Depoimento de Marília Gessy Taddei Sorrentino
Entrevistada por Ana Paula Soares e Marina D'Andrea
Estúdio da Oficina Cultural Oswald de Andrade
São Paulo, 31 de outubro de 1994
Transcrita por Wilton Garcia
P - Dona Marília eu gostaria que a senhora falasse o nome completo da senhora, o local de nascimento e o nome dos pais da senhora.
R - Bom, meu nome é Marília Gessy Taddei Sorrentino. O nome do meu pai é Américo Taddei e mãe Cecília dos Santos Taddei. Nasci em São Paulo, capital.
P - Qual o bairro em que a senhora nasceu?
R - No centro.
P - Qual o nome dos avós da senhora?
R - Materno é...ai, agora esqueci. (pausa)
P - Não tem importância. A senhora tem irmãs, irmãos?
R - Tenho, nós somos, comigo somos em oito, são sete irmãos.
P - E atividade dos pais da senhora?
R - Meu pai era alfaiate.
P - E a mãe da senhora?
R - Do lar.
P - A senhora lembra da casa, do bairro onde a senhora nasceu?
R - Eu morei no Brás.
P - Como é que era o bairro, a rua, naquela época?
R - Bom, antigamente tinha muito imigrantes.
P - Que origem?
R - Italiano e espanhol.
P - E que tipo de brincadeiras era comum, naquela época?
R - De rua? Todas, amarelinha, pega-pega...
P - Qual que a senhora mais gostava?
R - Amarelinha.
P - Como é que era brincar de amarelinha?
R - Ah, fazia alguns quadrados no chão e pegava uma casca de banana, dobrava e ia acertando nos quadrinhos.
P - Certo. Como a senhora descreveria o pai e a mãe da senhora?
R - Bom, meu pai era italiano, era um senhor forte, inclusive a gente fala até agora, ele não usava óculos, e nós todos - nem a minha mãe usava óculos -, e todos os irmãos, a maioria usa óculos.
P - A senhora estudou em que colégio?
R - Eu estudei no Brás, era Grupo Escolar Eduardo, não... Grupo Escolar Romão Puigari.
P - E a senhora fez até que série?
R - Quarta série.
P - Qual foi a primeira atividade de trabalho que a senhora teve?
R - Eu trabalhei numa tecelagem.
P - Quantos anos a...
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Entrevistada por Ana Paula Soares e Marina D'Andrea
Estúdio da Oficina Cultural Oswald de Andrade
São Paulo, 31 de outubro de 1994
Transcrita por Wilton Garcia
P - Dona Marília eu gostaria que a senhora falasse o nome completo da senhora, o local de nascimento e o nome dos pais da senhora.
R - Bom, meu nome é Marília Gessy Taddei Sorrentino. O nome do meu pai é Américo Taddei e mãe Cecília dos Santos Taddei. Nasci em São Paulo, capital.
P - Qual o bairro em que a senhora nasceu?
R - No centro.
P - Qual o nome dos avós da senhora?
R - Materno é...ai, agora esqueci. (pausa)
P - Não tem importância. A senhora tem irmãs, irmãos?
R - Tenho, nós somos, comigo somos em oito, são sete irmãos.
P - E atividade dos pais da senhora?
R - Meu pai era alfaiate.
P - E a mãe da senhora?
R - Do lar.
P - A senhora lembra da casa, do bairro onde a senhora nasceu?
R - Eu morei no Brás.
P - Como é que era o bairro, a rua, naquela época?
R - Bom, antigamente tinha muito imigrantes.
P - Que origem?
R - Italiano e espanhol.
P - E que tipo de brincadeiras era comum, naquela época?
R - De rua? Todas, amarelinha, pega-pega...
P - Qual que a senhora mais gostava?
R - Amarelinha.
P - Como é que era brincar de amarelinha?
R - Ah, fazia alguns quadrados no chão e pegava uma casca de banana, dobrava e ia acertando nos quadrinhos.
P - Certo. Como a senhora descreveria o pai e a mãe da senhora?
R - Bom, meu pai era italiano, era um senhor forte, inclusive a gente fala até agora, ele não usava óculos, e nós todos - nem a minha mãe usava óculos -, e todos os irmãos, a maioria usa óculos.
P - A senhora estudou em que colégio?
R - Eu estudei no Brás, era Grupo Escolar Eduardo, não... Grupo Escolar Romão Puigari.
P - E a senhora fez até que série?
R - Quarta série.
P - Qual foi a primeira atividade de trabalho que a senhora teve?
R - Eu trabalhei numa tecelagem.
P - Quantos anos a senhora tinha?
R - 14.
P - A senhora ainda estava estudando?
R - Não, eu tinha parado.
P - Conta um pouco pra gente como é que a senhora começou a trabalhar nesse lugar, nessa tecelagem.
R - Ah, porque geralmente antigamente era assim, fazia 14 anos, os pais colocavam os filhos pra trabalhar. E a minha irmã também já trabalhou nessa tecelagem, aí eu fiquei lá mais ou menos de três a quatro anos.
P - E o que é que a senhora fazia lá?
R - Trabalhava na seção de remate.
P -E o que é que isso era?
R - Era assim, era uma loja, uma fábrica de tecelagem, né? Eles faziam esses sacos de juta.
P - Sacos de juta?
R - É, então a pessoa, primeiro passava pela tecelagem, depois passava pelas costureiras, depois aí chegava até a mim.
P - E vendia pra quem os sacos?
R - Era assim... sacos de arroz, de feijão, acho que vendia pras fábricas, entendeu?
P - E de lá, o que é que a senhora...
R - Aí depois eu fui... trabalhei em papelaria, quis ser balconista, né, Papelaria e Tipografia Andreotti.
P - Por que a senhora saiu da tecelagem?
R - A firma fechou, então eles estavam mandando as pessoas embora.
P - Como era a vida de uma menina numa fábrica, nessa época?
R - Olha, eu entrava às 6 horas e saía às 2 horas.
P - E era... um salário que ajudava...
R - Não, ganhava bem, a gente ganhava à base de comissão. Não ganhava pouco não, ganhava bem.
P - Mas a senhora ganhava à base de comissão?
R - É, era assim. Porque fazia... conforme a costureira costurava... o problema todo era na costureira. Quanto mais ela trabalhava, entendeu?, mais a gente ganhava. Se a costureira andava mole, aí adeus.
P - Isso era mais ou menos em que ano?
R - Olha, eu tinha na faixa de 14, 15 anos... agora só fazendo as contas. (riso)
P - E, exatamente, o que era o arremate?
R - Remate... a gente dava um nózinho no fim da costura, aí cortava e ia empilhando.
P - Como a senhora conseguiu esse emprego? Uma menina pode não saber fazer isso, né, como é, eles ensinaram o trabalho?
R - Ah, ensinam. Eles ensinavam, que era coisa muito comum, era só pra dar um nózinho, entendeu, que é pro fio do barbantinho não soltar.
P - E lembra quantas unidades fazia por dia, pelo período? Quer dizer, era uma coisa muito...
R - Era bastante, era bastante.
P - E por que a mudança depois para uma papelaria?
R - Porque meu sonho era ser balconista, eu detestava trabalhar em fábrica, mas precisava ajudar a família. Aí foi quando a firma fechou, eles mandaram todo mundo embora e eu fui trabalhar de balconista.
P - Só uma pergunta. A senhora era registrada nesta época?
R - Era. Inclusive eu perdi a carteira. Era registrada, lá era tudo certinho.
P - E o trabalho na papelaria?
R - Ah, adorava
P - O que é que era o trabalho?
R - Eu trabalhava de balconista.
P - O que mais agradava a senhora... esse sonho de ser balconista?
R - Não sei, um sonho meu. Inclusive, eu trabalhei quatro anos na Brigadeiro Tobias, mas eu era... uma das melhores vendedoras era eu.
P - E tinha prêmios para o melhor vendedor?
R - Não, tinha comissão. Eu sempre fui a primeira, na época que eu estava, sempre a primeira. Depois eles abriram uma outra filial e eu fui ser gerente, que foi na Alameda Glete, entendeu? Porque aí eu ia formar freguesia. Aí, depois passei pra José Bonifácio, inclusive eles montaram uma outra firma, só que aí eu não era gerente, mas eu fui lá pra ajudar, pra montar a firma.
P - Como é que era a freguesia nessa época?
R - Era ótima.
P - Que tipo de freguês entrava na papelaria?
R - Ah, todos, geralmente era assim, era boy... você entendeu, que ia comprar as coisas pras firmas.
P - E o que mais vendia?
R - Ah, de tudo, papelaria você vende de tudo. Então na época da... passava as férias, na época da escola que começava em fevereiro, nossa Aquilo era uma loucura
P - Vendia livros?
R - Era cadernos. A papelaria não tinha, não era livraria.
P - Ah, era papelaria.
R - Era papelaria. Então vendia caderno, lápis de cor, todas essas coisas.
P - E os embrulhos?
R - Aí tinha a seção de pacotes.
P - Mas os embrulhos dos materiais da papelaria...
R - Não, a gente separava, geralmente a pessoa ou a criança traz a listinha, né? A gente separava tudo direitinho e chegava e punha no balcão do pacote.
P - Como eram os cadernos naquela época?
R - Ah, não era assim, não tinha... agora os cadernos são tudo sofisticado. Naquela época, era só aquele brochura que a gente fala, era muito mixuruquinho, entendeu?
P - E vendia muito caderno de caligrafia?
R - Vendia, vendia.
P - Era costume fazer caligrafia?
R - Bastante. Era caderno de caligrafia, linguagem... Que agora é bem difícil, acho que nem tem. As crianças, acho que nem sabem o que é caligrafia.
P - Como eram as embalagens? Eram floridos os papéis, como é que eram?
R - Não, geralmente, os cadernos antigos, todos eles tinham, atrás, o Hino Nacional, o Hino da Bandeira, você entendeu? E era comum, ou tinha uma bandeira assim na frente.
P - Quantos anos a senhora ficou na papelaria?
R - Mais ou menos uns dez ano.
P - E era bom o salário?
R - Era, também era à base de comissão.
P - Sim, mas também dava pra ganhar?
R - Dava.
P - Nesse tempo, ao mesmo tempo, na sua vida pessoal, o que acontecia?
R - Não, era assim, né? Eu ajudava muito a minha mãe porque eu perdi meu pai com 13 anos, né? E, dos oito irmãos, eu sou a penúltima, né? Então, todo mundo trabalhava, em casa. Então eu dava dinheiro pra minha mãe, eu comprava enxoval...
P - Enxoval pra quem?
R - Pra casamento, né?
P - Da senhora?
R - É.
P - Já estava noiva?
R - Estava, estava. A gente namorava, eu namorei oito anos. Então eu ajudava a minha mãe, comprava as minha roupa e enxoval.
P - E como foi, depois desses anos na papelaria, qual foi o seu caminho profissional?
R - Aí foi que eu ganhei o Marcelo, o mais velho, que ele tá com 22 anos, aí que eu parei um pouquinho.
P - Da papelaria, teve o bebê e parou?
R - Isso, aí depois eu comecei a vender cachorro-quente, fazer festinha de aniversário. Cachorro-quente, pipoca, algodão.
P - Ah, fala mais sobre isso, como é que foi o começo?
R - Porque foi assim, o meu marido trabalhava, ele era dono de uma firma, mas a firma ficou muito mal, então eu tinha que ajudar alguma coisa em casa. Aí nós compramos um carrinho de cachorro-quente. Então a gente foi batalhar, fazia festinha de aniversário, aí nós compramos um carrinho de pipoca, compramos um carrinho de algodão.
P - E vendia na rua?
R - Teve a época que eu vendia mais na rua, mas era mais em festinha de aniversário que eu fazia...
P - Conta pra gente como é que funcionava a festinha de aniversário, como é que a senhora conseguia os clientes?
R - Eu fiz panfletos, aí a gente distribuiu em alguns lugares. Geralmente quando a gente fazia as festinhas, a pessoa que chegava na festinha, gostava, então pedia o endereço e a pessoa que fez a festinha dava e assim sucessivamente.
P - E como que funcionava o esquema da festinha? Como que a pessoa propunha para a senhora, como é que ela pagava?
R - Não, a pessoa fazia assim: quantos lanche, depende de quantos convidado era, a gente tinha a base mais ou menos e algodão e pipoca era à vontade, você entendeu? Então a gente não tinha, assim, quanto a criança vai comer de algodão, de pipoca. Agora, os lanches mais ou menos era contado. A gente levava um cento mais ou menos.
P - A senhora já tinha um bebê, então?
R - Já.
P - Só um filho?
R - Eu estou com dois filho.
P - Não, nessa época do carrinho.
R - É, isso, isso.
P - E dava pra receber um bom salário?
R - Dava, dava sim. Mas meu marido tinha o mesmo emprego dele. Ele trabalhava numa concessionária Fiat, ele era analista técnico.
P - Agora, a pessoa contratava a senhora pra festa. Como que ela fazia, ela contratava com quanto tempo de antecedência, quanto tempo a senhora levava para preparar as coisas?
R - Não, preparar as coisas era fácil, porque geralmente cachorro-quente é pronto, que é salsicha, né? Então demorava uma meia hora mais ou menos. O milho de pipoca também já é pronto e algodão também era açúcar cristalizado, também é pronto.
P - Como era o pão e a salsicha nesta época?
R - Era igual agora. Não tem diferença.
P - Não tinha alguns frigoríficos diferentes?
R - Não, tudo igual.
P - E quanto tempo a senhora permanecia na festa?
R - De 3 a 4 horas.
P - E depois, se precisasse ficar um pouco mais?
R - A gente ficava, a gente ficava. Aí, as vezes, a gente ganhava uma caixinha.
P - Da onde surgiu a idéia de trabalhar, porque a senhora primeiro trabalhou na papelaria, depois parou um pouquinho. Da onde surgiu essa idéia de fazer esse trabalho pra festa?
R - Um colega do meu marido falou: "Você não quer comprar um carrinho de cachorro-quente?" Aí meu marido falou: "Ah, tudo bem." E apareceu com o carrinho de cachorro-quente.
P - Ah, ele forneceu pra senhora?
R - Não, o colega dele falou: "Você não quer comprar um carrinho de cachorro-quente?" E meu marido falou: "Vou falar com minha esposa." Aí eu topei a parada. Eu cheguei a ter sete carrinho.
P - De cachorro-quente? Conta pra gente como é que foi isso? Onde a senhora vendia?
R - A gente... que nem assim, a gente fazia festas, a gente levava pessoal pra trabalhar, né? Levava sobrinho, sobrinhas, colegas. Falava: "Eu estou precisando..." E a gente pagava eles.
P - Só em festa, iam sete carrinhos?
R - Não, depende da festa iam sete carrinhos, você entendeu? A gente fazia festa muito grande, às vezes até para o interior a gente ia.
P - Para o interior, aonde a senhora chegou a ir?
R - Ah, espera um pouco, deixa eu lembrar... fica perto de Itú.
P - Muitas vezes?
R - Não, aí foi umas duas vezes.
P - Como era o transporte do carrinho na estrada?
R - Eu tenho uma kombi, inclusive eu tenho a kombi até hoje. Eu tenho os carrinhos de cachorro-quente, eu tenho dois carrinhos de cachorro-quente, pipoca e algodão, ainda eu tenho.
P - Funcionando?
R - Não. Porque é assim, meu marido sofreu um derrame cerebral em 90. Então ele não fala, ele não anda, mas ele entende tudo. Então ele não quer que a gente venda esses carrinhos, então nós não vendemos. A gente faz o gosto dele.
P - Mas a sua atividade é outra, agora?
R - É. Porque os meninos não quiseram continuar, entendeu? Então, eu estou fazendo as feirinhas de antigüidades, eu faço sábado e domingo.
P - Conta como é que começou essa idéia aí, como é que a senhora entrou nesse mercado?
R - Foi assim, nós entramos pra vender lanche.
P - Nos carrinhos?
R - Nos carrinhos, em barraca. Aí eu fui sentindo a coisa, que não é do lanche... Aí eu vi que a turma expunha, vendia, é louça, essas coisas de antigüidades, sabe, móveis. Então entrei no ramo também. Inclusive, meu marido ficava na barraca e eu ficava nas louças e nos móveis. Então ele ganhava dinheirinho de um lado e eu de outro.
P - Espera um pouco, a barraca tinha o quê?
R - Era salsicha, calabresa, entendeu, e refrigerantes.
P - Mas, e as antigüidades ficavam onde?
R - Na mesma praça.
P - Também na barraca?
R - Não, ficava perto.
P - Numa loja?
R - Não, é tudo no chão, mas é uma feira de antigüidade. Então, é numa praça, a gente coloca as coisas tudo no chão.
P - Que praça é?
R - Na Praça Dom Orione, no Bexiga. Essa feira tem há 12 anos.
P - E a senhora está na feira há quanto tempo?
R - Doze anos, na do Bexiga 12 anos. E eu faço a de Pinheiros também; a de Pinheiros eu estou há sete anos.
P - Agora, a senhora me contou que tinha sete carrinhos de cachorro-quente. Esses carrinhos a senhora usava nas festas e usava nas ruas também? A senhora vendia cachorro-quente nas ruas?
R - Não com sete carrinho, eu levava só um carrinho, e nas festas dois carrinhos.
P - E os pontos, que ponto a senhora chegou a vender cachorro-quente?
R - Assim, a gente chegava, a gente escutava: "Olha, vai ter festa em tal lugar", então a gente ia pra lá. Nessas festinhas de rua, tudo, então a gente ia pra lá.
P - E como é que funciona essa coisa da licença pra poder vender na rua?
R - Eles não dão licença pra cachorro-quente...
P - Não dão...
R - Não dão, a gente arriscava.
P - E pipoca?
R - Também não. Pipoca eu não vendia na rua, só cachorro-quente.
P - E nunca apareceu fiscal?
R - Já.
P - E aí, o que é que aconteceu?
R - Ah, a gente ganhava eles no papo, como diz na gíria. (riso)
P - Agora, essa atividade da... do Bexiga e de Pinheiros, como é que é esse comércio, como é que a senhora encontra as peças antigas?
R - É assim, às vezes a turma vai oferecer pra gente, a turma chega e fala assim: "Eu tenho móvel, eu tenho louça, interessa?" Eu falo: "Interessa." (tosse) Aí a gente vai na casa da pessoa, a gente pergunta pra pessoa: "Quanto quer?" Tem pessoas que sabe dar o preço, agora, tem umas que dão uma base: "Ah, eu quero tanto", se dá pra gente pagar, a gente paga. Uma suposição: a pessoa fala assim: "Eu quero 100 reais por tudo." A gente fala: "100 reais não dá, a gente paga 70", se ela topar tudo bem. Agora, também o que faz muito é assim: sai no jornal inclusive, é promotoras de vendas. Por exemplo, tem muito estrangeiro que fica aqui no Brasil dois, três anos, depois vai embora, sai do país. Então, as promotoras de vendas, elas pegam as casas desses estrangeiros, elas ganham 20% e elas chamam as pessoas para comprar.
P - Que seria a senhora?
R - Que seria eu... Aí elas tem tudo cadastrado.
P - Mesmo que não seja antigüidade?
R - Não, geralmente a gente vai quase... geralmente a gente vai só quando tem antigüidade.
P - A especialidade da senhora...
R - É, às vezes as promotora chega e fala, telefona, manda papéis. Quando telefona, a gente já pergunta: "Tem antigüidades?" Ela fala: "Não, tem loucinha, pode vir, se interessar."
P - Como que funciona essa relação da senhora com as promotoras, quem entra em contato?
R - Elas mesmas.
P - Entra em contato com a senhora?
R - É, elas ligam pra casa, então elas falam: "Vai ter venda, vai ter um espólio - que é venda, né? -, dia tanto, a tal hora. E a gente vai.
P - Agora, e o preço, como é posto o preço?
R - Ah, elas colocam os preços, as promotoras já sabem. Aí, se a gente vê que dá pra gente vender e ganhar, a gente compra.
P - Não existe, assim, uma espécie de... digamos, de combinação entre todos os antiqüários, que ali não passa daquele preço? Quer dizer, você não paga aqui, não paga lá e não paga lá.
R - Depende, cada promotora... Depende também da pessoa, da dona das peças, você entendeu?
P - Não, eu digo assim, os antiqüários não têm uma espécie de mercado fechado? Então, se um a pessoa quer X por um móvel antigo em lugar nenhum pagam mais, é isso que existe?
R - Não, depende, por exemplo, assim, depende. Nós não somos antiqüário, você entendeu?, a gente trabalha com peças antigas. Porque, os antiqüiários que compram da gente. Porque, por exemplo, eles compram, a gente não é antiqüário.
P- Vocês são intermediários?
R - Intermediários.
P - E a promotora também é intermediária?
R - Isso. Então a promotora faz a venda, a gente compra, se o antiqüário gostar, lógico que ele não vai pagar aquilo que a gente quer, ele vai chorar muito, eles choram muito. Só que quando eles vão pôr o preço, você vai num antiqüário... você vai, é o triplo do preço.
P - E são muitas as pessoas que estão vendendo coisas antigas?
R - Olha, na Benedito Calixto, em Pinheiros, eu não tenho base. Mas na feira do Bexiga, nós somos 280 expositores, fora as visitas, são 15 por domingo. Por exemplo, visita é assim, se eu não vou naquele domingo, então eles colocam. Eles têm 15 visitas. Eu não vou naquele domingo, eles esperam chegar até 10 horas, se eu não vou, aquele visitante vai e expõe no meu lugar.
P - Não, aí é um expositor, não é um cliente.
R - É um expositor. Agora, cliente tem bastante. Você vê, 280 expositores, todo mundo vende.
P - E como é que faz, por exemplo, pra vocês comprarem gato por lebre, parece antigo, mas não é...?
R - Geralmente, como a gente está nesta atividade há 12 anos, a gente conhece. A gente sabe o que é uma cópia, sabe o que é original, você entendeu? Aliás, nas feiras eles estão fazendo muitas cópias. Só que a gente chega e a gente fala que é cópia.
P - Como a senhora sabe identificar uma cópia de um original?
R - Ah, a gente sabe, nossa, a gente sabe. Tem cópias bem feitinhas que a gente fica meio assim, sabe?
P - Sei, mas como que dá pra identificar?
R - Ah, dá pela madeira, sabe, pela madeira. Geralmente, os móveis antigos é tudo embuia. É madeira boa mesmo, e essas réplicas que eles fazem, eles fazem de madeira bem comum.
P - Agora, a senhora considera antigo pra seu comércio, até que ano?
R - É assim, a gente fala assim, 40 anos a gente fala que é usado, agora, 80 anos já é antigo.
P - E qual é a relação de preços dessas duas mercadorias?
R - Bom, isso vai assim, vai da peça. Você pega um móvel antigo, vale muito mais, vale muito mais, mas depende da conservação do móvel, você entendeu?
P - Não têm épocas que é moda, por exemplo, coisas dos anos tais...
R - Que nem agora, que nem dizem, a turma lá na feira fala que está na moda muito provençal. Provençal é 40 anos mais ou menos. Porque provençal é daquele móvel assim, a perninha meio tortinha dos móveis. Então tem uns 40 anos. Tem a penteadeira, que tem aquele espelho bonito. Geralmente, a gente pega e tira o espelho, e a parte de baixo da penteadeira, a turma faz aparador... um console, você entendeu?
P - Onde a senhora compra os móveis?
R - Os móveis, olha, a gente compra de particular, como já te falei. Se não, das promotoras de vendas. Que nem, que eu tenho uma lojinha, vai muita gente oferecer.
P - Tem mais oferta ou mais procura?
R - Olha, acho que (riso) a turma oferece mais, viu.
P - Mais do que compra?
R - Tá, o comércio está meio paradinho, você entendeu.
P - E como faz, a senhora, vai comprando, vai estocando...?
R - A gente vai colocando na loja. Porque é assim, geralmente, você vai comprar e é tudo à vista. Agora, quando você vende eles querem pagar em duas vezes.
P - E a senhora faz?
R - Faço. Não é tudo que eu faço.
P - Como é que faz com o lucro, principalmente agora, há tempos atrás, que nós tínhamos a inflação?
R - Como assim?
P - A senhora compra à vista e depois vende...?
R - Geralmente, se você compra por 20, você vende por 40, você entendeu?
P - Sim, mas e a questão do prazo. A senhora compra por 20, vai vender por 40 em duas vezes... bota juros ou como que é?
R - Não, é assim, antigamente a gente colocava, antigamente, quando a poupança estava dando 30% a gente colocava, no segundo cheque a gente colocava 30%, agora não tem inflação. Geralmente, a turma chega e fala assim: "Ah, porque vocês não fazem em duas vezes. Não tem inflação." A gente fala pra pessoa: "Eu compro tudo à vista." Às vezes você chega a ficar com um monte de cheque pré-datado, e você fica... e você não pode comprar mercadoria, porque tem pessoas que não aceita cheque pré-datado.
P - Ou seja, é um tipo de comércio que a senhora precisa ter um bom capital de giro, né?
R - É, tem mais ou menos, às vezes você, não dá pra comprar e você não compra. A não ser que a pessoa fale: "Ó, eu aceito cheque pré-datado", mas é muito difícil.
P - Olha, se a senhora expõe na rua, não pode ter móveis muito grandes, não é isso?
R - Mas eu levo. A gente, por exemplo, na feira de Pinheiros, eu tenho dois espaços; na do Bexiga também.
P - E fica ao relento, choveu...
R - Fica, choveu danou-se. Ontem, que nem... domingo, molhou todos os meus móveis... Mas como não é móveis antigos, você chega, você passa um paninho, você encera.
P - Com é que é a atividade, a senhora expõe nas feirinhas todos os dias?
R - Não, só sábado e domingo.
P - E como é que a senhora faz, a senhora acorda cedo, conta pra gente como é essa rotina.
R - Eu acordo às 6 horas geralmente, eu já te falei que o meu marido é doente. Ele vai comigo.
P - Ah, ele vai?
R - Vai, ele quer ir comigo. O dia que ele não quiser ir, então eu não tenho nem condição de ir, aí vai meu filho. Que meu filho trabalha comigo.
P - E aonde a senhora guarda esses móveis?
R - Na loja.
P - A loja fica aonde?
R - Na Mooca, pertinho de casa.
P - Vai buscar, leva pra feira e torna a levar o que não vendeu?
R - Isso, não é fácil não. Tem dia que você vai e você não vende nada. Eu levo aqueles guarda-roupa enorme, cômodas... que nem, no sábado estava chovendo, você entendeu?, a gente coloca uma lona assim pra quebrar o galho, mas molha a mercadoria.
P - Que horas que termina a feira?
R - Olha, geralmente eu chego, tem pessoas que chegam na feira às 7 horas. Geralmente eu chego umas 9 horas.
P - Não, termina.
R - Umas 5, 6 horas.
P - Aí pega os armários, os guarda-roupas...
R - Coloca tudo outra vez, que nem, eu trabalho com louça. Eu trabalho com a louça. Então a gente põe a louça tudo no chão. Chega, desembrulha tudo, dá aquele trabalhão, né?, que só coloca tudo no chão. Aí, se você não vendeu, você recolhe tudo outra vez, coloca nas caixa e vai triste pra casa. (riso)
P - Quantas viagens a senhora faz, assim, da casa da senhora...
R - Uma só.
P - Uma só a senhora leva tudo?
R - É, porque eu tenho uma perua kombi, até em cima, no bagageiro a gente coloca móveis.
P - Por que a senhora escolheu esse ponto, tanto do Bexiga, quanto da...
R - Porque é uma feira de antigüidade, não fui eu que escolhi. É uma feira e eu comecei com lanches e foi aí que eu fui...
P - Mas, tem também outras feiras de antigüidade na cidade. Talvez seja essa a pergunta.
R - Tem, tem feira no shopping, no Iguatemi, só que no Iguatemi... é caríssimo lá.
P - O que é caro?
R - O aluguel.
P - Ah, tem que pagar aluguel? E já nas outras não tem?
R - É, na feira do Bexiga, é muito pouquinho, é três reais que a gente paga por mês.
P - E a outra?
R - Cinco, cinco não, seis.
P - Por mês?
R - Por mês, na feira de Pinheiros, seis.
P - E o aluguel do shopping, quanto é?
R - Não sei. Agora, o aluguel da minha loja eu sei, (riso) 250 reais, fora o imposto, luz, água e contador.
P - A senhora havia me contado que, na feira da Bela Vista, no Bexiga, havia um esquema de trocas...
R - Antigamente tinha muita troca.
P - Conta pra gente como é que funcionava isso?
R - Ah, a pessoa chegava, vinha com um bule, vai, e queria trocar por uma outra peça. Se interessava pra mim eu trocava. Agora, tem pessoas que vai lá, agora é difícil fazer troca, eu faço, eu já fiz. A semana passada, retrasada, eu fiz. Porque compensou, entendeu, eu troquei três prato por uma sopeira. Só que essa sopeira eu não estou vendendo ela, eu gostei dessa sopeira e eu peguei pra mim, você entendeu? Porque, antigamente, ia muita porcaria da, todas aquelas coisas porcarias que tinha em casa ia pra feira. Achava que a gente tinha, escolhia uma coisa boa e achava que a gente tinha que trocar. Aí eles chegam e falavam: "Mas não é uma feira de troca?" A gente falava: "É, só que isso daí a gente não vai vender nunca."
P - E pra se achar a maneira de trocar. Como que a senhora fazia pra saber o que valia o que, ou melhor, assim... o valor? Como que era estabelecido o valor na troca?
R - Bom, às vezes a pessoa, antigamente, que tinha muita troca, a gente falava, olha, você dá um tanto, você dá um tanto a mais, e aí eu troco a peça, se interessava pra pessoa, tudo bem.
P - E a troca era assim... podia trocar um eletrodoméstico por qualquer coisa?
R - Não, como a feira é de antigüidade a gente nem pega eletrodomésticos, a senhora entendeu?
P - Não, não, eu estou dizendo quanto à feira de troca... Aí a senhora está se referindo a troca de antigüidades por antigüidades?
R - É, geralmente eles não vão lá com eletrodoméstico, porque sabe que a gente...
P - Não existia também um comércio de trocas que podia trocar qualquer coisa por qualquer coisa?
R - É, depende, depende daquilo.
P - Existia?
R - Existia. Antigamente existia muito isso, você entendeu, antigamente existia muito, agora não, agora é mais antigüidade.
P- E a senhora ainda continua nesse tipo de trabalho?
R - Continuo, domingo eu fiz feirinha, sábado eu fiz feirinha.
P - E durante a semana, só fica na loja?
R - Fica na loja, quem fica geralmente é meu filho.
P - Ele também trabalha com móveis?
R - Trabalha.
P - Qual é a idade do filho da senhora?
R- 22.
P - 22 anos.
R - Isso, e ele também gosta.
P - Quando ele começou a trabalhar com móveis?
R - Desde os 12 anos que ele trabalha comigo.
P - E porque é que ele começou a trabalhar com móveis?
R - É assim, sabe, eu falava: "Vamos com a mamãe na feira", e ele ia e foi gostando.
P - A senhora tem outros filhos?
R - Tenho, tenho o Luciano.
P - Quantos anos?
R - 20.
P - E ele trabalha com a senhora também?
R - Não, ele estuda, ele faz Escola Pan-Americana de Artes, e de tarde, às 2 horas, ele vai para um estágio. Ele trabalha numa agência de publicidade. Inclusive essa agência de publicidade é de um primo de meu marido. É um cara muito famoso, é o Júlio César Ribeiro.
P - E esse tipo de atividade ele traz alguma, vamos dizer, ele é compensador... pra fazer a vida, pra sustentar a família?
R - Compensa, compensa, compensa.
P - Como que a senhora, a senhora fornece aos antiqüários, segundo o que a senhora me falou.
R - Não, depende. Se o antiqüário passa lá e gosta da... que nem, olha, sábado foi um antiqüário na minha barraca. Eu estava pedindo numa mesinha, ela é bem antiga, inclusive naquela novela Éramos Seis, ela tem essa mesinha. Eu estava pedindo 130, 130 reais. Precisava restaurar, eu falei: "Olha, eu restauro pra você." Quem restaura é meu filho: "Eu restauro."
P - O filho...
R - O Marcelo.
P - O da loja?
R - É, o que trabalha comigo. Aí ele falou assim: "Ah não, eu levo só se você deixar mais barato." Eu falei: "Ah não, não dá", né? Eu falei: "Então vamos fazer uma coisa, 120." Ele falou: "Não, 100 eu levo" É melhor ganhar 100 do que não ganhar nada, você entendeu? Só que ele não vai vender essa mesa... se ele vai vender essa mesinha, ele vai vender por uns 200, 250 mil, e olhe lá. O antiqüário ganha o triplo
P - A senhora também vai aos antiqüários dizendo que a senhora vende e fornece antigüidades?
R - Não, geralmente eles passam na feirinha... eles passam na feira, que nem aquela turma na Cardeal Arcoverde, que ele tem loja, nossa, eles não saem da feira e a gente fornece pra eles.
P - Tem muitos antiqüários nos Jardins. Eles também freqüentam a feira?
R - Tem, tem... freqüentam a feira, todos eles freqüentam porque às vezes eles se saem bem. Às vezes, por exemplo, tem expositor visitante que não conhece a peça. Nossa Aquilo é um achado pra eles.
P - Eles compram barato.
R - Eles compram baratinho. Bom, também os antiqüários eles pagam, vai, que nem tem no Jardins, o aluguel deles é terrível. Tem isso também, né?
P - E essa coisa de restauração, o seu filho faz? Como é?
R - Alguma coisa ele faz, ele mesmo restaura, pra gente mandar fora, fica muito caro. Por exemplo, ele lixa o móvel, ele encera. Ele troca um puxador. Agora, quando o espelho está feio, a gente manda fora, entendeu. Se a gente pega um guarda-roupa e o espelho tem aquelas manchas pretas antigas, então a gente manda espelhar.
P - Mas são espelhos de cristal, né?
R - São, são.
P - Com é que faz, se faz aqui no Brasil?
R - Faz, faz. Geralmente a gente leva lá no Tatuapé... ele trabalha muito bem, esse senhor.
P - E os vidros, aqueles vidros que são desenhados, esses vidros de cristaleiras, né?
R - Geralmente, por exemplo, se você vende e quebrou um daquele, adeus, você precisa trocar tudo. Eles fazem agora, não assim tão bem feitinho que nem os antigos, mas eles fazem alguma coisinha sim...
P - O marido da senhora também trabalhava com os móveis?
R - Não, ele nunca gostou.
P - Ele trabalhava com...
R - Com lanche.
P - E ele acompanhava a senhora nas feiras? E aí que a senhora começou a... fazer os móveis, né? Como a senhora conheceu o marido da senhora?
R - Eu conheci meu marido num salão de baile. Ele tocava bateria. (riso) Inclusive meu filho Luciano também toca.
P - Mas ele fazia parte de algum conjunto?
R - Era uma orquestra.
P - E tocava o que, a orquestra?
R - Bateria.
P - Mas que tipo de música?
R - Ah, naquele tempo era bolero, samba, inclusive era uma orquestra espanhola. Ele, mais um outro rapaz era brasileiro, o resto era tudo espanhol.
P - E conta pra gente como a senhora o conheceu e quanto tempo ficou?
R - Então, eu ia no baile, mas eu ia escondido da minha mãe. Mas eu ia, eu tinha na época o que, 16 anos.
P - Aonde era o baile?
R - Lá na Rua das Figueiras, lá no Brás. Então eu ia escondido da minha mãe.
P - Que dia assim?
R - Era só de domingo, só de domingo.
P - Quando a senhora estava namorando com ele, a senhora trabalhava na papelaria?
R - Teve uma época que eu trabalhava na tecelagem, e depois eu trabalhava na papelaria.
P - E a senhora parou um tempo de trabalhar?
R - Parei.
P - Pelo casamento?
R - Pelo casamento.
P - E como é que a senhora voltou a trabalhar?
R - Foi quando ele começou, né? Eu falei que ele tinha um agência de carro, aí as coisas estavam muito mal e eu fui ajudar um pouquinho.
P - Ele tinha uma agência de carros, e o que ele fazia?
R - Ele era dono. Ele e mais um outro sócio.
P - Carros novos?
R - Não, usados.
P - Onde era?
R - Na Siqueira Bueno.
P - É no Brás, Mooca?
R - Não, é Mooca.
P - A senhora foi ajudá-lo também?
R - Não, na loja não. Eu ficava em casa, depois aí que ele fechou a firma, que estava muito mal, fechou a firma e foi trabalhar numa concessionária Fiat.
P - E em que momento ele começou a trabalhar com os carrinhos com a senhora?
R - Ah, mais ou menos em 87.
P - A senhora citou que na novela Éramos Seis tinha uma mesinha tal. A senhora já teve os produtores de teatro e de TV procurando peças de época?
R - Já, nas feirinhas os artistas... vai muito artista nas feirinhas.
P - E como é que funciona isso?
R - Bom, tem uns assim, que nem tem a Márcia Fasano, ela é irmã do Víctor Fasano, então ela está montando uma peça, ela chega pra mim, se eu quero doar a peça, tudo bem. Aí, se não, ela vai falar com o presidente da feira. Aí o presidente chega na barraca e fala: "Olha, quanto dá pra você vender essa peça, é pra ajudar o teatro." Se a pessoa quiser fazer mais baratinho, tudo bem. Que nem eu fiz, essa Márcia Fasano foi na feira, e ela quis fazer aquela peça Greta Garbo quem diria, acabou no Irajá. Aí eu cedi uma vitrolinha dos anos 50, um vaso de morano e mais umas coisinhas.
P - Emprestado?
R - Eu dei porque a peça está correndo.
P- E aí a senhora não vai pegar de volta?
R - Não, não, essas peças não, porque eu doei para o teatro.
P - A senhora não faz aluguel de peças?
R - Já fiz, já fiz.
P - Não compensa?
R - Compensar, compensa, mas geralmente os artistas vão nesses antiqüários, nessas lojas da Cardeal Arcoverde.
P - E lá eles fazem aluguel?
R - Fazem, fazem.
P - E eles fazem alguma gentileza pelo fato da senhora dar ou emprestar?
R - Eles me dão os convites para mim ir no teatro.
P - E a senhora vai?
R - Vou.
P - Mas compensa a senhora doar essas peças? Vamos dizer, comercialmente?
R - Eu dôo porque eu quero, a senhora entendeu? Que nem essa radiovitrola estava parada em casa. Esse vaso que eu doei, ele estava rachadinho, pra gente vender peça quebrada ninguém quer, então eu doei.
P - Não querem quando têm aqueles lascadinhos ou quando é um...?
R - Não, se é peça muito boa, que nem você... que nem eu citei, eu peguei uma... essa sopeira que eu peguei, é (limoges?), você entendeu?
P - Aí compensa.
R - É, ela está, ela está coladinha, então compensa eu mandar restaurar.
P - Restaura quando falta um pedacinho?
R - Restaura, restaura.
P - Aí a senhora paga a restauração?
R - Pago a restauração.
P - Pra depois colocar à venda?
R - É, que nem essa limosges aí, é uma sopeira, ela é linda, a senhora entendeu?, aí eu troquei só que eu não mandei restaurar, eu coloquei na cristaleira de casa.
P - Existe alguma associação dos vendedores nas praças?
R - Não, tem uma associação, no Bexiga tem uma associação.
P - Em Pinheiros também tem?
R - Em Pinheiros também tem, só que a do Bexiga eu faço parte da associação.
P - Qual é a função da senhora?
R - Eu sou vice... eu sou a primeira vice-presidente. E tem o José Carlos (Quental?), ele é o presidente.
P - Como que funciona a associação?
R - Por exemplo, a gente tem 280 expositores, né? Eles arrecadam esse dinheiro, esse dinheiro serve pra manutenção da praça, assim, por exemplo, dos banheiros. Se tiver que comprar algum som, entendeu?
P - Comprar algum som?
R - Som, a gente tem som.
P - Como assim?
R - Som, música.
P - Sim, mas que coloca aonde lá?
R - No coreto, nós temos um coreto, você entendeu?
P - Quer dizer, e quando há um coreto, são os vendedores que colocam?
R - Não, não. A gente chega lá, põe uma pessoa certa pra mexer no som, você entendeu? Às vezes esse som quebra, a gente precisa mandar arrumar. Esse dinheiro que fica no caixa é pra essas coisas.
P - E a senhora é a vice-presidente... quanto tempo que a senhora vai, qual o período que a senhora freqüenta a associação? Porque, como vice-presidente a senhora tem certas coisas pra providenciar, como que funciona isso?
R - Não, por exemplo, que nem chega dia de domingo ele fala: "Marília, dá uma volta...", eu e mais outras pessoas. Tem a Márcia, que é a segunda vice-presidente, mais ou menos nós somos em 12, você entendeu, mas tem os colaboradores e a turma que fica na presidência, que nem o presidente, o vice-presidente, o primeiro tesoureiro, segundo tesoureiro, você entendeu? Nosso dinheiro é tudo controladinho. Às vezes tem pessoas que falam: "Nossa, o que vocês fazem com o dinheiro?" Acha que a gente está cobrando muito. Não é, são três reais por mês, você entendeu? A gente paga segurança...
P - Tem segurança?
R - Tem.
P- Quantos seguranças tem?
R - Tem mais ou menos uns quatro seguranças.
P - Já aconteceu algum problema assim de assalto, alguma coisa?
R - Não, de assalto assim é difícil. De peças roubadas, sim. Se a pessoa bobeou na feira, tem pessoas que roubam, tem mesmo, principalmente relógios, essas coisas. Agora, tudo que vai oferecer pra gente na feira, pelo menos eu, eu não compro, você entendeu? Vai pessoas assim oferecer relógios, essas coisas, a gente não compra.
P - Por quê?
R - Aí, de repente, se é roubado? Então a turma já sabe que não é pra comprar nada. Inclusive coisas do Paraguai, essas coisas eletrônicas não pode ser vendido lá. Só antigüidade mesmo, por exemplo, a não ser assim, coisa do Paraguai, um prato, uma loucinha.
P - Agora, veja bem, a compra de objetos roubados... se aparece qualquer louça pode ser roubado, ter sido roubado, não é?
R - Acho que é difícil, louça assim, acho que é difícil.
P - Eu digo louça por ser um objeto menor. Ninguém vai roubar um armário...
R - Mas é difícil louça. Que nem essa moça que eu troquei a peça. Primeiro ela foi num domingo, aí ela queria pratos. Ela coleciona pratos de parede, mas só azuis. Aí ela falou assim: "Ah, está um pouquinho caro, não dá pra mim comprar. Qualquer coisa no domingo eu volto." E ela voltou com essa sopeira, entendeu, aí eu fiz a troca pra ela.
P - A senhora gosta do trabalho da senhora?
R - Adoro. Se você falar assim qual é o teu lazer?, esse é meu lazer.
P - É o lazer da senhora, e a loja, a senhora costuma freqüentar a loja, na Mooca?
R - A minha loja? Ah, eu vou todo dia lá, mas eu não fico lá porque eu preciso cuidar do meu marido, você entendeu?, mas quem fica lá é meu sobrinho, meu filho...
P - Agora, o comércio da loja na Mooca, ele é muito freqüentado pelos clientes, como que é o movimento?
R - Não, está superparado, sabe. Precisa de ter um local bom.
P - O ponto não é bom?
R - O ponto não é bom, você entendeu?
P - E acaba servindo como depósito?
R - Isso, verdade.
P - Qual das três atividades da senhora, das duas feiras e da loja, que a senhora sente que dá mais lucro?
R - As feiras.
P - Qual das duas?
R - As duas. Eu falo assim: "Nas feirinhas eu estou roubada" (riso)
P - Tem algum tipo de cliente comum? Qual o tipo de cliente que compra antigüidades?
R - Não, tem clientes que bate cartão, que nem diz o outro, vai todo domingo na feira, todo domingo...
P - Vai garimpar peças que chegam?
R - Vai. Nossa, chega, sabe, que nem fala, encomenda, fala: "Ó Marília, eu quero isso, isso e isso." Aí eu vou batalhar na semana pra essa pessoa, você entendeu?
P - Ah, é como se fosse por encomenda?
R - Isso. Aí eu já guardo pra pessoa. Porque eu tenho certeza que ela compra e ela paga.
P - São decoradores, talvez?
R - Decorador também vai, vai muito decorador, vai bastante sim.
P - Já houve tempo em que as antigüidades não tinham tanto cliente, tanto mercado?
R - Teve. Agora virou moda, antigüidade virou moda.
P - De quanto tempo pra cá?
R - Ah, de uns seis, sete anos pra cá.
P - E antes, como é que era, não vendia nada?
R - Vendia, mas vendia mais para o lojistas. Agora não, vai particular, inclusive a gente gosta mais de vender pra particular do que pra pessoa que tem loja, eles são muito chorão, sabe.
P - Particular, ele não chora muito?
R - Chora, mas não chora tanto, porque o outro também precisa de ganhar, você entendeu?
P - Quer dizer, atualmente a senhora não troca antigüidade por antigüidade ou um objeto por outro?
R - Troco, lógico, se compensar eu troco.
P - E a entrega, como é feita?
R - Nós entregamos, eu tenho uma perua, nós entregamos.
P - Na casa?
R - Na casa da pessoa.
P - E em geral a pessoa paga antes ou paga na hora da entrega?
R - Às vezes paga antes, às vezes paga quando a gente entrega a peça. Tem uns que desconfiam: "Mas você vai entregar mesmo?" Lógico, a gente dá um cartãozinho. Uns quer um recibinho e a gente passa o recibinho.
P - A senhora tem algum sonho a realizar na sua vida?
R - Sonho todo mundo tem, né? (riso)
P - O que seriam esses sonhos?
R - Bom, um dos sonhos eu sei que jamais... jamais, eu sei que isso seria da parte de Deus, que meu marido ficasse bom. Mas isso não vai acontecer, mas todo dia eu peço, e o resto, sabe o que eu quero? É saúde, você tendo saúde, você vai à luta, que é triste você ter um marido que não fala, que não anda, um homem bom, trabalhador. Agora, uma casinha a gente também gostaria de ter, porque eu pago aluguel.
P - Agora a gente está encaminhando para o término da entrevista... E no comércio, a senhora gostaria de modificar alguma coisa?
R - Como, assim, você fala?
P - Na maneira de comerciar, tem alguma coisa que a senhora acha que é errado, que funciona mal no comércio, que dá problemas, como que a senhora teria melhores condições de trabalho?
R - Não, eu, por exemplo, o meu trabalho eu acho ótimo, o que estraga são as réplicas, são as cópias. Por exemplo, eu tenho uma cristaleira, ela é antiga, eu vou pedir na minha cristaleira, vai que seja, 300 reais. O outro vem com uma cópia, 150. O outro vai vender por 150, vai, vende bastante cópia. Que tem gente que não liga pra isso.
P - Isso que eu ia perguntar, quer dizer, isso quer dizer que quem compra não faz questão de autenticidade?
R - Não faz, agora, tem outras pessoa que pergunta: "É cópia?", a gente fala: "É cópia." Nossa, é que nem o diabo foge da cruz, tem gente que tem um bom gosto.
P - Dona Marília, pra fechar a entrevista, eu gostaria de saber o que a senhora achou de ter dado um relato, ter dado uma entrevista?
R - Achei legal, achei superlegal.
P - E como é que a senhora se sente, assim, dando...
R - Me sinto feliz de poder falar um pouquinho de mim, um pouquinho do que eu faço, tá, estou sempre às ordens.
P - Bom, a gente queria agradecer a presença da senhora. Estamos encerrando, então, muito obrigada.
R - De nada, quando quiserem às ordens.
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