Entrevista de Pasqualina Pacheco Boaventura de Almeida
Entrevistada por Telma Salvador Barbosa e Luiza Gallo
Rafard, 21/12/2022
Projeto: Todo Lugar tem uma História pra Contar – Rafard
Entrevista número: PCSH_HV1372
Realizado por Museu da Pessoa
Transcrita por Selma Paiva
Revisado por Luiza Gallo
P/1 – Bom dia, Pasqua.
R – Bom dia, Telma.
P/1 – Em primeiro lugar, pra começar, eu gostaria que você falasse o seu nome completo, o local e a data de nascimento.
R – Sou Pasqualina Pacheco Boaventura de Almeida, nasci na cidade de Capivari, em um do quatro de 1956.
P/1 – E te contaram como foi o seu nascimento, a escolha do seu nome? Você sabe?
R – Minha mãe sempre falou que eu nasci num domingo de Páscoa, então daí o nome Pasqualina é dado pela minha madrinha, que era muito católica, então resolveu colocar Pasqualina. E eu nasci na Santa Casa de Capivari.
P/1 – E o nome dos seus pais, seus avós?
R – Eu lembro mais do nome dos meus pais: Benedito Dias Pacheco e Tercília Manoela dos Santos Pacheco.
P/2 – Como você os descreveria, o jeito deles?
R – Olha, minha mãe é uma pessoa muito ativa, muito trabalhadeira, ela lavava roupa pras pessoas, ela ganhava o dinheirinho dela lavando roupa pros vizinhos, que trabalhavam ou as pessoas que moravam na cidade, e meu pai eu lembro bem dele trabalhando na Usina de Santa Cruz. Ele trabalhava na caldeira da Usina de Santa Cruz.
P/1 – E você sabe como eles se conheceram?
R – Minha mãe vem da cidade de Indaiatuba, agora meu pai sempre foi de Capivari. Então eles sempre contavam que [se] conheceram nas rodas de conversas, de passeio de jovens adolescentes da época.
P/1 – Você falou que sua mãe lavava roupa pra fora. E você lembra dos momentos dela lavando roupa e você brincando por perto?
R – Sim, lembro bem disso. E é interessante, porque eu lembro bem, parece que até o assobio dela. Ela gostava muito de cantar hinos, louvores, porque ela sempre foi evangélica e gostava muito de cantar louvores. Então, isso aí marcou muito pra mim.
P/1 – Uma memória boa.
R – É.
P/2 – Onde que ela lavava?
R – No quintal de casa, e não era água encanada, era água tirada do poço. Então, não tinha água encanada, na época. Então ela tirava água do poço, colocava nas bacias ou na caixa de água, lavava roupa, aquele monte de lençol branco, que usava bastante, na época.
P/1 – E essa casa, onde sua mãe lavava roupa do pessoal, pra fora, era em Capivari ou Indaiatuba?
R – Capivari.
P/1 – E você tem lembrança da casa? Consegue descrever pra gente?
R – Tenho muita lembrança. A gente morou muito na Avenida José Rufino e fui crescendo, fui criada ali, meus irmãos também, então marca bastante. Ali perto do Jardim Elisa, hoje é Jardim Elisa.
P/1 – E você tem irmãos?
R – Tenho.
P/1 – Quantos são?
R – Éramos em dez irmãos (risos). Hoje nós temos cinco.
P/1 – E você lembra da sua infância com seus irmãos? As brincadeiras, os costumes que tinha a família?
R – Sim. A gente brincava muito na rua. Hoje as crianças não brincam na rua. Na época, a gente brincava bastante na rua. Era, nossa, bastante brincadeiras. As crianças todas da vizinhança saíam, ficavam brincando na rua, daí nove horas todo mundo já entrava.
P/1 – Você lembra de algum tipo de brincadeira, algo ocorrido na infância que marcou?
R – A gente brincava muito de pular corda, esconde-esconde, pega-pega. Eu lembro um fato que a gente estava brincando e eu entrei no quarto pra me esconder e fiquei segurando a porta, aí meu irmão demorou bastante, eles estavam me procurando e eu vacilei um pouquinho, soltei um pouco a mão da porta e eu estava com um pedacinho de bambu na boca. Meu irmão veio correndo e empurrou a porta, o bambu foi pra garganta. Minha mãe teve que sair correndo, a pé, me levar na Santa Casa pra poder tirar o bambu que ficou espetado lá. Marcou muito, porque foi aquela correria e eu já grandona, teve que me pegar no colo e levar. Eu morava na Avenida José Rufino e minha mãe me levou até a Santa Casa, no colo, pra poder socorrer, porque na época não tinha facilidade de carro e tudo mais.
P/1 – E você lembra... são dez filhos que sua mãe teve, você é a caçula, a do meio…
R – Sou a caçula das mulheres. Eu tenho um irmão mais novo, mas é um ano.
P/1 – São quantas mulheres e quantos homens, no total?
R – São cinco homens e cinco mulheres.
P/2 – E como foi ser a caçula?
R – Minhas irmãs sempre acharam que meu pai me mimava (risos). Sempre elas achavam isso. Até pouco tempo ainda elas falavam: “Ela sempre foi….”, mas não é. (risos)
P/1 – Por quê? Você era bem próxima dele?
R – Sim, bem próxima. Tudo era comigo. Tudo. Pra ler um documento, porque meus pais eram analfabetos. Então pra ler um documento, pra ler alguma coisa pra ele, sempre me chamava, tinha que ser eu. Quando ele se aposentou, pra ele receber o salário dele, pra levá-lo ao médico, tudo era eu.
P/2 – De pequenininha, o que você gostava de fazer com ele?
R – Eu gostava sempre de ir fazer compras com ele. (risos) Comprava bolacha, tudo doce, então era ‘sagrado’, todo mês tinha que ir com ele na fazenda pra fazer compras.
P/1 - Era na fazenda que vocês iam?
R – No armazém da fazenda.
P/1 – E você tem lembrança de como era esse mercadinho onde você ia fazer a compra com seu pai?
R – Sim. É interessante, porque é diferente de hoje, no mercado, as vendas, armazéns que chamavam, e era tudo pendurado, não ficava em geladeira. Arroz, feijão era por quilo, você comprava, eles colocavam no saco, levava o saco de pano que eram aqueles sacos que usavam na usina pra embalar o açúcar, então em casa sempre tinha, que às vezes usava até pra fazer roupa. Então, meu pai levava pra pôr o arroz, o feijão, o açúcar e era compra por mês. Não era essa facilidade de precisar e ir ao mercado. Então, tinha que comprar tudo certinho e dava certinho.
P/1 – E era longe da sua casa?
R – Era na Fazenda Santa Cruz, lá em Capivari.
P/1 – Aí vocês iam como? De bicicleta, com algum veículo ou iam andando?
R – Íamos sempre de ônibus. Tinha um ônibus que ia até lá, ia de carroça. Hoje a gente vai e parece que é tão longe e não é. Então, ______ no armazém. Depois, com o tempo, o armazém veio pra cidade, também. Mas meu pai sempre me levava lá perto do ribeirão, tinha uma venda e também comprava lá e pagava. Interessante! Pegava uma compra, pagava uma e pegava outra. Quer dizer que estava sempre devendo na venda.
P/1 – É. (risos) E o que você lembra na hora do almoço, na hora do jantar, na hora do café da manhã? Você e seus irmãos, como era o dia a dia desses momentos?
R – Olha, a gente... eu não sei, as minhas irmãs falam que eu tive uma vida melhor. Elas falam que pra elas foi mais difícil. Então passaram mais necessidade, tiveram que ir à luta mais cedo. Elas falam que eu e meu irmão Gilmar fomos mais privilegiados, mas a gente sempre procurou dividir. Minha mãe sempre ensinou isso. Então se tinha um pão, tinha que partir aquele pão, repartir com todos e a gente comia e não tinha reclamação. Então, era difícil, mas a gente procurava sempre dividir entre os irmãos. Ninguém ficava sem.
P/1 – E tem alguma comida que sua mãe fazia que até hoje você lembra, quando lembra dos momentos?
R – Olha, minha mãe, como a gente morava sempre em casas que tinham quintais grandes, ela tinha horta, galinha e ela fazia um franguinho frito que até hoje ninguém esquece. Quando a gente reúne a família sempre lembra do franguinho frito que ela fazia. A polenta com verdura cozida. A gente não esquece da comida da minha mãe nunca.
P/1 – Impossível esquecer.
R – É.
P/2 – Você lembra se seu pai comentava sobre o trabalho nele na usina? Tem alguma história marcante?
R – Olha, ele sempre comentava do serviço, dos amigos. Meu pai era muito querido no serviço pelos companheiros, que até o apelido dele era Colega do Céu, (risos) porque ele tinha costume de falar: “Colega do céu, nossa, aconteceu isso”. Então, o apelido dele era Colega do Céu. Então ele tinha bom relacionamento com os amigos. Até um dos fatos que todo final de ano, meu pai - apesar da minha mãe ser evangélica – era bem católico, então todo ano ele ia pra Aparecida do Norte. E aí iam todos esses amigos da usina também, pra Aparecida do Norte. Uma forma de agradecer pelo ano que passou.
P/2 – E como era o trabalho dele? O que ele fazia na usina?
R – Ele trabalhava na sacaria. Hoje tem máquinas que pegam os sacos e levam até o caminhão que vai ser carregado, mas naquela época era nas costas, mesmo. Aqueles sacos de sessenta quilos de açúcar eles carregavam, pra carregar o caminhão, pra poder sair dali o açúcar. Isso ele sempre comentava, falava do trabalho.
P/1 – E a origem da sua família, você sabe um pouquinho da história dos seus avós, a história dos antecedentes?
R – A família do meu pai é de Capivari. Agora, a família da minha mãe é de Indaiatuba. Minha mãe falava - porque eu não conheci meus avós – que a mãe dela era uma índia e ela tinha uns traços, sabe? E ela falava que era família de indígenas. A família da minha mãe. Então, que eles viviam, moravam, gostavam de morar no mato. Agora, a família do meu pai sempre foi da cidade de Capivari.
P/1 – Você falou que sua mãe gostava de cantar hinos evangélicos enquanto lavava roupa. O que mais a sua mãe ouvia, vocês ouviam, ou assistiam TV, tipos de música na família enquanto vocês eram crianças e depois tornaram-se adolescentes?
R – A minha mãe sempre gostou da religião evangélica, mas é interessante, porque ela nunca proibiu que nós seguíssemos a nossa. Ela sempre aconselhou que teríamos que ter uma religião, que Deus é um só. Então, não importa a religião que você queira seguir. E também nunca obrigou. Eu a acompanhei muito na igreja e os meus irmãos também, mas só ela que seguiu, mas ela sempre procurou respeitar. E assim ela também ensinou a gente: “Você pode ter a religião que você quiser, mas sempre respeitar a do outro”. Então ela nunca obrigou a gente a seguir aquela religião. Então, eu acho isso interessante. E isso também eu procuro passar pros meus filhos. No entanto, na família tem todo tipo de religião e a gente se respeita. Traz o aprendizado.
P/1 – É. E os tipos de músicas que vocês gostam, de criança? Vocês sempre ouviam tudo ou poucas músicas?
R – Eu não tenho muita lembrança de ouvir tanta música. Eu lembro muito do meu pai com o radinho e ouvia muito cururu. Hoje a gente fala moda sertaneja, mas cururu é moda de raiz. E daí eu faço uma ligação, porque meu pai era do Batuque de Umbigada. Eu não tinha noção, na época, mas minhas irmãs mais velhas contam que adoravam sair à noite e ficar espiando. Então o cururu tem uma forte ligação com as modas do Batuque de Umbigada. Então era muito cantada essa música. Eu lembro bem do meu pai às vezes resmungando alguma moda e era pro batuque, que tem uma forte ligação com o cururu, que são modas.
P/2 – Você lembra de algum evento que seu pai participou e você viu?
R – Não. Eu não peguei essa época dele participando do batuque. As histórias que eu tenho do batuque são as que minhas irmãs mais velhas sempre contaram, falam.
P/1 – E quando você era criança, você tinha ideia do que você queria ser quando crescesse?
R – Olha, a minha mãe sempre incentivou a estudar. No entanto, da família, os outros meus irmãos têm leitura, sabem ler, mas não chegaram a uma formação. A única que chegou na formação na família fui eu. E a minha mãe, quando eu fui pra escola, ela sempre procurou incentivar, do modo dela. E eu sempre morei na Avenida José Rufino, no entanto que eu fiz o primário até a quarta série, aqui em Rafard. Todos os vizinhos foram estudar em Capivari, eu vim aqui pra Rafard. Minha mãe me matriculou, meu irmão, e todos estudaram aqui em Rafard. Então a minha formação primária foi aqui no Grellet. Então, daí, quando eu terminei, a minha mãe já não quis mais, falou pra mim: “Olha, agora você já sabe ler e escrever, já fez até a quarta série, não precisa mais”, mas eu tinha uma coisa dentro de mim que eu queria estudar. E aquilo ficou tão forte que, mesmo eu terminando e indo trabalhar de empregada, de babá, mas eu tinha uma coisa dentro de mim que eu tinha que estudar e eu queria ser professora. E foi esse o meu destino (risos).
P/1 – Você trabalhou antes de se formar como professora como babá?
R – Babá, trabalhei de empregada.
P/1 – E você lembra desses trabalhos o que marcou, as crianças que você olhou, as casas que você trabalhou, antes de se formar?
R – Tem uma família que hoje nem sei mais pra onde eles estão. Eu fui babá do menino e depois mudaram de Capivari. Mas tem uma outra família que eu fui babá, ficava com as crianças e ela era professora, hoje ela é professora aposentada. E ela sempre me incentivou muito a voltar a estudar. E os filhos dela hoje são farmacêuticos, têm farmácia em Capivari, de manipulação. E foi ela que me incentivou a voltar, sabe? Eu já tinha uns treze, quatorze anos e eu estava trabalhando pra ela e ela falava: “Volte a estudar, vai estudar à noite”. Foi onde eu voltei, mesmo. Daí não parei mais. Foi uma decisão muito rica na minha vida e foi incentivada por uma patroa.
P/2 – Como você se sentiu? Como foi, pra você, voltar pros estudos?
R – Eu só me vi crescer e meus pais se orgulharam disso. Por mais que eu entenda que, na época, eles não tinham a noção da valorização do estudo pela situação da vida, ou por eles não terem, então aquilo que eu tinha eles achavam que era suficiente. Aí que eles viram que eu fui pra frente, incentivado por uma patroa e fui levando aquilo em frente, eu via que eles se sentiam orgulhosos de ver toda essa trajetória. Então, é engraçado que meu pai, quando eu me formei no colegial, falava assim: “Essa daí já é doutora” (risos). Porque sentia orgulho de ver a gente partilhar tudo isso, essa trajetória.
P/2 – Por que você veio estudar em Rafard com seus irmãos?
R – Porque era a única criança na ______ que ia pra Capivari. Iam todos a pé. Não tinha esse negócio de ônibus hoje, que as crianças vão ali na esquina estudar e têm que ir de ônibus, de van. Não, a gente vinha a pé. E como saía muita briga de criançada, na época, não podia fazer um gesto que era briga na certa, então minha mãe achava que era muita criança fazendo o trajeto pra escola, em Capivari, ela veio e matriculou aqui em Rafard, que aqui só tinha nós. E a gente vinha a pé. Ia e voltava a pé. Aí ela matriculou [a gente] aqui e aqui foi nossa formação, na Escola Luis Grellet.
P/1 – Que, na época, era o Grellet e o Jeni que tinha, só?
R – Só.
P/1 – E quais foram as pessoas que marcaram lembrança, tanto na sua infância no período escolar, como depois que você voltou a estudar?
P/2 – Professores, amigos.
R – Olha, eu, na época, depois que eu terminei aqui o estudo em Rafard, fui pra Capivari, fui trabalhar. Nós sempre tivemos vizinhos e eu tenho uma amiga que morava em São Paulo, São Bernardo do Campo, e ela vinha passar as férias na casa da vó e eu achava tão bonito, sabe? Que daí eu brincava com elas. Então, eu achava tão interessante elas ficarem falando da escola, ficarem comentando e isso chamava muito minha atenção e uma delas depois veio embora pro interior e continuou fazendo estudo, aqui em Capivari. Isso também foi um dos motivos de eu voltar a estudar, porque a minha amiga voltou, já estava no colegial e eu fui fazer a parte de quinta à oitava, ainda. Então isso me motivou muito. E a gente é amiga até hoje. É a Romilda.
P/1 – Legal. E professores, tem professores que marcaram?
R – Olha, a Dona Dilma Quagliato, que foi a incentivadora. Também teve a Lucivalma, Luci. Tidalma, que é uma _______. São pessoas que motivaram bastante. E depois eu tive a felicidade, ou a sorte, não sei, de encontrar aqui em Rafard, a Tereza Bedendi, que eu trabalhei no Aurélio. Isso eu já vim pra cá casada, quando eu vim pra Rafard. E aí eu fui trabalhar no Aurélio. Prestei um concurso e passei e fui trabalhar no Aurélio. Aí encontrei a Tereza Bedendi, que foi diretora e foi, também, uma incentivadora. Com ela eu fui fazer Magistério, que ela incentivou, foi minha professora. Foi uma fase da minha vida maravilhosa. Eu já estava em Rafard e já tinha as crianças, que estudavam também no Aurélio.
P/1 – Que legal! Você falou que casou, quando você se formou no Magistério, você já era casada. Como você conheceu o seu esposo?
R – Olha, a gente tem uma história muito bonita porque, antes de namorar, nós fomos amigos muito tempo e era a única pessoa que eu ia namorar (risos), porque a gente sempre foi amigo. Então nós fomos amigos muito, muito tempo. Depois que eu tive um paquerinha e não deu certo essa paquera, ainda desabafava com ele sobre o outro. Eles eram amigos. E no fim foi despertando aí uma paixão, aí comecei a namorá-lo, porque a minha amiga tinha um namorado, a gente saía junto e só restava eu e ele (risos) como amigos. Aí acabamos namorando. Namorei três anos e meio depois, pra casar. E foi assim: um casamento que a gente mesmo que ‘se virou’, fez tudo sozinho, com o consentimento dos pais. Aí minha família já aceitou, porque Celso pro meu pai era como se fosse o Neymar hoje. Então, quando ele soube que eu estava namorando o Celso, meu Deus, foi uma alegria, porque era o melhor jogador de Capivari. Era como se estivesse namorando o Neymar. (risos) Então, meus pais, nossa, tinham uma paixão muito grande por ele, uma consideração. Uma é por ser gente boa e outra porque ele era o melhor jogador de futebol na época, aqui em Capivari. Celso estava se destacando muito, mas eu não fui uma ‘Maria Chuteira’, não.
P/2 – Quantos anos você tinha quando vocês começaram a namorar?
R – Eu tinha vinte anos, porque eu namorei três anos e meio, eu casei com quase 24 anos.
P/1 – E como foi namorar o melhor jogador da época?
R – Ah, teve umas amigas que ficaram ‘mordidas’. Mas foi bacana. Foi um namoro bem saudável, porque a gente tinha muita amizade. Então foi bem bacana.
P/1 – E depois de casada que você foi fazer o Magistério?
R – Foi.
P/1 – Como foi a aceitação do seu esposo, na época?
R – O Celso é muito companheiro e ele sempre incentivou. Até é interessante, porque ele tem até hoje uma bicicleta, uma barra forte e ele me colocava na rabeira da bicicleta e descia aqui a Avenida São Bernardo pra me deixar na Jeni e ia trabalhar. Então, ele sempre incentivou. A gente é bem companheiro. Tudo que um faz, o outro está sempre incentivando. Então estudar foi um desses incentivos, ele sempre colaborou.
P/1 – E como foi pra sua família, pros seus pais, verem você se formando como professora?
R – Minha mãe sentiu um orgulho muito grande, se sentiu orgulhosa, porque eu fui a única na família a chegar no Magistério e depois fui pra faculdade, ainda. Então, pra ele, meu pai e minha mãe, foi motivo de muita alegria, nossa e meu pai sentia o prazer de falar, quando estava conversando com alguém, você vê aquele orgulho: “É professora, é doutora” (risos).
P/1 – E a sala de aula, no Magistério, tem alguma lembrança que ficou na memória, uma lembrança boa?
R – Foi assim: então eu já era uma pessoa adulta, casada, já tinha filhos. Estudei com meus filhos na mesma escola, na Jeni. E a sala eram todas as meninas de quinze, dezesseis anos. Mas tinha eu, a Maria José, a Francisca, a Rita e a mulher... Sandra Abit. Nós éramos em cinco casadas na sala de aula. Nos formamos junto com as meninas. Então, era interessante, porque a gente bem mais velha e elas adolescentes, na sala. De vez em quando saía uns desentendimentos por causa da idade, mas nada que atrapalhasse. Foi a experiência da gente e a participação delas e hoje é até interessante, a Marcinha Chiarini mesmo estudou comigo e hoje ela é diretora, ou coordenadora de uma creche. A Daniela Barra. Então, nós estudávamos na sala de aula junto. E eu fico orgulhosa, porque eu as vejo em destaque. Que profissional que se tornaram! A Gabriela... que tomaram outro destino da sala de aula. A Fernandinha. Nossa, a Alessandra estudou comigo, uma excelente profissional, professora. Então, tem várias delas hoje que a gente... e a Lígia não foi da mesma sala, mas foi uma turma depois da minha. Eu fico orgulhosa, porque acho que foi a última formação que o Jeni teve, de Magistério. E que profissionais elas se tornaram! E tem muitas outras, porque era uma sala grande, era só meninas. Foi interessante!
P/1 - E a sua primeira sala de aula? Como que foi entrar dentro de uma escola, não mais como uma funcionária pública, mas sim uma professora?
R – Foi lá na - apesar de eu ser estagiária do Jeni - mas quando eu fui mesmo pra uma sala de aula [foi na] Fazenda Itapeva, eu fui substituir uma professora, então fui designada pela diretoria de ensino. Então foi gratificante, viu? Ainda pegar as crianças do sítio, na época, era uma bênção trabalhar com as crianças da zona rural. Foi uma experiência muito grande e aí eu fui substituir a professora Sirlei, que ela tirou uma licença e eu fiquei com a sala dela, terminei o ano, foram seis meses. Eu terminei o ano. Foi uma experiência maravilhosa, na escola da Fazenda Itapeva.
P/2 – E o primeiro dia de aula, como você estava se sentindo? Tinha frio na barriga, não, estava tranquila? Como foi?
R - Então, eu não sei se é pela experiência que eu já tive na escola Jeni, eu era estagiária, então eu estava sempre substituindo, então daí a gente já vem com uma bagagem, mas eu acho que sempre a primeira impressão, sempre dá um friozinho assim né (risos). Você sabe que você tem as crianças ali na sua frente, são várias situações, personalidades e a professora tem que ter um olhar único pra toda sala, mesmo havendo as diferenças. Então acho que esse é o papel do professor.
P/1 – Teve algum aluno que sentiu necessidade de acolher mais, porque você viu alguma coisa ali que precisava mais que o trabalho de uma professora?
R – Olha, eu já presenciei muito isso na sala de aula, que tem aluno que precisa de um olhar, que você o acolha. Então eu sempre prestei muita atenção nisso na sala de aula. Acho que também pelo fato de eu ter sentido isso, uma falta, na minha época. Eu senti isso. E hoje eu acho que até a professora tem um olhar pra isso, mas na minha época, por mais que os professores façam um papel maravilhoso na sala de aula, mas antes não tinha muito aquele olhar de acolhimento. Eu acho que hoje, não são todos os professores, mas acho que tem mais... eu, pelo menos, sempre tive um olhar diferenciado. Sempre procurei trazer pra frente aquele aluno que está mais disperso, com jeito… eu acho que é um modo de você acolher, porque algum motivo o levou a se afastar, a não fazer a tarefa, a não se interessar pela aula ou não se aproximar mais. Então, sempre quando eu estou na sala de aula, eu chamo pra frente, porque o meu objetivo ali é que todos cheguem juntos. Eu sempre usei isso na sala de aula. E eu acho que fiz certo. (risos)
P/1 – Você casou, saiu da casa do seus pais. Qual foi o primeiro lugar que você foi morar?
R – Fui morar numa casa ali na Raia, perto do Posto São Paulo. Aí eu fiquei ali acho que uns seis meses. E depois eu vim pra Rafard. E aí até tem uma história interessante aí no meio, que eu não queria vir pra Rafard. Aí eu falei pra Celso: “Eu vou”, que não encontrava casa pra alugar. Na época era difícil, aí a Nice Conceição encontrou uma aqui em Rafard e deu o recado pra mim que tinha uma casa aqui, aí eu vim, na Rua Tuiuti, a casa do ‘seu’ Armando Orlandi e aí eu falei pra Celso que eu não queria ficar aqui em Rafard. Eu vinha pra ficar três meses. Aí ele falou: “Tá bom”. Até o tempo da gente arrumar uma outra casa, porque o dono, quem comprou a casa, queria a casa. E daí eu vim e estou até hoje em Rafard. (risos) E amo, adoro, criei meus filhos aqui, eles também gostam daqui e acabaram ficando.
P/1 – Nessa Rua Tuiuti você morou [por] quantos anos?
R – Nossa, na Rua Tuiuti eu fiquei acho que uns quatro, cinco anos, viu? Eu fiquei lá antes de ir pra Popular, porque quando eu mudei pra Popular, o Rafael tinha seis meses. Ele está com 38 anos.
P/1 – E aqui na Popular, Paqua, como professora – hoje você está aposentada – como uma pessoa que tem uma história de vida ______, o que você viu de necessidade, nessa comunidade de Rafard, que você usou dos seus saberes, claro, envolveu?
R – Olha, Telma, ali no Popular eu gosto muito do bairro, eu falo que Deus preparou a casa pra mim porque eu, quando peguei a casa popular, já tinha tido o sorteio. Aí trocou de prefeito, o prefeito fez umas mudanças, tirou de quem não tinha necessidade de ter casa e deu pra quem precisava. E numa dessas eu fui sorteada. E a casa que eu moro hoje é justamente a direção que eu olhava quando eu passava de circular. Não tinha o CRER ainda. Então eu passava, estava com um barrigão enorme, eu estava grávida e eu olhava aquelas casinhas, que o circular fazia o trajeto ali e eu olhava e pedia a Deus que preparasse uma casa pra mim. E quando teve um novo sorteio e nós fomos contemplados, eu e Celso ficamos um dia todo procurando a nossa casa e o nosso número no bairro e não encontrávamos. Precisei vir na prefeitura, chorei muito, vim na prefeitura, o ‘seu’ Zé Cláudio virou a urna, pegou papel por papel do sorteio, quase no final dos papeizinhos que estavam dentro da urna que saiu nosso nome, ainda terminamos pra ver se não tinha de alguém, pra achar nossa casa. Aí fomos lá procurar a casa. Era justamente na direção que eu olhava e pedia a Deus, a minha casa. E nós tínhamos andado o bairro inteiro, na época, pra procurar o número da minha casa e não encontrava. E ela estava bem ali, na Geovane Boscolo, 298. Então eu falo que foi tudo preparado por Deus. E essa vinda nossa pra Rafard, a família toda é de Capivari e eu vim escrever a minha história aqui. Quer dizer: desde a infância. Então eu acho que meu destino era vir pra cá, mesmo. (risos)
P/2 – O que fez com que você se encantasse por Rafard e ‘topasse’ construir sua vida aqui?
R – Eu achei mais aconchegante. Mais amigos. Graças a Deus a gente é bem recebido, bem aceito. Aqui que eu criei meus filhos e, como eu já falei, minha família toda, tanto a minha como do Celso, são todos de Capivari e moram lá, só tem nós aqui. Então, a acolhida, a amizade. Meu marido sempre teve boas amizades aqui, sempre foi envolvido no futebol, no esporte. Então, na época trabalhava na Brasilit, quando ele foi dispensado da Brasilit, os amigos mesmo arrumaram serviço pra ele, aqui na usina. Foi onde ele se aposentou. A gente fez a nossa trajetória de vida de casado aqui em Rafard. Eu acho que isso foi bom pra gente. Foi bom pra família, pros filhos. E está sendo pros netos também.
P/1 – Todo mundo aqui em Rafard sabe que você é uma disseminadora de cultura. O que fez você se envolver com isso? Além do seu lado professora, o que fez você vir pra esse lado?
R – Eu vi a necessidade - e até hoje eu tenho isso na minha cabeça, você sabe disso, Telma, Eu vi a necessidade de ocupar o tempo dos nossos jovens, de nossas crianças. Como, na época, eu tinha meu filhos na pré-adolescência já, eu tinha uma preocupação muito grande, porque Rafard estava partindo pra muita violência, na época. Eu vi que eu tinha que fazer pros meus filhos, trilhá-los pro caminho do bem. E pra fazer pros meus filhos, eu tinha que fazer pros filhos do vizinho, eu tinha que fazer pras crianças do bairro, porque são amigos deles. Daí que surgiu a ideia e o envolvimento na Cultura. Daí nós tivemos um prefeito, na época, que é Eugênio Tonin, que daí me convidou pra participar, pra se envolver na banda e que, na época, eu juntei umas mães e fui lá pedir pra ele, pra fazer alguma coisa pelas nossas crianças, ocupar o tempo deles. E foi assim que começou esse envolvimento da gente. Aí surgiu a banda, surgiu o carnaval e a gente foi se envolvendo, cada vez mais. E nós gostamos do lado da cultura. Eu acho que se você investir em educação e cultura, você salva muitas vidas. Então, foi o que aconteceu na época e eu sou muito grata a Deus, ao prefeito da época e ao coordenador de cultura, que foi o Tadeu Benedito, que até hoje é grande amigo da gente, não via aquele trabalho nosso como uma ameaça, porque geralmente os coordenadores, os diretores de cultura não veem que a gente quer colaborar, acham que a gente está querendo o cargo, ocupando o espaço, e não é. A gente só quer ajudar, só melhorar pra eles, e eu sou muito grata a Deus e aos colaboradores da época, os pais, porque hoje nós temos - as crianças que participaram de todos aqueles eventos são cidadãos do bem - professores, advogados, até juízes, aquelas crianças que participaram da banda, do carnaval. Até é bonito ver, porque você vê o Fabinho, que é o prefeito hoje, foi comissão de frente da escola de samba. Eu o olho hoje ocupando um cargo, um poder maior e sinto orgulho, muito orgulho, porque eu fiz parte daquela educação. Isso é gratificante. Fiz o bem pros meus filhos que, graças a Deus, são cidadãos do bem, mas pros amigos deles também. Eu acho que todo mundo tinha que ter esse olhar. Não é uma ameaça, eu não quero seu cargo, eu quero ajudar, porque a gente que está de fora vê o que o bairro está precisando, o que as nossas crianças precisam. Então, eu quero ver meu neto, hoje, fazendo essa participação. Eu vejo minha filha, hoje professora de dança, porque ela veio de um projeto que tirou as crianças da rua. Então, eu vejo a minha filha sendo uma assistente social, porque ela veio de um projeto que ajudou as pessoas. Vejo meu filho se dando bem na tecnologia, porque ele veio de um projeto que o ajudou a encaminhar, assim como tem tantos outros aqui em Rafard, que eu tenho orgulho de dizer: “Eu participei da educação dessa criança”. Não é pra se vangloriar, mas a gente vê que foi um cidadão do bem que trilhou porque teve um administrador que teve um olhar pra isso. E é disso que a gente precisa.
P/1 – Exatamente.
P/2 – Que ano você começou a se envolver com a cultura?
R – Olha, eu acho que foi ali por volta de 1990, que foi na administração do Eugênio Tonin. Eu acho que foi um bom tempo, muito tempo. E não tinha salário, viu? A gente fazia aquilo com amor. Limpava aquele Cepar, cuidava do uniforme das crianças, penteava até cabelos das crianças. Tinha as mães que participavam. Ninguém tinha salário. E a gente tinha diálogo com o Coordenador de Cultura e Esporte, que era o Tadeu Benedito e você vê que era tudo uma união, um trabalho unido em prol de uma comunidade. E é isso que a gente espera até hoje, né? Que tenha um olhar pras nossas crianças.
P/2 – A gente, eu e o Alisson, não conhecemos esses projetos. Queria que você contasse que eventos vocês criaram, desenvolveram, os projetos. O que é essa banda, carnaval?
R – A banda era um projeto da prefeitura, então a Banda Marcial Allan Rolim Barbosa, que já vinha de vários anos, aqui no município. Nós reativamos a banda. Ela permaneceu com o mesmo nome e as crianças que eram outras. Daí a gente criou esse envolvimento. E depois surgiu a escola de samba. O prefeito também nos chamou no gabinete e falou que gostaria que Rafard tivesse uma escola de samba. Aí ele pediu pro meu marido fazer uma lista de instrumentos que precisavam, porque nós já tínhamos um envolvimento na escola de samba em Capivari. Meu marido foi criado no bairro que tinha uma escola de samba, Unidos do Jardim América. Então, a gente já tinha aquele envolvimento. E eu era de outra escola de samba, que era Turma do Brejo. Então a gente já tinha esse envolvimento, lá em Capivari e aí nós trouxemos pra Rafard, formamos uma escola de samba aqui, a Escola de Samba Unidos de Rafard. Aí ele deixou tudo pela gente. Então a gente tinha esse envolvimento com o Secretário de Cultura, ia pra São Paulo, fazia compra e isso foram muitos anos, mais de doze anos. E daí que eu fui convidada a ser Secretária de Cultura. Antes disso eu tive outro envolvimento na política. Mas isso aí que me levou a todos esses envolvimentos aí. Agora, foi um grande projeto a banda e a escola de samba e esse projeto era interessante, porque era envolvido em outros departamentos dentro da prefeitura, quando precisava arrecadar alimentos, fazer uma campanha do agasalho, nós, da banda, todos participávamos e ajudávamos. Então, tinha esse envolvimento social também.
P/2 – E vocês ensinavam as crianças a tocar?
R – Sim. Tinha o maestro Silvério que ensinava as crianças e era assim: eles não aprendiam só música. Às vezes, um pouquinho antes, no ensaio, eu subia, os reunia, no tempo que eu tinha e conversava com eles, com as crianças. Na época tinha o Isaac, que era Secretário da Saúde e então eu pedia pra ele, profissional, pra ir até lá conversar com as crianças sobre sexo, drogas. Então, eles tinham toda essa orientação. Então tinha coisa que eu fazia, desenvolvia esse lado na intenção de ajudar e sempre tendo a noção de que você está trabalhando numa comunidade, fazendo um trabalho na comunidade. Hoje eu tenho noção disso, mas na época eu fazia aquilo, era tão espontâneo e eu desenvolvia um lado que eu não tinha um olhar pra isso. Eu queria só ajudar, só fazer o bem. Pensava nos meus e que, fazendo pelos meus filhos, eu estaria fazendo pra comunidade. Então, esse projeto envolvia as outras mães. Eu tenho mães, porque eu não fazia nada sozinha. Tem mãe e pai que também acompanhava.
P/2 – E seus filhos participavam desses projetos?
R – Participavam dos projetos também. Os três.
P/2 – Eles gostavam?
R – Gostavam. E a gente saía, viajava com a banda, ia tocar em cidades fora. Nossa, viajava ____, e interessante que eram jovens pré-adolescentes, depois adolescentes, hoje são casados, têm filhos, mas nunca deram trabalho. Nunca precisei sair e procurar uma criança que ficou perdida, ou aconteceu alguma coisa. Era uma disciplina maravilhosa! Um respeito. Foi uma fase muito boa. Não tive problema. E eram adolescentes. E hoje eles lembram, sabe? Você vê que tem aquele orgulho e satisfação em falar da fase que eles passaram e gostaria que os filhos tivessem essa fase. Muitos, hoje, até falam: “Ai como eu queria que eles tivessem a infância e a adolescência que nós tivemos!” e você vê que tudo isso faz diferença na vida de um cidadão. Esses projetos sociais que deveriam ter um olhar pra isso.
P/1 – Hoje você falou dos seus pais… dos seus filhos. E netos, você tem? Fala sobre eles.
R – (risos) São a minha paixão. Os netos são tudo. Então, eu acho que você vê aquilo que não sei se não realizou com os filhos, porque você fica, na fase dos filhos, também na fase de crescimento, de conquistas, então eu acho que a pessoa fica dividida, e agora, com os netos, você já está realizada, então você quer investir neles, ‘curtir’. Esse investimento que você faz pro neto é de amor, de carinho e suprir aquilo, talvez, que você não tenha feito, queria fazer pro filho e não fez. Aí você exagera até. Você sabe do que eu estou falando.
P/1 – Sei. (risos)
R – Então, você fica... não que você não amou, não ame seu filho, mas porque você queria dobrar aquilo que você fez pros filhos e você não sabia entender direito aquilo. Aí o neto você já entende. Mais importante do que você vai dar pro seu filho, a bicicleta, o carrinho, você deposita no neto, que é o amor. Eu acho que ali você encontra. Não que você não tenha amado o seu filho, você ama, mas a proporção no neto parece que vem em dobro, porque você sabe que o importante, aquilo, é o amor, o envolvimento com o neto. E a gente fica, eu fico pensando, por exemplo: eu levava meus filhos na creche, porque eu ia trabalhar de faxineira, na fábrica, tinha um monte de serviço, então deixei na creche. Tinha aquela preocupação, levava porque deixar lá… como será que está? Eu lembro bem da Letícia, eu a deixava chorando. A Sabrina e o Rafael não, mas a Letícia chorava, porque não queria ficar na creche. Então, agora, hoje eu fico imaginando e lembrando, como meu neto, lembro dele: “Nossa, essa hora o Leozinho está indo pra escola”. Aí eu sempre ligo pro meu filho e pergunto: “Ele ficou chorando?” “Imagina, mãe, ele fica ‘de boa’. O Leo fica bem, gosta, ainda fala ‘tchau’”. (risos) Aí eu fico com dó. Dá vontade de ir lá e pegar. Ele poderia ficar comigo, mas não, eles têm que passar essa fase também. Então, quer dizer, a gente tem o amor dobrado e quer suprir tudo aquilo que não fez com o filho, aí deposita no neto. Aí que a gente acaba até mimando. (risos)
P/1 – Quantos são mesmo, os netos?
R – Cinco: o Pedro Henrique, que é o nosso primeiro amor, que aquele foi e é… a gente ama todos iguais, mas o Pedro foi o primeiro, então era o bonequinho nosso. Eu falo que ele foi mais meu e do Celso do que da Letícia. E todos eles vão no ritmo do vô. Aí veio o Breno, que foi o neto que deu mais preocupação, porque foi prematuro, nasceu de sete meses, então ele teve que ter um cuidado a mais, mas a gente dividiu o Breno com a Avena, que tomava conta dele, porque eu dava aula, então a Avena que foi a babá do Breno. Então ele ficou um pouco dividido, como se fosse a outra avó. Mas o amor também foi imenso, aquela preocupação com remédio, ele tinha que tomar. Já pequenininho teve acompanhamento médico muito tempo e eu e Celso dividíamos esse tempo pra ajudar a orientar e acompanhar. Aí veio a Lívia, neta e afilhada. A Lívia também foi um encanto, porque foi a primeira menina, neta, então a princesa. A gente também, nossa, paparicou muito, que queria ver todo dia (risos). E depois veio a Íris, o xodozão, o bebezão. Então é aquela graciosidade, acompanha muito a gente. Ela já veio sambando desde cedo, é muito graciosa e é a que acompanha o vô no Batuque de Umbigada. Essa é da cultura, mesmo. Ela gosta de estar envolvida, dança. Viu uma dança do jongo, já entrou na roda e já dançou. Viu a dança de lenço, já entrou, já aprendeu. Ela é muito envolvida com a cultura. Eu acho que essa daí vai ser aquela que vai disseminar mesmo, vai levar a cultura. Eu acho interessante essa atitude e o envolvimento dela. E agora que tem o Leo, que é a miniatura do vô. Ele chega em casa, ele pega o chapéu e o apito, que ele quer comandar a bateria e é tudo o vô. Eu falo que é réplica do Celso. (risos) Mas a gente é muito feliz, ama muito os netos, são bênçãos que Deus manda na vida da gente.
P/1 – Você, como disseminadora de cultura, ainda continua, mesmo aposentada, envolvida aí no Batuque de Umbigada, Quintal da Dona Marta. Me fala sobre esses projetos aí.
R – Olha, Telma, a gente, quando gosta da cultura você a pratica em qualquer momento, em qualquer lugar. E isso daí é enriquecedor porque, se você não sabe a sua cultura, você não sabe a sua história. Então, é isso que a gente tenta. A cultura você tem que passar. Pra mim eu vejo assim, quando não me querem, ou não aceitam, é importante que eu passe pra minha neta. Se você perguntar do batuque pra mim e perguntar pra Íris, ela vai saber responder pra você. E isso, pra mim, é gratificante. Então, eu sei que eu passando pra ela, ela vai levar pra história, ela vai levar pra vida dela. Ela sabe de onde ela veio, quem ela é e o que ela é. E você passa isso pra criança através da cultura, da cultura e da educação. Então a criança sabendo quem ela é, de onde ela veio e porque ela está fazendo aquilo, ela sabe da história dela. Então o Batuque de Umbigada é uma das danças que a gente viu lá atrás, meu pai dançou batuque, meu pai foi um batuqueiro. Então eu trago isso comigo. Antes eu ia só pra ver, o Celso sempre dançou. A gente ia pra assistir. Hoje eu entro e danço. A Íris veste a saia e dança. Então, há uma série de interpretações do batuque, mas a nossa intenção, o nosso intuito é passar a cultura, não deixá-la morrer. Foi trazida pelos negros, escravos, era uma forma de desabafo o batuque, uma forma de extrapolar, por pra fora toda aquela tristeza que vivia, ou momentos de alegria. Então a gente tem que levar essa tradição, levar essa cultura e não deixar morrer. E o Quintal da Dona Marta, a casa da Dona ____ são o nosso povo mais velho, mais antigo, que a gente ainda tem ensinamento deles, ainda participa dessa trajetória da vida deles, da trajetória da vida da Dona _______ , das histórias que ela conta do Batuque de Umbigada. E a Dona Marta também. Tudo isso a gente recebe esse aprendizado e procura passar também. E nós amamos, porque é uma cultura que, infelizmente, é de Capivari também e já descobri que teve fazendas aqui em Rafard, que eu estou fazendo uma pesquisa, fazendas aqui em Rafard que praticavam o Batuque de Umbigada. Tiveram pessoas que já contaram que ouviam o barulho do tambor, que ouviam o cantar, que ouviam as festas de casamento na Fazenda Itapeva e em tantas outras fazendas que têm aqui em Rafard, que tinha o Batuque de Umbigada. Então por que também não fomentar essa cultura aqui na nossa terra? E pra mim é um prazer, porque aqui eu construí uma vida, a minha família e vou deixar pra Rafard também essa raiz, o Batuque de Umbigada.
P/1 – Com certeza.
P/2 – Eu queria saber como foi, pra você, se tornar mãe? O que a maternidade representou na sua vida?
R – Olha, pra mim acho que ser mãe é você realizar um sonho, porque quando eu estava chegando aqui em Rafard logo eu engravidei da Sabrina. Então foi uma alegria, pra mim e pra Celso, porque pro casal, como a gente já estava há tanto tempo amigos, namorando tanto tempo, você casa, não quis demorar muito pra engravidar. A única coisa que eu não esperava é que eu fosse engravidar tão seguidamente, porque eles tem diferença de um ano. Então, quer dizer: a Sabrina não desfrutou muito tempo de um bebê só, logo vieram os irmãos, eles tem um ano de diferença. Na época foi difícil, porque três bebês, três crianças pequenas. Mas por outro lado eu acho que é muito bom você criar os filhos um pertinho do outro, porque eles são tão irmãos, tão amigos! Sabe, eu não tenho lembrança deles brigando. Eu não tenho aquela coisa de picuinha de irmãos, de ciúmes um do outro, porque os três foram criados juntos, então eles são bem amigos. Irmãos amigos. E eu vejo, acho bonito elas se preocuparem com o irmão. Ter um carinho especial pelo irmão. Ter um carinho com o Rafael, que é o caçula. E elas têm uma preocupação com ele, um prazer de estar junto. Chegam em casa, liga pra mim, ou falam: “Mãe, você ligou pra Rafael? Ele vem almoçar?” Uma preocupação com o irmão, um carinho. Eu acho bonito isso. Então, quer dizer que esse criar pertinho um do outro, que eu falava que eram três bebês, porque foi uma gravidez seguida da outra. A Letícia, quando fez um ano, eu estava no hospital tendo o Rafael. Então, antes dela fazer um ano. Ele nasceu dia nove de agosto e ela faria um ano, o aniversário dela é dezessete de agosto.
P/1 – Olha só! Pertinho.
R – Então, a diferença é de um ano, certinho. Então eu fiquei grávida e estava praticamente da dieta dela. Então ela era bebê. Nem pude carregá-la muito, porque foram três cesáreas e o médico falava que a minha cesárea estava aberta ainda, não tinha fechado e eu estava grávida do Rafael. Então foi uma gravidez que eu tive que tomar muito cuidado, porque ele falou que ainda estava aberta por dentro, não tinha cicatrizado, mas foi tudo bem e ele é um menino maravilhoso, apesar de eu nem poder carregá-lo muito, mesmo depois que nasceu, mas são bons filhos. Valeu a pena e vale a pena ainda. Eles são maravilhosos, graças a Deus!
P/2 – Que lembrança você tem da faculdade, desse período da sua vida?
R – Olha, foi interessante. Eu fui fazer a faculdade em 1996, 1997. Foi quando eu fui eleita Vereadora, aí eu fui estudar, fazer faculdade. Eu fui eleita em 1996 e assumi o cargo aqui na Câmara em 1997. Foi o ano que eu comecei a faculdade. Fiz a faculdade em Itu, Ciências e Letras, na Faculdade de Filosofia e foi lá que eu fiz a formação em História, Geografia, Sociologia e Estudos Sociais. Então, eu saía daqui, a gente ia de ônibus, depois as turmas foram diminuindo, nós acabamos terminando indo de van, mas era um grupo de pessoas que iam daqui de Rafard, principalmente da Popular. Tinha o Samuel, o Marlisson, Zezinho, a Rita, nós éramos alunos lá na faculdade e morávamos todos no mesmo bairro. Foi uma experiência muito bacana, a gente fazia trabalho junto. São meninos que a gente viu crescer e tenho um grande respeito, e eles também, por mim. Eu os adoro. Mas foi assim, aí que começou essa trajetória. A Câmara, que eu era vereadora e daí que eu comecei a entrar mesmo, pra dar aula. Daí que eu fui mesmo pra sala de aula, direto, porque daí, até então, eu estava ainda trabalhando como funcionária pública no Aurélio. Daí que eu fui me desligando da escola.
P/1 – Quando você se formou na faculdade seus pais ainda eram vivos, ou não?
R – Minha mãe.
P/1 – E como foi pra ela?
R – Ela viu a formação. A minha mãe era viva. Ela viu. Ficou muito... nossa! Pra ela já era... terminando quarta série, pra ela, já foi tudo. Ela ainda falava pra mim: “Pra que estudar mais? Você já é estudada”, mas eu ainda tinha aquela coisa comigo, que eu queria sempre mais. Eu sempre valorizei muito o estudo. Até hoje eu falo pros meus filhos: “Sempre tem que estar estudando”.
P/2 – Se você puder contar pra gente, rapidamente, como foi sua trajetória profissional desde a infância, como babá e como empregada, como foi desenrolando? Que trabalhos foram marcantes pra você?
R – Olha, eu vejo assim: todo trabalho é gratificante, enaltece a pessoa. Basta você ter um olhar pra aquilo e tudo que você fizer, fizer com prazer. Eu sempre procurei fazer tudo bem-feito e colocar amor ali. Porque eu tenho um olhar assim: se eu ando na rua hoje e encontro uma ex-patroa, é gratificante ela vir me abraçar. Eu fiz a diferença naquele momento, na vida daquela pessoa e ela fez pra mim. Então não é criticar porque você foi empregada, porque você varre rua, porque você é lixeira. O importante é você valorizar aquilo, no momento e procurar crescer. Todo trabalho é gratificante. Eu procurei sempre ter esse olhar na minha vida e sempre procurar crescer, não se conformar e se contentar com aquilo. Nada é pouco. Tudo tem que ser valorizado. Então, eu vejo assim: eu acho que eu aprendi isso com a minha mãe, porque ela sempre foi pobre e sempre teve que lutar pra conseguir, mas ela nunca desistiu. Foi até o final ali, me dando força e apoiando a gente, mesmo ela não sabendo ler e escrever, mas ela sempre valorizou. Então eu acho que esse aprendizado eu levo pra vida e procurei passar isso pros meus filhos: “Faça tudo bem-feito, com amor, com carinho”. E pensar sempre grande, porque aí você vai alcançar a felicidade e o sucesso. Eu penso assim. E estou sempre procurando crescer. Estou sempre fazendo alguma coisa. Sempre valorizar, sempre procurar mostrar aquilo que você sabe, passar para o outro aquilo que você sabe.
P/2 – E até você entrar, dar aula como professora, que outros trabalhos você fez?
R – Eu trabalhei de empregada doméstica, fiz muitas faxinas junto com minha irmã e trabalhei na fábrica de costura, costurei bastante. Depois da fábrica de costura ainda fui cabeleireira, tinha um salão de cabeleireira no quintal de casa e daí eu comecei a dividir o salão de cabeleireira e a sala de aula. Daí me apaixonei pela sala de aula. Aí deixei o salão. Eu e minha irmã. Fazia um curso de cabeleireira de sábado, em Piracicaba. Saía cedo, ficava até meio-dia em Piracicaba, voltava, ainda tinha roupa pra lavar, criança pra cuidar, deixava com a minha mãe. Era eu e minha irmã. Somos cabeleireiras também. (risos) A gente nunca perdeu oportunidade. Eu acho que aprender é sempre.
P/1 – Isso mesmo.
P/2 – E o convite pra Secretaria da Cultura, como foi?
R – Quando eu fui vereadora, o mandato de quatro anos, foi o mandato de... não foi o prefeito que eu apoiei que ganhou a eleição, tem uma história aí, mas fiz o meu papel de primeira mulher na Câmara, e de primeira mulher negra e de primeira mulher. Foi uma trajetória, uma lição de vida muito grande, mas fiz com muita honra, determinação e levo isso pra minha vida. Meus filhos têm orgulho, muito, e eu acho que as pessoas em Rafard ainda acham que eu sou vereadora até hoje, mas eu ganhei uma eleição, concorri outras, mas não tive sucesso, não ganhei a eleição. Mas sinto orgulho, porque depois de mim vieram outras, e outras grandes mulheres também. Veio a Neuza Ricomini; a Luiza Peressin; a Daniela Barra, que se destacou muito também; a ngela Barboza, que também chegou a ser presidente da Câmara e daí eu acho que eu abri caminho e continuo fazendo isso, até hoje. O meu objetivo, hoje, é abrir caminho pra que outras mulheres cheguem. Não importa. Fiquei triste nessa última eleição, não porque eu perdi, mas porque não entrou nenhuma mulher. Então, isso me deixou chateada, porque nós sermos candidatas mulheres, primeiras candidatas mulheres aqui no município de Rafard, nós teríamos que ter colocado, elegido pelo menos uma, duas, ou mais mulheres. Mas tenho certeza que a gente ainda vai trilhar esse caminho e eu sou uma grande incentivadora de mulheres e eu fico pondo na cabeça delas: “A gente pode e a gente chega. Não queremos ser mais, nem melhor do que os homens. A gente só quer ocupar o espaço, porque aqui, dentro dessa casa de lei, precisa ter mulheres no poder também, porque nós fazemos a diferença, porque eu sozinha fiz”. Então, é isso que precisa. A gente não quer ser mais que os homens, nem melhor. A gente quer somar. E precisa da presença feminina, tanto aqui no Legislativo, como no Executivo. Precisa, porque a mulher tem um olhar diferente e eu presenciei, vivi isso e eu tenho certeza que as outras companheiras que estiveram aqui têm a mesma opinião. Então não é só aqui em Rafard, tem que ser em Capivari, tem que ser no estado de São Paulo, tem que ser no Brasil, tem que ser no mundo. A mulher tem que estar lado a lado, não é atrás, não é na frente, é lado a lado, porque nós temos outra visão. Então nós temos um outro olhar. Então, a gente age - não sei, eles podem julgar o que eles quiserem - pelo emocional, pelo coração, só que a gente faz, busca, procura ver o todo”. E eu senti isso aqui dentro. Eu acho que eu fugi da sua pergunta.
P/2 – Não. Foi perfeito!
R – Você perguntou como eu cheguei na Cultura. Aí, quando eu perdi a eleição, o prefeito que eu apoiei ganhou a eleição, aí ele me chamou pra trabalhar junto, na Diretoria de Cultura, que foi o (Nei Cerezer?). E foi aí que eu consegui mostrar um trabalho, desenvolver o trabalho da banda, que ela tinha enfraquecido, praticamente acabou. Daí eu retomei toda... não foram as mesmas crianças, mas consegui resgatar muitos jovens, aí a gente conseguiu retomar o trabalho. Daí também a escola de samba voltou com mais força e outros projetos que eu pude desenvolver e foi uma gestão muito bacana, porque era uma equipe que trabalhava junto. Então eu fazia trabalho na Cultura, que é a ‘prima pobre’ da Educação. Nós que somos da Cultura temos muitos sonhos, muita vontade, quer fazer um monte, muitas ideias, mas nunca tem verba pra Cultura. Aí eu usava essa prática aí, de fazer os ‘laços’ com os outros departamentos. E eu dei sorte, que foi uma equipe que abriu espaço pra gente trabalhar junto, foi uma gestão que dava essa abertura, então eu tinha a ideia, a Educação tinha dinheiro, o Social tinha verba, a Saúde, então eu envolvi os outros departamentos, a gente se reunia, eu colocava a ideia e a gente saía executando o trabalho e toda diretoria aparecia. Então, eu me sentia satisfeita, porque eu estava realizando o meu trabalho, o que eu queria fazer, e eles também. Não que eles não tinham ideia, mas às vezes a prioridade da Educação é a sala de aula, o professor, a atividade que eles têm lá, mas a gente poderia levar a cultura lá dentro da escola. A gente pode levar a cultura lá no posto de saúde. Então, eu queria fazer, por exemplo, uma atração na Cultura que dava, naquele momento, pra estar trabalhando com a saúde da mulher, com a saúde do homem, do adolescente, levando pro outro lado também. E na época Isaac, a Cristiane, a Leninha, eu tenho um ‘laço’ de amizade muito forte com esse povo aí. Então, porque a gente conseguia fazer e não aparecia só uma secretaria, apareciam todas, que é o objetivo de uma administração. É isso que as pessoas não entendem: numa administração não é só focar em Saúde, só aparecer a Saúde. Pra aparecer a Saúde tem que dar educação pra um povo bem-educado tem que ter uma boa saúde, tem que ter uma boa cultura. Nessa época eu tive o privilégio de trabalhar com (Nei Cerezer?), um grande amigo, executar esse trabalho, e foi gratificante. E depois foi com o Márcio também, ele ganhou a eleição, também foi um vereador, na minha época, a gente era amigo já e ele foi candidato, ele ganhou a eleição e também me chamou pra trabalhar. Então eu fiz duas gestões de secretária de Cultura.
P/2 – Uau!
R – E estou aberta pra Cultura. Não estou aí almejando cargo nenhum, mas a gente quer divulgar Cultura.
P/1 – Você tem bagagem. (risos) E hoje, o que você faz?
R – Olha, eu estou sempre envolvida com Cultura. Hoje eu ajudo no projeto lá no Quintal da Dona Marta, acompanho o Batuque de Umbigada. Nós somos um grupo de três cidades e é o único que tem aqui no Brasil, que é Piracicaba, Tietê e Capivari. Então essas três cidades são um grupo só. Então nós vivemos assim: quando chama uma apresentação, a gente ajuda a desenvolver projetos, é envolvida em projetos das três cidades. No momento eu estou muito envolvida com o Batuque de Umbigada. E que, na época, em 1996, 1997, com a Escola de Samba, nós trouxemos pra Rafard também a apresentação do Batuque de Umbigada. Por isso essa vontade imensa de formar um grupo aqui em Rafard. Então a gente tem esse envolvimento. Celso, o meu esposo, faz a oficina do tambu. Ele desenvolve como fazer o instrumento, porque o instrumento que toca no Batuque de Umbigada é antigo, ancestral. Ele faz a apresentação dos instrumentos mostrando a trajetória dos instrumentos, até a Escola de Samba de hoje. Então o que representa o tambu, o quinjengue, uma matraca. Ele faz essa apresentação da trajetória dos instrumentos. Nós estamos sempre dentro da escola, mostrando essa cultura, essa trajetória, de como surgiu, de onde veio, que povo que trouxe isso, onde a gente se coloca dentro desse povoado preto e dentro do Brasil. Nós viemos de que parte da África? Tem outras pessoas dentro do grupo que fazem essa explicação, de toda essa origem. Então a gente está sempre envolvido nos eventos em Capivari, levando a Cultura. O objetivo é esse.
P/1 – Quais são os seus sonhos?
R – O meu sonho é ver uma sociedade igual, onde todos tenham a mesma oportunidade, onde todos possam entrar e sair de cabeça erguida e que nossas crianças ocupem o lugar delas no espaço da educação, da cultura, na sociedade, e que elas possam levar isso pra vida delas. Ver uma sociedade igualitária, que você não seja visto porque você é daquele partido ou daquele bairro. Eu fico triste quando eu estou no meio de uma pessoa e vejo que ela é bairrista, porque você mora no Popular e eu moro aqui no Centro. Eu gostaria de ver isso tudo unificado, uma pessoa só. Nós somos cidadãos, nós temos o direito de ir e vir. Eu não gosto quando fala pra mim: “Ai, você não deveria morar lá no Popular, lá em cima”. E qual é a diferença? Eu moro em Rafard. Como diz aquela música: “Andar livremente no lugar que eu nasci”. É isso que a gente quer ver, essa união. É desagradável você ver uma pessoa falar: “Eu sou bairrista”. Nós ouvimos isso. Você vê quem é lá de cima, quem é debaixo, quem é daquele partido. “Não vamos deixá-la fazer, porque ela foi...”. Terminou uma eleição, nós somos de base. É direito seu optar, a escolha você tem direito. Depois que acabou somos todos cidadãos, pagamos impostos iguais, nós temos o mesmo direito. Eu não gosto que olhe pra mim e fale: “Tudo que você faz é política”. Não, tudo que eu faço, eu faço pro Brasil. Tudo que eu faço, eu faço com amor. Tudo que eu faço, eu faço pra aquele que gosta de mim e pra aquele que não gosta também. Vai do jeito que ele vai absorver aquilo, aí já não é problema meu. (risos)
P/2 – A gente está chegando no fim, mas eu queria saber se você gostaria de acrescentar alguma passagem que a gente não tenha te perguntado, contar de alguém, de algum momento que a gente não perguntou.
R – Olha, eu sempre procuro agradecer a Deus por toda a conquista que eu tive, à minha família e ao meu esposo, que ele é companheiro, mesmo. Eu fui vereadora durante o período de quatro anos, ele estava sentado do meu lado, me apoiando. Nunca vim pra uma sessão sozinha. Tudo que a gente faz, a gente faz junto. E isso faz a diferença. Isso une a pessoa, o casal. Eu e Celso somos uma pessoa só. Tudo que ele faz, eu estou ali, junto. E a gente até já se acostumou. Onde um vai, o outro também tem que estar. No Batuque, se eu não vou dançar, é ele que é a figura principal, mas ele fala: “Tem lugar pra Pasqua ir? Se não tiver, eu também não vou”. Então as pessoas já sabem: tem que ter lugar pra mim. Eu ocupo meu espaço, meu lugar. Isso faz a diferença. A gente se acostumou. Ele sempre jogou bola, sempre foi do esporte e eu sempre estive na arquibancada pra ver. Hoje eu estou fazendo essa entrevista e 43 anos de casamento. Então dedico a ele e que a gente continue mais um bom tempo juntos. (risos) E, sei lá, foi um prazer enorme estar aqui, entrevistada por vocês. Não sei se vocês ainda têm alguma coisa pra perguntar pra mim, mas procurei evitar a Telma, mas não teve jeito. E é uma pessoa que eu admiro muito, a Luiza eu estou conhecendo agora, nessa trajetória aí, um prazer imenso conhecer vocês dois. Mas a Telma é uma pessoa do meu meio, do meu coração, do meu bairro, uma família que a gente conhece. Então ela não é só amiga, é como uma filha pra mim. Ela é uma pessoa que diz que se espelha em mim, mas eu também me espelho nela. Eu acho a trajetória dela muito linda. Eu sei que ela já teve uns perrengues na vida, mas ela está em pé. Então, eu admiro muito você, Telma, quero que você continue e que você [saiba que] é uma vencedora, viu? Que Deus abençoe grandemente sua vida, seus filhos, seu neto amado e que com certeza vai vir mais, e não pare. Você faz parte da minha vida e tem muita cultura ainda, pra espalhar pra Rafard e pro mundo todo.
P/1 – Amém! Quero muito aprender muito com você ainda.
R – Não. A gente se aprende. Eu admiro muito você. Estou sempre falando de você em casa. Sempre lembrei de você. Admiro você, sua família todinha, é família do coração e foi um prazer enorme estar aqui com você e desculpe alguma coisa. A gente já trabalhou junto. Então é um prazer estar aqui contribuindo.
P/1 – Fiquei muito feliz de você ter aceitado. O universo, realmente, trouxe você pra mim. (risos)
P/2 – Eu tenho só mais duas perguntas, bem rapidinhas: qual é a sua primeira lembrança da vida?
R – Da vida? Que marcou?
P/2 – Hum-hum.
R – A gente, durante a trajetória, já com 66 anos, tem muita coisa que marca a vida da gente. Mas eu acho que quando eu fui eleita vereadora, a primeira mulher, pra mim foi uma coisa na minha vida que eu não esperava, porque pra falar bem a verdade pra você, eu saí candidata pra preencher a lista lá, de nome de mulheres que têm que participar da política. Você sabe que tem que ter uma porcentagem. Então eu entrei nesse quadro aí e fiz uma campanha tranquila, porque dinheiro não tinha pra gastar em campanha, fiz ali o ‘boca a boca’, acho que quem fez mais campanha pra mim foi meu marido, eu quase nem saí nas casas pedindo voto e fui a quarta mais votada do partido. Na época era voto a voto ainda e era contado no Capivari Clube, em Capivari. Eu reuni toda a mulherada em casa, a minha casa ficou cheia, a casa estava toda suja de pão, porque tinha criança, ficou um monte de gente em casa. E pão com mortadela, café e Tubaína. Então quando deu a noite e começou a apuração, eu estava cansada. Aí todo mundo já tinha ido embora, eu fui deitar. Acordei no meio da noite, acho que era quase uma hora, com batida na porta de casa e quase derrubando a porta: “Nós elegemos a primeira mulher”. Eu sei que _______ assim, levantei, fui abrir a porta, estava lá Odacir; Fabinho, que hoje é o prefeito; Jacó, que eu me lembre. Não sei se estava _______ também. Eles foram todos pra porta da minha casa, entraram e eu estava meio assim, dormindo, meio atordoada, de roupão: “Mas eu?” “É, você foi eleita”. Nossa, eles ficaram superfelizes. Eu lembro bem de Odacir, que é um grande amigo, ele é aqui de Rafard, hoje está morando fora, mas eu lembro dele vermelho que nem um pimentão e todo feliz, porque “nós elegemos a primeira mulher do partido PTB”. Isso aí marcou muito pra mim e o mais interessante é que depois, quando amanheceu o dia eu recebi muitas pessoas na minha casa. E eu lembro bem que a Letícia, minha filha do meio, é muito curiosa, aí depois de certas horas ia toda hora gente batendo, meu telefone fixo não parava de tocar e pessoas de Capivari, recebi muitas flores, presentes e a Letícia achou interessante. Cada pessoa que chegava em casa ela marcava um risquinho e daí nós ficamos surpresos, no final do dia ela foi contar quantas pessoas eu recebi. Eu recebi quinhentas e poucas pessoas na minha casa. Nossa! Quinhentas e poucas pessoas, você foi presidente da Câmara, todas votaram em mim. Todas que chegaram lá: “Eu votei em você, não sei o quê”, entravam pra dentro todo mundo. Só que eu fui eleita com 98 votos. (risos) Então ficou a curiosidade. Aí a Letícia falava assim pra mim: “Nossa, quinhentas e poucas pessoas! Mas por que você teve só 98 votos, mãe?” Foi interessante isso. Todas as pessoas que foram lá e me cumprimentaram falavam que votaram em mim. Então aí eu costumo dizer, brincar: “Vou fazer igual ao Bolsonaro, então: ficar ‘de bico’ até agora”. (risos) De quinhentos e poucas visitas que eu recebi me parabenizando, isso fora o telefone! Mas agradeço a intenção das pessoas e foi gratificante, porque aí eu fico pensando: “A partir dali eu sou aquela pessoa política, gosto da política e hoje eu tenho os ‘pés no chão’. Você tem que saber votar, escolher seu candidato e o candidato, por sua vez, também tem que saber quem ele é e ter os ‘pés no chão’, porque a política é assim: ‘Votei, votei, votei, mas não votei’”. (risos) Mas foi gratificante, viu? Foi uma experiência muito boa, então isso marcou muito pra mim e me senti muito feliz em ser a primeira, enfrentei muitas lutas, muitas batalhas, mas me sinto vencedora, graças a Deus.
P/2 – Queria saber como foi pra você dividir um pouquinho das suas alegrias com a gente, relembrar como foi a sua infância… como foi contar a sua história?
R – Olha, é gratificante, viu? Eu falo que Deus coloca as pessoas na vida da gente, lá do outro do lado do mundo, que eu nem... quando eu ia saber que eu ia conhecer a Luiza e o Alisson, que eu chamo de Welington e foi assim, sabe? Você fica imaginando como pode! Deus ‘desenha’ as coisas pra gente e isso faz bem, porque eu fiquei tão contrariada, irritada de ter que fazer essa entrevista e depois eu acordei cedo, fui tomar banho e não tirava vocês da cabeça. E daí eu vi que não ligava ninguém, ninguém falava nada pra mim, tomei a iniciativa e fui ______ (01:38:01). Então, é prazeroso. E eu contar a minha história pra você… quem é Pasqua? Qual interesse nisso? Pra que saber? Mas contar pra Telma, que já sabe da minha trajetória e você se emocionar junto, então é gratificante. Tem coisas que Deus prepara no caminho da gente e que não tem explicação. É só a gente aproveitar e ‘curtir’ o momento. Você vê que vocês vão levar pra vida toda e eu também. Então, foram momentos que... teve uma que conversou comigo, que ___ (01:38:50). Um dia eu estava tão brava com a Márcia, fiquei tão brava com a moça e ela falou: “A Luiza conversa então com a senhora, desculpa”. Eu já até falei pra Telma: “Essa turma do Museu também, fica ‘enchendo a paciência’, não sei o quê. Essa Márcia aí”, mas você vê que tem coisas que acontecem na vida da gente que não têm explicação. E tem momento que você conta a história, como eu já vivi. Tem momentos que eu vivi aqui na Câmara, que parecia que já tinha vivido isso antes. Então são coisas que a vida prepara pra você e que a gente, às vezes, tem situações na vida da gente que você reclama, que você não faz, mas que você tem que fazer. Outra situação que aconteceu comigo agora, há poucos dias, é uma aluna do Jeni, que fez uma homenagem, um quadro da Tarsila e me colocou no quadro. Só que eu já estou fora da sala de aula faz seis anos. E essa aluna fez e me colocou no quadro Operários. Ela fez uma réplica do quadro da Tarsila e colocou a minha imagem lá e até eu fui receber a homenagem aí no Jeni, nem conheço a menina e ela nem ‘deu muita bola’ pra mim, só que ela colocou figuras importantes da cidade de Rafard. Aí eu achei interessante ela me achar importante, porque ela colocou e eu falei pra ela… até perguntei pro meu neto: “Breno, você que pediu pra colocar a vó?” Ele falou: “Não, vó. A Beatriz que colocou você. Ela disse que ela pôs pessoas que ela acha interessante pra Rafard”. E ela me colocou no quadro. Aí até a professora falou pra mim assim: “Viu, Pasqua?” Ela colocou Rita Martins, ela é uma figura também importante pra Rafard. Ela fez trabalhos maravilhosos pra Rafard. Do jeito dela, mas ela fez. ______ (01:41:13) ela chamou muita atenção da Tarsila. Eu acho trabalhos interessantes. E você vê, ela continuou na sala de aula e ela desenvolve esse trabalho com os alunos. Eu acho interessante isso. Então é uma pessoa que também divulga a Cultura, de uma outra forma, que infelizmente não desperta muito interesse para o município, mas ela é importante, essa divulgação da Cultura que ela faz. E aí ela falou que ela achou interessante a aluna, ela falou: “Chamou minha atenção”. Tem lá a minha figura bem no cantinho, assim. Então eu achei bacana isso. Eu falei: “São pessoas que vão sendo colocadas na vida da gente que você jamais espera”. Então, às vezes você fica esperando... não esperando, mas uma homenagem de uma pessoa da sua idade, uma pessoa mais velha: “Fulano vai lembrar de mim. Ele ganhou a eleição”, como eu recebi uma homenagem da _______, acho que foi na semana da Consciência Negra. A ______ é uma pessoa mais idosa, tudo bem, mas assim, de uma jovem, que nem estive nessa formação, mas aí acho que o passado vai trazendo e as pessoas vão...
P/1 – De alguma forma você marcou a vida dela.
R – Ou de alguém do meio dela. Sei lá. Mas são essas surpresas que a vida prepara pra gente. E é gratificante.
P/1 – É gratificante.
P/2 – Querida, eu quero te agradecer muito. Foi muito importante. Eu sei que foi difícil ter aceitado esse convite, mas saiba que [estamos] muito felizes, porque que história linda, que presente que você deu pra gente hoje, ‘de coração’. Muito, muito obrigada!
R – Eu que agradeço.
P/1 – Pasqua, queria agradecer do ‘fundo do meu coração’. Realmente, eu me espelho muito em você, admiro muito sua ‘garra’, obrigada por aceitar. Confesso que eu pedi esse áudio ______ pra mim, eu fiz o primeiro pedido, mas acho que demorou pra escutar, escutou e voltou. Muito obrigada! Deus te abençoe, foi muito gratificante saber mais um pouco, mais detalhes da sua história, vou carregar pra mim muito aprendizado.
R – A gente passaria horas aqui, no fim foi muito bom e eu agradeço a oportunidade de estar com vocês. Acho que são oportunidades que Deus dá pra gente e que a gente possa estar levando não a minha história, mas a vivência de vida de cada um de vocês. Eu acho muito bonito. Todas as histórias que vocês ouvem, que vocês levem pra vida e tirem proveito disso e sempre tirem a melhor parte e levem pra vocês, porque eu acho que tudo é um aprendizado. Tudo que eu fiz, tudo que eu sei é porque eu também aprendi. E porque Deus colocou pessoas maravilhosas na minha vida. E eu tinha que vir pra Rafard, porque meu destino tinha que ser passado aqui e que todas as pessoas que passaram pela minha vida são de Rafard, ou teve uma ligação, ou teve um envolvimento com Rafard. Então nada é por acaso na vida da gente. Tudo tem um propósito. E Deus sabe de todas as coisas. Amém!
P/1 – Amém!
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