Ponto de Cultura - Museu Aberto
Depoimento de Waldemar Antonio Grazioso Saroka (Tuca)
Entrevistado por Marina Galvanese e Isabela de Arruda
São Paulo, 27 de Março de 2010
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista PC_MA_HV258
Transcrito por
Revisado por Erick Vinicius de Araujo Borges
P - Então Tuca, começar a entrevista primeiro agradecendo sua presença aqui, pedindo para você falar de novo seu nome completo, local e data de nascimento.
R - Meu nome é Waldemar Antonio Grazioso Saroka, nasci na Mooca, em 3 de junho de 1967 e sou conhecido com o apelido de Tuca.
P-E porque do apelido?
R - Você sabe que fui às origens, cheguei na seguinte: minha tia e minha mãe, com aquele jeito quando era menininho, Tuquinha,Tuquinha Tuquinha. Uma tia que pôs o apelido, não tem nenhuma ligação, correlação com meu nome, nada. E ficou Tuquinha,Tuquinha daqui Tuquinha de lá.
P - E o nome dos seus pais e atividade profissional deles?
R - Meu pai é Waldemar Antonio Saroka, minha mãe, minha mãe Teresa Rosa Miguela Grasiosi Saroka. Meu pai chegou a gerente nacional de vendas da Swift, Swift Armour na época, no Brasil, minha mãe sempre, como boa italiana, cuidou da casa em todos esses anos.
P - E o nome dos seus avos, você lembra?
R - Lembro, Antônio Aleixo, meu avô paterno que nasceu em Moscou, e minha avó Antonia Saroka, que nasceu em Calnas na Lituânia. Maternos, Juana Benvenga e o Antônio Benvenga, nasceram, são oriundos de Castelo San Lorenzo, Província de Salerno. A Mooca, todos os oriundos da Itália, a maioria, a grande maioria, vieram do sul, Castelo San Lorenzo, Castellammare e Castellabari, são as três cidades no Alto da Mooca e da Mooca que tem a maior concentração de italianos dessa região, da região de Salerno, Província de Salerno
P - E como é que seus avós vieram para o Brasil? Esse que veio de Moscou, e...
R - Esses vieram em 24, 27, todos queriam sair da guerra, aquele boato de guerra e tal, foram para região da Zona...
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Depoimento de Waldemar Antonio Grazioso Saroka (Tuca)
Entrevistado por Marina Galvanese e Isabela de Arruda
São Paulo, 27 de Março de 2010
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista PC_MA_HV258
Transcrito por
Revisado por Erick Vinicius de Araujo Borges
P - Então Tuca, começar a entrevista primeiro agradecendo sua presença aqui, pedindo para você falar de novo seu nome completo, local e data de nascimento.
R - Meu nome é Waldemar Antonio Grazioso Saroka, nasci na Mooca, em 3 de junho de 1967 e sou conhecido com o apelido de Tuca.
P-E porque do apelido?
R - Você sabe que fui às origens, cheguei na seguinte: minha tia e minha mãe, com aquele jeito quando era menininho, Tuquinha,Tuquinha Tuquinha. Uma tia que pôs o apelido, não tem nenhuma ligação, correlação com meu nome, nada. E ficou Tuquinha,Tuquinha daqui Tuquinha de lá.
P - E o nome dos seus pais e atividade profissional deles?
R - Meu pai é Waldemar Antonio Saroka, minha mãe, minha mãe Teresa Rosa Miguela Grasiosi Saroka. Meu pai chegou a gerente nacional de vendas da Swift, Swift Armour na época, no Brasil, minha mãe sempre, como boa italiana, cuidou da casa em todos esses anos.
P - E o nome dos seus avos, você lembra?
R - Lembro, Antônio Aleixo, meu avô paterno que nasceu em Moscou, e minha avó Antonia Saroka, que nasceu em Calnas na Lituânia. Maternos, Juana Benvenga e o Antônio Benvenga, nasceram, são oriundos de Castelo San Lorenzo, Província de Salerno. A Mooca, todos os oriundos da Itália, a maioria, a grande maioria, vieram do sul, Castelo San Lorenzo, Castellammare e Castellabari, são as três cidades no Alto da Mooca e da Mooca que tem a maior concentração de italianos dessa região, da região de Salerno, Província de Salerno
P - E como é que seus avós vieram para o Brasil? Esse que veio de Moscou, e...
R - Esses vieram em 24, 27, todos queriam sair da guerra, aquele boato de guerra e tal, foram para região da Zona Leste e trouxeram os costumes e tudo mais. Os italianos vieram junto com a família Mucciolo, hoje tem o Dom Antonio Mucciolo, bispo da Rede Vida, uma pessoa de uma cultura impar, também se alojaram na Mooca, precisamente na rua Javari, próximo do campo do Juventus; chama-se estádio Condessa Marina Crespi, não, Conde Rodolfo Crespi, perdão. Na Rua Javari eles tinham uma leiteria, era como se fosse uma, se comparar, casa de secos e molhados, pequena mercearia. Vendiam vinho que meu avô trazia da Itália, importava para cá, para o Canadá e para o Uruguai, meu vô por parte de mãe, materno. Nessas idas e vindas, minha mãe e minha tia, Rosa e a Teresa, nasceram no Uruguai em Montevidéu. Vieram para cá, para São Paulo, depois voltaram para Mooca com três anos e continuaram até que meu avô faleceu em 1945, Antônio, meu avô, meu nonno. Faleceu e minha avó preocupada de como, se ia conseguir ou não, tocar o armazém, a mercearia, resolveu vender. Já tinha um forno de pizza, se fazia de tudo naquela época, vendeu para família Barbudo, hoje, são os que tocam já na quarta geração, a tradicional pizzaria São Pedro, que fica na Rua Javari, uma das mais antigas da Mooca e uma das mais tradicionais. Meu tio avô trabalhou ali na, no Cotonifício Crespi, ele era farmacêutico particular do Conde Rodolfo Crespi, o Mauro, a gente continuou até hoje, estamos na Mooca.
P - Até esqueci o que eu ia perguntar... Como é que era a casa da sua infância, a casa que você cresceu ali na Mooca, você lembra?
R - Era na Rua Javari, Javari é a capital da Mooca, a rua Javari é a capital da Mooca. Uma casa, o primeiro, que me lembre, o primeiro endereço de infância na Visconde de Laguna, é uma travessa da Rua Javari e depois no 562 da Rua Javari, hoje em frente ao Extra. O grupo Pão de Açúcar, comprou o Cotonifício Crespi, manteve as estruturas externas e fez o supermercado Extra. Minha casa era de dois dormitórios, grande, embaixo havia outra casa. Um sobrado, na parte de cima morava eu, minha mãe e meu pai, sou filho único e, embaixo, minha nonna e minha tia que era solteira. Na garagem, nas festas, na Páscoa, enfim, Natal, juntava-se toda família, italianada toda: macarrão, frango e aquela montoeira de comida ali. Ficávamos a tarde inteira comendo, brincando e cantando, depois de tomar uns bons vinhos, todo mundo começava a cantar.
P - Como é que era essa convivência com os vizinhos ali em volta, eram todos italianos?
R - Olha, a Mooca é interessante, né? A Mooca é uma grande família. Todo mundo te conhece, você conhece todo mundo, tem uma fidelidade ferrenha. É, em qualquer lugar do planeta que você vai, é incrível, nos lugares mais remotos você vai: “Oh, te conheço de algum...”, da Mooca, “Ô, bello daqui, bello de lá”, se abraça e tem sempre um lugar para mais um, no coração do moquense tem sempre lugar para mais um. São pessoas que não deixam passar nada, que exigem seus direitos, vão até o… gastam pouco, perdem dinheiro até, para exigir seus direitos, é um povo unido, alegre, unido, briguento, desde que tenha razão, a referente, a certeza da razão relativa. Um pessoal que vai até as últimas consequências. Um pessoal trabalhador. Hoje, pelo menos até o ano passado, era um lugar com baixo índice de criminalidade, um bairro muito interessante, muito gostoso e difícil de quem teve essa passagem de vida na Mooca querer sair para outro lugar, não se sente bem, quer voltar para casa e a casa quando digo é a casa Mooca.
P - Como era seu cotidiano com seus avós morando ali também, seu pai indo trabalhar? Conta um pouquinho.
R - Eu comecei a estudar ali no Colégio Montessori Lubienska, um método diferenciado de ensino, quem tocava isso eram as Missionárias de Maria, na Rua João Antônio de Oliveira. O complexo ali chamava-se Condessa Marina Crespi, era a esposa do Conde Rodolfo Crespi. Ali foi minha parte de Pré. Costumava-se ser alfabetizado com quatro anos, quatro anos e meio, a média de quem...Tinha, estudava no método Montessori Lubienska, são duas austríacas, um método um pouco diferenciado, então a turminha toda, com quatro anos, quatro anos e meio, já era alfabetizada.
Javari, Juventus, a gente pulava o muro do Juventus para jogar bola de madrugada e o pessoal corria atrás da gente. Carnaval também era ali no Juventus. Na minha época, na década de 70 a 80, o carnaval ainda não era no clube , hoje fica no Alto da Mooca, era no estádio. Jogávamos bola, ficávamos na rua o dia inteiro, empinava pipa, tudo mais que eu não vejo nos meus próprios filhos, não vejo mais esse tipo de brincadeira: bolinha de gude, soltar balão, as festas juninas, se reunia todo mundo da Rua Javari e montava uma mesa grande na rua, fechava a rua e era assim. Foi muito prazeroso a infância, foi muito gostoso. Vale a pena ressaltar que a igreja São Rafael era a paróquia, é ainda a paróquia da região e aos domingos não tinha conversa, tinha que ir pra missa. Depois da missa, tinha um padre, um italiano que chamava Valentin, hoje ainda, segundo consta informações, está com quase 100 anos, está vivo numa missão, se não me engano em Manaus. Ele pegava toda turminha e ia para jogar bola. A gente ficava até tarde de domingo jogando bola com o padre Valentin, foi assim a infância, fogueira, e, no Natal, amigo secreto na casa de um, na casa de outro, dia das crianças também. Todas as datas festivas na Rua Javari, sempre tinham iniciativa de um, juntava pratinha daqui, pratinha de lá e a gente vivia contente e alegre.
P - Uma coisa: se ouvia muito italiano como língua ali, as pessoas mantinham isso, você fala italiano?
R - Eu entendo, mas o napolitano entendo mais, falo muito pouco, minha nonna falava misturado italiano com português, na minha casa um falando em italiano, era um imbróglio, meus avós paternos, quando ia conversar com eles, falavam russo com lituano e misturavam com português. Em casa minha nonna falava o italiano misturado, arrastado, napolitano, que é um dialeto difícil e até quase que extinto na Itália, uma língua parecida com russo, bem diferenciada e falavam em casa. Minha mãe que ficou no Uruguai falava um pouco de espanhol, meu pai português, então você imagina. No bairro da Mooca (risos), tinham os italianos que falavam arrastado, faziam questão de quando fossem negociar alguma coisa praticar o italiano para que os outros, os brasileiros, os moquenses que não falava, não falassem, não entendessem. Algumas missas ainda eram rezadas em latim, na igreja de São Rafael. Às vezes alguns eventos aconteciam com esse tipo de coisa.
P - Só uma coisa, você fala muito dessa cultura italiana, muito presente, mas e da parte dos seus avós da Rússia, da Lituânia, ficou alguma coisa?
R - Então, muito, muito pouco. Os russos são mais secos, no modo de tratar com família, o pai tem aquela posição militar, até uma coisa que, por eu entender isso depois da passagem dessa vida pra outra do meu pai, sinto muito de não ter tido, esse discernimento e tentado me aproximar mais desse lado do meu pai. Meu pai sempre teve a reserva, do tipo, “Eu sou o pai, você é o filho. Você fica aí, me obedece, segue as regras. Eu não posso deixar você entrar no meu íntimo. Fica na sua, fica como filho e me respeita e tal, tal, tal, tal.” Não quebrou o protocolo da amizade. Sei que, com certeza, um pai jamais não tem esse sentimento de amor, mas ele manteve, para poder exigir alguns padrões. A família italiana já é mais festiva, abraça, beija e tal. Então, esse foi alguns dos motivos, entendo, que não tenha tanta afinidade, não tive tanta aproximação com a cultura dos meus avós russos. Porque eles também seguiam aquela linha, aquela linha totalitária, postura, nunca tá doente, tem que trabalhar, estudar e ponto. Nas festas evita beber a mais, evita entrar na intimidade de falar uma bobagem. O italiano não, o italiano já falava o palavrão: “Oh, vem cá, vou te dar escondido um presente”, teu pai não te dá, os tios vão lá e alimentam essa sua vontade. Eu tinha um tio que chamava Giuseppe Cappo, tudo que meu pai não fazia ele ia lá e fazia escondido (risos). Esse lado, talvez, de ter mais afinidade, é comum, se vai pro lado que te dá abertura, sempre o ser humano vai para o lado mais fácil, mais gostoso, mais alegre, o outro te serve como padrão. Hoje tem porque você ter uma vida regrada. Se você for passar por dificuldade, você já lembra da dificuldade que eles tiveram, porque deles terem aquele jeito mais abrutalhado mais seco pelo modo que eles vieram. Nem a alimentação, muito pouco, meu pai gostava às vezes de ir na Vila Zelina e comer chucrutes, aquelas coisas, porque lá também é uma colônia de pessoal da Lituânia. Tinha as comidas típicas, joelho de porco, uma geleia que fazem cozinhando a cabeça do porco, mas nunca e nem faz parte do meu gosto, da minha culinária. É mesmo o macarrão, o fusilli. O fusilli hoje ainda tem lugares na Mooca que encontra quem faz mão, porque é feito num ferrinho quadrado, um por um. Ele é como se fosse um espaguete com furo no meio. Aquele furo, segundo os italianos, é para que o molho bem curado, bem vermelho, entre dentro e o parmesão ralado grosso. Uma família também que veio da Itália, é família Di Cunto, também hoje tem um lugar, um comércio gigante, tudo com berinjelas e todas coisas que vieram de costumes da Itália.
P - E você aprendeu a cozinhar? (risos)
R - Aprendi a cozinhar, modéstia à parte faço um macarrão que todo mundo gosta (risos), berinjela e pizza também, quando tem oportunidade faço pizza, gosto muito de cozinhar.
P - Voltar agora então pra sua escola. Você falou que estudou na escola que tinha um método diferenciado, conta um pouco mais desse período escolar.
R - O método Montessori, chama-se, são duas pessoas que trouxeram isso para o Brasil, é Montessori e Lubienska, duas austríacas. Esse método de alfabetização é diferenciado, pude acompanhar com meus filhos e dos demais, é através de ditado, não se usa muito lápis, você tinha umas placas com lixas do alfabeto, onde você passava o dedo na letra A, na letra B, na letra C, depois ia pra tapetes individuas e você montava ditados com palavras, associava e tal, tal, tal. É bem diferenciado. Depois saí de um método desse, super liberal, objetivo e deixa a criança viajar no que ela quiser, criar o que ela quiser, não conduzir, mas deixar que a criança conduza os estudos, fui para um totalmente fechado, que é o Agostiniano. Agostiniano é o oposto, uma rigidez militar de padres agostinianos, onde ainda peguei o paredão, faz coisa errada vai para o paredão, todo mundo passa ri: “Ah, você fez coisa errada”. Ficar no quarto pensando. Então, foram essas duas educações antagônicas que vi na minha infância.
P - E essas duas escolas eram na Mooca ali perto, você ia a pé para essas duas?
R - Na Mooca, em Belém. É, ia por lá. Uma ficava na Rua João Antônio Oliveira, do lado do estádio do Juventus, a outra no Belenzinho, que também é perto da Mooca.
P - Você tem alguma lembrança de algum professor que tenha marcado?
R - De todos, né? A primeira professora foi a Iza, nós éramos os três que foram os primeiros alfabetizados. Tive esse prazer de ser alfabetizado da turma, junto com mais dois. Lembro os nomes deles, nunca mais os encontrei. Era o Sidnei Rufica, João Alberto Willudovic Junior, fiquei sabendo que ele foi para área de odontologia, também nunca mais vi, morava na Javari. O Sidnei não me lembro onde morava. Só tinha uma característica, que marca, já tentei Orkut, procurar esse sobrenome Sidnei Rufica, João Alberto Willudovic Junior, também não os encontrei. Nós três fomos os primeiros a ser, a ter o prazer de ser alfabetizados. A professora primeira foi a Iza. No Agostiniano tinha o professor Valentim, homônimo do padre, que também foi padre, saiu do seminário, casou-se, a filha dele estudou com a gente, foi uma pessoa interessante, chamava todo mundo na frente: “O Tuca vem cá, deixa ver tua unha.” Olhava a unha, olhava atrás da orelha pra ver se estava limpo, se não estava, “Tira o sapato aí para ver se cortou a unha (risos), cortou a unha”. Um cara interessante. Quem estava com a unha sem cortar, mandava para casa advertência: “Oh, precisa cortar unha, precisa não sei o quê”. O professor Roberto, lembro que ele falava que dava aula de historia lá e no Dante Alighieri, fazia as comparações: “Ah, o pessoal do Dante, não sei o quê”. Fazia esse jogo de rivalidades para obter o que ele queria. Um cara interessante, muito legal. Na época era um padre, o padre Cirilo, que me perdoe, mas o padre depois casou com a diretora da escola (risos), com a Dona Dalva, fiquei sabendo. Tinha um professor estranho que chamava-se Areia, ele chegou a ser coordenador do Agostiniano, isso já no segundo grau. Ele gostava daqueles assuntos de ufo, era ufólogo. Quando a gente queria matar aula: “Oh, faz pergunta de ufo”, ficava todo mundo enrolando fazendo pergunta de ufo e não tinha aula. Ele dava aula de desenho, educação artística, a gente ficava enrolando a aula dele com ufo. Como todo adolescente, tinha as brigas no colégio, suspensões. Outra coisa interessante do Agostiniano, hoje eu vejo que tem muito pouco, uma ênfase assim à religião, um colégio católico, continuo sendo católico, mas tem alguns preceitos que entraram na minha vida, eu consigo assim, pegar o que é bom de cada coisa. Então foram, desde o católico até cultos afro e ameríndio, você tem que pegar, essa é a minha linha. Pegar coisas boas, vê o que serve para o teu dia a dia, onde você pode encaixar, você não pode e tal, tal, tal. Mas dentro do Agostiniano em particular tinha um patriotismo interessante, se condicionavam a ter o amor a pátria. Uma vez por semana a gente cantava o hino. Hoje para você identificar, quando a gente se encontra, “O, estudou no Agostiniano”, tem tipo de um código pra você identificar uma pessoa, um ex-aluno do Agostiniano. O que é? Toda vez que entrava um professor, pela manhã, todos se levantavam, e você fazia uma oração. Essa oração falava o seguinte: “Oh Deus Onipotente. Princípio e fim de todas as coisas infundi em nós brasileiros o amor ao estudo e ao trabalho. Que assim seja” Todo mundo sentava e começava a estudar. Isso ficou uma palavra de passe. Toda vez que você encontrar, “Quero ver se você é do Agostiniano mesmo”. Você não lembra mais da fisionomia, qual que é mesmo a oração? Ai: “Oh Deus onipotente. Conta comigo que não lembro mais”. A gente se identificava: “Pô que legal, de que turma você era, que turma você não era”. Tinha alguns professores que usavam muito as músicas para inserirem os textos que eram difíceis de serem decorados. Olha valeu, valeu mesmo, uma escola muito interessante.
P - No período de juventude, qual que era o lazer das pessoas ali na Mooca, vocês saiam, como é que era?
R - Então, nossa época tinha uma herança de uma turma, que se chamava… tinha, bom, no Clube Atlético Juventus eram os nossos fins de semana, tinha a tradicional domingueira que às seis horas da tarde ia todo mundo na domingueira escutava música, dançava. Na juventude, bicicleta, depois nossa turma foi ter carro, para ter carro, para começar na noite, um pouco mais tarde com 20, 21 anos de idade, a época era mais Jardins, todo mundo ia namorar, do lado da Augusta, na Pamplona, na Up & Down, aquela época do Up & Down, do Ta Matete, do St Paul, do Soul Train e sempre em turma. A Mooca tem uma característica, difícil você ver o pessoal sair sozinho, sempre sai em quatro, cinco, dez, com vários carros, a mãe leva, antes de ter habilitação e outro pai vai buscar, sempre assim. Os jogos de futebol, taco, que não se joga mais, a gente fechava a rua com bolinha, com taco e jogava de um lado para o outro o dia inteiro, isso até na juventude, o que hoje a gente vê que a juventude antecipou, não curte mais isso, já tá no carro com 16 anos, a gente começou a sair sozinho e curtir carro, essas coisas mais noturnas depois com 19, 20, 21 anos de idade.
P - Tinha cinemas ali na região?
R - Tinha cinema na Rua Javari, tinha o Cine Ouro Verde, na Rua Javari não, na Rua da Mooca, perdão. Tinha o Cine Ouro Verde, era muito frequentado, toda a turminha ia para lá, a escola ia para lá. Com 18 anos lembro o primeiro filme que fui assistir, era um lançamento, era o da Xuxa, aquele filme que foi proibido, então tinha fila, todo pessoal da escola, porra, a Xuxa, a Xuxa, a Xuxa, nós fomos assistir no Cine Ouro Verde. Na Xuxa tinha uma figura interessante que não tem mais, que era... Que o cinema era um lugar, devido à repressão familiar, um lugar que você ia para pegar na mão de uma menina, para beijar uma menina, o que hoje já não é mais comum, pegar na menina em qualquer lugar. Naquela época, vamos falar antigamente, porque a progressão é tão rápida que já me sinto um dinossauro. Mas, pelos costumes, naquela época, você ia no cinema pegar na mão, para namorar e tinha uma figura que hoje não tem mais, o lanterninha. O cara chato que quando você estava pegando na mão (risos) ele enfiava a lanterna na sua cara: “Olha, mais respeito que senão eu vou te por para fora”. Punha pAra fora mesmo. O cara... Às vezes ele vinha, porque ficava com um terno preto, você não enxergava, sentava atrás e ficava horas e horas esperando você para dar o bote. Quando você abraçava a menina, acontecia alguma coisa, aquilo que você vê, hoje você vê em propaganda, era o que acontecia com os pubertos. A gente ia e ficava olhando e na bobeada punha mão no sei o quê, não ia no diretamente. Hoje você já fala direto o que vai acontecer, não ficava, aí tirava a mão e não sei o que, não sei o quê… Era uma fase do namoro, mais romântico, interessante, então, isso a gente fazia dentro do cinema. Saia, contava para molecada, o, abracei, peguei na mão, era uma coisa assim de outro mundo. Eu vivi isso na Mooca, naquela e no Cine Ouro Verde. Tinha um outro cinema mais para cima, na Vila Prudente, chamava Cine Amazonas, mas não era muito frequentado. Tinha uma rixa na Mooca, era a Mooca Baixa, da Rua Javari, atravessando a linha do trem, até a divisa com a Avenida do Estado e a Mooca Alta, o pessoal que morava da Paes de Barros para de cima. “É da Mooca Baixa”. Por quê? O pessoal mais elitizado ia para Mooca alta, ia da Mooca baixa para Mooca alta, ficava essa, os novos ricos: “Ah, é da Mooca baixa e tal”. Tanto é que depois foi se melhorando a vida, nos mudamos para Mooca alta, para o Alto da Mooca. Hoje ainda assim, é uma parte industrial, uma parte mais… mais feia, depende de como você enxerga. É uma parte que não progrediu tanto quanto a Mooca, o Alto da Mooca, o Alto da Mooca é mais residencial, um bairro programado. E a Mooca Baixa continua igual, as casinhas mais antigas, mais humildes, poucos prédios, agora que começou a febre de imobiliária na Mooca
P - E como é que você escolhe a faculdade, como que vai essa, a escolha profissional?
R - Então, sai de lá, fui para Getúlio Vargas, estudei na Getúlio Vargas, fiz Elétrica lá, depois saía da Elétrica, ia para estudar Engenharia. Na Getúlio, por exemplo, você já estava direcionado a aptidão. Porque o objetivo era já sair com o profissionalizado, continuar a carreira e poder estudar. Toda a turminha daquela época de 80 por aí, já queria trabalhar e estudar a noite. Conseguir comprar seu carro, ter seu próprio sustento, a noite estudar e era comum naquela época.
P - E como é que foram esses processos de prestar vestibular e...
R - Ah Foi tranquilo, direto, tive uma boa formação, foi tranquilo, tranquilo. Era difícil quem saía do Agostiniano fazer cursinho, era muito difícil, só para Medicina, para essas, para os mais concorridos sim, o pessoal tentava, a turma tentava já no segundo ano, Getúlio Vargas, era Getúlio Vargas, Federal e Liceu de Artes Ofícios, eram as três top públicas que tinha vestibulinho. Você saía do primeiro grau e, para entrar no segundo grau, você tinha o vestibulinho. Pelo menos todos que saíram do Agostiniano que encontrei, passaram sem problemas. Depois saindo o pessoal que estudou comigo, a gente se encontrava nas feiras, nos eventos que juntava Federal, Liceu de Artes e Ofícios e Getúlio Vargas, todos daí foram direto para faculdade também, sem problema, sem cursinho, sem problema algum. Um foi para um lado, um amigo, Soneca o apelido dele, foi para antiga Varig, todos bem colocados, para Brown Boveri, GM [General Motors], Volks, todos foram pessoas de sucesso, sem problema.
P - Você sai e começa a trabalhar já?
R - O ultimo ano, o quarto ano, foi terrível. No quarto ano eu fazia a Getúlio Vargas à noite, consegui também entrar direto num estágio de engenharia e projetos na Linhas Correntes, no Ipiranga, na Rua do Manifesto, de manhã fazia faculdade, passei por tudo, por síndrome do pânico, nossa!, foi terrível, foi um ano, dormia no carro, aquelas coisas que, você acorda às cinco, vai para faculdade e volta, vai para o estágio, volta vai para escola à noite, é coisa, é vida de maluco. Mas valeu a pena, depois melhorou, foi melhorando, fui galgando cargos, tendo amigos lá dentro e foi tranquilo. Depois saí de lá, profissionalmente, até com o incentivo de uma turma de lá dentro: “Pô, porque você não começa a atuar na área de informática, que tá começando agora?” Porque 1990, por aí, estava começando os computadores da Apple, não se falava do IBM, do PC. Só se falava de Apple, Apple, Apple, Apple. Aí começou adentrar o IBM em 90, 91, “Pô, porque você não começa a montar, traz peça de fora, monta, monta a rede e tal, você tem aptidão”. Comecei nessa área, fiquei muitos anos, depois mais a parte de consultoria de redes, montagens de infraestrutura de rede, infraestrutura de segurança digital. Agora depois de muito tempo, mais de 20, quase 20 anos sem estudar, resolvi entrar na área do Direito, comecei tudo de novo. Estou no primeiro semestre de Direito, gostando muito, por incentivo de uma pessoa muito querida. Estou pretendo me formar bacharel em Direito.
P - Voltando ao que você estava falando, que você estava fazendo Direito e tal, mas voltar mais um pouquinho. Bom você casou, como é que foi?
R - Então, eu casei em 97, com a Débora e tenho dois filhos desse casamento, o Enzo e o Giulio. O Enzo tem 10 anos e o Giulio tem sete anos. Os dois italianinhos bagunceiros. EMe separei o ano passado, mas a gente tá sempre juntos.
P - E como é que você conheceu sua ex-esposa (risos)?
R - Na Mooca também.
P - Na Mooca? (risos)
R - É na Mooca também, ela fazia São Judas, fazia Direito na época. A Mooca é grande, mas é pequena (risos).
P - E você mora lá até hoje?
R - Moro lá até hoje, minha mãe, meu pai faleceu, minha mãe mora na Mooca também. Posso te dizer que é difícil não conhecer as pessoas da Mooca. Sou capaz de andar com você: “Esse chama fulano, esse chama sicrano”.
P - Teve muitas transformações, nesses últimos tempos na Mooca assim de imobiliárias, como é que foi, como é que você foi vendo esse processo todo você que esta lá desde sempre?
R - Teve. Acho que mais alguns anos vai parar tudo. Se não engano tem uma previsão de 100 novos prédios. Aonde esse povo vai sair, é complicado. Próximo do Juventus, não aumentaram as ruas, a infraestrutura, nada disso, à gente já sente, hoje é parado total. A Paes de Barros continua a mesma, com as duas faixas, mais a de ônibus elétrico, então, gigante, gigante, gigante e a quantidade de pessoas que tem lá, terrível. Na rua do orfanato, já é divisa com a Vila Prudente também tem muitos prédios novos, está crescendo em quantidade, mas em qualidade está um pouco parado.
P - Na verdade, acho que a gente podia voltar um pouquinho ainda pra faculdade tudo mais, esclarecer mais um pouquinho. Quais foram as grandes mudanças de quando você saiu da GV, nessa fase do primeiro emprego, indo para faculdade, quais foram as grandes mudanças que você sentiu assim na sua vida?
R - Você sabe que eu não… essa parte assim não passou muito consciente. É uma parte que a gente leva um pouco na brincadeira e o tempo passa. Acho que depois dos 30 anos de idade se começa a ter uma consciência, uma filosofia, apesar da vida ir rápido, você começa a perceber mais, a ficar mais sensível as coisas espirituais, a dar valor ao que os teus pais falavam, você ouvia e não conseguia entender. Por isso que: “Oh, não faz isso”, aproveita seu tempo, você vai correndo e depois, quando você começa a ter um conhecimento filosófico da vida, começa a ter uma noção de realmente, tem alguém lá em cima regendo tudo isso. Você é alma, espírito, corpo, tem muitas coisas que você não entende, mas tem que começar a entender, a sentir o lado espiritual, as pessoas que te rodeiam, os sentimentos das pessoas que te rodeiam, nesse ponto você começa a viver, voltar o tempo que você passou e saber o porquê de cada coisa. Puxa vida aquilo serviu para isso. Estava tomado por uma coisa e agora eu achei que minha área é o Direito, olha só, que mudança radical. Acho que minha área é o Direito, acho que sempre tive tino para o Direito, porque eu perdi todo esse tempo com outras coisas? A questão de você ter que ganhar o dinheiro para sobreviver, é diferente de fazer o que você gosta. Às vezes você é levado na vida a ter que trabalhar com uma coisa que não é, o que te preencha na plenitude e você adequar isso com teu dia a dia, com o ganhar, é uma coisa que só quando você tem consciência de todas essas coisas que regem o mundo, das pessoas que te rodeiam, das tuas amizades, ser seletivo nas amizades.
P - Essa coisa das suas mudanças, quando passou, saiu da escola, foi para faculdade, tem uma coisa que a família italiana é muito protetora, a mãe italiana tem essa imagem tal... Não sentiu um pouco essa coisa de ter que ficar mais tempo longe de casa trabalhando e a mãe…
R - Isso é, você mexeu num ponto, é um problema que você tem de desvencilhar, por quê? Se não atrapalha tua vida. Mesmo com amor que se tem e terá sempre pela mãe italiana, ela interage muito, quer saber, tem um ponto de vista que não sossega só com o ponto de vista, ela tem que falar. Isso atrapalha bastante, num atrapalha mais porque uma vez que - porque até os 30 anos você é um bebezão, pelo menos na minha vida foi assim - você começa a enxergar: “Poxa isso aconteceu errado por causa desta atitude”. Relacionamentos tem que tomar cuidado, a mãe italiana quer saber quem é, se tem olho azul, se não, não tem (risos), se faz o macarrão, se não passa na aprovação não serve… mas são coisas administráveis. Alguns, ainda muita gente na Mooca, vai ver que o solteirão fica com a mãe até o resto da vida e depois fica perdido. Quem não consegue - não sei se maturidade, se está certo ou errado - desvencilhar, cortar esse elo que é muito forte, mas não deve ser até o fim da vida assim, esperar a mãe morrer para poder se relacionar. Isso é uma coisa que se vê constantemente na Mooca, os solteirões com 50, 60 anos vivendo na casa da mãe. “Ô, vou comer na minha mãe. Ô vem cá”. Te convida e você vai. A senhora de idade faz o macarrão. Isso é comum, isso é muito comum. Eu tentei dentro do possível com um pouco, não dá pra ser um corte que não tem uma… não choca. A mãe: “Ô, você não gosta mais de mim?” A mãe italiana pega muito no sentimental. Toda hora liga quando você não vai almoçar, ou namorando, ou trabalhando, ou já casado, num outro relacionamento, ela te cobra muito, pega no sentimento, não vem pra cá, não gosta mais de mim. Fala para todo mundo, te põe numa situação difícil. “Pô, mas porque você não gosta mais da sua mãe, você tá maltratando a tua mãe?” Como estou maltratando? Não fui uma semana, estou com a vida, tenho dois filhos, estou correndo? Chora, fala para o padre da igreja, você vai lá: “Ô meu filho, você vai ter um pecado terrível, você não gosta da sua mãe”, “Imagina como não gosto da minha mãe?” Ela não entende, quer aglutinar todo mundo e quer continuar mandando. Aquele jeitão dela, no bom sentido, com o coração, até entendo hoje que sou pai, mas não respeita. Vem de uma tradição que não respeita o pouco da individualidade que você tem que ter. Tem horas, você tem que estar com seu filho, um natal que você não pode passar com a sua mãe. Isso é crime doloso, um negocio terrível, não vai perdoar nunca. Sempre lembra, qualquer coisinha: “Você não gosta de mim porque no natal de 1800 e não sei quanto você não passou com a gente”. Não admite que você passe um dia sem ligar, é: “Eu fiz a berinjela pra você”. Nossa, imagina se você não vai comer a berinjela? Se às vezes volta do almoço que está cheio até em cima, todo mundo vem com pão italiano e coloca: “Toma experimenta. Você não gosta? Você não gosta? Você não gosta mais de mim”. Aí chora (risos). Então, é super comum do pessoal da Mooca, essa dominação da mamma.
P - Num foi meio que um choque quando você saiu e começou a fazer suas coisas, ir para outros lugares, ficar longe, longe dessa…
R - Foi, até ter, conseguir tratar bem, saber da sua individualidade que a vida continua. Essa programação que acontece é uma barreira muito grande para quem está na adolescência e é da Mooca. Sempre liga e chora no telefone, com todos, com a maioria dos descendentes italianos acontece isso: “Ô, minha mãe...”
P – Nesse começo, você falou que começou a trabalhar, tinha essa geração que queria começar a trabalhar e ganhar. Lembra o que você fez com o primeiro salário, assim com as primeiras...
R - Ah bom, é carro, né? Torra tudo em carro, em som de carro, você não pensa, só em curtir a vida, o presente. Quem consegue ter o amadurecimento, ver que a vida não é isso antes, se dá melhor. Quem demora mais, é um poço sem fundo. Vai viajar, vira consumista, foi o meu caso, mas depois fui acertando conforme veio o amadurecimento.
P - E você aproveitou assim viajando também?
R - Aproveitei bastante. Tudo que a juventude pode usufruir eu fiz. Fui viajar, trocava de carro sempre, gastava bastante com supérfluos. Não passava vontade.
P - Tem alguma viajem especial, que você lembre, alguma historia bacana que tenha feito?
R - Várias. Uma coisa interessante que eu deixei passar: em 1982… gostava muito de radioamadorismo. Conhecia pessoal no mundo inteiro. Sempre que tinha alguns eventos no Uruguai, na Argentina, no Chile eu ia, o pessoal estranhava: “Pô, você é um menino”. No rádio não tem noção de quem está falando. Vários eventos fui, quando teve o evento de terremoto no México, terrível, na década de 80, nós ficamos à noite inteira. Depois fui conhecer as pessoas, os familiares, no Uruguai também teve um evento que, uma criança... Porque, década, final de 70 e 80 ainda era um caos a telefonia. Para você falar com os países vizinhos, o Uruguai, tinha que ligar de manhã e esperar a telefonista te dar o retorno: “Olha já consegui a ligação, pode falar”. Eu tinha primo no Uruguai, tenho ainda, está vivo ainda, o Luiz, se comunicava com uma pessoa aqui no Ipiranga, um alemão que tinha rádio, chamava-se Bauer, esse já faleceu, se tornou um grande amigo meu. Em 1973, quis chamar, fez uma amizade maior com meu pai, todas as tardes de domingo, para se comunicar com os familiares, nós íamos na casa dele e falávamos com rádio amador. Aquilo marcou minha infância, tinha seis anos. Fui crescendo, às vezes mais, meu pai para retribuir o favor levava caixas de enlatados da Swift, ele trabalhava lá. Presunto, salsicha, a gente passava à tarde. Pegando o vírus do radioamadorismo na época, hoje acabou, pela facilidade que a gente tem com a Internet e com os meios de comunicação. No Uruguai tinha uma menina que nasceu com a válvula invertida, uma coisa interessante. Tinha um especialista aqui no Hospital Dante Pazzanese que era, a especialidade dele, esses problemas de inversão de válvula, não sei se era válvula mitral, lembro vagamente. Através do rádio consegui adequar essa criança recém-nascida viesse aqui e fosse operada no hospital. Isso são eventos que marcaram, depois fui lá e a família: “Ah, mas você que é o Tuca?” “Nossa, pensei que era um homem.” “Mas sou homem”, “Não, mas imaginavam uma pessoa de idade, atrás do radio”. Foram passagens assim, interessantes. Tinham uma caravana me esperando no Uruguai, para saber quem era, quando olharam: “Nossa” Era tipo: “Que coisa, um menino”. Tinha eventos, por exemplo, no radioamadorismo, quando existia campanha da vacinação, todo mundo ia para Secretaria de Saúde e cada um ficava num ponto monitorando, se precisava de alguma coisa, junto com a Policia Civil, Militar, com a Secretaria de Saúde. Foi um evento interessante. Que me lembre de viagem interessante é isso. Fora as viagens de praia, litoral. No Chile teve uma passagem interessante, esse Bauer, nós fomos fazer um serviço no Jornal Mañana, em 1991, se não me engano. Naquele dia nós fomos conhecer o pessoal do corpo de socorro andino, eles nos levaram ao mercado do Chile em Santiago para comer uma mariscada, eu gostava de vinho, me deram uma garrafa que se chama “chica’. É um vinho novo, se bebe no Chile: “Vinho eu bebo para caramba, minha nonna molhava o pão no vinho e me dava”. Tomei uma garrafinha, muito bem, achei gostoso, pedi mais uma garrafinha, o pessoal: “Tuca, devagar, se vai quedar mareado, você vai ficar bêbado”, “Não, não tem problema”. Puxa a hora que levantei, lembro que fumei até Lucky Striker e não fumo. Fomos para casa: “Tuca não está bem”, “Não, estou bem, estou bem”. Eu deitei, na parte… era um sobrado que a gente estava, em Cidade Satélite, na cama de cima de um beliche. Muito bem. Aquilo quando você está no estádio que vai fazer alguma… querem aplaudir, todo mundo bate o pé e aquilo treme. Percebi aquilo na casa, na parte de cima, as paredes fazendo assim: “Nossa esse negócio é forte, que eu bebi”. (risos) Escutava umas vozes, sonhando que a mariscada é uma comida forte só com marisco, de caloria mil, mais o vinho, imagina um suador considerável. Estava lá e urrrrrrrrrrrrr, tremia tudo, ninguém na casa e as paredes faziam assim. “Tuca, sai daí, louco”. Estava tendo um terremoto onde o epicentro era em Viña Del Mar. Poxa, via as paredes, só me toquei que não estava muito bêbado, de fogo, que era um terremoto, “Terremoto, terremoto” e eu escutava passar ambulância para um lado, passar ambulância para o outro. “Nossa senhora, o que me deram para beber?” Caiu uma estante com livros, no chão. O lustre rangia.Me toquei: “Meu, a casa vai cair”. Me lembrei que a casa era preparada para abalo sísmico, que nem um drywall, ela fica em uma plataforma, sem contato direto, para poder mexer e não quebrar. Por isso as paredes e a cama fazia assim. Quando desci que vi fogo de um lado e cano d’água estourado, saindo água do meio de um racho na rua, que eu: “Pô, você não pode ficar aí”, “Não sabia”. A sensação que você está num estádio, todo mundo batendo o pé, aquilo vem da terra e as paredes balançando. Foi uma coisa interessante que passei. Outra lá mesmo no Chile, quando fui visitar o Corpo de Socorro Andino, um grupo de malucos voluntários, que vão, quando vem expedição, “Ah Vou subir no Himalaia, no Aconcágua, vou subir não sei aonde”, os caras vão e depois tem um deslizamento, alguma coisa, o sujeito fica preso na montanha. Chamam o Corpo de Socorro Andino que são malucos, voluntários, sobem em um carro e vão até o fim buscar, resgatar os caras. Convidaram a gente, amigo desse Roland Bauer, saudoso, um alemão inteligentíssimo, nos convidou para ir e chegando, o que que eles fizeram? “Ah O Tuca é teu amigo? Vamos batizar ele. Ah! Vamos embora”. Colocaram aquela roupa de neoprene, capacete, me levaram num barranco de neve e me jogaram um monte de neve em cima. Pronto agora você tá batizado, já é um dos nossos. Aí foi. Eles tomam uma bebida l que se chama pisco, de alto teor alcoólico, como uma bagaceira. Tem uma briga que o Pisco surgiu no Peru ou surgiu no Chile? O mais famoso de lá chama-se Capel. Tem um outro que não é divulgado, chama-se Três Erres, também é muito bom. Eles tomam aquela bebida com Coca Cola, que chama-se piscola, ou tomam, igual a caipirinha que chama-se pisco sour. A turma bebia aquilo o dia inteiro, depois subia na montanha, estava quentinho. Essa passagem foi muito interessante da viagem.
P - Só uma coisa, você falou de estádio, lembrei, a Mooca tem essa coisa do futebol, que é muito forte dos italianos. Como é que era, você frequentava o estádio?
R - Juventus. Todos na Mooca tem o primeiro time e o segundo é o Juventus, todos são juventinos. É muito comum ir no estádio do Juventus. Na Rua Javari, aquele Rodolf Crespi - segundo o filme foi onde o Pelé fez o melhor gol, o gol mais bonito. Ele driblou todo mundo, foi o Santos, num lembro o outro, foi o Santos e Juventus. Ele estava no Santos. O estádio continua igual, com arquibancada assim, alvenaria, nada coberto. Quartas-feiras era… sempre que tinha jogo, íamos, toda turminha, para o Juventus. Sou palmeirense, também tem a turma dos palmeirenses. Na Mooca o que a turma faz? Quando é final, alguma coisa que tem possibilidade grande do Palmeiras não decepcionar, a turma aluga um ônibus, compra pão de linguiça, toda essa, sardela, alichela, e vai 30, 40 num ônibus pro estádio, sempre um organiza. Depois do jogo do Palmeiras e Boca Juniors em 2002? Acho que foi 2002, a turma desistiu e não vai mais, foi no Morumbi, mas, é... Tem bastante corintiano, está bem diversificados em times. Mas Juventus, todo mundo. Chegou Juventus,
o clube Atlético Juventus, a ser um dos que tem o maior número de sócios, agora não sei como está. O futebol, ainda tem as encrencas na Mooca de futebol. Mescalez, a turma era tradicional, os mescaleros, que... Tinha uma mais antiga, chamava-se Pepe Legal. A Pepe Legal é da geração do meu pai, Babu, o que foi vereador e deputado federal, Jose Índio dos Santos, o Zé Índio. O irmão dele, o Mauricio, os irmãos Zé Índio, eram dessa turma. O que se fazia naquela época de adolescência? Gincanas. Então, a Pepe Legal com outra turma fazia gincana de pular com saco, de dançar, quem dança melhor, time de futebol. Então, na adolescência, também era comum, hoje não tem mais, fazer as gincanas. O Babu, o Zé Índio essa turma, ainda está, estão com uns 60 e poucos anos, voltaram a fazer eventos. Estava andando de bicicleta um domingo, vi um evento na Praça Souza Fontes, perto do Juventus, fui ver o que era. Estava o Babu, uma pessoa querida na Mooca. O Zé Índio também é. O Zé Índio foi vereador, duas vezes seguida, depois foi para deputado federal, hoje não está mais na política, são pessoas queridas, que brigaram pela Mooca. Hoje tem uma pessoa em ascensão que é o vereador Adilson Amadeu também gosta muito da Mooca. Todos tem esse perfil, adoram, amam a Mooca, não saem de jeito nenhum. O futebol é bem iminente, bem forte na Mooca. A turma gosta mesmo de futebol, de ir a estádio.
P - Essa coisa de fazer Direito agora, como que surgiu?
R - Estava assim depois de me separar, estava pensando, reavaliando a vida. A minha namorada Márcia: “Pó, você tem um perfil tão legal para Direito. Vai aproveita” Será que vai, será que não vai, então: “Vai ,vai, vai”. Conversa com um, conversa com outro, tem uma faculdade ali na Mooca, chama-se Unicapital já esta há 40 anos, passa desapercebido. Onde é o Shopping Capital hoje, que é o único shopping que tem na Mooca. Fui lá ver, aliás, ela viu, incentivou. Fiz os exames normais, nada extraordinários, o pessoal da faculdade me telefonou, “Ô vem cá. A gente queria montar uma turma pequena. Tem um desembargador, que está coordenando esse curso, você tem uma história na Mooca, você tal.” Eu falei: “Olha tenho sim, gostei do propósito, vamos, que…”. O que é esse projeto? Esse projeto dessa turma reduzida?” Nós somos em 20, 15 a 20 por aí. Uma faixa etária de 30, 40 já, não de 18, 20 que é de quem ingressa na faculdade. Primeiro a gente vai ter alguns eventos que estamos programando para os 40 anos. Ainda está em fase de projeto. Depois a gente quer fazer alguma coisa filantrópica. Aproveitar, juristas e fisioterapia, todo o potencial humano que tem lá, através de uma Oscip (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público), uma ONG (Organização Não Governamental), destinar algumas horas por mês, ainda não tenho isso bem fixado, é claro, mas para poder atender pessoas menos favorecidas. Acredito que até o segundo semestre a gente já tenha isso tranquilo. Se for para área de direito, fazer um serviço gratuito para atender a população, sob a égide de um mestre, a coordenação de um advogado dos coordenadores do curso, vamos poder fazer alguma coisa, com esse intuito de fazer feliz a humanidade, de amenizar alguns problemas que seria de dever do estado. Essa é a lacuna que a ONG, que a Oscip, tem que aproveitar. E isso também me deu... Estou super entusiasmado, estou até chato às vezes, de ficar em todo lugar: “Ah, isso é artigo não sei o quê, artigo num sei que lá, com a vontade do novato, aprendiz, de querer saber tudo, com a experiência um pouquinho mais do bode velho.
P - Como é que foi voltar pra faculdade agora, já mais tarde?
R - Olha, foi muito legal, acho que até interessante, não fazer faculdade com 17 anos e fazer com 40. Teu aproveitamento é outro, tua visão é outra, aonde você vai aplicar, já tem uma experiência, passou, é maravilhosa, acho que vale a pena. Terceira idade, não posso falar, mas a segunda idade é muito legal. Para quem está é fabuloso. A turma que está junta tem alguns, minoria por incrível que pareça, os meninos de 18 anos, 19, acho que tem dois ou três, nesse curso, mas já estão também… não tem espaço. A turma está para aprender, não quer passar e ter diploma, é diferente. “Se vai, preciso passar”, não. Essa é a diferença. Você quer aprender, não tá preocupado em passar, preocupado em aprender e poder aplicar isso na tua vida, aplicar no teu lado profissional e na época que faz você querer passar, ter diploma e trabalhar, vamos ver o que vai. Hoje você fica bravo com você se num consegue assimilar a matéria. Do outro jeito não, vai dar um jeito, cola, copia, faz trabalho, hoje não, quer provar para você, quer ter a experiência, a sabedoria, você cobra direto a tua sabedoria. Até você enche a paciência do educador, do profissional que está do teu lado de tanta cobrança, você quer cobrar: “Isso não é aquilo? ”. Antes você não tem essa visão. Se eu passar conscientemente, se é que tem outra vida, vou deixar para ficar, para estudar quando for mais velho, é uma experiência maravilhosa.
P - Uma curiosidade, você teve uma oportunidade de ir para Itália de conhecer a...
R - Não, talvez nós vamos agora em julho, do dia 1 ao dia 14, tudo está caminhando pra isso. Agora tenho muitos amigos que vêm pra cá. Tem dois em particular que é o Crescenzo e o Adriano. Crescenzo, Rubinete e Adriano Butaro. Ele trabalha na Bolsa de Milão, o Adriano, o Enzo trabalha como advogado. Chegou a amizade está tão grande, está insustentável: “Se você não vai, vou mandar te pegar aí, para você vir para cá”. Ele tem algumas coisas, uma criação no sul da Itália de um gado, de uma vaca em particular que está em extinção. Só essa vaca faz, gera um leite, faz um queijo que é comum no sul, é artesanal, se chama Caccio Cavalo. Umas bolotinhas assim que é, dentro, quase um requeijão e fora é crocante. Eles até recebem um incentivo dos governantes, uns mil e poucos euros, por vaca, é para poder não deixar isso acabar. Essa fazenda, lugarejo onde faz, é perto da cidade dos meus avós, que é Castelo San Lorenzo, Província de Salerno, que tem 4.500, 5 mil habitantes. Uma cidade pequena, agrícola. Um paese, um bairro, 4.500 habitantes pra nós é um bairro. Vive da uva e do vinho. Sou louco para conhecer, esse lugar em especial, vamos ver se tudo der certo.
P - É, você falou rapidamente, sobre o casamento, mas eu queria perguntar como foi a paternidade, como foi ter o Enzo, o Giulio, como foi a mudança de ter seus filhos?
R - Uma experiência boa, o Enzo é uma figura interessante, um político nato. Relaciona-se com todo mundo com seriedade. O Giulio é o mais espevitado, mais malucão, minha experiência, primeiro que você envelhece uns 50 anos, no momento do nascimento do primeiro filho você já começa a se olhar espelho, cresce rapidamente uns cabelinhos brancos, na hora mesmo. Um impacto psicológico interessante, uma iniciação, sem retorno. Você tem que ficar velho e acabo, tem que ficar responsável, não tem conversa. Depois, quando veio o Giulio, o Enzo ficou mais velho também na hora. Na hora que viu, falou: “Nossa! Já começou a nascer os cabelinhos brancos”. Ficou um cara, não demonstrou ciúme, era o reizinho e perdeu o reinado, tem que dividir. Você lidar com tudo isso é uma experiência boa, às vezes ruim, tem que se informar, buscar a psicologia, os mais velhos, você vai buscar, como torear, como deixar, essa passagem ser mais tranquila e tentar educar. Você se monitora mais, não tem espaço para você ficar, demonstrar alguma fraqueza, começa a entender o lado dos teus pais e tudo mais. Quando você é pai você começa a entender esse outro lado. O lado de educador, o lado de ter que deixar você, com respeito. Não poder deixar perder, não poder fumar, não poder fazer algumas coisas que você não quer que seu filho faça. Surgem as divergências maiores no relacionamento também, afloram, em todo relacionamento. São as divergências de cultura, vem de uma família e outra. Nessa hora você vai educar “Opa, não é por ai;”, “Por quê?” “Por que era assim”, “Não, não é assim”, vem o choque de culturas de tudo nessa hora também, é uma fase interessante.
P - Então vamos concluindo, já encerrando, tem alguma coisa que a gente não tenha perguntado que você queria deixar registrado?
R – Não tem.
P - Então já para concluir, como foi dar essa entrevista aqui hoje?
R – Foi maravilhoso, a princípio você fica apreensivo. Nunca tinha feito nada assim, nada parecido. Fica um legado, é legal que vai ficar uma coisa para o meus filhos poderem ver um pouquinho da minha vida, uma oportunidade, eu queria agradecer a vocês por esta oportunidade, uma coisa nova. Obrigada pela oportunidade.
P - Obrigada a gente. (risos)
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