Programa Conte Sua História
Depoimento de Roberto Soares Hungria
Entrevistado por Carol Margiotte e Gabriela Ramos
São Paulo, 12/03/2019
Realização Museu da Pessoa
PCSH _ HV737 _ Roberto Soares Hungria
Transcrito por Mariana Wolff
Revisão / Edição – Paulo Rodrigues Ferreira
MW Transcrições
P/1 – “Seu” Roberto, boa tarde.
R – Boa tarde a todos.
P/1 – É um prazer recebê-lo aqui, mais um de Itapetininga aqui no estúdio do Museu da Pessoa, muito obrigada por ter vindo hoje à tarde.
R – Eu que agradeço muito. Eu acho... Estive pensando na viagem... Nesses meus oitenta anos, foi um dos convites mais gostosos que eu recebi. Eu estou vindo aqui com uma satisfação imensa, gostei demais de ser convidado. Foi um troféu para mim.
P/1 – Ah, que bom, “seu” Roberto. Espero que o senhor goste da nossa conversa aqui hoje. E para a gente começar então, quero que o senhor fale o seu nome completo.
R – Roberto Soares Hungria, nascido em 16 de novembro de 1938, na cidade de Itapetininga - 165 mil habitantes - cidade mais próxima de Sorocaba. Meus pais, Gumercindo Soares Hungria e Maria Dulce de Lima Hungria, somos seis irmãos. Infelizmente, três faleceram agora, há pouco tempo, mas ficaram saudades e a gente curte muito a história deles também, que conviveram muito tempo com a gente. Meus pais… O meu pai formou-se em Odontologia, na USP. Não foi capaz de fazer um trabalho odontológico, já passou para o comércio e fundou… Criou uma casa, lá em Itapetininga, chamada Casa Zebu, famosa, foi fundada em 1918. Uma casa que vendia ferragens e artigos para cavalo - boi, cavalo. Por exemplo, tinha selas mexicanas, rédeas, estribo, freio, arreio de uma maneira geral, pelego, tudo isso. Ficava no caminho do tropeirismo da cidade, que ia de Sorocaba, passava por Itapetinga e ia para o Rio Grande do Sul. Então, ali ficou a Casa Zebu, na frente, para as pessoas fazerem compras. Havia umas argolas na sarjeta ali, onde as pessoas montadas a cavalos paravam e amarravam a rédea naquela argola para poder entrar e sossegadamente ali. Tinha na frente... Papai mandou fazer um cavalo de madeira, feito por um artesão alemão - Fernando Cornílio o nome dele. Papai contratou um cavalo e um boi, o artesão fez o cavalo, entregou, em seguida teve uma pneumonia e faleceu, não deu para fazer o boi. E o cavalo ficou famoso na região inteira. Papai faleceu com noventa e três anos. Um pouco antes, ele foi ao médico aqui em São Paulo, Doutor Jorge, que começou a fazer a ficha dele - Gumercindo Soares Hungria, “De que cidade o senhor é?” “Itapetininga”. Ele parou e falou: “Puxa vida, eu tenho uma memória, uma lembrança de Itapetininga. Antes de fazer Medicina, quando eu fazia Colegial, quando eu tirava notas boas, papai tinha uma fazenda no norte do Paraná e me prometia: ‘Se você tirar notas boas, eu vou levar você para subir num cavalo que tem lá’”. Bom, papai muito quieto, falava o necessário, nunca falou: “Roberto faça isso, Roberto não faça isso que eu não gosto”, ele dava o exemplo dele. Recebeu título lá em Itapetininga, de Patriarca da dDgnidade, muito correto. Mas voltando ao médico, e o médico começou a contar: “Nossa, eu estudava para ir bem só para subir num cavalo que tinha lá”. E o meu pai quieto, “Nossa, que coisa deliciosa, eu tenho fotografias, tenho uma lembrança daquela fase muito grande”. Dai perguntou para o papai: “Ainda existe aquele cavalo?” O papai só falou: “Existe, e é meu” (risada). Foi uma risada única, porque o homem caiu da cadeira quase, de ouvir que era dele o cavalo. Então, tem umas histórias do papai desse tipo. E a minha mãe... Já falava muito, compensava o que o meu pai deixava de falar. Quando ia visita na minha casa, a mamãe preparava o papai: “Olha, vem fulano, gosta de conversar sobre política, converse, fale isso, fale aquilo”. A pessoa chegava e ia embora, o papai não falava nada. Mamãe falava: “Mas como é que você não falou nada? Preparei tanto você!” “Esqueci de falar”. Era assim, meio que por timidez. Mas a minha mãe é sobrinha de um escritor famoso de Tatuí, chamado Paulo Setúbal, irmão da minha avó. Estudou piano, lia muito, faleceu com noventa e três anos também. Papai era onze anos mais velho do que ela, mas faleceram com a mesma idade. E ela estudou piano até os noventa anos, tinha aula de piano e tocava muito bem. Era o passatempo dela predileto. Fizeram bodas de ouro e de diamante – sessenta e quatro anos - pouca gente consegue, é difícil. Um senhor que foi à festa de sessenta e quatro anos teve uma parte muito interessante: ele era gerente do Banco do Brasil, pessoa importante, começou a beber e chorar de alegria de estar na festa e depois, inventou... Falava para todo mundo que queria levar o meu pai para tirar um eletroencefalograma no dia seguinte, na Santa Casa. Mas dai perguntaram: “Mas por quê? O que está acontecendo?” “Quero saber o que se passa na cabeça de um homem sessenta e quatro anos casado e ainda dá risada”. Foi uma risada geral de todo mundo, e ele contando isso e falando. Mas foi uma festa muito grande lá. Acho que falei muito deles.
P/1 – Não, está ótimo. Tem até mais histórias para contar sobre eles, mas eu fiquei interessada nas aulas de piano da sua mãe. Que músicas o senhor se lembra dela tocar?
R – Tinha uma música que era a predileta dela. _____00:10:09_______ do compositor francês ____00:10:13____. Ele fez essa música, é uma música linda. Ela tocava à noite para o meu pai, antes de dormir, isso foi durante longo tempo. Quando talvez enjoada de tanto tocar... Daí o meu pai gostava muito de jogar buraco, baralho, com os primos, sobrinhos dele; quase toda noite saía de casa para jogar. Dai, para variar um pouco, ensinou minha mãe a jogar e ela aceitou - ela era uma companheira especial. Aceitou. No começo, papai ganhava dela toda noite, e o meu pai contente de ganhar dela. Daqui a pouco, minha mãe pegou o jeito do joguinho, começou a ganhar do papai, ele desistiu de jogar (risos). São histórias que ficam, sabe? Então, tem mais histórias para falar deles, mas podemos falar de outras coisas
P/1 – Sim. Voltando então lá para o comecinho de Roberto, o senhor sabe por que os seus pais lhe deram esse nome?
R – Olhe, falam que foi uma homenagem a São Roberto. Apesar de que eu nasci em novembro, São Roberto é em junho, o dia dele. Mas, seis filhos... Eu sou o caçula, acho que gastou as preferências com os meus irmãos e irmãs e me chamou de Roberto.
P/1 – E o senhor sabe como foi o dia do seu nascimento? Seus pais lhe contavam?
R – Contavam. Eu nasci às duas e meia da tarde, em Itapetininga, e um parto complicado - eu nasci com cinco quilos. Na hora de festejar, o médico parteiro falou: “Não é para festejar muito porque com esse peso, vai ter alergia durante a vida. Muito peso”. E bateu em cima, fui um cara alérgico, tive asma desde os seis meses e ele não deve ter chutado, porque ele acertou em cheio. Não é interessante criança nascer muito gorda, segundo ele. Ele, médico... Porque o médico lá em Itapetininga, via a gestante e falava: “É homem”. Corria no livro dele: “Mulher”. Então, nunca errou na vida. Quando falavam: “Mas o senhor falou que ia ser homem”. “Não, acho que o senhor está enganado, está aqui escrito – mulher - eu nunca erro, está aqui”. Fez isso para uma série de gestantes e acertava sempre. E esse outro... Eu estive lendo, eu sou dentista e gostava muito de ler assuntos médicos, terapêutica e etc., tem uma certa ligação. E ele, para falar isso, não ia dar um fora, possivelmente. É esse o assunto.
P/1 – E, “seu” Roberto, o senhor sabe como os seus pais se conheceram?
R – Minha mãe nasceu em Tatuí, na casa onde nasceu o escritor Paulo Setúbal. Hoje tem um museu muito grande (pausa)
R – Mamãe nasceu em Tietê e foi muito nova para Tatuí, morou na mesma casa do escritor famoso de Tatuí, que é Paulo Setúbal. Hoje, em Tatuí, ele é considerado o grande filho da cidade. O maior museu que tem em Tatuí é o Museu Paulo Setúbal, e ali a gente nota… Inteirinho, é um prédio grande, bonito, tudo dirigido à história do Paulo Setúbal. Nós, do lado da minha mãe, tínhamos muita coisa do Paulo Setúbal, cedemos ao museu. O Paulo Setúbal foi padrinho de casamento dos meus pais, então tem cartão, mandava livros, fotos e etc. Transportamos tudo a pedido da Prefeitura, as coisas todas foram para o museu de Tatuí. E o papai, dentro da sua pergunta, frequentava ali a região, conheceu a mamãe, depois tiveram um encontro em Itapetininga, num baile, namoraram um tempo, casaram e viveram mais de sessenta e quatro anos com muito amor, os dois, sabe, um amor realmente… Mamãe falando muito, papai quieto. Se atraíram nisso, ele passava a palavra para mamãe. Mamãe muito linda e pianista, na hora ‘agá’ de visitas, era ela que ia tocar piano e etc. E viveram muito felizes. Tiveram seis filhos, eu sou o caçula. O mais velho, Juiz de Direito; as duas mulheres professoras; o outro irmão Fiscal de Rendas, está vivo, e um acima de mim, Promotor de Justiça. E eu, dentista. Então, está mais ou menos o quadro da família, começando com o papai e com a mamãe.
P/1 – E quando eles se casaram, eles foram morar aonde?
R – Em Itapetininga. Moraram lá a vida toda. Apaixonados por Itapetininga, o papai foi presidente do Clube Venâncio Ayres, é dos quatro clubes mais velhos de São Paulo, fundado em 1888, mais de 100 anos, foi presidente do clube, ele foi Vereador, foi candidato a ser Prefeito. Na hora de lançá-lo, ele falou: “Tem um primo, Soares Hungria, que eu considero melhor administrador do que eu, acho melhor convidar”. Estavam indo para lançar a candidatura. Foi um grande Prefeito da cidade, Paulo Soares Hungria. Outros irmãos foram Prefeitos da cidade e a família realmente é muito grande. De todas as cidades, a família que tem mais Soares Hungria é Itapetininga, com mais de duzentos membros. As outras cidades… Por exemplo, São Paulo tem mas não chega a cem. Então é mais ou menos isso e papai foi Secretário do Prefeito, vários Prefeitos convidaram e ele, por ser uma pessoa muito honesta - cheguei a falar numa das outras perguntas - ele é o único de Itapetininga que recebeu o título de Patriarca da Dignidade. Isso serve como exemplo, a nossa família se baseou muito nisso, é uma família que a gente fala que tem neurose de Gumercindo, nome do meu pai. Por exemplo, tem conta para pagar segunda-feira, raciocínio do grupo: pode chover segunda-feira, vai dar problema, vamos pagar quarta-feira, está um dia de sol. Ninguém faz isso no Brasil. Normalmente, vence segunda-feira, paga-se, ou não dá, ou mais à frente. Tudo baseado nessa honestidade do meu pai, que ficou uma marca dentro da família.
P/1 – E “seu” Roberto, por que ele não chegou a exercer a Odontologia?
R – Apareceu o convite para ele abrir essa Casa Zebu, em 1918. Mesmo com título de dentista formado na USP, não chegou a fazer uma restauração. Pessoal até brincava com ele, não chegou a colocar um algodãozinho com Eugenol, por exemplo, em dor de dente na cratera ali do dente. Colocava-se muito isso para passar a dor de dente. Foi direto para ser o proprietário dessa Casa Zebu, que foi uma casa de muito sucesso, que deu para criar seis filhos estudando fora e isso daí, naquela época, ele não era nada ambicioso. Casa Zebu indo muito bem, os bancos procuravam o papai: “Vamos dobrar o capital, vamos comprar mais isso, vamos fazer isso que está moderno”. “Não quero, está bom assim, não quero sair desse tipo de serviço de trabalho, estou contente, está dando para pagar estudo dos meus filhos”, e ficou nisso.
P/1 – Eu queria que o senhor me falasse o nome dos seus irmãos, tudo por ondem de nascimento.
R – Primeiro, uma mulher, Maria Helena, chamada de Lelita, faleceu com noventa e quatro anos, casada com um médico de Itapetininga, Doutor Otílio, ela teve três filhos. O nome dela, então, Maria Helena Hungria de Lara - Lara por parte do médico. Três filhos: Maria Isabel, Maria da Glória e Rubens. Depois veio esse meu irmão; ela faleceu no ano passado. Veio esse irmão, Paulo Rubens Soares Hungria, um estudioso, estudou Direito, muito humilde, uma figura fantástica como elemento humano. Formou-se Juiz, quiseram que ele fosse para Desembargador, ele não quis ir, falou: “Estou contente como Juiz”. Deu aula na Faculdade de Direito lá de Itapetininga durante onze anos seguidos e ele foi convidado para ser paraninfo da turma - onze anos seguidos. Então, por aí você vê que nós não estamos inventando coisa, realmente um irmão fantástico. Morreu precocemente, com sessenta e cinco anos, foi operado aqui em São Paulo, do coração, uma cirurgia que tinha tudo para dar certo, houve um problema na cirurgia, ficou uns dias na UTI e veio a falecer. Foi um trauma para Itapetininga. O jornal de Itapetininga, a manchete: “Faleceu o gigante do Judiciário”. Realmente, uma figura de proa lá de Itapetininga. Depois veio uma irmã, Maria Auxiliadora Hungria Brazi - marido chamado Rubens Brazi, gente ótima, dois filhos, José Rubens e Maria Dulce, em homenagem à minha mãe. Foi professora também e faleceu ano passado, no mesmo ano da outra irmã. Depois o irmão que está vivo - estava na hora de falar em gente viva - está com noventa e um anos, leva a sério a parte de saúde, leva muito a sério. Fez um cômodo na casa dele, comprou uns aparelhos de academia, tem um professor, um personal trainer, três vezes por semana, já há uns dez anos. Eu estou indo para oitenta e um, estou me sentindo muito bem, ele está melhor do que eu. Muito alegre, um gênio invejável, invejável. Basta dizer, para vocês entenderem, nós fomos ao Carnaval - eu, ele, a esposa e a minha esposa, Angelina. Chegamos lá no Clube dos Erros (?00:26:22), que tinha lá na estrada para o Rio de Janeiro, descemos para movimentar um pouco a perna, olhei na banca, tinha falecido um cara que estava no Seminário, cujo dinheiro, a família do meu irmão toda aplicava a juros. Ele fez aquilo muito bem durante os dez anos. Vence dia doze, dia doze pagava. Bom, faleceu e ia dar uma dor de cabeça terrível. Chamei a esposa. Falei: “Olha, aquele senhor que vocês davam dinheiro a juros, acabou de ser assassinado pela amante, uma loura o assassinou em busca do dinheiro. Você acha que a gente deve falar para o meu irmão quando ele voltar? Aconteceu isso, estamos chateados, estamos no meio do Carnaval do Rio, mas querendo voltar, vamos voltar”. Me encarregaram de falar para ele. O nome dele é Gumercindo, o nome do meu pai. Chamamos de Cindo. “Cindo, houve um fato triste, o doutor Rubens, a quem você entregava dinheiro a juros, foi assassinado pela amante”. Um homem que saiu do Seminário. Ninguém esperava isso. “Quer voltar?” “Ele que morreu que fique por lá, vamos para o Rio de Janeiro”. Papai, com esse nome… Eu lembrei do nome dele, mais uma curiosidade: a minha avó teve vinte e dois filhos, recorde em Itapetininga. Teve um outro filho, faleceram… Viveram onze, metade. Meu pai era o caçula. Já tinha falecido um outro Gumercindo, mas em homenagem ao Gumercindo Saraiva, uma pessoa que fez um movimento no Rio Grande do Sul, em 1895, se eu não me engano. Ele fez um levantamento lá para fazer uma revolução lá no Rio Grande do Sul, mataram e cortaram a cabeça dele. Hoje, surpreendentemente, está passando no cinema da TV, do Canal Brasil, que passa só filmes nacionais, “A Cabeça do Gumercindo Saraiva” - eu estava vindo e li no jornal - em homenagem a ele. Então, um morreu. Ele recebeu esse nome também em homenagem a esse guerreiro lá do Rio Grande do Sul. Bom, eu tenho que terminar. O outro, depois do Cindo, com aquele gênio fantástico, um outro irmão, José Cássio, que chegou a ser Procurador da República. Começou como Promotor e depois chegou a ser Procurador da República. Ele, cinco anos mais velho do que eu, estudou na Faculdade do Largo de São Francisco – Direito - foi Secretário do Centro Acadêmico XI de Agosto, foi fundador da Unifiel, aqui de Osasco. Já ouviram falar dessa Faculdade, ou nunca viram? Uma Faculdade, Universidade, que teve aqui. Ele foi fundador. Agora, ele está aposentado, não anda bem de saúde. Antes de vir aqui, eu fui fazer uma visita para ele, no Einstein. Ele acabou de ter alta, estava voltando para o apartamento dele. E está quebrado, porque quem cuidava dele e estava sempre à beira da cama dele, ali, acudindo, dia 22 agora de março foi levantar da cama, teve um mal súbito, caiu de cabeça e morreu. Ele está traumatizado. Então, nós fomos lá na tentativa de só falar em coisas boas e fazer planos para o dia de amanhã e recebemos essa notícia, que recebeu alta e que ainda hoje ia voltar para o apartamento dele. Uma notícia auspiciosa. E depois dele, o Roberto apareceu. Eu vou fazer oitenta e um anos e cuido muito bem da saúde, depois queria contar. Eu estudei… Fiz colegial na Escola Peixoto Gomide, em Itapetininga, a primeira escola do interior, fundada em 1894, primeira escola do interior. Tinha a Caetano de Campos, na Capital, e a outra escola lá em Itapetininga. Estudei lá, fiz o colegial, dei aula no Ginásio e no Científico, dava aula de Zoologia e Botânica, me realizei, de manhã, trabalhava no consultório como dentista, à tarde dava aula. E, à noite, dava aula, não cansava de ser dentista e nem cansava de ser professor. A hora em que terminavam, à noite, as minhas aulas, no dia seguinte começava como dentista, um período especial da minha vida. Depois disso, fui para… Estudei como professor e fui para Campinas, fiz cursinho em Sorocaba e me formei em Campinas, como dentista. Então, trabalhei até me aposentar, trabalhei até os cinquenta anos de atividade. Depois, aconteceu de ter um… Eu tive um AVC há vinte e dois anos. Esse AVC, fiquei quatro dias em estado de coma, com o médico achando difícil na hora de preencher a minha ficha. Antes de preencher, ele deu 5% de vida, fiquei quatro anos [dias] no estado de coma, sem responder a mexer o dedo, a falar, a se mexer na cama. Surpreendentemente, foi um período que eu não sei explicar, mas já aconteceu com mais gente, de desaparecer do mundo e ficar num ambiente azul, claro, de paz inesquecível, coisa para meditar. Até hoje... E não esqueço daquilo, não quero morrer, mas peguei a experiência disso, não tenho medo de morrer. Um silêncio e uma paz num ambiente maravilhoso.
P/1 – Queria que o senhor descrevesse um pouco mais esse ambiente, como que o senhor percebia e estava vivo? Como que era assim…
R – Na hora, eu falei: “Eu acho que aconteceu só comigo isso”. Depois, estive analisando histórias de pessoas conhecidas, artistas, escritores, que passaram por uma situação muito parecida, praticamente idêntica à minha., Eu não conversei com ninguém, deitado, numa paz que eu nunca tive na vida, num ambiente de silêncio total. Depois disso, todo mundo esperando - depois dos quatro dias - a minha possível recuperação., Houve um entupimento de artéria na cabeça, que nem um médico soube explicar, como aconteceu aquilo e falar com certeza: “Foi isso”. Davam hipóteses, sabe? Eu fui esportista, joguei muito futebol, cabeceava muito a bola, apareceu um jogador que diagnosticaram que teve um problema cerebral por causa de bolada, lutador de box que leva muito soco também tem tendência a ter problemas desse tipo. Depois de quatro dias, comecei a voltar, mexi um dedo, daqui a pouco, o dedo do pé, fui mexendo a mão e daqui a pouco, voltei. Voltei e aquele pessoal todo festejando, eu ainda com um pouco de humor, falei: “Me contem o que há de novo no Brasil”. Quatro dias completamente fora de tudo. E assim foi a minha vidinha. E eu fiquei internado, o médico queria me acompanhar e eu tinha feito um curso de poder da mente. O professor começou falando para a gente… Estou falando muito, não?
P/1 – Não, pode seguir.
R – É?
P/1 – Depois, eu vou voltar, mas pode continuar essa história.
R – O professor do curso deu uma explicação que eu achei muito interessante. Se você, sem ter dor, começar a falar: “Estou com dor de estômago”. No outro dia: “Gozado, continua aquela dor”, No outro dia a mesma coisa; quarto, quinto, sexto dia, você fica com a dor. Por que não falar? Estou me sentindo bem, não estou com dor nenhuma. No dia seguinte: “Puxa, que bom, estou sem dor nenhuma”. Até terminar e não ter dor. Ele me viu, o médico, famoso, catedrático da USP, doutor Milberto, ele me viu de olho fechado, depois na consulta, meditando, provavelmente, ele chegou a essa conclusão: “O que você está fazendo?” “Eu fiz um curso…”. Contei para ele, faço muito isso, ele fez assim, desaprovando, sabe? Eu não falei nada, continuei fazendo. A minha mulher, Angelina, dando aula: “Doutor Milberto, me conte quantos dias eu preciso tirar de licença porque o meu marido está aí, eu não sei, estou perdida”. “Não é coisa de dias, é coisa de meses”. Minha mulher ficou chocada com o negócio, quinze dias depois, recebi alta. O médico, na despedida, no dia de dar alta, ele me chamava de doutor – eu o chamava de doutor e ele me chamava também: “Doutor Roberto, me conte o negócio do curso que você fez, do poder da mente, estou interessado, como é que funciona?” (risos). Foi a minha vitória com o negócio, sabe, eu tive que contar para ele, ele ficou surpreso com a minha recuperação. Coisa de meses, em quinze dias eu saí do hospital. É uma história que eu acho interessante, que eu conto para muita gente..
P/1 – E, “seu” Roberto, voltando ainda um pouco para aquele comecinho, eu queria saber se o senhor chegou a conhecer seus avós.
R – Não. Avós paternos morreram cedo, naquela época o brasileiro durava quarenta, quarenta e poucos anos, era a média de vida. Não se tinha antibiótico, nãos se tinha vacina, remédios pouquíssimos, então morria-se novo. Do meu pai eu não conheci nenhum. Os meus avós maternos, eu conheci os dois - um era dentista, meu avô, e a minha avó, irmã do Paulo Setúbal. Muito inteligente, questionadora pela inteligência dela. Via coisa errada, ela reprimia, chegou a discutir com o padre problemas de nascimento de criança. Tem um termo, que está me faltando, ela era contra. Abertura da igreja: tenha quantos filhos quiser, ela achava que deveria ter uma programação, tem um termo que não é bem esse e discutiu com o padre sobre isso, dentro da igreja. E, gente, o meu avô, chamado Porfírio, um gênio nota mil. Muito habilidoso, fazia muito brinquedo para a gente, então, se tornou inesquecível. Mas foram só os dois. Os outros, infelizmente, não.
P/1 – Tem algum brinquedo que tenha sido especial, que ele tenha feito para o senhor?
R – Olhe, uns brinquedos, tipo de carrinho com roda, porque naquela época, brinquedo era um negócio difícil da gente ganhar. Um brinquedinho de apertar, o macaquinho que dava vira cambote, ele fazia muito para a gente e outras coisinhas que, na época, eu lembro do meu cunhado médico, ele me dava caixas de remédio, amostra grátis, a gente amarrava aquilo em barbantinho e era o trenzinho da gente. Uma caixinha aqui com barbante, outra ali grudada naquilo… Não tinha brinquedo. Eu lembro de que em um Natal, eu ganhei dos meus pais um canhãozinho, que você punha uma bala, apertava, soltava, batia e a bala saía, uma festa. Hoje, ninguém brinca mais com isso, só coisa eletrônica. Até os psicólogos acham que as crianças de hoje estão passando por essa fase importante, que é dele brincar, dele fazer brinquedo, compreende? Já vai direto para… Bom, celular, criança de dois anos vai dar brinquedo para ele, larga lá na casa, não brinca.
P/1 – E “seu” Roberto, ainda falando dos seus avós, em que momentos vocês iam para a casa deles?
R – Olhe, morávamos perto. Minha avó chegou a morar na frente da minha casa, minha mãe dava muita assistência para ela. Minha mãe dava assistência para ela e para as três irmãs que ela tinha. Ela casou-se bem, financeiramente razoável, dava para viver razoavelmente, bem. Ela acudia muito as irmãs e a mãe, que moravam ali. E a gente estava sempre lá, fazia... Por exemplo, minha avó me via, fazia bolo de fubá, daqueles bolos de fubá gostosos. E era um carinho. Mas o maior carinho era o meu avô. Meu avô foi fora de série. Minha avó... Uma das filhas, a caçula, tinha muito problema e ele meio que quase que largou, quase que largou das três, e dava atenção muito para a mais nova. Isso machucou um pouco a gente, apesar de a minha mãe trabalhar para não virar ciúmes. Mas, às vezes, desagradava. O meu irmão, por exemplo, passava no concurso para Procurador, o neto dela, dessa filha, tinha que ter também sucesso num determinado concurso, e ela valorizava mais aquele. Enfim, convivemos com ela, mas o meu avô, imparcial, tratava todo mundo… Então, por isso possivelmente é que a gente tinha uma descaída mais para ele..
P/1 – E tem alguma lembrança que o senhor tem só do senhor e ele juntos?
R – Eu o visitava muito quando ele ficou doente, ficou de cama - tinha bronquite, como eu, teve dificuldades. Eu gostava muito de conversar com ele e sentia que ele gostava de conversar, de contar casos, e etc. Eu não lembro, assim, diretamente, de um fato, sabe? Mas a gente vivia muito junto.
P/1 – E, “seu” Roberto, eu queria que o senhor falasse um pouco como era a sua casa na infância do senhor.
R – Olha, minha casa... Eu tenho que me segurar um pouco aqui. Uma casa grande, morávamos todos... Uma casa de pé direito muito alto, quartos grandes, sala grande, copa; fora da casa, o quintal grande e gostoso ligado a uma pessoa que vendia leite. Nós fizemos um buraco no muro, colocávamos uma vasilha e punha leite tirado na hora para a gente ali. E um quintal grande, tinha um viveiro de pássaros muito grande, de que a gente sente muita falta. Não só eu, os irmãos... Porque foi destruída a casa. A casa… Um dos meus irmãos quis comprar, mas chamou uma pessoa para fazer uma avaliação, muito cupim embaixo do assoalho, formiga, saúva, não aconselhou reformar. Era preferível destruir e construir outra casa. Ele não quis. Mas esse viveiro, chegamos a ter cento e vinte periquitos, era aquele barulho de cantos o dia todo, que nós… Eu estou falando com você e estou ouvindo, estou ouvindo lá de casa, marcou muito o nosso viveiro. Quando destruíram, ficou um vazio na vida da gente muito grande, muito grande; foi um período de ouro. Quando o meu paí faleceu, minha mãe ficou doente, eu ia três vezes por dia visitá-la. E ela, quando os meus irmãos vinham, ela já não estava com a cabeça muito boa, não dava muita bola. Eu ficava chateadíssimo de ver esse quadro, mas ela cismou que eu era namorado dela. Eu vinha à noite, ela passava batom, rouge, queria ficar comigo, segurando a minha mão. Eu ia embora, ela ia até a porta, fazia tchau - marcou muito isso, marcou muito na gente. E com os meus irmãos, nós fizemos uma política: “Mãe, o Zé ligou, está muito bem de saúde, as filhas tiveram muito sucesso, estão com empregos ótimos, estão ganhando muito bem, estão contentes com a vida e não acordamos a senhora porque a senhora estava descansando”. Isso era todo dia. “Mamãe, agora há pouco, depois do José, ligou o Cindo, quase que ao mesmo tempo. Também os dois filhos estão bem, está acontecendo isso”. E tem o seguinte também: eu tenho um amigo que é geriatra - aqui do Einstein - até tentei encontrá-lo, não foi possível. E eu contei para ele, falei: “Vai ver, eu dei um fora. Posso continuar fazendo isso ou não?” A mamãe, na época, quando tinha chuva forte como a de ontem, o pessoal do interior falava: “Choveu canivete” - já ouviu falar esse termo? E a mamãe me ligou, eu trabalhando, me ligou falando: “Roberto, não estou aguentando, está chovendo canivete, o que eu posso fazer?” Eu fui lá e, no caminho, eu fui pensando. Cheguei lá e falei: “Mamãe, acabei de ouvir no rádio do carro, a chuva de canivete foi cair em Tietê, bateu um vento e levou para lá”. Não falou mais nada. Uma mentira saudável, mas eu fiz questão de falar para ele, geriatra, estudioso, trabalha no Einstein. Ele falou: “Fez certo, vou passar essa lição para os outros”. Falou qualquer coisa, não pode deixar a pessoa de idade nervosa, ela pega aquilo, ela fica desesperada, tem que inventar uma saída para ela relaxar. Então, estávamos fazendo isso, é uma experiência.
P/1 – “Seu” Roberto, a gente está chegando em uma hora de gravação, como é que o senhor está?
R – Se der para tomar uma aguinha…
PAUSA
P/1 – “Seu” Roberto, eu queria que o senhor falasse um pouco agora sobre o viveiro que o senhor comentou, eu queria saber como que começou esse viveiro?
R – Eu tive um irmão, acima de mim, que é o José Cássio, passarinheiro, chegou a ter trinta e seis gaiolas na minha casa. Então, o ambiente onde passarinho era frequente lá em casa, os mais variados. O meu irmão, por exemplo... Conversei com ele há pouco... Ele fez um álbum com um currículo – entre aspas – do passarinho, com uma pena da asa do passarinho, passarinho tem um canto desse tipo, o nome dele é pintassilgo, ele é muito sensível, ele é frágil, tem que cuidar bem... Um histórico do passarinho. Na outra página: esse daqui é um sabiá, canta muito bem, a asa dele é essa, tem três tipos de sabiá, sabiapoca, sabiá-laranjeira e sabiá… Um outro tipo de sabiá, falhou a memória. E assim foi. Daqui a pouco, ele foi estudar fora, ninguém está disposto a cuidar dos passarinhos nas gaiolas – trinta e seis gaiolas, vamos fazer um viveiro. Solta a maior parte que pode viver em viveiro, tem uns que não se adaptam e ali foram se enchendo de periquito australiano. Periquito é um bicho... Um casal... Foram feitos vários ninhos, podam três vezes por ano, três podas no ano, e cada vez um grupo de periquitos novos. Chegou uma época que estavam com cento e vinte. Dai, para terminar o viveiro, vamos dar os periquitos, já tinha diminuído. Dai, demos para os netos, uma lembrança só viveiro, aquela coisa toda. Então, foi essa a história do viveiro.
P/1 – E anda falando na casa que o senhor estava contando para a gente, eu queria saber como vocês se organizavam para dormir, como era a divisão das camas, os quartos, entre os seis irmãos e os pais? Entre os seis filhos e os pais, não é?
R – É, para os homens… Eram quatro homens e duas mulheres. Dormia, às vezes, dois no mesmo quarto; as mulheres, duas no outro quarto, então dividia mais ou menos assim. Eu caçula, com uma diferença de seis anos do outro meu irmão, vai fazer seis anos. Chegou um período em que ficamos o meu pai, a minha mãe e eu. Daí eu fui para Campinas estudar. Fui, ficaram lá o meu pai, a minha mãe e uma irmã que tinha ficado viúva, ficou morando lá na casa. Voltei para abrir consultório em Itapetininga, fiquei morando lá na casa também. Mas, para dormir, quando todos ainda eram vivos, fazia essa divisão.
P/1 – E ainda falando na infância do senhor, nessa casa, com todo mundo junto, vocês tinham algum tipo de divisão de tarefas em casa?
R – Minha mãe pedia... Eu acho que tive um irmão obediente, o resto… Eu, inclusive. Que a minha mulher fica louca de raiva: “Sua mãe não ensinou isso para você…”. Rebelde. Hoje eu faço, por exemplo... O café da casa sou eu que faço e quando reclama, eu falo: “Já estou fazendo um negócio que eu nunca imaginei que fosse fazer” - arranjar mesa, essas coisas. A gente faz. Às vezes, arranjo cama do quarto. Então falo: “Agora pare nisso aí, não peça mais nada”(risos). Mas a maior parte, nunca fiz. Nunca fiz. Coisa gozada, não era um machismo, era alguma coisa de exemplo do meu pai. Minha mãe fazia tudo, meu paí não mexia em quase nada das coisas; então, copiamos.
P/1 – E ainda nessa infância, o senhor tem alguma lembrança, ou tinha alguns momentos específicos em que a família toda, os seis filhos se reuniam? Tinha um momento certo da semana ou alguma comemoração específica?
R – Final de semana, almoço lá em casa com as irmãs já casadas, o irmão mais velho casado, então a gente se reunia. Agora, na casa, sem ser almoço, sem nada, quase todas as noites tinha… Eu ia todas as noites, praticamente. Sempre tinha, pelo menos, uns dois irmãos, uma irmã que morava... E mais dois, sabe, e o papai... Eles morando fora, morando aqui em São Paulo... Quando um deles, de São Paulo, ia para casa, o papai pegava o telefone e ligava de um por um: “O Cindo veio de São Paulo, está aqui em casa”. Não falava “Apareça”, deixava a frase aqui. Ninguém deixava de ir. O papai sem dar ordem, é só falava: “O Cindo está aqui em casa”, família toda se reunia. Um ato bem esquisito, diferente. Não havia pedido, nem pressão: “Não deixe de vir aqui, seu irmão veio de São Paulo, venha vê-lo”, nada! A gente ia naturalmente.
P/1 – E nesses encontros, nesses almoços, tinha alguma comida específica?
R – Tinha. Mamãe era a campeã… Tinha uma mão muito boa para cozinha, muito boa, alguns pratos ninguém conseguiu fazer parecido. Mas um deles, cuscuz, o dela… Gosta de cuscuz ou não? Era característico, um cuscuz úmido, que fazia no aparelho lá dela, e coisa; era o atrativo do almoço. Mas fazia muito bem um arroz e feijão... Um feijão que lá punha umas folhas de louro, conhece louro? Que ficava um negócio! Pastelzinho… E ela fazia… Por exemplo, o irmão com os filhos pequenos, apaixonados pelo pastel de queijo. Só que ela fazia para vender. E os pequenos devoravam, brigavam pelo pastel de queijo da mamãe. Marcou muito, grande cozinheira.
P/2 – E quando você morava nessa casa, você tinha muitos amigos na rua? Você brincava na rua?
R – Muito, muito! Eu tive asma, um médico chegou a falar: “Cuidado com ele, tomem cuidado, senão pode ter um acesso grave, nada de… Não deixe fazer isso, não deixe fazer aquilo, vai usar uma camiseta por baixo da blusa para esquentar o peito”, essas coisas todas. Veio um outro médico, esse de São Paulo. Indicaram um outro médico, o médico falou tudo ao contrário: “Quero que ele faca o que ele achar gostoso fazer, nada de camiseta por baixo, o organismo dele tem que reagir. Se ficar um organismo assim com muito cuidado, vai ficar um organismo fraco o resto da vida”. E eu peguei… Fiquei bravo junto da minha família, que o médico falou que não podia fazer nada. E com o outro, eu achei um médico extraordinário. Comecei a praticar esporte um atrás do outro, jogava toda tarde na rua, colocava-se tijolo para fazer o gol, de um lado, do outro. Naquela época, não havia muitos carros - quando os meus pais casaram tinha quatro carros em Itapetininga. Quatro. A gente andava mais a pé e os carros quase não passavam. Quando passava um ou outro, o pessoal até dava vaia porque tinha que parar o futebol. O pessoal fazia uma vaia forte para o cara não dar uma volta e passar de novo. E a gente fazia jogo. E eu estava fazendo o esquema do médico que me liberou. Comecei a jogar futebol, futebol de salão, basquete, voleibol, pular altura e pular extensão. Em todas as modalidades eu ganhei medalhas, tudo, já que o médico me liberou, essa asma que fique lá para trás, eu não quero saber. E foi uma orientação das melhores, senão eu ia ser uma pessoa fraca, frágil e eu lembro de um… Eu fui coordenador de saúde lá em Itapetininga e usei muito o exemplo de uma escola em Pinheiros, aqui perto. Uma das professoras falava: “Tem lombriga, aqui tem a larva que entra na sola do pé, quero ver todo mundo de calçado, não quero ver ninguém descalço aqui”. E, na hora das brincadeiras, as pessoas tiravam o calçado e não davam bola para… E um dos professores falou: “Não, não vamos usar calçado, senão vamos ficar com o organismo sem a parte imunológica desenvolvida, precisa ter contato com essas coisas para ter formação de anticorpos aos bichinhos, às bactérias e etc.”. E deixava o pessoal jogar futebol descalço no pátio. A professora medrosa, que não queria, sofria, e ninguém ficou doente no colégio, uma resistência grande da criançada toda.
P/1 – E o futebol de rua, o senhor participava de algum time especifico? Tinha um nome?
R – Jogava no time da rua Quintino; jogava no melhor time depois, da cidade, chamado Derak, que jogava na segunda divisão. Eu jogava num outro time, depois, também de Itapetininga, chamado Associação Atlética Itapetininga. Tinha time de várzea, com o qual eu fui campeão de várzea - um time chamado Justiça, do pessoal que trabalhava no Fórum - eles me convidaram, eu era o único que não era. Fui para Campinas, no primeiro ano, joguei na equipe da Faculdade de Campinas, da PUC. Jogamos um torneio entre as faculdades universitárias, era campeonato universitário da FUP, uma entidade que comandava tudo. No primeiro ano já fui titular da faculdade, conto isso com muita satisfação, deixando de lado a vaidade e essas coisas todas, mas faz bem lembrar dessas coisas, um troféu para mim. Com basquete e o vôlei, eu fui em três jogos abertos: Sorocaba, Piracicaba e Ribeirão Preto. Fui jogar... Em alguns jogava vôlei e nos outros jogava basquete. Então, concluindo, com a liberação do médico, eu me realizei com esportes, desapareceu aquele negócio que eu ia ficar com medo: “não vou tirar essa camisa por baixo porque vai me dar bronquite” e “não posso fazer isso, senão vai me dar asma”, e assim por diante. Então, foi a minha realização, o médico caiu do céu. E eu aproveitei muito com essas atividades todas.
P/1 – E ainda na infância do senhor, o senhor se lembra dos primeiros tempos da escola como foram?
R – Olhe, por causa da asma, famosa, que eu tive desde os seis meses, eu tive o primeiro ano... Como estava com muito acesso de asma, eu tive professora particular no primeiro ano. Se eu fosse me matricular na escola, eu ia faltar muito: “Não dormiu à noite, avise lá que o Roberto não pode ir”. Passavam dois, três dias, um outro aceso… Era um atrás do outro. Então, fiz com uma professora notável, a dona Iracema, que me alfabetizou. Depois, houve um fato que para melhorar a asma, teve um médico que falou: “Está saindo nos Estados Unidos uma substância chamada cortisona, você vai ser o primeiro de Itapetininga a tomar cortisona, eu vou mandar buscar”. Chegou a cortisona, ele aplicou depois de vir num negócio de plástico, isopor, parecido, muito bem protegida, o próprio médico tirou e aplicou, no aeroporto de Congonhas. Aplicou, eu tive um período longo. E o médico falou: “Quando começar a querer voltar, vai dar os avisos, não precisa tomar outra, é uma injeção que a gente não sabe direito o efeito colateral, não pode estar tomando muito”. Mas falou para os meus pais: “Pega o menino e leva para Santos. Lá o clima é muito bom”. Fiz isso, passei a maior parte da minha vida indo nas férias para Santos para melhorar e, com isso, a parte esportiva, eu já melhor, desenvolvi muito bem. Tinha um aparelhinho... Hoje tem umas bombinhas, na época tinha um aparelhinho chamado Dispinhal, era uma bombinha com uma parte de vidro, com um líquido lá dentro, e punha, passava. A minha mãe fez no bolso do calção, para participar de esportes, um bolso. E eu jogava com o aparelhinho aqui no bolso. Corria, perdia o folego, ia no canto lá do campo, respirava fundo, passava e voltava a correr. Hoje, um calção com bolso... Não tem bolso em calção até hoje, não sei se vocês já viram calção de futebol, não tem bolso. Pôs lá para colocar o aparelhinho, a bombinha. Hoje tem coisas modernas para me manter livre de acesso; tem umas ampolas com um pozinho dentro, coloca o aparelhinho que fura e você aspira aquele pó, dá uma cobertura contra asma muito grande. Isso eu tenho que usar todo dia para me manter bem. Com isso, eu abusava, eu jogava futebol na chuva, dia de vento, e quando você põe na cabeça que o médico falou que não faz mal, e acredita, não faz mal. Se eu não tivesse o médico: “Ia ter que cuidar dele com muito cuidado, não abusar disso, não abusar daquilo”. Se eu fosse jogar à noite, tinha que ir para o pronto-socorro. Veja como que é a parte de…
P/1 – E “seu” Roberto, eu queria que o senhor falasse como eram esses encontros com a dona Iracema.
R – Dona Iracema foi uma professora inesquecível. Eu tenho muita amizade com a família dela, falecida, mas ela me punha no colo, eu pequenininho, e mostrava a cartilha, mostrava: “Aqui você vai escrever no livro de caligrafia, na mesa, escrever assim, escreva devagar, vai indo”, e me dava aula. Me largava e eu ia na mesa escrever, e fui aprendendo tudo. Tanto que entrei no segundo ano com uma base muito boa. Ela foi uma professora inesquecível.
P/1 – E o senhor lembra quando deixou de ter aula em casa com a Dona Iracema para ir para a escola? Como foi isso?
R – Levei um baque. Lá no meio da turma toda, um pessoal… Um ou outro agressivo, sabendo… Professor sabia que eu tinha asma e que tinha tido aula particular para entrar no segundo ano, então tinha um ligeiro bullying em cima. Que eu, modéstia à parte, não sei como, tirei de letra. Talvez com o futebol. Logo de cara, tinha uma competição lá em Itapetininga, chamada Olimpíada. Eu, logo de cara, já jogava na Olimpíada, então, me respeitavam por eu não ser aquele cara frágil, que teve aula particular. O cara está aí, jogando Olimpíada já, não tem nada de frágil, me respeitaram; parece que logo em seguida desapareceu .
P/1 – Mas antes disso, o que esses colegas falavam ou faziam com o senhor, que pode ser considerado bullying?
R – Nada em especial. Talvez umas brincadeiras: “Você não pode fazer isso, você tem asma, melhor você não entrar nisso, vai ter campeonato, mas é um campeonato difícil, melhor…”. Quando me viram jogando na Olimpíada, passaram a me respeitar. Porque no começo… É um negócio desagradável, a gente vê hoje, uns bullyings agressivos, que a pessoa muitas vezes tem que mudar de uma escola, vai, mas tem característica de criança para receber bullying, e sai de uma segunda escola e vai para a terceira, até acertar uma em que não se pegue muito no pé dele. Mas é um negócio desagradável e tem mudado a personalidade. Eu tenho colegas que mudaram de personalidade, de tanto haver gozação em cima. Eu acho perigoso. Ninguém falava em bullying naquela época, mas cheguei à conclusão... Quando vejo histórias, eu lembro de colegas meus que, realmente, sofreram bullying e mudaram a personalidade deles.
P/1 – E,“seu” Roberto, para talvez finalizar essa parte da infância, o que a criança, o menino Roberto queria ser quando crescesse?
R – Eu, por influência negativa da família que, no começo, se preocupou muito comigo, tudo que eu conquistei eu acho que até os surpreendeu. Eu fiz questão... Eu acho que, no início, eu falei em ter dois diplomas - nenhum irmão teve - já os meus pais se assustaram: “Roberto, asmático, dois diplomas!”. E foi um período difícil. Eu estudava pela manhã no colegial; à tarde, tinha tiro de guerra; à noite, tinha Normal - o dia todo tomado. Os meus pais se surpreenderam, acharam que eu, talvez, fosse precisar ser um outro aluno particular, em uma outra etapa da vida, tudo, mas eu me realizei, e me suplantei. Eu sempre falo que a asma foi de uma importância… Eu não queria ter asma, não queria ser esse elemento frágil, então, achei uma maneira de ter essa facilidade de vencer realmente. Foi vencido e eu me senti muito bem. Hoje - e há uns tempos atrás - eu me senti uma pessoa muito segura, como eu sou até hoje. A minha família fala que eu sou campeão de autoestima da família toda, que começou com essa parte. Eu poderia ser o último colocado, mas com esse negócio do esporte, vai para jogos abertos, dorme em grupo escolar, colchões de palha, aquele pó que fazia mal para mim, se eu tivesse… Se eu fosse o elemento frágil que tivesse asma... Suplantei tudo isso. Estou falando isso com muito orgulho. Não é querer falar: “Eu sou o bom”. Não é nada disso. Mas falo da asma. A asma realmente… E dentro disso, de ter essa autoestima e de mexer muito com a sociedade lá em Itapetininga, eu tive muitas homenagens. Tanto que essa daqui é uma outra, que me veio em uma hora deliciosa, eu fiquei radiante, sabe? Mas… Eu até escrevi aqui, mas fui homenageado pelo Tiro de Guerra, que eu fiz; pelos agentes que participaram da Segunda Guerra, ex-combatentes da Segunda Guerra; fui três vezes presidente da Associação dos Dentistas; eu recebi uma comenda de comendador da Comenda Tiradentes, a mais alta da Odontologia do Brasil, recebi em São Paulo. Recebi homenagem da Câmara Municipal; recebi, da Prefeitura Municipal, algumas... Recebi… Fui há pouco tempo... Em 2017 recebi o prêmio de Personalidade do Ano, lá em Itapetininga, por votação - me trouxe muita satisfação. Recebi um outro título… Eu lembrei agora… O de…Está faltando um…Foram dois, que eu lembrei: medalha de honra ao mérito de um jornal de Itapetininga, que me ofereceu em uma solenidade, lotado o clube - Clube Venâncio Ayres - o mais antigo e tradicional da cidade. Recebi um prêmio. Eu tinha uma seção no jornal, que mais tarde eu escrevi e publiquei os três livros, chamava-se “Li no jornal”. Então, esse Li, tudo que eu lia e achava interessante passar para o leitor, notinhas pequenas, eu fiz. Eu fiz, e dai, numa enquete que fizeram, eu recebi o prêmio Jacó ___01:26:38____ Por ter essa coluna no jornal. Posteriormente, eu publiquei três livros: Li; Li de Novo; Li e Sorri, tudo de frases com uma diagramação moderna. Uma parte do dinheiro arrecadado - e foi arrecadado bem; no lançamento do primeiro eu vendi quase duzentos livros, eu até brinco que… Deu cento e noventa e poucos, eu até brinco que vendi cento e noventa livros e o Paulo Coelho, que lançou o livro dele, que é o maior vendedor de livros que tem aí, vendeu cento e oitenta e nove, um a menos que o meu (risos). Mas também uma parte ia para o MIS para não pararem os projetos do MIS. E teve um outro… Faltou um… Eram dois, eu lembrei de três, esqueci um da primeira lista de dois, mas valeram os que eu contei aí.
P/1 – A gente vai chegar nessas conquistas também, já da fase adulta, “seu” Roberto, mas só retomando a pergunta: quando o senhor era criança ainda, tinha algum desejo de ser alguma coisa quando crescesse?
R – Você me perguntou e eu fugi um pouco da resposta. Eu lutei para me reafirmar como normal. Depois disso, eu pensei: “meu pai é dentista, meu avô dentista”… Hoje eu tenho a minha filha dentista, muito bem conceituada, até lá em Itapetininga... Eu entrei nessa. Eu estava escolhendo entre Medicina e Odontologia. Como Campinas era ali perto, Medicina era em São Paulo, eu nunca gostei de São Paulo, apesar de que os três nasceram aqui, ou não? Não? Acho uma loucura, tenho medo de São Paulo, então eu fui para Campinas, sabe? Mas me identifico muito com Medicina, leio muito, tenho meus clientes, sem ser médico, que me procuram: “O que é bom para asma?”. Depois de ler e passar por esse período de asma, eu sempre estou dando: “Tome isso, quando eu tomei, foi um sucesso”. Hoje tem cortisona comprimido, tem injetável, então a gente pode receitar e a gente receita. Mas eu me identifiquei muito, fui muito classista como dentista. De fazer... Fui três vezes presidente, que eu citei, e hoje, caminhando para ___01:30:21____ me consideraram ainda útil, me convidaram para ser vice-presidente. Estou lá. Quinta-feira, já me avisaram que tem reunião. Vamos lá. Eu pertenci… Então, terminando a sua pergunta, me encaixei como dentista, mas ainda, olhe, a família toda vai em médico: “Roberto, o médico receitou isso, o que você acha?” A avó da Angelina, que viveu até os noventa e sete, não tomava nada sem eu falar: “Pode tomar que eu... É bom o remédio” Então, tem uma porção de gente… Eu não me descuidei, tenho muita amizade com médicos, faço muitas perguntas: “O que você acha…?” Então, eu fiquei com uma cultura mínima para comentar assuntos. Mas fui dentista, classista, fiz muitos cursos, minha missão era pegar dentistas com dificuldade e dar uma levantada neles, estimular a fazer cursos, sabe, a gente fazia muito cursos lá em Itapetininga, palestras, insistir para eles irem, ir buscar na casa alguns deles com comodismo e coisas. Então, me satisfez muito. Tanto que eu sinto que sou muito querido como dentista lá, que agora me convidaram. Podiam falar: “Roberto, você está velho, já passou do tempo” - me convidaram. Eu até não quis, no começo. Insistiram. Mas ainda como sequela da asma, que eu poderia ficar mais frágil e queria mostrar serviço, que eu não era nada daquilo, com dois cursos que eu fiz e tudo, vestibular, rachei o cano de estudar na PUC, passei em primeiro lugar, coisa que eu nunca esperava, mas sequela daquela fase de dificuldade, sabe? Ali, eu me realizei.
P/1 – E como foi receber a notícia do resultado do vestibular?
R – Nossa! Se você olhar uns alunos melhores do que eu... Mas eu tive uma sorte... E a maneira de estudar, que eu faço questão de contar, me ajudou muito. Então, você pegar uma lista de classificação e você é o primeiro da lista, uma massageada… Acho que dali que eu peguei uma autoestima, acho que eu joguei no lixo o asmático e passei a ser só o Roberto que podia fazer tudo o que quisesse. Então, o esquema que me ajudou, eu passo para frente. Angelina dá aula até hoje para alunos que se preparam para vestibular. Ela é professora de redação e tem uma facilidade bruta, vai receber o Título de Cidadã Itapetingana agora. Eu esqueci e lembrei do… Eu recebi a medalha… Que estava faltando - desculpe fugir - mas veio agora: Medalha Júlio Prestes. Júlio Prestes é um itapetingano famoso - talvez o mais famoso - foi governador do estado, depois foi candidato a Presidente e ganhou do Getúlio. O Getúlio fez uma politica feia, de contar que morreu o João Pessoa, que era vice do Getúlio, espalhou no Brasil que o grupo do Júlio Prestes que mandou matar o João Pessoa e não foi nada disso. João Pessoa, eu vi a estátua dele, um baixinho, lá na Paraíba, deram o nome à Capital em homenagem a ele. Mulherengo... Isso contado por paraibano lá de João Pessoa, mulherengo, se meteu a mexer com uma mulher casada. A mulher contou para o marido, o marido foi lá, dois, três tiros nele e matou. Só que o Getúlio contou que foi o grupo do Júlio Prestes que fez e o assunto pegou, foi a primeira Fake News que apareceu, foi o Getúlio que fez: “Mataram o João Pessoa”, veja que gente ruim. Eleição, o Júlio Prestes teve mil e poucos votos, o Getúlio teve 700. Getúlio não se conformou, passou uma rasteira no Júlio Prestes, fechou o que tinha de bom em Itapetininga. Nós tínhamos Faculdade de Farmácia e Odontologia - em 1931 fechou. Tínhamos um quartel lá que era um espetáculo, fechou. Tínhamos outras benfeitorias, ele cortou. Pôs inspetores federais, cujo imposto lá em Itapetininga, imposto de dez reais, tinha que dar sete, oito reais para eles, dois reais ficavam para o comerciante. Estragou a cidade. Castrou a cidade O Júlio Prestes foi exilado do Brasil, ficou morando em Portugal, sendo que já tinha feito visitas aos Estados Unidos, Inglaterra e outros lugares da Europa. Na Inglaterra, fizeram até um whisky em homenagem ao Júlio Prestes - o whisky chamado ‘Whisky Presidente’, lá no Memorial Júlio Prestes, que temos ‘Whisky Presidente’ lá. Ele fez isso, Júlio Prestes foi o primeiro brasileiro a aparecer na capa do Time, aquela revista. Eu tenho um xerox da capa.
P/1 – E, “seu” Roberto, só lembrando que a gente estava falando sobre a sua época de estudos para o vestibular.
R – Eu fugi…
P/1 – Sim.
R – Me empolguei com o… Eu realmente me empolgo, foi bom você me cortar, senão nós íamos ficar falando só de…
P/1 – O senhor estava falando de como foi esse processo de estudo para o vestibular, e aí o senhor disse que queria contar muito como é que foi…
R – Sim, eu fugi, tenho que voltar, obrigatoriamente… Eu descobri - eu comigo mesmo - que se eu estudasse cinquenta minutos, descansasse dez - não podia ler nada, dez minutos de total livre conduta, sem leitura para não cansar mais a cabeça - depois voltava a estudar, cinquenta minutos, onde os dez primeiros eu relatava o que eu estudei nos dez minutos iniciais e escrevia o principal. Tinha uma ficha… Não sei se deu para entender. Os dez minutos do primeiro estudo, eu, depois de descansar, relatava o que eu estudei antes, escrevia, fazia um pequeno resumo, em dez minutos. Em seguida, outro assunto, cinquenta minutos e dez minutos descansava, sem poder ler, fazer nada que cansasse a mente. E, em seguida, os outros dez minutos, relembrava o que eu estudei, anotava, e assim ia. Bom, isso funcionou, porque eu nunca fui bom aluno. Minhas notas de Colegial e Normal eram seis e meio, no máximo sete; não era aluno de tirar nove, dez, nunca fui. Tinha muita dificuldade de estudo. Nunca fui. Mas esse método me alertou, me deixou de uma maneira que eu aprendi mais. Hoje, eu devo ter alguns médicos e dentistas que foram, inclusive, meus alunos e alunos da Angelina, que aprenderam a estudar desse jeito e passaram em vestibular. Há pouco tempo saiu na Folha - eu tenho lá em casa - o coordenador do Enem, não lembro o nome dele, tem lá um artigo falando que a melhor coisa que tem é estudar desse jeito, sem mentira nenhuma. Nem eu quero falar: “Olhe, como é que ele…”. Espalhou-se isso daí de uma tal maneira que ele recomendava; então, ficou famoso. Tem uma médica em Itapetininga, que estudou eu acho que em Teresópolis ou Petrópolis, no Rio, ela fala abertamente: “Eu passei por causa do método”. Comigo funcionou. Um aluno médio...
P/1 – E, “seu” Roberto, como é que foi essa mudança para Campinas, para poder estudar?
R – Olhe, mudança difícil foi Sorocaba. Quando eu fiz cursinho, morei numa pensão, no porão da pensão. Sorocaba é uma terra muito quente, calor bravo e eu no porão. E com uma asma com recidiva, passei mal. Mas fiz o cursinho, gostei do cursinho e me deu uma base para continuar estudando desse jeito até o vestibular e dar resultado bom. Lá em Campinas foi a minha época de ouro. Uma amizade muito grande. Eu tive… O meu irmão acima ganhou uma Bolsa de estudos em Madri, um ano lá. E os meus pais me deram de presente ir visitá-lo lá, eu já estava na Faculdade. Eu fui. De lá, nós demos uma volta com muito pouco dinheiro, viajando à noite para ir de trem, dormir no trem para não pagar hotel, que era caro, nosso dinheiro não dava. Então, íamos, viajávamos à noite e não precisávamos pagar hotel. Visitamos dez países lá. Eu voltei para Campinas, fiquei cinquenta e dois dias lá, voltei, ninguém da PUC tinha feito uma viagem longa desse jeito, visitar dez países, então, me convidavam para dar aula… Dar aula não, fazer um relato da viagem. E eu estava numa euforia de ser convidado. Logo no começo da minha vida em Campinas, fiquei muito conhecido porque eu dava aula na Faculdade de Direito, Filosofia, de Odontologia, mas, para encher linguiça, como os alunos falavam: “Você vê, o professor não dá aula, é você, então, não tem matéria para…”. Tanta matéria para cair no vestibular e eu me realizei com isso. Foi uma fase… Fiquei conhecido lá em Campinas, me adaptei muito bem, tomava refeições numa República de mulheres, a diretora era presidente da Liga das Senhoras Católicas, dona Noêmia, lembrei do nome dela. Ela me convidou, durante o curso, para trabalhar como dentista na Liga das Senhoras Católicas, já me deu uma base boa de aprendizado. Me pagava. A coisa mais deliciosa é receber o primeiro dinheirinho, não tem coisa mais gostosa e comprar umas coisas de que você gostava, mas não era o seu dinheiro para comprar aquilo, ganhava de presente… Agora, chegar lá, Nossa, uma delícia! Então, foi uma fase de ouro com essa mudança muito mais gostosa do que Sorocaba. Apesar de que eu joguei em Sorocaba, vôlei, basquete e futebol, lá. Também fiquei conhecido lá por causa do esporte. Esporte é uma coisa sociável, que faz você pegar muita amizade, muita amizade. Ponto final, já falei muito.
P/1 – E nessa época da Faculdade em Campinas, em que momentos o senhor retornava para Itapetininga?
R – Tinha um amigo que tinha carro, eu não tinha. Eu fui ter carro bem depois, comprei um fusca bem depois de formado, muito preocupado com gasto, não era de gastar: “Olhe, dá para pagar em tantos meses”. De jeito nenhum! Uma coisa já da raiz, de exemplo do meu pai, muito seguro nas coisas; então, demorei para comprar carro. Mas lá tinha um colega que tinha um carro - ele esteve na minha casa até há menos de um mês, é um dos melhores dentistas, da classe era o melhor! Ganhava da gente porque tinha passado no vestibular muito bem. Ele muito, muito inteligente, foi fundador da Faculdade de Medicina de Jundiaí, terra dele, professor da PUC, Secretário da Saúde de Jundiaí, é muito competente, e muito amigo meu. Eu me espelho muito nas coisas dele. E ali, foi assim... Uma fase muito interessante dentro… Mas em Campinas, essas amizades e esse carro, várias vezes eu ficava em Jundiaí, às vezes, final de semana, outras vezes ele vinha para Itapetininga. Conheceu todo mundo. E agora, há menos de um mês, passou um final de semana na minha casa. Muito amigo.
PAUSA
P/2 – Então, na sua juventude, você fazia o quê para se divertir assim, com amigos? Você saía?
R – Muito! Fazendo parte de mandar a asma para escanteio. Muita farra, muito baile, baile fora de Itapetininga, Tatuí, por exemplo, só que lá tinha uma rivalidade, você ia para lá, apanhava. Eles iam para Itapetininga... A gente não podia dançar com moças de Tatuí, eles não podiam mexer com moças de Itapetininga. Na saída do baile, apanhavam. Hoje, acalmou, graças a Deus. Muita reunião de turma, nós tínhamos uma turma muito perigosa, em termos assim... Não de agredir, de brigar, de pegar coisas, nada - chamava-se Turma do Corneta. Se visse uma coisa errada… Se reunia toda noite na praça, todas as noites. Se visse uma coisa errada, de um cara ou de um Prefeito ou de um Vereador, ou de uma outra coisa, você fazia gozação sobre aquilo. Chamava-se Turma do Corneta, porque qualquer coisa toca a corneta para dizer que tem alguma coisa que não está certa. Hoje em dia, falam muito… Por exemplo, a torcida do Palmeiras fica ali perto, qualquer coisa errada, os cornetas do Palmeiras reagem falando mal da coisa errada que teve. E nós tínhamos esse grupo nosso. Então, saía muito, toda noite reunia, baile… Eu fui diretor de um grêmio estudantil lá em Itapetininga - Grêmio Fernando Prestes - pai do Júlio Prestes - que eu falei quarenta minutos sobre ele aqui, e não era para falar. Ali, a gente se reunia, tinha bailes com disco rodando e bailinho, várias noites por semana. Então, dentro da sua pergunta, sempre fui de sair e passear, de gostar de participar com turma.
P/1 – E nesses bailes, tinham as primeiras paixões, as primeiras paqueras?
R – Não. Uma amizade muito grande que deixava de lado, até você namorar. O gostoso era dançar com a turma, não só eu, os outros. Tínhamos reuniões na casa dessas meninas, que a gente tem amizade até hoje com elas. Realmente, casei com uma mulher zero ciúmes. Eu fui chato, eu fui ciumento, ela zero. Então, essas conversas, você fala abertamente com ela perto e ela nenhum problema, então é um bom negócio.
P/1 – Como que o senhor conheceu então a Angelina?
R – Angelina, eu tive uma namorada muito firme. No fim, assim… Não fui noivo e nada, mas frequentava muito a casa, saía com ela, muito, foi um namoro firme. De última hora, eu fiz uma análise, falei: “não é bem a menina que eu quero, tem umas coisas que eu não aceito, da personalidade”. Briguei. Vai uma sobrinha minha, Angelina andou frequentando a casa dela, a avó dela é onde a Angelina parava e a casa vizinha era desse meu irmão, tinha essa minha sobrinha. A sobrinha via a Angelina, falava: “Olhe, o meu tio brigou com a namorada, você não quer conhecê-lo?” E foi isso. Daqui a pouco - ela me falava - um dia, encontramos no baile, eu a tirei para dançar e, a partir daquele momento, cinquenta e cinco anos de casados. Começou assim a coisa. Ela se engrenou muito, muito bem no meio da minha família, que a outra não houve um entrosamento tão gostoso como no caso dela, ela é pianista, minha mãe tocava piano. Já minha mãe: “Era essa a nora que eu estava querendo”. E religiosa, dá cursos, faz vinte dias fez uma palestra na igreja matriz lá, já essas coisas todas, a minha mãe muito católica, meu pai também, falaram: “É essa moça aí”. E ali foi, deu certo. Então, conheci e estou há cinquenta e cinco anos com a Angelina.
P/1 – E como foram os preparativos para o casamento?
R – Olhe, ficamos noivos, uma reunião das duas famílias, dos amigos e a coisa… A hora em que eu ganhei um dinheirinho, que eu falei: “Vai dar para casar”. Arranjei um emprego que me dava um pouquinho de segurança, falei: “acho que chegou a hora”. Casamos aqui em São Paulo, porque ela é daqui, está recebendo o Título de Cidadã Itapetingana, porque não nasceu lá. Então, assim foi. E as coisas foram caminhando bem. Ela é uma moça sem ciúmes nenhum, como eu falei, e eu ciumento. Eu fui aprendendo que o negócio de não ser ciumento é um grande negócio. O ciumento só atrapalha a ligação, o namoro, o noivado, tudo isso.
P/1 – Tem algum caso que o senhor possa contar para a gente que envolveu esse ciúme do senhor?
R – Várias coisinhas assim, sabe? Inclusive, um fato forte. Quando eu fiquei noivo, tive um acesso de ciúmes, joguei a aliança: “Não quero mais saber”, sem ter uma causa aparente. A cabeça da gente funciona negativamente, um perigo! Estraga muito, muito o noivado, o casamento, o namoro, que seja. Então, teve esse fato que eu considero um fato forte. Mas fui enjoado, um asmático enjoado.
P/1 – E como foi a festa de casamento?
R – Festa de casamento foi o seguinte: eu casei no dia 31 de março, dia da Revolução, do golpe militar e fui, casado, e depois... Viajei logo em seguida. Para o casamento, o pessoal de Itapetininga teve muita dificuldade de vir, faltou gasolina aqui, tudo meio cercado, um movimento que ninguém sabia o que ia acontecer - dia 31 de março. Então, foi um casamento… Era para ser uma festa maior, foi uma festa menor pelas circunstâncias do golpe militar de 31 de março. Não tenho assim, grandes recordações da festa, e nós fomos muito festeiros, Angelina é louca para fazer reunião, eu tomo conta da festa da família Hungria, depois mais tarde quero falar. Tem muita coisa para falar sobre isso.
P/1 – E a lua de mel foi onde?
R – A lua de mel, um dos padrinhos… Eu casei com muito pouco dinheiro, eu achei que dava para viver com aquele ordenado, estava difícil, começo de vida muito difícil. E um dos padrinhos deu a viagem. Nós fomos para Foz do Iguaçu. Ficamos naquele hotel lindo e aí, aconteceu um negócio que era para ficar uma semana, a viagem que foi doada como um presente de casamento, era para ficar uma semana, o campo de avião lá era de terra, choveu como choveu ontem aqui. Enlameou tudo, eu fiquei mais quinze dias. Felizmente, a culpa não era minha, era da aviação, do campo que não permitia descida e nem levantada de voo e ficamos lá. Ficamos lá até enjoar, porque era para ficar uma semana, lugar que se você ficar mais do que aquilo, enjoa. E aquele negócio: “Será que vai parar a chuva? Se parar, vamos embora. Primeiro avião que levantar voo vai ser o que nós vamos, vamos embora”. Nós dois. Tem hotel, que você dá uma andada pelas cataratas lá, vê umas coisas, e um hotel gostoso, só que você fica uma semana. Depois, ultrapassa, fica quinze dias, fica um negócio maçante. Foi assim a lua de mel.
P/1 – E como foi a volta?
R – A volta já melhorou, já foi um alívio, foi festejado subir no avião de volta. Você começa a ficar fora da coisa. E aconteceu um fato lá em Foz do Iguaçu, que eu conto sempre. Estava tendo reunião dos jornalistas de São Paulo, por exemplo, da Bandeirantes, da Record, do SBT, da Globo, que tinha outro nome, era a TV Paulista, que era no fim da Avenida Paulista, lá - teve reunião de todos. Eu pego para passar tempo, tinha uma caminhonete lá, um carrinho lá, vamos dar uma volta por aí, conversei com o cara, tinha rádio. Ligou o rádio, nós fomos vendo umas coisas, daqui a pouco: “Edição extraordinária. Foi escolhido o Presidente da República: é o General Castelo Branco”. Eu falei: “Puxa vida, uma notícia que todo mundo estava esperando quem ia ser o Presidente da República”. Eu corri na reunião e tive a coragem… Todo mundo reunido, um pessoal conhecido: “Queria dar uma notícia de última hora para vocês, você estão fechados aqui, não estão sabendo, acabou de ser escolhido o Presidente da República do Brasil: é o General Castelo Branco”. Parou a reunião, uma reunião de gente muito bem informada que, por coincidência, eu que fui dar a notícia para o pessoal. Pessoal da Bandeirantes, tinha o Tico-Tico, Nossa, ele festejou! Já ouviu falar desse… Trabalhava na Bandeirantes, ele tinha a última notícia, que ele guardava no bolsinho do colete, ele dava as notícias: desastre, incêndio, agora a última notícia, tirava… ele… Mais tarde encontrei com ele, falei: “Fique sabendo - não sei se você lembra - eu que dei para você a notícia, tirei do bolsinho do colete quem tinha sido eleito Presidente”. Um fato pitoresco que me marcou.
P/1 – E voltando para São Paulo, onde vocês foram morar?
R – Sempre em Itapetininga. O meu sogro e a minha sogra moravam aqui, na Vila Mariana, perto da Faculdade Paulista. A gente vinha aí, mas a nossa casa era lá em Itapetininga. Uma casa na parte central de Itapetininga, uma casa grande que eu ganhei do meu sogro e o pessoal pegava no meu pé, eu falava: “Não, isso aí faz parte do passe que ele comprou de me ter como genro dele (risos), eu exigi uma casa”. Brincadeira. Ele deu de muito bom gosto. Era um cara extraordinário. Mas depois de um certo tempo, eu fui morar num bairro de Itapetininga chamado bairro dos Bancários, comprei um terreno bem junto do clube, afastado uns quatro, cinco quilômetros do centro da cidade. Me chamaram de louco: “Onde é que se viu se comprar um terreno lá longe? Que coisa! Onde é que você estava com a cabeça? Você não está bom da cabeça. Você mora no centro da cidade, foi morar para lá, não tem telefone, não tem lixo, não tem estrada asfaltada”. Daqui a pouco, no meio desses comentários, eu comecei a construir. Aí passei como louco verdadeiro, investindo um dinheirinho lá. Meu sogro ajudou, meu pai também, vai daí, onde eu ia: “O cara está louco da cabeça, construindo uma casa lá!”. Daí caiu a ficha de vez desse pessoal, quando eu aluguei a minha casa no centro de Itapetininga, uma casa gostosa, para ir morar lá. Dormimos uma noite para experimentar, não tinha nem vitrô, nada, nem veneziana, os vidros ali, fomos pra experimentar, nunca mais saímos de lá. Dai, o preço do terreno subiu, no mesmo mês, 400%. O cara largou da casa dele e foi morar lá. E está gostando, é porque não é tão ruim o lugar. O lugar fica em frente ao clube, não tinha nem cerca, minha criançada saía e ia para o clube. Tinha um sino na minha casa, a gente queria que eles voltassem, tocava o sino. Eu ia jogar futebol, estava na mesa o almoço, Angelina tocava, a gente vinha. Passamos uns bons anos fazendo isso. Luz elétrica foi instalada, eu pela manhã, apagava a luz com uma vara muito grande, pegava num lugar lá, desligava, seis horas da tarde, pegava a vara e juntava lá, ligava, à noite, para ter luz elétrica. E eu apaixonado por esporte e o clube na minha porta.
P/1 – E o senhor comentou da criançada, não é? Queria que o senhor falasse como foi a experiência de ser pai.
R – Muito boa. Eu tenho três filhos, Marcelo o mais velho, o Alexandre e a Renata. Marcelo lida com informática; o Alexandre, advogado - muito bem conceituado, foi presidente da Ordem dos Advogados, tem um prestígio grande na cidade. E a Renata é dentista. Louca, não é classista, não frequenta uma reunião da APCD, mas investe muito em cursos, agora mesmo…
PAUSA
P/1 – O senhor estava falando sobre a Renata, que é dentista, não é?
R – Renata é dentista, muito bem conceituada. É a minha dentista e trata de outros dentistas de Itapetininga, não é classista como eu fui, não gosta muito disso, mas investe muito em cursos. Hoje, dia doze, ela veio, num domingo, para São Paulo e vai ficar ate amanhã; por sinal, é aniversario dela amanhã. Investe muito, se dedica muito a cursos, mais do que eu. E o motivo de estar indo bem é agindo dessa maneira, aproveitando a experiência através de cursos de outros dentistas.
P/1 – E a gente vê que o senhor tem um carinho muito especial por Itapetininga, não é?
R – Apaixonado!
P/1 – Eu queria que o senhor falasse um pouco dessa sua relação com a cidade, e quais projetos o senhor tem que valoriza a cidade, valoriza as pessoas dessa cidade.
R – Itapetininga, a gente gosta muito. Nasci lá, fiz a vida lá. Terminou o curso de Campinas, Itapetininga. E, realmente, eu não me arrependo. Conheço todo mundo, me conhecem e, não é por nada, deixando de lado a modéstia, me valorizo até de uma maneira generosa. Recebi aquelas homenagens e, com isso, a gente se dá muito bem lá. A gente tem como lema se basear muito numa convivência pacifica, mesmo gente com opiniões que ninguém gosta, eu tento me dar bem. Tem uma frase que a gente usa muito, aproveita muito: “eu prefiro ser feliz do que ter razão”. Então, com isso, dá para a gente aprender a conviver com o pessoal. E, na vida, eu acho que é um negócio importante você ir contra as adversidades, as opiniões contrárias às suas. Não é fácil, mas eu me dou muito bem lá em Itapetininga. Então, adoro a terrinha.
P/1 – E o senhor chegou a realizar algum projeto em Itapetininga pensando…
R – Alguns projetos. Sempre é uma veia gostosa que eu tenho de criar umas coisas. Às vezes, se tem até meio receio: será que vai dar certo? Por exemplo, foi criado um prêmio Personalidade Itapetingana do Ano. Tinha uma Comissão, que a gente escolhia, de gente bem equilibrada, para escolher seis pessoas. Começou, teve um sucesso retumbante. Dessas seis pessoas, por exemplo, duas eram motoristas de ambulâncias. Todo mundo: ]“Vai eleger só gente da classe alta, da classe A”. Começamos a eleger gente simples. Por isso teve credibilidade o Projeto Personalidade Itapetingana do Ano. Daqui a pouco, começou a haver interferência politica, tinha Vereador que queria ser candidato: “eu vou me projetar como personalidade do ano”. E ali, pegou. Isso me entristeceu. Falei: “Já que é assim, o meu projeto era outro, Querem esse? Se quiserem, fazer o quê? Se quiserem que volte, estou à disposição”. Fizeram uns dois, três anos, morreu. Ninguém gostou daquele tipo de projeto. Então, isso dai foi uma das coisas… Outras coisas... Eu fiz uma coluna num jornal, chamada Escova e Fio Dental, baseada na seguinte frase: “Para ter bons dentes, depende de você. Não vá atrás de dentistas que vão fazer milagre, você tem que cuidar daquilo. E para cuidar, duas coisas: escova e fio dental”. Então, a coluna escrevia muito sobre maneiras de prevenção. E, no fim, eu abracei, dentro da profissão, essa… Não é bem uma especialidade, mas uma parte importante, que é a prevenção. Mas começou nessa coluna. Depois de uns tempos saiu num jornal de Porto Alegre: “Itapetininga tem uma coluna baseada na escova e no fio dental, baseada em prevenção, isso tem mérito…”. Elogiaram bastante, dai pegou. Uma outra era o Perfil, uma coluna chamada Perfil. Eu fazia vinte perguntas para determinadas pessoas, elas me respondiam na casa, que eu não queria uma televisão ou uma rádio, para me dar o tempo assim - me escreviam e me levavam. Vinte perguntas distintas sobre o Brasil, sobre Itapetininga, sobre São Paulo, vários assuntos, também pegou, e eu tenho guardado. Ontem, procurando fotografias, achei lá um artigo de um itapetingano chamado Ciro Albuquerque, foi presidente da Assembleia, ele que construiu, na época dele, a Assembleia Legislativa, aquele prédio. E ele, comentando a coluna, falou: “Está aí a oportunidade dos itapetinganos conhecerem um pouco melhor a cabeça de cada itapetingano”. Porque ali dava para se ter uma ideia. Também teve um sucesso muito grande - eu guardei as colunas todas. Esse tem mais, está aqui escrito, deixa eu dar uma olhadinha. Está aqui. Eu me formei em Itapetininga, ajudei a criar a Academia Itapetingana de Letras, que escolhia gente que publicou livros; gente ligada à Literatura, ou outras coisas. Poderia até ter outro nome - Associação Itapetingana de Letras e Artes. Teve pintoras que foram convidadas para ser... Também existe até hoje. E tem um Instituto Histórico Geográfico e Genealógico de Itapetininga, com fatos, sabe... As pessoas relatam fatos e escrevem sobre isso, também existe até hoje lá em Itapetininga. Então, esses fatos tiveram uma aceitação muito boa lá em Itapetininga, talvez por credibilidade a gente, modéstia a parte, mas aceitaram bem, colaboraram bem para a coisa deslanchar.
P/1 – E, “seu” Roberto, daqui a pouco a gente já vai começar a caminhar para o fim e aí, eu tenho umas perguntas mais específicas. Mas eu não sei se aí, nessa história, faltou falar alguma coisa que o senhor queira…
R – Faltou falar um negócio…
P/1 – Pode ficar à vontade.
R – Que eu pus até aqui no meu plano de papo, eu criei lá em Itapetininga. Tenho que falar que eu que criei - porque eu fui o primeiro presidente de uma Associação chamada Museu da Imagem e do Som. Tem vinte no Brasil e o nosso não tem verba de Prefeitura, de governo, de nada. Foi mais ou menos usando credibilidade, achando uma ajudazinha aqui, outra ali, os livros que eu publiquei também, uma parte que eu recebia ia para projetos, e a coisa foi. Saiu, inicialmente, que foi muito importante no Estadão, jornal O Estado de São Paulo. Ali o pessoal falou: “Tem em Itapetininga” ¬¬– o pessoal de Itapetininga. Tem aqui um negócio, Estadão valorizou muito, começaram a acreditar. Eu, dentista, e tinha quatro ou cinco jornalistas amigos para divulgar as coisas do MIS. A coisa foi de uma velocidade que eu tive um período em que eu falei para eles: ”Vamos mais devagar, não falem muito, não escrevam muito sobre o MIS”. E o MIS hoje tem mais de cinco mil fotografias, tem quase umas oitenta ou mais entrevistas de duas horas - duas horas e meia - com vários personagens que já morreram, mas deixaram gravadas coisas que eles viram. Cheguei a gravar com uma senhora que morreu com cento e quatorze anos, cabeça melhor que a minha. Gravamos, logo depois, ela faleceu. Mas estava ainda lúcida. Não gostava, por exemplo, na gravação, de flash. Flash, para ela, era raio. Então: “Não tire fotografia”. Na casa dela: “Não quero fotografia, mas o que quiserem que a gente fale, eu falo”. Ela foi considerada… Formou-se na Escola Normal Peixoto Gomide, foi considerada pela Associação de Professores daqui de São Paulo como a professora do século, e contou muita coisa, contou a construção do Instituto Peixoto Gomide - o pai dela foi mestre de obras. Quando ela ia bem na escola, o pai a levava e ela falava: “Olhe, eu olhava para baixo – um prédio que não é muito alto – me dava tontura de ver aquilo lá”. Começo da vida em 1894, da vida do Instituto Peixoto Gomide. Então, temos todas essas... Tem um projeto que é primo-irmão do Museu da Pessoa, que é pegar pessoas que não tenham assunto para duas horas, ele participou de um fato x que aconteceu na cidade. Então, ele fala quinze, vinte minutos, relata aquilo, fica registrado e termina. Então, é meio primo em menor escala, coisa pequena, sem querer pensar em coisa parecida, assim, coisa prima longe. Mas é mais ou menos isso. A gente tem lá, normalmente, tem seis pessoas que fazem perguntas. Um analisa uma coisa, o outro analisa outra, e a gente comanda: “Agora você fulano. E você, o que você acha disso? Dá a sua opinião. Lembra de mais alguma coisa? Faz isso”. Então, temos várias coleções de entrevistas deliciosas. Muitos falecidos, e fizemos… Falando em falecidos, outro projeto. Tudo a gente fazia lá, era com a pessoa falecida. Por exemplo, lembrei de um diretor de uma escola, muito especial em termos de serviço para o próximo, era considerado o São Vicente de Paula de Itapetininga. Não deu tempo de fazer dele, eu reuni os amigos vivos, a família, e ali fizemos a história dele, com fotografias, com entrevistas com os amigos antigos, como é que ele era, o que ele fez, as coisas que ele fazia para os outros, ficou uma entrevista deliciosa.
P/1 – E eu queria que o senhor falasse um pouco, agora sobre as suas atividades hoje, quais os seus projetos atuais que o senhor disse que queria comentar sobre um em específico, não é?
R – Era o MIS. Que eu acabei de dar uma falada inicial, que é a minha… É o meu ponto que eu mais gosto pelo que conseguiu, sabe? Nós temos lá, que é uma preciosidade, o filme de 1920. As primeiras filmagens começaram com os irmãos Lumière, em 1895. Vinte e cinco anos depois, estavam filmando em Itapetininga. Eu vim ver o Museu da Imagem e do Som que tem verbas… Nós não temos verba nenhuma. Nossa luta é essa, com a quantidade de DVDs enorme, e eu perguntei para o presidente: “Me diga uma coisa: qual é o mais velho que você tem aí, o mais velho DVD que você tem aí?” “Tem um que é uma preciosidade, 1920”. Itapetininga sem verba nenhuma tem de 1920. Nós estamos indo embora para Itapetininga… Chega de falar de… Eu dei uma rateada, não é? E dai, essa semana retrasada, passei na 3M, uma empresa forte, lá em Itapetininga, me convocaram para passar o filme. Eu fui e passei para o pessoal. E passo em praça pública, passo em escola, passo onde eu posso, para o itapetingano conhecer como é que era. As mulheres de Itapetininga, na época, um negócio sério. Na Festa do Divino, que tem mais de cem anos, que é uma característica de Itapetininga, na época chegavam os vagões da Sorocabana - depois foi Fepasa - cheio de gente de fora para participar da festa, sucesso absoluto. As mulheres que serviam bebida, que bebiam, que fumavam, começava o baile, os homens tinham que tomar uma bebidinha para dar ânimo, para dar coragem para ir dançar. Dançavam mulheres com mulheres, todas dançando ali. Na frente dos homens. Depois que paravam, os homens já estavam mais ou menos com o caco cheio, já tinham coragem de tirar mulher para dançar. Tem um jornal do MIS, quando a Proclamação da República... Foi em 1889, 15 de novembro, demorou uma semana para chegar em Itapetininga, naquela época tudo difícil... Quando chegou, o Prefeito: “Vamos fazer uma reunião, consistamos a República”. Marechal Deodoro. Vamos fazer uma festa. Convidaram três homens e três mulheres para falar, falaram na República, importância da República, aquela coisa toda, as mulheres - duas a mesma coisa, maneira de falar a mesma coisa, sempre elogiando a importância da República, tudo - foram valorizadas, porque naquela época era para falar só homem. E uma delas que pegou o microfone, nome dela era Laura. A Laura, uma professora, ela pega o microfone e fala... Nós temos gravado: “Mulheres, conquistamos a República. Agora, precisamos conquistar a emancipação feminina”. Na época. Teve um cara lá em Itapetininga, que era diretor do Teatro do SESI, que fez um teatro sobre essas palavras da mulher, faladas em 1889. Estava na hora das mulheres se unirem para a emancipação feminina.
P/1 – Muito legal, “seu” Roberto. E aí, eu posso partir para as nossas perguntas finais?
R – Pode.
P/1 – O senhor já falou um pouquinho, mas não custa deixar essa pergunta especificamente para isso: queria que o senhor falasse como foi para o senhor, hoje, contar a sua história aqui para a gente.
R – Deliciosa! Não sabia como é que ia fazer. Conversei com a Leomira: “Leomira, me conta como é que é o negócio? Sofreu muito com as perguntas?”, aquela coisa toda. “Não, vá tranquilo”. Mas aí, eu estava preocupado. Apesar de que essa noite, eu dormi a noite toda. Antes não. Quando eu comecei a fazer: “será que convém falar isso? Convém não falar?” Adorei! Acho que era isso que você queria que eu falasse.
P/1 – Eu tenho mais uma pergunta e, antes, eu não sei se o senhor gostaria de falar mais alguma coisa? Eu tenho mais uma pergunta só, para a gente encerrar. Mas fica o espaço para caso o senhor queira trazer mais alguma outra história para a gente.
R – Bom, eu marquei de falar umas coisas aqui, deixa eu ver se tem alguma coisa. A maior parte meio fora de época, de papo, eu já falei… Ah, eu fiquei fã clube da terceira idade. Fiquei fã clube depois que eu tive um AVC. E comecei a investir naquilo e é uma mensagem que a gente conta muito, lendo, conversando, acho que pouca gente está entrando na terceira idade com dignidade. Gente que foi ótima, não plantou bem, e hoje tem seus problemas. A minha mensagem é, realmente, para alertar esse pessoal. Então, você vai me permitir aí alguma coisa… Algumas frases que talvez sirvam para alguém, tomara que sirvam, me serviram totalmente. Envelhecer é uma certeza, só quando a gente morre antes é que não acontece de a gente envelhecer. Envelhecer com qualidade é uma escolha. Você é quem vai escolher o que é para a terceira idade. Você tem que tomar cuidado, se se entregar... Deixar... Vai ter um final de vida sem aquela dignidade que toda a família, seus amigos, gostariam que houvesse. Repetindo: Envelhecer é uma certeza, envelhecer com qualidade é uma escolha. Uma outra: Comer pouco e com qualidade e fortalecer as pernas são regras essenciais para envelhecer. Coisa aparentemente simples, não há necessidade de comer muito, coisa que eu faço hoje. E fortalecer as pernas. Então, corro, ando, nado, só não jogo futebol por causa do meu AVC, não pratico esporte assim, diretamente. Então, são coisas que eu confesso, com muito orgulho, que faço. Quero que mais gente pense nisso. Tem uma doença na terceira idade, terrível, eu estou com um irmão mais velho do que eu que não fez isso, hoje está numa cadeira de rodas, usou muito a cabeça, foi um crânio, mas abandonou exercício de fortalecimento. Tem uma doença chamada Sarcopernia, na terceira idade, um nome chato, vou falar de novo, só para não esquecerem - Sarcopernia - ataca as células musculares das pernas das pessoas da terceira idade, é um problema terrível. Você vê muita gente que não anda, cadeira de rodas, vive caindo, tem tudo isso. Eu acho que não tem mais nenhuma frase assim, deixa eu ver… Para não faltar. Aqui fala como lição tentar ter bom humor; exercitar-se; ouvir boa música; dançar, se possível, é um bom exercício; aprender sempre atividades novas é importante. Atividades novas que trabalhem com a nossa cabeça, porque o problema é enferrujar neurônio, deixar correr,.. A hora em que você precisar dele, não tem mais, já foi. E ter amigos. São lições que quem puder fazer duas, três ou todas e pensar naquelas duas frases, eu acho que tem tudo para ter uma vida na terceira idade muito digna como eu tento ter. Sigo isso da melhor maneira que posso. São exemplos que a gente pega, meus pais foram longevos, os dois morreram com noventa e três, mas nunca tiveram carro, andavam muito, sabe? Meu pai ainda tinha uma saída heroica. Quando a gente chegava e falava: “Papai, por que não compra carro?” “Estou esperando o último tipo, a hora que chegar o último tipo”. Ficou a vida inteira esperando o último tipo. E não comprou carro. Mas para a saúde dele, a caminhada que hoje o Cooper trouxe para o Brasil, tentou pegar, hoje em dia tem muita gente que segue, acho que é importante, sabe? E dentro disso… Falei já do AVC. Agora, no momento, a gente vive criando coisa. Antes de vir aqui, antes de ontem, liguei para o presidente da Unimed lá de Itapetininga: “Estou com um plano de fazer isso, isso, isso… Queria contar com vocês da Unimed. Vai ter um pequeno gasto, vai gastar um dólar e vai economizar cinco dólares, porque se não fizer isso, amanhã, o cara que cair e for da Unimed, vocês vão ter que pagar o tratamento dele. Prevenindo é que vai ser barato, vai dar certo isso aí”. “Pode fazer que nós vamos resolver isso. Gostei da ideia”… Estão cansadas?
P/1 – Não, pode ir…
R – Estamos terminando. Você... Eu fiz entrevista com o Guga… Quanto tempo ele ficou? Meia-hora?
P/3 – Duas horas.
R – Nossa, você deve estar me xingando…
P/3 – Imagina!
R – Estou brincando. Bom, daí assistimos um curso que teve no Rio de Janeiro, ensinar o velho a andar na rua - nossas calcadas estão terríveis, tem degraus em tudo quanto é canto, buraco, tudo isso. Ensinar na casa onde tem tapete, ensinar no banheiro, mandar fazer aquelas barras para segurar, porque é uma loucura. O que cai de gente não está no gibi. E a gente precisava fazer alguma coisa para a população. Subir… Lá no curso falava: subir em lugar que tem subida mesmo, o ideal é ir do lado de lá, depois vem para cá, para não cansar, senão você anda um pouco, não aguenta ir até o final. Escada. Escada é um negócio muito sério, descer escada é seríssimo! E assim, outras. Você vai vestir uma cueca, ou a mulher que vai vestir uma calça, se ficar em pé no banheiro, corre-se o risco, por problema mecânico, só duas pernas têm um equilíbrio x. Se ela pegar as duas pernas e encostar o dedinho na parede já melhora o equilíbrio, se encostar a mão, melhor ainda. Mas precisa saber, precisa exercitar isso. Então, é um dos projetos novos, a gente tem muita satisfação de mexer com isso, de motivar a população, de ir para o rádio, para os jornais, para a televisão, contando que é um negócio em benefício deles. Feliz o cara que vai usar isso dai, a gente torce para todo mundo, se puder. É para o bem.
P/1 – “Seu” Roberto, a gente tem que finalizar, mas eu tenho mais uma pergunta para fazer para o senhor. Nossa última pergunta, e a pergunta é: quais são os seus sonhos hoje?
R – Não é por nada, tenho me sentido razoavelmente feliz. Eu, por exemplo, um negócio como esse, se eu conseguir realizar, faz parte de um sonho. Em ajudar. Quando fiz a orientação Escova e Fio Dental, era para ajudar algumas pessoas que aproveitaram, eu sei que existiram, ajudei essa pessoa. Essas outras criações, tudo pensando no bem-estar das pessoas da cidade. Então, penso nisso. Tem coisa que falha, tem coisa que você acha que vai dar Ibope e jogo no lixo, mas a maior parte tem funcionado e a gente fica muito contente. Seriam sonhos de momentos, pode ser que depois de instalado esse da Unimed, do curso, apareça um que eu não esteja no momento nem imaginando. Eu deixei de falar um pouco da festa da família Hungria.
P/1 – Ah, sim!
R – Está na hora de terminar…
P/1 – Sim, mas pode… só a Gabi se quiser sair, pelo seu horário.
P/2 – Tranquilo.
P/1 – Não, é superimportante, pode
R – Itapetininga, onde tem mais… Tem a maior quantidade de Soares Hungria no Brasil, é lá. Vieram dois sobrinhos de um santo, então temos um santo, que é o São Clemente, famoso. Tem uma irmã minha falecida, ela fez até uma frase forte, quando ficava com dificuldade: “São Clemente, ajude a gente”. E ficou. Muita gente fala isso, chama a ajuda do santo. Mas fizemos algumas festas e uma delas deu um ibope muito grande, foi uma que nós conseguimos levar quase quinhentos Soares Hungria para Itapetininga. Lá, teve uma repercussão tão grande, que saiu no Jornal Nacional, na última notícia de um sábado. Isso deu um Ibope no Brasil. Às vezes, até hoje: “Você é Hungria? Você saiu naquele Jornal Nacional? Parente seu?” “Parente”. A gente era tesoureiro da festa, uma missão das mais difíceis, chatas, se você não fizer bem feito, dá prejuízo. E dava um negócio... Às vezes, dava cem, cento e dez reais de lucro. Então, passava raspando, mas todas elas funcionaram. Essa festa marcou Itapetininga e eu não podia deixar de contar para vocês que é coisa nossa, que funcionou, que, realmente, um convite para as outras famílias reunir. Você não imagina a satisfação de pessoas de idade chegando para a gente: “Papai foi amigo de seu avô”. E contava casos ali, e coisas. Então, melhorou muito a autoestima dos itapetinganos e brasileiros, vamos assim dizer, que veio gente de tudo quanto é estado com esse movimento, essa saída no Jornal Nacional. e foi, realmente, uma coisa importante que, junto do Museu da Pessoa, tinha que constar esse fato. Desculpe se atrasou.
P/1 – Imagina, está ótimo. “Seu” Roberto, muito obrigada por ter vindo aqui hoje, foi um prazer ouvi-lo, obrigada mesmo.
R – Eu que tenho que agradecer muito. Estou muito, muito contente com o convite.
P/1 – Que bom. Foi um encontro muito bom.
R – Foi uma das coisas gostosas - falei no início - dos meus quase oitenta e um anos.
P/1 – Então, muito obrigada, “seu” Roberto.
R – Valeu.
Recolher