P - Vamos lá senhor Biano? Pode começar.
R - Eu me chamo Sebastião Clarindo Biano, e o nome artístico é Sebastião Biano. Sou conhecido mais como Sebastião Biano, no nosso país todo. Então eu vou contar a história do meu nascimento, que meu pai mais a minha mãe contavam pra mim depois que eu me entendi de gente. Eles falaram assim pra mim, diz: “Olha Sebastião, tu fostes criado com leite de coco e preá”. Que era o que existia de comida, só era isso essa época. Não tinha farinha, não tinha feijão, que os outros anos tinha se perdido tudo, não existia mais isso. Tinha nos outros lugares, mas no nosso natural não tinha. Então minha mãe falava isso pra mim, meu pai, meu nascimento de 1919, o meu nascimento, véspera de São João de 1919. Então minha mãe criava uma vaca que essa vaca era bezerrinha nova, ela criou na mamadeira, que a mãe da vaca morreu e a bichinha ficou novinha, não tinha jeito de como ela mamar leite. Aí minha mãe tinha muita cabra de leite, muito bode, muita criação de bode e minha mãe criou essa bezerrinha na mamadeira como quem criava uma criança. E ela foi criando, foi crescendo, crescendo, crescendo, até que chegou ao ponto de ser uma novilha que é quando o bichinho começa... As pessoas, os bichinhos, tudo, começam a conhecer a vida, conhecer a convivência. Então nesse dia que eu nasci, essa bezerra já era uma vaca. Essa bezerra ficava dentro de casa, lambia os pratos na mesa, comia comida de casa, comida tudo, ia pra fora, entrava em casa de novo, foi criada dentro de casa com a gente. Ela não saía de dentro de casa, alguma vez é que saía para o mato, mas voltava pra dentro de casa, o curral dela era nossa casa. Então na hora em que eu nasci ela era vaca, a parteira que me pegou na hora do nascimento, quando eu nasci a parteira foi no peito da vaca, tirou o leite, tirou aquele pouco de leite e fez um pires de prato. Porque o pires lá do Norte é um prato, é um prato raso, cheinho de farinha de mandioca e o leite. Fez aquele prato de papa, botou na minha boca, passou todinho na minha boca. Não ficou nada. A primeira comida, na hora que eu nasci, comi esse pires de papa que era feito pela vaca que foi uma bezerrinha que minha mãe criou desde novinha. E então fui crescendo, crescendo, crescendo e cheguei a idade de três anos pra quatro anos, meu pai era homem caçador de caça e tirador de mel de abelha. Ele ia para o mato tirar o mel de abelha e levava eu e meu irmão pra servir de companhia pra ele. Ele olhava assim para os paus, já sabia quantas abelhas tinha naquele pau. Se tivesse abelha que desse pra encher as três garrafas, as três cabaças de mel, ele roubava aquele pau, mas quando só tinham duas, três não dava pra encher as cabaças, ele caçava outro pé de pau. Porque abelha tinha muito, todo pé de pau que tinha oco na madeira, tinha abelha. Aí chegava um pé de pau assim, olhava, olhava aqueles nózão da madeira onde a abelha fazia a entrada e saída da casa, olhava pra outros cantos e contava quantas abelhas tinha. Aí ele derrubava aquele pau que era o mel das abelhas, daquelas abelhas todinhas, enchia as cabaças. E eu mais meu irmão... O ano foi muito de chuva, em 1934 choveu muito, que o mato mesmo, o mato grosso tinha parte do chão que a gente pisava aqui, com cinco metros, dez metros aquela terra fazia isso, se mexia. Agora aquilo ali, se a pessoa ou um animal qualquer que passar ali por dentro, morria atolado, porque aquilo ali embaixo só era lama, água e terra mole, amolecia a terra. Que o ano de 1934 foi muita chuva, muita, muita, muita mesmo. Aí eu e meu irmão saímos pra brincar, meu pai ficava lá tirando mel das abelhas, nós tínhamos medo das abelhas, eu pequenininho, meu irmão maiorzinho do que eu, nós chegávamos lá num pezinho de pedra daquele, estavam as aguazinhas correndo, aquela aguinha bem alvinha correndo naquele riachinho. Parecia um riacho, pra nós era um riacho, nós criança. Agora nós começávamos fazer tapagem, fazer açude, porque no Norte tem muito açude, muita barragem, que a gente depois de grande vimos isso aí. Aí nós fazíamos aquilo ali, brincando, brincando, brincando e meu pai lá, com machado nas abelhas tal, tal...
P - Vamos só segurar um pouquinho, senhor Biano, porque deu um probleminha aqui na luz. Só um minutinho, só pra gente arrumar a luz aqui. Vou pegar uma água para o senhor tomar. (pausa pra arrumar iluminação)
R - É apagão que já dá por aqui. Aquela noite foi uma comédia, viu? Ave Maria.
P - Vamos recomeçar daquela parte lá que o senhor falou que vocês tinham medo das abelhas, o que vocês faziam?
R - Sim. Meu pai era um homem caçador de abelha e na época tinha muita abelha. Ele olhava assim para um pau e sabia quantas abelhas tinha, que ele reparava direitinho. Mas quando tinha abelha que não dava pra encher três cabaças que ele levava, que o mel lá no Norte é tirado em cabaça de cuia, das plantas na roça. E meu pai tratava daquelas cabaças bem tratada só pra tirar mel e carregar água pra roça. Então meu pai olhava assim, tinham duas ou três abelhas, não dava pra encher as cabaças, ele procurava outro pau. Aí chegava ao outro pau ele contava as abelhas que tinham: “Esse aqui vai dar pra encher as cabaças”. Cortava aquele pau, derrubava, tinham umas abelhas bravas, medonhas, umas eram mansas e outras eram bravas. Meu pai começava a cortar, aquelas abelhas se assanhavam, enfim ele ficava preto de abelha e não saía do corte do machado pra tirar aquela abelha. Tirava as abelhas, enchia as cabaças, três cabaças e eu mais meu irmão corríamos assim, uns dez metros, 15 metros pra brincar com água que corria no chão, que no ano de 1934 foi um ano de muita chuva. A gente entrava no mato, mas era com maior medo porque a terra tava... Aqui e acolá tinha uma parte da terra que a terra estremecia, mexia com o pé aqui ela balançava, aquele pedaço de terra todinho estremecia, aquele mato. Então aquilo ali era um atoleiro, que a gente chamava atoleiro. As pessoas que passassem por ali, ou qualquer animal pesado, morria atolado dentro daquele atoleiro e nós tínhamos medo de sair. Aí nós ficávamos brincando lá dentro do riachinho assim, correndo aquela aguinha bem alvinha. Eu mais o meu irmão brincando e meu pai tirando as abelhas lá. Quando terminava de encher as cabaças é que nós íamos pra onde ele tava. Aí fomos. Nós chegávamos lá, bebíamos um pouco de mel que sempre sobrava pra gente, íamos embora pra casa. Tinha o boi que tem os ossos quadrados que nem um travesseiro, não sei qual é a parte da rês, que morria muito gado atolado no mato, e ali quando tava aqueles ossos todos secos nós catávamos aqueles ossos pra fazer brinquedo. Nós levávamos um saquinho feito lá de Caruá, enchia daqueles ossos. Quando chegava a casa, o milho era batido com pau assim, e ficava aquele sabugo. Aí nós pegávamos aquele monte de sabugo e fazíamos o curral do sabugo e soltava aquele... Nossos brinquedos eram assim. Soltávamos aqueles ossinhos ali dentro atrás um do outro, aquilo ali era o gado que tava ali dentro. Pronto. Aí meu pai fazia isso com a gente. Pra roça foi a mesma coisa. Quando eu tava com cinco anos de idade meu pai começou a me carregar pra roça. Na roça a gente tinha melancia, no tempo que meu pai levava a gente pra roça, era das vermelhas limpas da lavoura e já tinha melancia madura, tinha ______ de jerimum que meu pai plantava a semente no seco. Ninguém via um pingo de chuva, ninguém via uma folha verde o mato já tava vermelho parecia que tinha pegado fogo. Mas meu pai gostava de trabalhar num terreno que tinha aquelas pedras grandes, quanto maior a pedra ele achava bom, porque aquela pedra grande bate a água em cima dela e a água tem que correr pro pé da pedra. Aí meu pai enchia o pé daquela pedra, rodeava todinha com semente de melancia e semente de jerimum. Quando batia essa chuva a semente nascia e o gado do cercado do fazendeiro, ele dava aquele cercado grande pro pessoal plantar milho, feijão. Só não plantava algodão nem mandioca porque é outra lavoura, são dois três anos pra pessoa desfrutar aquela lavoura. Mas o milho e o feijão, tudo, fava, essas coisas assim, podia plantar de tudo que o fazendeiro só queria a palha que era o pasto para o gado. Então meu pai fazia isso. Quando nós íamos fazer a primeira limpa da lavoura, quando o pessoal plantava depois do dia de São José, que era a planta geral que todo mundo podia plantar, meu pai já tinha melancia madura e já tinha jerimum já estendendo. Por quê? Porque meu pai plantava no seco e quando dava aquela chuvinha corria aquela água no pé da pedra, e quando corria no pé daquela pedra tudo quanto é matinho que tinha por ali nascia, tinha semente de melancia e jerimum. Aí o gado dentro do cercado, meu pai disse: “Esse gado vai pegar essa folhinha verde”. Só tinha as folhas verdes essas plantinhas do meu pai, que ele tinha plantado. Aí meu pai ia lá ao mato, tinha um pé de jurema branca que tinha espinho do tronco ao último galhinho do olho. Ele trazia aquele feixe de ramo, chegava botava assim por cima das plantinhas. Cobria tudinho. Aí o gado ia lá, via aquelas folhinhas verdes, botava assim o focinho pra pegar a planta, mas o focinho da rês...
P - Só um minutinho. E aí continuando...
R - Aí meu pai pegava aquele feixe de ramo da jurema branca e cobria todas as plantinhas. Aí o gado dentro do cercado ia com o focinho em cima daquela folhinha verde, mas encontrava esses ramos cheios de espinho, tudo escavando o focinho da rês, ela voltava. Não penetrava, não fazia força pra pegar porque a rês, o focinho da rês é tão sensível que os fazendeiros lá do norte criavam cachorro pra derrubar gado, boi, vaca, porque os cachorros eram procriados só pra isso. A rês vai correndo em toda carreira e o cachorro na frente daquele animal correndo também e olhando pra trás pra ver se dava uma vaguinha pro cachorro pegar no focinho daquela rês. Na hora que ele pegava, que apertava, a rês caía. Um cachorro derrubava um boi podia ser do tamanho que fosse que o focinho da rês não aguenta nada. Se você pegar um focinho de uma vaca daquela e fechar assim a venta dela, ela cai. Os fazendeiros criavam cachorro procriados só pra isso. Então aquela rês, que o pessoal que era criado nos pés de serra que nunca viram um curral, criava lá bezerro, criava tudo. O fazendeiro mandava os vaqueiros andarem naqueles pés de serra e achavam muita rês por lá, mas ninguém sabia quem era o dono porque não tinha sinal nenhum, porque eram nascidos e criados dentro do mato. Mas não podia também um vaqueiro ou dois chegar perto de um novilho daquele, porque ele tinha uma ponta dele, era tão fininha a ponta dele que parecia um punhal. Se vocês conhecem a armazinha chamada punhal, do tamanho de faca, do tamanho de... Todo tamanho. Então aquilo ali ninguém encostava, nem a própria onça não pegava bezerro, aqueles novilhos, não deixavam e a onça também não gostava deles, não. Se a onça chegasse perto e o novilho pegasse uma onça daquela pela ponta, já era. Ela não escapava. Então eles rodeavam o rebanho todinho, atocaiava e a onça vinha e nós não pegávamos. Então juntava aquele rebanho de vaqueiro pra tirar esse boi de dentro do mato. Muitos vaqueiros. Chegava lá no pé da serra, encontrava com esses garrotes, é garrote quando ele tá começando a sair a ponta, depois que sai a ponta é novilho. Fica concreto já de tudo, ali não falta mais nada pro crescimento dele, já tá normal. Aí esses bichos criados no mato nunca viram um curral nem nada, mas era vaqueiro pra tirar um bicho desse de dentro do mato, viu? Corria pra todo lado, o mato fechado e aquele garrote na frente, os vaqueiros todos pertinho um do outro e lá vai, lá vai, lá vai. Aí quando ele via aquele claro que o pasto da fazenda era encostado na mata, quando ele via aquele claro do mato e aquele alvejão que era o pasto, ele se ferrava assim pra trás, mas não passava. Os vaqueiros todos atalhava de novo, eles ficavam na frente dele, batiam de outro lado, de outro lado, ele virava de novo, até que o colocava no curral. Na minha época, né? Então meu pai fez essa roça e o gado fez isso com o meu pai. Daí por diante eu fui crescendo, fui crescendo e graças a Deus meu pai carregou a gente pra roça. Aí chegamos à roça, tinha muita melancia, eu e meu irmão nós levávamos uma faquinha, pra chupar melancia. Aí chegamos lá, enchemos a barriga de água de melancia e começamos a brincar. Porque criança, onde ele tá num canto desse acha brinquedo, parece que adivinha onde tem os brinquedos pra eles brincarem. Veio aquela ideia de nós pegarmos a folha do jerimum, que lá no norte nós chamamos de jerimum, aquele talão grosso assim da folha, a gente com a faquinha tirava aquela copa e ficava aquele canudo meio grosso, cheio de pelo. A gente raspava aquele pelo assim, onde nós tiramos a copa, nós fazíamos um buraquinho aqui e dois mais embaixo, naquele canudo. A gente soprava e saía som. Nós fazíamos essa brincadeira vários dias e meu pai só observando, só observando. Aí ele falou assim pra gente: “Meninos, vocês vão aprender a tocar pife...” a história da zabumba agora, né? “Vocês vão aprender a tocar pife.” “Oh, pai, o que é pife?” “Isso é um pedacinho de madeira, furado assim, seis furozinhos, seis buracos e sete pra soprar. E ali é um instrumento, é um pife”. Ninguém ouvia falar, meu irmão, nessa época em instrumento nenhum a não ser as pessoas que nasceram pra ser cantador, que hoje existe ainda esse pessoal que toca essas músicas sertanejas, né? Só são dois, o primeiro e o segundo pra dar aquele dueto. Então meu pai viu a gente com aquele interesse naqueles brinquedos da folha de jerimum, na época da infância dele ele viu uma banda de pife, ele pequenininho assim que nem eu, ele conheceu uma banda de pife, prestou atenção tudinho como era. Aí foi crescendo, crescendo, crescendo, casou aí vem a família, lá vem... E depois da roça que nós chegamos com esse brinquedo ele se lembrou do pife, daquele tempo, aquele tempo da infância dele, viu? Aí ele falou assim pra nós: “Vocês vão aprender a tocar pife.” “E o que é pife, pai?”. Ele falou assim: “Eles são um pedacinho de madeira com seis buracos, seis furozinhos, três de uma mão, três de outra e um furozinho de sopro, pra assoprar”. Aí pronto, ficamos naquela alegria. Aí ele conhecia um senhor que sabia fazer esse instrumento, o pífano. Foi lá e encomendou a ele um aparelhinho de pife, porque o pife é o seguinte, ele tem três tamanhos pela escala do índio. O pequeno é meia regra, o médio são três quartos, o grande é uma regra inteira. São três tamanhos que tem e três qualidades de tom. O tom regra inteira é bem grave, o segundo é grave também, mas pouco do que a regra inteira e o pequeno é agudo, tem um gravezinho, mas é muito fraquinho. Só agudo direto. Então ele trouxe esse aparelhinho de pife meia regra, nós éramos pequenininhos, os dedos juntos fininhos, entregou pra gente. Mas era tanta alegria que parecia um bocado de cabritos novos pulando em cima de pedras naquela alegria. Aí sopramos não saía som de jeito nenhum, só faziam seis notas, queria tocar como quem já sabia tocar e o som acabou, não saía. Não saía, pelejamos, pelejamos: “Ah não presta não pai. Não sai som não”. A meu irmão falou: “Vamos colocar dois dedos de uma mão, dois dedos de outra, vamos deixar o resto dos outros furozinhos destampado”. Aí fizemos isso, quando nós mudamos saiu o som, aquele som bonito. Aí começamos fazer aquele barulho, só que aquele barulho não dava música, ninguém também não sabia o que era música e começamos aquela brincadeira até que passamos as seis notas. Quando passamos pra seis notas foi a mesma coisa, o som saiu limpo, saía um som que valia a pena, aí pronto, aí ficamos alegres. Quando uma pessoa assoviava naquela época, nós tocávamos, nós não sabíamos o que era música, não tinha nome de música, só quem sabia tocar era tocador e quem sabia cantar era cantor. Só essas duas palavras, músico foi de muito tempo pra cá, que veio aparecer a palavra de músico. Então a gente ficou tocando, quando via uma pessoa assoviar nós tocávamos, quando via outra pessoa assoviar nós tocávamos, era bendito, era... Porque nessa época tudo era religiosa, as músicas de banda de pífano, todos saíam pra tocar só andor, aqueles, sabe? Chama-se andor que é aquele acompanhamento de andor com a zabumba atrás tocando e o pessoal fazia muita promessa pra chover, pra outras coisas e o tempo seco. Quando recebiam aquela graça, faziam uma festa em louvor de nosso pai, que eles pediram pra fazer essa festa, pra chegar isso que eles queriam. Aí quando chegavam eles chamavam meu pai pra tocar. Aí nós íamos tocar terça, aí apareceu novena que era a noite todinha a novena, são nove noites com nove dias, e começamos a tocar. Depois começaram a chamar meu pai pra tocar em enterro de anjo. Aí lá vamos nós tocarmos nos enterros de anjo, com a reza bem apropriada de dentro, o estilo que tem... O enterro de anjo tem a reza das pessoas tocarem, não é todo tipo de música que toca, não. Tem aquelas músicas escolhidas, religiosas pra gente tocar. Até no cemitério quando enterra o anjinho, pronto. Tinha pai de família que soltava fogos, que fogos são alegria, não é tristeza, mas velório é tristeza, mas ninguém chamava lá de velório, era enterro, somente. E sendo adulto, se juntavam aquele povo onde tava aquele corpo ali pra fazer sentinela, chamava sentinela. Tinha a turma que rezava aquelas excelência só do lado desse morto, não era todo tipo de cantiga que cantava, não. Tinha reza apropriada para aquele momento. Então era assim, a noite todinha, todo mundo rezando, outros brincando e lá vai. O mundo é cheio de muitas coisas. O pessoal tomava café a noite todinha que a cachaça, ninguém sabia o que era cachaça nessa época. Tinha uma tal de gasosa, a gasosa feita pela mão de um alemão. Esse alemão morava onde hoje é Serra Talhada, em Pernambuco. Lá o nome, antigamente, quando ele fazia essa gasosa chamava-se Vila Bela, o nome dessa cidade, depois mudaram para Serra Talhada. Aí pronto, meu pai arranjou uma moradia com fazendeiro que criava muito gado e tinha um brejo, o brejo nós chamávamos podia plantar todo tipo de verdura, de milho, cana, arroz, até arroz nós plantávamos. E lá ninguém via arroz nessa época, ninguém sabia nem o que era isso aí. O pessoal saía daquele lugar, tirava o santo de uma casa, botava em outra pra quando chover, que receber aquela graça, buscar aquele santo, com a banda de pífano, fazer um andor, botar aquele santo no andor e todo mundo acompanhava até a chegada da igreja. Até a chegada da casa, porque não tinha igreja. Quando chegava ao terreiro da casa, já estavam pronto com a bandeira, hastear a bandeira com aquele pedaço de pano com a estátua feita na mão daquele santo, o retrato do santo feito no pano da bandeira. Aí quando chegava aquele andor aí é que hasteavam a bandeira, soltavam muitos fogos, depois diante começava a festa até amanhecer o dia a gente tocando. Quando amanhecia o dia o pessoal aprontava ali um almoço pra quem tava ali na festa, para os tocadores, para aquele pessoal rezador e o pessoal da casa da família do povo. Então só saía todo mundo da festa quando almoçava, no outro dia, e assim por diante. Até que um dia, eu vou contar a história agora de Lampião. Até que um dia nós estávamos tocando nove noites de novena lá pra um fazendeiro e perto de Tacaratu, um nome assim Tacaratu que onde tinha um povoado que tinha mais casa, que a cidade era longe uma das outras, muito longe, muito longe nessa época. Então tinha aquela cidadezinha, aquele povoadozinho, o pessoal fazia feira, levava mercadoria para lá pra vender, outros iam comprar e desse jeito assim. Aí pronto. A gente ficava nesse lugar até quando podia ficar. Quando não podia ficar a gente saia dali pra outro canto. Quando nós saímos do nosso natural foi em 1926, numa seca que deu na hora da lavoura criar o grão da lavoura. Quando chegou a hora de criar aquela lavoura, a semente, faltou a chuva, aí perdeu tudo a lavoura, todo mundo perdeu, aí não tinha quem... Um dia de serviço, nem pra comer não tinha, pra pessoa comer. Juntaram-se 13 famílias de meu pai, primo, irmão, tio e tudo, 13 famílias pra ir para o Juazeiro de meu Padre Cícero nessa época. Agora já é outra história. Então a gente fez essa viagem. 13 pais de famílias, uns com oito filhos, outros com dez, outros com 12, outros com 15 e cada pai de família tinha mais filho, parecia um rebanho de cigano. Tinham uns animaizinhos no meio, outros tudo de pé com as trouxinhas de pano nas costas, esteira, nós com a zabumba, nós já tínhamos a zabumba já, nossa zabumba arreava as costas também da gente. Foi a nossa sorte que essa banda de pífano do meu pai deu muita sorte pra nós nessa seca. Nós chegávamos numa arranjo assim, pedindo até esmola pra sobreviver, nós crianças todos pequenos ainda. Aí chegava num arranjo daquele, o fazendeiro se via aperreado, chegava muita gente, muito retirante pra cima e pra baixo, pedindo arranjo na casa dele, mas ele mandava a pessoa ficar perto da parede, não botava pra dentro de casa, porque era muita gente. Aí eles começaram a fazer a casa de arranjo, lá na fachada da casa dele, com uma distância de uns 50 metros mais ou menos, fazia aquele casão, dava pra ver esse ______, esse atrás e esse outro lado, a frente ficava aberta que nem uma garagem. Ali eles tinham um carro de boi, iam ao mato, trazia um carro de boi de lenha, lenha sequinha pra fazer fogo, arranjavam pedra pra fazer as ______ de pedra pra cozinha com aquela lenha, que pobre andava de dia, mas de noite tinha que descansar. Não tinha como fazer uma comida nem nada, que botavam tudo isso. Botavam a lenha, colocavam aquelas pedras pra botar a panela em cima, pra poder cozinhar com lenha aquela panela... Quando tinha o que cozinhar, quando não tinha passava assim mesmo. Aí nós com aquela zabumba começava, os vizinhos lá do fazendeiro iam... Que o pessoal que mora num canto desse, nasce, se cria, pensa que o mundo é só aquilo ali. Então iam pra esses arranjos, pra ver aquele pessoal como era, como era aquele povo, pra divertir um pouco aquele povo. Nós tínhamos a zabumba, aí chegamos lá: “Eles são os zabumbeiros, eles tocam. Então manda eles tocarem”. Eu, meu pai e meu irmão, somente nós três. Aí traziam carne de bode, traziam rapadura, às vezes quando tinha farinha traziam um pouquinho de farinha, um pouquinho de feijão. Pronto. Ali nós naqueles dois, três dias nós não pedíamos esmola. Isso aí direto, sem destino. Sabe que é sem destino, uma coisa assim, sem saber pra onde vai? Não só a gente. Era o nordeste todo, todo. Pra cima e pra baixo assim. Aí o governo de Pernambuco viu esse pessoal morrendo de fome, doença, sede, fome, não tinha nada disso, ele abriu uma rodagem para o interior do sertão que vai para Petrolina, aquela estrada, abriu onde começava o mato grosso. Juntou muita gente pra abrir essa estrada, chamava-se contra a seca, pra dar de comer a esse povo, armava um barracão, esse barracão tinha de tudo para o pessoal comer, de feijão à farinha. A farinha era tão velha que eles botavam aqueles ______ de tingir roupa, que tem uma pedrinhas de ______ assim, quadrada na época, naquelas época, pra tingir aquela roupa quando tava muito velha pra fazer outro tipo de roupa pra dizer que comprou outra roupa, sendo aquela mesmo. A calça se rasgava, meu irmão, botavam tanto remendo que ninguém sabia qual era o pano da calça, de tanto pedacinho de pano, que era pobreza mesmo. Então a gente ficava munido naquela noite, a gente chegava a outro arranjo, o pessoal fazia a mesma coisa: “A zabumba. Eles têm uma zabumba”. Essa zabumba vem dando sorte desde essa época. Que meu pai quando morreu em 55, nós já tocávamos aquela de Recife a Petrolina, nós tocávamos por todos aqueles lugares. Aí na hora que ele adoeceu, que sabia que não escapar, ele pediu à nós, a mim e meu irmão que nós não déssemos fim à zabumba, que ia ser nosso ganha pão, como de fato foi. Vem dando sorte até hoje, que nós estamos vivendo mais do lado de tocada do que de emprego, porque a tocada nós ganhamos um salário. Lá em Caruaru nós tocávamos muito de dia e de noite, de dia e de noite. Chegava um casal de turista, o prefeito chamava a gente pra tocar para aquele casal de turista, que lá chega turista todo dia em Caruaru, todo dia, devido àquela feira grande que tem e mesmo aquele espetáculo da semana santa que é conhecido no mundo, é mundial, que é aquele espetáculo que vem muita gente do estrangeiro pra cá e do Brasil todo. Tem duas cidades grandes e Caruaru é no meio, a cidade de Garanhuns e a capital do Recife. Aquilo ali o que é de hotel, dentro de três meses esse pessoal já começa alugar pra essa época, porque se não alugar logo, perto da semana santa não tem um lugar desocupado, tudo ocupado. Então aqueles que não têm a casa pra ir e ficar lá usam uma barraquinha. Uma barraquinha mesmo, dentro do mato, três, quatro quilômetros só de barraca, assim, pertinho uma da outra, pertinho uma da outra, pretinho uma da outra, dentro daquele mato pra poder assistir esse espetáculo, pra poder assistir também. É tudo em cima de pedra lá, não sei se você já passou por lá pra ver como é. São quinhentas figuras trabalhando, mesma coisa do nascimento do nosso senhor Jesus Cristo em Jerusalém. Muito bonito viu, é muito bonito. Então o negócio do pífano que eu comecei a tocar e viemos tocando, lá vai e lá vai. Aí chegou um tempo que os fazendeiros foram morrendo aquele pessoal mais velho, foi ficando a família e as famílias não continuaram mais aquelas tradições do pai. Fazia todo ano a novena daquele santo e colocava naquela igrejinha, quando eles faziam uma igrejinha lá no pátio da fazenda pra colocar a estátua daquele santo. No dia em que completava um ano era festa do santo, era aniversário do santo, podia o ser o dia que fosse. Então aquele pessoal mais velho foi morrendo e a família foi abandonando a tradição, nós já íamos ficando assim, sem tocar, só música religiosa. Aí começamos a fazer umas musicazinhas mais rápidas, mais ligeiras, que a dança que existia só era a mazuca, o cara com um ganzá tocando, fazendo aqueles versos e o pessoal dançando, um homem e uma mulher, era um homem e uma mulher. Então o homem vinha para aqui a mulher ia pra cá. A mulher vinha pra cá o homem ia pra cá. Só era desse jeito, a noite todinha, a gente amanhecia o dia com o joelho doendo de bater o joelho um no outro. Não tinha nada daquele agarradinho não, que ninguém sabia dançar agarrado. Então veio a valsa. Quando veio a valsa era a mesma coisa, aí começaram a dançar aquele compasso bem espaçoso, os dois, pegavam a mão um do outro, nas valsas, muitas valsas que apareceram. Daí por diante foi chegando aqueles _______ muito baixo, foi o primeiro que apareceu na época e o pessoal foi aprendendo, aprendendo. Daí por diante aumentou mais a dança de forró. Ninguém conhecia forró, só era arrasta pé, que era aquela marcha que tocava bem... Ela fosse lenta, a pessoa tocava bem rápida pra poder o pessoal dançar. Chamava arrasta pé porque tem que arrastar o pé mesmo, aí botaram o nome de arrasta pé. Aí ficamos tocando, tocando, depois veio a sanfona, apareceu a sanfona. Não. Apareceu a que chamava concertina parece, um ______ quadrado, tinha um som bonito, aquele sonzinho bonito. E depois veio a sanfona de oito baixos, poucos baixos, de vinte, ou era de trinta, depois foi aumentando, chegou até ter cento e tantos baixos. Só o baixo e a teclas do outro lado? Aí pronto. Aí começou o forró depois dessas épocas, a gente começou a tocar o forró, apareceu o carnaval, o pessoal foi naquela brincadeira, todo mundo pintado, aquelas roupas rasgadas, outros com a roupa quase pelado. Ali esses carnavais que apareciam de primeiro, o que houvesse dentro do carnaval ficava por conta do carnaval. Não tinha justiça pra isso, podia matar, podia brigar, podia fazer tudo. Não tinha justiça. Só era carnaval, quem pagava era o carnaval. Depois foram vendo isso aí botaram leis, para o pessoal não estar fazendo isso. Aí foi melhorando o carnaval, porque todo mundo que via briga, via essas coisas, não queria enfrentar mais nada disso, que não existia outras brincadeiras, tem que fazer essas coisas assim.
P - E como é que foi quando o senhor encontrou o Lampião?
R - Aí nesse entremeio, nós estávamos tocando essas nove noites, que era onde eu tinha falado, lá em Tacaratu, eu falei ainda, não foi? Mudei a história. Então nós estávamos tocando essas nove noites de novena que o fazendeiro foi lá, contratou o meu pai pra tocar nove dias e nove noite. Aí estavam todos santos lá na igrejinha, eles fazem a igrejinha assim no meio do pátio e ali faz a festa. Limpa, aquela fazenda deles, eles mandaram limpar, que aquele pasto todinho, só ficava os paus de sombra para o gado descansar meio dia. Mas o que era de mato pequeno, arranca toco, arranca tudo, é tudo limpinho assim, aquele pastão todinho, até topar na mata grossa, que chama a caatinga. A mata de lá se chama caatinga na época. Então tocamos, tocamos as nove noite. Nas nove noites, pra amanhecer o dia, pra terminar as nove noites, o fazendeiro foi nesse lugarzinho chamado Tacaratu, tinha um padre lá, um vigário, ele foi chamá-lo pra vir celebrar uma santa missa no outro dia depois da noite, quando amanheceu o dia, ele celebrar a santa missa, encerramento das nove noites de novena. Aí foi buscar o vigário e nós ficamos tocando direto, tocando, tocando. O vigário veio, dormiu na casa da fazenda, amanheceu o dia, quando amanheceu o dia, umas oito e meia pra nove horas, aí o padre desceu lá pra igrejinha mais o fazendeiro e a família do fazendeiro pra celebrar a santa missa. Tudo bem. Quando o padre chegou, nós sentados lá no banquinho, lá no pé de uma cerquinha lá do terreiro da fazenda e ficamos calados. Na hora da missa ninguém fala, só o padre, aquela fala que ninguém entendia o que era, falava em latim na época, lá vai, lá vai, lá vai... Quando demos _____, o rapaz tava assim de frente com a gente, debaixo de um pé de árvore lá chamada Pereira, uma sombra boa, gostosa e várias pessoas. Aí ele olhou assim, nós virados assim pra ele, ele virado assim pra gente, de lá ele viu uma pessoa de dentro do mato, dentro da caatinga, uns 50 cangaceiros, 50 homens montados a cavalo. Quando chegaram no pasto, aí foram abrindo assim, emparearam, todos os 50, na maior carreira dentro do pasto, não tinha gado por ali, não tinha nada par empatar eles correrem. Até que eles ficaram na frente da igrejinha, 50 homens. Lampião andava com dois homens de confiança pra fazer o mandado dele. Lampião não bulia com ninguém, mas tinham dois caras, o mais bravo do bando e de coragem, pra fazer o mandado do Lampião. Lampião quando encontrava um cara meio ignorante, aquele Lampião respeitava da criança até o velhinho, é só falava com respeito. Esses dois homens só falavam quando o Lampião falava pra eles fazer qualquer trabalho, eles não tinham o direito de falar nada, só o Lampião. Chegava a casa de um pobrezinho daquele, pedia quatro ou cinco bode pra dar de comer aos meninos dele. Chamava os meus meninos. Aí o pobrezinho que tinha aqueles bodes no chiqueiro, dizia: “Pois não major?”. Porque apelido de Lampião lá no nordeste era major, ninguém o chamava de Lampião, só era major: “Pois não major, pode pegar tudo que o senhor quiser, cinco, seis ou dez, o que o senhor quiser”. O cara pobre que é, chegar e dizer que não, ele vendo o chiqueiro cheio de bode, então abria mão: “O senhor pode pegar... Eu mando pegar o tanto que o senhor quiser”. Disse: “Não, quatro ou cinco bodes dá”. A pobreza... Tinha um tacho grande feito de zinco, grande e menor pra fazer mel de rapadura, pra fazer aquele mel pra fazer rapadura, tinha um engenhinho de madeira, moía aquela cana e...
P - Só um minutinho pra tocar a fica. A gente precisa trocar a fita senhor Biano, pra gente poder continuar... (troca de fita) Vamos lá então senhor Biano? A gente parou na parte em que quando o Lampião ia pedir o bode para as pessoas.
R - Sim. O Lampião pedia, chegava a casa de um pobrezinho daqueles, carregado de filhos, cinco, oito filhos, até dez, tudo peladinho, às vezes não tinha nem roupa pra vestir. Aí o Lampião trazia com os cabras deles, eles passavam nesses povoados que tinham loja de fazenda... A gente chamava fazenda, não chamava tecido, chamava fazenda. Aquelas peças de fazenda, o Lampião trazia e os cabras dele, e passava nos cantos que a mulher tinha muito ouro, o povo, a mulher com aqueles brincos bonitos, eles chegavam nas orelhas das mulheres, rasgavam, não pediam, rasgavam assim. Se saísse inteiro saía, se rasgava saía rasgado. Pegava todo o dinheiro quanto tinha desse povo. O Lampião chegavam às casas desses pobrezinhos, pegavam uma peça dessas fazendas e uma maquinazinha desse tamanho de costura, de costurar, tinha o _______ e costurava com tudo que ela queria costurar, costurava. Costurava o saco que cereais, porque não tinha fábrica de saco, não tinha nesse tempo, tudo era feito em casa. Cada pai de família daquele tinha um tear, pra tecer, completava o algodão, já aproveitava pra fazer roupa, fazer rede, fazer saco de cereais pra carregar mercadoria de um Estado pra outro no espinhaço de animal. E tudo fazia do algodão, aquele algodão que se plantava na roça, era só pra fazer essas roupas, cada pessoa tinha seu tear na sua casa. Aí pra descaroçar esse algodão, juntava aquela região como uma comunidade, aquele monte de mulher pra descaroçar algodão. Ele tem um caroço no meio, tem uns que tem o caroço pesado e têm outros que tem os caroços tudo esfarelado assim, solto, que nem semente de uma laranja, daquele jeito, tirava aquele carocinho, só ficava a lã. Então aquela lã, ela bota assim, dentro de um balainho bem maneirinho, vai descaroçando e colocando ali, e já tem outro ali fazendo aquele pavio, que nem um pavio. Aí vai puxando aquele algodão, vai fazendo assim, torcendo um pouquinho e vai fazendo, vai pegando outro e vai emendando aqui naquela tira, até quando enche aquele balainho daquele, que nem um pavio de algodão, o algodão fazia isso. Então depois daquele balaio estar tudo cheio, aí levava para o tear. Aí chegava, botava naquelas peçazinhas de madeiras, uma tecia pra cá, outra tecia pra cá, outra tecia pra lá, outra tecia pra cá. Aí fazia o pano de rede, cobertor, roupa pra vestir, tudo era feito no tear. Ninguém podia comprar, ninguém vendia roupa feita naquela época, não. Só peça de tecido. Ninguém fazia, não tinha alfaiate, não tinha nada disso, tudo o pessoal de casa que fazia isso. Então todo mundo sabia fazer isso, cada um fazia um tearzinho em casa, que por uns, outros foram fazendo, foram fazendo, daí enchia a comunidade toda, a região toda. Aí Lampião vinha pra essas fazendas, pessoas de fazendas, dava pra aquele pai de família, dava outro pra outro, assim ajudava a família do nordeste. E quando chegaram nessa festa que nós estávamos tocando, rodearam a igrejinha assim, tudo com as armas em cima da gente. Aí ele falou pra eles antes de chegar, que não era pra bulir com ninguém, nenhum cangaceiro daquele não era pra nem descer do cavalo. O que descesse, desobedecesse, ele matava na hora. Ali podia tá o bispo, o Lampião mandava matar na hora, ali mesmo. Então ele tinha essa ordem. Aí chegaram, meu irmão, o Lampião desceu do cavalo dele e os dois guardas-costas, chamava guardas-costas, aí foram diretinho pra capela e nós lá de fora morrendo, todo mundo. Deu aquela agonia que o sangue fugiu, a língua da gente engrossou dentro da boca do doidinha do medo. Eu mais meu irmão e outro menino, que eram três meninos, deu uma trovoada que daqui pra baixo ficamos tudo molhado, num medo. A gente ficou ali tudo mudo, sem ter assunto de nada e o Lampião entrou pra dentro da igrejinha com os dois caras, quando o padre virou só sentiu aqueles três homens. Aí o pobre não sustentou mais nada na mão, ficou assim, deu uma tremura tão grande que ficou foi todo mundo, ninguém sabia esse homem onde andava. Ele tava bem pertinho, numa loca de pedra com mais de dois meses morando lá, que nem sabia de nome desse homem, quando tava com 12, dez, 15 léguas, o pessoal saía avisando um para o outro: “O Lampião tá ali. O Lampião tá ali”. E todo mundo foi pra beira da estrada corria tudo pra dentro do mato com medo do Lampião. Agora não era medo de Lampião, era mais medo da polícia que perseguia Lampião. Quatro comandante, cada um com uma foice maior e maior, aquele soldado perseguindo Lampião. E ali quem morava na beira da estrada, meu irmão, sofria muito. Tudo ia pra dentro do mato, que a polícia quando sabia, essa polícia quando sabia que tinham dado apoio a Lampião, batia em todo mundo daquela casa, até as crianças, a polícia fazia isso. Ninguém podia ficar com medo dele, não era dele, era da polícia, o Lampião ajudava a pobreza. Tinha vez de a gente ficar uma semana todinha, duas semanas dentro do mato, até acabar a história do Lampião, que já tava longe, aí voltava todo mundo pra suas casas. Meu pai ia buscar comida em casa meia noite em ponto, lá dentro do mato, ia buscar comida em casa, tudo esquisito, não tinha as horas de nada, ele buscava lá pra nós, nós tudo criança ainda, fazia isso. Então quando ele desceu pra dentro da igreja e o padre ficou desse jeito, ele falou para o vigário: “Senhor vigário, o senhor continue a santa missa. Eu não vim aqui bulir com ninguém, eu só vim aqui porque eu soube que o senhor estava aqui e eu devo uma promessa a Nossa Senhora de Tacaratu e não posso entrar lá, o meu negócio que tenho com o senhor é esse”. E o padre, quando ouvia essa palavra, eu tenho um negócio com o senhor, acho que aí acabou de... Porque ele não sabia o assunto qual era. Aí ele falou assim: “Senhor vigário, continue na santa missa, pode continuar na santa missa. Eu não vim aqui bulir com ninguém, só pra falar com o senhor. Pode continuar na santa missa”. Três vezes o pobre do padre sem falar mais nada. Aí se virou para o altar, começou... Aí terminou. Terminou, entrou lá pra trocar de roupa, quando ele entrou lá, os três foram bater lá no banquinho onde nós estávamos, o Lampião e os dois guardas-costas dele. Chegou, ficou meio assim de frente com a gente. Aí ele olhou assim, disse: “Meninos, eu tô vendo vocês com instrumento na mão, vocês são tocadores? Vocês podem tocar meu toque?”. Ao que ele pediu: “Vocês podem tocar meu toque?”. Ainda bem que Deus nos ajudou que um pessoal ouviu essa música do bando, que tinha muito poeta dentro do grupo do Lampião que fazia verso dentro daquele grupo, fazia aqueles versos bonitos e muita gente aprendeu. Quando as pessoas aprenderam que nós estávamos tocando tudo que o pessoal cantava e tocava, nós tocávamos, aí apareceram esses versos de Lampião, primeiro verso do bando do Lampião. Aí nós aprendemos. Quando nós aprendemos o pessoal gostava: “Toca o toque do Lampião”. Aí nós tocávamos, nós tocávamos, nós tocávamos... Aí foi no dia que chegou nessa hora e nós cadê sair fala? Acabou. A língua dobrou dentro, enrolou, ninguém falava nada, os dedos engrossaram, a gente todo molhado: “Ô meu Deus”. Aí chegou falou desse jeito: “Meninos, toca meu toque. Pode tocar meu toque? Sabe tocar meu toque?”. E nós cadê a fala? Pelejamos, mas não falávamos. Depois foi que chegou um fogozinho e a gente: “Nós sabemos, sim senhor” “Então toquem” falou bem grosso: “Então toquem”. E cadê sair som? Dedo grosso, dormente, pelejamos, pelejamos até que o som saiu. O som saiu e nós começamos, começamos, tocamos e terminamos. Quando terminamos ele virou e disse assim para os dois caras dele e falou assim: “Vocês estão vendo essas crianças como é que tocam e vocês dois cavalão desse não tocam piroca nenhuma”. Nisso o coração da gente mexeu que ele deu valor, nós sentimos que ele deu valor pra nós. Aí ele falou isso para os dois guardas-costas dele: “Vocês não sabem tocar piroca nenhuma”. Pronto. Daí por diante chegou o fazendeiro, o fazendeiro chamou o vigário pra ir pro almoço e chegou o major Lampião e foi o _______ todinho de gente que tava na festa, tudo na frente e aquele danação de cangaceiro tudo atrás. A gente, eu no meu pensamento pensei assim, digo: “Olha, nós somos os gados e esses cangaceiros são os vaqueiros, levando a gente para o curral que era a casa do fazendeiro que era meio distante”. O almoço lá pronto, que lá tinha uma turma de quando inicia a época, já tinha uma turma de gente uma família todinha que sabia cozinhar, era convidada. Quando eles faziam uma festa, chamavam aquela família pra cozinhar a noite todinha pra no outro dia a comida amanhecer pronta. Isso o pessoal fazia. A comida tava toda pronta, o fazendeiro mandava matar de toda qualidade de animal que tinha na fazenda, matava para o pessoal comer. Muita gente numa festa, não é? Era uma latada grande assim, encostada na casa do fazendeiro, fazia uma latada de folha de mato, quando tinha muito pé de coco, faziam de palha de coco, aquela latada bem grande pra de noite não chover, não molhar aquelas comidas. Bem feito. Aí ficamos debaixo a noite todinha, até amanhecer o dia. Panela de barro e outra de zinco, outra de latão, aqueles tachões, tudo cheio de comida, ô meu irmão, quando esses cabras chegaram à casa do homem, entraram na casa, mas não ficou um pedaço de nada para o pessoal comer. Também ninguém sentiu fome nesse dia, o medo guardou a fome. Outra coisa, aí os cangaceiros, o roçado do homem, pegava assim, a cerca pegava da parede da casa do homem e a outra cerca pegava dali daquele outro lado. Da cozinha do homem a gente não enxergava o fim da roça de milho maduro, o milho já tava amarelando a palha, já bom de virar. O milho maduro seco, lá no nordeste, ele não pode ficar seco no pé porque dá aquelas chuvinhas de água, molha a espiga e o caroço do milho apodrece. Tem quando ele tá com aquela palha amarela, que não tem mais jeito no olho do milho, do caroço, eles viravam do pé da espiga pra baixo, vira aquela espiga de milho, ela fica com a ponta pra baixo, ali pronto. Ali pode passar o ano todinho dentro da roça, o milho tá bonzinho dentro, não entra água. O ________ esse. Então os fazendeiros almoçaram, comeram essa comida todinha, depois falaram com o dono da casa, os cangaceiros falaram com o dono da casa pra tirar um moinho de palha pra cada um dos cavalos deles. Cada um tirava um moinho de palha para os cavalos comerem. Tá tudo amarrado assim, na cerca de um lado e de outro. Aquela carreira de cavalo, eles tudo dentro da casa, aquele jeito de homem medonho. Aí eles traziam uns _______ e tinham uns tocadores naquele meio, violão, de tudo. De tudo tinha dentro, parecia uma festa. Aí pediram ao dono da casa pra tocar um pouquinho pra o pessoal da festa brincar, dançar um pouco. Aí o Lampião sentado numa rede, o fazendeiro armou a rede para Lampião sentar e o botou um tamborete para o vigário sentar. A rede para o Lampião, um canto macio, o major Lampião, e o vigário no tamborete. A mobília do tempo antigamente só era tamborete. Tamborete, cadeira e mesa, tudo assim, de madeira. Aí o Lampião dizia assim: “Major, sente-se na rede que eu me sento no tamborete”. Aí o Lampião dizia: “Não, senhor vigário, sente-se na rede que eu me sento no tamborete”. E pelejaram umas quatro ou cinco vezes de um para o outro e terminou o Lampião sentando no tamborete e a rede para o vigário. Aí ele foi contar a história que tinha chegado lá apressado pra dar um dinheiro ao padre que devia uma promessa a Nossa Senhora de Tacaratu e não podia entrar lá pra pagar porque só tinham cinco soldado nessa época. Lampião, meu irmão, conhecia o nordeste todinho, de canto a canto. Eles chegavam à casa de um fazendeiro daquele, tinha aquela serrona lá por perto, pedra pra todo lado, às vezes tinha uma loca de pedra que dava pra morar duas, três famílias, feito da natureza, aquela casona lá pra dentro assim. Mesmo assim, do jeito de uma laje, feito tudo da pedra. Aqui pedra, pedra lá em cima e pedra cercado por todo lado, é aquele vão grande bem lá pra dentro que nem um armazém, cheio de cobra, cheio de morcegos, cheio de tudo, de todos os insetos. O Lampião só gostava desses cantos. Ele morava mês e mês ali, ninguém sabia da história do Lampião, só quem sabia era o fazendeiro e o vaqueiro. Ele pedia ali a eles dois pra não avisar que o Lampião estava ali. Ali eles matavam boi, passavam aqueles gados por lá, pegava aqueles bois mais gordos que tinha, matava, fazia carne de sol. Tinha aqueles paus com aquelas varas, eles enchiam com carne de sol, aquela carne ficava bem curtida, levava sol, sereno e chuva, no sol. Essa carne ficava bem curtida, a mosca não tinha direito de por porque eles botavam muito sal, muito tempero, a carne de sol. E sabe o que eles faziam, os comandantes com o Lampião? A mesma coisinha de hoje, tá a mesma continuação, só que o Lampião era dentro do mato e hoje é dentro da cidade. Eles faziam isso, deixavam a foice recolhida lá num canto, os quatro comandantes e o vaqueiro vinham pra tá no meio, porque quem sabia era o vaqueiro e o dono da fazenda, vinham com esses homens de lá, os quatro comandantes e a polícia ficava toda lá recolhida. Chegava quando o Lampião tava pousado nessa loca de pedra, tinham aqueles caras que sabiam fazer comida para os outros, porque sempre tem uns mais jeitosos do que outros. Aí traziam um cangaceiro daquele que sabia assar carne, fazer essas comidas assim, pra bem distante dos cangaceiros da loca de pedra, assim debaixo de um pé de árvore que tinha muita sombra. Os quatro comandantes chegavam ali, o cangaceiro ia assar carne pra eles comerem, os quatro comandantes, Lampião e jogar sueca, jogar sueca. O primeiro jogo que existiu no mundo nesse tempo era um baralho de jogar sueca. O Lampião jogava sueca com os quatro comandantes, comendo carne assada que o cangaceiro tava assando e o Lampião debulhava o dinheiro que pegava durante o tempo todinho que ele andou naquele tempo, dinheiro guardado na maçaneta da serra dentro de uma toalha de banho desse tamanho, passava aquele dinheiro pra esses quatro comandantes, e os quatro comandantes saíam cheios daquele dinheiro e iam embora. O Lampião fazia isso. O Lampião pedia o cavalo do fazendeiro, porque os fazendeiros nessa época não tinha carro, não tinha nada disso, porque os carros que existiam eram os carros de boi pra carregar a madeira, pedra, o que precisava, mas pra outras coisas não tinha. Então cada um daquele fazendeiro, a esposa, os filhos, cada um tinha um cavalo bem tratado, aquele cavalo era tão gordinho que a garupa dele chega fazer aquele abaloado, chega lombear de tão bem tratado que eram os passeios que eles faziam tudo montado a cavalo. Um arreio tão bonito, de couro, de vaqueta, bem desenhada, aquelas argolas das (brides?). Que tem as (brides?), tem o cabresto do cavalo e têm as (brides?). As (brides?) são um material feito de sola e pedaço de sola daqui da orelha do cavalo por cima, dois pedaços aqui, dois pedaços por baixo e aqui no meio a boca do animal, né? No meio a boca do animal. E aqui por cima do focinho do cavalo, uma serra bem amolada, que nem um serrote, sabe aqueles serrotes de serrar? Daquele jeito. Que o cavalo quando é desobediente o pessoal fazia isso, bota aquele pedacinho de ferro de um lado e de outro, e tem aquelas argolas de sustentar. Aquelas argolas todinhas, tudo de ouro mesmo, do material dos fazendeiros, umas mantas que eles penduram no peito do cavalo que é tudo bem bonito, aquilo bem desenhado, tudo com ouro por todo canto, muito ouro. Então o Lampião pedia esse cavalo do fazendeiro, um guarda-chuva e um chapéu grande de massa, daquele tempo que vinha aquele chapéu chamava Ramezoni, era feito de uma massa que era uma coberta que não passava água, vestia um terno de gazimira, uma bota grande que o fazendeiro usava. Esse homem saía no meio do mundo, de povoado a povoado, de cidade a cidade. Chegava lá onde ele ia, pedia uma pessoa pra ficar cuidando do cavalo, senão amarrava assim num canto, ele ia pra delegacia. Pra delegacia não. Pra cadeia. Nesse tempo só tinha cadeia, o nome da cadeia. Chegava lá, olhava as armas que tinha, os presos, chegava lá, dava uns trocadinhos para os presos, entrava no comércio, via as lojas, via tudo. Tudo isso o Lampião via, quando chegava onde estavam os cabras, ele dizia: “Meninos, vamos levantar o acampamento. Já sei quando é que nós vamos”. Já ia tudo de caminho feito, o nordeste todo. Ele ___________ de padre Cícero do Juazeiro. Todo ano ele ia lá tomar benção, ver o padre, meu padrinho dava uns conselhos pra ele. Por que Lampião andava no mundo, não era fazendo isso? Não tem cabimento. Lampião tinha fábrica bala no mato, Lampião tinha roupa pra vestir, tudo isso munido de tudo. Armamento, tudo isso munido, muita munição, ô meu pai, não tem lógica, não tem lógica pra ser assim. Aqui dentro das cidades não, é bandido. Faz a mesma coisa, faz a mesma coisa. Pega aquele dinheirão no banco, vira tudo, chega lá dentro tá os donos do dinheiro...
P - [Voltando um pouco à banda de pífanos agora, a gente falando um pouco da banda de pífanos, o senhor inovou o pífano. O senhor tem uma técnica que o senhor fez uma diferença... Conta um pouquinho dessa história pra gente também.
R - De que...
P - Do pífano que o senhor falou da quantidade de tons que o senhor conseguia tirar.
R - É que eu não contei ainda, é verdade. (risos)
P - Conta um pouquinho dessa história pra mim.
R - Que nós brincávamos... Vamos mudar a história agora, que minha história é muito longa. Tenho muita história pra contar, graças a Deus, porque meu pai contava e a gente em criança a gente aprende na memória da gente e a gente aprende muita coisa. Leitura não, porque ninguém tinha leitura naquela época, mas ciência existia muita. Então meu pai, um homem muito estudioso, tinha um senhor lá no norte, um velhinho, velhinho mesmo, cabecinha alvinha, um livro que era dessa grossura assim, esse livro, e grandão, parecia uma janela o tamanho. A gente compara com uma janela, a gente criança. Nós íamos brincar, juntava aquelas famílias pra ver esse velhinho contar história e abrir esse livro, contar tudo que passou para os outros séculos, esse velhinho contava desse livro. O remédio pra todo mundo que adoecia, tinha o nome do remédio dentro daquele livro, de todo tipo de doença e de história. Aí meu pai ia pra lá só pra ouvir, os pais de família ouvir esse velhinho contar essas histórias e as crianças tudo no terreiro brincando. A lua clara parecia um dia, as criancinhas tudo brincando no terreiro e os pais e as mães das crianças tudo vendo esse velhinho conversar. Então meu pai aprendeu muitas histórias desse velhinho e ele ensinou pra gente também um pouco de história. A gente tudo pequeno, eu aprendi um pouco dessas histórias também, de história do que vinha aparecer no mundo, já tava tudo certinho, os caminhos tudo certo, os tempos tudo certo dentro daquele livro. Então meu pai guardou um pouco dessas histórias, eu também peguei um pouquinho de meu pai, que o velhinho falava assim: “Olhe, vem um tempo, vem um tempo aí que do ano de 1960 por diante quem for vivo vai ver muita coisa. Vai ver muito choro, vai ver muito sangue derramado, da pessoa desejar morrer. Quem for vivo vai passar por esse tempo”. Aí começou mesmo de 60, algum reboliço pra ali, outro pra acolá, pai matando filho, ele disse assim: “Pai vai matar filho, filho vai matar pai, irmão mata o outro e vai haver muita coisa, muito sangue derramado, muita lágrima derramada. Não tem cadeia que caiba esse povo”. Justamente chegou esse tempo e a guerra civil pegar nos quatro cantos do mundo. A guerra civil, o mais velho fala: “Olha nossa guerra”. E a guerra civil que foi essa turma de bandido que todo canto apareceu. Foi aparecendo num canto, foi aparecendo noutro e aí encheu o mundo. Completou. Essa guerra nunca mais parou. Era essa guerra. Então ele disse assim: “Olhe, tem um tempo aí que vem um camelo, passa no fundo de uma agulha”. Que comparação rapaz, que um camelo, um animal grande, pra gente montar nele ele tem que se deitar, se vai levantar pra poder montar. Falou isso, que o camelo passava no fundo de uma agulha. E apareceu esse negócio, apareceu esse negócio. E disse mais assim também, disse: “Olhe, vem um tempo que os lugares não cabem água a não ser o rio. A maioria do mundo, onde tem canto baixo vai chegar muita água”. Tudo isso já vimos passar, tudo isso. Disse assim, outra história, ele disse: “Vem um tempo que a roda grande passa por dentro da pequena”. Olha que comparação das histórias dos mais antigos. Eu em minha opinião, no meu pensamento, eu pensei isso aí e eu acho que só foi isso que eu pensei. Foi chegar esse aguaceiro em tudo essas cidades que vem por aí que cobriu até as casas, cobriu até as casas. Esse ricão cheio de muita mercadoria, armazém cheio de carro, de mercadoria, ficar dentro d’água dois, três, quatro dias dentro da água e aquilo ali não prestar mais. Ele perder tudo aquilo ali, ir pra debaixo de um galpão do _______ correu com medo dali, foi ficar debaixo de um galpão porque não tinha pra onde ir. Todas as famílias que podiam ir pra ali e ele também tava no meio. Foi isso que eu estudei, que a roda grande passou por dentro da pequena, que o rio ficou igual ao pobre nesse dia, não é verdade? Eu por mim pensei isso. Eu acho que não foi outra coisa, que uma casa de mercadoria cheia d’água, de carro, de outra mercadoria, três ou quatro dias dentro d’água, dali por diante aquilo ali de dinheiro e tudo, se acabou tudo, não é verdade? Então foi pra debaixo do galpão junto com os pobres.
P - E quando foi que o senhor e seu irmão descobriram mais 21 tons dentro da flauta de pífano, como é que foi? Porque antes tinham muito menos possibilidades dentro da flauta, como é que foi essa história?
R - De?
P - Quando o senhor modificou a flauta, colocou mais 21 tons na flauta e tudo mais, deixou o pífano mais moderno.
R - Sim, sim. Agora eu entendi.
P - Como foi essa história?
R - Essa história, meu irmão, foi que a gente, na época, que nós aprendemos a tocar, só existia esse tipo de som nesse pife, no instrumento do pife. Então a música que nós aprendemos de reza, bendito, que era tudo religiosa, essa música a gente foi tocando e aprendendo com aquelas mulheres, com aquelas senhoras rezavam muito, muitos benditos, muita reza e a gente foi aprendendo, aprendendo, aprendendo. Até que chegou o dia da gente... Que nem a história que eu contei da roça, que o instrumento que veio de dentro da roça, pelos canudos da folha do jerimum. Porque nós fazendo aquele trabalho, meu pai vendo aquela continuação minha e de meu irmão, nós tirávamos a copa da folha do jerimum, fazia um buraquinho aqui, dois mais embaixo e soprava e sair som. Aí nós continuamos a fazer aquilo ali e meu pai observando e lá vai, lá vai, ele lembrou-se da história do pife, que nos viu com aquela continuação, nós dois e saindo som. Aí ele disse: “Esses meninos vão aprender a tocar pife”. Que nem eu falei ainda agora, tô repetindo. Então nós perguntamos: “Meu pai o que é pife?”. Ele disse: “Um pedacinho de madeira com seis buracos, sete com um do sopro. Vai soprar em cima e tem seis mais embaixo dos dedos. Aí se chama pife e esse pife é feito de madeira, de um pedaço de madeira, madeira ocada. Chama-se madeira ocada, ninguém sabe o nome certo desse centro, de qualquer cano. Então ali o pessoal tocava. Que eu vi na minha infância, eu vi uma banda de pife tocando, uma banda de pife, não. Não chamava de banda de pife, chamava Terra de Zabumba, ou Esquenta Mulher, ou Quebra Resguardo, ou outro, tem três, quatro nomes em banda de pífano. A do meu pai era Cabaçal, era Zabumba Cabaçal. Já de outra era Terra de Zabumba, já de outra era Quebra Resguardo, a história do Quebra Resguardo... Porque a gente vai tocar uma festa, quando vai chegando pertinho da casa a mulher tinha dado a luz de uma criança e a criança e a mulher estão dentro do quarto. Naquela época era 40 dias com 40 noite que aquela mulher passava tirando esse tempo todinho dentro do quarto com a criança. Não ia pra fora, só dentro de casa e dentro do quarto só, esses dias todinhos. Aí essa mulher tava lá quietinha no canto dela com a criança, aí a banda de pife chegava, tocava no terreiro, pronto. A mulher quebrava o resguardo e quebrar o resguardo a mulher adoece. É uma doença ruim que elas têm quando quebra o resguardo pra melhorar, mas depois passa aquele remédio de pé de folha de pau, raspa da madeira, da casca. Todos os remédios eram esse e depois a mulher melhorava. Aí tinha a banda de pife que chamava Quebra de Resguardo e outra Terra de Zabumba, outra Cabaçal, eram quatro nomes que tinham de zabumba. Então a banda de zabumba de meu pai chamava-se Cabaçal, é o nome da zabumba dele, porque cada qual tinha o seu nome. Daí por diante nós começamos a tocar. Aí chegou dez anos de idade, lá vai eu, minha astúcia de eu ter a curiosidade de meus pensamentos serem positivos, aí eu vi o pifezinho e eu vou fazer. Aí comecei a fazer o pífano. Comecei a fazer e tocar no mesmo tom, que o tom natural é só seis notas, assim, levantado os dedos assim. Não tem recurso nenhum, só é isso. Aquele tom alto na finalidade dele, o tom mais alto que o pife tem, que chama o agudo. Nesse tempo não era agudo era outro nome diferente. Era o agudo dele, toda a maioria de todas as músicas ocupava esse tom. Aí eu mais meu irmão nós colocávamos aqui, olhando para as notas aqui, fomos tirando aqui os dedos de uma nota pra outra fazendo aquele dueto. Ele fazia um som e eu fazia outro, ele fazia primeiro, eu fazia a segunda. Eu fazia primeiro, ele fazia a segunda, tudo entoadinho fazendo aquelas notas. E daí por diante nós começamos tirar aquele som de dentro do pife, de dentro dessas notas. Até que chegou um dia que nós completamos 21 tons dentro do pífano. A gente tocava uma música nos quatro, cinco tons, que só tocava naquele som agudo, não tinha outro tom pra tocar. Nós descobrimos isso tudinho, até quando nós começamos ver essas flautas transversais nas bandas de músicas, no clarinete, depois nesses outros conjuntos que começaram a aparecer. Aí nós fomos fazer esse recurso aqui no pífano pra chegar pelo menos pertinho da flauta transversal que é o mesmo tom do pífano, a mesma coisa, o tom de um é de outro. Então eu mais meu irmão caprichamos dentro da nota aqui, duas notas dessa dá três tons. Aí descobrimos o segredo de chegar perto da flauta transversal. Uma nota dessa dá três tons, todas elas, pra ocupar o começo da música e o de terminar da música, que no som natural não dá, nem o começo da música, certo? Nem o de terminar da música, que falta o recurso e esse recurso nós fizemos, chegou em nossas mãos graças ao nosso pai poderoso. Então eu vou mostrar aqui, eu posso mostrar aqui um pouco?
R - [Pode. Por favor. Pode sim. Por favor.
P - Então o recurso que nós achamos aqui, foi nós fazermos três tons numa nota. Vou fazer agora, ver se o fôlego ainda dá, porque eu já cheguei 90 anos, tô cansado, mas ainda faço o meu trabalho ainda aqui, como comecei. Tô ainda meio fraco, mas Deus me dá força e eu tô sustentando a barra. Meu já faleceu, meu irmão já faleceu, já chegaram meus 90 anos. Já estou com 90 anos e quatro meses de frente e estou ainda no meu trabalho que meu pai deixou pra nós, pra minha família e a família de meu irmão. Vou fazer aqui um som pra ver como é o recurso do pífano pra pegar o tom da flauta. Vou fazer o som agora pra vocês verem, começar dos tons. (tons da flauta) É esse recurso que faltava nós aprendermos e a gente aprendeu. Agora com esse som que nós aprendemos, eu faço aqui um sonzinho de Asa Branca só com três notas. Por quê? Porque tem esse recurso. Fosse fazer com os tons naturais que nós tocávamos naquele tom natural, nós não fazíamos um pouquinho da música em três notas. E ela sai toda certinha com três notas com recurso que eu mais meu irmão aprendemos aqui dentro do pífano, dessas seis notas. Em todas elas dão três tons, todas elas. Então esses três tons, pra nós tocarmos todo tipo de música com o tom certinho, como a música é feita, vou ver como é que... Tocar o que é que agora só dá meio tom. Tem um samba matuto que eu fiz que é quase todo em meio tom. Posso tocar?
P - Por favor.
R - (som da flauta) Viu como ela ocupa a voltinha aqui? Três tons tem que dar nessa volta pra ela poder ficar certinha, porque se ficar lá no tom natural não chega. A estrofe aqui de Asa Branca, em três notas que eu faço ela aqui. (som da flauta)
P - A gente precisa tocar a fita de novo senhor Biano. O senhor quer mais água? (troca de fita) E aí senhor Biano, vamos retomar então daquela parte que eu falei para o senhor, essa coisa da mistura do pessoal com Pipoca Moderna, pessoal ______, como é que eles chegaram até o senhor? Como é que foi esse contato, como é que foi essa história, se foi legal para o senhor, se não foi.
R - Ah meu irmão, nós chegamos a Caruaru em 1939. No mês de novembro de 39 a gente chegou a Caruaru. Nós não somos caruaruenses, não. Nós somos Alagoanos. Minha família é toda Alagoana. Agora meus filhos são todos pernambucanos, porque eu cheguei a Caruaru solteiro, aí me casei lá, construí família, é tudo pernambucano minha família, mas eu sou alagoano, da família de meu pai tudo é alagoano. Então nós seguimos tocando desde o tempo que nós chegamos a Caruaru, que a gente vem tocando com o pessoal de lá e a gente... Fazendo música, que eu sei compor música, não é por leitura, não é por partitura porque eu não conheço as letras de música. Minhas músicas, eu faço essas músicas minhas tudo através de um canto de pássaro, da carreira de um animal, do canto de pássaro aí de carreira de animal, das rodas de uma máquina. Minhas músicas são feita assim. Então minhas músicas, quando é de madrugada, de quatro horas até seis horas, vêm umas músicas em meu ouvido que vêm prontinhas. Elas tão no meu ouvido tocando, no meu ouvido. Eu tô assistindo, se aquela música que tá tocando no meu ouvido, eu dormir, pronto. Ela não vem mais, não a pego. Aí vem outra, vem outra no meu ouvido de novo. Quando eu a ouço no meu ouvido, aí eu faço tudo pra não dormir praquela música eu pegar. Então aquela música quando eu não durmo, ela fica gravada dentro do meu pensamento. Então aquela música depois eu pego o meu pífano e já a toco. Tem música que vem dentro do meu pensamento, mas tocando dentro da festa, dentro da igreja, nas praças, nos clubes. Então vem uma música naquele momento dentro do meu ouvido e eu a toco naquela hora que ela chega ao meu ouvido. Eu a toco. Aí meus filhos e meus sobrinhos que tocam mais eu, dizem assim: “Oh, tio? Que música é essa? Nunca ouvimos”. Dizer que ela chegou agora no meu ouvido. Toquei agora porque chegou ao meu ouvido. “Toca de novo pai, tio”. Eu digo: “Eu não sei por onde foi, não. Não gravei ela, não”. Aí começa a tocar, né? Nós viemos gravar aí na CBS, o produtor da CBS do Rio precisou de um tipo de música desse nosso, de banda de pífano, lá pra um trabalho que ele tava fazendo. Então ele foi a Caruaru. Chegou lá falou com o prefeito, falou lá com o povo de lá como é que reunia a banda de pífano de Caruaru porque ele queria ver se o prefeito dava ordem pra eles irem ao Rio gravarem um disco de um trabalho: “Eu tô precisando desse tipo de serviço, que eu soube que tinha uma banda de pife em Caruaru muito boa, que as músicas deles lá davam pra gravar e eu vim atrás desse pessoal. O senhor vai ver de reunir esse povo?” “Isso é fácil, manda o...”. E onde nós estávamos, um trabalhando em um canto, outro trabalhando em outro, nesse tempo todo mundo trabalhava. Eu era empregado de uma firma, os meus meninos trabalhavam mais eu na firma, os filhos de meu irmão eram sapateiros em outra firma, trabalhavam de sapateiro e a gente ficava bem longe um do outro. Aí naquele momento que precisava a gente saía do serviço e nós já deixávamos outra pessoa, não podia parar a máquina, ela tinha que ficar trabalhando. Mas como a gente... Eu tinha esse meu ramo de trabalhar, minha profissão de meu nascimento, então não podia faltar ao povo que me fazia esse pedido. Então eu já tinha as pessoas que eu deixava a máquina trabalhando e eu saía, fazia meu trabalho e voltava de novo pra minha máquina. Porque o dono da firma era um grande fã da banda de pífano, quando ele completava a era dele, no aniversário dele, ele convidava a minha banda pra tocar no aniversário dele. O dono dessa firma. Era um grande homem e um fã da banda. Em Caruaru, o pessoal de Caruaru, os mais altos de dentro das leis eram fãs de nossa banda. Era professora de colégio particular, dono de colégio particular. Era o bispo de Caruaru, nós tocávamos no aniversário dele. O juiz da primeira vara era fã da banda, nós tocávamos no aniversário dele. De todo esse pessoal. Eles precisavam da banda na hora que iam casar, esse pessoal de alta posição, iam pra igreja se casar, convidavam nossa banda pra nós fazermos uma surpresa pra esse povo que ia se casar. Na hora que ia saindo da igreja nós ficávamos três de um lado da porta da igreja e outros três do outro lado escondidos. Quando esse pessoal chegava à calçada da igreja já tinha uma pessoa lá de lado pra frisar, pra nós tocarmos aquela música. E aquele pessoal se assombrava com aquele estrondo que vinha daquela hora. Todo mundo ria, todo mundo achava bonito. Eles preparavam isso pra gente em Caruaru. Muitas vezes faziam isso. Então a gente tocava em Caruaru pra todo pessoal que chegava, de turista e o prefeito chamava a gente pra fazer aquela festa. Foi tempo também que Gilberto Gil precisou também ir ao nordeste, morava no Rio, né? Ir para o nordeste fazer um disco só de cultura, cultura de bumba meu boi, samba de coco, samba de viola, de palma de irmão. Todas essas coisas que são de cultura, ele foi pra Caruaru atrás de nossa banda pra gente tocar pra ele ouvir e tirar uma música pra gravar também, pra ele gravar nesse disco dele. O disco tem o título de Dois, dois, dois. Expresso Dois, dois, dois. Ele gravou. A gente ficou pensando que esse homem não ia gravar, não. A gente olhou assim pra ele, ele assim muito... Mas ficamos na nossa atividade. Aí o prefeito mandou chamar a gente pra tocar pro Gilberto Gil ouvir. Eu tava até na roça, porque no dia que eu... Tinha dia que eu trabalhava em três serviços. Eu trabalhava primeiro no meu serviço de minha obrigação, as minhas oito horas diretas. Porque eu falei pro patrão fazer isso pra mim, que eu tocava novena, tudo que o pessoal queria que tocasse, nós íamos tocar. Aí me deram essa liberdade porque também eu nunca faltei no serviço, nunca parou a máquina, que quando eu saía deixava outro amigo trabalhando. Quando outro amigo precisava de mim eu tirava o serviço dele também, e assim por diante. Nunca perdi uma novena, nunca perdi uma procissão, nunca perdi um casamento. Nós tocávamos em muitos casamentos com a nossa banda porque o pessoal achava melhor do que certos sanfoneiros. E ficamos nessa luta. Depois, nós morando em Caruaru, chegou uma máquina lá de fazer pipoca desse milho que nós fazemos a canjica, fazemos a pamonha com o milho cozinhado, fazemos o angu, tudo esse milho comum. E essa máquina veio fazendo essa pipoca desse caroço de milho comum, que a gente nunca tinha visto. Aí saiu essa pipoca, ela grandona assim parecia um cravo branco. Quem conhece um cravo branco, é muito bonito um cravo branco, né? É um tipo de uma rosa assim, mas é lindo. Aquela pipocona bonita, alvinha. Eu digo: “Mas que coisa linda, meu Deus. Um caroço de milho dar uma pipoca desse tamanho”. Aí veio ao meu pensamento de eu inspirar uma música em cima daquela pipoca. Eu pensei assim, como é que eu entrava nessa luta e lá vai, lá vai, lá vai, lá vai. E fui estudando no meu pensamento, porque eu não sei ler, não sei tocar uma música por letra que eu não conheço letra de música, nem partitura, nem nada. Tudo é de ouvido. É escala de pife, é fazer zabumba, é fazer caixa, é fazer surdo. Todo instrumento eu que faço. Toda escala que eu quero botar nesses instrumentos eu coloco, de meu ouvido. Então inspirei essa música, deu trabalho pra eu juntar tudinho direitinho e botar o nome dessa música de Pipoca Moderna. Porque uma pipoca daquele tamanho só sendo moderna mesmo, porque era bonita a pipoca. Desse milhinho de fazer pipoca, nós o plantamos na roça só pra comer pipoca, não serve pra outra coisa. Serve pra fazer pipoca. Não serve pra fazer xerém, não serve pra fazer angu, não tem massa, só aquele carocinho de xerém duro. Ninguém pode fazer outra coisa, só pipoca. Agora botou dentro da panela, vê a guerra começar dos caroços de milho: “Traaaa tatatata...”. Pipoca pra todo lado. Eu inspirei uma música também do milho de pipoca, de fazer a pipoca em casa. Aí eu inspirei outra música da Pipoca, pipoquinha, e a outra Pipoca Moderna. Duas pipocas eu fiz de música, fiz com a minha inteligência que Deus me deu e o dom que Ele me deu. Graças a Deus eu tenho ido muito bem e tô indo. Graças a Deus o pife me deu muito dinheiro pra eu pagar minhas dívidas, pra eu fazer as minhas compras, pra eu comprar o que eu quisesse, pagar aluguel de casa que eu nunca paguei na minha vida. Comprei uma casinha em Caruaru, porque eu morava pertinho de Caruaru, mas eu gostava da cidade. Comprei uma casa dentro da cidade. Tudo com o dinheiro do meu pifezinho. Porque eu morava na... (pausa) Continuando na pipoquinha. A pipoquinha nós fazíamos lá em casa, eu via a estraladerinha que ela dava, o milho dentro da panela. Então eu estudei assim, como é que eu fazia essa pipoquinha uma música, inspirada do caroço de milho de pipoca. Aí veio a ideia. Ela foi feita assim, toca aquele trechozinho da música e quando é na hora do milho pipocar a percussão toca no ato do instrumento: “Traaaa tatatata...”. Mesma coisa que o estralo da pipoca. Aí quando eles param eu começo na música, na continuação da música. Depois vem de novo a pipoquinha, de novo: “Tatatatata rrrrrrrrrr...” a caixa “Rrrrrrrrr tatatata...”. Isso aí eu inspirei essa música no caroço de milho de pipoca. Então o pessoal admirava. Essa Pipoca Moderna foi uma música muito bonita que eu preparei, que eu fiz com a minha inteligência que Deus me deu, que é mais preferida do mundo. Todos os conjuntos que tem em cima da terra de nosso senhor Jesus Cristo, muitos conjuntos já gravaram essa Pipoca Moderna. Gilberto Gil saiu uma vez daqui do Brasil pra ir pro estrangeiro, não sei se foi à França, se foi se foi à América do Norte. Não sei. Um país lá. Ele passou um mês tocando lá nesse local onde ele foi, no estrangeiro. A abertura que ele fazia lá era com Pipoca Moderna, da minha banda de pífano. Então o pessoal ficou muito preferido com essa música e com A briga do cachorro com a onça. Porque eu também fiz essa música da briga do cachorro com a onça, ao vivo a onça com o cachorro... A onça presa, porque uma onça não briga... Um cachorro não briga com uma onça porque a onça é um animal de muita força, se um cachorro se encostar numa onça, ela só basta dar um soco no focinho dele: “Auffff”. O cachorro já cai morto, quem dirá bater no cachorro. Pra um cachorro brigar com uma onça, não existe esse que conte essa história que seja verdade. Então o cachorro acuava a onça porque ela tava presa. O fazendeiro tinha muito prejuízo com a criação de bode e ovelha, até o bezerro. As onças faziam o estrago maior do mundo no rebanho desses animais do fazendeiro. Depois apareceu um rapaz lá nessa região nossa lá, que sabia fazer uma armadilha pra pegar onça, pegar qualquer animal do tamanho de uma onça, com essa armadilha. E os fazendeiros o chamaram pra fazer uma armadilha pra ver se pegava mesmo, porque o fazendeiro também não acreditou. O cara fazer uma armadilha pra pegar uma onça? Do jeito que uma onça é grande? Ela não é muito alta, ela tem um metro e meio mais ou menos, um metro, um metro e meio talvez de altura, mas de comprimento ela tem uns três metros mais ou menos, de dois e meio a três metros. Ela é comprida, mas é baixa. Essa bicha tem muita força, muita força. Aí os fazendeiros: “É, vamos”. Convidaram-no pra fazer a armadilha lá no pé da serra onde tem o foco das onças. Aí o cara fez o chiqueiro lá. Chama-se o chiqueiro. Outros chamam armadilha porque é armadilha mesmo. Ele fez assim, procurou as madeiras mais fortes que tinha, madeira forte. Aquelas madeiras bem __________, bem comprida que desse pra lascar no meio com o machado. Fazia as duas bandas, de um lado e de outro, igualzinha. Aquelas duas bandas sendo da mesma madeira porque combinavam a banda uma com a outra. Então ele lascava esse pau, ele mais outro machadeiro lá, tudo certinho. Esse pau aqui é duas bandas. Ficavam as duas bandas juntos. Esse outro aqui também são duas bandas desse mesmo pau. E assim ele fazia esse chiqueiro com esses paus assim, com as duas bandas da madeira encostadas uma na outra que não entrava quase vento dentro desse chiqueiro, de tão tampado que ficava que esse rapaz fazia. Bem redondão, grandão assim, redondo que nem uma sala. Ali dentro ele fazia a armadilha. Partia aquele chiqueiro no meio com a mesma madeira, com o mesmo trabalho, só deixava a portinha da onça passar pra pegar o bode lá dentro da armadilha. Então ele fazia... Em cima da armadilha ele botava, tudo da mesma madeira, duas lastras de madeira, duas bandas, uma pra um lado, outra pra outro. Cobria o chiqueiro por cima e chamava a pessoa que tivesse força pra suspender uma pedra pra encher por cima daquela madeira, porque a onça podia pular assim, levantar aquele pau e sair, né? A astúcia dele, a coragem dele. Levantar aquele pau, aquelas madeiras ali, a onça ia sair que ela é muito compridona, quando ela fica em pé assim é quase a altura de dois homens. Às vezes quando ela fica em pé assim, que vê um animal grande ou uma pessoa ela chega, fica em pé e abre os brações pra abraçar aquela pessoa ou animal. Bom, ele cobria tudo e com pedra, a onça não tinha como escapulir dali, morria de fome se não botasse comida pra ela. Morria de fome. Não tinha como ela sair. Aí ele fazia essa armadilha, pegava da parede lá da madeira, __________ madeira, aí vinha com aquela madeira, chegava aqui na largura da onça passar, o bode, só a largura mesmo. Daqui pra cá a mesma madeira, a mesma cerca. Aquilo naquele meio ele fazia aquele armadilha, deixava aquela portinha aberta ali. O bode do lado de dentro da armadilha e a porta da frente da onde a onça ia entrar indo ali por dentro e o bode berrando. Porque quando ela vê um bode berrar ela vai atrás daquela criação, sabe que ela tá sozinha porque quando uma criação daquelas berra, tá fora do rebanho, perdeu o rebanho e ficou só. Aí começa a berrar e a onça a persegue e bebe do sangue dela. Então o bode começava a berrar dentro da armadilha. O fazendeiro mandava o vaqueiro todo dia botar água, botar comida pro bode e quando ele berrava a onça já sabia que era um bode, né? A bicha só bebia sangue de bode. Quando era um bode só, que não tinha outro pra ela pegar pra beber o sangue, ela comia uma banda do bode e enterrava a outra pro outro dia, pra ver se não encontrasse, ela já tinha a outra banda do bode pra comer. Ela era inteligente, viu? Então a onça quando penetrava mesmo pra pegar o bode que passava nessa portinha, essa portinha fechava. Quando a portinha fechava a onça... Essa portinha que ela entrava, não. A porta da frente porque primeiro a porta do meio estava a madeira, mas a madeira estava na porta da frente. Quando ela entrava que tocava naquela armadilha a porta lá fechava, aí ela ficava presa. O bode do lado de dentro do lado e a porta lá fechada, e aqui no meio a parede, paredinha pra onça passar mais o bode. Pronto. Era desse jeito. Então o fazendeiro mandava o vaqueiro ir lá: “Ô, patrão, a onça tá dentro do chiqueiro”. O fazendeiro tem a maior alegria: “Junta um pessoal, bastante gente e a banda de pífano pra ir tocar lá pra onça se espantar mesmo”. Aí o cachorro ficava rodeando o chiqueiro. A onça eles já tinham colocado dentro da jaula, a jaula é um caixote grande feito de folha de aço. Só folha de aço, assim que nem um tecido, só na frente. Por fora tudo fechado, os três lados fechados, não entrava nem vento quase. Só a frente que tinha as brechinhas assim, os buraquinhos dos quadrinhos do tecido das folhas de aço que era onde ela via o mundo e entra ar ali pela... Tá vivendo aí dentro e ver quem tava do lado de fora. Aí o cachorro rodeava aquela jaula grande e acuava a onça, acuava a onça. Daí eu inspirei essa música da briga do cachorro com a onça. Ô, mas foi uma coisa importante dessa música, eu fazer essa música de pedacinho em pedacinho, lá vai, no meu pensamento, lá vai, lá vai. Até que fiz a música. Durou uma porção de dias, de mês pra eu fazer essa música, mas ela saiu. Quando ela saiu o pessoal... (pausa). Aí o vaqueiros mais os fazendeiro foram buscar essa onça com um bocado de gente e um carro de boi, e levou a banda pra tocar quando viu essa onça. Mas essa onça dava cada (esturvo?) dentro desse chiqueiro que estremecia o chão. Não sei se era com medo, era com raiva. A bicha dava assim, um (esturvo?) não era fazendo zoada, aquela plastada daquela gosma grossa, daquela baba, que passava por aqueles buraquinhos da ferramenta feito um tecido. Quem tava do lado de lá aquela baba pegava na gente, mas era uma catinga de carniça que a pessoa ficava com ela no couro. Não saía. Só saía quando lavasse com bastante água. Pegava na roupa aquela catinga dela. Que ela ficava brava dentro da jaula, por exemplo, ficava em pé, dava aquele bote assim, como quem queria pegar qualquer pessoa, mas não tinha jeito dela soltar de lá de dentro. Aí botava aquela jaula, pegava um bocado de homem, bastante homem pra pegar aquele caixote grande com ela dentro, botar em cima dentro do carro de boi e aquela carroça do carro de boi, amarrar todinha bem amarrada com aquelas cordas de caroá de couro cru. Se jogasse de um lado para outro aquela jaula virava, tava bem amarrada até quando chegava a casa do fazendeiro. Quando chegava a casa do fazendeiro, o rapaz já tinha a quem vender aquela onça. Comprava a onça. O circo naquela época, era difícil ter um circo daqueles que não tivesse uma onça. Porque aquela onça chamava atenção do povo, porque esse pessoal nunca viu uma onça assim, ao vivo assim, pertinho das pessoas. Todo mundo tinha prazer de ver o que era a onça, o que eram aquelas onças pintadas, outra preta, aquelas mais perigosas eram as pretas. Coisa bonita, um animal bonito, bem pintado, bem... Obra da natureza, viu? Mas brava, vixe, Nossa Senhora, a bicha fazia medo em todo mundo. Aí eu inspirei essa música da briga do cachorro com a onça.
P - Toca ela pra gente ver então.
R - Aí ficou preferida no mundo todo. Todo mundo queria ver essa música e gravar também. Então eu vou tocar aqui um pouquinho dela, era melhor com dois pífanos, porque um pífano fica fazendo a segunda e o outro pífano fica batendo no cachorro e gritando com medo da onça, fazendo o mesmo barulho que a onça fazia com o cachorro. Eu só vou dar uma demonstraçãozinha aqui porque um pífano só, né? (som da flauta) É esse tom, é o do cachorro, chamando o cachorro: “Meu cachorro recuou, recuou, recuou, meu cachorro recuou, recuou, recuou”. Chamando o cachorro e então nesse chamado do cachorro eu passo pra primeira, porque esse aqui é a segunda, meu irmão só ficava fazendo essa segunda: “Meu cachorro recuou, recuou, recuou...”. Aí eu partia pra cima, o cachorro apanhando da onça, chega a chorar o cachorro, aquele medo e a onça em cima do cachorro, matando a onça e aquele choro todo. E o meu irmão só com aquela chamada: “Meu cachorro recuou, recuou, recuou...”. Fazendo aquelas estrofes todinhas. Que essa música quando chegou ao Rio, que nós a tocamos, tinha muito professor de música no Rio, na vez que nós fomos gravar, foram chamar a gente pra fazer um show no Museu de Arte Moderna, num prédio daquele rapaz, aquela coisa que cabem muitas mil pessoas. Convidaram a gente pra fazer esse show lá. Daí fizemos esse show, o que chegou de professor de música, tomou a frente de todo mundo, todo aquele que tava encostado na gente era professor de música, ouvindo nós tocarmos aquelas músicas. Aí eles fizeram essa música, repartiram-na em sete estrofes, de tanto que ela sobe. Tem som alto, tem som baixo, de todo jeito ela ocupa dentro da música, dentro do tempo. Ela ocupa duas faixas do disco, daquele do tempo... Duas faixas. Demora pra determinar, então eu vou fazer um pouquinho dela aqui, primeira e segunda. (som da flauta)
P - E como é que foi senhor Biano, até o senhor voltar pra São Paulo? Como é que é esse negócio do senhor vir aqui morar em São Paulo, como que aconteceu isso?
R - Não entendi. Como é que...
P - Quando o senhor veio morar em São Paulo, como é que aconteceu essa história de o senhor vir morar aqui pra São Paulo.
R - Bom, o seguinte só foi esse, que nós tocávamos em Caruaru todo dia, os visitantes que chegavam, os turistas. Nós tocávamos na frente de uma loja, tocamos muito tempo na frente da loja e depois da tocada da frente da loja, de uma hora até três horas nós íamos tocar no melhor restaurante que tinha dentro de Caruaru, onde todos os visitantes que chegavam, os turistas, todo turista que chegava ia fazer refeição nesse restaurante. Então nós parávamos de tocar lá, pra tocar no almoço desse povo, no restaurante. Nós tocávamos até três horas da tarde, eles almoçando até três horas e encerrando tudo. Aí esse pessoal ia daqui pra lá para o nordeste com aquela máquina profissional de fazer filme, filme de todo tipo do que tivesse no nordeste. Eles chegavam onde nós estávamos tocando, falavam assim pra gente: “Mas rapaz, vocês têm uma música bonita e essa música serve até pra gravar”. E a gente perguntava: “E o que é gravar”. Nós não sabíamos o que era essa palavra, nós não sabíamos. Aí ele dizia assim: “É uma máquina que tem, que você tá falando ela tá gravando. Grava tudo, tudo que você fizer na sua vida ela tá gravando, o que você falar ela tá gravando”. Digo: “Não sabia dessa não”. Aí começou. Nós começamos a tocar, eles convidavam a gente pra fazer filme documentado. Ganhamos bastante dinheiro com esses filmes lá, fazendo esses filmes com eles. Uns pagavam, outros não, que era só na amizade. E desse jeito a gente tocava nesses filmes, desse pessoal que iam daqui do sul pra lá, ver o que tinha por lá pra eles gravarem. Aí teve um dia, o pessoal vendo isso aí, iam lá a Caruaru buscar a gente pra tocar aniversário aqui em São Paulo, aniversário de muitos trabalhos, muitos prédios, de muitas coisas. Outro de festa mesmo, festa, aniversário das pessoas, pra gente vir tocar aqui em São Paulo, outros tipos de festas. Foi muitas vezes buscar a gente lá, vinha pra cá, nós passávamos dois, três dias tocando, iam levar gente lá. E nós vendo aqui o campo para o nosso trabalho, que lá nós tocávamos, davam dez mil réis naquela época pra gente, pra seis pessoas. Partir dez mil réis pra seis pessoas, não dava mais do que isso. Também naquela época tudo era barato, mas com tudo isso, pra seis pessoas tocarem horas e horas pra ganhar um dinheiro desse. Aí nós vendo esse pessoal indo buscar a gente e levando pra lá, vem buscar, levando pra lá, nós vimos aqui um campo pra nosso trabalho pra nós ganharmos dinheiro. Aí começaram a buscar a gente e levar, cada um de nós que vinha pra cá, nós ganhávamos um salário. Cada um ganhava um salário. Que diferença de dez mil réis partir pra seis. Uma grande diferença. E nós vendo esse trabalho e essa vantagem pra nós, nós combinamos, só nós seis, a nossas famílias: “Vamos embora daqui, não vamos pedir homenagem a ninguém, só a Deus poderoso e vamos pra São Paulo”. E assim fizemos. Pegamos o ônibus, nossa família, chegamos aqui em São Paulo sem conhecer ninguém, ainda bem que nós viemos tocar numa festa de um senhor de lá de Caruaru, que ele morava ali na Praça da Bandeira, no centro de São Paulo e a festa foi lá dentro do prédio, dentro da casa dele, uma festa grande que ele fez e foi buscar a gente lá e trazer. E dentro desse intervalo que nós estávamos nesse prédio, tinha um conhecido nosso lá, criado junto com meus meninos, um rapazinho de lá. Ele aprendeu ser padeiro de padaria, fazer pão, ele aprendeu. Quando ele aprendeu, veio aqui pra São Paulo, foi chamado pra trabalhar aqui em São Paulo. Quando a gente tava nesse prédio, nessa festa, ele pelo jornal descobriu a banda de pífano de Caruaru, lá na Praça da Bandeira. Ele morava aqui em Piraporinha, na onde eu moro, é Piraporinha de Santo Amaro. Ele morava ali naquele... Ali perto de mim naquela rua de cima. Então ele chegou lá, pediu licença ao porteiro, o porteiro deixou entrar, falou que era família da banda, chegou lá onde nós estávamos, no centro do prédio. Chamava Manuel o nome dele: “O Manuel, como foi que chegastes por aqui rapaz?” “Não, porque eu vi vocês no jornal, a história de vocês no jornal e eu com a saudade que tenho de nosso Caruaru, vocês estando aqui eu tinha que visitar vocês”. Digo: “Muito bem meu filho, graças a Deus”. E nós tivemos uma folga e ele convidou pra nós irmos a casa dele aqui em Piraporinha. É distante da Praça da Bandeira, em Piraporinha em Santo Amaro, é onde divide a Avenida Guarapiranga, pega ________. Nós moramos num trechinho já da ______________. Aí ele trouxe a gente pra lá. Viemos dois da banda. Chegamos lá, aí quando eu chegava em casa, que nós vínhamos aqui que voltava, os olhos da gente ardia, nós chorávamos, chorávamos, espirrávamos que só bode. Dava aquela coisa, negócio quente que nem uma gripe na gente, o fedor de fumaça de pneu queimado, gasolina. Aquilo a gente não aguentava, os olhos ardiam. Aí eu disse assim: “Deus me defenda de eu morar num lugar desse, meu pai. Nossa Senhora me defenda”. Olha quando chegamos onde ele mora, que beleza de lugar de se morar, rapaz. O ar livre, aquela beleza, as casas longe uma das outras, não eram pegadas ainda avenida. Lugar bonito, gostoso, passamos lá um dia, uma noite, que beleza: “Sabe de uma coisa, Manuel, se eu quisesse vir pra São Paulo nós vínhamos morar aqui nesse lugar onde você mora”. Disse: “É, venha. Venha morar aqui que nós ficaremos tudo vizinho de novo”. Foi o que deu na cabeça da gente. Aí com esse negócio de ir pra lá e pra cá, pra lá e pra cá, nós ganhávamos um dinheiro, mas tinha vez que a gente tinha que gastar também. Aí nós convidamos, nós seis, as famílias, compramos as passagens... (final da parte 1)
P - Aí senhor Biano, o senhor tava contando, a gente tava em que parte mesmo?
R - Aí a gente se juntou, falamos pra todos nós da banda: “Vamos embora. Vamos pra São Paulo”. Tentando trabalhar, que nós já sentimos que o lugar é muito bom pra se ganhar um dinheiro e o pessoal gosta do nosso estilo de música. Todo canto que nós chegamos todo mundo gosta da gente e não dissemos nada para o povo de lá. Quando foi depois, nós já morando aqui, uma semana ou foi duas: “Cadê a banda de pífano que ninguém mais viu tocar?”. Disseram: “Estão em São Paulo” “Foram-se embora?” “Foram-se embora. Estão em São Paulo” “Ah, mas não diga isso.” “Já estão lá”. Aí pronto, aí ficou Caruaru sem a banda de pífano de Caruaru.
P - Isso foi em que ano senhor Biano?
R - Em 78 pra 79.
P - Aí de lá o senhor não mudou mais de São Paulo?
R - Aí ficamos aqui. Eu tinha uma filha já morando em Santos e essa filha morando em Santos... A minha filha dentro desse tempo lá em 55, no ano em que meu pai morreu ela tava na escola, tava com 11 anos de idade, já estava no quarto livro de leitura pra ela, com 11 anos de idade. Aí ela chegou um dia, falou assim: “Ô mãe, eu tô com uma dormência nesse pé, esse pé tá dormente”. A gente sempre tem esse negócio, quando passa um bocado de tempo num canto vem essa dormência no pé, ou numa mão, num braço, não adormece? Nós pensávamos que era isso, ela sempre se queixando: “Mãe, eu to com uma dormência nesse pé”. Aí um dia a dormência passou para o outro pé ela caiu. Não se levantou mais. Daqui pra baixo, da cintura pra baixo morreu tudo dela. Podia beliscar assim, arrancar pedaço que ela não sentia nada. Só daqui pra cima que ela ficou sentindo frio e calor, daqui pra baixo ela não sentia nada. Bom, aí nós... Ela terminou o estudo. Terminou o estudo, não. Ela caiu, já tava no quarto livro. Juntaram os médicos de Caruaru tudinho lá no hospital, fizeram exames de todo jeito, não souberam o que era. Aí mandaram uma carta pra São Paulo e eu ir com essa carta pra entregar lá no hospital infantil de criança, que ela com 11 anos era criança ainda, pra eu entregar essa carta lá, que lá tinha uma junta médica de criança. Aí me deram a carta, eu fui com ela lá, eu mais minha esposa, a levamos. Chegamos lá, fica até num lugar chamado Jaqueira, nesse tempo era Jaqueira lá em Recife, pertinho de Santo Amaro também, tinha outro local com nome de Santo Amaro. Aí chegamos lá com ela, aí o carro entra até no... Lá adiante na sala dos médicos já, quando o doente vai e desce ali já tá nas mãos dos médicos. Aí o carro deixou a gente lá, já sai por outro canto assim e vai embora. Aí as irmãs ficaram com ela lá, com muita alegria, com ela sem poder... Falar, falava tudo, mas as pernas não tinham nada de vivo, nada de vivo, tava tudo morta. Aí eles tomaram conta dessa menina. Fizeram um negócio que nem um caixote assim, do tamanho do corpo dela, fizeram assim, onde ela forçava a cabeça, fizeram o lugar da cabeça e colocaram-na ali dentro de estampo pra cima assim e ela lá direto assim. Nove meses meu irmão, não via essa menina sentada um minuto. Eu chamei um caixote, dentro desse caixote como é que uma pessoa vai doente das pernas, indo daqui pra cima o corpo tá bom e as pernas mortas e vão fazer um caixote pra botar a menina dentro, dento do crescimento dela e não assentaram a menina, nem tiraram dali tempo nenhum mais. Ela fazia tudo ali, tudo as irmãs ajeitavam tudo ela. Aí ela daquele meio, uns dois meses ali dentro daquele caixote, aí pediu às irmãs um caderno e lápis, que ela queria... Pra não se esquecer do que sabia, pra ela estar escrevendo, lendo e essas coisas assim. As irmãs deram, quando deram ela começou a escrever lá no caderno e lá vai, lá vai. Aí as irmãs trouxeram uns pedacinhos de pano pra ela marcar, do hospital, pra ela marcar com esse pedacinho pano e ela foi marcando, marcando, marcando até que chegou o ponto do pessoal que dos outros lugares vinham visitar as famílias e visitavam-na. Ela com aquele trabalho marcando aqueles panos, deitadinha assim, de papo pra cima. Aí esse pessoal via, esse pessoal que a visitava, davam um dinheirinho pra ela e começava trazer também uns paninhos pra ela marcar. Ela marcava a do hospital e marcava dos visitantes que iam visitá-la, que dava um dinheirinho pra ela. Aí pronto, quando foi com nove meses, eu todo mês ia lá uma vez, eu era empregado na firma, eu tirava um dia pra ir lá, que o patrão me dava. Eu ia lá visitá-la, que as irmãs lá pediam: “Se o senhor puder vir visitá-la duas vezes no mês o senhor vem e se não puder venha uma vez por mês pelo menos”. Aí o trem passava dentro de Caruaru, eu pegava o trem mais minha esposa, chegava lá. Não víamos essa menina sentada há cinco meses. Aí quando foi que completou nove meses, aí eu fui mais minha esposa com pensamento de tirá-la de lá. Elas no crescimento dela, dentro do caixote, os dedos dos pés fizeram isso, o dedo assim amontoou assim por cima um do outro. Que coisa de fazer dó, não? Uma coisa dessa? Eu via... Aí peguei essa menina, tirei tudo que tava junto dela, peguei mais Maria, aí a irmã: “Não. Não pode. Não pode meu senhor. Não pode meu senhor. Não pode” “O que pode eu vou tirá-la, porque eu não tô vendo melhora dela aqui não. Ela vai morrer dentro desse caixote. Não deixo, não. Vou levá-la hoje, nem que seja com a polícia eu levo. Pode botar a polícia em cima de mim, mas eu tiro ela daqui hoje e levo”. Aí pelejei, pelejei e elas não quiseram deixar, não quiseram deixar, eu peguei a pulso mais minha esposa e a levantamos, chamamos um carro de praça, que carro de praça ali não falta só entrando e saindo, entrando e saindo. Naqueles carros que foram saindo pedimos ao rapaz para pegá-la, botamos dentro do carro e perna pra que te quero. Tiramos de lá a pulso, ela não queria deixar sair mais não. Só por causa desse trabalho do hospital. Não davam nada pra ela, o remédio que dava não valia de nada, colocar a menina dentro de um caixote daquele. Que melhora ela tinha? Dor tudo nas pernas, _______ fazer assim o movimento numa bicicleta pra melhorar as pernas. Agora deita a criança daquela com 11 anos, nove meses sem tirá-la dali meu irmão? No crescimento da menina. Mas deu trabalho pra tirar, mas tirei. Cheguei em casa meu irmão, a vizinhança todinha já a conhecia, todo mundo de Caruaru da nossa região conhecia ela, foram todo mundo. Traziam remédio de erva lá do mato, casca de pau, folha pra dar banho nela e ela bebia. Tratar dela, sabe? A menina sentada no chão. Ela foi tomando esse remédio e foi se fortificando, comendo umas coisinhas que o pessoal trazia, coisas melhores, lá vai, lá vai. Até que ela voltou a “envivecer” as pernas. Voltou. Quando voltou, que ela começou a sentir frio e calor, ela ficou fazendo movimento nas pernas, a gente botava ela em pé ela ficava escorada numa mesa assim, a gente sustentando ela. Aqueles nervos estirando, que estavam nove meses encolhidos, e ela ali em pé com aquela vontade de vencer e foi ficando assim, ficando assim até que ficou em pé, escorada numa mesa e a gente pertinho dela pra ela não cair. Aí ela disse: “Pai, o senhor vai lá em Fulano...” que tinha um senhor que era marceneiro, trabalhava em madeira: “Manda ele fazer um aparelho de muletas pra mim”. Aí eu fui, sem tirar a medida dela sem nada, o rapaz lá fez, quando chegou quase ficou grande. Aí o pessoal disse: “Não. Pra fazer isso aí, Betinha, tem que tirar a medida certa. Não pode fazer assim sem medir”. Aí a gente foi levar a muleta lá e tirar a medida dela para o rapaz fazer na medida certa. Aí o rapaz fez na medida certa, ela botou uma de um lado, outra do outro aí caía pra frente ou caía pra trás. Não teve jeito pra ela se segurar, a gente sustentando ela. Aí ela se pôs em pé, direita, se firmou numa muleta só, deixou a outra. Aí apoiou bem, ela em pé, apoiou bem assim, com aquela muleta escorada nela e a outra tirada fora. Aí o que foi que ela fez? Ela disse: “Pai, vai lá ao colégio de Fulano” que ele era muito fã da banda e nós tocávamos a festa da pátria, dia sete de setembro, a festa da pátria. Nós tocávamos toda festa do colégio desse homem. De gente era assim, aquele pessoal mais rico, todo esse colégio desse professor. Era dono e professor. Aí pediu ______ falar com ele pra ela estudar, começar a voltar a estudar, já tava forte, as pernas já estavam fortes. Aí eu ia lá, eu gastava cinco minutos, eu olhava bem pra dentro do colégio. Eu fui lá, cheguei, falei com ele, ele disse: “Traz a menina pra cá, traz”. Que ele é muito amigo meu, fã da banda, nós tocávamos pra ele, ele pagava pra gente bem pago. Aí a levamos lá. Ia levar ela no colo ela não quis, ela disse: “Eu vou na muleta. Eu vou na muleta”. Aí a pessoa __________ no ombro dela e ela do outro lado com a muleta, bem devagarzinho dando aquelas passadas bem... Passava meia hora pra chegar ao colégio. Eu com cinco minutos chegava. Ela não quis que eu a levasse em carro, nada, nada. Só _________ mesmo, vontade de vencer, né? Aí quando chegou lá o pessoal olhou pra ela assim: “Mas minha filha, você quer estudar?”. Ela disse: “Quero. Quero estudar”. Então vem fazer a sua matrícula. Aí fiz a matrícula dela e ela todo dia ia na muleta, ia levar ela lá. Ela estudou de um jeito, meu irmão, que conseguiu no meio de novembro, a pessoa não deixava... Porque vem a prova, né? Tem aquelas provas pros alunos fazerem no meio de novembro do estudo do ano. Aí o professor falava assim pra ela: “Bernadete, você já tá passada por natureza”. Não precisava de ela fazer mais nada durante aquele ano. Com esse tipo de coisa. Quando era muito longe aonde ela ia, do tempo, ela ia, mas ia na muleta, devagarzinho até lá. Ela ardeu de saúde, aquela pessoa forte, aquela moça forte na ____________ dela. Dava um papel pra ela fazer um negócio aqui por debaixo da cadeira dela, cochichando no ouvido dela, ela pegava aquele papel e fazia como que fosse ela atrás que fazia. Tinha um nomezinho disso aí, escondido do professor. Tão escondido que o professor pegou ela fazendo isso. Ai, meu irmão, o professor falou pra ela: “Bernadete, por estar fazendo isso daí eu vou te dar zero, te dar zero, viu? Que não é pra fazer isso”. Ela ficou tremendo de medo aí o professor não deu zero a ela, não. Também foi a última __________ que ela fez. Aquelas outras boas de saúde, ________ em homenagem a ela pra ela fazer, o que ela precisar elas fazerem _______ de saúde. E graças a Deus ela passou. Quando ela completou pra ser professora, pra _________ igual eles fizeram lá, festa de... Como é que chama? Do pessoal que...
P - Formatura?
R - Sim. De formatura. Ela foi pra essa festa, compramos uma roupa muito bonitinha pra ela se apresentar na formatura dela. Formou-se. Pronto. Veio pra casa. Não tinha mais escola pra ela aprender nem podia entrar na faculdade porque era muito dinheiro pra pagar, meu dinheiro era pouco. Ela disse assim: “Pai, eu vou pra Santos”. Que coisa ela inventou: “Eu vou pra Santos”. E tinha umas ________ morando em Santos, né? Ela veio primeiro do que a gente pra Santos, morando lá. Ela se foi pra casa de Luci, que é a irmã dela. “Minha filha, tu tá doida? Tu numa situação dessas, tu vais pra Santos?” “Eu vou pai. Eu vou. Se Deus quiser eu vou”. Tirou a passagem da irmã, tirou a passagem dela, pegaram o ônibus e vieram aqui pra São Paulo. De todo canto nós temos esse povo ________ que ajuda quem vê uma pessoa assim, pede pra ajudar, todo mundo gosta de ajudar porque tem dó também das pessoas. Chegou aqui, aquela viagem melhor do mundo. Ela escreveu pra gente que fez uma viagem tão boa, tão bonita, todo mundo ajudava ela pra ela ir ao banheiro e... Nos pontos de ônibus, né? Pra dentro dos restaurantes almoçar ou jantar e levarem ela de novo no ônibus. ___________ seu pai que dá essa força, né? Bom, ela chegou à casa da irmã, descansou três dias. Com três dias pediu a irmã: “Luci, vai lá ao hospital pedir o médico pra ver se eles me querem lá pra tratar de mim”. Lá tem hospital na Avenida Ana Costa que é o mais velho de Santos esse hospital. Ela pediu pra ir pra lá. Aí ela foi lá, conversou com os médicos, o médico disse: “Pode trazer ela pra cá. Traga”. Aí Luci a pegou, botou no carro, levou lá. Quando chegaram lá os médicos viram a situação dela e disse: “Não. Menina, pode ficar aqui. Pode ficar aqui que nós vamos tratar dela”. Tinha junta médica lá e eles ficaram com ela. Aí vai tratando, tratando, fizeram operação nela aqui nesse local aqui _______________________. Fizeram uma cirurgia ela quase morreu, não tinha nada com a _______. ________________ ia pras pernas da menina, mas foi o contrário. Ela quase morreu, passou três dias no hospital pra poder sarar. Sarou. Andando pra lá e pra cá, minha família toda lá em Caruaru e eu vinha tocar que o pessoal vinha buscar a gente lá e já levava. Toda vez que eu vinha eu ia visitá-la. Toda vez. Aí pronto, aí viemos, quando nós chegamos aqui a São Paulo uma vez que nós viemos, a secretaria mandou chamar a gente, o pessoal da secretaria e a gente tocando num canto aqui em São Paulo.___________. Ela não se deu bem, quase morria. Depois trataram dela, ela ficou melhor como tava a vida dela. Aí eu vindo pra lá e pra cá, vindo pra lá e pra cá, toda vez que nós reunimos lá a família ela já tava aqui em Santos se tratando. Viemos tudinho pra cá, a família toda. Essas seis famílias. Arranjamos-nos lá onde o rapaz mora, que foi visitar a gente já moramos pra lá. Chegamos lá tudo estranho, chegamos lá a casa lá, pouca casa que tinha naquele canto que eu moro pra chegar na avenida. Não tinha dez casas aquela estrada. Uma lama mesmo, a gente pisava naquilo lá a lama dava aqui no joelho. A gente saía daquele _________ chegava lá embaixo tudo melado de barro. Escorregava pra todo lado e os calçados também, mas eu achei bom aquele local porque a ambulância vinha apanhar ela, não subia nos _________, que o ________ era o mesmo que pisar no sabão quando tava chovendo. Escorregava todo mundo. Aí a menina andando por ali achava a placa, naquele local do barraco: “Vende-se barraco”. Eu já tinha juntado um dinheirinho nas tocadas que eu tava dando aqui e o rapaz era do Ceará, o que morava lá. Aí cheguei lá, conversei com ele, ele disse: “Tem pra vender. Eu vendo porteira fechada. O que tá aqui dentro, tudo é vendido pro senhor”. Barraco com dois beliches, com a _______ grande de tomar banho dentro daquela que bate lá e sai o pedaço, muito bonita, toda novinha, cabia uma pessoa estirada dentro. E não sei quantas camas, não sei quantas cadeiras. Uma mobília completa. Rádio, máquina de costura... Aí perguntei por quanto ele dava, já tava com um dinheirinho já meio crescido, ele disse: “Isso aqui eu lhe vendo por 35 contos. Porteira fechada, não tiro nada”. Eu tava com a minha filha, nós tínhamos dia de folga, eu descia pra Santos. Ela morava num apartamento lá de uma senhora, de uma viúva, uma coisa linda, cheio de tudo. De tudo tinha muito, tudo de primeira, toda mercadoria de primeira, de sofá a móvel. Tudo. Casa de gente rica, tudo de primeira. Aí cheguei um dia lá, eu já tinha comprado esses troços desse barraco, tinha de tudo. Cheguei um dia lá, o rapaz chegou lá a mulher vendeu por cinco contos. Tudo. Tudo, tudo, tudo. Pra pagar uma dívida que devia. Cinco contos. Aí ele não tinha dinheiro, ______ a mulher e no dia não tinha o dinheiro. Perguntou se eu tinha, eu digo: “Eu tenho.” “Então paga Sebastião, pra tu. Pega pra tu”. Comprei com cinco contos. Deu um caminhão cheio de móvel, de melhor, melhor. O sofá era uma coisa linda, ele pegava daquele meio... O ponto dele aqui, rodeava essa parede, rodeava de lá. Um móvel só. Rodeava de lá. Tinha um quarto com duas cadeiras estofadas, a gente chama isso aqui estofada que era de mola, muito bonita. Seis camas, duas de casal, quatro de solteiro. Nós levamos tudo por cinco reais. Digo: “Eu compro. Eu fico”. Aí nós já estávamos morando aqui em Santo Amaro e ela lá nesse apartamento, eu digo: “Minha filha, eu vou tirar tudo daqui pra São Paulo. Porque eu não caminhar de lá pra cá pra vir visitar tu e tu ficar aqui sozinha só porque um ___________...”. Um filho da irmã dela arrumou um trabalho na rodoviária de trabalhar no bar. Trabalhava no bar e ele sustentava a casa lá e pagava o aluguel do apartamento com ela. Aí ela disse: “Eu não queria ir não pai”. Eu digo: “Vamos minha filha. Eu comprei lá um lugar pra fazer um barraco, é tudo de tábua, mas é grande. O chão é grande, tem de tudo lá dentro. O rapaz me vendeu de porta fechada, mas como tá barato isso aqui eu vou comprar”. Comprei, botei em cima do caminhão, o caminhão cobrou dois contos e quinhentos pra trazer de Santos a São Paulo, praquele lugar que eu moro. Caminhão cheio, rapaz. Cheguei lá despejamos no meio da rua lá, escorado nas paredes. Dei um bocado pro pessoal pra um lado, dei um bocado pra outro, dei um bocado pra outro. Fiquei com pouca coisa porque a casa lá tava cheia já, não tinha onde botar. Só comprei porque tava muito barato e pra tirar ela, porque se eu deixasse, não quisesse ela não ia querer sair do apartamento não. Aí pronto. Aí ela veio. Quando chegou ao barraco cheio de rato, aranha, cheio de tanto inseto, aquelas víboras. O banheiro em cima de um tabuado dessa altura, embaixo quando a gente pisava o pé ficava cheio d´água, o pé da gente, o lugar do pé. Cheio d´água, rapaz. O homem foi curioso, aterrou tudo com areia, porque areia consome água, né? Consome a água, fica só areia. Aí a gente lá, era muita água, foi uma olaria que fizeram do tempo do pessoal mais velho... Olaria você sabe o que é, né? De tirar barro pra fazer tijolo, fazer tudo daquele barro. Então era um buraco grande que fizeram no pé de uma ladeira lá. E aí a prefeitura aterrou dentro do mato grosso ainda, fez um pouco de ________. Quando chegamos aí nesse lugar, ninguém fazia casa naquele lugar, em cima dum córrego grande. Os barris de dentro que a água passava _________ mandava dentro. _________ os tambores, como é que chama? Aqueles túneis grandes perto um do outro e faz aquele córrego coberto, né? Aí pronto. Ela chegou, viu isso botou pra chorar. Eu disse: “Não, filha. Não tem problema, daqui nós vamos fazer a nossa casa. Daqui vai nascer a nossa casa”. ______________ que eu encontrei barraco feito já de bloco, mas escondido do fiscal. Porque não era pra botar bloco em nenhum barraco que só era tudo de tábua, porque a prefeitura precisava daquele terreno, só era colocar a gente em cima do caminhão já fazia noutro canto. A ordem da prefeitura era essa. Não era pra ninguém fazer de bloco, ninguém. Aí tudo bem, a lama passava na frente da casa da gente, tudo atolado. “Pra ir morar num canto desse aí...” “Tenha paciência. Daqui nós não vamos sair não. Comprei, é meu, paguei”. O cara me vendeu por 30, não tinha ___________. 30 contos. Eu já tinha um dinheiro, já tinha ganhado, tava com ele guardado e fiz essa viagem do __________________ aqui do rio de São Paulo aí foi que peguei um dinheirinho mais dobrado aí comprei o barraco. Tava _____. Aí pronto. Larga ela a chorar. O terreno grande, meu irmão, era grande. Deu três casas o terreno. Eu _______ pagar o aluguel, eu digo: “Nós vamos. Nós vamos fazer barraco aqui. O chão aqui é teu. O chão aqui é teu. Eu moro aqui no meio”. Todos têm o tamanho daquela casa, os outros dois lugares. Comprei o barraco naquele local que eles queriam vender pra não morar. Os donos da terra que precisavam daquele terreno tinham que tirar aquele barraco, porque não queriam mais ninguém morando ali que ia trabalhar ou fazer casa. Eu comprei um barraco por cinco contos. Um barraco grande. Fiz uma casa pra um, depois o meu genro começou lá a fazer de... Aí deram ordem pra fazer de bloco. Não, pra fazer de... Sim. De bloco. Em 80 deram essa ordem. Eu _________ em 78 por ali, nós morando ali, quando foi em 80 deram ordem: “Cada qual faça sua casa como quiser”. A prefeitura despachou todo mundo. Entramos nos blocos fora. Eu já tinha comprado 400 blocos duma casinha que tem na frente desse barraco meu, que o dono desmanchou e foi embora. 400 blocos, todos os 400 inteiros que fizeram assim, de barro. Foram montado tudo em cima de barro, você só era pegar e saia inteirinho, inteirinho. Um bloco, meu irmão, que você pesava em cima, pisava e não quebrava um pedaço. Só fizeram uma pedra pura, dos primeiros que fizeram aqui de São Paulo. Aí pronto. Comecei... Ferro eu não comprei. Peguei 40 barras de ferro sabe como? Tinha muito poste velho deitado lá pelo chão, pelas ruas. Tu chegava na rua pro fiscal de prefeitura: “Me dá esse poste velho pra eu tirar o ferro que eu tô pra fazer uma casinha e preciso dos ferros, não posso comprar” “Pega e leva pra tu”. Tirei 40 barras de um bocado de poste. Não é ferrinho fino de construção, não. Todo redondo assim, em boa condição. Porque ferro de poste é grosso, né? Eu fazia e carregava mais meu povo que me ajudava. E _____________ a grossura de ferro enterrado lá. Aí quando eu fui fazer os barracos gastei esse ferro todinho. Por baixo do chão fiz valado. Não fiz alicerce, fiz valado. Bem largo assim. Estirei esses ferros em cima da pedra e forrei de pedra. Derramei cimento em cima pra ficar bem seguro. Porque não precisava fazer nada disso, eu fiz a minha casa igual com o piso da rua, não precisava. Alinhei em cima da terra a gente vai fazer a... Por causa do aterro levou. Não precisava cavar nem o chão, mas eu cavei dois __________ no chão abaixo. Só dois ___________ largo, enchi de ferro e quando acabava enchia de cimento e pedra e botei mais uma viga em cima, pertinho já de terminado o chão. Fiz aquela... Tudo cheio de vidro, tudo. Embaixo do chão, todo canto. Aquelas vigas __________ quase dois palmos porque é em cima do túnel. Aquela casa tá em cima do esgoto grande. A minha casa e a do vizinho estão em cima do esgoto grande. E daí por dentro começamos ___________. Ali, graças a Deus, em 81 veio o asfalto. Aí que beleza. Minha casa era um metro da... O cara fez uma cerquinha bem feita, bonitinha, tudo igualzinho, uma madeirinha bonita. Era um metro da casa pro ponto da rua. Um metro. Sem ter rua não era o ponto de nada, né? Aí veio o asfalto. Quando o asfalto veio deixaram um lugar de eu fazer uma garagem. Aquela garagem só era um palmo, um metro de dentro da cerca a rua, pra lá era a rua. Como eu gosto de agradar o povo, com essa ____________ que Deus me deu, vi aquela turma trabalhar por ali, toda vida eu fazia café e levava a garrafa cheia de café pra eles trabalhando ali. Eles começaram a deixar ferramenta na minha casa, no meu barraco e eu guardava. Quando eles chegavam no fim da semana iam embora e as ferramentas ficavam e na outra semana pediam. Aí veio o asfalto, deixaram um terreno pra mim que eu fiz aquela garagem, rapaz, e tem aquela área todinha que era um metro só. Aí deixaram aquilo tudinho pra mim. Tiraram do meu __________ pra lá. Dos quatro metros lá do fundo como era __________ deu seis metros de comprimento do que só era um metro. Deram-me ferramenta à vontade, me deram picareta, me deram enxada, me deram tudo. Por quê? Porque eu era amigo deles, nunca fiz conta de certas coisas que Deus tudo me deu de sobra. Aí pronto. Quando chegou a vez de fazer essa casa fiz do jeito que queria. Fui eu que a levantei. Arrumei o banheiro do meu filho, é conjugado. A parede era uma só, a divisa. Nós compramos bloco escondido, 250 blocos usei dentro do banheiro. Nós não sabíamos trabalhar com bloco, lá no norte ainda não tinha esse tal de bloco, só era tijolo ________, tijolo feito de barro. Aí nós pegamos o bloco, fizemos um... Como é que chama? Um alicercezinho bem a metade do bloco, com uma paredinha de banheiro por dentro com aquilo tudo. Escondido lá atrás, ficamos escondendo os blocos, fizemos nosso banheiro de bloco. Sabe como foi que nós começamos? Com a boca pra cima assim, aí derramava a massa dentro... Eu digo: “Ô Zé, acho que não é assim, não. Quantos sacos de cimento nós vamos gastar aqui?” Aí comecei a embocar o bloco. Aí pronto. Aí a massa rendeu. Levantamos os dois banheiros. O fiscal não via porque era lá atrás. Todo dia passava na porta da gente olhando o que tava fazendo de bloco. A prefeitura não deixava sentar um bloco e nós fizemos escondido.
P - Senhor Biano, pra gente encerrar agora que tá acabando a fita, aí encerrou as que a gente tem. O senhor tem alguma história que o senhor queira contar mais agora pra gente encerrar? Ou alguma coisa que o senhor queira deixar registrado?
R - É. Tem mais umas historiazinhas aí.
P - No tempo que a gente tem...
R - É. Do... Quando a gente chegou a Caruaru meu pai tinha um parente que os dois, a infância dos dois eram criados juntos no local onde meu pai morava. Perto também do pai de Lampião, meu pai morava era perto. Meu pai conhecia o pai de Lampião com todos os filhos dele. Lampião depois de rapaz juntou-se com uma turma de homem, de rapaz que nem ele era, pra tanger ali na estrada, tirar mercadoria dum Estado pra outro _________ do animal. Ia de cidade em cidade. Lampião trabalhava com isso. O nome que tinha nessa época não era de matuto, que a palavra certa foi matuto, que veio depois. Era (muquevá?). A palavra de tirar a mercadoria de um Estado pra outro era (muquevá?). Lampião tava lá... Olha a sorte do Lampião, já começou a trabalhar com bastante homem, o animal carregando mercadoria de um Estado pra outro, de uma cidade pra outra. O serviço dele era esse. Então o pai dele morando lá perto dele, o meu pai conhecia o pai dele, conhecia toda família. Teve uma ___________ de casa de um fazendeiro de Mata Grande comprar um grande terreno pra fazer uma fazenda, não tinha casa. E as casas eram tudo casa dessa época eram tudo casa de taipa, tudo feita de barro. Pra fazer uma casa de uma fazenda, meu irmão, uma casa muito grande. Casa de fazendeiro é grande, porque pra botar mercadoria pra passar mês e mês sem comprar nada. Era muito grande. Aí esse fazendeiro comprou esse mundo de terra pra fazer uma fazenda, não tinha casa. Aí convidou um povo pra fazer uma casa no terreno dele. Juntou gente à vontade pra fazer essa casa e fizeram essa casa. Enchementaram tudo... Porque enchementar é fazer uma carreira de pau assim, encostada uma na outra, aqui amarra uma vara, aqui amarra outra, aqui amarra outra, fica esse espaço pra socar aquele bolo de barro aqui dentro. Porque aquele bolo de barro dentro daquelas varas fica sustento, né? Ficava dentro aquele bolo de barro, começa do chão. A gente já com o braço empurrava o bolo de barro pra ficar ________ pelo meio. Ficar tudo bem juntinho um do outro aqueles bolos de barro e ficar unido um do lado do outro dentro daquelas varas. Tudo amarrado de baixo à cima as varas amarradas. E quando foi o dia pra tapar essa casa convidaram o pessoal da região, o pessoal lá da cidade da família dele lá. Fazia um mês que esse homem era o coronel sem ser patente de nada. Porque ___________ tinham essas patentes sem ser polícia, sem ser nada desse pessoal que tem esses nomes. Porque a polícia tem coronel, tem capitão, tem major, tem tudo isso. E o chamavam lá... Porque ele foi o fundador de Mata Grande. Chamavam-no coronel Juca Ribeiro, o nome dele. Então fizeram essa casa bem grandona, enchementaram ela, amarraram ________ de vara onde botava o barro e fizeram a festa. No dia de tapagem de casa juntaram um pessoal. Três dias de festa pra tapar essa casa. Lampião aprendeu a compor uma música, sabia tocar ________________ barro. E meu pai trabalhando junto com ele, ele tocando os três dias com três noites, ninguém dormia. Vinha gente de todo lado pra tapar essa casa de fazenda. Três dias pra taparem essa casa e Lampião tocando. Rapaz, esse moço tocava uma ____________ baixo. Meu pai o conheceu da infância porque eles moravam perto. Aí tudo bem, lá vai, lá vai... Fizeram a tapagem da casa, botaram o pessoal pra fazer o campo, aquele campo grande na frente da fazenda por todo lado. Derrubar aquele mato todinho, só deixar os pau de sombra pra fazer sombra pro gado descansar meio dia. E lá vai, lá vai, lá vai... Aprontaram a casa. Aí teve um mês que Lampião... O coronel Juca Ribeiro veio passar o mês dentro dessa casa no tempo da parição das vacas. Porque lá eles têm o tempo das vacas parirem os bezerros. Então tem essas vacas tudo __________ pra essa época. Então ele encheu a casa, muniu a casa de lata de querosene, de comida, uma ________. Ficou que nem um armazém, cheio de tudo do que ele precisava dentro de uma casa pra passar uma temporada na parição desses gados. Ele tava pro pessoal ter cuidado, né? Porque o bezerro quando nasce, o bichinho nasce dentro de um saco de um material grosso, se não rasgar logo aquele bezerro morre ali dentro. O coronel administrando esse povo pra poder aproveitar essa época. Bom, terminou a casa e ele veio com esse material. Um gado de todo tipo. Muito gado. Muito gado mesmo. Então chegou a época de Lampião pegar nas armas porque encontrou o pai dele morto, que a polícia matou não sei porque causa foi. Às cinco horas da manhã ele chegou em casa com o rebanho de animal e os amigos dele e encontraram o pai dele morto. A polícia matou. Esse homem não aguentou, não. Os mesmos homens que ele __________ animal, os que tinham coragem ele convidou todos e pegaram armas de todo jeito. Já existia aquele fuzil... Não. Fuzil não. Rifle. Aquele rifle do papo amarelo que era a primeira arma que saiu de bala. Que ele quando dava uma carga da outra por diante as balas não saem mais com força, cheia de mancha por causa do cano que esquenta muito atirando muito, né? Aquele cano esquenta de derreter as balas todas de chumbada, a bala. Aquela que entrou a chumbada, encostou fogo ela derrete. Então eram as armas que havia. Espingarda também de caça, espingarda boa de caça. Cada um pegou uma arma daquela, uma porção de homem já logo, era muito homem, pra vingar a morte do pai dele. E desses dias pra cá ele não aquietousse mais. Até que deram fim àquele __________ que nesse entremeio o pessoal, os fazendeiros, que tinham muita intriga, que não podiam se vingar, criavam um grupo de homem pra (atocanhar?) aquela fazenda... Uma segurança pra botar o ___________ pra trabalhar a pulso. O que não quisesse trabalhar matava e jogava lá dentro de um córrego bem fundo dentro do mato. Tinha isso. Quase todo fazendeiro tinha isso aí. Foi na época de Lampião acabou com tudo isso, com os cangaceiros dele. Só ficou o fazendeiro dominando o que era dele, mas homem nenhum ficou mais. Então Lampião lutou esse tempo todinho no nordeste e acabou com isso. Porque aí sim... Nesse meio que Lampião já tava seguro novamente e com a _______ de polícia, dos soldados dele... Os soldados chamavam cangaceiros. Tinham muitos apelidos deles. Aí ele precisou do coronel Juca, que ele tocou nessas festas dele dessa fazenda e não receberam nada. Porque festa assim ninguém recebe nada, tudo é de graça, tem comida à vontade, mas receber nada. Aí ele precisou de 20 caixas de bala e 25 contos de réis. Lampião precisou. Ele e um chefe de uma cidade, o coronel, chefe daquela cidade porque foi ele quem fundou essa cidade, pegou essa patente. Então foi o que ele respondeu pro vaqueiro que foi lá levar esse recado. O coronel Juca falou assim pro vaqueiro pra falar pra ele... Não. Foi uma carta. Foi uma carta que Lampião mandou. E a carta chegou na mão do coronel Juca Ribeiro, ele leu: “20 caixas de bala e 25 contos de réis”. Naquela época que quem é o fazendeiro que tinha 25 contos de réis? Ninguém. Dinheiro não tinha valor, o maior dinheiro que existia parecia que era 20 reais... 20 reais. 20 mil réis ou era 100 mil réis. O maior valor que existia. Aí ele respondeu a carta pra Lampião. Respondeu. Disse: “Olha, o dinheiro Lampião venha buscar. E os 25 contos...”. Não. “Os 25 contos de réis Lampião venha buscar e as 20 caixas de bala é pro couro dele”. Olha que resposta. Pra quem tava na força de acabar com tudo quando chegava num canto assim, né? Nunca faltou gente pra entrar no bando dele. Sempre era de 50, de 60... De todo jeito. Muita gente. Muita gente. E naquele ______ outras turmas pra vingar também outras coisas de intriga dizendo que era Lampião. Mesmos trajes de Lampião.
Recolher