No interior do Rio Grande do Sul, numa fazenda de plantação viviam meus avós, minha mãe e meus tios. Em busca de novas oportunidades, meu avô viu na plantação de arroz um possível sucesso financeiro, entretanto precisava de investimento para o projeto. Conseguiu financiamento com um irmão e iniciou a plantação, mas passados alguns meses, não obteve o lucro desejado. A família já estava passando por complicações financeiras e nesse momento viu tudo desabar.
A plantação de arroz não retornou como previsto, e encurralado, meu avô não viu outra saída a não ser vender a fazenda que tinha e partir em busca de recomeçar. Na madrugada, com ajuda de um conhecido abasteceram um caminhão de mudanças com o que conseguiram pegar e partiram sem destino.
A família na carroceria, alcançaram Santa Catarina, Paraná até chegar a Mato Grosso do Sul onde, após percorrer algumas cidades, se instalaram num vilarejo próximo a Ribas do Rio Pardo.
Numa casinha de tábua e chão batido, bem diferente da fazenda em que viviam, a vida precisava continuar. Mas, após duas semanas, batem na porta de madeira, era o irmão de meu avô, foi cobrar a dívida que meu vô deixou no Sul. Pegou todo o dinheiro que restava da venda da fazenda e deixou uma carta enviada pela esposa, cunhada de meu avô. O que havia na carta, não é de conhecimento, mas coisa boa com certeza não era.
A vida foi passando. Minha mãe conseguiu emprego na capital, minha tia mais velha também. Porém, outro acontecimento tirou a paz da família, minha mãe sofreu um acidente ao sair do trabalho, foi atropelada e precisou ficar internada. Meus avós vieram cuidá-la.
O pior ainda estava por vir, um dos irmãos, se trancou no quarto e com a arma do meu avô deu um um tiro na própria cabeça. Na época o levaram para a escola rural onde tentaram conter o sangramento enquanto ele agonizava. Não pode ser velado na igreja. Minha mãe, ainda no hospital, ficou muito abalada com a...
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No interior do Rio Grande do Sul, numa fazenda de plantação viviam meus avós, minha mãe e meus tios. Em busca de novas oportunidades, meu avô viu na plantação de arroz um possível sucesso financeiro, entretanto precisava de investimento para o projeto. Conseguiu financiamento com um irmão e iniciou a plantação, mas passados alguns meses, não obteve o lucro desejado. A família já estava passando por complicações financeiras e nesse momento viu tudo desabar.
A plantação de arroz não retornou como previsto, e encurralado, meu avô não viu outra saída a não ser vender a fazenda que tinha e partir em busca de recomeçar. Na madrugada, com ajuda de um conhecido abasteceram um caminhão de mudanças com o que conseguiram pegar e partiram sem destino.
A família na carroceria, alcançaram Santa Catarina, Paraná até chegar a Mato Grosso do Sul onde, após percorrer algumas cidades, se instalaram num vilarejo próximo a Ribas do Rio Pardo.
Numa casinha de tábua e chão batido, bem diferente da fazenda em que viviam, a vida precisava continuar. Mas, após duas semanas, batem na porta de madeira, era o irmão de meu avô, foi cobrar a dívida que meu vô deixou no Sul. Pegou todo o dinheiro que restava da venda da fazenda e deixou uma carta enviada pela esposa, cunhada de meu avô. O que havia na carta, não é de conhecimento, mas coisa boa com certeza não era.
A vida foi passando. Minha mãe conseguiu emprego na capital, minha tia mais velha também. Porém, outro acontecimento tirou a paz da família, minha mãe sofreu um acidente ao sair do trabalho, foi atropelada e precisou ficar internada. Meus avós vieram cuidá-la.
O pior ainda estava por vir, um dos irmãos, se trancou no quarto e com a arma do meu avô deu um um tiro na própria cabeça. Na época o levaram para a escola rural onde tentaram conter o sangramento enquanto ele agonizava. Não pode ser velado na igreja. Minha mãe, ainda no hospital, ficou muito abalada com a situação, pois era o irmão mais apegado a ela.
Tudo isso a fez retornar para Ribas do Rio Pardo e permanecer ao lado de meus avós.
A vida nunca mais seria a mesma. Trabalhando numa loja de roupas na cidade, minha mãe tentava seguir.
Após um tempo, a família conseguiu se instalar na cidade e as coisas foram melhorando, passaram a morar ao lado de um posto de combustível, onde meu tio caçula começou a trabalhar.
Mais tarde, se mudaram para a mesma rua, mas para uma casinha melhor, onde tinha um salão em que minha mãe iniciou seu primeiro negócio: um boteco. Alguns anos depois, minha mãe se casou e deixou meu avô cuidando do barzinho. Com toda a família trabalhando conseguiram erguer uma casa melhor no mesmo terreno.
Novamente as coisas estavam voltando à normalidade.
Minha mãe estava casada em Campo Grande, já com dois filhos, eu e meu irmão. Minha outra tia caçula estava saindo de casa para se casar. Meu tio mais velho já estava casado e morando em campo grande, e na casa de meus avós estavam meus três tios, minha tia, e meus dois tios.
A casa se enchia de netos nas datas comemorativas. Era a vida seguindo seu curso. Após dois anos casadas, meus pais se separaram, passei a não ver mais meu pai. Mudamos de casa.
Adorava passar as ferias na casa de minha avó. Vez ou outra escutava minha avó conversar ao telefone com os parentes do sul. Jamais tocavam no assunto da vinda pra cá.
Certa noite, em Campo Grande, de madrugada, já com 8 ou 9 anos, o telefone tocou. Fomos acordados no meio da noite. Devíamos ir até Ribas, pois meu tio caçula, meu tio mais querido havia sofrido uma acidente de moto e acabava de falecer.
Mais um choque na família. Custei a acreditar. Esperava encontrá-lo vivo..\\\"era mentira, estavam enganados!\\\"
Tivemos que nos adaptar novamente e mesmo sem querer, deixar a vida seguir.
Agora sem meu tio.
As festas diminuíram, a vida ficou difícil novamente.
O salão a muito tempo era alugado para diversos empreendimentos. Já não era o boteco do meu avô.
O posto de combustível guardava a lembrança de meu tio, era na mesma rua da casa de minha avó. Talvez a dor de perder o filho tenha se intensificado por conta do acidente ter sido na quadra da casa onde moram, quase na frente.
Com o tempo fomos nos acostumando à saudade.
Sobraram na casa, além de meus avós, minha tia e meu tio, ele trabalhava num mercado bem pertinho. Juntou dinheiro e abriu sua própria conveniência no salão do meu avô.
A conveniência ia bem. Mas com o tempo e as dificuldades na família, foi tentando ajudar e chamando para trabalhar com ele, quem estava precisando. Esse coração generoso custou caro. A conveniência não tinha como se manter com tantos funcionários pra pagar. Além do mais, meu tio herdou de meu avô o velho hábito da venda fiada baseada na confiança.
Não gostava de cobrar dívida e com certeza dormia engolindo as palavras que não conseguia dizer.
Meu avô que trabalhou a vida toda no serviço público, estava agora numa cama com problemas na coluna, lúcido o que o impossibilitava era a depressão e as dores nas costas . Faleceu muito depois por conta de uma pneumonia.
Minha avó sozinha, já quase esquecendo das coisas, minha tia vivendo por eles e meu tio na conveniência, era o que restava naquela casa imensa, construída com sacrifício e dor. Retocada e acrescentada sempre que dava.
Meu rio estava rodeado de parentes que foram morar pra lá, então apesar da morte do meu avô, a casa permanecia movimentada.
Mas a conveniência não ia bem, se arrastava.
Após um tempo, meu tio começou a sentir dores ao lado da barriga, fez exames, consultou medicos: câncer no rim.
O tratamento foi longo, operou pra retirar o rim, fez quimioterapia oral, internou, tentou trabalhar..quis viver. Infelizmente faleceu.
Tentaram tocar a conveniência por.mais um tempo, não deu. Fecharam. Em seguida, minha avó ficou debilitada e com Alzheimer, teve que ser acamada, quase dois anos ela ficou nesse estado. Morreu.
Logo após,, minha tia que já estava casada tentando viver sua vida, teve hemorragia e descobriu um câncer no útero. Três meses depois faleceu.
Restou a casa enorme cheia de lembranças. Restou a memória resgatando as falas de minha avó: \\\" vamos pra fazenda do meu pai? Lá tem um konte de bicho.\\\\\\\"
Ela que perdeu a mae no próprio parto, e só guardava lembrança do pai. Ela que não esquecia a cor do caminhão que os trouxeram para Mato Grosso do Sul, ela que era dura e ríspido com minha mãe e com o tio que suicidou.
Hoje, já não estão mais aqui, mas sinto como se estivessem na casa, na rotina, na lida diária, em volta da mesa no café da manhã, enquanto minha avó, organiza a cozinha. Sinto como se ainda estivessem aqui, movimentando a vida, chegando um de cada vez, após o serviço, e eu esperando na esquina perto do antigo salão só meu avô.
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