P/1 – Carlos, eu queria saber seu nome completo, local e data de nascimento.
R – Carlos Eugênio Trevi. Nasci em 5 de agosto de 1961, em São Paulo.
P/1 – O nome dos seus pais.
R – Humberto Trevi e Maria Afonsina Judice Trevi.
P/1 – E dos seus avós.
R – Carlos Judice, Maria José Judice e Natalina May e Eugênio Trevi.
P/1 – E você sabe a história dos seus avós, de onde eles vieram?
R – Sei. Do lado do meu pai: o pai é um imigrante italiano, chegou no Brasil depois da Segunda Guerra. Ele era militar – paraquedista. Depois que terminou a guerra na Itália ele foi convidado a se retirar porque ele acreditava no regime fascista, não queria muito mudar de opinião, de ideologia. Então, ele foi convidado a se retirar da Itália e tinha três opções de países para poder imigrar: para os Estados Unidos, para o Brasil ou para a Argentina. Ele acabou escolhendo o Brasil porque já tinha uma irmã que morava aqui no Rio de Janeiro, em Nova Friburgo. Então, veio para o Brasil, para Santos, como todo imigrante, para o Porto de Santos, na hospedaria dos imigrantes. E, aí começa toda história dele com a minha mãe. E os pais dele, que são os meus avós, ficaram na Itália, vivendo essa questão da Segunda Guerra Mundial, o Pós-guerra. O nome do meu avô é Eugênio, por isso, meu nome é Carlos Eugênio, porque eu tomo o nome dos meus dois avós. Quando ele chegou no Brasil, o meu tio, o tio da minha mãe, na verdade, o irmão da mãe da minha mãe, estava na hospedaria dos imigrantes e contratando imigrantes para trabalhar em fazendas – ele administrava a fazenda da Condessa Monteiro de Barros, em Santa Cruz das Palmeiras e minha mãe estava indo passar férias nessa fazenda. Meus avós nesse período ou um pouco antes, tinham uma indústria farmacêutica muito grande no Brasil, chamada Neofarm e já haviam falido. Meu avô já havia falecido. Ele nunca deixou as filhas casarem....
Continuar leituraP/1 – Carlos, eu queria saber seu nome completo, local e data de nascimento.
R – Carlos Eugênio Trevi. Nasci em 5 de agosto de 1961, em São Paulo.
P/1 – O nome dos seus pais.
R – Humberto Trevi e Maria Afonsina Judice Trevi.
P/1 – E dos seus avós.
R – Carlos Judice, Maria José Judice e Natalina May e Eugênio Trevi.
P/1 – E você sabe a história dos seus avós, de onde eles vieram?
R – Sei. Do lado do meu pai: o pai é um imigrante italiano, chegou no Brasil depois da Segunda Guerra. Ele era militar – paraquedista. Depois que terminou a guerra na Itália ele foi convidado a se retirar porque ele acreditava no regime fascista, não queria muito mudar de opinião, de ideologia. Então, ele foi convidado a se retirar da Itália e tinha três opções de países para poder imigrar: para os Estados Unidos, para o Brasil ou para a Argentina. Ele acabou escolhendo o Brasil porque já tinha uma irmã que morava aqui no Rio de Janeiro, em Nova Friburgo. Então, veio para o Brasil, para Santos, como todo imigrante, para o Porto de Santos, na hospedaria dos imigrantes. E, aí começa toda história dele com a minha mãe. E os pais dele, que são os meus avós, ficaram na Itália, vivendo essa questão da Segunda Guerra Mundial, o Pós-guerra. O nome do meu avô é Eugênio, por isso, meu nome é Carlos Eugênio, porque eu tomo o nome dos meus dois avós. Quando ele chegou no Brasil, o meu tio, o tio da minha mãe, na verdade, o irmão da mãe da minha mãe, estava na hospedaria dos imigrantes e contratando imigrantes para trabalhar em fazendas – ele administrava a fazenda da Condessa Monteiro de Barros, em Santa Cruz das Palmeiras e minha mãe estava indo passar férias nessa fazenda. Meus avós nesse período ou um pouco antes, tinham uma indústria farmacêutica muito grande no Brasil, chamada Neofarm e já haviam falido. Meu avô já havia falecido. Ele nunca deixou as filhas casarem. Então minha mãe era uma solteirona já “bem passada” e estava indo passar férias nessa tal fazenda, da Condessa Monteiro de Barros, no trem que fazia o itinerário São Paulo - Ipaussu. E nesse meio tempo, nesse caminho – minha mãe tinha um vagão próprio no trem, parou numa estação, foi descer, foi espairecer um pouco e encontrou com o tio Zico: “Oi tio, você está aqui?” “Não, eu estou na terceira classe, porque estou levando um imigrante italiano recém chegado para ir trabalhar na fazenda da condessa.” E minha mãe ficou curiosa de conhecer. E o homem era bonito! O meu pai. E, aí enfim, começaram a namorar. Tudo isso durou três meses: um primeiro mês de namoro, segundo de noivado e no terceiro mês, eles já estavam casados. Aí o meu pai nunca chegou a trabalhar na fazenda. Mudou totalmente a vida dele, toda a expectativa dele em relação ao Brasil. E a minha mãe acabou se casando, enfim, o vovô sempre proibiu e tudo mais. E esse foi o início da vida deles.
P/1 – O que ele começou a fazer, já que ele mudou de rumo?
R – Meu pai era militar, era também professor de Educação Física e era contador, por formação. Ele começou a trabalhar numa empresa de contabilidade. Trabalhou no Itaúsa e em outras empresas, mas se aposentou no Itaúsa, como contador de alguma área dessa empresa.
P/1 – E sua mãe? Qual é a atividade dela?
R – Minha mãe, bom, nessa época ela não trabalhava, depois que casou começou a trabalhar na Secretaria de Turismo de São Paulo e acabou se aposentando no Condephaat, que é o Conselho de Defesa do Patrimônio Artístico de São Paulo, por “n” influências de amizades desse período, do que restava dessa história do vovô nessa época.
P/1 – Em que momento eles vieram para São Paulo?
R – Sempre moraram em São Paulo. Essa viagem para Palmeiras era uma viagem de férias para a fazenda. Moraram na Rafael de Barros, bem próximo à Paulista. Sempre foi ali a casa dos meus avós. Depois eles derrubaram essa casa e trocaram por apartamentos num prédio que foi construído nesse terreno. Enfim, minha mãe nunca saiu desse endereço, morreu neste endereço. Passou toda a vida lá.
P/1 – E você chegou a viver nessa casa ou só no apartamento?
R – Nessa casa eu vivi até os três anos de idade, depois foi construído o prédio e nós mudamos para uma casa ao lado, que foi alugada, e quando o prédio ficou pronto nós voltamos para esse mesmo terreno.
P/1 – E você tem alguma lembrança da casa ou era muito pequenininho?
R – Tenho. Tenho uma lembrança importante. Importante, não, mas enfim, porque nunca mais pude ter isso: Quintal. Sabe? Eu adorava ficar regando plantas, adorava ver essa coisa de borboleta, a transformação de lagarta na borboleta; brincar de forte apache, essas coisas que um quintal possibilita para uma criança nesse período muito pequenininho. Essa lembrança do regador eu tenho viva na minha memória... De uma escada que descia da casa. Porque, era uma casa com três planos que tinha uma escada exclusiva para a cozinha, e dessa cozinha para o quintal. E eu não sei porque eu tinha essa relação com essa escada, talvez eu achasse ali uma coisa meio mágica. É um elemento arquitetônico da casa que nunca me sai da cabeça.
P/1 – Então, essa mudança da casa para o prédio você não gostou? Teve algum impacto para sua vida?
R – Não, foi legal! Nós estávamos com a expectativa de mudar para um apartamento novo. Não foi traumático. Foi bacana. Também tinha um playground enorme.
P/1 – E você tem irmãos?
R – Tenho, dois. Um irmão mais velho, chamado Omar e uma irmã, chamada Renata.
P/1 – E o que eles fazem?
R – Meu irmão se aposentou recentemente. Trabalhou a vida toda na Volkswagen. E minha irmã é protética, por formação, e artista plástica, também por formação. Trabalha numa empresa de odontologia, com representação de produtos odontológicos.
P/1 – E como era sua relação com eles? Como é ainda hoje?
R – É legal. Eu sou mais ligado à minha irmã mais nova, porque a gente é mais próximo de idade. Meu irmão tem seis anos a mais do que eu. Quando você é adolescente ou criança, seis anos faz uma diferença grande. Irmão mais velho, com seis anos a mais é um chato. Um tem dez, o outro tem dezesseis, adolescente, se achando o máximo e você é sempre massacrado no meio disso. E minha irmã é mais nova e mais próxima de mim, então, tenho uma relação mais íntima, de conversar mais. Não que eu não ache ele legal, acho ótimo, mas...(risos)
P/1 – E você lembra das brincadeiras que você tinha com ela? Da onde vem essa proximidade, essa identificação com ela?
R – Lembro. Nós brincamos muito, muito de carrinho rolimã na rua. Como a Rafael de Barros era uma descida, era muito bom para esse tipo de coisa. Numa época também, anos 1960, em que você não tinha o trânsito de hoje. Apesar de você estar naquela região da Paulista, uma quadra, tudo era muito diferente. Tudo isso era possível: bicicleta, carrinho de rolimã. A gente adorava brincadeiras de rua mesmo ou do playground, de ficar fora de casa. Coisas que você tinha de criar, inventar na hora para virar uma brincadeira. Uma coisa que eu achava o máximo, minha irmã também achava, era uma expedição que a gente inventava pelos muros dos diversos prédios da Rafael de Barros e que você ia pulando de um prédio para o outro. Hoje seria inconcebível porque já iam achar que era um ladrão. Não era nada disso e a gente achava maravilhoso conseguir enganar os porteiros todos e ir passando por trás, para chegar a algum canto, esconder lá um tesouro e achar, essas coisas de criança. Era isso. Acho que foi um período inocente, menos influenciado por um monte de tecnologia – que é muito bacana, mas eu ainda acho que isso lhe deixa mais passivo de uma programação mais pré-concebida. Não te permite tanto a criação das coisas para você se divertir. E o pior é que eu sou de uma geração que, durante a infância criou muitos dos seus brinquedos, muito das coisas para poder se divertir.
P/1 – E tinham outras crianças que brincavam com vocês, ou era mais uma coisa de família?
R – Ah! Não! Tinham várias, desses prédios todos.
P/1 – Ficou algum amigo dessa época? Alguém importante, alguém marcante?
R – Ficou o Jaime. Eu não encontro muito, mas é uma lembrança; Tânia Bozzano, que eu achava a menina mais linda que existia na rua. (pausa) Luís Fernando. Nossa! Tem muita gente que eu não vejo, mas que são presentes. Talvez se eu encontrar hoje vamos voltar com a conversa como se tivesse sido ontem: nos encontrado, jantado juntos, uma coisa assim.
P/1 – Como era a sua relação com seus pais? A relação com sua família?
R – Era bacana. Eu tinha uma relação mais forte com minha mãe. Meu pai é militar, então, era tudo muito rígido. Nós tivemos uma criação bastante estreita que hoje, no fim, eu acho até bem bacana. Mas, na época, achava bastante estranha. Meus primos achavam estranhíssimo! Tudo era muito limitado. De expressão... Eu fui jantar com eles, na sala de jantar, aos quatorze anos. Antes disso, “criança é muito chata!” Antes disso fica na cozinha com a babá, com a empregada, enfim. Porque você não pode falar na mesa, não pode ficar curvado. Tinham muitos jantares que eles colocavam uma régua “aqui, assim”. Isso era uma coisa de pais velhos. Meus pais eram muito velhos. Então, vira pai-avô. Quando minha irmã nasceu minha mãe tinha 42 anos. Então, tinha uma diferença enorme! A paciência também é minúscula! Porque você não está mais na idade de aguentar bebê, filho, criança chorando, falando. Isso também é ruim. E, também, tem outro lado bom, porque tem uma série de costumes e coisas que a gente traz e que hoje são importantes. Eu gosto desses valores.
P/1 – E quais são esses valores?
R – Postura. Não sei. Bobagens... São pequenas bobagens, mas, às vezes, eu vejo um amigo fazendo um gesto no restaurante “assim”. “O que é isso?” “Como uma pessoa pode fazer isso?” Uma bobagem, eu sei que é, ainda mais nos dias de hoje. Jamais vou fazer um negócio desses ou jamais vou almoçar sem camisa. Não há a menor possibilidade! Nem que eu esteja na praia. Eu moro em Recife, vou à praia em Itamaracá. A gente marca com o pescador: “Então, vamos almoçar às 14 horas, na barraquinha da Nena...” E volta, veste a camiseta, senta e almoça. Isso são costumes. Você traz dos seus pais e que não consegue tirar. Meus amigos já acham a coisa mais estranha do mundo, mas eu acho um lado bacana, acho respeitoso com quem está em volta, não sei, tenho que pensar nesses conceitos, eu nunca pensei muito bem nisso, é a primeira vez que estou falando (risos) desse assunto. Ainda tenho esse rigor.
P/1 – E os seus irmãos, também ficaram com essa herança? Ou foi uma coisa mais sua?
R – Mais ou menos. Acho que eu sou o mais sensível de absorver essas coisas. Se bem que, minha irmã passa esse padrão para o filho dela, para o sobrinho e eu reclamo muito: “Você tá virando igual à mamãe!” E você vai sempre repetir isso. Nós somos a repetição exata do que foram nossos pais, que vai repetir para o filho. Ainda bem que as pessoas não se casam em família, porque senão viraríamos robôs. Tem que ter a mulher do meu sobrinho que vai influenciar o filho de uma forma um pouco diferente, para ele poder seguir a vida adulta.
P/1 – Você se lembra da sua primeira escola?
R – Lembro. Foi a Escola Santa Sofia, que era do lado da minha casa, cuja diretora era muito feia. Nós, eu e as outras crianças, a chamavam de “Santa Sofeia”, obviamente. Isso bem pequenininho. Acho que dois anos e meio, três. Lembro que meus pais não tinham muita paciência para criança, então, “escola, rápido!”. Depois, Ateneu Brasil, não existe mais essa escola, também no Paraíso, em São Paulo. De lá eu fui para o Grupo Escolar Rodrigues Alves, que fica na Paulista, que existe até hoje... Depois o Roldão, que era o colégio de colegial. Não sei mais hoje como é isso, mas nessa época ainda tinha essa divisão. E depois, faculdade.
P/1 – Qual é a sua primeira lembrança da escola, da sua primeira escola? Eram escolas particulares todas?
R – Não. São duas escolas particulares, depois escolas públicas. Já não dava mais para ter todos em escola particular. A primeira lembrança de escola no Santa Sofia era um lanche que vinha num prato plástico que eu tinha o maior nojo. Achava aquilo horroroso e eles achavam muito estranho isso. Que mais? A areia... Esse Jaime, que é esse amigo, que é desse período, que eu me lembro bem, da gente brincar, enfim. A escola era colada à minha casa, meio que uma extensão da casa no dia a dia. E uma escola que você entra com dois anos e meio, três, é um jardim tarde de brincadeiras, né. Não tem muito que aprender formalmente, a não ser o estímulo da professoras, obviamente, mas é meio que uma creche: tomar conta de crianças muito pequenininhas.
P/1 – E na sequência da Santa Sofia, alguma lembrança da próxima escola?
R – O Ateneu Brasil, quando fechou, para mim foi um choque, porque eu adorava a escola. Uma escola enorme. Não me lembro o por que encerrou, se eles faliram. Era um terreno muito caro na cidade para ter uma escola daquele tamanho. Era daquelas escolas que tem campo de futebol, quadra de basquete, dentro de uma região da Paulista, não era muito viável. Não sei o Rodrigues Alves, porque era uma escola pública, mas se fosse particular, não sei. Meu irmão estudou naquele colégio italiano, nos Jardins, que existe até hoje, o Dante Alighieri. Outro dia, estou estava olhando isso no Google, aquele Google Earth: “Gente! Essa escola é enorme” e ocupa um lugar nobilíssimo da cidade. Estou falando isso em relação ao Ateneu Brasil, talvez ele tenha sido extinto em função disso. Para mim foi um choque grande. A lembrança que tenho dessa escola é da banda, que ainda tinha Parada Militar, 7 de Setembro, e as escolas todas se organizavam para isso. E eu achava o máximo! Eu sou desse período e eu fui muito feliz. Eu não tenho nenhuma lembrança ruim desse período, do que se diz hoje de ditadura. Para mim como criança foi bem bacana. Talvez porque não estava influenciado em nada; uma criança é muito inocente no meio de tudo isso. Não entende muito bem o que está acontecendo. E Parada Militar, eu achava o máximo desfilar! Eu sou leonino. Bem vaidoso. Aí eu queria tocar algum instrumento, mas era péssimo nisso! E aí o que me deram de instrumento foi o prato, que era a única coisa que você faz é no final, quando acaba tudo: bater. Que eu achava altamente frustrante (risos). Em uma das Paradas eu não me conformei com isso: “não vou ficar com esse prato parado aqui, horas”. Aí eu comecei Pah! Pah! Pah! Pah! Pah! E, obviamente, que eu não pude mais participar de nenhuma Parada Militar, porque fui expulso pela professora de música. Então, muita reclamação (risos): “Como é que você fica batendo esse prato durante todo o desfile?” Tinha que ter uma participação para que me olhassem, para que me vissem nessa época (risos).
P/1 – E qual foi a repercussão na sua família dessa sua atitude?
R – Não, nada. Acharam engraçado. Esse era um lado interessante da família, não era de uma grande bronca porque fez isso.
P/1 – E você lembra quantos anos você tinha nesse evento?
R – Acho que uns onze. Dez, onze. Era pequeno, ainda.
P/1 – E teve um professor nessa escola que te marcou, que te influenciou, fora essa professora de música?
R – A professora de português, Ana Maria do Amparo, que foi muito legal. Essa professora é importante na minha vida. Ela era muito delicada. Foi bacana. Era uma professora que eu achava muito interessante, que não me esqueço nunca. Bonita! Elegante! Tratava os alunos muito bem. Era bem interessante.
P/1 – E você ia bem na escola? Como que era você como aluno?
R – Ia. Eu não era muito estudioso, mas eu era de muita atenção na aula. E, eu tenho uma característica de ser muito rápido, em absorver as coisas. Eu não sou de precisar parar muito tempo lendo. Aliás, até hoje eu não tenho muita paciência para coisas que vão precisar de muita conversa. No trabalho tenho horror a reuniões demoradas! Quando eu inicio uma reunião eu já sei qual é o final daquilo. Então, tenho horror a conversas que não vão dar resultado nenhum. Eu detesto prever coisas ou trabalhar em coisas que no final não vão acontecer. Eu sou um construtor de coisas. Essa talvez seja minha melhor e pior característica no trabalho. Eu só sei trabalhar para entregar produtos. Eu não sei ficar trabalhando em pensamento, que um dia aquilo pode acontecer. Acho isso chatíssimo!
P/1 – E caminhando mais para a sua juventude, o que você tem de lembrança? Escola? Amigos?
R – Esses amigos, alguns que eu falei, Luiz Fernando Storelli, que era um grande amigo, hoje casado, com filhos – deve estar quase com netos. É muito engraçado isso. Vários amigos que viraram várias coisas diferentes. Tive amigos que foram ser padres, outros médicos, dentistas. Eu não encontro muito essa turma porque estou há onze anos morando no Recife. E quando você se desliga da sua cidade – não totalmente, eu venho para cá uma vez por mês, mas é difícil. Acaba perdendo um pouco. O que eu mantenho hoje de amigos são três grandes amigos de São Paulo, que eu acho que isso vai durar para sempre, porque a gente tem contato permanente... Quando eu venho para cá, sempre vou visitá-los ou eles vão para Recife me ver, e tudo mais.
P/1 – E Carlos, o que vocês faziam ali à uma quadra da Paulista? Frequentavam cinema, saiam de noite? Como é que foi esse período de juventude?
R – Bom, ainda na adolescência, existia em São Paulo uma coisa de você ir em boate à tarde, que era uma matinê. Eu acho bem engraçado. Não sei se isso existe até hoje, mas enfim, com quatorze, quinze anos você podia ir nesses lugares. Eu adorava isso! Que era entrar às duas da tarde numa boate chamada Shampoo e sair às sete da noite com os pais, alguém indo te pegar ou você sozinho... E você passar um período da tarde num lugar escuro, atemporal, que você não sabe se está dia ou está noite, se está chovendo ou não, dançando com os amigos e tudo. Tem esse período, mas eu também tenho um outro lado: eu comecei a trabalhar com doze anos de idade. Então, muito pequeno. Porque eu sempre quis ter minhas coisas e mamãe falava: “Ah! Eu não tenho dinheiro” “Quero aquilo” “Ah! Não tenho dinheiro”. Então, com doze anos eu resolvi trabalhar e ganhar meu dinheiro para poder ter independência disso e não precisar ficar pedindo coisas. Então aí tem um lado um pouco complicado, uma adolescência interrompida, uma pré-adolescência interrompida com o trabalho. Que eu adorava! Que eu também acho que foi muito bom para o meu futuro. Eu estou com cinquenta anos, acho que posso me aposentar porque sempre trabalhei. Isso trouxe uma carga de experiência muito interessante para o futuro, de responsabilidade, de tudo. Com doze anos eu estava fazendo um tratamento dentário e minha dentista tinha uma clínica e a toda hora ela falava: “um minutinho, eu já volto aqui”, e aí o telefone dela tocava, e eu muito impaciente, acabava saindo da cadeira do dentista e atendendo: “Pois não?” e anotava um recado, “Pois não?” e anotava um recado e um dia eu acabei falando: “Olha doutora Helena, eu queria trabalhar aqui. A senhora aceita? Porque eu posso ficar atendendo o telefone, tudo.” E ela ficou surpresa com isso e mandou um bilhete para minha mãe perguntando se eu podia trabalhar, e ela falou “Tudo bem, se você quer trabalhar”. E eu ia trabalhar de manhã, das oito ao meio-dia. Depois eu almoçava e ia para a escola à tarde. Então, uma parte dessas coisas de brincadeiras, de adolescência, foi um pouco interrompida. Ela existe, mas não é plena como outros adolescentes que ficaram até dezoito ou vinte anos livres dessa questão do trabalho. E depois, com quinze anos, eu fui para o banco Comind, que nem existe mais. Já trabalhar mesmo, registrado, porque, dos doze aos quinze não podia ter esse registro em carteira. Aí fui muito legal, tinha amigos de trabalho. Eu gostava mais dessa época, essa questão de boate, adorava isso, de sair. Tanto na adolescência, quando depois que eu fiz dezoito anos. Eu sempre adorei a questão da noite. Eu fui muito noitivo. Eu gosto do movimento da cidade, da noite, dos shows, de dança... Gostava, né? Hoje, como diz Danuza Leão: “Você vai envelhecendo e pagando para não participar daquilo. Tem que ter muito, mas muito conforto para você topar”. Mas, na época de adolescência era bacana.
P/1 – Como foi sua escolha pela faculdade, para escolher o curso?
R – Eu estava muito influenciado em fazer Medicina, porque meu avô era médico. E até concluí que não era bem isso que eu queria. Na verdade, eu não sabia o que eu queria e todo mundo que escolhe Administração é porque não sabe exatamente o que quer. Então seguiu por aí. A minha tendência sempre foi de trabalhar com alguma coisa de cultura ou de arte, porque era o que eu mais curtia, que eu achava interessante. Então: Centro Cultural São Paulo, Pinacoteca do Estado, MAC [Museu de Arte Contemporânea], Espaço das Artes, o MASP [Museu de Arte de São Paulo], o Museu do Ipiranga, todos foram equipamentos públicos que influenciaram muito minha vida, nesse período de adolescência. Agora eu lembro bem disso: Ir para esses lugares à noite e, durante o dia, frequentar esses cursos, o que esses equipamentos propiciavam. Era muito natural que eu fosse seguir um pouco essa carreira, como acabou sendo mesmo. Acontecendo de eu partir para a área cultural e estar trabalhando nela até hoje.
P/1 – E você foi influenciado por alguém nessa escolha? Gosto próprio ou alguns amigos?
R – Gosto próprio. Alguns amigos que já frequentavam também, a turma que vai se formando e você acaba frequentando esses lugares todos.
P/1 – Talvez a influência da mãe, que trabalhava no Condephaat?
R – Teve também. Teve, é verdade. Bem lembrado. Porque a gente acabava tendo contato com muitas coisas. Eu me lembro muito bem de um leilão que aconteceu no centro de São Paulo – que eu acho que hoje seria inconcebível. Bem no centro mesmo, não sei exatamente a rua, mas como se você tivesse na 15 de Novembro, na Praça da Sé, uma coisa assim. Lembro-me de uma casa linda, de uma senhora que já havia falecido. Ela não tinha descendentes e essa casa foi naturalmente doada para a USP, como vários imóveis são doados para a USP. E o governo abriu um leilão para arrecadar fundos. Eu fui com a minha mãe, por conta do Condephaat, para ver. E essa senhora era uma professora de piano. Na casa havia, pelo menos, uns dez pianos de cauda. Você tem noção do que é isso? Você ter dez pianos de cauda. Uma casa enorme! Muitos comidos por cupim, uns pianos já caídos assim, sem os pés da frente, porque aquilo estava tomado de insetos. E lindos! Enfim, super decorados. Maravilhosos. Me lembro de ter subido no quarto dessa senhora e nada ali estava infestado por cupim, e eu perguntei para minha mãe, e minha mãe: “Não, é porque essa madeira é amarga. Esses móveis não vão ser atacados mesmo”. E aí eram camas com dossel, um período da história. Entrar nessa casa era como se você estivesse revivendo uma coisa do século XIX. Isso foi muito interessante. Ali talvez tenha sido um ponto: eu quero fazer isso! Eu gostaria de tratar com memória ou com preservação, com arte. Eu acho a coisa mais importante essa questão da memória, de preservação da memória. Acho lindo você poder ver o que aconteceu no passado, o que isso influenciou hoje, o que pode influenciar no futuro; Qual é sua participação no meio desta história toda. Falando disso, eu lembro de uma coisa que foi importante dentro do banco. Quando estava no Real, quando eu entrei no Banco Real, que era um banco donal, com o Dr. Aluísio como o maior acionista, nos foi encomendada uma exposição sobre os cem anos de Belo Horizonte, em 1997. Aí eu fui à Belo Horizonte com a minha chefe nessa época, para a gente poder conceber a exposição. A exposição ia acontecer em São Paulo, na Praça do Banco Real, na Avenida Paulista. Eu participei de uma coisa linda, que eu nem sabia que isso existia. Na Praça da Liberdade, em Belo Horizonte, cem anos atrás haviam enterrado, num determinado local, uma urna, com vários objetos de pessoas que haviam participado daquilo quando a cidade foi inaugurada, como jornais, dinheiro, fotografias, depoimentos, enfim. Como se fosse uma pedra fundamental – uma urna de lembranças de Belo Horizonte, para ser aberta cem anos depois. E eu participei da abertura dessa urna, cem anos depois. E, obviamente que foi encerrada uma outra urna que vai ser aberta dali a cem anos, em 2097 – que eu não vou estar mais aqui, obviamente, mas a minha lembrança estará lá dentro. Eu achei o máximo, um privilégio participar disto. De ver o que as pessoas pensavam naquela época, o que estava acontecendo; Como elas se comportavam, como elas viam o mundo? E você, deixar alguma coisa para que daqui a cem anos saberem que existiu um Carlos Trevi, que estava lá, naquele momento e tudo mais. Eu gosto de biografias, eu gosto de tudo que trata da história das pessoas e do que elas fizeram no mundo. Como que elas participaram dessa construção do mundo.
P/1 – E voltando um pouquinho para o seu período de faculdade, você falou da sua influência da arte e acabou fazendo um curso de Administração. Como que era isso?
R – Era tipo: “eu preciso me formar, preciso estar num curso superior, então vamos iniciar e finalizar”. Utilizei um pouco no meu trabalho, mas não é uma coisa importante. Eu trabalho muito mais com a experiência do dia a dia dentro do banco, com as necessidades do dia a dia do que com os fundamentos da faculdade. Acho que um pouco todo mundo faz isso, a não ser as profissões clássicas, do médico, do advogado, do engenheiro, enfim, que tem que aplicar uma série de fórmulas, de aprendizados no dia a dia do seu trabalho. Não sei. Ela tem pouca influência no meu trabalho, no que eu faço, desde que eu me formei. Ela é importante como algumas referências, mas não é fundamental para o que eu preciso desenvolver.
P/1 – Ficaram alguns amigos?
R – Ah! Ficaram. Tem gente que eu ainda tenho contato. Enfim, alguns que a gente se fala hoje pelo facebook ou por telefone.
P/1 – Algum professor?
R – Tem uma professora Vandy – que foi bem importante, a Bete, o diretor da faculdade, que era o Doutor Gabriel, pessoas que eu acho interessante, que recentemente eu tive contato de novo. Coincidentemente, numa reunião, falaram esses nomes e eu voltei ao tempo de vinte e tantos anos atrás, acabei ligando para eles e conversando. Foram importantes nesse período.
P/1 – E você morava com seus pais ou numa república? Como era sua dinâmica de faculdade?
R – Morava com meus pais em São Paulo.
P/1 – Qual era sua expectativa de uma carreira fazendo Administração? Você já tinha esse gosto pela cultura, mas como você se via entrando nesse mundo que você gostava?
R – O primeiro trabalho que eu entrei para esse mundo mesmo foi no Metrô de São Paulo. Ainda na época de governo Covas, não, governo Quércia e eu entrei para um projeto chamado Arte no Metrô. Aí talvez tenha sido o que mais despertou: “É isso mesmo que eu quero para minha vida”, efetivamente. O nosso projeto era implantar obras nas várias estações do metrô de São Paulo, que vocês devem conhecer, devem ver aí muitas delas no seu dia a dia. Isso foi muito encantador fazer e importante na minha vida. Paralelo às obras fixas tinha um projeto de arte itinerante no Metrô. A gente organizava pequenas exposições, especialmente na Estação Sé, que é uma estação enorme, em que se montava aquilo para o público, sobre temas variados, efemérides, ou coisas importantes para a companhia naquele período. Era um trabalho bem interessante, fervilhante. Montar uma exposição dentro da estação do metrô não é o usual, não é como você estar dentro de um espaço de museu, onde tudo está muito mais preparado para isso. Foi bem bacana! Eu gostei muito de ter esta experiência.
P/1 – E como que você entrou? Como foi sua entrada nesse projeto, nesse trabalho?
R – Por uma indicação de uma pessoa no metrô. Eu queria trabalhar nesta companhia. Eu sempre escolhi os lugares para trabalhar em função da arquitetura dos prédios. É muito estranho, mas é. O Comind, eu passei na frente e achei o prédio lindo! Eu quero trabalhar nesse lugar! Fui. O metrô, aquele prédio da Administração Central do Metrô, que fica ali no Paraíso. Nessa época em que ele foi construído era uma coisa arrojadíssima de arquitetura: “Eu quero trabalhar nesse prédio, nessa companhia. Fui”. Em São Paulo, o prédio do Banco Real, na Avenida Paulista, eu fiquei enlouquecido! Eu falei: “Eu quero trabalhar aqui.” “Eu quero trabalhar com estas exposições!” Fui e estou até hoje. (risos)
[Troca de fita]
P/1 – Nessa atividade do metrô você organizava os eventos?
R – Organizava essas exposições, junto com da direção de Marketing, nessa época... A implantação das obras nas estações, que é uma coisa bastante complexa. E depois a conservação das obras nas estações também. Porque tem que lavar, tem obras que são em cerâmica, depois tem óleo sobre tela... Como que se dá a conservação disso...? O mais encantador de tudo, desse período do metrô, o que mais é marcante para mim é que todas essas obras estão ao alcance das mãos das pessoas. E nunca foram violadas, nunca sofreram nenhum tipo de dano. Existe um respeito da população sobre aquilo, que eu achava emocionante. Lindo! Tinha dentro do metrô, em épocas, nem sei se isso existe... Mas... Jogo [de futebol] Palmeiras e Corinthians: aquilo virava uma guerra. Então, a companhia abria, franqueava as catracas da estação para a população, de maneira a não depredarem o metrô todo. Pronto. Você via aquela turba de gente entrando. Assustador. Era uma coisa assustadora mesmo. Muitas vezes quebrando várias coisas mesmo, mas, jamais tocando nas obras. Isso eu vi. E achava isso maravilhoso. Como a força da cultura, do fazer homem é importante para todo mundo. Não vai destruir um objeto que demandou o sacrifício de alguém para construir aquilo. Isso eu achava lindo! Isso foi muito importante, muito marcante para mim dentro da companhia. As exposições, as coisas que a gente montava, eram muito respeitadas pela população e nada disso tinha proteção... Uma barra. E acho que não tem até hoje.. Se você chegar e quiser pôr a mão, você consegue pôr, tá bem próximo. E era um trabalho bem bacana, tinha algumas incursões na madrugada, quando o metrô está fechado, para você inspecionar obras, fazer a limpeza desses painéis, acompanhar a limpeza. Eu gostava muito. Eu saí do Metrô por uma razão política, de troca de governo, pois eu não era funcionário efetivo da casa, era um contratado. Fui demitido numa troca de governo. Mas, talvez, se não tivesse acontecido isso, talvez estivesse lá até hoje e achando ótimo.
P/1 – Eu só queria entender como se deu essa sua transição do Comind, quais eram suas atividades lá?
R – Nada a ver com cultura. No Comind, eu estava trabalhando porque tinha que trabalhar para sobreviver, para ganhar dinheiro. No Comind eu trabalhava em Fundo de Garantia, em atividade do banco, bem de banco mesmo. Não tinha nenhuma relação com essa questão cultural. Nessa época, também os bancos não tinham a percepção de que o produto cultural podia fazer parte do seu dia a dia. Eram bancos de negócios. A questão da cultura dentro do banco começou com o Real. Com o metrô, antes. Como eu estou falando. Depois eu tive um período curto com empresa própria. Mas eu detesto ser empresário, adoro ser empregado. Nasci para ser empregado, bem pequeno burguês: adoro ter carteira assinada, saber que no dia tal eu vou ganhar o meu salário, no dia tal eu vou ter o décimo terceiro, no dia tal eu vou poder sair de férias. Eu não entendo, eu não consigo me ver administrando a minha própria vida financeira – que é um caos, sendo dono da minha empresa. Eu acho que iria ficar louco.
P/1 – E essa empresa foi depois do Comind?
R – Foi depois do Comind.
P/1 – Qual era o ramo?
R – Uma empresa de eventos. Que até que prosseguiu bem. Eu sou muito gastão. Então, se eu tiver uma empresa, jamais vou pagar uma aposentadoria. Eu vou gastar até o último limite do que eu ganhar, porque sou isso mesmo: é uma característica. Eu adoro me divertir, adoro sair com os amigos, sou super generoso com quem precisa. Eu acho dinheiro maravilhoso para você poder gastar. Não consigo entender pessoas avarentas ou pessoas que se sacrificam: “Não vão almoçar num restaurante legal para economizar aquele dinheiro”. Então para que você ganhou esse dinheiro? Não sei se isso é bom para o meu futuro. Eu sempre digo para os meus amigos que, vou ser um velhinho daqueles pobrezinhos, dentro de casa. Mas hoje eu acho a minha vida bem divertida. As coisas que eu mais gosto de fazer são: trabalhar, efetivamente, adoro! Nunca tive nenhum dia que não fosse prazeroso. Mesmo com os dias complicados. Acho muito bom você acordar e ter uma atividade. E o outro grande prazer na vida é você estar com os amigos, com suas relações, com seus amores, enfim, com quem for, para usufruir o que o trabalho te propicia. Para mim, esse é o segredo da vida. Sou muito de diversão, de receber em casa, acho bem bacana isso.
P/1 – E nessa sua empresa de eventos, lembra de algum evento que você fez que foi bacana?
R – Vários. Coisas que nós fizemos em Foz do Iguaçu, para uma empresa de telefonia; Encontro de pessoas, de funcionários. Tinha um jantar enorme, para mil pessoas... Não só o jantar, mas organização de hospedagem, toda a programação desse grupo. Esse foi um trabalho grande, desse período. Tinham outras coisas pequenas, de eventos menores, também com empresas, de pequenos encontros, seminários, jantares, de tudo um pouquinho.
P/1 – E tinham funcionários, pessoas que trabalhavam com você?
R – Tinham terceirizados. Éramos eu e uma sócia. Depois a gente terceirizava alguns serviços, porque uma empresa de eventos é muito diversa, você não sabe exatamente o que... Pode se tratar de um encontro de dez executivos ou pode se tratar de um seminário para mil pessoas. Não era muito viável para a gente ter uma equipe fixa nessa época e isso iria variar muito conforme a demanda e do trabalho que viesse. Como eu nunca quis ser empresário, sempre gostei de ser empregado, esse período, para mim, eu encarava mais como uma brincadeira e um período de transição. Eu nunca vi a empresa com muita seriedade. Era como um tapa buraco. “Agora você vai... Até você ter seu emprego, você vai se virando com isso”.
P/1 – Você tinha a empresa, mas procurava outras coisas enquanto isso?
R – Procurava outras coisas e aí entra o Real. Porque teve um período que eu estava cheio disso, eu queria trabalhar loucamente. “Eu quero trabalhar numa empresa! Eu quero trabalhar numa empresa grande! Eu quero trabalhar nesse prédio do Banco Real, que eu acho o máximo e tudo”. E estava muito difícil, não conseguia de jeito nenhum. Me apresentando, entregando currículos, conversando com pessoas e tudo mais. Até que uma semana, eu tive uma conversa seríssima com Deus sobre esse assunto em si. “Segunda-feira eu tenho que estar trabalhando no Banco Real”. E foi uma conversa, não cabe aqui colocar, bem séria mesmo. E na segunda-feira, eu disse: “Eu não quero estar sendo contratado, eu quero estar trabalhando, efetivamente sentado e em atividade”. Na segunda-feira me ligou a Bia Henriques, que era a minha chefe, nesse período, que era a Coordenadora de Eventos e Patrocínios do Banco, dizendo: “Carlos, você vai ser contratado daqui a uma semana no banco. Você tem que entregar carteira de identidade, de trabalho, parari parará! Mas, segunda-feira você vai sentar aqui e começar a trabalhar”. Você acredita nisso? Não é incrível. E eu trabalhei no Real, acho que uns dez dias sem estar registrado. E só uma doida como a Bia para fazer isso. E estou aqui até hoje.
P/1 – Qual foi sua sensação de ser contratado? Como foi esse começo?
R – Maravilhoso! Felicíssimo! Nesse primeiro dia... Primeiro, por entrar naquele prédio que eu achava o máximo, segundo, de estar numa área que eu gostava muito, Eventos e Patrocínios, que obviamente, estava toda área cultural atrelada. Depois poder participar da organização daquelas exposições na praça. Talvez tenha sido um dos dias mais felizes da minha vida. Com certeza! Foi muito importante.
P/1 – E você lembra o que fez nesse primeiro dia? Qual foi sua atribuição?
R – (risos) Lembro. Lembro, sim. Tinha uma funcionária muito chata no banco. Coitada, Ela foi tão importante no Real, mas ela era muito impertinente e chamava-se Lindalva. Era muito ligada ao doutor Aluízio e estava acima da nossa chefe. Ela determinava toda uma organização na sala. Ela adorava todas as regras que o banco impunha e uma dessas regras era que, ao final do dia você tinha que deixar a sua mesa absolutamente limpa. Não podia ficar um lápis na mesa. Esse era um período em que ainda não havia computador para todo mundo. Computador era um, do chefe, e o restante das pessoas com uma série de atividades. E quando eu cheguei no meu primeiro dia de trabalho nós ficávamos numa mesma sala e minha chefe na mesa dela. Tinha pastas até “aqui, assim”. Era um bloco de coisas que interrompia minha visão do restante das pessoas na sala. Eu falei: “Bia, o que é isso aqui?” Ela falou: “Carlos, isso são projetos de ‘enê’ proponentes e ‘enê’ tipos: cultural; entretenimento; de saúde; projetos de patrocínio para o banco; propostas para o banco que a gente precisa analisar e responder. Você precisa, na verdade, analisar cada um e depois escrever uma resposta para cada um”. Nessa época, existia uma resposta que eu achava horrível! Que era: “Prezado, entre aspas, a”. Isso já acaba com a personalização de uma resposta. E foi a primeira coisa que eu mudei. Falei: “Não Bia, prezado a Ana, prezado Fulano”. Que isso? A pessoa se sacrifica, faz um projeto, entrega no banco, perde tempo. Você não pode responder como se fosse um papel pré-impresso negando, muito obrigado e tchau, né? “Vamos embora! Faça como você achar melhor”. Isso era uma coisa maravilhosa. Ela super confiava na equipe de trabalho, que era muito descentralizada, porque eu sou hiper centralizador comigo, não consegui aprender isso com a Bia e acho isso a maior qualidade que ela tinha. No final desse dia eu já estava com metade dessa pilha despachada e o restante da outra metade foi para daí uma semana eu terminar. E a Lindalva fazendo uma denuncia, isso no meu primeiro dia de trabalho...: “Ele deixou não sei quantas pastas em cima da mesa”. Então, foi marcante isso, ter uma conversa com ela no meu primeiro dia de trabalho sobre uma reclamação, “Escuta, você está vendo o número de coisas que tem para despachar, ler, tudo. Você acha que eu vou estar preocupado onde vou estar colocando essas pastas no final do dia.” Se eu vou ser autuado pelo banco, então tá. Mas não sei fazer de outra maneira. Depois nos tornamos grandes amigos. Ela também era uma pessoa legal. Mas eu achei engraçado, no meu primeiro dia de trabalho eu ter essa pessoa no meu pé. E no meu primeiro dia de trabalho, que eu queria tanto trabalhar, eu não ter me submetido ao que ela pediu e ter enfrentado. Que também é uma característica minha, até hoje. Quando eu acho que o outro tem razão, eu dou total, mas também quando eu acho que não tem, sou muito firme no que eu penso e levo até o último momento o que eu acho que é o correto de fazer. Esse foi o meu primeiro dia de trabalho, uma semana antes de ser registrado. E depois, comecei a entrar muito nessa questão das exposições. Fui evoluindo aí com a Bia. E o banco também mudando. Depois ele virou ABN, foi vendido para esse grupo holandês.
P/1 – Em termos de cargo, como foi esse seu primeiro ano no banco?
R – Mais ou menos a mesma coisa: Coordenador de Eventos. Nessa época, a Bia devia ter um cargo também ligado a eventos, mas superior, Superintendente de Eventos. Não sei exatamente como era essa função no Real nesse período. Mas eu sempre estive na coordenação de uma área de Eventos e Patrocínios e, só muito depois, eu vim a me tornar o Coordenador de Unidades Culturais. Não está mais ligado a essa questão de eventos e patrocínios.
P/1 – Na questão dos patrocínios, você analisava os processos, você recomendava se era um bom patrocínio?
R – Eu recomendava para a Bia, para ir para um estudo, de que aquilo era interessante para a estratégia do banco naquele período. Eu sempre acreditei e continuo acreditando que só é importante a área cultural de um banco se ela tiver um interesse direto com a área de negócios do banco. Não consigo ver bancos mecenas, acho isso uma coisa do século XIX. Bacana! Louvável, mas século XIX. Eu tenho tesão de juntar o trabalho da cultura com os negócios que o banco está promovendo. Eu acho isso mais bacana de acontecer. Não que ele tenha que influenciar diretamente, mas ele possibilitou isso. Isso eu aprendi com a Radha Abramo, que foi curadora dos Palácios do Governo do Estado de São Paulo, ainda na época do Governo Quércia. São três palácios que tem em São Paulo: Palácio de Campos do Jordão, Palácio dos Bandeirantes e Palácio da Boa Vista. A Radha era curadora artística desses três palácios. E tive um período de trabalho muito próximo dela no Metrô de São Paulo. Um dia ela me falou uma coisa que eu nunca mais esqueci: “Carlos, a cultura, a arte é a primeira que abre as pernas para outras coisas”. O que ela quis dizer com isso? Que era muito mais fácil você fechar negócios, ou você convidar um Chefe de Estado, um presidente de um banco ou um grande cliente para uma atividade cultural e ele ser atraído para essa atividade e, nesse dia, propor algo relacionado aos negócios. Numa conversa bastante informal, estreitar relações com esse cliente. E é isso mesmo, não é? É muito mais bacana você convidar para ir ao Teatro Municipal assistir La Traviata e ter uma noite de champanhe, de coisas, encontra com esses clientes importantes todos e ali você troca cartões e faz toda sua aproximação do que você ligar secamente: “Ah, o senhor que é o presidente de tal companhia? Então, quero que venha aqui no Banco Santander que eu quero lhe apresentar nossos produtos”. Qual vai ser a atração maior? Óbvio que é ir ao Teatro Municipal numa noite com sua esposa, e ali encontrar uma série de executivos e fechar futuros negócios. Eu acho isso fantástico! Eu gosto muito do meu trabalho para possibilitar isso. E não... O banco ter programação de teatro é essa... Então, vamos patrocinar tal peça. Ou, dentro da Unidade Cultural... Existe um programa, claro que a gente prevê para o ano, mas, as inaugurações das exposições. É importante você estar com os clientes, você aproximar pessoas, você usar esse pano de fundo da arte para essa ligação de negócios com o grupo que, afinal, é o que gera dinheiro para aquilo viver, para você ter as Unidades Culturais funcionando, no caso do Santander, tanto no Recife quanto em Porto Alegre. E não secamente, ele destinar uma verba do seu lucro para o incentivo à cultura, pura e simplesmente, sem nenhum tipo de aproximação com o que ele está patrocinando.
P/1 – Carlos, o que estes projetos precisam ter para estar patrocinando essas duas áreas, a área cultural e a de negócios do banco? Qual era a exigência?
R – Nesse período, com o doutor Aluísio, sendo um banco donal, as coisas são bem diferentes. Você tem muita coisa do que o dono do banco gostaria de fazer. Ele gostava de cavalos. Então, uma das coisas que a gente patrocinava eram coisas de hipismo. Tinha várias fazendas. Dentro da praça do Banco Real você tinha várias exposições, tivemos uma exposição sobre o Parque do Ibirapuera. Ela aconteceu por que? Porque o banco estava patrocinando toda a sinalização do Parque do Ibirapuera e, nada mais lógico do que fazer uma exposição desse produto final dentro da nossa sede. Coisas ligadas assim. O banco tinha – que eu acho que tem até hoje, a carteira das Forças Armadas, então tinha vários eventos que aconteciam lá dentro, voltados para o público da Aeronáutica ou da Marinha. Tinha uma apresentação que acontecia todo ano, que me impressionava muito, porque iam uns quinhentos oficiais da marinha. Uma das coisas que a gente tinha que organizar era uma chapelaria para guardar os quepes, luvas, de todos eles. E quando você olhava lá de cima, aquilo organizadíssimo! Parecia um exército russo, todos enfileirados para uma apresentação de música que acontecia dentro do banco. E isso era importante por que? Porque o banco tinha as contas das Forças Armadas. É bem por aí que os projetos eram vistos e aprovados. Um livro sobre o ouro, nessa época o banco... Tinha uma área que tratava de negociação de ouro. Então, era lógico que tivesse um produto como esse. Era isso. Porque não existia uma Unidade Cultural, uma instituição cultural. Os eventos ainda aconteciam dentro da Praça do Banco Real. Ainda não tinha se estruturado um Instituto Cultural Banco Real, por exemplo, e tudo acontecia dentro daquele prédio ou pelo Brasil, em diversas localidades: museus, igrejas, praças ou o que fosse o banco tivesse com algum negócio naquela região.
P/1 – Teve algum evento sob a sua coordenação que você tem mais lembrança, carinho, que você se orgulha?
R – Vários: “Exposição Café”, que foi muito marcante. Antes até da “Exposição Café”, “O Brasil e os Holandeses”. O banco tinha sido recém comprado pelo grupo holandês ABN Amro e eu tinha feito a proposta para o presidente do banco, que era o Fábio Barbosa nessa época, de que a gente podia fazer uma exposição sobre o período em que a Holanda detinha o controle da região Nordeste do Brasil, em Pernambuco, onde eu moro e trabalho hoje. Seria uma forma simpática de apresentar o que os holandeses influenciaram no Brasil e o que eles absorveram do Brasil. O Fábio [Barbosa] topou que a gente organizasse essa exposição e acabamos realizando. Foi a primeira exposição totalmente sob a minha coordenação. Obviamente que eu estava nervosíssimo para que isso tudo desse certo e ficasse bacana, bonito, importante. Acabou acontecendo tudo bem mesmo. Vieram várias autoridades para a abertura e esse estreitamento de relações acabou acontecendo naturalmente, algo que eu achava importante. Isso está tudo muito na minha cabeça. Talvez o executivo não veja isso como propósito. Eu acho que a gente oferece esse produto para que ele aproveite dessa maneira. Isso tudo aconteceu, deu muito certo. É, sem dúvida, a coisa mais importante dentro da minha carreira porque foi a primeira que eu entreguei para o banco, para o ABN Amro como uma exposição minha, que eu imaginei e coordenei totalmente. Ainda na época do Real donal, eu estava sob a coordenação de outra pessoa, que era a Bia. Então, os produtos eram muito mais criados e pensados por ela. Eu ajudando na construção disso e tudo, mas não é como “O Brasil e os Holandeses” que eu, efetivamente, estava na coordenação geral disso.
P/1 – Como foi para você essa mudança do banco donal, do Banco Real para a chegada do ABN? O que você sentiu?
R – Eu sempre fui muito feliz dentro do banco. Foi muito bom esse período do doutor Aluísio, como banco donal, um banco mais formal, onde todo mundo era chamado de doutor, um banco de difícil acesso com o presidente, com o doutor Aluísio, até por razões de segurança mesmo; o prédio era todo mais fechado, essas salas todas eram mais cheias de portas, barreiras e: “Apresenta crachá... O segurança vai te deixar entrar, penetrar em mais uma área...”. Mas eu achava tudo muito bacana. Para mim era totalmente encantador. Eu sempre trabalhei muito brincando, eu sempre acho que vou ficar velho assim. Eu sempre acho tudo maravilhoso o que está acontecendo e que a gente pode construir e entregar os produtos. Eu acho o máximo! Era bem interessante, era apenas mais formal, mais terno e gravata, menos descontraído. As coisas eram mais eretas: “Doutor Fulano, por favor, taratá taratá”. Quando entrou o ABN, uma das coisas mais marcantes foi isso, não precisava mais usar o “Doutor” para tratar os diretores do banco... O Fábio Barbosa, quando eu organizei um evento de uma ópera no Teatro Municipal – que veio uma grande cantora italiana chamada Mirella Freni, nós organizamos depois da apresentação dela no teatro, um jantar no Fasano, porque era simpático ela estar com o presidente do banco, era a primeira vez que essa diva da música erudita italiana estava pisando no Brasil; era um prestígio e tudo mais. E aí eu estava subindo a escada do Fasano para uma sala privada, onde ia acontecer esse jantar com vários executivos, com várias pessoas, eu estava ali apenas como organizador daquilo, e falei: “Doutor Fábio, por favor, é por aqui”. Ele olhou assim, para trás, e disse: “Carlos, de agora em diante, para você eu sou você”, como quem diz: “Pode acabar com essa formalidade do Doutor”, isso foi marcante porque eu passava de um banco que isso era muito importante. Então, você passar a chamar o presidente de ‘você’, pode parecer uma coisa boba, mas não, era um orgulho. E isso era comum a todos os funcionários, não fui eu que tive esse privilégio. Mas foi interessante ver esta mudança. Esse simples fato mudou muita coisa dentro do banco. O tratamento com as outras pessoas era muito mais informal, muito mais próximo: uma filosofia toda do Fábio [Barbosa], que é mundialmente conhecido e que é maravilhoso. Então, também foi um período muito feliz o ABN Amro. Foi o período mais importante para a minha carreira, sem dúvida nenhuma. Muito mais autônomo, fui muito mais reconhecido dentro do banco. Esse é um período que eu vou guardar para sempre na minha memória profissional. Onde eu tive mais oportunidade de mostrar meu potencial de trabalho, quem eu sou, o que eu faço, no que eu sou bom, no que eu sou ruim, o que pode dar certo na minha mão, o que pode não dar certo na minha mão. Eu acho que foi um período em o banco mais olhou para todo mundo: quais são seus valores? Quem são os funcionários interessantes que a gente tem aqui nesse grupo? Tudo para implantar a filosofia que o Fábio tinha proposto para o banco nesse período.
P/1 – E ainda nesse período, como foi o processo de abertura das Unidades Culturais?
R – Em 99, quando o ABN comprou o Banco Real, o vice-presidente da República era o Marco Maciel, que era um pernambucano. Quem era o Presidente da República era o Fernando Henrique Cardoso, e para você comprar um banco no Brasil não era simplesmente chegar e dizer: “Olha, eu tenho dinheiro e quero comprar um banco”. Você tem que ter uma autorização expressa do Presidente da República. Ele quem vai assinar a autorização dessa negociação. E o Fernando Henrique havia assinado a autorização da negociação do Real, que era um banco saudável, perfeitamente lucrativo, sem nenhum problema no mercado, para ser comprado por um grupo estrangeiro, no caso, o ABN Amro. E, no meio disso tinha o Marco Maciel, como vice-presidente, com o Banco do Estado do Pernambuco, que era um banco com muitos problemas na região, como vários outros bancos públicos. Ele solicitou que o banco comprasse, que levasse esse problema para poder sanear o antigo Banco do Estado do Pernambuco [Bandepe]. E o ABN AMRO acabou comprando esse banco na região Nordeste, em Pernambuco. Obviamente, o banco de lá. E eu fui para Pernambuco conhecer quem eram os meus pares, as pessoas desse novo banco que o grupo tinha acabado de adquirir. E percebi que, dentro de Pernambuco, a coisa mais importante para eles é a questão cultural. É interessante você perguntar, conversar com o povo mesmo. “Ah! Você quer um saneamento no bairro ou quer um teatro?” “Eu quero um teatro”. Eles sempre vão optar por coisas que falem sobre a cultura ou que possam valorizar a sua produção cultural. Isso é uma coisa muito presente no dia a dia do pernambucano. E aí eu voltei para São Paulo e tinha, dentro do banco, uma questão a ser estudada, como a gente poderia amenizar uma privatização daquele banco. Porque comprar um banco público, obviamente, um monte de demissões vão acontecer naturalmente, porque são bancos super inchados de funcionários e não dão lucro exatamente por isso. Vira um cabide de emprego político e o ABN iria ter que fazer uma retirada de gordura substancial naquela região. E eu sugeri ao Fábio Barbosa que a abertura de uma instituição cultural iria aliviar muito esse impacto de uma demissão, que foi de praticamente metade do quadro de funcionários do banco. Seria uma entrada bastante simpática do banco naquela região. E aí o Fábio acabou topando isso. Existia um prédio que o banco pagava aluguel e que não tinha nenhum funcionamento dentro. Era um dos prédios que o banco desalugar. Em torno da organização, era um prédio importante, histórico, junto ao marco zero, que era o principal local da cidade. E que eu levei também: “Eu acho que a instituição podia funcionar neste prédio”... Por diversas razões ele tem uma característica que é muito próxima do banco e muito importante na cidade. Nós acabamos fazendo um convênio com a Fundação Roberto Marinho e com o Ministério da Cultura, recuperando esse prédio todo para que ele virasse – e virou, o Espaço Cultural Bandepe, ainda não formalizado, com estatuto. Era um prédio aberto para acontecer atividades culturais. A exposição que abriu esse prédio foi no dia 14 de abril de 2000, o “Brasil e os holandeses”, que estava itinerando de São Paulo e subindo até o Recife. Então fizemos São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, as capitais importantes de negócios para o banco. A sua última apresentação foi no Recife, que foi a mais importante, porque era ali que aconteceu todo esse período do Brasil holandês, da época de Maurício de Nassau, da regência desse príncipe nesta região. Aí nós abrimos a instituição lá, nessa data, com presença do Presidente da República, do Ministro da Cultura, que era o [Francisco] Weffort... Foi uma grande festa na cidade, foi muito bacana! Acho que umas duas mil pessoas compareceram na abertura. Chovia torrencialmente – foi construído um pavilhão enorme, que fechou a rua em frente ao instituto, para poder abrigar e acontecer essa festa. E abrimos com essa exposição. Foi a primeira instituição cultural do grupo Banco Real que foi criada nessa época.
P/1 – O que você sentiu nesse dia?
R – Realizadíssimo! Porque tudo aquilo foi um produto que eu tinha sugerido e o Fábio [Barbosa], topado, e o Fernando [Martins] também acreditado nessa idéia... E você vê aquele prédio pronto, restaurado, pronto para receber pessoas. Um sonho realizado – que era essa questão do banco ter uma instituição cultural, porque desde que eu entrei no banco eu falava sobre esse assunto. No Banco Real eu não tinha acesso a uma liberdade de conversa com o presidente como eu tive depois... mas eu sempre falava com a minha chefe, com as pessoas que eram próximas ali, de que o banco devia ter uma instituição formalizada para a área da cultura. Então, esse dia aconteceu. Foi muito importante, sem dúvida. Talvez, um dos dias tão importantes quando o primeiro, que foi entrar no Banco Real e depois ter visto essa construção feita. “Isto aqui está pronto! Estou entregando para o banco mais um produto”.
P/1 – Nesse ponto já haviam três bancos envolvidos, como foi juntar tudo?
R – Fusão de bancos é uma coisa que acontece sempre. É muito importante, dentro de fusões, você ter a compreensão do outro, não entrar impondo todas as suas regras. Isso foi um grande aprendizado com o Fábio Barbosa, sem dúvida alguma. O banco que comprou o Banco Real ouviu muito o Banco Real para entrar no país, para se estabilizar no país. Isso foi de um respeito que só Fábio Barbosa consegue ter. É impossível não falar sobre ele e com grandes elogios. Porque ele implantou essa coisa dentro do banco, de ouvir, compreender o outro para poder formatar o que você quer e se notabilizar dentro do mercado. Eu acho que a fusão do ABN AMRO com o Banco Real foi uma aula para o Brasil todo, inclusive desta decisão de manter a marca Real ativa e não ABN Amro – se achava muito complicado pronunciar isso no Brasil, essa marca diferente. E já existia uma marca interessante como o Real, por que não mantê-la? Foi bacana. É bonito isso. Isso permeia até hoje dentro do banco, eu acho que em caso de novas aquisições – de primeiro ouvir quem está sendo comprado: O que ele tem de bom para oferecer? O que ele tem de ruim para a gente tirar? O que falta para aqueles funcionários, para aqueles clientes, de bons produtos, que a gente possa implantar? O que também esses clientes e funcionários tem para absorver, aprender. Essas fusões acontecem quase que diariamente. São pequenos bancos que vão sendo comprados e incorporados para entrar numa nova filosofia de um novo banco. Eu sou muito acostumado com isso, sou muito igual água: em qualquer ambiente que me colocar eu vou me adaptar naquele formato. Óbvio: se eu achar bom, né? Talvez – como água, se for colocada num ambiente muito quente eu vou evaporar. Então é melhor não estar aqui. Foi bacana. Até hoje adorei todos os ambientes que estou, tanto no Real, no ABN, no Bandepe e agora Santander. Com cultura brasileira, nordestina, holandesa e, agora, espanhola. Acho bem bacana.
P/1 – E dando sequência a esse seu feito, de como que foi para prosseguir sua carreira, até chegar ao Santander?
R – Isso tudo aconteceu em 2000. Abrimos com essa exposição e eu voltei para São Paulo, porque era aqui minha base de trabalho, na Paulista, e o espaço continuou lá ativo. Depois que terminou essa exposição, nós fechamos de novo para acabar uma pequena reforma naquele prédio e começaram a acontecer um monte de atividades ali dentro. E eu comecei a ver que aquilo não ia dar certo – ia ficar uma instituição com muitos altos e baixos, de você ter uma exposição muito bacana e, depois, uma de baixíssima qualidade, por falta de uma coordenação, de alguém que tivesse ali pensando e olhando aquilo. E aí eu pedi para ir à Pernambuco, porque eu queria desistir dessa questão nacional – que eu coordenava e me concentrar no espaço lá em Pernambuco. A diretoria topou que eu fosse, mesmo com alguns comentários, do tipo: “deixa ele ir, tá cansado, quer ficar um tempo de praia”... Porque é um pouco a visão que se tem ainda de Nordeste. E eu fui implantar uma filosofia de trabalho: de como aquilo deve acontecer, se desenvolver. Como ele ainda tinha tido só uma exposição, não tinha ainda funcionários... Quando eu entrei não tinha um telefone, uma cadeira, uma mesa, nada! Era um prédio, vazio, pronto para receber exposições. Aí foi implantado tudo, absolutamente tudo, para que aquilo começasse a funcionar. É muito bacana você poder desenvolver um trabalho nesse nível, bem básico, de colocar todas as coisas dentro daquela casa para que ela tenha um bom funcionamento. A outra coisa importante que precisava se trabalhar eram as influências políticas, porque, obviamente, um antigo banco estadual tem “enê” solicitações políticas, de toda ordem. E se você não tiver uma firmeza na resposta, na sua convivência, você acaba sendo comprado por aquele grupo, no sentido de que: eles vão comandar a instituição. E como naquele primeiro dia de trabalho eu fui firme com a funcionária, eu também continuo com a mesma postura. Era o deputado “tal” querendo que fosse exposto no instituto um artista da sua preferência: “Olha, infelizmente, nós não vamos pode expor porque existe uma programação” e por aí vai. Esse foi um período que eu recebi milhões de solicitações e eu precisei me posicionar muito bem na cidade. Graças a Deus eu sempre gostei muito de gente, sempre gostei de ouvir as pessoas e sempre fui muito polido nesse tratamento. Eu consegui fazer isso tudo com muita leveza... E ter uma boa imagem em Pernambuco. Com todas as autoridades entendendo que a nossa proposta era outra, que a gente estava levando uma coisa inovadora para aquela região. E é reconhecida até hoje como sendo isso mesmo: como a melhor instituição, que melhores produtos culturais apresenta para a população. É lógico que hoje tem outros equipamentos mas, na época, éramos os únicos. E enfrentamos tudo isso muito bem. Foi bem interessante, sem problemas, sem arranhões para a instituição, por não atender algumas solicitações ou muitas solicitações políticas. Mas, ao mesmo tempo, trabalhando em consonância com o Estado, seja o que estivesse acontecendo na região naquele momento, o instituto absorvia para mostrar para o público em forma de exposição. Nesse período eu conheci uma pessoa bastante importante, chamada Janete Costa, que era uma arquiteta pernambucana que já faleceu, infelizmente, e tanto eu, quanto ela, acreditamos que a arte popular pernambucana precisava ser valorizada pela elite pernambucana e não ser objeto que você tem decorando o quarto da empregada em cima da televisão. Era meio que isso que era colocado nessa época. E o governador Jarbas Vasconcelos, que era governador de Pernambuco na época, era um grande colecionador de arte popular. Tem hoje, com certeza, três mil e quinhentas peças no seu acervo. Ele era um apaixonado nesse assunto. Então, dentro dessa lógica, que eu acho que tudo deve juntar, os negócios do banco com o que a gente está trabalhando na área cultural, por que não apresentar uma exposição chamada “Arte Popular de Pernambuco” para a população? Mas fazer uma exposição de alto padrão, com tudo o que existia de contemporâneo naquela época para poder apresentar essas peças e, mostrar para a população que aquilo que a gente estava mostrando era um produto de valor e não um produto para ser renegado em algum canto da casa que você não quer ver... Algo que você ganha e joga dentro de um armário e acha aquilo cafona. Dentro daquele universo tem coisas de muito bom gosto para serem apresentadas para as outras pessoas. E fui conhecer a Janete, me indicaram esse nome. Quem me indicou foi uma antropóloga muito importante na minha vida também, chamada Maria Lúcia Montes, que é viva ainda e que viva muitos anos. Ela é genial. E eu fui conversar com a Janete, eu apresentei isso. Ela disse: “Carlos, mas é exatamente tudo isso que eu acredito”. Estava feita a parceria. Começamos a trabalhar na exposição sobre a arte popular de Pernambuco. Que foi um enorme sucesso! E a imprensa, nesse período, publicou uma nota também que eu nunca mais vou esquecer: “Ele”, que no caso sou eu, “Ele coloca no nosso nariz, à nossa frente, o que a gente sempre viu e nunca enxergou”. Então, um posicionamento importante para o banco, porque “ele” não é o Carlos, “ele” é o banco, que acredita no que a gente está propondo para aquele estado. E aí começou uma série de exposições, dentro dessa linha, não só de arte popular, mas de valorização da produção cultural do Nordeste, especialmente pernambucana, no Espaço Cultural Bandepe. Esse foi o início de tudo isso, a maneira como o espaço se notabilizou dentro do estado. Passado um ano de Espaço Cultural Bandepe, eu fiquei preocupado de um dia o banco fechar o espaço, porque ele não tinha uma formalização com CNPJ, com estatuto, nada. E aí eu propus para o Fábio [Barbosa] que a gente constituísse o Espaço Cultural Bandepe como um Instituto Cultural Bandepe. É por isso que passa a ter este novo nome. E ele de novo topou. Então, a gente no dia 16 de janeiro de 2001, constituiu... É uma data importante para mim, é a certidão de nascimento desse filho (risos), constituiu o Instituto Cultural Bandepe, tinha esse nome na época, que depois passou a ser Instituto Cultural Banco Real, quando o Banco Real trocou a marca Bandepe por Banco Real naquela região e, que, atualmente é o Santander Cultural, depois da venda do Banco Real para o Santander. Coincidentemente, neste período de 2001, o Santander, que já era presente no Brasil, me convidou para ir coordenar o Santander Cultural em Porto Alegre – que era uma instituição que eles estavam abrindo lá. Não bem me convidou. Havia um profissional que estava procurando profissionais no mercado para esse trabalho e eu fui um dos consultados. Passei em várias fases de testes e tudo mas não me interessava porque eu estava muito feliz no Banco Real e no Nordeste. Mas eu queria me provar sobre aquilo. E eu acabei não indo para o Santander. Passam dez anos e eu estou aqui, com as duas instituições. Mas foi por que estava bem feliz, bem bacana estar no Nordeste. Aí passa dois anos dessa história de Pernambuco, o Fábio [Barbosa] achou que já era hora de eu voltar para São Paulo – e que esse período de praia já estava de bom tamanho. E eu voltei. É difícil você negar um pedido do presidente do banco para vir para cá. Nessa época ele me deu um aumento bastante significativo de salário e aumento de grade, que era o símbolo que existia na época para você medir o status de funcionários dentro da companhia. E eu voltei e fiquei aqui, nem sei, acho quinze ou vinte dias, minha mudança saiu de Olinda... E eu sou um colecionador, enfim coisa complicada. Uma mudança difícil, delicada, de vir de lá para cá: carros, móveis, objetos, tudo. E o banco pagando toda esse transporte de coisas, eu procurando apartamento, lugar para morar de novo e tudo mais. Fiquei quinze dias deprimidíssimo com isso, com minha vinda de Pernambuco para São Paulo e achando que aquilo eu não iria realizar tão bem quando estava realizando em Pernambuco. Que eu entrar dentro de um esquema que você tem que pedir mil aprovações, aguardar muito tempo para poder realizar e, lá no instituto, eu podia determinar isso no dia a dia; podia fazer aquilo acontecer a toda hora. E aí passou esses quinze dias, eu voltei no Fábio [Barbosa] num dia muito difícil e ele me atendeu, eu falei: “Olha, não vai rolar. Eu quero voltar para Recife e continuar trabalhando lá”, aí ele argumentou de todas as maneiras eu disse: “Não”, que realmente não queria, mas ele argumentou de diversas maneiras: “mas eu te dei um aumento de grade”, “Eu abro mão”, “Eu te dei aumento de salário”, “Eu também abro mão”. Eu nunca recebi esse aumento de salário que tinha sido proposto, porque não cheguei a completar um mês aqui. Ele falou: “Então, tá bom, Carlos Trevi, volta para Pernambuco”. “Eu tenho mais um favor a te pedir: eu preciso que você converse com o meu diretor, que é o Fernando Martins – que até hoje é o vice-presidente de marca do banco, porque ele vai me matar. Isso eu tinha certeza absoluta. “Isso vai acontecer, realmente”. E o Fábio conversou com o Fernando, e ele aceitou, muito a contragosto. E eu voltei para Pernambuco. Você assistiu Forrest Gump? Lembra de uma cena em que ele sai correndo com aqueles equipamentos todos? Foi exatamente eu correndo do banco para o hotel falando com a minha secretária em Pernambuco: “Antecipe minha passagem para agora! Porque eu vou me embora”. Isso tudo aconteceu, e voltei para Recife. O Fernando ficou um bom tempo sem falar comigo.
P/1 – E qual era a proposta de trabalho para São Paulo?
R – Coordenar a área cultural nacionalmente, de novo. Só que em São Paulo você está dentro de um furacão de coisas. Isso tudo acontece só que é mais demorado, e eu sou muito imediatista. Adoro prever e acontecer, prever e acontecer. Dentro de uma instituição cultural isso é muito mais fácil, porque ela tem um dia a dia que você tem que entregar produtos para quem visita o espaço. Não existe uma instituição cultural sem nada. “Ah, não! Nós vamos estar aqui um tempo, e não vai ter nenhuma exposição, nem teatro, nem nada para apresentar”. Não, todos os dias tem que estar acontecendo alguma coisa, e eu achava aquilo encantador: você poder estar vivenciando o que a população está aproveitando daquela instituição no dia a dia. Me interessava mais. Eu mudei o meu destino nesse dia. Pode ser que eu estivesse hoje como coordenador geral da área cultural, eu não sei. Mas eu acho que eu fui mais feliz, mais acertado de voltar. Não me arrependo disso de jeito nenhum. Foi muito bom.
P/1 – E o que aconteceu depois dessa volta?
R – Aí eu, efetivamente, fui prosseguindo lá com as atividades do Instituto, depois transformou em Instituto Cultural Banco Real. Seguiu normalmente seu caminho. O que aconteceu depois foi do ABN ser vendido para o Santander e, aí, novamente, descobri que existe uma outra instituição em Porto Alegre... Eu ir para Porto Alegre para conhecer essa instituição, como ela funciona e como a gente ia começar a trabalhar tendo duas unidades culturais do mesmo banco no Brasil. Aí eu tinha uma chefe nesse período que coordenava as unidades, depois acabou sendo a coordenadora da questão cultural nacionalmente e que depois acabou saindo do banco. Aí o Fernando [Martins] decidiu dividir essa área da cultura em três pilares: Unidades Culturais, que é o que eu coordeno hoje, Porto Alegre e Recife; Acervo, que é o que a Elly coordena hoje, com a coleção do banco e algumas atividades que acontecem dentro da Torre do Santander, as exposições que ela organiza e tudo mais; e Nacional, que são os projetos de âmbito nacional, como restauração de patrimônio público, projetos de entretenimento e patrocínios em geral, que é coordenado pelo Piatã, que fica com essa área. E eu estou com as duas unidades, meio como foi profetizado, dez anos antes de eu vir para o Santander. Que é o que eu gosto mesmo de trabalhar. Apesar de ser meio maluco, estar em todos esses endereços, né? Eu moro em Olinda, trabalho no Recife, trabalho em Porto Alegre, tenho no meio do caminho São Paulo, faço parte do Conselho do Ministério da Cultura, em Brasília. Então, minha vida hoje, no mês, é praticamente dividida em quatros estados constantemente. Eu estou uma semana no Recife, uma semana em São Paulo, uma semana em Brasília, uma semana em Porto Alegre.
P/1 – E como foi essa chegada do Santander para você? Essa mudança de rotina, outras pessoas, uma cultura espanhola envolvida, como é que foi isso?
R – Bom, a primeira coisa inteligente do Santander foi manter o Fábio Barbosa na presidência do banco. Isso foi muito importante para todos os funcionários do Real. Era um banco com a maior presença no Sul do país comprando um banco que tinha uma presença nacional, como o Real. Foi muito bom. Foi um grande alívio para todos os funcionários que ele tivesse sido mantido. Por isso essa transição não foi traumática. Existem diferenças grandes de cultura entre os espanhóis os holandeses e os brasileiros, mas eu acho que o Fábio amenizou muito bem todas estas arestas. É um banco diferente, também, como era o Banco Real, mais formal. Depois a gente entrou numa informalidade, uma relação mais próxima ao ABN e nós estamos entrando hoje – como posso definir... O Santander é um banco mais de métodos, processos. É isso.
P/1 – Eu queria entender como é atender duas Unidades Culturais com características tão distintas? Uma no nordeste, com uma cultura popular tão diferente, como no Rio Grande do Sul, com característica popular tão diferente?
R – É muito legal essa pergunta, é muito inteligente essa pergunta, porque ambas as unidades foram abertas pela mesma razão. O Santander também tinha privatizado um banco no Sul, e também queria encontrar um caminho que tivesse uma amenização dessa privatização e o caminho foi via cultura, abrindo uma unidade cultural lá. Outra coisa que acontece é que são dois estados bastante bairristas, que tem uma cultura local, da população, muito parecida. O gaúcho é muito parecido com o pernambucano e vice-versa. Nos seus valores, na defesa da sua cultura, na defesa do que eles produzem. Podem ter mil características diferentes em outros aspectos, mas nesse aspecto de regionalismo, de lutar pelo que eles construíram é muito parecido. É bem fácil a convivência com isso. O que tinha de diferente dentro de Porto Alegre e do Recife, é que no Recife a gente tem uma programação que valoriza muito mais questão regional e a produção local, daquela região toda. Em Porto Alegre, por uma característica administrativa do período, sempre se valorizou o que vem de fora. Era trazer os produtos que vinham dos Estados Unidos, da Europa, de algum outro país ou de outro estado para apresentar lá. Eu sempre achei isso errado. Nunca concordei muito com essa posição mas era a posição que existia no período. Até que um dia – eu sou muito intuitivo, eu sei que aquilo não é muito bem assim, mas eu preciso consultar alguém que vai efetivamente me dar a certeza disso. E um dia, numa conversa com um grande intelectual brasileiro, chamado Paulo Herkenhoff, eu coloquei essa questão, e ele disse: “Carlos, você está corretíssimo”, porque o Sul, historicamente, não valoriza os seus talentos locais. Ele, o Rio Grande do Sul, sempre absorve o que vem de fora e apresenta na sua cidade. Se nós formos olhar hoje a cena contemporânea das artes visuais, não existe nenhum artista gaúcho importante. E existem, lógico. Eles existem, vivem lá, produzem, mas não tem nenhum artista gaúcho que explodiu no país, porque eles estão sempre olhando para fora e não olhando para o seu próprio estado. Aí eu tive a certeza absoluta de que a gente podia fazer um trabalho totalmente diferente, ligado à questão contemporânea, como o Santander assim determinou – da gente tratar da arte contemporânea, do que está por vir, desse caminho para a frente, mas valorizando os talentos locais. Esse ano de 2011 a programação já estava determinada – e eu acho um pouco diversa, pois tem esse olhar para fora, que eu respeitaria, como respeitaria qualquer situação. A programação que vai acontecer a partir de 2012, por sinal, já estará sob a minha gestão, e visa mergulhar, efetivamente, no estado do Rio Grande do Sul, com exposições que vão valorizar três artistas contemporâneos, da nova cena contemporânea gaúcha, com uma exposição sobre o MAC, o Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul, que completa vinte anos em 2012; uma exposição do Miguel Rio Branco, que é um artista brasileiro, um grande fotógrafo, filho de embaixadores, nascido na embaixada na Espanha – por isso achei interessante da gente colocar. Daí começa essa relação das duas unidades, não esquecendo do global, do local, como se chama hoje, mas que olhe para os talentos daquela região. Existe um intercâmbio de ideias também. O Santander Cultural, em Porto Alegre, tinha um programa de música chamado “Ouvindo e Fazendo Música”, que acontece todo sábado, com três artistas de outros estados e um artista do Rio Grande do Sul, que a gente acabou absorvendo para Recife. Então, esse programa também acontece todo sábado, nos mesmos moldes; Porto Alegre tem o cinema, porque é uma unidade enorme, ela tem cinco mil metros quadrados, Recife tem mil metros quadrados. É cinco vezes menor em área para você fazer atividades. Mas, em Porto Alegre, você tem o cinema e a gente está tentando implantar sessões de vídeo. Não dá para fazer cinema em Recife, em função do tamanho da sala, mas dá para fazer sessões de vídeo, de produção latino-americana, que deve acontecer toda semana, não todos os dias. Bem, vamos ver. Existe este intercâmbio de coisas que já estão acontecendo, efetivamente, entre as duas unidades, mas existe essa semelhança entre as duas populações, o que facilita um pouco esse alinhamento de programação, de um lugar e de outro.
P/1 – Têm projetos de inserir outros institutos em outras regiões do país?
R – Não. Não existe essa intenção do banco de abrir novos Santander Cultural em outras regiões. Existe uma solicitação muito grande por São Paulo, Rio, o que eu acho muito natural. Claro. E as perguntas: “E por que não São Paulo?”, e a minha resposta: “E por que não Recife”. Por que tem que estar concentrado tudo dentro desse eixo São Paulo e Rio de Janeiro e não estar em outros estados? Eu acho isso fantástico: o Santander manter unidades fora do eixo óbvio, que já é acumulado, concentrado de uma série de instituições culturais. Seria ótimo se abrisse? Claro que sim, mas, que eu saiba, dentro da diretoria não existe essa intenção, e o banco acha bem simpático estar, exatamente, fora do padrão normal, que seria abrir aqui ou numa outra cidade grande e manter nessas duas regiões.
P/1 – Quais são as atividades que definem Santander Cultural?
R – Trabalhar com cinema, música, artes visuais e reflexão – uma parte importante é discutir o que você está apresentando de programação dentro de um seminário, de um encontro. Esses são os quatro pilares que a gente trabalha em Unidades Culturais. Esses pilares são sempre voltados para a questão contemporânea. Esse é o ponto, essa é a linha de pensamento, de valorização, de reconhecimento da arte contemporânea, do que está sendo produzido hoje, dentro do suporte contemporâneo, da cabeça contemporânea, de como as pessoas estão vendo o mundo e reproduzindo esse mundo através da sua arte, seja na música, no cinema, no seu pensamento, nas artes visuais, mas ligado à questão contemporânea. Essa é a filosofia do Santander.
P/2 – Qual é a importância, então, dessa arte contemporânea?
R – Eu acho que é um banco que reconhece e valoriza o que está acontecendo hoje – a maneira de o homem pensar, hoje. Sem desvalorizar, obviamente, o passado, mas colocar uma lente, uma lupa, um foco maior em como o homem se comporta, pensa e se produz hoje, em 2011. E como ele se comporta, pensa no futuro. Como é que a gente pode prever o que vai acontecer ou abrir caminhos para esse futuro. Um exemplo disso bastante forte é o banco estar patrocinando o Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro. Esse é o mais simbólico, mais emblemático dessa filosofia: investir 70 milhões de reais no Museu do Amanhã, no Rio [de Janeiro]. O museu, que registra tudo o que está por vir, o que está para acontecer. Ficará em um porto, um projeto bastante ambicioso. Nunca se investiu – dentro da minha vivência de banco, vindo de Real para cá, tanto dinheiro como esse do Rio de Janeiro. Esse, eu acho, é o exemplo maior que o banco está dando sobre como ele se comporta e qual sua preocupação com a sociedade.
P/2 – Qual é o impacto da área de cultura para o modelo de negócios do banco? Como ela se insere dentro das estratégias?
R – Em termos de valores, é muito complicado falar sobre isso, até mesmo porque eu não sei muito bem como é em relação às outras áreas. As pessoas dizem que o banco investe mais em esportes, porque ele tem um posicionamento com a Fórmula 1. É claro que vai absorver muito mais dinheiro. Eu nunca gostei – mas essa é uma característica muito minha, de ficar fazendo comparações, “Ah! Fulano tem tantos milhões”. Se tem a área de esportes muito mais dinheiro do que a cultura, ótimo. Porque tem um posicionamento onde vai absorver mais dinheiro essa área do que a de cultura. Eu acho que o banco investe. A gente sempre vai achar que ele investe menos do que deveria, porque é o meu trabalho – se tiver mais dinheiro dentro das unidades, melhor. Acho que ele investe o valor certo para as duas regiões que está trabalhando, tanto em Porto Alegre, quanto no Recife. Poderia ser um pouco mais? Poderia. Sem dúvida nenhuma. Mas, os negócios estão menos aquecidos no Recife em função da conta única do estado que a gente tinha e agora não tem mais. Eu acho que ele vai passar a investir mais ou a olhar mais para as unidades a partir da Copa do Mundo. Recife é um dos estados-sede e o local onde está o Santander Cultural é o principal local da cidade. Nós já fechamos um convênio para 2014 com o Sebrae para transformar o nosso prédio em centro de informações sobre a Copa, sobre a cidade ou sobre toda a região durante a Copa do Mundo. Já nos posicionamos como um prédio importante, fundamental. Eu acho que ao longo desse tempo, daqui até 2014, o banco vai olhar isso com mais precisão e fazer um investimento maior naquela unidade. Isso pode acontecer em Porto Alegre também, que também vai ser sede de Copa em 2014. É muito complicado falar sobre investimentos na área. Eu te diria que é um investimento que está correto, que pode ser um pouco mais e isso vai acontecer em função dos interesses do banco ao longo desse período. Eu acho que vai acontecer naturalmente para 2014 um investimento mais significativo para as unidades.
P/1 – E em relação à marca, como o Santander Cultural ajuda a disseminar a marca Santander?
R – No Nordeste é bem importante porque era um banco desconhecido naquela região. Tinham pouquíssima presença. Em Recife só tinha uma agência, em Pernambuco. Na verdade, só existia uma agência Santander. Então, de repente aparece essa marca em todas as agências, mas que também valoriza a cultura, que também mantém uma instituição cultural lá foi bem importante. Acho que a gente só trás benefícios: tratar da cultura é sempre uma delícia, porque ela não dá más notícias e é sempre uma coisa positiva. O Fábio [Barbosa] dizia muito isso, eu tinha uma reunião anual com ele, no final do ano, marcada, que eu queria apresentar um relatório e o que a gente desenvolveu, e ele me dizia: “Ai, Carlos, acho uma delícia reuniões com você, porque nunca tem problema.” Eu achava ótimo tudo isso mesmo. Você traz um catálogo bonito, uma fotografia de um grupo escolar que freqüentou o instituto o ano todo... A questão da cultura vai ser sempre muito simpática à população onde aquele banco está atuando. Acho que para o Santander foi importante a manutenção da instituição no Recife; já era reconhecidíssimo no Rio Grande do Sul, com o Santander Cultural. Ele complementa uma boa imagem do banco nessas regiões. Ele não usa a marca Santander Cultural para outras atividades que desenvolve no país mas usa a marca Santander sempre ligada à área de cultura. Tem uma série de filmes patrocinados pelo Santander que estão agora em cartaz; Patrimônio público, que é um patrimônio cultural, mas que é patrocinado pelo Santander como recuperação... Os Arcos da Lapa, recentemente, é um projeto emblemático; o Museu do Amanhã, que vai acontecer ainda, é outro; Livros: Atol das Rocas, que ele lançou recentemente; Fernando de Noronha, que lançou recentemente estudos profundos sobre essas duas regiões de importância ecológica para o Brasil... O banco está aparecendo em várias iniciativas que tenham um cunho cultural ou de conhecimento. Ainda que não utilize a marca Santander Cultural, mas ele está lá presente. E acho correto não utilizar Santander Cultural. São as duas unidades culturais, em Porto Alegre e no Recife. Eu acho que essa marca tem que valorizar essas duas regiões onde elas estão implantadas e o Santander, como banco, aparecer nas demais iniciativas culturais que ele promove.
P/1 – Já que estamos falando da marca, como o Santander dissemina isso para os bancários, banqueiros, clientes, para o público que ele quer atingir? Como que é feito isso?
R – Bom, para os bancários, dentro do seu canal de comunicação interno do que acontece no próprio banco. As unidades culturais expedem um boletim semanal da sua programação que seguem para os clientes e funcionários do banco – diretoria e outros funcionários das regiões. Também não adianta muito mandar a programação para os funcionários do banco no Acre, do que está acontecendo no Sul ou no Recife. Mas dentro desses dois estados a gente emite este boletim que segue nacionalmente para várias instituições culturais –
mas não para pessoas físicas, para saber o que a gente está produzindo e fazendo em todos esses quatro pilares que as unidades atuam. Dentro de mídia, normal. A gente trabalha muito com a questão de mídia espontânea. Os jornais, a mídia em geral é muito simpática com as instituições culturais, ao Santander Cultural, tanto em Recife quando em Porto Alegre. Então, tudo que a gente coloca eles sempre divulgam. É sempre um agradecimento para a imprensa, porque apóiam bastante o que a gente produz. E anúncios – os canais de comunicação normais para esse tipo de produto.
P/2 – E existe alguma mescla entre cultura, inclusão social e sustentabilidade?
R – Eu acho que isso tudo está misturado, é inerente. Trabalhar com cultura, obrigatoriamente, faz inclusão social e, com isso incluí na responsabilidade social. Dentro do Santander Cultural, no Recife, nós recebemos todos os dias quatro escolas públicas para visitar nossas exposições. A gente tem um grupo junto aos educadores que vai aprofundar essas crianças, jovens, o grupo que for visitar o tema que a gente está tratando. Não só trabalhamos com escolas, mas com entidades de classe, com clubes formados, com comunidades da região que tenham lá uma associação. No Recife existe uma grande comunidade chamada Brasília Teimosa, que é muito bem organizada. Nós temos um convênio com a Associação dos Moradores de Brasília Teimosa e que estejam interessados em visitar o Santander ou que a gente leve até o Santander Cultural para visitar aquela exposição que estamos promovendo. Isso já é uma forma de inclusão social. A biblioteca é muito importante dentro do Santander Cultural Recife. Ela atende a população ali da cidade, da região, mas atende muito a Comunidade do Pilar, que é uma comunidade muito próxima da nossa sede no Recife. E esses meninos e meninas, que não vão ter possibilidades de comprar livros, se utilizam bastante da nossa biblioteca, então essa é outra prova de que isso tudo está ligado. A cultura não está ligada nem voltada ou feita para a elite. É também. Mas não é só isso. E eu acho isso absolutamente encantador: Você pode atingir a toda a população, a todas as classes, a todas as pessoas com o mesmo produto e vai agradar a todo mundo... É bastante democrático isso. Não é um produto feito específico nem para o pobre, nem para o rico: é feito para quem quer absorver ou quem você pode possibilitar de aprender que aquilo é bacana, se ele consumir aquilo ele vai enriquecer, seja lá quem for um grande intelectual ou um iniciante no curso primário. O produto cultural vai atingir essas duas pessoas de uma forma diferente e vai ser importante para as duas, de uma forma diferente, com que ele apresentou. Acho que isso é o mais encantador no meu trabalho.
P/1 – Eu queria aproveitar a deixa e perguntar como são feitas as ações educativas, que é para promover esse impacto, para facilitar, para orientar?
R – É muito legal! Porque cada grupo que você recebe é totalmente diferente de como será apresentado aquilo para aquele grupo. Então, é melhor dar um exemplo, nós tínhamos uma exposição da Teresa Neumann, uma artista pernambucana, que trata com esse suporte contemporâneo, e um trabalho complicado. Tinha um trabalho de vídeo, em que ela colocava um garoto com óculos escuros, e com uma mangueira na mão ela ficava lavando uma parede amarela dentro das galerias do próprio instituto. E depois, tinha uma outra cena, que tinha uma menina com biquíni, também com óculos escuros, dentro de uma bacia de lata em que ela ficava se banhando com refrigerante, e por aí vai, uma série de situações. O que a artista queria alertar, o que ela queria mostrar para o público? Que nós vivemos numa sociedade que é muito influenciável sob o comando externo: de mídia, de político, de uma série de coisas. Então você tem uma série de atitudes em que você está cego, com o tal óculos você não está enxergando... Só ouvindo para seguir aquele caminho ou fazer o que está pré-determinado. Não tem muito lógica você, dentro de uma galeria, ficar lavando uma parede amarela, ou ficar tomando banho de refrigerante. Isso é simples explicar para um público jovem, adolescente, ele vai absorver isso mais. Mas como a gente vai para criança? Talvez isso também seja simples, não sei... E nesse período nós tínhamos o Talentos da Maturidade, que é um programa do banco voltado para pessoas acima de sessenta anos. E aí me ligaram: “Carlos, você vai receber cinquenta senhoras e senhores participantes do concurso Talentos da Maturidade aí no Santander Cultural. Apresente a exposição que está em cartaz”. E a exposição que estava em cartaz era, exatamente, a da Teresa Neumann, tratando sobre isso. Eram basicamente vídeos, e eu fiquei preocupadíssimo, falei: “Gente, como é que vai solucionar com o Educativo essa questão?” “Como é que essas pessoas...” – olha o preconceito meu. E não deles, óbvio. “Vão achar isso aqui um horror, arte contemporânea”, “tudo cabeção”, “estranho”, “não acho bom”, “não gosto”, é um pouco a reação normal. Aí o Educativo se reuniu e fez uma proposta final, porque a atividade não podia ser cansativa; a atividade precisava ser, preferencialmente, com as pessoas confortavelmente acomodadas – não podia ficar subindo e descendo escadas ou fazendo algum pulo. Enfim, tinha que ter uma série de características para atender aquele público e que eles absorvessem o que a gente estava propondo. E aí teve uma conversa do coordenador de Arte e Educação sobre o grupo, depois nos reunimos todo esse grupo em roda, com cadeiras e o que o arte-educador fez como brincadeira, para absorver aquilo, foi o um “telefone sem fio”, que é um comando que você também dá, você obedece ao que você está sendo comandado, passando a informação de um para o outro. Será que, no final, foi a mesmo que o primeiro deu? Será que no meio desse caminho não muda? Exatamente como a artista estava propondo. Essa é uma solução do Serviço Educativo para absorver. O grupo adorou ter participado dessa vivência; Adorou a proposta da artista; Saiu dali tirando da cabeça uma série de preconceitos que acontecem em relação à arte contemporânea. Adorou a interatividade, de poder participar, estar dentro de uma obra de arte, participar exatamente com o que a artista estava propondo. Essa é uma das maneiras do Educativo trabalhar. Vai ser muito específico para qual público ele vai receber naquele dia. Claro que a gente sabe isso com antecedência. Então, “hoje é uma escola com alunos em três e sete anos”, é um tipo de coisa. Agora, adolescentes da escola x ou adolescentes da comunidade de tal lugar, ou pessoas com limitações físicas, ou adolescentes com problemas com drogas. Você recebe todos os tipos de grupo. E a gente vai adaptar a programação da instituição que a gente está apresentando naquele momento para, de alguma maneira, sensibilizar aquele grupo ou fazer ele melhor absorver o que a gente está propondo. O Educativo é fundamental. Não existe, não se concebe mais nada que se apresente numa instituição cultural que não tenha o Serviço Educativo atrelado. Você perde muito se não tiver esse serviço ativo permanentemente na sua instituição.
P/1 – E em relação ao mundo, existe uma interlocução das unidades? Você falou que tem uma preferência na questão contemporânea... mas como fica isso?
R – Eu não conheço o que o Santander atua fora do Brasil na área cultural. Eu sei que existe a Fundação Botín, com uma coleção interessante de arte, que também é bastante variada. Você tem desde objetos, dos vários séculos, até chegando na questão contemporânea. E sei que existe um programa de música que o Santander incentiva em vários países do mundo. Até o momento, eu não tenho uma interlocução muito grande com outras regiões. Com a Espanha, naturalmente, em função da sede do banco mas, diretamente com o Santander, eu não tenho essa interlocução do que está se criando em outros países, o que a área cultural do banco Santander produz nos Estados Unidos, ou na Argentina, eu não sei. Não existe essa interlocução ainda. Pode ser que venha a existir, mas até o momento, não.
P/2 – Como você vê o Santander em relação à concorrência com as áreas culturais dos outros bancos?
R – Outro dia eu recebi um elogio muito importante, de um intelectual muito importante. E que eu fiquei muito feliz. O Itaú Cultural é, sem dúvida, uma instituição importantíssima de cultura no país. Não tem o que se falar. A biblioteca virtual do Itaú Cultural é consultada por todo mundo. Ele mantém aquele acervo de artistas... E a própria atuação que ele faz de pensamentos, de reflexão, de cursos... É uma instituição fundamental. O elogio que eu recebi desse intelectual foi de que, nós, do Santander, finalizamos nossos produtos melhor. Eu fiquei bem feliz com isso. O que ele quis dizer? Que nossos catálogos são mais bonitos, bem cuidados; que nossos convites são mais bem cuidados. O que a gente encerra como produto tem um padrão muito bom e melhor que algumas instituições. Acho que é isso: o cuidado que a gente tem nesse trabalho. Eu não tenho tanto dinheiro quanto o Itaú, mas a gente tem um cuidado muito grande do que vamos imprimir e registrar. Eu sempre tive essa preocupação, porque um catálogo fica para sempre, ele vai para uma biblioteca, para algum canto. Lá entre as fotografias que eu trouxe, tem uma da entrega do catálogo, a exposição “Atlas Vingboons” para a Rainha Beatrix, que com certeza colocou na Biblioteca Nacional da Holanda. Isso é uma responsabilidade, pois é uma produção literária do Brasil pensada e produzida por um banco que está registrado numa biblioteca. Quem lê aquilo acredita no que está vendo ali. Então, isso para mim sempre foi um produto de muita atenção e muito cuidado, porque não é só o hoje, é o amanhã, é o daqui há cem anos. Alguém vai estar consultando aqueles livros. O que você produziu de certo ou errado é importante. Nós temos publicações que foram para várias bibliotecas importantes no mundo todo: Nova Iorque, Holanda, obviamente, Espanha. Então, fiquei muito feliz de ver isso, o que eu posso definir é isso, o Santander não tem tanto dinheiro, talvez, quanto outros bancos para essa área, mas tem um cuidado no que ele finaliza bastante apurado. Esse é um diferencial.
P/2 – Em relação ao futuro, como você vê o papel dos bancos para disseminar essa cultura?
R – Fundamental. Eu acho que os bancos no Brasil são importantíssimos para a questão da cultura nacional. Se não existissem os bancos, talvez hoje não existisse tanto o que a gente está vendo de cultura no Brasil. Fundamental. Eu sou um bancário com muito orgulho de ser bancário e acho que os bancos desenvolvem no país um papel importantíssimo, para todas as áreas, e também na cultura. É muito marcante. Porque na assinatura de um banco num produto é muito importante, ele avaliza. É alguma coisa. O Santander não vai patrocinar alguma coisa que ele não acredite, ou os outros bancos também não vão patrocinar algo que eles não acreditem, afinal é a imagem dele que está alinhada à aquele produto. Então, isso já é um cartão de visitas, e isso é bacana. O Bradesco patrocina o Cirque du Soleil, é um produto bacana. O Itaú concentra suas atividades no Itaú Cultural e entrega coisas bacanas. O Santander tem essa questão do patrimônio ou das unidades culturais. Ele investe em produtos que vão fazer uma entrega bonita para a população. Ele tem muito cuidado com isso. Todos os bancos têm esse cuidado, porque eles sabem que a imagem está intimamente atrelada ao produto que está dando para a população brasileira.
P/2 – Quais são as coisas que você se identifica com o banco e vice-versa? Como se traduz esse orgulho em ser bancário, especificamente, ao Santander?
R – É legal trabalhar num banco desse tamanho, que tem uma atuação internacional; durante essa crise de bancos foi o único banco que não se abalou, um banco absolutamente sólido, forte e respeitado no mercado. Ao mesmo tempo é muito legal participar da construção desse banco no Brasil, que é mais presente na região Sul – onde eu moro ainda é novo... Você saber que a sua participação dentro desse firmar esse banco, ela acontece. Eu sou um tijolinho que completo um pouco esse trabalho, como milhares de outros funcionários que trabalham nessa região. Então, eu gosto disso, da gente ter essa segurança da tradição de um banco internacional mas com a possibilidade de estar criando um novo banco ou de estar implantando esse banco dentro do Brasil e trazendo um pouco para o vermelho Santander o verde e amarelo brasileiro, um pouco da cara do nosso país – e participar desse processo. Eu gosto muito disso.
P/2 – Qual é a importância da arte na sociedade? Qual a importância da valorização cultural, principalmente nessas duas regiões onde estão inseridas as duas unidades culturais do Santander?
R – Bom, a arte na sociedade... Tudo o que se produz pelo homem é o que representa cultura para esse homem. Isso tudo começa na agricultura, quando o homem percebe que precisa de alguns instrumentos para poder obter melhores produtos daquilo que ele está tentando produzir – para plantar sementes, criar o arado e por aí vai. A arte é a fabricação de tudo o que a gente concebe, de uma forma bonita, agradável. É tudo o que a gente acredita. Ela está intrinsecamente ligada a todas as pessoas, conscientemente ou não. Alguém vai ter que despertar um dia na criança e dizer: “isso aqui é arte”, “isso aqui é uma produção de uma população, de um pensamento”, “isso aqui foi sua avó quem produziu, um bordado, num dia, com muito cuidado”. Ou o que você venha a produzir, não necessariamente sendo um artista, mas podendo apreciar o que é produzido no mundo. Para mim é o que eu respiro todos os dias, eu não consigo conceber um mundo de outra maneira. Não consigo ver nada que não tenha esse alívio, essa situação agradável que a arte sempre nos traz. Se você for visitar os andares todos daqui da torre, cada um tem lá uma intervenção artística, que de alguma maneira vai estar afetando ou contribuindo para um dia melhor para quem está convivendo naquele andar – aprendendo, observando, se extasiando com o que está vendo; ou também não gostando, mas criando um pensamento. “Eu não gosto disso” e discutindo com um colega porque que ele gosta e ele não. Isso também é uma forma de aprender alguma coisa, levar alguma coisa para sua casa. Eu acho que a arte é sempre provocativa. Não só a arte contemplativa, como acontecia até o Modernismo, no mundo, de você olhar e apreciar... Não só a ideia mas também o poder criativo, a técnica que aquele artista imprimia naquelas obras que ele produzia. E como hoje, a arte contemporânea já passou dessa questão de você ter um apuro técnico – a ideia é muito mais importante do que o pintar, exatamente produzindo aquela paisagem que ele está vendo. A arte contemporânea possibilita muito essa provocação. Eu não consigo ver o mundo sem essa provocação todos os dias, e acho que contribui muito para essa formação nova, do que está vindo, do que está acontecendo. Ontem eu estava assistindo televisão e percebendo coisas... MTV, como eles anunciam, está falando sobre uma coisa e aí vem uma coisa completamente diferente no meio daquele quadro e fala: “eu gosto de cor-de-rosa” e ponto. E passa para um outro assunto imediatamente. Isso é uma forma artística contemporânea de você se expressar. É tudo tão rápido que é só uma frase já traz um pensamento diferente ao longo do dia. Ele me provocar com a cor cor-de-rosa já fez em mim um pensamento diferente naquele segundo, né? Isso deve influenciar muito nas crianças, eu imagino. Elas também são muito imediatistas. Acho que elas estão influenciando no que está se produzindo hoje. As coisas estão mais rápidas, eu vejo isso.
P/2 – Quais foram seus maiores aprendizados ao longo da sua carreira?
R – Ouvir o outro. Importantíssimo para entender como você deve seguir; O respeito aos colegas de trabalho e, principalmente, aos seus funcionários; O respeito ao cliente aqui do banco, enfim, inclusive ao que vai facilitar a vida dele no dia a dia. Isso são aprendizados importantes. Tudo isso está muito ligado ao Fábio Barbosa. Ele é o grande professor dessas coisas todas. A consciência no dia a dia, não só no trabalho, mas no seu dia a dia, do seu papel no mundo para tornar um mundo melhor. Eu não era muito consciente disso até começar a trabalhar no Banco Real e, especificamente, com o Fábio, no ABN. Ele colocou no nosso nariz, colocou na nossa frente o óbvio. Faz você abrir o olho para enxergar essas coisas. Isso que eu aprendi, que é importante para a minha vida pessoal, que eu aplico.
P/2 – Qual é a sua maior realização, especificamente, no contexto Santander?
R – Poder coordenar as duas unidades culturais é um grande orgulho para mim. Eu nunca imaginei chegar a coordenar a unidade de Porto Alegre. Enorme! Imponente! Com uma atuação bastante importante. Acho que minha maior realização é poder ter despertado uma boa confiança nos meus colegas de trabalho, na minha diretoria, de me entregar uma coordenação tão importante, que eu considero tão importante para o banco e, particularmente, para mim. Enfim, poder desenvolver este trabalho. Com as outras coisas também, claro. A abertura do instituto no Recife é importante. A visita da rainha da Holanda foi importante, um orgulho. A criação do livro sobre o Palácio do Governo em Pernambuco foi uma coisa importante. A criação da exposição de natal, que é tradicional até hoje, é marcante para mim; A exposição “O Brasil e os Holandeses”. São eventos que aconteceram, são ações que aconteceram que até hoje repercutem, até hoje se fala nisso. Isso eu estou falando de coisas de onze anos atrás. São realizações bem marcantes na minha vida. Mas acho que o mais importante foi eu ter me criado de uma maneira a ser um funcionário que desperta essa confiança, que a diretoria entrega produtos para eu desenvolver confiando no que eu vou levantar e entregar para eles no final.
P/2 – E tem algum sonho a ser realizado dentro dessa sua carreira?
R – (risos) Bom, era inevitável falar que seria a abertura de uma instituição cultural em São Paulo, no Rio. (risos) Era muito legal se isso acontecesse. Acho bacana. Não sei, dentro da minha carreira...? Eu queria muito continuar dentro dessa área da cultura. Não me vejo fora dela. Para mim, o que eu tenho hoje está muito bom, adoro. Eu não tenho a pretensão da área nacional, eu queria estar trabalhando cada vez mais na área cultural mesmo, e dentro de unidades culturais. Falar da unidade cultural em São Paulo é porque, claro, quem não quer? Trabalhar dentro na maior capital do Brasil, mas talvez, ter mais unidades em capitais não tão óbvias. Esse, talvez, seja um sonho. Aí falando com bastante seriedade. Em regiões em que é mais difícil você ter a possibilidade de abertura de uma instituição cultural. Não vou dar um exemplo de estado para não proteger nenhum, mas olhando para os estados mais carentes, mais problemáticos, com menos opções de ações culturais. Acho que seria muito bacana. Seria uma grande realização poder abrir outras unidades nessas regiões, nas não óbvias.
P/2 – Tem outra coisa que a gente não perguntou e que você gostaria de deixar registrado?
R – Não. Só registrar que foi muito legal. Só agradecer vocês e ao banco de ser um dos escolhidos para essa entrevista. Eu fiquei muito feliz.
P/2 – O que você achou do banco resgatar a memória convidando os colaboradores a participarem dessa memória?
R – O máximo. Esse é um produto que vai ficar para sempre e a gente não sabe o que vai acontecer com o mundo daqui a cem anos, mas com certeza isso vai estar registrado em algum lugar e alguém pode estar pesquisando sobre o comportamento das pessoas em 2011 ou o comportamento dos funcionários do Santander nesse período. Participar disso é foi um grande orgulho e a iniciativa do banco importantíssima. Importantíssima porque remete ao nosso início de conversa, talvez, até antes mesmo de começar a ser gravado. Eu acho muito importante a questão da memória. É fundamental para a compreensão do mundo: do passado, do presente e do futuro. A iniciativa do banco de incentivar isso é uma prova muito bacana do caminho que ele está seguindo, das pessoas que está valorizando, dos funcionários como um todo, que ele acredita. Gostei demais. Para mim foi muito bom.
P/2 – E você participar da entrevista, estar aí do outro lado?
R – Orgulho total! (risos) Feliz que eu não consegui não me emocionar muito assim, que eu ia ficar com um pouco de vergonha de vocês, mas ia me emocionar sempre. Eu tenho quinze anos de banco absolutamente felizes e com absoluto orgulho de estar aqui. Orgulhosíssimo de trabalhar no Santander. Pode ter certeza do que eu estou falando, porque é verdade mesmo.
P/2 – Então, a gente gostaria de agradecer em nome da Vice-presidência de Marca, Marketing, Comunicação e Interatividade, na pessoa do Fernando Martins, e do próprio Museu da Pessoa, pela sua participação de estar aqui, conversando com a gente, contando a sua história. Obrigado.
R – Obrigado.
[Fim da Entrevista]
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