicologia. Aí eu descobri Relações Internacionais, então eu fiquei sempre meio dividida. Foi aí que o intercâmbio entrou pra eu decidir o que eu queria estudar, que é RI.
P/1 – Tá certo. Antes da gente falar dele então, eu queria que você falasse assim o que você se lembra de quando começou a ir pra escola.
R – Quando eu comecei a ir pra escola... Eu fazia o Jardim II, foi o primeiro contato com a escola. Eu fazia o Jardim II e lá eu tinha uma melhor amiga. Essa minha melhor amiga ia trocar de escola pra fazer o pré. Aí eles falaram: “Paula, você quer ir junto com a tua amiga ou você quer ficar aqui?”. Apesar de eu gostar daquela escola, eu escolhi ir junto com a minha amiga. Aí eu fui, só que no que eu cheguei naquele pré-escolar eu já sabia ler e já sabia escrever porque a minha irmã como já estudava e ela tinha livro, eu sempre ia lá atrás, queria conhecer, queria ver o que é isso, então acabei aprendendo sozinha. Eles chegaram: “Paula, você vai interromper o aprendizado dessa turma, então a gente vai te mandar pro primeiro ano”. Aí me separaram da minha amiga. Meu primeiro dia da escola no primeiro aninho eu cheguei assim com os meus materiais na mão, cheguei com aquela cara tipo: “Oi, cheguei!”. Mas eu bem perdida assim, então eu cheguei lá do nada... Eu fiquei um ano à frente dos outros. Aí foi sempre assim, a maioria dos meus amigos do primeiro ano são amigos até hoje. São conhecidos, enfim, a maioria do pessoal eu mantenho contato ainda.
P/1 – E conta pra gente como é que era a cidade. Conta pra gente como é Canoinhas, pra gente que não conhece.
R – Pois Canoinhas é pequena, tem 55 mil habitantes. É uma típica cidade pequena, não tem muito o que fazer, não tem shopping e recentemente agora é que tem um cinema. No mais, é passear, ir a um restaurante, tomar um suco com os amigos e ficar vendo o movimento, ou sentar numa praça, tomar um sorvete porque muitas opções não tem.
P/1 – Aí você falou pra gente que mudou de casa, né? Que eles venderam ali. Como é que foi a casa nova? Como é que foi pra você mudar de casa?
R – Foi diferente porque quando eu morava num lugar que era muito mais calmo, não era no centro. De repente, eu fui parar na rua mais movimentada da cidade e era perto da escola. Por exemplo, o meu pai já não precisava ir me buscar ou me levar pra escola, porque eu podia ir caminhando. Mas, no mais, não foi aquela mudança radical como seria se eu, sei lá, se eu saísse de uma cidade pequena pra ir pra uma capital, mas foi diferente.
P/1 – E aí conta pra gente da escola. Você contou como foi o choque de pular um ano e ir direto pra primeira série, mas conta: como foi sendo a sua formação escolar, o passar dos anos?
R – Eu sempre fui uma boa aluna porque eu sempre tive, como que eu posso dizer? Eu sempre fui muito responsável, então eu era daquela que enquanto tava todo mundo jogando bolinha de papel nos outros eu falava: “Eu tenho que terminar isso aqui”. No segundo ano, eu fechei meu boletim assim com dez de cima em baixo, que era o orgulho: “A Paula tirou dez em tudo”. Mas eu sempre fui, sempre fui. Eu sempre tive muito foco nos estudos, eu sempre me dediquei muito à escola porque eu valorizo muito a formação e eu acho que é uma coisa que é essencial.
P/1 – Teve algum professor que te marcou da escola? Você estudou sempre na mesma escola?
R – É. Eu estudei da primeira a oitava série naquela escola e depois eu mudei porque lá já não tinha mais Ensino Médio. Professores sempre têm vários, né? A minha professora do segundo ano era aquela que era superquerida, que era a professora Marivalda. Ela é aquela que dava um caderno de caligrafia pra gente e falava: “Agora vocês vão treinar, porque vocês têm que ter uma letra bonita porque eu não entendo o que vocês estão fazendo”. Daí eu aprendi a fazer todas aquelas letras cheias no negocinho, voltinha. E ela influenciava muito a gente a estudar e a querer mais. Ela fazia muitas atividades diferentes pra gente aprender. Eu acho que é uma boa forma de aprendizagem quando você não tenta dar só matéria, matéria, matéria, que você faz uma atividade fora da escola ou, não sei, vai cantar uma música ou coisa assim.
P/1 – Quando que você começou a usar óculos? Você lembra como é que foi isso?
R – Faz pouco tempo. Faz uns cinco anos, eu acho. Porque eu sempre achei que eu tinha dificuldade pra enxergar e eu sempre era a que sentava no fundo da sala. Eu enxergava, só que eu não enxergava muito bem. Um, dia eu tive que ficar cutucando a minha amiga que sentava do meu lado e falava: “Guria, o que tá escrito ali embaixo?” “Paula, mas você não enxerga?” “Não. Eu acho que não. Não sei se eu enxergo como vocês estão enxergando”. Aí eu cheguei em casa: “Mãe, eu acho que eu preciso usar óculos”. Aí a gente foi fazer o exame, daí a mulher falou: “Paula, precisa”. Aí que eu comecei.
P/1 – E como é que foi colocar, vestir o óculos pela primeira vez, você lembra?
R – Meu Deus, sabe quando você olha assim, você fala: “Meu Deus, como o mundo é lindo”. É muito choque... Nossa, eu tirando os óculos eu enxergo um borrão. Não sei o que é limite do que, eu vejo uma pessoa de longe eu não ser ver a cara, não consigo. Agora eu já não consigo mais largar os óculos também.
P/1 – Tá certo. Queria voltar acho que ainda pra parte da escola, você ficou então até a oitava série numa escola e mudou pro colegial. Como é que foi essa mudança pra você? Se todo mundo muda junto? Como é que foi a escola nova?
R – Eu acho que pra mim foi uma mudança muito boa porque teve uma parte assim, da escola, que da quarta, quinta série até a sétima eu tive muito problema na escola, principalmente porque eu sempre... Não é que eu era diferente, sabe? As pessoas de uma cidade pequena não me enxergam da maneira que eles gostariam que eu fosse e aí começou, né? Começava a galera a me xingar: “A gorda veio. A emo veio. A não sei o que veio”. E começava. Eu guardando aquilo, eles iam me falando... Eu também sempre fui uma pessoa de poucos amigos porque você tem que saber selecionar ali. Era muita gente que era superlegal comigo olhando aqui, virava as coisas: “Ah, não sei o que”. Começava a falar. Então eu tive muito problema com isso porque as pessoas me xingavam muito na minha cara e eu comecei a sofrer com aquilo, porque eu guardava pra mim o que tava acontecendo. Aí um dia, eu tava numa aula de Geografia, outra coisa que eu também sempre tinha nota boa, isso gerava: “Lá veio a... Mais um, tirou um dez, não sei o que”. E falava. Aí eu tinha que ir pegar uma prova na frente lá com a professora e um desses guris, sabe esses bagunceiros assim que toda sala tem? O menino pegou, olhou pra mim e falou; “Paula, e aí, quando é que nasce o teu bebê?”. Aí me subiu o sangue, eu falei: “Eu não aguento mais isso aqui”. Eu saí chorando, chorando, chorando, cheguei em casa chorando e a minha mãe: “Paula, mas o que tá acontecendo?” “Mãe, o negócio é o seguinte, a galera fala as coisas pra mim, é uma coisa que me ofende, que me deixa mal, que me deixa pra baixo, que eu fico pensando, ‘Será que existe alguém nesse mundo que goste de mim como eu sou?’ Porque não é possível”. Isso me deixou meio que com problema de autoestima, depressão, umas “coisaradas” assim. Minha mãe: “Paula, mas você quer que eu vá e converse?”. Eu sempre fui muito: “Não. Deixa que eu resolvo que o problema é meu, sou eu quem vai resolver isso”. Aí chamei o menino, chamei outra menina lá que sempre falava um monte de coisa, a gente foi na direção, os dois estavam chorando mais do que eu, mas aí meio que foi uma lição assim pra escola, sabe? Pra eles aprenderem. É o famoso bullying de agora, né? Porque tem muita gente que diz que isso não existe, que é coisa que tá na cabeça dos outros, que é só uma brincadeira, e não é só uma brincadeira, porque isso afeta as pessoas de verdade e é complicado. Quando eu saí daquela escola, que eu mudei, que eu sabia que ia ter pessoas diferentes, aí pra mim, melhorou. Foi uma mudança muito boa. E a minha turma do primeiro ano do Ensino Médio permaneceu até a terceira série. Então é um grupo que é muito unido até hoje. Agora tá um em cada cidade morando pra fazer faculdade, mas sempre que tá de férias, tá todo mundo na cidade, vamos sair, vamos fazer alguma coisa, porque virou “o grupo”.
P/1 – E o que vocês fazem quando vocês se encontram?
R – A gente gosta de jogar boliche, que a gente sabe que é risada garantida, né? Sempre você tá lá e quando você vê tem um caindo. Acho que é a atividade principal do grupo.
P/1 – Conta pra gente do colégio, do colegial, que matéria que você mais gostava? O que foi mais legal nesse colégio novo fora a amizade, as pessoas novas?
R – Eu sempre amei História. Eu tinha professores de História que foram exemplares pra mim, que eles davam muito bem a matéria e como eu sempre gostei da matéria, eu sempre tive facilidade com aquilo, era o que eu gostava de estudar. Então era a minha matéria favorita. Mas em compensação eu odiava Química e Física, principalmente, porque meu professor de física era muito rígido. Ele era aquele que: “Você entendeu? Não entendeu? Que bom. Um dia você entende, eu não vou explicar de novo”. Então isso me fez criar um ódio por Física. O meu amor por História era totalmente o contrário por Física.
P/1 – Conta pra gente como você ficou sabendo do AFS, quando que começou a surgir em você essa vontade do intercâmbio?
R – A vontade do intercâmbio eu posso dizer que eu tive desde criança, porque, sabe, eu comecei a pesquisar e aí eu via que tinha gente que saía do Brasil pra estudar fora. Eu falava: “Mas como isso? Eu também quero isso”. Quanto mais eu pesquisava, mais eu queria aquilo, só que minha família nunca... Assim, meus pais se separaram quando eu tinha seis meses. Meu pai morava em outra cidade, já tinha outra família, outra mulher e a gente não tinha muito contato, eu só tinha a minha mãe e a minha irmã. Aí a minha mãe sozinha não podia pagar o intercâmbio e ela também falou: “Paula, você não vai. Desista”. Só que eu falei: “Eu não vou desistir, porque eu quero isso, é provavelmente a coisa que eu mais quero na minha vida é fazer o meu intercâmbio. E não importa o país que seja, pode ser pra Índia, pra China, sei lá, Tailândia, eu vou. Eu quero ir”. Aí, um dia, teve uma menina de uma cidade do lado de Canoinhas que é Major Vieira, bem pequena, a minha mãe ouviu falar que a menina tinha ido pros Estados Unidos com uma bolsa. Ela falou: “Paula, dá uma olhada”. Eu procurei e eu descobri que era da AFS. No próximo ano, já teve a nova inscrição da bolsa eu me inscrevi. Daí eu participei da seleção, só que eu não passei. Na verdade, eu passei, só que eu fiquei como suplente do menino que foi, porque eles falaram: “Paula, a gente não sabe decidir se vai você ou se vai o outro menino”. Aí eles pegaram o imposto de renda lá pra ver quem mereceria por renda e o guri tinha renda menor que a gente, então mandaram-no. Aí eu fiquei, caso desse alguma coisa errada com ele, eu ia. Só que eu sempre fiquei acompanhando a AFS, acompanhando, aí surgiu a bolsa que foi a que eu fui no meu intercâmbio.
P/1 – Conta como é que foi esse primeiro processo. Então sua mãe contou, aí você foi procurar onde? Com quem, em que lugar?
R – É que ela falou assim: “Ah, Paula, eu acho que é AFS o nome, ASF. São umas letras assim”. Eu falei: “Tá. Vou procurar”. Aí comecei bolsa, AFS, não sei o que na internet e apareceu. Aí já foi assim, um tempinho depois já ia abrir a outra inscrição. Tinha que mandar um texto falando o porquê você queria ir pra ganhar aquela bolsa, eu mandei o texto, só que eu tava sem esperança. Eu falei: “Gente, é uma bolsa a nível nacional, são, sei lá, dez bolsas pro país inteiro, eles não vão me selecionar”. Quando saiu o resultado da seleção eu tava lá entre os dez... Depois, dos dez selecionados, a gente foi pra Curitiba que foi uma tarde inteira assim de atividades: “Faça isso. Por que você quer? Mostre que você é bom pra ir”. Uma “coisarada” assim. Depois de um tempo eles iam dar o resultado dos três, aí eu saí como a segunda.
P/1 – Você lembra o que você escreveu nesse texto?
R – Olha, eu tava até pensando nisso quando eu tava vindo porque eu acho que eu fiz meio que um resumo da minha vontade, da minha história, do porquê eu queria. Eu acho que o que eu mais salientei é que intercâmbio é uma coisa necessária porque é uma coisa que você aprende a respeitar o outro e os outros aprendem a respeitar a tua cultura. Então é uma troca muito legal. Também uma coisa que eu falei lá, que durante essa seleção, tinha uma parte que era a entrevista... Antes de ir, comecei a pesquisar da AFS, porque eu falei: “Eu não vou querer aplicar pra uma bolsa de um lugar que eu não sei o que tá acontecendo”. Chegou lá no dia da seleção, tinha umas meninas que falavam: “ASF, porque eu não conheço a história”. Eu queria conhecer a história da organização. Uma coisa que eu falei que eu concordo muito que é com a ideia... Como é que eu posso dizer? Com o lema da AFS que é estabelecer a paz entre os povos através do intercâmbio. Eu acho que realmente é uma coisa necessária. Então, eu falei muito sobre isso e também sobre a minha vontade que eu tinha de fazer o intercâmbio algum dia.
P/1 – E o que você sentiu quando você viu o seu nome ali nos classificados? Quer dizer, que você tinha sido aprovada entre tantas outras sei lá quantas pessoas se inscreveram.
R – Pois olha, eu sabia que ia sair tal dia, tal hora, aí chegou a hora não tava lá, eu ficava no F5 lá da internet, né? Daí saiu. Eu fiquei assim tremendo. Eu falei: “Não. Será?”. Eu atualizava, eu olhava “Paula”, mas não. E minha mãe tava com uma cliente em casa recebendo, porque ela tava fazendo uma prova de roupa pra ajustar e fazer um negocinho, eu só cheguei na sala: “Mãe, passei.” “Passou o que, Paula?” “Passei, mãe, no intercâmbio.” “Meu Deus, Paula, como assim?”. Ela também, ela não acreditava muito em mim, sabe? Ela falava: “Você não vai conseguir bolsa. Intercâmbio, negócio grande”. Aí ela ficou muito feliz, eu acho que ela ficou quase mais feliz que eu, ela já tava tremendo, ela falou: “Meu Deus, a Paula vai. Ai, meu Deus, to tremendo”. Eu falei: “Calma, mãe, não vou porque tem a outra seleção ainda”. Mas eu fiquei muito feliz, eu tava pulando assim... Eu queria que chegasse logo o e-mail dos detalhes de como que ia ser a próxima etapa, porque eu fiquei muito, muito feliz. E foi a partir daí que eu acho que ela começou a acreditar que eu tinha potencial pra fazer, pra realizar o meu sonho, que eu ia conseguir aquilo algum dia.
P/1 – E aí como é que foi ficar em segundo e não ser a sua vez?
R – É triste. Porque eu fiquei pensando assim: “Mas eu cheguei aqui pra ficar em segunda. Eu ficasse em décima então, nem tivesse me colocado no meio dos três”. Porque você fica pensando onde que eu errei? Onde que não sei o quê? Sabe? Mas aí depois quando eu falei com a moça que era voluntária, ela falou: “Paula, a gente realmente não sabia decidir porque tinha o menino lá, tinha você, os dois a entrevista muito boa, era realmente o que a gente queria dar a bolsa, só que é uma só e a gente tinha que decidir”. Daí foi que eles fizeram por causa da renda. Mas eu acho que mesmo assim é uma conquista eu ter chegado até lá, principalmente porque foi o que me abriu a porta pra conhecer a AFS. Porque se eu não tivesse conhecido ali eu não teria feito o meu intercâmbio até hoje.
P/1 – Como é que foi esse período de persistir, não desistir, tentar aplicar pra uma outra bolsa?
R – Pois olha, porque quando eu apliquei, eu tava indo pro segundo ano do Ensino Médio. Aí eu fiquei pensando: “Nossa, mas já tá acabando o tempo. Já não vai mais dar pra fazer intercâmbio. Minha mãe não vai pagar intercâmbio. Não vai ser dessa vez”. Aí eu já comecei a procurar outros programas, programa de voluntariado, coisa assim, só que eu nunca desisti da minha vontade de querer ir. Então, eu falei: “Algum dia eu vou. Se eu não for agora pro Ensino Médio, eu vou quando eu estiver na faculdade”. Porque existem milhões de portas, existem milhões de oportunidades e eu sei que alguma vez vai dar certo. E daí foi também que apareceu a bolsa da América Latina da AFS. Eu falei pra minha mãe: “Mãe, eu vou aplicar. Eu não tenho nada a perder”. E era uma bolsa parcial, eu falei: “Mãe, eu to guardando o meu dinheiro a muito tempo”. Que eu ganhava de aniversário, eu ganhava de Natal, eu ganhava de Páscoa, qualquer coisa eu guardava o meu dinheiro porque eu falava que um dia eu vou fazer uma coisa grande. Eu falei: “Se você não quiser pagar tudo, pega o meu dinheiro, leva, eu pago”. Ela falou: “Tá, Paula, pode ir. Pode ir, só não sei se você vai conseguir também”. Porque também eram poucas bolsas pro Brasil inteiro. Mas aí eu apliquei, fiz minha carta de motivação, do porquê eu queria, daí me aprovaram. Aí sim minha felicidade foi maior do que da primeira vez.
P/1 – E aí como é que foi o processo de escolha do país? O que você ficou sentindo quando ficou sabendo que era pra Costa Rica? Ou se foi você que escolheu.
R – Tinham uns sete países pra escolher e a voluntária já falou: “Paula, faz a tua lista que a gente vai passar a relação lá no aplication e depois a gente vê o que acontece”. Eu tinha colocado o primeiro país o Chile, o segundo Argentina, porque eu não sei, eu não soube escolher porque ela falou da noite pro dia: “Faz a tua lista desses sete países, organiza aí e vai”. Aí eu coloquei o Chile e a Argentina principalmente porque são lugares frios, eu amo frio, então eu falei: “Eu gostaria de ir pra um lugar assim que tenha um inverno, que tenha neve, que tenha alguma coisa assim”. Costa Rica eu não sabia nada sobre, sinceramente, eu falava: “É ali na América Central, não me pergunte exatamente aonde, não me pergunte o que existe no país que eu não sei te dizer”. Eu só pesquisei rápido, vi que era um país, por exemplo, que eles quase não emitem carbono, é o país mais ecológico do mundo, um monte de coisas assim. Mas eu falei: “Ah, lá em cima deve ser supercalor. Só deve ter praia naquele lugar. Colocar em terceiro lugar aqui que vai”. Daí eu coloquei, depois da Costa Rica coloquei a Colômbia, daí coloquei Honduras e Paraguai, que eu não iria pra Honduras, porque a minha pesquisa já falou que tinha muita violência, então eu fiquei meio com receio assim, eu falei: “Não”. E o Paraguai porque é perto de Santa Catarina, eu falei: “Não deve ser uma troca cultural assim muito grande, então eu gostaria de me arriscar num lugar bem mais diferente”. Quando me deram o resultado eu tava na academia, o meu telefone começou a tocar, a mulher falou assim: “Paula, posso te ligar?” “Liga aí”. Ela ligou, ela falou: “Paula, o negócio é o seguinte, a Costa Rica ficou em qual lugar na tua lista?” “No terceiro? Você tá indo pra Costa Rica, tá? Parabéns”. E desligou o telefone. Eu fiquei: “Como assim eu tô indo pra Costa Rica?”. Aí eu fiquei muito desesperada, mas aí eu nem terminei, peguei minhas coisas, saí, voei pra casa, falei: “Mãe, to indo pra Costa Rica.” “Como assim você tá indo pra Costa Rica?” “To indo pra Costa Rica. Você quis que eu vá pra Costa Rica, então eu vou pra Costa Rica.” “Paula, você tem certeza?” “Tenho. Eu não conheço o país, eu não sei nada, mas eu to indo pra conhecer”. Aí foi assim que me contaram como que eu ia praquele país.
P/1 – E aí como é que foram esses próximos passos? Você recebeu a ligação, levou um susto, e aí arrumar as coisas, a mala?
R – Eu fiquei esperando o e-mail deles falando o que eu tinha que fazer, o que eu não tinha que fazer. Teve todo o processo de visto e “coisarada” assim, terminar o aplication, mandar carta pra família, não sei o que, não sei o que. Eu recebi essa ligação acho que era em setembro, outubro, pra embarcar em fevereiro. Foi muito corrido e eu tinha que fazer o visto e não tinha informação nenhuma do visto, eu me desesperei um monte. Eu tive que ir ainda pra Florianópolis fazer o meu visto, só que eu fui com todos os documentos certinhos, legalizados, traduzidos e não sei o que, só que o cônsul lá da Costa Rica começou a jogar os papeis na minha cara, falar: “Isso aqui tá errado. Isso aqui eu não pedi. Isso aqui não sei o que”. Sendo que eu tava falando com o senhor lá desde outubro, novembro. Aí deu um rolo, só que no final, quando ele carimbou o passaporte que dava pra autorizar o visto, falei: “Ainda bem”. Deu um alívio. Bem, eu procurei mais do país e o que eu encontrei basicamente o seguinte, que lá só tinham duas estações, que eram o verão e a estação chuvosa. Eu falei: “Como é que eu vou fazer uma mala pra um lugar que tem uma estação de verão e uma chuvosa?”. Aí coloquei assim, eles falaram: “Não faz frio, não sei o que”. Então tá, levei só roupa de verão, coloquei na mala só roupa de verão, só que isso eu tinha conhecido minha família 20 dias antes de eu embarcar, então eles falaram: “Olha, a gente mora numa cidade que é num vale, tem montanhas em volta, de noite é fresco”. Aí falaram fresco uns 18 graus, falei: “Beleza”. Levei só roupa de verão, cheguei lá fazia muito frio, uma coisa que eu não esperava, mas fazia assim 13 graus de noite e era num vale, não era nem na montanha, na montanha era muito mais frio. Mas ali a preparação foi tranquila tirando o estresse de fazer o visto que no final o homem: “Tá errado. Tá errado”.
P/1 – E conta das orientações da AFS pra preparar você pra ir, esses encontros como é que eram, quais eram as atividades.
R – Eu decidi por ficar com o comitê de Curitiba, porque tinha um comitê de Joinville e outros em Santa Catarina, só que era muito mais longe pra eu ir do que pra Curitiba, porque Curitiba dá umas três horas da minha cidade e Joinville dá cinco horas. Então eu decidi ficar com o comitê de Curitiba e lá eles faziam orientações de 15 em 15 dias. Aí sempre era uma orientação, uma coisa diferente da outra. Geralmente, eles faziam atividades que fizessem algum sentido com o que você ia passar no intercâmbio. Por exemplo, a primeira atividade de contato que eu tive era um acampamento, que era o acampamento de seleção dos próximos intercambistas. Como eu não passei pelo acampamento porque eu já estava com bolsa, então eles me chamaram pra participar com os que já tinham sido aprovados no acampamento passado. Ali eles faziam basicamente atividades assim durante o dia e de noite a gente fazia uma caça ao tesouro, que tinha que fazer coisas que chegassem no porquê do intercâmbio. Nossa, era sei lá, quatro horas da manhã eles não tinham achado o tesouro ainda, que era um pacotão de doces assim que a gente preparou pra eles, mas que cada lugar que as pessoas iam passando elas iam recebendo uma dica de alguma coisa que ia passar no intercâmbio, que você tinha que ter consciência que aquilo podia acontecer, ou alguma situação de risco, ou por que... Eles avisavam bastante assim de: “Você pode ter problemas com a sua família. Como você vai ser com a sua família?”. Porque você tem que entender que você tá ali pra mudar, e não pra você se mudar, você tem que mudá-los também, o jeito deles te verem. Você tem que se adaptar. Então eles faziam muitas atividades, às vezes era num museu, às vezes era num parque, às vezes era na casa de um voluntário porque começava a chover. Mas sempre era a tarde inteira assim de um sábado falando e fazendo atividade sobre o porquê ou o que podia acontecer no intercâmbio, que eu acho que era uma coisa muito boa porque eu tenho conhecidos que também foram pela AFS, só que eles faziam uma orientação antes da ida. O que eu gosto muito do comitê de Curitiba é porque eles fazem todo esse acompanhamento e você vai preparado, você vai ciente de que alguma coisa que... Por exemplo, lá você tá passando, você fala: “Putz, mas isso eles falaram lá naquela orientação do tal lugar”. Eu tenho conhecidos que foram e não tinham aquela consciência de que aquilo podia acontecer e não sabiam como reagir àquilo. Então eu acho que era uma coisa muito boa que o comitê de Curitiba fazia com a gente.
P/1 – Fora essa atividade da caça ao tesouro e do acampamento que você contou, teve alguma outra orientação ou atividade em grupo que tenha ficado marcada? Que tenha te ajudado, que depois você lembrou?
R – Na verdade, todas as atividades tinham alguma coisa a acrescentar. Então, por exemplo, que nem eles falavam: “Nunca se baseie que o seu intercâmbio vai ser tão bom quanto o da outra pessoa, ou vai ser pior do que daquela pessoa porque da pessoa foi ruim, o teu também vai ser”. E eles sempre faziam isso por meio de metáforas assim, vamos fazer um bolo pra todo mundo entender que o teu bolo não é igual o do outro, porque assim vai ser o seu intercâmbio. Teve um também que eles fizeram no Mercado Municipal, eles deram um cacho de banana e eles falaram: “Vamos tentar vender a banana pra pessoa e fazê-las entenderem o porquê aquilo é importante e você vender a banana pra eles”. Isso exercitava muito a comunicação porque você chega num país sem falar a língua deles, você não tem noção de nada e você tem que tentar falar o que tá acontecendo e oferecer o teu produto no quanto você pode falar, seja por sinais ou não sei, você tem que dar o seu jeito. Eram atividades que eram superdivertidas, mas que no final tinham um peso muito bom pra se acrescentar no intercâmbio.
P/1 – E conta pra gente quando chegou de verdade a hora de ir. Então de despedir da sua mãe, da irmã.
R – Eu fui meio assim não tô indo. Eu pensei: “Não é real. Não tá acontecendo isso comigo”. Aí eu já tinha virado amiga da menina que foi pra Costa Rica, ela também foi com a bolsa e ela era de Pomerode (SC). A gente acabou virando superamigas, a gente já foi juntas pro Rio de Janeiro. Lá todo mundo se encontrou, porque foi mais uma menina de Florianópolis que a gente não conhecia e mais uma de Goiânia. Lá a gente se encontrou, a gente começou a falar: “Gente, mas a gente tá indo mesmo? Por quê? Como?”. Então quando a gente chegou naquele acampamento que eu vi gente de todos os países possíveis, e gente que você tentava falar, por exemplo, as pessoas do Japão de 20 tinha uma menina que falava inglês e o resto não falava. Tinham pessoas de outros países que também não falavam inglês. A menina da Rússia não falava inglês e ninguém mais lá vai falar português além dos brasileiros. Se eles não falam inglês em que língua a gente se comunica já que a gente tá aqui pra aprender espanhol? Quando a gente chegou ali, principalmente as outras meninas que foram comigo porque elas não falavam inglês, elas tinham muita dificuldade pra se comunicar com os outros estudantes ali, a gente pensou: “Tá acontecendo. Isso é real, a gente tá aqui e agora vai”. Eu não tava crendo que aquilo tava acontecendo. Minha mãe chorando no aeroporto e eu: “Tá, mãe, mas eu vou voltar, são só cinco meses”. E não era real, não era real pra mim até você chegar lá e você ver que caiu a ficha.
P/1 – Como é que foi chegar e ver todo esse grupo diferente que você falou?
R – No que a gente chegou lá no país, tinha uma Van esperando a gente pra levar pro lugar da orientação. Eu já era aquela que eu colocava a cabeça na janela e ficava olhando: “Meu Deus, que país diferente, que não sei o que. Olha o cheiro, o ar é diferente, tem cheiro da flor”. Aí a gente foi de Van, só que no que eu já cheguei no aeroporto já tinham dois meninos que estavam com aquelas tags de mala da AFS. Eu falei: “Tá, vocês vieram pro intercâmbio também?” “Sim.” “Dá onde vocês são?” “Eslováquia”. Eu falei: “Meu Deus, tem gente da Eslováquia aqui. Isso não é de verdade!”. Quando a gente chegou lá na orientação, nossa, tinha muita gente, eu tentava conversar com eles, as pessoas não respondiam, eles falavam: “Não entendo o que você tá falando”. Só consegui falar ali no máximo com os americanos e eles que me explicaram que tinha gente da Islândia, tinha gente da Noruega, tinha gente da Dinamarca, da Suécia. Menina da Rússia que chegou super tarde porque, nossa, atrasou o voo dela, não sei o que aconteceu lá na Rússia. Mas foi muito diferente, foi muito choque, eu falei: “Meu Deus. Meu Deus, tá acontecendo!”. É muito diferente.
P/1 – E quais foram as suas primeiras impressões quando você apontou a cabeça pra fora na Van pra isso, pra sentir o cheiro, pra ver a flor? O que você viu, sentiu?
R – Já do avião dava pra ver porque todas as montanhas, só tinha montanha, montanha, montanha. Eu falei: “Meu Deus, só tem mato no país”. Porque era um país ecológico, eu fiquei: “Mas é verdade, só tem montanha”. Você via, sabe? Que nem você chega em São Paulo de avião, você vê prédios, prédios, prédios e lá você só vê montanhas. No caminho até pro lugar era só montanha, vegetação e flor. Era uma coisa que no Brasil eu nunca tinha visto e eu já falei: “Meu Deus, que legal que é isso”. Porque era superdiferente. Mas foi uma impressão assim muito positiva, eu falei: “Eu quero conhecer isso aqui o mais rápido possível”. Foi demais você olhar, e você olha de cima é uma coisa, você olha quando tá lá no meio, tá subindo a montanha assim você vê, sei lá, mais vegetação e animais e coisas assim. Nossa, era muito legal!
P/1 – E como foi o primeiro contato com a família? Quando você olhou pra eles cara a cara? Quer dizer, chegou a hora de conhecer fora as fotos ou as cartas que já tinham sido trocadas.
R – Eu fui a última pessoa de todos os intercambistas do AFS a receber a família. Até meu orientador contou pra mim que foi assim, que eles tinham o meu perfil, só que eles achavam que não se encaixava com nenhuma das famílias voluntárias, tinha, sei lá, 60 famílias voluntárias e todo mundo já tinha uma família. Aí disse que o escritório da AFS lá ligou pro meu orientador e falou: “Tenta encaixar essa menina nessa cidade porque a gente já não tem mais aonde colocá-la”. Aí a minha família tinha ligado pra ele dois dias antes falando que queria hospedar, só que queria hospedar no segundo semestre. Disse que ele teve que ligar pra família falando: “Tem uma menina, vocês não querem hospedar?”. Eles falaram que sim. No nosso contato pela internet eles eram muito frios, falei: “Será que vai ser daquela família que vão ficar em contato, que vai ser família mesmo ou vai ser daquela família que vai me esquecer e falar ‘Fica aí em casa’”. No que eu cheguei lá, eles levaram também de Van, todo mundo, um pra cada lado, foram entregando um em cada cidade. Quando a gente chegou lá na cidade, tinha eu mais uma menina da Suíça e a menina da Rússia, eles deixaram a gente no parque e a gente ficou esperando as famílias aparecerem. A minha família foi a última a aparecer, a gente ficou esperando muito, muito tempo. Quando eles chegaram foi muito estranho porque eu não sabia falar nada, eu sabia dizer tipo “Oi”. Foi superestranho, meu pai só guardou a minha mala lá no porta-malas, fechou, falou: “Vamos pra casa”. Isso era umas 11 e meia da manhã que eles deixaram a gente lá. Eu fui assim o caminho inteiro, olhando: “Aqui é a cidade? Que legal, né?”. E eles tentando falar comigo, eu não falava nada, a minha irmãzinha e o meu irmãozinho pequenos também ficavam olhando com aquela curiosidade tipo: “Nossa, do Brasil? É a primeira pessoa do Brasil que eu vejo”. E ficaram naquela curiosidade, mas aí a gente chegou em casa e na casa tinha uma parte externa com uma mesa e cadeiras e tal, então a gente sentou lá e começou a conversar. Só que eu não entendia o que eles queriam falar comigo, eles falavam e eu falava: “Por favor, fale mais devagar”. Eles não sabiam o que era devagar, daí eu me enrolava tudo porque eu não entendia. Aí eles me mostraram a casa, tudo, falaram: “Aqui é o armário, quer comer? Come”. Falaram: “Você tá em casa, a casa é tua, você é nossa filha”. Beleza. Já me receberam muito bem. Só que aí a gente teve aquela conversa lá fora que eu não entendia nada, ainda bem que eles falavam inglês, então quando eu não sabia uma palavra a gente falava em inglês e eles entendiam, mas no começo foi difícil por causa do idioma mesmo. As crianças não entendiam que elas tinham que falar mais devagar pra eu poder entender o que tava acontecendo... Eu ficava muito perdida, eu tava muito tímida, no primeiro dia eu ficava assim: “Ai, meu Deus, eu tô aqui, agora o que eu vou fazer?”. Primeira noite é superestranha porque você não se acostuma, você ainda tá com a tua mala feita ali, a tua família você não tá entendendo direito. Mas com o tempo foi... Ali com umas três semanas eu já passei a entender mais o jeito deles de falar, porque eles também usavam muitas gírias, então eu acabava ficando superperdida assim.
P/1 – Conta como foi a escola também e começar a se sentir em casa naquele lugar novo.
R – Na escola, o meu primeiro dia de aula foi superestranho. Nossa, eu cheguei e eu não tinha uniforme, não tinha nada, cheguei com a primeira roupa que eu tinha, uma camiseta da AFS com uma bandeira do Brasil na frente e falaram: “Você vai pra...”. Na verdade, o primeiro dia de aula era um dia que eles colocavam todas as salas no ginásio aí eles iam chamando nome por nome de pessoa pra ver em qual sala você ia. Eram uns 800 alunos assim, então demorava a manhã inteira pra eles chamarem um por um pra cada sala. Eu fiquei a manhã inteira lá e ninguém me chamou. Aí eu cheguei em casa, eu falei: “Eles não me colocaram na escola”. Daí ela: “Como assim?”. A gente foi, voltou na escola, no outro dia eles falaram: “Pode ir direto naquela sala que tua sala é aquela lá”. Eu fui, a primeira aula era aula de artes e eu cheguei falando assim: “Vocês são da 11-5?” “Sim. A gente é da 11-5.” “Obrigada”. Eu só sabia falar isso. Aí a menina: “Por quê? Você vem com a gente?” “Sim”. Aí a menina começou a gritar. Falei: “Como assim? O que tá acontecendo?” “Meu Deus, a intercambista vem com a gente, é o Brasil”. Eu ficava assim: “Gente, mas eu sou igual a vocês, eu só venho do Brasil”. E eles superfelizes e começavam a falar um monte comigo, eu super entendendo nada, mas foi assim, todo mundo surtou, sabe? Acho que eles estavam mais felizes do que eu de ter uma estrangeira dentro da sala pra conviver ali. “Como é que fala isso em português? Como é que não sei o quê?”. Então foi estranho porque eu não entendia, mas foi legal porque eles me recepcionaram muito bem na escola.
P/1 – Conta como é que foi essa experiência, de algum evento marcante ou alguma viagem lá dentro, ou alguma coisa que tenha te marcado por ser diferente ou por...
R – Deixa-me pensar. Todo final de semana eu tentava fazer uma viagem pra conhecer alguma coisa diferente e a minha família gostava muito de viajar. A gente, sei lá, ia pra praia e experimentava uma comida diferente. Ia pra outro lugar, que eu falava: “Eu quero conhecer esse lugar.” “Vamos. Vamos adaptar um dia, a gente vai todo mundo junto”. Então eu acho que todas as viagens que a gente fez marcaram pra mim porque eu fiz uma lista, conforme o intercâmbio eu fui marcando o dia e pra onde eu fui. Se eu pegar aquela lista e olhar agora todas as datas de todos os lugares eu sei descrever perfeitamente onde a gente foi e qual o cenário que a gente viu. Eu acho que o principal, o mais diferente é que eles apareciam com uma comida diferente que eu não era acostumada a comer no Brasil. Teve um dia que foi quase quando eu tava indo embora, que o meu pai chegou com um polvo e eu sempre tive aversão assim, sabe? Eu olhava aquele negócio, ficava tipo: “Ui, como é que você come isso?”. E ele chegou e falou: “Nossa, tá uma delícia. Ó aqui”. Jogou na minha cara o polvo. Eu fiquei: “Ah, meu Deus, que nojo”. Mas eu era dessas, sabe, fecha o olho e come. Eles sempre apareciam com umas coisas muito estranhas que eu jamais comeria se eu ficasse no Brasil. Então isso eu acho que são as partes que mais marcam, as experiências novas que eu tive, ou até conversas com intercambistas que eles contam e mostram imagens de coisas que existem nos países deles, sabe? É uma coisa assim que acho que é um aprendizado que marca muito, você saber, por exemplo, o que é uma comida típica da Islândia, que eles comem cabeça de cabra, que eles comem muito peixe cru, ou que o país funciona de tal jeito e que tem, sei lá, 300 mil habitantes num país inteiro. São coisas eu acho que marcam você, todo esse conhecimento que você obtém também.
P/1 – E conta um pouco dos seus amigos de lá. Quem eram? Quem ficou mais seu amigo durante toda essa experiência?
R – Olha, uma coisa que chegaram a me dizer lá era que eu era uma das AFSers, das intercambistas da AFS mais sociáveis porque eu tentava falar com todo mundo, sabe? Eu sempre fui muito curiosa. Eu queria conhecer e falar com uma pessoa da Alemanha sobre: “É verdade que aquilo é assim lá? É verdade que no Japão funciona de tal jeito?”. Então eu falava com todo mundo, mas os meus amigos principais ali foram as pessoas da minha cidade, que era a Lilia da Rússia e a Sara da Suíça. Teve o Carlos que é dos Estados Unidos, que ele também virou meu melhor amigo da vida, porque foi a pessoa que eu mais me identifiquei porque um dia, eu não sei por que, ele foi conhecer a minha cidade. A Sara me ligou falando assim: “Paula, vem aqui, o Carlos tá aí, vamos sair”. Eu falei: “Tá. Vamos”. Só que isso foi num sábado e no domingo eu ia pra praia, meus pais tinham falado: “Paula, convida os teus amigos”. Eu tinha convidado a Sara, a Sara não podia ir, aí eu convidei a Lilia, só íamos eu e a Lilia e os meus pais. Daí eu falei: “Carlos, vamos juntos pra praia, já que tá por aí mesmo vamos passear”. Aí ele ia ficar dormindo lá em casa, porque ele morava numa outra cidade que era longe pra ir e voltar e a gente saía às seis da manhã. Ele ficou lá e a gente começou a conversar, eu realmente tinha falado muito pouco com ele até aquele ponto. No que a gente começou a conversar, ele começou a contar a história da vida dele, eu me identifiquei muito com a história dele. Também ele tem uma história muito marcante que a gente começou a chorar, os dois chorando juntos. Nossos pais chegaram: “Que vocês estão chorando aí?”. Então acabou que ele virou o meu melhor amigo por a gente se identificar demais um com o outro e sempre que a gente ia sair era: “Vamos juntos. Você tem que ir porque não vai ser legal se um não for ou se outro não for”. Ele acabou virando o meu melhor amigo mesmo e até hoje a gente é todo dia se falando: “Como é que tá aí? Como é que tá aqui? Porque eu tenho que te visitar no Brasil. Porque você tem que me visitar nos Estados Unidos”. E assim vai. Mas aí também tinha uma menina da República Tcheca que virou muito minha amiga. As pessoas da Alemanha eu acabei ficando muito próxima delas também em geral porque era um grupo que a gente sempre organizava e saía junto. Então sempre que dizia: “Ah, hoje eu não tenho aula, é feriado, sei lá. Vamos sair? Vamos fazer alguma coisa?” “Vamos”. Marcava todo mundo, ia pra capital e a gente, sei lá, saia a comer, ou saía a visitar um teatro, ia assistir a uma peça musical, alguma coisa, ia todo mundo junto. Acabou virando uma galera muito unida assim.
P/1 – E como eram as aulas? Você sentiu que elas eram diferentes das do Brasil?
R – Eram. Primeiro que lá a minha aula era das sete da manhã até às 11 e 20 e do meio dia e 20 às quatro e meia da tarde. Então, era uma carga horária muito pesada, eu cheguei com aquele horário eu falei: “Meu Deus, como que eu vou aguentar tudo isso?”. E aqui eu estudava às vezes era das oito e 15 até as três e meia, quatro e 15, por aí, e lá era direto. Eles tinham aulas, por exemplo, de Literatura Inglesa, que a professora ia, pegava um livro em inglês, liam, acompanhavam pra aprender melhor aquilo enquanto aqui, o inglês daqui era muito básico. Por exemplo, o professor não podia ensinar uma coisa supercomplicada porque tinha gente que não tinha nem o básico e tinha gente que se você ensinasse o básico a pessoa já sabia porque já era fluente. Era uma coisa que não tinha como medir. Lá era bem igualitário isso porque eles tinham inglês escrito, inglês oral e literatura inglesa. Eram três matérias totalmente diferentes. Aí também eles tinham Estudos Sociais, isso na verdade era Geografia e História na mesma matéria, eles não têm separado. Lá também não tem aula de Filosofia, mas tinha aula de Música. E não tinha aula normal de Artes, era Artes Plásticas que era um negócio mais manual, não era ficar fazendo desenho que nem a gente faz no Brasil. Aí também tinha Ensino Tecnológico que eu fiz... Tinham vários, tinha Computação, você podia continuar em Artes e eu fiz... Não era Economia. Como que é o nome disso? Contabilidade. Que era uma aula superdiferente que era uma tarde inteira que você ficava lá aprendendo contabilidade. Só tinha um menino da minha sala que fazia essa matéria, então eu queria fazer. Eu queria fazer Desenho porque eu adoro desenhar, mas eles falaram: “Não, você vai fazer Contabilidade”. Eu fiquei meio perdida, mas era bem diferente, era uma coisa que aqui eu não tinha, era bem legal até.
P/1 – E como é que era almoçar na escola?
R – Eu não almoçava na escola porque minha casa era perto da escola: eu saía rápido, chegava em casa, comia, pegava minhas coisas e voltava pra escola. Mas tinha gente que ficava lá às vezes.
P/1 – E o uniforme como é que era?
R – Superdiferente daqui. Porque era aquela camisa bonitinha fechada com o emblema da escola bordado, o nome da pessoa bordado do lado e calça também social. Como lá às vezes fazia muito calor, as meninas podiam usar saia, mas era saia até o joelho com uma meia azul até metade da panturrilha e sapatilha preta. Você era obrigada a usar um sapato preto. Se você fosse com um sapato preto com a sola branca, vai levar advertência, vai levar no caderninho porque não pode, tem que ser inteiro preto. Aqui já não. Aqui você pode ir com um tênis, pode colocar a calça da cor do uniforme e uma blusa branca, já é teu uniforme, mas lá era super-rigoroso com uniforme.
P/1 – E aí como foi quando você sentiu quando tava já aprendendo a língua? Pra quem chegou falando um oi assim meio...
R – Porque eu cheguei e eles falaram que eu cheguei falando espanhol, mas eu fui com aquela ideia do brasileiro fala espanhol, né? A gente fala português, é quase a mesma coisa. Eu cheguei colocando “ito” no final de todas as palavras, eu falei: “É assim que funciona”. Mas não era assim. Com o tempo eu ia acostumando. Até o segundo mês, mais ou menos, eu tive muito problema com a conjugação dos verbos, porque era muito diferente do Brasil. Principalmente, o verbo do “fazer”. Eu nunca sabia. Aí eu fazia tabelinha assim, colocava na parede pra aprender aquilo porque eu não memorizava. Não tinha o que me fizesse memorizar aquilo. Um dia eu falando com o meu pai hospedeiro ele começava a me corrigir, eu falei: “Mas eu tô falando certo, eu tô decorando.” “Não, Paula, tá errado”. Então eles sempre me corrigiam. E eu pedi pras pessoas me corrigirem, eu falei: “Eu tô aqui pra aprender, então não vai ser ofensivo se você me corrigir. Eu vou agradecer se você me corrigir”. Eu acho que eu acabei aprendendo mais rápido do que as outras pessoas que foram porque eu era muito: “Eu não vou falar português”. Até tinham os outros bolsistas da América Latina que foram pros outros países que a gente acabou se conhecendo também. Então, sempre no grupo, no que todo mundo foi pro intercâmbio a gente falou: “Galera, vamos começar a falar espanhol aqui, praticar, um corrige o outro e tchau português”. Porque você falar o teu idioma é uma coisa que prejudica e você começa a confundir, você fala uma palavra em português, outra em espanhol. De repente, eu vinha falar com a minha família, a minha mãe brincava muito comigo, porque ela falava: “Paula, você tá falando ‘porrrrque”’. Porque lá eles usavam o R muito enrolado. Eu acabei falando, falando muito espanhol que quando eu cheguei eu tava com um sotaque horrível, puro espanhol falando português. Mas eu acho que demorou uns dois meses pra eu estar segura que eu consigo falar aquele idioma. Mais ou menos, né, porque sempre tem uma palavra que vai, sei lá, causar problema na tua vida inteira porque você não entendeu o que é e estragou com a frase inteira. Mas aí eu sempre perguntava, eles falavam em inglês o que é, ou às vezes tem palavra que nem tradução tem porque é uma gíria, ou que é uma frase que é uma gíria que se usa pra falar em tal momento. Aí eles tentavam descrever aquilo pra mim e aí eu conseguia usar. Uns dois meses eu senti que tava fluindo ali o idioma.
P/1 – E como é que foi voltar?
R – Pois, olha, eu acho que foi mais surreal do que ir. Eu fiquei lá cinco meses, só que eram cinco meses que até o segundo mês parecia que não passava, você ficava lá e era todo dia aquela rotina, você falava: “Nossa, mas ainda to no segundo mês”. Passou da metade do intercâmbio, voou. Então a gente era: “Meu Deus, vamos fazer tudo porque a gente só tem mais quatro finais de semana, porque só não sei o que”. Quando a gente tava voltando, todo mundo no aeroporto, todo mundo junto brincando, parecia que era o dia que a gente saía pra ir ao teatro, por exemplo. Eu falei: “Mas tá, a gente tá no aeroporto, legal, woohoo”. Quando eu tava no avião e aquele avião decolou e eu vi aquela cidade de cima eu comecei a chorar. Eu falei: “Não. É verdade, eu tô indo embora”. Mas não dava pra acreditar. Eu falei que eu ia chorar muito na despedida, mas eu não chorei. Sabe o que é você não conseguir chorar porque você não tá acreditando que aquilo tá acontecendo? Eu acho que talvez tenha sido mais difícil do que ir, porque você já tá acostumado com aquilo, você já tá acostumado com aqueles teus amigos. E uma coisa que eles falaram na minha última orientação da AFS na Costa Rica é o seguinte: “Você vai chegar no Brasil e vão ter pessoas que não vão te entender, que você vai falar pra elas, elas vão pensar, ‘Tá, que legal. Parabéns pra você que foi no intercâmbio, eu não fui, eu não sei o que se passou’. E vocês vão chegar e vai estar tudo a mesma coisa”. Eu não acreditava naquilo, mas sabe o que era você chegar na tua cidade e você realmente ver que tá todo mundo fazendo as mesmas coisas, morando na mesma cidade, e você em cinco meses mudou tua vida porque você viu lugares diferentes, você conheceu pessoas do mundo inteiro. Acho que eu demorei, sei lá, um mês pelo menos pra eu entender que eu tava de volta e que agora tem que seguir em frente porque a minha vida da Costa Rica ficou por lá, mas os amigos a gente sempre leva. Eles falavam: “Vocês não vão manter o mesmo contato”. E é verdade porque tinha gente lá que a gente sempre falava e agora já não é mais aquela coisa, sabe? Tá cada um no seu país, vivendo a sua vida, se perguntar: “Como é que tá aí?”. Lá eles ainda estão no Ensino Médio, por exemplo, tem gente na Alemanha que vai ser formar só daqui quatro anos, em quatro anos eu tô me formando na faculdade. Eu acho que é mais diferente você se readaptar ao teu país do que se adaptar no país que você foi no intercâmbio.
P/1 – E conta pra gente assim o que foi que você mais sentiu falta do Brasil quando você estava na Costa Rica, e o que mais você hoje sente falta da Costa Rica estando aqui no Brasil.
R – O que eu mais senti falta lá eu acho que a comida. Por um lado sim, por um lado não porque eu amava a comida de lá, mas existiam coisas... Eu cheguei a levar comida daqui pra eles conhecerem. Mas tinham coisas assim, por exemplo, batata palha não existe lá e eu chegava: “Gente, vamos fazer um strogonoff.” “O que é strogonoff? Eu não sei o que é isso.” “Tá, mas comprem uma batata palha.” “O que é batata palha?”. Não existe. Você vai no mercado não existe. Eu acho que por um lado era muito a comida típica brasileira, você querer comer uma coxinha, não existe coxinha na panificadora, você querer um pão de queijo, não existe pão de queijo. Também claro, família, que é uma coisa que você sempre vai sentir falta, teus amigos, os mais próximos você vai sentir falta, mas é uma coisa que eu conseguia me sentir mais perto falando com eles. Eu tentava falar bem, por exemplo, mais de uma hora pelo menos uma vez na semana, porque eu sei que se eu falasse todo dia com eles ia interferir no meu intercâmbio, eu acho que eu ia ficar muito com a cabeça no Brasil enquanto eu devia tá vivendo lá. Agora uma coisa que eu sinto muita, muita falta da Costa Rica, principalmente por lá ser um país pequeno, você pode ir de carro, de ônibus a qualquer lugar do norte ao sul em cinco horas e aqui é tudo longe. Se eu quero viajar, eu não tenho muita opção porque é superlonge. Por exemplo, eu tenho que ir até Curitiba, três horas de ônibus, pegar um avião pro norte do Brasil dá o quê? Cinco horas. Lá não. Lá você em três, quatro horas se duvidar já estava lá em Nicarágua ou no Panamá. Da minha família lá, eu sinto muita falta deles porque eu senti que eles eram família, família mesmo. Eles me acolheram de um jeito... Eles me tratavam muito como filha. A gente sempre ia jantar juntos, era todo mundo na mesa e a gente falava sobre a vida ou sobre conspirações, a gente tinha sempre muito assunto. Eu sinto muita falta de estar toda a família unida jantando e falando. Eles falando tanto das experiências deles com intercâmbio quanto eu falando como é o Brasil, alguma coisa assim. Mas também comida de lá é uma coisa que aqui você também sente muita falta. Acho que são os principais, é a família, comida, amigos, mas também acho que o que eu sentia falta lá era o contato mais próximo com as pessoas. Porque lá, por exemplo, você não pode abraçar um menino que nem você pode abraçar aqui porque ele é teu amigo. Lá eles já vão ficar te olhando assim: “Opa. Opa”. Sabe? Eles entendem uma coisa errada sendo que aqui não tem problema, você pode andar com qualquer amigo e beleza. Também eu acho que mesmo assim amiga, alguma coisa assim você não tem um contato tão próximo. Eles são muito acolhedores, mesmo, mas o negócio de você abraçar uma pessoa já é muito mais íntimo. Que nem aqui a gente é um beijinho, dois beijinhos. Lá não. Lá você cumprimenta, dá um abracinho e pronto, não é que nem o jeito brasileiro. Eu acho que o jeito brasileiro é uma coisa que você sente muita falta em outro país também.
P/1 – Agora falando dessa sua volta, você já tinha terminado o colégio quando você foi ou você terminou quando você voltou?
R – Não. Eu já tinha terminado.
P/1 – Como é que foi chegar? Você foi fazer cursinho? Quais foram os seus passos?
R – Eu não sei por que, eu sou meio apressada, sabe? Eu falei: “Tá, mas eu já to um ano adiantada. Já que eu tô um ano adiantada eu posso fazer intercâmbio porque eu vou ficar assim, não sei, no ano certo, por exemplo”. Aí eu voltei sem saber de nada, eu só sabia que eu queria estudar Relações Internacionais, aí eu apliquei pra universidade nos vestibulares de inverno aí eles me aceitaram. Eu fiquei um mês na minha cidade já me mudei de novo. Eu fui morar no litoral de Santa Catarina onde eu estou estudando agora.
P/1 – E onde que você está estudando?
R – Em Balneário Camboriú na Univali [Universidade do Vale do Itajaí].
P/1 – E como é que foi essa experiência de faculdade já, o primeiro semestre que já foi, está agora começando o segundo?
R – Pois, olha, eu achei muito legal. Porque eu tinha aquela certeza que eu queria fazer aquilo, mas eu ainda ficava meio pendendo assim: “Mas será que é isso que eu quero?”. Então no que eu entrei na faculdade, como eu já disse que eu amo história, meu professor de História pra mim lá é o melhor professor que eu já tive assim na vida. Então eu sempre, sabe, é aquele negócio de você chegar na segunda-feira, você falar: “Meu Deus, eu vou ter aula de História amanhã porque é superlegal”. E os meus amigos também lá da faculdade, muitos já viajaram, muitos já fizeram intercâmbio, então é uma troca boa assim, eu acabei também ficando bem amiga de todos e eu amo o curso.
P/1 – E quais são os seus planos pro futuro?
R – Eu quero me formar, mas antes eu quero fazer um intercâmbio pela faculdade ou eu quero trancar a faculdade um ano pra fazer voluntariado fora. Porque eu falei, foi meu primeiro intercâmbio e não vai ser o último porque eu quero fazer muitos, muitos mais ainda.
P/1 – Como que tá a sua relação com a AFS? Como que você pretende manter essa relação assim?
R – Eu acabei meio que virando amiga dos voluntários, então a gente sempre tem aquela troca que a gente tem um grupo lá na internet que a gente sempre fica mandando mensagem, todas as pessoas, também os que estão no intercâmbio agora. Então a gente fica conversando: “Como é que tá aí na Dinamarca? Como tá na Alemanha? Como tá no Brasil?”. Então é uma troca assim bem legal que eu ainda mantenho o contato tanto com os amigos da AFS que são os voluntários e os que foram viajar. Eu queria ser voluntária, só que não tem comitê onde eu moro, então eu acho que eu vou ter que esperar até... Não sei se eu me mudo pra Florianópolis, que tem um comitê lá ainda, ou não sei pra onde que eu vou, mas quando eu for e tiver um comitê da AFS eu queria ser voluntária. Mas eu também, um dia se der oportunidade, não sei, eu super mandaria o meu currículo no escritório nacional da AFS porque eu adoraria trabalhar com os intercambistas porque eu acho muito legal. Mesmo que você já tenha, sei lá, 50, 60 anos de idade você ainda ter essa troca, é uma coisa que eu muito ia adorar de ter.
P/1 – E conta pra gente qual você imagina que tenha sido o seu maior aprendizado como intercambista?
R – Na verdade , a gente aprende muita coisa, mas eu acho que o mais valioso é que a gente aprende a ser mais independente e a gente fica muito, muito mais maduro. A gente aprende a respeitar o outro, a gente aprende sobre uma cultura que você... Às vezes você podia pensar: “Ah, mas aquela pessoa é da Índia e na Índia eles fazem tal coisa”. Você cria um preconceito com aquilo, mas você conhece uma pessoa da Índia você fala: “Nossa, que legal que é”. Eu acho que é um crescimento pessoal que eu acho que é o que você mais aprende com o intercâmbio é que você cresce, você cresce muito. E te muda em todos os sentidos, mas sempre pra melhor.
P/1 – E quais são as coisas mais importantes pra você hoje?
R – Eu diria que sempre família e amigos, que são a minha base. Tanto minha família daqui quanto minha família da Costa Rica porque a gente ainda sempre mantém contato. Eles me mandam mensagem: “Ai, Paula, saudade. Paula, você não tá aqui pra conversar com a gente. Ai, Paula, o Natal foi triste porque a gente tava lembrando de você”. Então eu valorizo muito, muito, muito minhas amizades e a minha família.
P/1 – Tá certo. Como você diria que o AFS mudou a sua vida ou ter conseguido essa bolsa mudou a sua vida?
R – Eu acho que, eu não sei, mas eu acho que tudo que eu sou agora, nesse momento, eu devo muito a AFS por eu ter conseguido a bolsa e por eu ter tido essa experiência. Eu não sei se eu seria tão madura ou tão responsável que nem eu sou atualmente se eu não tivesse ido pro intercâmbio e não tivesse passado por uma experiência assim.
P/1 – Assim, o que significa ter sido bolsista desse programa SH15?
R – Olha, eu acho incrível o que a AFS faz assim por dar a oportunidade da bolsa pras pessoas. Porque eu sempre desde que eu tive o desejo lá eu procurava, procurava e não existem. Então existem pessoas que apesar de terem esse sonho não têm como. Então eu acho muito bonito que a AFS dá esse espaço pra essas pessoas que não podem pagar um intercâmbio e eu acho que a gente honra muito bem. Eu acho que é uma coisa muito bonita que a AFS faz porque a gente aproveita e a gente cresce, e a gente aprende. Eu acho muito bom. Eu espero realmente que a AFS continue fazendo isso por muito e muito tempo.
P/1 – E aí o que você vai guardar da Costa Rica pro resto da vida, você acha que você vai ter sempre, vai lembrar sempre?
R – Eu acho que todos os momentos que eu vivi lá. Porque, sabe, é uma coisa assim que você tá passando por alguma coisa no teu dia hoje, você tá falando com um amigo teu, você fala: “Nossa, mas você sabia que quando eu tava no intercâmbio eu fiz tal coisa?”. Sempre você relaciona o que você viveu com algum momento que tá vivenciando agora. É o que eu digo, a Costa Rica ficou como o meu segundo país porque eles me aceitaram lá de braços abertos, eles me mostraram tudo como era, como funcionava, como eles falavam sobre tal coisa ou isso, como era a cultura. Então eu tenho muito desejo de voltar pra lá algum dia porque realmente lá é o meu segundo país e eu tenho lá minha segunda família, minha vida e tudo mais.
P/1 – Tá certo. E quais são seus sonhos, Paula?
R – Pois, olha, eu sonho muito. O meu primeiro sonho que era fazer intercâmbio, que eu já realizei, que eu acho que era o meu sonho maior e eu acho que o meu sonho agora é me formar... Não é ser alguém na vida, é ser alguém importante, sabe? É você saber que algum dia você contribuiu pra vida de alguém e que as pessoas vão lembrar quando você não estiver ali naquele momento, ou quando você morrer as pessoas falem: “Ah, mas a Paula existiu”. Alguma coisa assim. Então eu acho que o meu sonho é que as pessoas lembrem de mim por ter feito alguma coisa boa.
P/1 – Em nome do Museu da Pessoa e também do AFS a gente agradece muito a sua entrevista, Paula. Muito obrigada.
R – Obrigada a vocês.
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