Projeto Memórias da Literatura Infanto-Juvenil
Depoimento de Luiz Antonio Farah de Aguiar
Entrevistado por Thiago Majolo e José Santos
Rio de Janeiro, 03/07/2008
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista número: MLIJ_HV013
Transcrito por Regina Paula de Souza
Revisado por Natália D. e Natália Ártico Tozo
P/1 – Bom dia, Luiz. Eu queria começar a entrevista perguntando o seu nome completo, data e local de nascimento.
R – Luiz Antonio Farah de Aguiar. O Farah vem de libaneses. O meu avô era libanês do Líbano, foi mascate, veio para o Brasil em 1900 e alguma coisa, veio pelo Mato Grosso e foi aonde conheceu a minha avó, que era uma napolitana. Então, os dois se casaram e tiveram dezenove filhos, entre eles a minha mãe. O Farah vem de lá. Eu nasci no dia 11 de fevereiro de 1955, numa sexta-feira de carnaval, se a minha mãe me informou direito, no Rio de Janeiro.
P/1 – Então, você já falou dos seus avós maternos, você chegou a conhecer os seus avós paternos?
R – Eu conheci a minha avó, o meu avô morreu muito antes. O meu avô morreu naquela febre espanhola que veio por aí. E meus avós paternos, quando eu tinha um ano e pouco o meu avô ainda era vivo, mas ele morreu logo a seguir, a minha avó, eu convivi com ela até uns quinze anos. Minha avó por parte de pai.
P/1 – Você podia falar um pouco dos seus pais, o nome deles, qual a atividade que eles exerciam?
R – Meu pai é médico, ele ainda vive, tem 86 anos, Ernani Almeida de Aguiar, cearense. Ele veio para o Rio de Janeiro garoto e sem muitos recursos, mas trabalhando ele conseguiu estudar Medicina, se formar e fez a carreira dele como cardiologista. Minha mãe era assistente social, ela já está falecida, faleceu em 1995, Aparecida Benedita Farah de Aguiar. Esse Benedita tem muito a ver com Dom Casmurro, porque era uma promessa da minha avó, ela perdeu uma filha logo ao nascer ou um filho, eu não me lembro bem, então, ela fez uma promessa à São Benedito, que todos os...
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Depoimento de Luiz Antonio Farah de Aguiar
Entrevistado por Thiago Majolo e José Santos
Rio de Janeiro, 03/07/2008
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista número: MLIJ_HV013
Transcrito por Regina Paula de Souza
Revisado por Natália D. e Natália Ártico Tozo
P/1 – Bom dia, Luiz. Eu queria começar a entrevista perguntando o seu nome completo, data e local de nascimento.
R – Luiz Antonio Farah de Aguiar. O Farah vem de libaneses. O meu avô era libanês do Líbano, foi mascate, veio para o Brasil em 1900 e alguma coisa, veio pelo Mato Grosso e foi aonde conheceu a minha avó, que era uma napolitana. Então, os dois se casaram e tiveram dezenove filhos, entre eles a minha mãe. O Farah vem de lá. Eu nasci no dia 11 de fevereiro de 1955, numa sexta-feira de carnaval, se a minha mãe me informou direito, no Rio de Janeiro.
P/1 – Então, você já falou dos seus avós maternos, você chegou a conhecer os seus avós paternos?
R – Eu conheci a minha avó, o meu avô morreu muito antes. O meu avô morreu naquela febre espanhola que veio por aí. E meus avós paternos, quando eu tinha um ano e pouco o meu avô ainda era vivo, mas ele morreu logo a seguir, a minha avó, eu convivi com ela até uns quinze anos. Minha avó por parte de pai.
P/1 – Você podia falar um pouco dos seus pais, o nome deles, qual a atividade que eles exerciam?
R – Meu pai é médico, ele ainda vive, tem 86 anos, Ernani Almeida de Aguiar, cearense. Ele veio para o Rio de Janeiro garoto e sem muitos recursos, mas trabalhando ele conseguiu estudar Medicina, se formar e fez a carreira dele como cardiologista. Minha mãe era assistente social, ela já está falecida, faleceu em 1995, Aparecida Benedita Farah de Aguiar. Esse Benedita tem muito a ver com Dom Casmurro, porque era uma promessa da minha avó, ela perdeu uma filha logo ao nascer ou um filho, eu não me lembro bem, então, ela fez uma promessa à São Benedito, que todos os filhos nascidos deveriam ser chamados Benedito, então, tem Beneditos e Beneditas, e a minha mãe odiava isso: “Por quê? Eu não entendo, por que a minha mãe fez a promessa e eu que tive que pagar?”.
P/1 – Luiz, qual é a lembrança mais antiga que você tem da infância?
R – Olha, eu tenho lembrança. Quando eu nasci meus pais moravam na Prado Junior, que é numa ponta de Copacabana, logo depois eles se mudaram pra Tijuca, então, as primeiras lembranças que eu tenho são de cenas da Tijuca. Eu acho que eu passei dois anos lá com eles, dois, três anos, dois anos. E a cena de uma praça que tem lá, uma praça onde tem umas charretes de bode, tem até hoje, puxadas à bode, puxadas à carneirinho, tem os cavalinhos. Outro dia, pra minha alegria, eu levei o meu neto lá. Então, você vê, uma coisa assim, que se faz, que se completa. Eu levei o meu netinho lá pra andar a cavalo, ele no cavalinho e eu do lado dele abraçado, assim, porque, evidentemente, o avô não só é babão, como é preocupado. Então, isso é uma das lembranças mais queridas e mais antigas que eu tenho. Logo depois a gente se mudou pra Copacabana e, eu me lembro muito, eu vou pouco pra Copacabana e eu me lembro muito do deslumbramento, assim, de passear com a minha mãe à noite, eu achava aquele mundo de gente, coisa que não tinha na Tijuca. Aquele mundo de gente em Copacabana, aquilo me encantou tremendamente, à noite aquelas lojas abertas, aquelas coisas. Essa imagem que eu tenho muito forte deve ser na Avenida Nossa Senhora de Copacabana. Passear com aquele mundo de gente, aquela coisa. E eu, então, me colocaram num colégio, provavelmente, com cinco anos, quatro anos de idade, é lá perto da minha casa, que era o Colégio Pernalonga. E eu não conseguia aprender a ler no colégio, simplesmente não conseguia aprender a ler, eu olhava aquele negócio no quadro, aquilo não dizia nada pra mim, então, eu fugia, inclusive, eu achava muito chato o colégio, aí eu fugia. Naquele tempo você podia fazer essas coisas, Copacabana era quase que uma cidade do interior. Aí, eu corria pra ponta da praia e tinha uma colônia de pescadores, que tem até hoje, mas, naquele tempo, era muito grande, e ficava lá com os pescadores o dia inteiro. No final do dia, às cinco, seis horas da tarde tinha o arrastão, só que o arrastão que hoje é algo relacionado a violência, a criminalidade, o arrastão, naquele tempo, eram os pescadores chegando e a gente ajudando eles a arrastar as redes pra fora da água. As redes vinham cheias de peixes grávidas. A água molhada, assim, a gente arrastava e todo mundo ganhava uns peixinhos, a gente voltava pra casa: “Oh, minha mãe, o que eu pesquei”. Ela fritava os meus peixes, mas como eu não conseguia aprender a ler, porque eu ficava pescando, então o meu pai comprou, resolveu me ensinar a ler e comprou uma cartilha, aquelas cartilhas imensas, “a”, “b”, e me punha no colo de noite. E eu tinha que aprender uma letra com ele, se eu aprendesse, legal, ele pegava uma coleção de livros que ele tinha acabado de comprar, que era a coleção As Mil e Uma Noites, era uma coleção da Saraiva enorme, eram oito livros enormes, eu tenho esses livros até hoje, lindamente ilustrados, uma lindeza, uma coleção maravilhosa, mas eu não me lembro agora o nome, se era, não é Portinari, não, eu não me lembro agora o nome exatamente do ilustrador, mas lindíssimas as ilustrações, num papel couché maravilhoso, um livro pesado. E aí, quando eu lia, que eu aprendia a ler uma letra legal, ele lia uma história pra mim. Aí, eu comecei a ler, com vontade de ler as histórias, porque aí a coisa fez sentido pra mim, aqueles sinaizinhos queriam dizer que a gente lia as histórias, aí eu consegui aprender a ler.
P/1 – Então quer dizer que o seu pai é que te alfabetizou?
R – O meu pai me alfabetizou e o meu pai me introduziu no mundo dos livros, porque ele fazia questão de comprar muitos livros, era uma coisa que ele investia muito, ter uma biblioteca dentro de casa, pelo menos, não posso chamar de uma biblioteca, mas uma estante que ocupava uma parede inteira e mais várias estantes espalhadas pela casa, então, eu sempre convivi com muito livro. E a aventura, assim, de você puxar um livro e descobrir o que tem dentro, puxar um livro e olhar: “Puxa, essa história”, aí começa a ler a história, isso eu tive desde criança, quer dizer, o grande barato, um dos grandes baratos da minha infância era esse, era na biblioteca do meu pai descobrir livros, descobrir histórias que me interessassem. Isso foi maravilhoso, isso foi fantástico pra mim. É o que me fez.
P/2 – Mas você continuava a ir para a escola ou parou de vez?
R – Não, eu continuei. Eu voltei pra escola, já alfabetizado. Aí voltei também pra outra escola, fui pra uma escola chamada Externato Atlântica, já alfabetizado. Depois, tive um período de dureza lá em casa, eu fui pra um colégio público. Olha, que naquele tempo era tão bom o colégio público, tão maravilhoso, que do quarto ano do colégio público eu fiz uma prova e entrei no primeiro ginasial do Zacarias, que era um colégio particular muito bom. Então, eu fiz dois, três anos no colégio público e a formação era tão boa que eu pulei a admissão, pulei não sei o que, fiz a prova e entrei. Eu sempre fui um ano, um ano e meio de idade mais novo que os meus colegas de turma por causa disso. Então, era muito bom. E nesse colégio teve uma outra coisa maravilhosa, que também me impulsionou muito, foram professores que... Tinham aquelas festas cívicas, Dia da Pátria, Dia da Bandeira, Dia da Abolição da Escravatura, Dia das Mães, aí como eles sabiam que eu escrevia, me botaram pra escrever poemas pra declamar nos dias, então, era sempre... Quer dizer, foi outra coisa também, importante pra mim. Eu começar a me identificar com o cara que escrevia: “Ah, eu escrevo. Ah, eu faço o poema”. Aí eu fazia aqueles poemas junto com as minhas professoras, que me ajudavam nas rimas, para as rimas saírem bem, aquelas: “Bábábá bábábá bábábá bábábá, bábábá bábábá”. Então, eu fazia, mas ajudou na minha formação e, além de serem boas professoras, eu me lembro muito de um dia que uma dessas professoras, eu não sei se foi a dona Dulce ou a dona Vilma, porque naquele tempo a gente não chamava de tia, chamava de dona, então, era dona Dulce. A dona Dulce olhou pra turma, assim, todo mundo com o livro na mão: “O que é isso? Vem, vem você aqui. Segura um livro aí. Você, segura um livro. Você, segura um livro”. Aí, me chamou: “Você, segura um livro. Está vendo como se segura um livro? Você é um cara habituado a segurar um livro”. Entendeu? Quer dizer, hoje eu vejo o significado daquilo. Tem tudo a ver com o que eu estou falando, da minha formação de ter livros em casa, ter disponibilidade pra isso. Graças a Deus, meus pais tinham condições de fazer isso, mas o hábito, se tem alguma coisa de hábito de leitura, é isso, o resto é o que passou no amor pela leitura. Eu acho muito mais importante do que falar em hábito de leitura, falar em amor pela leitura, hoje eu estou tendo uma experiência com o meu neto. Eu tenho certeza que a leitura é uma coisa que se passa junto com o amor que a gente dá a uma criança, é botar ela no colo e ler junto com ela. É isso. Que a gente não transfere um hábito. Se transferir um hábito, a gente passa o hábito de fumar, é o máximo. Depois, pra perder é um horror. Eu parei há dois anos e sei o que estou falando.
P/1 – Luiz, eu queria voltar um pouquinho, desse ambiente mágico da sua casa, de você pequeno subir nas cadeiras achando livros. Conta mais das suas descobertas.
R – Olha, tem uma história que eu já contei várias vezes. Um dia meu pai tinha o hábito, assim, de começar a ler e eu dormia, é claro que na hora eu “bum”, caia e ele parava a história, aí continuava no dia seguinte. Teve um dia que eu não me conformei, aí o livro As Mil e Uma Noites ficava lá, no alto da estante, eu escalei a estante, tentei puxar. Não dava pra puxar o livro, porque era muito pesado, aí eu desci, tinha um abajur, assim, um lustre na sala e tinha um varal de roupa. O varal é aquela coisa com corda, que pendura roupa. Aí, eu desmontei o varal, tirei as cordas, dei uma laçada no abajur, subi de novo, amarrei o livro, fiz essa grua, era uma grua, aí fui puxando, puxando, abri o livro, aí eu não sabia ler, aí eu comecei a inventar a história. Eu acho que tem a ver com o que eu faço até hoje, porque o mecanismo é, mais ou menos, o mesmo, as ideias que eu ganho, a maioria delas vem enquanto eu estou lendo, aí me pintam coisas enquanto eu estou lendo, para escrever. Eu sei que hoje em dia o povo brasileiro, a maior parte, não têm condições de ter essa benção que eu tive, que é uma estante enorme, essa opção de puxar: “Esse, não, esse é de Medicina, esse é chato”. Aí, jogava lá, puxava: “Hum, esse aqui, não sei o que. Ah, os bons hábitos, Como Ensinar Bons Hábitos a Juventude. Não estou interessado”. Aí, pegava um: Os Contos Maravilhosos do Japão: “Opa, é esse”. Aí ficava lendo.
P/1 – Então, Luiz, o que as crianças liam nos livros dos anos 1960, o que tinha pra se ler?
R – Olha, gibi. Eu tive uma formação muito forte com gibi, com histórias em quadrinhos. Esse negócio que a gente desaprendia a ler com histórias em quadrinhos é a mesma coisa que falam da internet hoje. Eu acho que isso é uma espécie de saudosismo, porque a gente tem que ver que a vida corre. O tempo não para. Então, naquele tempo, o vilão era o quadrinho, a gente lia muitas histórias em quadrinhos e eu, depois, eu fui fazer histórias em quadrinhos pra ganhar a vida. Eu trabalhei muito com histórias em quadrinhos. É, eu lia muito uns livrinhos de contos de fada, principalmente aquelas adaptações pequenininhas, era uma coleção da Melhoramentos, eu tenho alguns até hoje guardados com o maior amor, contos de fada e algumas novelas juvenis também, como Robinson Crusoe. Então, eu li todas elas, assim, adaptações muito pequenininhas, uns livrinhos azuis que a Melhoramentos editava. Logo depois, eu comecei a ler, é, Condessa de Ségur. Nas férias, Memórias de Um Burro, delicioso, quer dizer. E mais a frente, um pouquinho mais, aí eu entrei em Monteiro Lobato, aí eu digo que começou a minha vida inteligente, quando eu li A Chave do Tamanho. Eu digo, assim: “Opa, crianças tomaram o poder do mundo. Achei a minha tribo. Aqui é que eu quero ficar”.
P/1 – Como é que o Lobato aparece? Você descobre, te apresentam?
R – Não, meu pai, todas essas coisas foi o meu pai. O meu pai chegava em casa com uma pilhinha de histórias em quadrinhos, daqui a pouco ele chegava em casa com uns livrinhos, aqueles da Melhoramentos que tinham mais de 100, 150, eu não sei quantos. Ele ia trazendo um, se não era por dia, eram dois, três por semana e eu devorava, aí ele via que eu devorava e trazia mais. Logo depois, veio com Condessa de Ségur. Lobato, foi ele que trouxe. Eu acho que a partir de Monteiro Lobato eu ganhei autonomia pra ir buscar os meus livros. Aí, fui. Eu já pesquisava, já explorava, melhor dizendo, a estante dele. Eu fui achando coisa, achei Charles Dickens, um dia maravilhoso, adorei. David Copperfield, aquele sofrimento do garoto, mas que no final acaba tudo bem. Eu adorei David Copperfield. E aí, fui indo. Fui lendo.
P/1 – Vamos falar um pouquinho de Lobato?
R – Olha, Lobato, eu acho fundamental, porque ele criou gerações e gerações de leitores e de escritores. Se você for passear, pra todos esses escritores que estão na Flip, acho que não tem um que não tenha passado por Lobato, por Monteiro Lobato. Então, o que ele abriu na minha cabeça foi a possibilidade justamente de você fazer uma história de crianças tomarem conta do mundo, de crianças, de terem aquela coisa do mundo que a gente sente que era o nosso mundo, Sítio do Picapau Amarelo, As aventuras da Emilia, puxa, Os Doze Trabalhos de Hércules. Como eu vibrava, eu ficava apressado olhando o relógio na sala de aula, pra terminar logo a escola pra eu poder correr pra casa e ler o meu Lobato, entendeu? Quando aparecia um novo livro do Lobato: “Meu Deus! Tem mais!”. Aí, eu ficava comprando também e pedindo pra comprar: “Tem mais, papai, vai atrás. Deve ter mais, vai atrás”. Quer dizer, Lobato tem essa coisa, ter ganho a gente para o mundo da imaginação, o mundo da fantasia. E veja só, Lobato, hoje se fala tanto da literatura que ensine, então, Lobato ensinava muita coisa, eu acho que muita coisa de cultura universal, de cultura ocidental, mitologia grega, eu fui tomar os primeiros contatos...
P/1 – Português, Matemática?
R – Português, se bem que esses livros são mais chatinhos, Aritmética da Emília, mas é aquela coisa da cultura, aquela figura como a Dona Benta, aquela figura, assim, iluminista e iluminada, que fala as coisas trazendo uma luz para as pessoas. Eu ficava imaginando, eu, naqueles sermões da Dona Benta, assim, ouvindo aquelas coisas. Eu queria conhecer coisas, mais do que aprender, eu acho que a gente queria conhecer coisas e eu acho que o Lobato teve essa luz de compreender profundamente a cabeça da criança, profundamente a cabeça de quem, justamente, quer conhecer sem ter que depois prestar contas, fazer provas, fazer não sei o quê. Conhecer, mas que tenha uma fome de conhecer, ele estimulava e satisfazia essa fome de conhecer. E isso é maravilhoso, isso é uma experiência de vida que eu acho, aliás, leitura como um todo é uma experiência de vida. E ler Lobato foi uma experiência de vida maravilhosa, como fazer uma viagem seria uma experiência de vida, era uma viagem. Era uma viagem no tempo, era uma viagem no espaço, viagem pra outros mundos, viagem na fantasia. Tudo isso, Lobato, pra mim foi importante, entendeu? Criar a possibilidade de olhar as coisas e ver que as coisas não são bem assim, que, por exemplo, eu estava num dia num almoço com uma amiga minha, já adulto, ela me perguntou assim: “O que faz de um cara um escritor?”. Aí, eu olhei em torno, eu estava num restaurante, disse assim: “Bom, você está vendo esse restaurante cheio de gente? Pois é, acontece que se chegar um garçom perto de mim e segredar no ouvido que não são pessoas, não são seres humanos, são extraterrestres carnívoros que estão apenas esperando você engordar com a tua refeição, que depois vão te devorar. Se um garçom chega e fala isso, alguma coisinha lá no fundo da minha cabeça vai dizer: ‘E se for verdade?’. É isso que faz da gente um escritor”. Mas esse desvio de conduta tão rico, isso, foi Lobato. Isso foi Lobato que me deu, ou pelo menos foi Lobato que abriu: “Oh!”. Aí, eu olhei: “Eh!”.
P/1 – Luiz, só desviando um pouquinho, eu ainda queria aproveitar que você teve esse privilégio de ter passado a sua infância em Copacabana nos anos 1960. Então, você podia contar um pouquinho do que as crianças brincavam, como era a vida das crianças em Copacabana?
R – Copacabana nos anos 1960 era aquele bairro em que o grande... Eu me lembro que um dia as pessoas saíram correndo: “Ih, aconteceu uma coisa, olha lá. Vamos lá, um crime”. Sabe qual era o crime? Um carro estacionado errado e uma multa colada no vidro e todo mundo olhando aquela multa, assim: “Cara, o cara foi multado. Que coisa!”. Isso era a grande criminalidade da Copacabana que eu conheci quando era criança, então, o que a gente fazia? A gente apostava corrida de bicicleta no quarteirão, se o meu neto fizer isso eu mato ele, saía correndo: “Me fechou. Ihihih”. E ninguém morreu. Pelada! O tempo todo, eu batia cinco horas de futebol por dia.
P/1 – Aonde?
R – No playground da minha casa, na praia e, às vezes, até no meio da rua. No meio da rua, os carros paravam pra você. Não, a gente parava a bola quando passava carro.
P/1 – Mas vamos situar isso, a sua casa era...?
R – No Posto 6 em Copacabana, não era uma casa, era um apartamento no Posto 6 em Copacabana. É, eu sempre morei naquela zona do Posto 6. E comecei a morar ali antes de existir aquele túnel que eu não sei nem o nome, mas é o túnel que liga a Copacabana grandona, que entra na Raul Pompéia, quer dizer, pra quem conhece a geografia de Copacabana, você desce a Barata Ribeiro toda hora, passa por um túnel e aí dá na Raul Pompéia que, quer dizer, você está entrando no Posto 6. Naquela época, não existia esses túneis. Então, aquela coisa era uma coisa protegida, é, eu vivia num lugar que, eu estou falando sério, parecia uma cidade de interior. Eu soltei pipa na praia. Eu estou falando, eu brincava com os pescadores, eu ficava ouvindo histórias dos pescadores. É, era um mundo diferente, era um mundo muito diferente. Brincava de tudo isso, brincava de qualquer coisa. E na rua, eu podia brincar na rua, eu jogava no playground também, mas eu podia brincar na rua.
P/1 – Você é filho único?
R – Não, eu tenho dois irmãos. Eu sou o mais velho. Os dois, nenhum deles... Um é médico, um médico muito bom, um cardiologista brilhante e o outro é um engenheiro de computação, joga com três computadores, quatro, assim, se você quiser, me vence, quando eu jogava xadrez me vencia jogando de costas, só pra me humilhar. Ele se recusava a olhar o tabuleiro, porque ele fazia todo o plano na cabeça dele. Agora, os três, pra você ver como são as coisas, os três tiveram acesso à mesma biblioteca e só eu que dei pra ler muito. Tenho um irmão que, provavelmente, nunca leu um romance na vida, sabe? Esse negócio que eu estou falando de abrir para as possibilidades, porque eles nunca olharam uma coisa que não é verdadeira. Eu, hoje, estou com...
P/1 – Esse é o engenheiro.
R – É o engenheiro. Eu, hoje, estou convencido de que esse... É, nego fala de tantas coisas aí, sobre os empecilhos pra leitura. Este é o grande salto. É você convencer a pessoa que você pode ter uma experiência de vida não verdadeira, no sentido, assim, concreto, cotidiano. Eu tenho um livro chamado Confidências De Um Pai Pedindo Arrego, é o livro que eu ganhei com o Jabuti. É muito frequente, outro dia mesmo isso aconteceu, eu ir à determinadas conferências pra dar palestra, aí nego me cobra: “E aí, a sua experiência de pai?”. Eu digo: “Eu não sou pai, eu nunca fui pai. Eu tenho um neto, porque a minha mulher, quando a gente se casou, tinha uma filha, mas ela já tinha doze anos, entendeu? Eu nunca fui pai”; “Como não foi pai? Você escreveu Confidências De Um Pai Pedindo Arrego”; “Eu não fui pai. Também escrevi um outro livro chamado Mãe em Noite de Lua Cheia e não sou mãe, entendeu?”. Então, essa coisa de dar o pulo para a mágica, você se desvincular de ter que assistir um filme só quando ele tem ali, baseado em fatos reais. Eu desligo. Eu não gosto, geralmente é filme chato. Geralmente, é filme chato, entendeu? Eu mudo. Mas essa vinculação da gente: “Mas isso é verdade, é sobre uma história verdadeira?”. Isso é o grande empecilho pra pessoa entrar na literatura. É ser capaz de fazer esse pacto com a obra literária: “Eu vou ter uma experiência que eu não preciso que ela seja real externamente. Ela vai se tornar real, porque eu vou vivê-la, porque eu vou vivenciar isso”. Isso é o grande pacto, isso é a grande dificuldade.
P/1 – Luiz, nós desviamos o assunto. Você estava contando das suas descobertas pós Lobato, que foi Dickens?
R – Dickens, e Mark Twain. Mark Twain também. Olha, tudo, mais ou menos, se você perceber, é na mesma linha. O Dickens, por causa do David Copperfield que começa como criança, o Lobato, porque as crianças tomam conta do mundo e, Mark Twain, porque tem o Tom Sawyer e o Huck Finn que são, evidentemente, aquela coisa que eles: “Puxa, então as crianças podem tomar conta do mundo no mundo inteiro”, entendeu? Porque eles tomam conta da história. Mark Twain é maravilhoso. Mark Twain tem uma significação para os Estados Unidos que é fantástica, como escritor e tal. Mas pra não desviar de novo do assunto, isso foram leituras e daí foi uma coisa que foi se multiplicando, aí como é que chega também em Machado de Assis? Meu pai tinha aquela, tinha, e eu tenho ainda esta mesma coleção da Jackson, é uma coleção tradicional do Machado de Assis, são 32 volumes e, eu me lembro, que as primeiras impressões que eu tinha: “Puxa, esse cara escreveu paca, hein?”. Trinta e dois volumes. Eu pensava que era tudo romance, depois eu fui olhar melhor e vi que tinham cartas, tinham crônicas, tinham contos etc. Mas eu peguei um romance pra ler, A mão e a Luva, e eu gostei, mais ou menos. Depois, quando me fizeram, você me fez essa pergunta agora, me fizeram essa pergunta, eu disse: “Poxa, foi isso, A mão e a Luva, foi o primeiro romance”. Mas eu gostei, eu achei até a história gostosinha de ir lendo, romântica, aquele embate e tal. Gostei daquilo. Depois, me deram no primeiro ano ginasial, hoje em dia mudou tudo, eu não sei nem mais falar, primeiro ano, ensino fundamental três, fundamental, olha, uma bagunça. No primeiro ano ginasial, que eu tinha onze anos, todos os meus colegas, todos os meus amigos, todos os seres humanos do mundo que tem a minha idade, eu tenho 53 anos, leram no primeiro ano ginasial, com poucas variações, Dom Casmurro, O Cortiço, A Moreninha e Iracema, às vezes, troca Iracema por O Guarani. Todo o pessoal que tem a minha idade leu o quarteto fantástico. Troca Iracema por O Guarani, um tira O Cortiço e bota, sei lá, bota o Policarpo Quaresma, enfim, mas não há muita. E eu não gostei de Dom Casmurro, porque eu ficava, eu com os meus onze, doze anos, querendo a independência, querendo a minha independência, prezando muito a minha turrice, aí chega aquele, é, aquele Bentinho que a menina está apaixonada por ele e ele está apaixonado por ela. Ele era incapaz de dizer pra mãe que não quer ser padre. Com quinze anos! Eu dizia: “Isso, se fosse o caso, com oito. Ele não diz com quinze!”; “Ah, porque é questão de tempo”. Não, não é questão de tempo não, porque tem garotos muito mais sapecas ali na obra de Machado de Assis. É, porque ele formou uma coisa que eu não tinha condições ainda de compreender, que é um ser humano com um caráter dissimulado. Compôs belamente, só que eu não aceitava aquilo, um garoto daquela idade que chega pra mamãe, na hora que ele vai dizer pra mãe que não quer ser padre, aí ele perde a coragem e diz: “Eu só gosto de mamãe. Eu quero tudo que mamãe quiser”. Esse cara é, além de tudo, esse cara é meio gay. Ainda ficava assim, entendeu? Ainda ficava: “Esse cara é suspeito”. Ele fala isso no livro: “Capitu era mais mulher do que eu era homem”. Eu disse: “Olha, não gostei”. Mas tinha também aquela coisa da trama romântica, que eu gostava daquilo, eu gostava de ler aquilo, tanto que eu gostava de ler, por exemplo, uma coisa que nenhum colega meu gostava e eu fui ler por minha conta própria, que eram os livros de José de Alencar. Era por causa dessas tramas românticas. Eu gostava até de ler os livros indianistas, eu achava bonito aquelas descrições de cena, eu ficava, assim, não entendia muita coisa, mas achava bonito, alguma coisa rítmica. Hoje eu sei que Iracema é praticamente um poema estendido. Enfim, naquela época eu ficava encantado com a sonoridade da coisa. É, não gostei, mas alguma coisa ficou, que eu li de novo no vestibular, continuei assim: “Puxa”. Mas aí, eu com raiva do Bentinho, eu já não achava tão babaca, mas aí fui lendo, fui lendo várias vezes, quando chegou no mestrado que eu fui ler com a atenção e ler outras leituras dele, aí descobri aquelas leituras, é, que hoje em dia são as leituras mais aceitas de Machado de Assis, Ellen Caldos, Silviano Santiago, o próprio Roberto Schwarz, e que se abriu pra mim um mestre, de vinte anos pra cá que me encanta, eu me dedico pra ele e tal. Mas, então, Machado de Assis e José de Alencar, por esse lado, assim, do leitor leigo, do leitor que se encanta pela trama romântica, também vieram logo a seguir, vieram aí com treze anos, catorze anos. Eu ganhei essa coleção de José de Alencar, de obras completas da José Olympio, dele, eu pedi pra minha mãe como presente por eu ter pulado a admissão, então com onze anos eu estava ganhando essa coleção de José de Alencar, que eu também tenho até hoje. Eu tenho uma ligação muito forte com os meus livros. Os meus livros queridos, eles me acompanham.
P/1 – Ah, depois nós queremos fazer uma imagem com esse livro que você trouxe.
R – Vai ter que ir lá em casa.
P/1 – Não, você falou que trouxe um.
R – Eu trouxe um da Jackson aí. Eu trouxe um que eu vou fazer uma leitura. Está lá no meu quarto.
P/1 – Como é que foi a sua adolescência, fora dos livros, em Copacabana?
R – É, aí já não foi tanto Copacabana, eu era um adolescente muito cismado, tá? Então, leitura e ficar assim... Ensimesmado era uma coisa que continuava ficando, e muito sonhador também. Aí, de repente, é, eu sonhava muito, eu tinha uma expectativa muito grande em relação a amor, namoro, o primeiro beijo, a minha primeira namorada, que acabou acontecendo, mas foi, até acontecer a minha primeira namorada foi, assim, de muito jogar bola, eu jogava cinco horas de futebol no playground lá da casa, jogava não sei onde, e lia, lia, lia, eu lia muito, eu era muito de ficar sozinho lendo. Fugia um pouco pra ler. É, sempre buscando, não é nem buscando coisa nenhuma, aquilo em si era bom. Mas eu era muito ensimesmado, eu não era um garoto sociável, nunca fui. Eu era um garoto muito até retraído, eu era gordinho, como eu sou gordo até hoje, mas naquela época isso pra mim era um recalque muito grande, tinham vários pequenos grilos, que hoje eu sei que são pequenos, mas na época não eram. Hoje, eu não estou nem aí pra isso, mas na época, é, não eram, eram coisas, tipo: “Pô, que cara gordo!”. O cara gordo, há um preconceito, é uma coisa contra a raça dos gordos que é uma coisa terrível.
P/1 – Ainda mais no Rio, que é cidade de praia.
R – Ainda mais no Rio que é cidade e não sei o quê. E, na época, ainda não era época da malhação, do não sei o que, ninguém tinha aquele tórax construído, hoje em dia tem, mas na época não. Mas ser gordo já era um problema. Alguém encanava na escola e tal. Eu gostava muito de ler, agora, eu era gordo, mas não era inativo, porque mesmo gordo eu jogava cinco horas de futebol. Então, eu jogava muito futebol, eu andava muito, eu era muito de andar. Eu me apaixonava com uma facilidade, assim, pá, eu estava apaixonado. E não tinha como extravasar, porque o sexo ainda não existia, era uma época, por exemplo, que a gente tinha uma complicação muito grande, não tinha nenhum acesso a qualquer tipo de educação sexual. Então, com a minha primeira namorada... Foi minha primeira namorada, meu primeiro beijo e a minha primeira transa, tudo com a mesma pessoa, quer dizer, ela não era virgem, eu era, eu não tive, pra você ver, eu não tive coragem de falar pra ela que eu era, eu inventei mil histórias. Eu me arrependo disso, mas o que eu vou fazer, já era, entendeu? Seria até bonito e tal, mas se eu falasse, também, ela não ia me respeitar, tenho certeza que ela não ia, entendeu? Havia uma expectativa dela que eu fosse mais experiente que ela. Mas a gente ficava conversando, às vezes: “Puta, transamos. E agora? Vou engravidar”. Eu disse: “Mas como é que é aquele negócio de tabelinha?”; “Eu não sei direito, são três dias antes, três dias depois, sete dias, como é que é? Que não sei o que. Será que depois também pode?”. E pode e não pode. E pílula! Pô, pílula era um problema, porque pílula você tinha que tomar com a orientação do médico, só que o médico era sempre aliado da mãe, não existia essa de um adolescente ir pra um ginecologista, não. Imagina, ia pela mão da mãe, tinha quinze anos de idade, ia pela mão da mãe e aí o cara contava mesmo, aí ia ser uma tragédia, ia ser uma coisa inimaginável. A gente transava, mas não podia falar para os outros que transava, não era uma coisa aberta. Esse negócio da revolução sexual dos anos 1960, final dos anos 1960, 1970 foi muito importante, eu acho que hoje nego vive o pós disso, as consequências disso e não vê como era agoniada a coisa, a gente transava com medo de engravidar: “E se engravidar?”. Aí, ficava contando: “Vai engravidar ou não vai”. Até a próxima menstruação a gente ficava naquelas, assim, tenso. Era difícil o negócio. E não tinha absolutamente camisinha: “Bom, mãe, eu vou entrar numa loja e pedir camisinha? Eu sou um garoto ainda, como é que eu vou pedir camisinha numa farmácia?”.
P/1 – E nem era popular a camisinha.
R – Não, tinha, se eu quisesse entrar na farmácia, mas aí eu tinha que tomar um ônibus e entrar numa farmácia longe de casa, porque alguém ia ver eu comprar camisinha, entendeu? É, muitos dos meus amigos transavam a primeira vez com prostitutas, eu não quis fazer isso, eu realmente não quis, tinha até umas cenas engraçadas, que os meus amigos paravam, iam todos para o prostíbulo. Parava o carro no final e entravam no prostíbulo e eu ficava no carro esperando. Pô, eu não sei, não é que eu tenha decidido coisa nenhuma, é porque não era, eu sentia que não era a minha e eu acho que foi legal transar a minha primeira vez com a minha primeira namorada, mas tinham todas essas questões incluídas. Ela com complexo: “Nossa, será que eu sou puta por estar transando com você?”. Eu digo: “Eu não sei”. Mas era uma coisa que era inimaginável hoje em dia, mas que era corrente, tanto que ninguém, não tinha amiga nenhuma que chegasse pra outra amiga e falava: “Oh, dei para o namorado”. Isso não existia: “Tô trepando”. Não existia um negócio desse, era tudo muito velado. Todo mundo sabia que todo mundo trepava, aliás, como trepam desde o começo da humanidade. Agora, ninguém dizia, porque tinha esse lance do: “Puxa!”. Se a menina ficasse falada no colégio, se alguém soubesse que ela tinha trepado, era piranha o tempo todo, iam chamar ela de piranha. E não era porque tinha dado pra três, quatro, não, porque trepava com o namorado: “Puta, essa daí trepa com o namorado”. Cara, todo mundo ia passar a mão na bunda dela no recreio, pode garantir. Então, fui adolescente nessa coisa toda. Ao mesmo tempo, 1964, a gente tinha a ditadura, quer dizer, tinha uma ditadura por cima da gente, que eu demorei um pouco a sentir os efeitos disso, eu acho que mais quando eu... Aí com dezessete anos eu fui para os Estados Unidos, fiquei um ano lá.
P/1 – Ah, sua bolsa foi com dezessete anos?
R – Foi. Foi com dezessete anos.
P/1 – Você foi pra que cidade?
R – É, eu fui pra Utica, no estado de Nova Iorque, lá pra cima. Muito frio, uma bela cidade de cerveja, tinha uma fábrica de cerveja. Cerveja Utica. E foi fantástico pra mim, porque foi a primeira coisa que eu me vi por minha própria conta no mundo. É, a experiência incrível, também, aquela comunidade, porque lá nessas cidades têm milhares e milhares de estudantes estrangeiros, tinha um sueco, tinha um japonês, uma norueguesa, tinha um não sei o que, um não sei o que. Olha, mas ficar por sua própria conta num lugar, começar do zero e gerar a tua vida, fazer tudo que você pensa: “Bom, se eu tivesse feito isso antes”. Isso foi importantíssimo pra minha afirmação também, toda aquela história de ser um garoto ensimesmado e tal. Aquilo tudo zerou e eu voltei uma outra pessoa, porque: “Bom, como é que eu sou por minha própria conta. Eu, aqui, posso começar do zero, fazer tudo de novo”. Eu tinha muitos amigos, era muito popular, virou a coisa toda. Namorava que nem. Olha, namorava assim, a minha primeira namorada foi um horror, mas depois, aí abriu a porteira, eu namorava, passava, eu: “Opa!”. Mas era com uma facilidade que os americanos: “Mas como é que você consegue isso?”; “Não sei”. Eu sei como é que eu conseguia, você sabe por quê? Porque eu dançava com as meninas. Nas festas, os americanos iam lá se embebedar e a grande glória deles era vomitar depois de se embebedar. E eu não vejo graça nenhuma nisso, eu ficava meio agarrado com as meninas. Eles abandonavam! Era a coisa mais simples do mundo. Eles iam pra festa pra vomitar e eu ficava com as meninas, pronto! Qual era o problema? Era fácil.
P/1 – E vocês dançavam nessa época o quê? Rock?
R – Ah, rock. Se a gente dançava rock?
P/1 – É, o que vocês dançavam?
R – Era um rock meio balada, que hoje em dia é considerado meio balada, ainda não tinha um Pink Floyd. Pink Floyd eu vim conhecer aqui, era uma coisa, assim, como é que eu vou dizer, é, The Mamas & The Papas, essas coisas assim. Se eu for lembrar eu até consigo algum, é, o Bob Dylan, sim, já tinha, mas o Bob Dylan não era um cara muito popular numa cidade do interior americano, porque ele já era um contestador. Os Beatles já tinha, pô! Claro, eu tive toda uma juventude dos Beatles, muito de Jovem Guarda, muito do Roberto Carlos.
P/1 – Então você ficava dançando baladinha com as “gringas”?
R – Baladinha, baladinha. Claro, e os caras vomitando! Era mole, ó! Ganhar, assim, era brincadeira.
P/1 – Luiz, você ficou o quê? Um ano?
R – Eu fiquei um ano lá. Aí eu já voltei pra fazer o vestibular. Aí foi uma coisa engraçada também pelo seguinte, porque quando eu era garoto, ninguém perguntava pra um garoto de classe média o que ele ia ser quando crescer, perguntavam se eu ia ser médico, engenheiro ou advogado. Eu sou o mais velho, eu já tinha um irmão que estava decidido a ser médico, eu tinha outro irmão que estava decidido a ser engenheiro e eu entrei para o vestibular na turma de Direito, aí fui fazendo, sem a menor vontade. Voltei dos Estados Unidos: “O que eu vou fazer na vida?”. Bom, eu gosto de escrever poesia, eu ficava com os meus amigos, assim, nos bares, o pé sujo de Botafogo, falando, escrevendo poemas ali na mesa do bar até três horas da manhã, ou então passeando com eles na praia e, de repente, um subia num banco de pedra e declamava e todo mundo olhava estranho a gente. A gente adorava que eles olhassem a gente, bicho estranho falando poemas e tal. Cada um tinha a sua musa, seu amor impossível. A gente repetia, reproduzia, é claro, um clima que a gente achava o barato da época, que era o clima romântico. E já estava mais do que fora de moda, dessa maneira, a gente era Dom Quixote, de uma certa forma nós éramos românticos fora de época. Os nossos poemas eram românticos, eram apoteóticos, eram imagens, assim, do fogo saindo da terra e a gente, lá, abrandando. Eram coisas, assim, apoteóticas, quando isso já estava absolutamente fora de moda, mas era o que a gente estava lendo, até por força do vestibular.
P/1 – E o que vocês estavam lendo?
R – Ah, estava lendo Castro Alves, imagina? Isso é uma imagem muito de Castro Alves, aquelas coisas, assim, retumbante, aquele negócio. Fernando Pessoa! Eu era mais atraído por Fernando Pessoa que, também, era um poeta de vestibular e eu ficava com aquelas coisas existencialistas. Enfim, no dia da inscrição pra prova eu entrei na fila de Direito, aí a fila estava chegando na minha vez. Estava chegando a minha vez, quando você chega dois, três, na minha vez: “Não dá!”. Aí, eu mudei de fila, eu fui pra fila de Comunicação, porque eu estava ali, abrindo rapidamente o folheto, o guia e disse assim: “O que eu faço?”. Aí, Comunicação, habilita você pra 35 profissões, eu disse: “Se habilita pra 35, não habilita pra nenhuma. Eu não quero fazer nada”. Pulei. Aí, fui fazer a faculdade, porque eu era obrigado, tinha que ir pra faculdade, eu não tinha barba, eu não tinha peito pra dizer, pra encarar: “Eu não vou fazer faculdade”. Hoje em dia, os garotos até fazem isso. Eu não tinha peito pra fazer isso: “Não vou fazer faculdade, não! Eu vou ficar por aí, decidindo o que eu vou fazer na vida”. Mas fiz Comunicação, aí quando eu cheguei em casa, a minha mãe: “E aí, meu filho, se inscreveu pra Direito?”, que ela queria que eu fosse diplomata, depois: “Não”; “Como não?”; “Perto”. Aí, fui explicando. “Mas o que é isso?”; “Comunicação!”. Na época, era bacharel em Comunicação Social, não tinha formação específica. “É aquela coisa do Chacrinha”, que ele estava na moda com o programa de televisão ainda, “quem não comunica se estrumbica”. Eu não sabia o que dizer, eu não tinha o que dizer. Eu sei que eu fui fazer Comunicação. E na faculdade...
P/1 – Qual faculdade?
R – PUC [Pontifícia Universidade Católica] do Rio de Janeiro. Aí eu entrei em contato com a política estudantil. Eu tinha...
P/1 – Isso era em que ano, Luiz?
R – 1973, que eu entrei na faculdade. Já tinha a onda braba, a brabeira mesmo já tinha passado. Aliás, a última onda de brabeira tinha sido em 1972, no final de 1972. Minha mulher, por exemplo, já foi presa, ficou, é, mas, enfim, os últimos colegas presos, torturados foram em 1972, naquela onda, porque ainda haveria outra em 1977. Além do fato da escola lá ser muito exigente. Então, esses tempos aqui de folga que eu tinha, lá nos Estados Unidos eu não tinha, aliás, é mais ou menos assim até hoje, pelo que eu sei, eu achava a escola americana extremamente repressora, eu dizia: “Olha, eu vivo numa ditadura”. Eu comecei a ganhar a noção de que eu vivia numa ditadura, em contato direto com a democracia americana, com as pessoas usufruindo de direitos democráticos no seu cotidiano e incorporando isso na sua vida, disse: “Nossa, isso aqui não é diferente”. Agora, a nível pessoal, quer dizer, eu, como pessoa, eu, ser humano, Luiz Antonio indivíduo, eu tenho mais liberdade que qualquer garota aqui que, por exemplo, na escola. A escola era um prédio imenso. Nos Estados Unidos, a cada momento era determinado o lugar onde você tinha de estar, mesmo sendo hora de folga. Hora de folga é pra passar na lanchonete ou na área de não sei quê. Então, esse negócio de ter um garoto circulando, não existe, é diferente, diziam assim: “É, aqui você não pode entrar. Você tem que estar aqui”. Eles estão o tempo inteiro, quer dizer, eu vivia sob controle o tempo inteiro, porque todos eles viviam sob controle. E isso me revoltava muito, eu era um cara habituado ao Rio de Janeiro, até pegar um ônibus, a ir eu não sei onde, atravessar a cidade, a passar a noite na praia, entendeu? Aí, de repente, estou ali, com um papai e mamãe dizendo pra eu voltar pra casa às oito horas da noite. Eu ficava assim: “Puta que o pariu, mas não é a toa que adolescente aqui é tão doidão às vezes, porque não dá!”.
P/1 – Luiz, quando a gente trocou de fita você estava contando os movimentos estudantis na PUC.
R – Pois é, então, o movimento estudantil tinha acabado de levar uma porrada muito grande, que era a porrada de 1972, vários líderes tinham sido presos, estavam sendo torturados, até então e tal. Então, os diretórios estavam praticamente abandonados, os diretórios estudantis, mas não quer dizer totalmente abandonado, o movimento na PUC nunca deixou de existir, então, havia sempre um foco, assim, de atração. Eu comecei a ir para o diretório pra fazer um jornal, um jornal onde eu publicava poemas, coisas, assim e tal e, vez por outra, fazia algum artigo político. Lá pelas tantas eu comecei a ficar mais revoltado. Nem que a gente não soubesse, todo mundo sabia o que estava acontecendo, que tinha gente sendo morta, torturada, barbaramente torturada, que nego catava o cara no meio da rua e sumia com ele, todo mundo sabia disso. Censura, então! Censura pra mim era uma coisa terrível. Comprava o Estado de S.Paulo e vinha aquele bando de receitas, de poemas de Camões, não sei o quê. E teve aquele lance do Chile. Eu acho que foi a coisa, assim, que me levou de vez. A gente tinha uma esperança muito grande em relação ao Chile, 1973, eu me lembro muito do dia em que foi dado o golpe e o Allende foi assassinado, provavelmente ninguém sabe direito o que aconteceu: “Ah, o Allende foi assassinado. Nego varreu ele de bala”. Eu me lembro, que a gente estava no diretório acompanhando pelo rádio os lances: “Vai, o general não sei quanto está se levantando contra o golpe”. Aí a gente: “Ah!”. Aí no final da noite estava: “Olha, venceram, acabou, o Allende está morto, ninguém viu o cadáver, mas Allende está morto, não sei que e não sei que lá”. Aí foi aquele grupo de garotos, tudo de dezoito, vinte anos cabisbaixo. Quer dizer, a grande esperança de ter um lugar na América Latina aonde se pudesse ser feliz tinha acabado. Roubaram, tinha sumido, desaparecido. O golpe mais truculento ainda do que o que houve aqui no Brasil. A gente tinha noção disso, que era um golpe sanguinário, era um bando de fascista que era, ao mesmo tempo, psicótico tomando o poder. Como aqui, psicótico estava tomando o poder dos subterrâneos, torturando as pessoas. Então, que esses caras tinham tomado o poder diretamente lá. Psicóticos, assassinos, pessoas sem escrúpulo nenhum em relação à vida humana. E eu me lembro que a gente foi tudo pra um bar, os garotos lá do diretório. A gente tudo lá, num bar, com medo um de conversar com o outro, porque o garçom podia ouvir o que a gente estava falando. Isso é a ditadura, é para as pessoas que: “Ah! O tempo da ditadura”. Ditadura é isto, entendeu? Ditadura é essa coisa, assim, de você estar se sentindo vigiado e com medo da tua própria casa. Ditadura é esse negócio de a gente não falar, aí chegava o garçom e a gente começava a falar de futebol. E naquela solidão, naquela tristeza que a gente nem podia chorar, nem podia extravasar, de repente, bateu oito horas da noite, é os plim plins do Jornal Nacional da Globo pintando, soando em todas as janelas. A gente estava num bar de rua e a gente com a certeza que nenhum daqueles plim plins ia saber o que tinha acontecido no Chile, porque o Jornal Nacional não ia noticiar, como de fato não noticiou, quer dizer, o sentimento de isolamento da esquerda, de... Aí, eu me senti de esquerda, eu acho que nesse momento eu comecei a me sentir um cara de esquerda. É, e sofri todo esse isolamento, quer dizer, na década de 1980, quando chegou o Gabeira dizendo: “Vocês são muito fechados”; “Puta que o pariu, tudo bem, você teve a sua luta, mas, pô! Vai viver numa”; “Você chega, se abra ou não sei o quê”; “Pô, não é bem assim a coisa. Nós somos fechados, sim, tem algumas razões pra isso”. Enfim, aí eu comecei a entrar em política, fazer primeiro política de universidade, depois eu fui contatado por uma organização de esquerda. Era uma organização que tinha uma tradição muito bonita, apesar de ser, em termos de luta efetiva, zero. Polop, Política Operária, era uma organização, que foi a primeira organização brasileira a colocar a questão do socialismo, que o partidão, o Partido Comunista Brasileiro, até então colocava que a gente tinha que fazer uma revolução democrática e a aliança com a burguesia nacional, com os setores progressistas. Falei: “Não, a revolução é socialista, é de esquerda, é a tomada do poder do proletariado, não sei o que, não sei o que lá”. E sem entrar pela luta armada, então ele tinha esse diferencial, nem o lado da luta armada, que eu não queria. Até teve um momento que eu entrei em contato com o PCdoB [Partido Comunista do Brasil], quase que eu fui para o Araguaia, ainda bem que eu não fui, porque, se não, bau. Quase. Tive na boca de ir para o Araguaia quando a coisa lá já estava praticamente perdida. Um cara: “Não, você ainda pode ir”. Aí, na última hora, ele diz: “Não vou”. E a coisa já estava perdida. Não foi, graças a Deus. Se não, eu ia me ferrar, a coisa já estava perdida lá, eles já estavam catando os últimos dos últimos, entendeu? E ainda havia recrutamento aqui, eu acho que mesmo o pessoal daqui não sabia direito como a coisa estava ferrada lá em cima, então eles ainda estavam recrutando aqui, quando, na verdade, não havia pra que recrutar mais, mas se me mandassem eu ia aterrissar lá e tal, mas não fui. Não fui, estou aqui. Não estou enterrado lá debaixo de uma samambaia. Mas aí, eu fui pra PO [Política Operária] e aí começaram rachas pra PO, não sei o que, não sei o que lá e teve esse lance da vida clandestina junto com a vida. Aí, eu tive essa experiência, e ter essa noção de esquerda, estudar marxismo foi uma coisa importante pra mim, hoje eu sei que eu sou ainda atraído pelo marxismo, pelo lado, assim, humanista do marxismo, que é o lado de ressaltar o que o ser humano produz na sua vida, inclusive, cultural, política etc. Hoje se fala muito em coisas, assim, inumanas, tipo o mercado, a concorrência. Enquanto o marxista coloca o tempo todo a questão do ser humano, da práxis, tem um lado do marxismo humanista que é extremamente interessante, coloca o homem no centro do mundo e, isso, é uma recuperação de filosofias das mais férteis, de correntes filosóficas das mais férteis, e o lado, também, não tanto da revolução violenta, que apesar de eu falar nisso, hoje eu sei o quanto isso me chocava, mas o lado de ser anti-ditadura. A ditadura me indignava. A questão da tomada do poder nunca me seduziu muito, eu não queria o poder, eu sei que eu nunca ficaria bem no poder, mas a indignação sim, isso era muito forte, ter uma ditadura, uma autoridade daquela que mandava até na escola.
P/1 – Desses seus contemporâneos de movimento estudantil, algum seguiu carreira política?
R – Ah, muitos. Muitos deles. Eu tive até, porque a gente tinha colegas no MR8 [Movimento Revolucionário 8 de Outubro] e não sei o quê. Grande parte desse pessoal da segunda leva do PT [Partido dos Trabalhadores], depois da leva de 1968, esse pessoal que está em Brasília e tal, foi o pessoal que estava na PUC fazendo, ou em outras universidades, fazendo o movimento. Muitos, muitos seguiram, muitos estão no partido ou em outros partidos até hoje. Eu não, eu estou afastado de qualquer vida partidária.
P/1 – Luiz, nesse período, então, ainda não tinha nenhum chamado da literatura?
R – Não, pelo contrário, foi um período até meio obscuro na minha vida, porque eu parei de escrever, porque eu me convenci de que os poemas que eu fazia eram todos produções, é, de coisas de pequeno burguês e eu parei de escrever. É, como o Taiguara, eu lembro que o Taiguara também, assim que ele foi cooptado pelo MR8, ele renegou toda a obra dele como romântica e tal. Aconteceu isso com o Taiguara. Eu reneguei esse negócio todo e, na verdade, eu já tinha uma coisa com a minha poesia, que eu rasgava ela, não queria mesmo, antes da coisa de esquerda e tal. Eu só queria saber de revolução, eu só queria saber do trabalho político e até... Bom, teve uma época que eu tive que fugir mesmo, porque... Foi em 1977, a ditadura, logo depois de... Bom, teve o caso Herzog, o caso de Manoel Filho, a luta pela anistia. Aí, logo depois, os caras foram em cima de uma organização que estava muito próxima da gente, as organizações conversavam uma com a outra, era o MEP, o Movimento pela Emancipação do Proletariado. Prenderam amigos, não sei o que, pápápá e eu tive que fugir, eu fiquei seis meses fora de casa, com a escova de dente no bolso o tempo inteiro, porque eu nunca sabia aonde eu ia dormir.
P/1 – Clandestino.
R – Clandestino, na verdade, semi-clandestino, porque a gente entrava na PUC pelo mato. Entrava por cima, pelo mato, porque a gente não queria deixar de aparecer pra nego não se esquecer da gente e pensar que a gente tinha morrido, então, a gente queria mostrar a cara, a decisão foi essa, da gente ter que mostrar a cara pra se realmente formos presos poder denunciar. Nego: “Não, mas isso já não aconteceu a seis meses atrás?”; “Não, agora”. Então, a gente queria mostrar a cara, aí tinha que entrar na PUC pelo mato e sair pelo mato; agora, o resto do tempo eu passava, eu passei em aparelho, eu passei andando na rua, porque eu não tinha aparelho naquele dia vago pra mim, pra dormir. As coisas não foram das mais fáceis, mas, pelo menos, eu não fui preso. Eu acho, inclusive, que a minha organização era tão pequena que eles, de fato, não queriam prender a gente, eles queriam ver a quem a gente era vinculado. Eu sei que uma vez eu vi que estava sendo seguido, eu não sei que loucura que deu em mim, que eu fiquei tão puto da vida com o cara, que eu virei e disse: “Qualé, porra! Vem me pegar!”. Aí, ele parou, ficou assim. Porra! Porque eu não aguentava mais aquilo, era muita pressão, entendeu? Aí o cara foi lá, eles não queriam prender a gente, eles queriam ver a quem a gente era vinculado, porque eles tinham, mais ou menos, noção de que a gente era pequeno demais. A gente era tão pequeno que eu era, com 22 anos, da direção nacional da organização, o que é um absurdo, e dando instruções para o movimento operário, mais absurdo ainda, entendeu? E o nosso movimento operário era um operário. Agora, isso tudo, se você pensar, hoje, a gente ri e, tem mais que rir, mas quem lê Quarup e quem viveu a época... A gente tinha esperanças de crescer e tinha um operário, que era um movimento operário, e eu discutindo com ele o papel do movimento operário que ele poderia executar. Ele, um. Pior do que isso, só Paulo de Tarso, que Jesus diz: “Vá para o Oriente e lá crie as bases da religião católica”. Melhor, que o precursor de tudo foi Deus. Ah, mas eu tive sorte, porque essa zorra toda acabou incólume e eu ainda tive uma coisa dentro da minha formação, que foi quase tão importante pra mim quanto a iniciação na literatura, que foi uma outra consciência, uma outra visão a respeito do mundo, do ser humano, do trabalho, da vida. Aí, em 1979, eu, mais uma vez apaixonado, me casei, foi o meu primeiro casamento, quer dizer, eu saí da PUC, fui trabalhar. Não! Primeiro, o seguinte...
P/1 – Você se forma?
R – Eu me formei em Comunicação, aí eu já comecei a trabalhar escrevendo roteiros de histórias em quadrinhos, eu estava começando a escrever de novo, aí fui fazer roteiros de histórias em quadrinhos, porque o Sítio do Pica-Pau Amarelo começou a acontecer, a adaptação dele em quadrinhos, aí juntou tudo que eu gostava de fazer, eu gostava de quadrinhos e gostava do Sítio, aí comecei a fazer roteiros para o Sítio...
P/1 – Como você conseguiu isso?
R – Cheguei lá com o meu roteiro: “Está aqui. Gostou do roteiro?”; “Pô, legal, você conhece bem Monteiro Lobato”; “É, eu conheço... Conheço bem Monteiro Lobato”; “Conhece bem quadrinhos?”; “Também, conheço bem quadrinhos”. Então, comecei a fazer roteiros para quadrinhos, não era pra TV, era pra quadrinhos do Sítio, lá na Rio Gráfica Editora, que era ali na Rua Itapiru no Rio de Janeiro, um lugar que hoje é perigosíssimo, na época era meio perigoso, mas hoje é perigosíssimo. Então, eu fui fazendo os roteiros e, com esses roteiros, eu paguei a minha segunda faculdade que, na verdade, eu não cursei, foram dois anos de Sociologia que eu nunca fui assistir aula, só ficava no diretório. Nego me passou, inclusive, em Estatística I, II, III e IV e eu não sei fazer conta até hoje, não sei como, mas me passavam. Como na Sociologia, nego passava você por mérito político: “Ah, é militante, esse passa!”. Aí eu passei em todas, eu nunca fui reprovado em Sociologia, mas em 1979, aí eu pedi um emprego na Rio Gráfica e eles me deram emprego de assistente de editor, que eu já tinha mais ou menos na cabeça que eu estava: “Não, eu estou a seis anos numa faculdade. O que eu vou fazer? Vou ficar o resto da minha vida aqui? Não dá”. Entendeu? Eu estava me sentindo meio que me escondendo do mundo: “Não dá pra ficar aqui o resto da vida”. Eu sei que eu ia entrar numa crise desgraçada, como eu entrei mesmo, porque lá eu fazia política, era respeitado por isso, era o pá, não sei o quê. Eu ia entrar num mundo onde ia aprender, ia entrar de foca, de aprendiz de alguma coisa e, de fato, peguei um chefe neurastênico, tudo de mal. Mas entrei em crise, meu casamento durou quatro meses e meio, não é? E foi casamento mesmo. Casamento e tal, e durou quatro meses e meio. A gente namorava muito bem, na hora que casou: “Puta, mas por quê que eu fui fazer isso?”. Uma coisa, namorar bem não quer dizer que vá casar bem. Eu aprendi isso na época. Mas eu estava, eu entrei numa coisa que já comecei a ganhar a minha vida com criação de coisas, porque eu era editor de quadrinhos, sub-editor de quadrinhos, e fazendo roteiros. Eu fiz roteiro pra quase tudo, Luluzinha, Bolinha, Moranguinho. Fui trabalhar na Disney, trabalhei doze anos na Disney fazendo roteiro, ganhei prêmios lá. Esses X-men todos que tem aí hoje, quase todos eles fui eu que dei o nome pra eles em português, porque vinha...
P/1 – Doze anos?
R – Eu trabalhei doze anos na Disney, fazendo roteiro para a Disney, sim. E ganhei prêmios lá. Olha, eu trabalhei na Rio Gráfica de 1973... Não! De 1979 a 1982, aí em 1982 teve aquilo que a gente chamava de “passaralho”, hoje não se usa mais essa gíria, mas é quando na redação passa o “passaralho”, ou seja, todo mundo é demitido, é a demissão em massa da redação. Então, teve o “passaralho” e eu, mas eu não estava nem aí pra isso, eu estava feliz da vida que eu fui demitido, porque eu já tinha vários bicos em vários lugares. Eu trabalhava pra histórias em quadrinhos na Disney, eu trabalhava pra não sei onde, então eu comecei a trabalhar por minha conta, coisa que daí em diante, de 1982 pra cá, foi só o que eu fiz.
P/1 – Luiz, só uma curiosidade, então você participava do Zé Carioca?
R – Fiz muito. Fiz muito Zé Carioca. Eu fiz roteiro para o Zé Carioca, para o Tio Patinhas, fiz Monteiro. Pra todo a Disney eu fiz e para o Zé Carioca, como eu morava no Rio, nego cismava que no Rio: “Então você vai fazer o Zé Carioca”. Aí, eu fazia o Zé Carioca...
P/1 – O Canini desenhava o Zé Carioca, não era?
R – O Canini. Meu editor era o Primaggio Mantovi, um cara muito legal pra mim, ele me ajudou muito, assim, me deu várias dicas e tal, era um cara muito interessante.
P/1 – Que bacana! Porque eu lia muito Disney e era engraçado, porque o Zé Carioca era...
R – Era bem carioca.
P/1 – Era bem brasileiro.
R – Ah, mas é que pouca gente sabe que a maior parte naquele tempo, hoje eu não sei como é que está, mas naquele tempo 70% das histórias que você lia na Disney eram brasileiras e a produção brasileira era a segunda maior no mundo, a primeira era a italiana, os Estados Unidos vinham em terceiro lugar, então a produção brasileira era exportada para o mundo inteiro e o que segurava a revista no alto era a produção brasileira, tanto que quando eles mudavam esse mixing de 70% brasileira e 30% estrangeiras, a revista, o número seguinte caía a vendagem, então eles ficavam mantendo, apesar da produção brasileira ser muito mais cara do que comprar o quadrinho fora, que já estava desenhado, só bastava traduzir os balõezinhos.
P/1 – Você se lembra de algumas histórias que você criou em quadrinhos?
R – Olha, eu me lembro de muitas. Eu tive, além de ter revistas minhas, eu fiz uma revista que eram dois clubes de futebol, Raça Futebol Clube e os Invensíveis ou Inderrotáveis, era uma coisa, assim. Eu fiz vários especiais para o Sítio do Pica-Pau Amarelo, é, eu fiz histórias da Disney, algumas seguindo um pouco o estilo de um cara que eu adorava, que fazia roteiros para o Tio Patinhas, que é o Carl Barks. Hoje em dia ele virou cult, se faz até edições especiais das histórias de Carl, que eram as grandes aventuras do Tio Patinhas. Olha, uma quantidade incrível. Muita história de terror na Wak, onde eu conheci desenhistas, alguns eu estou trabalhando ainda hoje, volto a trabalhar com eles.
P/1 – A Wak fazia histórias de terror!
R – Eu fazia muito com o Otacílio. O Otacílio era o editor e eu fiz muita história de terror na Wak. Eu fiz tudo, eu fiz erótico, eu fiz, é, história de... Eu fiz tudo, tudo. Histórias infantis. Quer dizer, os quadrinhos foram também uma grande escola pra mim, de aprender técnica, porque era o tempo, ali não tinha conversinha, você tinha que se comunicar o tempo todo com o seu leitor. Então, foi uma grande escola. Ah, eu escrevi já pocket book. Eu tinha um apelido, o codinome era Book Gordon, era em artes de história em quadrinhos dos Espaciais, mas é que tinha que ter um nome americano. Escrevi histórias de cowboy americano com o nome de Book Gordon. Eu escrevi um pouco de tudo.
P/1 – E o Tristão, quando que ele aparece? É o seu primeiro livro, não é?
R – O primeiro livro infantil foi o Tristão, foi em 1984 que ele foi publicado, mas eu passei muito tempo com ele aí andando de editora a editora, uns três, quatro anos.
P/1 – Ah, conta isso, é importante a gente saber entre a criação e a edição.
R – É, a criação, primeiro é a criação. A criação é o que eu tinha. Eu não sabia, eu fazia história em quadrinhos, fazia coisas, mas eu queria também fazer coisas minhas. Ter uma criação toda minha e aí, eu, mas por acaso, eu tinha um afilhado, que era o Andre, filho de um grande amigo meu até hoje, um amigo queridíssimo, o meu irmão. Aliás, o cara que me ganhou pra organização de esquerda, inclusive, me deu o meu codinome, era Vitor o meu codinome. Ele que me batizou na organização, o meu nome de guerra, o meu nome de clandestino, é, e eu fui padrinho do filho dele, o Andre, que hoje é um galalau, gerente, como é? Executivo financeiro na Suíça, de um banco lá, mas era um garoto muito danado e quando ele fazia uma peraltagem qualquer lá, ele ficava com uma cara bem tristinha pra eu não brigar com ele, é safado desde aquele tempo. Dava pra executivo financeiro. Então, simulações e tal. Aí, eu fiz o Tristão, que é a ventura de um garoto que tinha tanta imaginação que a imaginação não cabe no apartamento dele, aí ele dava uma voltinha no quarteirão e encontrava personagens que ele via, assim, por exemplo, ele via um cachorro, aí ia achar que esse cachorro está vira-lata demais: “Isso aí é disfarce. Isso aí é um super herói. Esse vira-lata é apenas a identidade secreta dele”. Ele fazia essa viagem toda. Mas eu fiz isso como um presente para o meu amigo e para o filho dele, aí quando eu vi aquilo: “Puxa, isso aqui é uma história infantil. Porra, tenho um livro. Olha aqui, quem sabe?”. Aí fui procurando, mas bati em muita porta de editoras. As editoras gostavam da história geralmente, mas elas estavam mais preocupadas com uma literatura, já naquele tempo, uma literatura mais edificante da criança, essa coisa que eu me bato até hoje, que literatura não é pra edificar ninguém, literatura é pra dar uma experiência de vida, dar uma vivência. Literatura não tem que ensinar política, ensinar religião, não tem que ter carga moral e cívica, temas transversais. Tudo isso é xaropada, tudo isso é intervenção da pedagogia na literatura, que não dá, atrapalha a literatura. E, já naquele tempo, tinha um pouco disso, eu acho. Eu sei que eu demorei cinco anos. Não! Talvez dois ou três anos. Aliás, as minhas histórias sempre foram meio dramáticas, o Confidências, também, eu demorei cinco anos pra encontrar uma editora.
P/1 – Ah, isso nos anima, então.
R – Não, mas aí eu demorei uns dois, três anos e, finalmente, encontrei a Record, que não era uma editora especializada em livros infantis, mas que tinha uma pessoa lá que eu não me lembro agora o nome, lá na editora, que se interessou pelo livro. Eles publicaram o livro, vendeu... Vendeu duas edições e tal e eu, daí em diante, eu comecei a escrever pra criança. Logo depois, eu escrevi pra adolescente. Aí veio a história... Eu acho que a próxima história significativa é a história justamente do Confidências De Um Pai Pedindo Arrego, eu aí já estava no meu quarto casamento e escrevi essa história, muito estimulado pelo meu medo de ter um filho. Aquela coisa, assim, aquela decisão. Já era um casamento um pouco mais longo, que eu tive um casamento de quatro meses e meio, um outro casamento de dois meses e outro casamento de um mês, esse já tinha um ano. Eu disse: “Talvez até vamos ter um filho”. Mas eu tinha medo, eu tinha um medo muito grande de ser pai e eu retrato isso no livro: “Pô, eu nem sei se eu sou adulto, como é que eu vou ter filho?”. O que é ser adulto? O que é aquela imagem que a gente tem? Aí eu comecei a desafiar aquela imagem do adulto, então o livro é todo um papo desse. Mas acontece que no livro a mulher engravida, eles são jovens, mas a mulher engravida e o cara fica pirado: “E agora?”; “Agora é decidir: vou ser pai. O que eu vou fazer?”. Ele começa um papo com a filha, que eles têm certeza que vai ser filha, dentro da barriga da mãe e aí começa a conversar. E o livro é mais ou menos isso. É um livro muito romântico, também muito lírico. Eu chegava nas editoras e propunha isso como literatura juvenil. Você vê o livro, 1993 publicado, 1994 ganhou prêmio, 1988, digamos assim, 1988, 1989. E o livro aí a gente pensou: “Mas como literatura juvenil? Isso não existe. A gente publica literatura pra crianças, infantil. Juvenil? Isso não existe”. Eu disse: “Mas essas crianças não crescem? E quando elas leem quando crianças elas não vão querer alguma coisa também como adolescentes, quando algum aceitava o conceito de ler?”; “É, realmente, é capaz de ter uma literatura juvenil”. Apesar que já tem Pedro Bandeira escrevendo, entendeu? Não é que foi, é que a maioria das editoras não tinha isso, tinha uma editora como a Ática, por exemplo, que já tinha essa cabeça, mas a maioria não tinha e, por azar, as que eu fui procurar não tinham, quando aceitavam o conceito de literatura: “Mas esse livro não é juvenil”; “Por quê?”; “Porque o personagem central é um pai”; “Sim, mas você está vendo que é um pai que está questionando essa coisa do que é ser adulto. Talvez não seja uma questão em que... Também o adolescente...”. Olha, eu sei que eu fiquei cinco anos procurando editora sem conseguir. Aí, um dia, eu conhecia a Laura Sandroni e mandei o livro pra ela, já assim, desanimado, falei: “Olha, Laura, vê aí. E diz se não é um livro pra adolescente. Vê o que você acha, se não for eu guardo ele pra mim. Eu fiquei satisfeito de ter escrito, acho que é um livro gostoso”. Sei lá, eu acreditava muito, achava que era um livro, eu sentia muito bem o livro. Ela falou: “Não, é sim, procure a editora FTD, procure lá a editora que se chama Ione”.
P/1 – A Ione da Mercúrio?
R – É, a Ione da Mercúrio, Ione Meloni Nassar. A Ione adorou o livro, publicou, aí eu ganhei o Jabuti, ganhei o prêmio FNLIJ [Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil], ganhei o prêmio UBES [União Brasileira de Escritores]. Eu nunca fui malvado o suficiente, não que eu não tenha tido a vontade, de chegar para as editoras: “Está vendo!”.
P/1 – Mas você esperava ganhar um Jabuti? Como é que foi esse negócio?
R – Não, eu não esperava coisa nenhuma, eu não sabia, porque eu não tinha a menor... É... Gostaria de ganhar algum dia, mas não tinha a menor coisa. Aí, um dia ligaram pra mim: “Oh, você está indicado para o Jabuti, não sei se você vai ganhar, mas está indicado, está entre as cinco indicações”. Aí eu disse: “Nossa, legal”. Aí, outro dia: “Olha, você está entre os três que vão ganhar o Jabuti”. Aí eu ganhei o Jabuti. E ganhei os outros também e tal, não sei o quê.
P/1 – E esses prêmios...
R – Esse foi o meu primeiro prêmio, foi o Jabuti.
P/1 – Eles influenciaram, assim, de abrir portas de outras editoras ou não?
R – Eu acho que sim, o Jabuti principalmente. Depois que eu ganhei o Jabuti nego começou a prestar mais atenção no que eu estava escrevendo e eu próprio comecei a prestar mais atenção no que eu estava escrevendo, sabendo que aquilo era uma coisa diferenciada, entendeu? Quer dizer, que eu estava propondo coisas que não estavam, até por uma certa distância, eu não tinha nenhuma ligação ainda com a comunidade da literatura infantil e juvenil, eu escrevia coisas que eu achava que eu gostaria de escrever, que eu gostaria de ler.
P/1 – Ah, mas você não convivia com a turma?
R – Não, não tinha esse negócio de turma, de fundação, eu não tinha essas ligações. E aí eu comecei a ver que eu realmente estava escrevendo, umas coisas diferenciadas, umas coisas diferentes. E fui embora, fui escrevendo os meus troços todos. Aí, já nessa altura eu escrevia, principalmente, pra adolescente, me identifiquei muito com isso. Hoje em dia eu até tenho retornado à literatura pra crianças, muito influenciado pelo meu neto. Como eu disse pra você, eu não fui pai e, por ironia do destino, fui avô. Estou avô, sou avô do Vicente, da Olivia, que são os filhos da Joana, que é a filha da Marisa que eu trato como filha. E os meninos, o Vicente: “Vovô”. Aí, vem pra mim, aí eu me desmancho.
P/1 – Que idade eles têm?
R – Ele tem dois anos e dez meses, ela tem dez meses. Então, é uma experiência. Pô, 53 anos e estou apaixonado por um homem. É um homem dessa altura, assim, mas eu estou apaixonado e eu adoro quando ele me abraça, é uma coisa, é um tipo de amor que eu não esperava descobrir nessa idade, aliás, não tinha a menor noção que existia. Aí, de repente, eu sempre fui um workaholic em casa, trabalhava, trabalhava, trabalhava, trabalhava, trabalhava. Final de semana, pápápá. Feriado, eu não queria nem saber, trabalho, trabalho, trabalho, trabalho. Pra sobreviver. Quer dizer, além do meu trabalho de escrever livros, eu fazia e faço ainda muito serviço pra editoras, é, esse negócio de ganhar a vida escrevendo não é fácil, trabalhava, trabalhava, trabalhava, trabalhava. Aí, quando o Vicente nasceu, assim, um ano, mais ou menos, começou a ir lá pra casa e ficar lá em casa. A mãe dele precisava e deixava, aí a Marisa, minha mulher, brincando com o Vicente no chão e o Vicente de vez em quando levantava a cabecinha pra mim e ficava rindo assim, eu: “Hehe, oi”. Aí, eu trabalhava: “Oi”. Trabalhava: “Oi”. Aí, um belo dia, eu estava no chão com ele e, hoje em dia, eu não penso, nem penso em fazer outra coisa quando eu estou com o Vicente a não ser brincar com ele. Então, esse lance, assim, da brincadeira que eu também redescobri com 52, 53 anos, é o que eu estou querendo escrever, essas histórias pra criança, hoje, pensando em fazer brincadeiras. Personagens que sejam brinquedos, histórias que sejam brincadeiras. Eu estou tomando um gosto por esse negócio, que eu estou escrevendo de novo histórias pra criança.
P/1 – Luiz, eu queria voltar um pouquinho, que a gente não vai poder falar dos seus noventa livros, mas se a gente pudesse fazer uma cronologia, assim, de marcos pessoais da sua obra... Então, a gente falou do Tristão, falou do livro do pai, que, então, é um marco, de você tentar criar um nicho da literatura juvenil, gera o prêmio, e o que mais?
R – Olha, eu... É meio complicado fazer isso, tem, inclusive, uma amiga minha, Rosa Amanda Strauss, também, escritora, que diz: “Luiz Antonio, sabe o que é complicado no teu trabalho? É porque você não tem um gênero, entendeu? Você não tem um, você trabalha em várias coisas”. Eu faço, realmente, romântico, o pai, e eu gosto, eu sempre quis isso, eu sempre quis. Eu, em primeiro lugar, eu fui ser um leitor, então, eu queria escrever tão bem as histórias como as histórias que eu mais gostava de ler. Então, escrever um tremendo livro de aventura, um tremendo livro de suspense, um tremendo livro. Então, esse negócio dos marcos são difíceis, mas eu ressaltaria Contos de Copacabana, que estilisticamente, apesar de não ter sido um livro bem sucedido em termos comerciais, é, e nem ter sido lido, devidamente, assim, mas ele é um livro muito rico em termos de linguagem, quer dizer, como proposta eu acho que foi importantíssimo eu fazer, uma proposta de uma narrativa toda truncada, mas truncada no sentido de que a coloquialidade invade com muita força a obra e, também, a perturbação dos pensamentos daqueles adolescentes, que todo ele se passa em torno de dois adolescentes em Copacabana que vão descobrindo pessoas exóticas, eu acho que Contos de Copacabana é extremamente importante. Eu acho que Machado e Juca, esse sim, um livro extremamente bem sucedido, há dez anos que vende muito bem, que eu, também, tive muitos problemas pra publicar.
P/1 – É mesmo? Conta a historinha do Machado e Juca?
R – Machado e Juca eu tive problemas pra publicar, porque me achavam: “Mas um livro de duzentas páginas! Você vai por isso pra adolescente? Adolescente não vai ler”. Aí, eu muito, assim, dizia: “Mas se o livro é bom, aí é que tem que ser grande, nego vai ler muito uma coisa boa. Porque você pode dizer que o livro não é bom”; “Não, o livro é bom”; “Ah, então, pô! Bota duzentas páginas”. E, finalmente, foi publicado, com muito receio, mas vende bem até hoje. E esse ano, então! A Nacional está vendendo estupidamente, está vendendo bem pra burro. Então, Machado e Juca foi extremamente importante também pela brincadeira com o Machado de Assis há dez anos, que já definiu muito do que eu queria fazer na vida. Popularizar, aliás, desde a minha tese de mestrado, na minha tese: “Ora, direis ouvir leitores”. É sobre leitura na cultura de massas, ou seja, é prestar atenção numa coisa que a universidade pouco prestava e eu tive dificuldades. Eu tive dificuldade também pra fazer essa tese, porque, por exemplo, me foi negada a bolsa de complementação. O instituto lá, que devia dar a bolsa, negou, dizendo que não era uma tese de literatura, era uma tese de leitura, eu digo: “Mas leitura não faz parte da literatura?”. Mas aí era leitura na cultura de massas, onde eu falava sobre mediação de leitura e tal. Depois, eu fui trabalhar em coisas que, hoje em dia, mediação de leitura é uma coisa que todo mundo fala, mas naquele tempo, dentro da universidade, ter essa preocupação, não tinham, então, com esse livro, o que eu já tinha na cabeça? Machado de Assis. Eu adoro Machado, eu publiquei ele em 1999, eu adoro Machado, por que nego acha Machado chato? Por que que nego acha Machado tão sério? Aí eu fui fazer Machado de Assis, um moleque, um velho, um velhote já, no ano que ele publica Dom Casmurro investigando um crime, é um thriller no Cosme Velho. É um thriller a lá Hitchcock, tem muito a ver, inclusive, com Janela Indiscreta. Então, Machado e Juca pra mim, também é um marco. Eu talvez pule alguns, mas outra coisa que eu acho extremamente importante é o Alqueluz, que é um livro da Objetiva, onde eu pego e resgato, não só aquela dívida que eu tenho com a fantasia das Mil e Uma Noites, que é uma turma passando a história das Mil e Uma Noites, mas pelo termo técnico, pelo encaixe técnico de ser uma história de aventura onde eu tento, e eu acho que consigo fazer isso, o leitor a cada capítulo ficar interessado em passar logo para o seguinte, quer dizer, uma coisa aonde tem um, é também uma espécie de thriller, mas é uma história de aventura, ela é com muita tensão. Tecnicamente é muito difícil de escrever isso, você manter a tensão o tempo todo. Um livro também grande. Também houve problemas e tal. Depois de O Cavaleiro das Palavras pela Saraiva, que é a história de um dicionário que pertenceu a Machado de Assis, aí começam as minhas fixações e, finalmente, mas recentemente, os Sonhos em Amarelo, outra fixação minha. Desde a primeira vez que eu fui à Europa em 1974, eu, a primeira vez que eu vi uma tela de Van Gogh, eu fiquei estatelado assim. Eu não gostava de pintura, eu não conhecia pintura, eu não sabia que pintura existia, aí de repente entro no Museu de Londres e vejo aquela pincelada, aquela coisa, aquela eletricidade da obra, eu fiquei assim. A partir daí, comecei a ler Van Gogh, ver Van Gogh, procurar Van Gogh, caçava Van Gogh e, finalmente, em 2006 eu escrevi os Sonhos em Amarelo, que é uma história... É Van Gogh nos dois últimos anos da vida dele, um ano e meio da vida dele, que foi o período mais produtivo da vida dele, ele que só pintou nos últimos dez anos de vida, mas isso foi o período em que ele pintou a maioria dos quadros mais famosos. Ele viveu numa cidade do sul da França que se chamava Arles, tinha um grande amigo, que era o carteiro Joseph Roulin, que tinha um filho, que era o Camille Roulin, cujo retrato está no MASP [Museu de Arte de São Paulo], um dos retratos que o Van Gogh fez está no MASP de São Paulo, um dos retratos que ele fez do Camille. Aí eu resolvi contar a história do Van Gogh em Arles visto pelos olhos desse garoto. Aí, foi os Sonhos Amarelos que ganhou o White Ravens, que é uma seleção feita pela biblioteca de Munique, a cada ano ela seleciona, assim, o que ela considera de melhor na literatura do mundo inteiro e publica um caderno, um catálogo especial, que ela veicula na feira de Bologna. Então, esse livro ganhou o White Ravens, ganhou, enfim, vamos com ele. Ainda está com a carreira a ser definida pra eu te dizer se ele vai ser um livro bem sucedido comercialmente ou não, mas, artisticamente, hoje eu digo que é a melhor coisa que eu já escrevi. Os Sonhos em Amarelo é a melhor coisa que eu escrevi, pela concentração, pela imersão, é, eu fiquei, assim... Meses. Bom, juntou duas coisas, eu tinha um defeito no pé, nos pés, que já estava me imobilizando e aí eu passei por uma cirurgia em 2005 e outra em 2006, essa cirurgia foi feita pelo Dom Marcos Donato, um rapaz maravilhoso, filho do João Carlos Serra, recuperou os meus dois pés, remodelou os meus pés e, graças a ele, eu posso andar como você vê hoje, mas eu já não estava andando, aliás, a crise final veio aqui, em Paraty, num Réveillon que eu passei pra cá e, quando eu me vi, eu estava com um braço apoiado na minha mulher e com um braço apoiado num outro amigo meu e não conseguia andar mais nessas pedras, voltei direto para o médico, ele disse: “Bom, você já está andando com uma bengala. Agora, são duas bengalas”. Eu digo: “Não, então eu vou pra cirurgia”. Aí, eu fiz as cirurgias e fiquei quatro meses imobilizado em cada pé, quatro, porque, enfim, tem que consolidar, tem que não sei o que, é gesso. Inclusive, a partir disso, eu escrevi o livro Aleijado que eu publiquei na Ática. Com a minha experiência andando em cadeira de rodas, vendo como é difícil, eu publiquei, eu fiz o Aleijado. Então, eu aproveitei aqueles quatro meses. Já que eu ia ficar parado mesmo dentro de casa, joguei ar: “Então, eu vou escrever esse livro”. Eu sempre tive um, assim: “Não, pra escrever esse livro eu tenho que ter uma concentração muito grande, eu tenho que ter uma tranquilidade de vida. Eu não vou ter isso nunca”. Aí, ficava adiando, até, eu disse: “Bom, eu já estou aqui mesmo”. Aí, inundei a sala de produções de Van Gogh, ficava imerso naquele negócio, eu cheirava Van Gogh, respirava Van Gogh, bábá, e escrevia. E escrevi esse livro. Então, pelas condições em que eu consegui de criação do livro, é hoje, eu digo que é a melhor coisa, a coisa mais artística, mais tocante, em termos de alma humana, que eu já fiz.
P/1 – Luiz, já que você está falando sobre o processo de criação, conta pra gente como é, você escreve num papel e depois passa a limpo, dita?
R – Não, é primeiro: a questão da concentração que eu estou falando, ela é extremamente importante pra mim, quer dizer, eu não consigo escrever em pedacinhos de dia: “Ah, tem vinte minutos, vou dar uma ‘escrevidinha’”. Isso pra mim não existe. “Tem uma semana livre”, aí já começo a pensar alguma coisa séria, infelizmente eu tenho, eu preciso de uma imersão no que eu escrevo. Segundo: é em computador direto, tudo, eu já não sei mais escrever a mão, minha letra a mão está um garrancho. Eu não sei como nego ainda pede autógrafo pra mim, porque é um garrancho. Eu não consigo, não é má vontade, é que eu não consigo mais, é tudo em computador. Então, eu acumulo muitas anotações no computador e, aí, é o dia que quando aquele negócio chega a uma massa crítica, é que aquilo vira não mais anotação, mas um livro já pedindo pra ser escrito, aí já estão saindo as primeiras frases. Geralmente, é quando eu consigo montar o primeiro parágrafo do livro, que o primeiro parágrafo, como García Márquez dizia, define tudo num livro, define o ritmo, o universo em que você está colocando o seu leitor, define tudo, no primeiro parágrafo está tudo definido, quando esse primeiro parágrafo já saiu, é porque a história está pronta pra ser escrita. Então, é no computador acumulando, acumulando, chega numa massa crítica e num momento que eu tenho, inclusive, tranquilidade, tempo e dinheiro pra parar pra escrever, porque tudo isso é necessário, aí eu paro e escrevo, e vai assim. E sozinho. Não pode ter ninguém me perturbando, eu tenho o meu estúdio todo pintado de amarelo, que é a cor de Van Gogh, com os meus brinquedos, minhas estatuetas, os meus escritores favoritos, meus brinquedinhos voadores, assim. Livro! Muito livro, pilhas de livros, tem bastante livro, livro pra cá, livro pra lá.
P/1 – Que legal, precisamos tirar uma foto sua no estúdio.
R – É, se conseguirem entrar, porque é um lugar meio, está meio bagunçado atualmente, mas quando ele está arrumado é muito bonito.
P/1 – Você falou dos primeiros parágrafos...
R – Literalmente, eu não me lembro. Agora, os Sonhos em Amarelo, por exemplo, o primeiro parágrafo é uma carta do Camille Roulin, anos depois daquela experiência dele com o Van Gogh, dirigida a irmã dele, que era a irmã mais nova dele, ele fala que: “Nunca me esqueci...”. Hão de reconhecer alguma coisa, inclusive, de Machado aí. “Nunca me esqueci daquele Natal, daquele ano em que o pintor Van Gogh esteve lá em Arles, como isso transformou a nossa vida...”. Então, quando eu consegui entrar na linguagem que eu queria dele, no tipo de relação dele com o Van Gogh, nisso, está toda a relação dele, uma relação, assim, ele. Como é que eu vou narrar esse livro? Como é que eu vou contar essa história? Eu quero que ele conte o Van Gogh, eu não vou ter insights dentro do Van Gogh, então, uma narração em primeira pessoa, talvez até falando de coisas muito técnicas, mas eu não quero, por exemplo, desvendar o Van Gogh, eu quero manter um Van Gogh misterioso e, até certo ponto, perturbador. Então, uma narração de fora, uma narração externa, uma narração em primeira pessoa que vá acompanhando os movimentos, mas que não tenha a capacidade de entrar na alma, como um narrador de terceira pessoa, que entra na alma dos personagens. Então, tem que ser um outro personagem. Aí surge a figura do Camille. O Camille como criança olhando aquela alma perturbada do Van Gogh e, ao mesmo tempo, se impressionando com os quadros, olhando os quadros, interpretando a maneira dele, os quadros e a vida, e o que ele está vendo que o Van Gogh viveu. Quando já estava definido isso e essa relação do Van Gogh como uma pessoa extremamente marcante na vida do Camille, que ele vai recuperar perto da morte dele. Camille morreu em consequência de ferimentos da Primeira Guerra Mundial e ele, no momento no dia do embarque, está escrevendo essa carta pra irmã, dizendo que até hoje é uma coisa, assim, que toca ele, a vida de Van Gogh, quer dizer, aquela experiência dele com Van Gogh. Tudo isso definido e a linguagem dele, a linguagem afetiva, saudosista, ao mesmo tempo é esperançosa de mundo. Lidando com uma pessoa que, no final das contas, perdeu as esperanças em relação ao mundo, então, se inicia nessa carta dele e na carta ele diz: “Bom, você sabe o que aconteceu...”. Alguma coisa assim, aí começa o relato daquele último ano dele, de 1888, 1889, que foi o último ano também da vida de Van Gogh. E você vê, mas chega um bocado de coisas muito... Eu faço assim, mas na verdade, é assim. Muita anotação pra até chegar a essas questões todas. Eu não queria interpretar Van Gogh, eu não queria interpretar nem os quadros de Van Gogh, eu queria ter uma interpretação ingênua, de certa forma, de um e de outro. Então, essas coisas são deliberadas. Eu, às vezes, dou oficina de criação literária e eu falo: “Olha, a primeira maldade que eu vou fazer com você, é que você vai ter que deixar de ler o livro como leitor. Você vai ter que ler como escritor. São coisas diferentes, como leitor a gente recebe os efeitos de um texto, como escritor você tem que fazer o truque acontecer. Você tem que saber como é que o crime foi feito, você tem que ler e ver como é que esse truque, como é que você conduz o teu leitor, de certa forma, assim como o homem conduz a sua parceira na dança. Na dança de salão não tem essa de igualdade de sexos, não. Tem coisas bem definidas, o homem conduz e a mulher segue. É claro que a habilidade tem que estar nos dois, mas a condução tem que estar aqui, se a mulher resolve conduzir também, a coisa não dá certo! Então, troca de papel, troca de mão. Não, não dá! Não dá certo, porque aí um vai pra cá e o outro quer ir pra lá, não atravessa. Então, você tem que saber conduzir o seu leitor”. A primeira maldade é essa, é como vai despertar no seu leitor determinadas reações, determinados sentimentos, como vai introjetar, como ele vai introjetar aquela história. Então, todo esse raciocínio pra criar o primeiro parágrafo ou os primeiros parágrafos da história tem relação com isso, tem relação com essa: “O que eu quero? Como é que eu quero que o meu leitor seja captado com essa história?”.
P/1 – Você falou que escreveu em diversos gêneros.
R – É. É, você vê, por exemplo, tem outras histórias extremamente... E são as histórias saudosistas, talvez líricas, como Sonhos em Amarelo, tem o thriller, como o Machado e Juca, só pra falar algumas. O Confidências, talvez seja um gênero mais próximo do Sonhos. Uma coisa intimista. Se bem que o Sonhos, hoje em dia, eu não escrevi um livro tão intimista como o Confidências, o Sonhos tem muita coisa externa, também a vida externa do Camille, isso era uma coisa importante pra mim, não ser uma coisa só pensada, era ser muito também da visão dele, externa. É, eu tenho histórias piratas, como o Cerbero na Saraiva, que fiz toda uma imersão também em vida dos piratas pra escrever aquela história, é, histórias de terror, Os Dados da Maldição já pra adolescentes... Livros onde eu faço mais um trabalho de discurso da linguagem, como o Contos de Copacabana. É, de fato, eu não gosto de escrever... Dificilmente eu escrevo um livro e depois vou escrever outro que tenha proximidades, entendeu? Que sejam iguais, que sejam da mesma família. Eu vou saltitando um pouco, essa história do querer aprender a escrever todos os gêneros é um desafio que eu me coloco, meio narcísico, porque, na verdade, o que eu estou dizendo? Eu estou dizendo que eu quero participar de todas as estantes das bibliotecas do meu pai, entendeu? Eu quero estar em todas elas.
P/1 – E a poesia?
R – Eu não sou um bom poeta, eu não...
P/1 – Você publicou?
R – Eu publiquei um livro de poemas pra crianças chamado Ora de Coração Contente, Ora de Bunda no Chão, que são poemas de amor pra crianças. E, vez por outra, eu contrabandeio poemas nos meus livros, é, eu sou um leitor de poemas moderado, minha mulher é uma boa leitora de poemas, a Marisa, eu sou um leitor moderado, o que me atrai até hoje é Fernando Pessoa, que tem uma paixão muito grande por Manuel Bandeira. Eu admiro o Carlos Drummond de Andrade e sou apaixonado por Manuel Bandeira e Manoel de Barros, quer dizer, a poesia mais simples e mais emocionante, mais tocante me chama muito a atenção, os Sonetos de Amor de Camões. Quer dizer, não sou o cara mais refinado como leitor de poemas, eu sou um bom poeta, esses poemas de amor de criança eu fiz num rompante, assim, de vários poemas que eu escrevi e, de repente, eu vi que eu estava contando historinhas, histórias de amor vividas entre crianças.
P/2 – Fora essa pesquisa do caso do Van Gogh, como é esse processo de pesquisa, é muito penoso, é gostoso?
R – Não é penoso não, é gostoso, mas é muito árduo, porque quando eu falo pesquisa, é pesquisa mesmo. Eu já havia lido o livro de cartas de Van Gogh, que é a principal fonte biográfica, as Cartas a Théo, é a principal fonte biográfica de Van Gogh até hoje. As Cartas, ele era um escritor compulsivo de cartas e, fora isso, algumas biografias que me ajudaram menos, porque as biografias tentavam interpretar e eu não queria seguir a interpretação dos outros, mas muito de imagens, é um livro muito em cima de olhar, eu queria, por exemplo, eu nunca fui a Arles, então eu queria recuperar cenários de Arles através das pinturas, ou seja, do olhar de Van Gogh sobre a cidade. E eu acho que, de certa forma, eu consegui isso, porque teve amigos meus: “Puxa, você foi lá. Você viu essas coisas?”; “Não, eu não vi nada disso, é a mesma história do Pai Pedindo Arrego, entendeu? Eu não vi”; “Mas como não viu? Você está descrevendo, está direitinho, não sei o que. Ah, mas a gente sente assim”; “Pois é, você está sentindo a sensação que eu senti com a sensação de Van Gogh, quer dizer, a ficção criada em cima da ficção. Eu nunca vi Arles. Agora eu vou, antes eu não queria ir, agora eu vou, entendeu?”. E não vou encontrar nada, imagine o que é uma cidade do interior da França hoje em dia, porque em 1889 morreu Van Gogh. Ali, não tem mais nada, a casa amarela foi destruída, a casa que ele vivia foi destruída na Segunda Guerra Mundial, depois foi reconstruída. A ponte já é outra coisa, eu já vi fotos da ponte na internet, é outra coisa. Então, não tem mais nada lá. Talvez tenha o espírito, que eu quero pegar. Agora, um caso importante, pesquisa é o Machado de Assis. O Machado de Assis sim, pra escrever o Almanaque Machado de Assis, que é esse lançamento mais recente, meio também nessa linha, popularizar clássicos. Eu fiz muitas adaptações de clássicos da literatura universal pra Melhoramentos, eu sempre digo: “Olha, o clássico não está aí há tantos séculos à toa, é o que de melhor se escreveu. É bom que as pessoas tenham como posse esse patrimônio do melhor que se escreveu na literatura”. Então, eu fiz muitas adaptações e como eu faço, fiz agora, o Almanaque Machado de Assis. Aí sim uma pesquisa de vinte anos que se tornou mais intensa ainda, no ano passado, quando eu consegui fazer um contrato muito bom com a Record, que possibilitou, que viabilizou a finalização do livro.
P/1 – Era uma ideia sua que você propôs pra Record?
R – Foi uma ideia minha que eu propus pra Record, era um sonho meu de muito tempo fazer esse almanaque, mas aproveitando a oportunidade do centenário, eu disse: “Bom, não só é um sonho meu, mas é um bom produto”. Entendeu? Vai vender “pacas”, eles acreditaram que ia vender “pacas” e, com isso, eles me deram um adiantamento bastante bom, que foi o que me permitiu escrever.
P/1 – Sem dúvida, a partir desse livro acho que muitos jovens vão se animar a ler Machado de Assis, porque ele quase que nos obriga a ler, porque se gerou, realmente, aquela maldade.
R – Ou, pelo menos, convida com o alto poder de sedução. A questão é o seguinte, no Brasil não existe essa tradição de você chegar numa editora e dizer: “Olha, eu posso escrever um bom livro se você me der dinheiro na frente, mas eu preciso do dinheiro pra viver, aí os próximos meses, empenhado em finalizar pelo menos o livro. Oh, eu estou falando só em finalizar, não é nem escrever, é finalizar, quer dizer, é um livro que já tem”. É difícil isso, é difícil uma editora investir nisso. A editora quando fala em adiantamento é você entregar o original e eles pagarem alguma coisa em cima da primeira edição. Ah, isso já não é mais adiantamento, com o que o escritor se financiou no tempo? Quer dizer, isso foi um contrato diferenciado e também porque eu tenho uma relação com a Record, não é à toa, o meu primeiro livro foi publicado com a Record, então eu tenho uma relação com a Record, 1984, eu tenho uma relação com a Record de um quarto de século, entendeu? Então, fora isso eu sou consultor da Record, sou um colaborador da Record, quer dizer, confiado nisso, que eu não ia sair com o dinheiro e daí dizer: “Tchau, eu não consegui fazer, não deu”. Não ia acontecer uma coisa dessa e me deram o adiantamento, fizeram o contrato e o livro está vendendo muito bem.
P/1 – Luiz, é pouco tempo pra tantas perguntas, então, vamos focar aqui, que a gente vai caminhando para o fim da entrevista. Eu queria que você contasse um pouquinho da relação com os leitores, retorno e gratificações que você recebe a partir dos seus leitores.
R – Olha, é uma coisa como essa que você está dizendo aí, eu tenho ouvido muito isso: “Puxa, o seu Almanaque me dá vontade de ler Machado de Assis”. É isso que eu queria, é isso que eu quero. Eu lembro de pequeno as histórias, como uma vez, uma garotinha chegou pra mim, depois que eu fiz a apresentação na sala dela, contei a história que eu estava contando do livro, ela disse: “Eu queria tanto que você fosse o meu pai”. Quer dizer, e eu não... Olha, com todos os meus grilos de não ter sido e ter sido, enfim, de ser e não ter sido, é, quando eu vejo os garotos, e isso eu vejo muito, graças a Deus, isso é uma coisa tão boa: “Eu gostei tanto do teu livro”. Eu fui há pouco tempo agora no Rio Grande do Sul e teve uma garota especificamente que me marcou muito, porque ela perguntou uma coisa, ela não sabia o que ela estava me dizendo, o que isso significava pra mim, ela disse: “Como é que você escreve o livro que faz a gente entrar tanto na história?”. Aí eu disse: “Puts grila, consegui!”, porque é só isso que eu quero, é só isso, entendeu? Eu não quero ensinar, eu não sou professor, eu até, às vezes, questiono se alguém ensina alguma coisa a alguém, eu acho que, no máximo, a gente compartilha experiências. Eu fico me perguntando essas coisas. Eu não quero ensinar, eu não tenho mensagens a dar, muito pelo contrário. Mas uma coisa como essa, fazer uma pessoa entrar, eu até dei uma explicação: “Olha, primeiro de tudo, eu quero dizer que você está me dando uma alegria que você nem imagina pela pergunta e, segundo, que eu acho que é porque eu penetro tanto na história quando eu estou escrevendo que é, justamente, pra poder passar pra vocês”. Eu dei a explicação técnica e dei, primeiro, a minha emoção. E é isso que ela estava dizendo, essas coisas são o grande barato, você contar, de repente, pra uma turma ou ver os olhinhos brilhando, é o grande barato. Não são ideias que pintam numa sala de aula, isso eu acho que eu nunca tive: “Ah, tive uma ideia de escrever uma história”. Eu nunca tive isso, agora, os olhinhos brilhando, cara! Porque você está falando de um livro que aquela pessoa leu e que o livro é teu. Os olhinhos brilhando é uma coisa impagável, entendeu? Diz: “Pô, acendi, consegui!”.
P/1 – Luiz, nós te interrompemos um pouco, mas tem aquele comentário, que ser avô é uma segunda oportunidade de ser pai. Você podia contar um pouquinho disso, como é que isso está influenciando na sua produção atual?
R – Pra começar, como eu não tenho a experiência de pai, eu não posso te jurar, mas eu tenho a impressão que é melhor que ser pai, porque eu não tenho determinadas responsabilidades, entendeu? É tudo, mais ou menos, definido, assim, eu passo o final de semana, dorme uma noite lá em casa, vou fazer visita, mas, pô, não é. Então, eu tenho a impressão que é um pouquinho mais leve, por outro lado, eu também não posso dizer, eu só posso dizer em função da minha situação muito específica. Eu estou com 53 anos de idade, eu esperava que ia acontecer ainda muitas vezes, eu me reapaixonar por livros que eu estou escrevendo, eu tenho uma relação com a minha mulher que é uma relação apaixonada o tempo inteiro, porque, quer dizer, o tempo inteiro não, mas tem momentos assim... Ontem, por exemplo, a gente estava assistindo a palestra aqui na FLIP do Roberto Schwarz e eu cutuquei ela: “Você sabe que a gente começou assim”, porque os dois gostavam de Machado de Assis e a gente foi se encontrando nas aulas do mestrado de Machado de Assis e depois nas palestras, aí fica: “É, foi e tal”. Então eu esperava essas coisas. Aí, de repente, está lá, o garoto, chega lá em casa, começa a perturbar o meu trabalho, mexe nas minhas coisas, isso é que eu não acho, assim, não fico tão feliz, e eu gosto. E eu me vejo brincando com ele, brincando! Eu estou saindo correndo pra ele correr, ele: “Corre!”. Aí, eu corro, aí ele vem atrás de mim, ele corre numa velocidade, eu não corro muito, sou gordo, tenho ainda um pouquinho de problema nos pés e tal, eu corro muito limitadamente, então, ele já sacou isso e o problema dele não é me pegar, o problema dele é ficar correndo, aí ele vai numa velocidadezinha que não é pra me pegar, aí ele fica me batendo com a espadinha dele. Eu faço as coisas, cara, entendeu? O que que isso está influenciando? Está influenciando, como eu disse, eu estou com vontade de novo de escrever livros infantis, mas dessa vez eu quero escrever livros infantis que sejam brincadeiras. Eu quero muito que os olhinhos brilhem por vontade e divertimento de brincar. Nas histórias que eu escrevo eu estou buscando isso, ainda não encontrei. Acho que eu estou buscando ainda como escrever personagens que pareçam brinquedos, como o meu neto, quando ele abraça o cavalinho que eu dei pra ele. Ele adora cavalo, eu dei um cavalo pra ele, assim: “Eh!”. Ele fica lá: “Pocotó”. Ele adora o pocotó. Eu quero personagens que faça a criança ter vontade de brincar abraçada e histórias que ela tenha vontade de repetir, como? E aí hoje eu estou vendo a importância de um Chapeuzinho Vermelho e dos Três Porquinhos. O meu neto adora o Lobo Mau, ele adora, principalmente, o Lobo Mau. Adora, ele repete vinte vezes, a gente conta vinte vezes a história pra ele, todas as vezes ele aperta, assim, o braço da gente, arregala os olhos, ele sofre, ele vibra, ele fica alegre, ele vivencia a história profundamente. São histórias que tem alguma coisa ali de mágica, extremamente bem feita. Eu queria muito, sabe aquela coisa de aprender a escrever todos esses livros, eu queria muito aprender a fazer aquela mágica acontecer, não é? Eu quero muito aprender isso. Eu estou buscando isso, uma história que seja tão boa quanto o Chapeuzinho Vermelho. É muito boa, é muito boa, aquilo ali tem tudo, é muito boa.
P/1 – Você conta então um pouco porque você teve essa participação toda política, militância, e você também se envolveu na vida associativa dos escritores infanto-juvenis.
R – É, eu fui um dos fundadores junto com o Rogério Andrade Barbosa, outro escritor que vem aí, ele está chegando amanhã, um belíssimo escritor inclusive, está com uma experiência muito grande, ele foi missionário na África num determinado momento, agora está voltando de Angola, é dedicado, principalmente, a literatura da cultura negra, um fantástico escritor.
P/1 – Nós estamos na lista, você vai nos ajudar a convencê-lo a vir dar um depoimento aqui, tá?
R – Claro, ele é meu amicíssimo e vai estar aqui nesse hotel. Junto com ele, outros, Anna Claudia Ramos, que hoje em dia é presidente da associação, e outros, muitos outros do Brasil todo. A gente chegou um momento e assim: “Vamos criar uma associação pra gente poder discutir estética e sobre as novas questões profissionais”. E aí criamos a Associação de Escritores e Ilustradores de Literatura Infantil e Juvenil, que pretende, um dia, alcançar um estágio de ser uma entidade representativa, realmente, com uma democracia interna forte, quer dizer, com uma discussão forte sobre essas questões, questões profissionais, questões estéticas, questões de políticas da leitura. O primeiro presidente por dois mandatos, quatro anos, foi o Rogério, eu fui o segundo presidente por quatro anos e, atualmente, a presidente é a escritora Anna Claudia Ramos, que também está aqui na FLIP, aí já não sei em que hotel que ela está, mas eu sei que ela...
P/1 – Não, eu já estive com ela, ontem. E o que você acha, na sua experiência, nesse período dos quatro anos, como é que você vê a organização, o escritor Infanto-Juvenil, que são muitos...?
R – São muitos escritores...
P/1 – Eles se associam, eles...
R – Eles se associam. O que a gente tem é uma associação que tem grande prestígio institucional. Então hoje a gente tem um assento, por exemplo, na Câmara Setorial da Literatura, da Leitura, tem tantos eles que eu não sei mais o que é. Foi difícil alcançar essa vaga, porque havia toda uma briga, eu dizia assim: “Vocês estão querendo fazer planos de leitura etc., sem consultar escritores, sem consultar ilustradores, sem consultar autores”. E era uma coisa natural para o governo. Até hoje, fazer esses planos todos, essas coisas todas que envolvem livro e literatura sem falar com os autores, o governo acha isso a coisa mais natural do mundo. Então, houve uma certa dificuldade de aceitar, primeiro que havia uma instituição, que havia uma entidade que estava aí brigando pra conseguir a representatividade e que essa entidade devia ser chamada para os fóruns de discussão. Isso foi uma briga muito do meu tempo, da minha gestão, quer dizer, da uma farsa, assim, institucional, uma representatividade, eu disse: “Olha, a gente tem que participar das reuniões de questões”. Tem que participar dessas reuniões de definições. Isso foi um viés que eu puxei muito, até pela minha formação política e tal, eu puxei muito pra isso. Então, você teve o momento do Rogério, que foi um momento, assim, importantíssimo de fundação, de alargamento. A associação conseguiu coordenações em vários estados do país, conseguimos um número, centenas de autores hoje pertencem à associação, graças ao Rogério. E esse meu segundo momento foi o momento político, é desse ganho institucional, e hoje a Anna Claudia está trabalhando muito também, as coisas da base, porque a gente cresceu muito a nível institucional, isso é a questão, e não tem ainda uma base material correspondente, então, hoje, por exemplo, que a gente conseguiu, com a Anna Claudia, um site da associação, que tem inclusive um currículo online de todos os nossos associados, ou pelo menos da grande maioria que se inscreveu ali. Então, são coisas materiais que uma associação também tem que ter. Então, é uma coisa que está em processo de construção, como tudo que diz respeito a sindicalismo, a associativismo no Brasil, está meio emperrado. Meio emperrado no seguinte, está difícil de avançar, as pessoas estão muito descrentes em participação política, em participação organizativa, então avança com dificuldade, mas está crescendo, eu acho que um dia a gente vai conseguir chegar a um ponto de ter uma voz institucional forte, de não poder ser preterido quando se definirem políticas de leitura. É uma coisa absurda. Você vai falar com criança, você quer uma coisa, assim, pra divulgar pra criança, divulgar pra leitores inexperientes a leitura, “por que não pegar esses escritores que tem por necessidade intrínseca do seu trabalho, passar grande parte do ano visitando escolas no Brasil inteiro pra conversar com crianças e professores? Não quer aproveitar essa experiência?”. Nego: “Ah, não sei o que, bábábá”. Nego é muito teórico, entendeu? Tem muito aquela coisa, todo mundo parece que no MEC [Ministério da Educação] tem, assim, se acha um discípulo de Paulo Freire, se não o próprio. E eu respeito muitíssimo a obra de Paulo Freire, necessariamente, mas não tanto a pretensão, entendeu? Então, não precisamos de mais: “Puxa, vocês querem falar com esse pessoal com quem a gente fala, é isso que vocês querem? Que tal perguntar pra gente alguma coisa e talvez tenha sugestões a dar pra quem vai definir as coisas, mas a gente tem algumas sugestões”. Isso é difícil, então, eu acho que a gente vai caminhar pra ter uma associação que tenha uma voz representativa, forte internamente, uma democracia interna forte, que seja, realmente, um núcleo forte de discussão estética. A gente não pode dissociar isso, a gente não pode ser apenas uma organização política, mas pela própria natureza do nosso trabalho a gente tem que discutir questões estéticas e, também, uma coisa associativa, sindicalista e política. Uma entidade que tenha todos esses vieses.
P/2 – Tinha algum sonho seu de infância, “eu quero ser um astronauta...”.
R – Pirata, que, aliás, eu queria ser pirata, eu adorava essa história de ser pirata, o meu neto também; o meu neto, hoje em dia, tudo pra ele é ser pirata, ser pirata, ser pirata, depois do Peter Pan. Você vê que coisa legal, quer dizer, a partir do Peter Pan, só que ele não é chegado, o meu neto é meio parecido comigo nisso, ele não é chegado aos heróis, ele é chegado aos vilões, entendeu? Então, nos Três Porquinhos o fascinante pra ele é o Lobo Mau e no Peter Pan é o Capitão Gancho. Eu queria muito ser pirata, tanto que quando eu escrevi minha história de piratas esse foi o finalmente, aí passei a bordo do navio dos piratas, eu queria dizer outra coisa, dá a impressão errada pra algumas coisas que eu falei no decorrer da entrevista, mas eu uso muito pouco da minha vida pessoal nos meus livros, meu negócio é ficção, não é contar a minha história pra ninguém. Eu acho que eu nunca falei tanto da minha vida quanto aqui, agora, entendeu? Ah, depois você me manda uma cópia desse negócio aí, que eu quero ter guardado isso em algum lugar.
P/1 – Claro.
R – É, eu uso muito pouco quando eu sou colocado, e sou colocado constantemente em confronto com essa coisa: “O que é que tem de realidade ou da tua vida nas histórias?”. Eu uso uma metáfora que, talvez, seja útil ao que falar, é a questão seguinte: “Olha, uma história, uma obra de literatura, ela tem tanto de realidade quanto o pão tem farinha, quer dizer, você pega a farinha, bota leite ou bota água, dependendo da receita, margarina ou manteiga, o ovo ou não ovo, sal ou seja lá o que quiser, tempero ou não tempero, sova, sova, sova o fermento, pá, deixa crescer, bota no forno, tira do forno e tem o pão. O pão tem farinha? Tem, mas tem um bocado de coisa a mais também, entendeu? E tem um pouquinho da mão, que a minha mãe falava isso: ‘Se não tiver a mão boa não adianta que você não vai cozinhar, vai estragar tudo’. E eu percebi que as coisas, às vezes, acontecem, eu tenho mão boa pra algumas coisas e mão ruim pra outras”. Então, eu falo isso, o pão tem farinha, mas não é farinha. A ficção tem realidade, mas não é a realidade.
P/1 – Então, eu queria te agradecer e fazer a última pergunta, que é uma pergunta de praxe que a gente faz. Como você se sentiu contando a sua história de vida aqui para o Museu da Pessoa?
R – Eu sou narcisista, extremamente vaidoso com o meu trabalho, é, você vê? Eu cheguei a ver, perguntei até pra minha mulher, assim: “Você não quer assistir?”. Ela disse: “Eu não, vou ficar duas horas ouvindo você falar de você próprio, eu não aguento”. Eu me senti muito bem, achei importante pra mim e preciso recuperar duas coisas: primeiro, recuperar essas coisas, essa história da Jackson, do livro da Jackson, entendeu? Pensar muito na minha cabeça, porque quando eu falo do meu primeiro contato com Machado de Assis, eu falo do contato da escola, aquela obra que foi imputada a mim ler e eu não gostei, principalmente, porque tinha que fazer prova. Agora, houve o primeiro contato, que foi anterior a esse, que foi aquela admiração em relação a própria coleção da Jackson. Eu preciso recuperar um pouco disso. E formular um pouco melhor essa questão da brincadeira, que eu acho que eu só consegui, aqui, hoje, falando com vocês do que eu estou a fim hoje, do que eu estou a fim, que é de escrever brinquedos e histórias que as crianças possam brincar com elas. Eu acho que é a primeira vez que eu consegui formular isso direito, eu estava perseguindo isso, até algumas coisas que eu parei de escrever, porque eu não estava conseguindo o que eu queria, agora que eu sei o que é que eu queria ou, pelo menos, formulei em palavras, de repente, isso facilite a eu escrever um livro, o livro que eu quero escrever agora.
P/1 – Então, em nome do Museu da Pessoa, muito obrigado.
R – Obrigado a vocês.
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