[Início da Parte 1]
P/1 - Fernanda Prado
P/2 - Ana Maria Farinazzo Lorza
R - João Consíglio
P/1 – João, boa tarde.
R – Boa tarde.
P/1 – Primeiro, nós gostaríamos de agradecer de você ter aceitado nosso convite de vir para cá dar esta entrevista. E para começar, eu gostaria de pedir para você nos dizer o seu nome completo, local e data do seu nascimento.
R – Nome longo. João Guilherme de Andrade Só Consíglio. Eu nasci em São Paulo, capital, dia 7 de dezembro de 1968.
P/1 – João, qual é o nome dos seus pais?
R – Vespasiano Consíglio e Herta de Andrade Só Consíglio.
P/1 – Conte para nós um pouquinho da origem da sua família, dos seus pais.
R – Origem da minha família? O meu pai é filho de italianos, os dois foram imigrantes. Os meus dois avós vieram separadamente no começo do século XX, século passado já. Meu avô é calabrês, veio da província de Cosenza, na Itália. Fica bem ao Sul da Itália, na Calábria. Ele, na verdade, saiu da Itália e foi para a Argentina primeiro, viveu acho que um ano na Argentina ou dois; e quando teve a Primeira Guerra Mundial, ele voltou para a Itália para lutar. Passou a Primeira Guerra lá, e quando voltou, voltou para o Brasil. O irmão dele também imigrou da Itália e foi para os Estados Unidos; e ficaram três irmãs na Itália. Minha avó é uma história um pouquinho diferente: ela veio de Arezzo, na Toscana, veio com toda a família. Ela veio pequena e para São Paulo, no interior, trabalhar. Os pais dela vieram trabalhar em uma fazenda e depois eles se mudaram para São Paulo, capital. E os dois se encontraram aqui em São Paulo. Então, não é uma família que veio constituída da Itália, mas se encontraram aqui. Meu pai morou na Rua São Caetano, no meio dos italianos. Enfim, uma família bem típica italiana. Ele tem dois irmãos. Eram três irmãos. Os três se formaram em Contabilidade e, depois, meu pai acabou virando...
Continuar leitura[Início da Parte 1]
P/1 - Fernanda Prado
P/2 - Ana Maria Farinazzo Lorza
R - João Consíglio
P/1 – João, boa tarde.
R – Boa tarde.
P/1 – Primeiro, nós gostaríamos de agradecer de você ter aceitado nosso convite de vir para cá dar esta entrevista. E para começar, eu gostaria de pedir para você nos dizer o seu nome completo, local e data do seu nascimento.
R – Nome longo. João Guilherme de Andrade Só Consíglio. Eu nasci em São Paulo, capital, dia 7 de dezembro de 1968.
P/1 – João, qual é o nome dos seus pais?
R – Vespasiano Consíglio e Herta de Andrade Só Consíglio.
P/1 – Conte para nós um pouquinho da origem da sua família, dos seus pais.
R – Origem da minha família? O meu pai é filho de italianos, os dois foram imigrantes. Os meus dois avós vieram separadamente no começo do século XX, século passado já. Meu avô é calabrês, veio da província de Cosenza, na Itália. Fica bem ao Sul da Itália, na Calábria. Ele, na verdade, saiu da Itália e foi para a Argentina primeiro, viveu acho que um ano na Argentina ou dois; e quando teve a Primeira Guerra Mundial, ele voltou para a Itália para lutar. Passou a Primeira Guerra lá, e quando voltou, voltou para o Brasil. O irmão dele também imigrou da Itália e foi para os Estados Unidos; e ficaram três irmãs na Itália. Minha avó é uma história um pouquinho diferente: ela veio de Arezzo, na Toscana, veio com toda a família. Ela veio pequena e para São Paulo, no interior, trabalhar. Os pais dela vieram trabalhar em uma fazenda e depois eles se mudaram para São Paulo, capital. E os dois se encontraram aqui em São Paulo. Então, não é uma família que veio constituída da Itália, mas se encontraram aqui. Meu pai morou na Rua São Caetano, no meio dos italianos. Enfim, uma família bem típica italiana. Ele tem dois irmãos. Eram três irmãos. Os três se formaram em Contabilidade e, depois, meu pai acabou virando economista - e até teve uma carreira bastante interessante como economista. Ele foi o fundador do curso de Economia da PUC, foi diretor da PUC. Um dos fundadores da Ordem dos Economistas. Foi economista do ano, em 1964, tudo isso antes de eu nascer. Eu nasci em 1968. Enfim, ele já estava nesse meio, era economista. E, depois, se casou um pouco mais velho, com 38 anos, e minha mãe com 27, 28. Então o casal, para [a] época, [era] um pouco mais antigo. Minha mãe é de uma família bem brasileira. Sempre viveu no Brasil. Eu não tenho nenhuma história, assim, de imigração, Portugueses que vieram há tempos, primeiro no Rio de Janeiro, depois em São Paulo. Meu avô foi Auditor da Receita Federal - sei lá, alguma coisa parecida - e minha avó ficava em casa. Os dois morreram muito cedo, meu avô e minha avó por parte de mãe. Minha mãe faleceu, eu tinha 13 anos. Meu pai foi um pouco pai e mãe meu e das minha irmãs, duas irmãs mais novas - uma dois anos mais nova e a outra quatro anos mais nova do que eu. Quando eu tinha 13 anos, ela faleceu e meu pai foi pai e mãe. Enfim, isto é uma coisa bastante marcante na minha infância, porque foi um evento bastante triste. E meu pai assumiu isso de uma maneira muito legal. Acho que daí vem muito um pouco a força, determinação, os valores que ele passou para os filhos.
P/1 – Conta para gente então o bairro que você nasceu, a primeira casa onde você morou? Quais são estas suas primeiras lembranças?
R – Então, engraçado, porque eu morei a vida toda na mesma casa. Eu nasci e morei em uma casa que o meu pai mora até hoje que fica em uma paralela com a Avenida Bandeirantes, ali em Moema, em um bairro que na verdade se chama Jardim Novo Mundo, na Rua Doutor José Cândido de Souza. Eu me lembro bastante bem que ele já morava lá, ou nós já morávamos lá antes de ser construída a Avenida Bandeirante, que está a uma quadra da casa dele. Quando fizeram a Avenida foi um evento bastante importante do desenvolvimento da cidade - estava muito próximo da casa do meu pai, uma casa grande. O meu pai, na verdade, tem uma história interessante dele, que ele morava na Rua São Caetano com todos os italianos. O meu avô aqui no Brasil era cobrador do bonde, e aí eles se mudaram para Moema, para aquela região, nos anos 50, anos 40 ou 50, porque lá ficava o ponto final do bonde. E aí eles passaram a morar lá, talvez um dos primeiros. Na época, tinha pasto, vacas, galinhas. Enfim, era um lugar relativamente pouco habitado e o meu pai ficou morando lá. Os meus avós moravam em uma casa onde hoje é o Shopping Ibirapuera e saíram dessa. Na verdade, os meus avós ficaram lá algum tempo e meu pai comprou esta casa antes de casar, morou a vida toda e mora até hoje lá. Então, já [mora lá] há mais de 40 anos.
P/1 – Então conta um pouquinho de como é que era esta casa. O que você gostava de brincar ali pelo bairro, pela rua?
R – Interessante, porque ali, hoje, é uma casa que tem muro. Como quase todas as casas em São Paulo. Na época, tinha um “gradiozinho” baixo que você saia para brincar no gramado que tinha na frente, na entrada do carro. Andava de bicicleta, andava na rua. Quase que não tinha diferença entre sair da porta de casa, estar na rua ou estar dentro do jardim. O que hoje faz muita diferença. As crianças ficam muito mais dentro dos muros, que acabaram tomando lugares destes “gradis” baixos que existiam na época. Tinha alguns amigos na rua, não tenho esta sensação de tantos amigos na rua quanto outras pessoas. Às vezes me falam: “Pô, a gente brincava tanto na rua”. Eu brincava muito dentro daquele espaço que estava próximo da minha casa, seja com o gradil na frente ou atrás, na rua ou não, mas nós não fazíamos muita diferença. Tinham alguns amigos que estavam sempre ali. Muitos primos. A minha casa era onde se reunia, principalmente a família da minha mãe, então tinham muitos primos que cresceram próximos. Principalmente na primeira fase da minha infância, onde tinha muita concentração destes primos. Alguns moravam próximos, outros não, mas eles vinham muito para a minha casa, passavam o dia. Os Natais eram sempre lá. A minha mãe era muito agregadora, então todo mundo estava sempre muito no entorno.
P/1 – E do que você gostava de brincar?
R – Bicicleta, futebol, pião. Gostava de jogar pião. Assim, brincadeiras de criança: esconde-esconde, pega-pega, carrinhos - que às vezes apareciam ali -, triciclo. Tinha uma dinâmica de ter a sua bicicleta, às vezes consertar um carrinho, fazer uma invenção ali com madeira, uma casinha. Às vezes fazia um esconderijo para brincar de polícia e ladrão. Tinha uma vida bem interessante de criança, com brincadeiras fora de casa muito mais do que dentro de casa. Eu não me lembro de ficar brincando muito dentro de casa. Eu gostava bastante de ler também. Quando eu aprendi a ler... Eu gostava bastante de ler, então eu tinha momentos que lia muitas histórias. Eu era uma criança que gostava de livro, gostava de imaginar o que eram aquelas histórias; quais eram as situações das histórias que eu estava lendo.
P/1 – E João, o que você na sua meninice queria ser quando crescesse? Você imaginava alguma coisa, tinha alguma vontade?
R – Engraçado, eu não me lembro muito de pensar em ser alguma coisa. Eu sempre falava: “Não, eu quero ser astronauta; corredor; jogador”. Queria ser um monte de coisas, mas, no fundo, não me lembro de ter uma coisa que eu gostaria de ser. Por outro lado, eu acho que eu tenho uma influência muito grande do meu pai, no sentido que, logo, como adolescente, em algum momento, eu comecei a me interessar muito por política, economia, pelas coisas que aconteciam no Brasil. Enfim, nós tínhamos uma situação diferente do que nós temos hoje, com muita inflação, e isto me chamava muito a atenção. Hoje mesmo eu estava falando com o [Marcial] Portela que eu me lembro da crise dos juros de 1981. Eu tinha 13 anos e já me interessava pela crise de juros dos Estados Unidos. Esse negócio impactava aqui, e já era uma coisa que me interessava bastante. Acho que muito pela influência do meu pai, que era uma pessoa muito inserida no meio dos economistas.
P/1 – João, conta pra gente qual é a sua primeira lembrança da escola?
R – Minha primeira lembrança da escola? Eu fui para a escola só no pré-primário, então eu não fui uma criança que foi para a escola muito cedo. Até mesmo para aquela época, era um pouquinho mais tarde. Eu me lembro que eu tinha muito medo, era uma coisa diferente. E eu fui primeiro para uma escolinha pequena de bairro, me lembro bastante brincando na areia e com aqueles brinquedos. Depois eu me lembro que não me adaptei muito naquela escola e fiquei pouco tempo lá. Não sei exatamente quanto tempo. E aí comecei o pré-primário no Dante [Alighieri]. Eu me lembro bem do dia que eu fui para o Dante, e com menos receio, porque eu já tinha passado alguns dias em outro lugar, mas era um lugar muito maior e eu ficava impressionado porque o Dante já era o que é hoje, prédios, um lugar grande. Meio que um lugar muito grande, que tinha muitas ofertas, crianças. Eu lembro que foi bem legal o primeiro dia, me receberam super bem. Eu não entrei exatamente no primeiro dia, porque eu tinha ido na outra escolinha, depois eu fui lá. Não me lembro exatamente o que aconteceu, mas eu me lembro que a minha entrada de verdade na escola, que foi no Dante, foi muito legal. Minha primeira entrada, que foi nesta escolinha, foi com um pouco de medo. O que nós vamos fazer? Eu só lembro de brincadeiras nesta escolinha, flashes de brincadeiras. Agora, no Dante, eu me lembro bastante bem de como eram as classes, como eram as professoras. Tinham-se duas professoras para aquela classe, tinham umas brincadeiras bem interessantes de televisão que nós performávamos atrás da televisão. Era um negócio bem... Na época, estava começando televisão colorida, então era super legal. Acho que os primeiros tempos de escola foram bem legais. Engraçado que eu tenho amigos até hoje que conheci neste primeiro dia. Tem um grupo de amigos que nós nos encontramos sempre ainda, são nove amigos que estudaram durante este período que eu estudei no Dante, e destes nove, dois deles eu conheci no primeiro dia. Engraçado porque acabaram sendo pessoas que me seguiram a vida toda. Nós nos falamos até hoje, tem um carinho muito grande.
P/1 – Conta para gente também um pouquinho como é que foi indo a sua carreira na escola, as aulas. Como é que foi sentindo a chegada das matérias, as mudanças de professores? Se teve alguma professora em toda esta trajetória que ficou marcada.
R – Eu me lembro bastante bem da professora que me alfabetizou na primeira série. Eu gostava muito dela e ela ficou amiga da minha mãe. Então, depois que terminou a primeira série, ela visitava, então eu tive um contato um pouco maior. A professora Vanda. Lembro-me o lugar que ela morava, que era na Rua Paulistânia, na Vila Madalena. Lembro bastante bem. Logo, no final da primeira série, ela ficou grávida e teve gêmeos, então eu me lembro do nascimento dos gêmeos dela e para mim era uma coisa muito legal, porque eles eram univitelinos: iguaizinhos. Me lembro bastante bem disso. Depois eu me lembro bastante bem da professora da quarta série - era uma professora mais antiga, uma senhora que já dava aulas há muitos anos. Dona Leopoldina. Eu me lembro que foi em 1978 quando teve a copa da Argentina e nós assistíamos os jogos na classe em uma televisãozinha preta e branca que ficava pulando a imagem. (risos) Foi um período bem legal. Outra coisa que eu me lembro bastante bem é quando você passa para o ginásio, no Dante, separava meninos e meninas. Os meninos iam para a manhã e as meninas para a tarde, então aquilo era um evento: “Ficamos grandes”, era uma coisa que tinha um rito de passagem. Muda o horário, muda a convivência. Eu senti esta coisa horrível de separar meninos de meninas. E durante o ginásio todo, nós queríamos ir à tarde quando tinha laboratório, porque via as meninas. Eu tenho uma lembrança bem legal deste período.
P/1 – E em relação a matérias? Tinha alguma matéria que você gostava mais?
R – Então, eu sempre gostei bastante de ler, gostava de Português, sempre gostei muito. Eu tinha muita facilidade com Matemática, eu gostava de resolver problemas. O que era uma coisa que me divertia. Então, eu lia muito em casa, fazia brincadeira com exercícios de raciocínio. Então eu gostava dos momentos de Matemática e coisas que eu não gostava, acho que não tinha muita coisa que eu não gostasse. Eu tive alguma dificuldade na terceira série, quando eu comecei a usar óculos. Eu tinha uma miopia muito forte. Hoje eu uso sete graus de óculos, então tenho uma miopia forte. E, na época, eu me lembro que na terceira série isto foi um impacto. Eu comecei a não enxergar mais, não entendia o que estava acontecendo. E depois que eu fui perceber que eu precisava de ajuda, que eu não estava enxergando mesmo e aquele negócio atrapalhava algumas matérias que escreviam mais na lousa, que tinham mais coisas, eu passei um ou dois meses tentando entender: eu fechava o olho, não enxergava. Foi de uma hora para outra, muito rápido. Cresceu rápido a miopia. Isto também é uma coisa que marcou bastante nesta época. Depois, no ginásio, você tem professores diferentes, cada um com uma matéria diferente. Você acaba gostando muito se tem um professor melhor ou pior... Alguns professores eram ícones. Uma escola muito antiga, com professores antigos e que tinham muita história na escola. E outro dia até eu recebi uns vídeos de alunos que fizeram na época do colegial alguns vídeos com alguns professores, fizeram entrevistas. Mais ou menos o que nós estamos fazendo aqui, eles fizeram isso lá atrás, no colegial. Você começa a ver: “Pô, estou lá no fundo; tem aquela pessoa. Este professor, será que está vivo ainda?”. Foi bem interessante o momento. Nós usávamos aquelas câmeras gigantes. Outro dia me mandaram esses vídeos e eu fiquei dando risada sozinho desse tempo. Tenho muitos amigos, vários amigos que eu encontro desta época, ginásio e colegial, e formei um grupo interessante. São nove amigos. Um faleceu. Mas, destes nove amigos, nós sempre nos encontramos, uma vez por ano, obrigatoriamente, todo mundo junto. E eu acabo encontrando em lugares diferentes, porque cada um tem uma vida muito diferente. Depois que você sai da escola e vai para a faculdade, cada um [vai] por um caminho. É muito legal que nós lembramos os fatos, as coisas que aconteceram. Temos afinidades de formação, os pais eram amigos. Nós nos conhecemos há muito tempo, então é legal encontrar.
P/1 – João, conta pra gente como é que foi pra você a fase que você de fato perdeu a sua mãe? Como você e sua família fizeram para superar essa barra. Como foi a sua responsabilidade enquanto irmão mais velho?
R – Foi bem interessante, porque eu estava na sétima série. E minha mãe tinha bronquite, mas nada que indicasse que ela poderia ter algum problema. Teve uma crise de asma, de fato, e faleceu de uma hora para outra. Minha irmã menor era muito pequena, ela tinha nove anos e eu me lembro que eu, realmente, ao longo do tempo, fui assumindo um papel de parceiro do meu pai nas decisões do dia a dia. Meu pai foi super pai [e] super mãe ao mesmo tempo. Não era uma coisa trivial para ele que era de outra geração. Ele nasceu em 1930, então imagina cuidar de um menino e duas meninas de nove anos e treze anos. Era uma novidade completa para ele, que assumiu o papel. Ficava muito próximo de nós. Ele tinha uma postura de um pai mais afastado, mais ausente na primeira fase da minha infância. Depois, me lembro, como adolescente, [que era] muito próximo. Nós discutíamos muito tudo o que ia fazer. Quer dizer, eu dividia muito com ele. Eu tinha muita confiança nele e as minhas irmãs, para ele, era algo mais difícil ainda porque meninas. Ele [é] de uma outra geração, então muitas vezes perguntava: “Ela está querendo ir nessa festa, o que você acha?”. Eu dizia: “Vai”. Eu fazia um pouco este papel de advogado delas nas conversas que normalmente ele teria com minha mãe. Foi para mim um momento de amadurecimento muito grande, porque, no fundo, você assume uma postura e percebe que a vida não é do jeito que você quer. Ela é como ela é e você vai continuar a viver, e continuar a viver faz parte da vida. Então eu acho que meu pai acabou se voltando muito para os filhos. Acho que, um pouco, ele perdeu até o “motto” próprio dele, porque os filhos um dia casam etc., e acho que ele poderia ter feito outras coisas para ele mesmo. Mas, como pai, como mãe, que ele acabou assumindo este papel, ele foi espetacular: um exemplo. Eu sempre olho muito a maneira como ele decidia as coisas, a maneira como ele se preocupava em fazer tudo certo, fazer da maneira certa. Mostrar que ele estava fazendo certo e que não adiantava fazer só certo, ele queria muito mostrar e passar este exemplo para os filhos. Então eu me lembro muito da figura dele dando exemplo das coisas que são certas, das coisas que não são, valores, como, a família não se dissolve porque está faltando uma pessoa. Quer dizer, o mundo vai continuar e você vai enfrentar o mundo com os valores que você recebeu em casa, com aquilo que você acha que é certo, mesmo que aquilo não seja o que todo mundo está fazendo. Então, este tipo de mensagem era muito forte por parte dele. Acho que também por ele ter sido professor, ter sido um cara que foi pioneiro em muitas coisas na vida profissional, ele acabou buscando trazer para os filhos um pouco daquilo que ele fazia profissionalmente. Porque, no fundo, ele era uma pessoa de outra geração em que a educação estava muito mais próxima da mãe do que do pai, e ele passou a assumir esta responsabilidade. Então, neste processo, eu via que ele trazia para nós coisas que ele transmitia na vida dele. Quer dizer, as pessoas não são duas, então nós temos que ser íntegros, profissionais, tratar as pessoas com respeito. Enfim, valorizar todo mundo, escutar. Ele era um cara que escutava todo mundo. Essa atitude que ele tinha de me perguntar o que eu achava quando tinha alguma decisão que ele não sabia direito, porque era de outra geração, [era] muito legal para uma pessoa da geração dele. É uma coisa que me orgulha muito, muito sensível, no sentido de: “Vamos escutar mais opiniões, pois talvez tenha alguma coisa que eu não esteja enxergando”, e acho que isto fez muita diferença no amadurecimento, na educação das minhas irmãs, na minha, na forma como nós nos comportamos hoje e na forma como nós pretendemos e tentamos passar isso para os nossos filhos. Então ele tem uma figura muito forte, muito importante na minha vida.
P/1 – João, conta para gente então deste seu período um pouquinho mais velho, começo da juventude, adolescência. A parte do colegial, como era na escola? O que vocês gostavam de fazer para se divertir, se iam a cinemas, saiam por São Paulo?
R – Acho que uma coisa super importante para mim sempre foi o esporte. Eu desde pequeno sempre fiz bastante esporte. Fiz judô a vida toda até os 28 anos; e com toda a confusão de trabalhar etc., eu mantinha o judô. Teve um tempo que eu fazia judô e basquete na escola. Então, esporte era uma coisa importante. Acho que isso também é um pilar para você ter disciplina, aprender uma série de coisas na vida. Uma coisa que eu gostava muito era o momento que eu tinha do treino, que aquele era só meu. Eu tinha que me dedicar e não dava para eu delegar para ninguém uma coisa que dependia do meu esforço, da minha disciplina e ia resultar na minha performance. Então eu mantive isso durante muito tempo. Em algum momento, no colegial, eu lembro que eu tomei uma decisão importante nesta minha vida esportiva, que foi: eu treinava em uma academia relativamente pequena e decidi tentar ser militante no Pinheiros, fui ver se eu conseguia. Acabei sendo aceito depois de um teste gigantesco. Tinha um técnico bastante disciplinador lá e acabei aprendendo muita coisa. Eu treinava com caras de alta performance. Depois, ao longo do tempo - isso foi em 1982, 1984 -, eu treinava com caras que foram da seleção brasileira: Carmona, Aurélio Miguel, Douglas Vieira. Então foi um período muito muito rico. Eu estudava, fazia esporte, bastante, e tinha amigos. Nós íamos ao cinema, saíamos, nos divertíamos, saia sozinho na rua, saia de ônibus às vezes à noite com 14, 15 anos com tranquilidade. Nós não tínhamos muita preocupação de que tem violência. Então, foi um período muito legal. Estes meus amigos, nós nos encontrávamos sempre na escola e sempre para fazer alguma coisa no final de semana, no fim do dia. Como eu treinava próximo dali, tinha um grupo que ficava na calçada conversando antes do treino, acabou que a vida era quase que de uma vila em uma cidade que estava ficando muito grande. São Paulo já era grande nesta época, mas muito divertido porque eu tinha tempo para ir para escola, treinar, ir ao cinema, namorar, fazer outras coisas, sair, viajar. Eu viajava bastante, ia para a casa de amigos na praia. O mar é uma coisa bastante presente também, eu lembro que eu ia muito para o Guarujá. Depois, meu pai gostava muito do Rio de Janeiro, então nós íamos muito para lá. Ia na casa de amigos no Guarujá, ou fazendas. Mas, eu lembro de muitos feriados e finais de semana na praia, a praia era uma coisa bastante presente.
P/1 – Como é que foi chegando para você o momento de escolher a carreira e entrar na faculdade, esta transição entre escola e faculdade?
R – Eu não tinha muita dúvida do que eu ia fazer. Em algum momento, não sei se com 14 ou 15 anos, eu já sabia que me interessava bastante pelas coisas que aconteciam no mundo, por Política, por Economia, a maneira como as pessoas se relacionavam, a sociedade e tal. Eu gostava de Sociologia, de Filosofia, me dava bem em Matemática. Eu era um bom aluno. Não tinha muita dúvida de que eu iria acabar entrando em uma boa faculdade e eu sabia que queria fazer algo relacionado com Economia, Sociologia, alguma coisa assim, e acabei escolhendo Economia, possivelmente, pela influência que meu pai tinha em mim. E, no final, eu me dei muito bem com o mundo da Economia porque, basicamente, nós olhávamos as relações das pessoas. Esse entender o que era Economia antes de entrar na faculdade foi importante para mim, porque eu via o meu pai, eu via a maneira como ele tratava as coisas, as conversas que ele tinha comigo e eu sabia mais ou menos o que iria encontrar na faculdade. Então, o período de fazer o vestibular, é claro, dá certa ansiedade. Eu fiz seis meses de cursinho junto com o terceiro colegial, mas nada que me deixou muito estressado. Na verdade, eu sou muito pouco estressado, uma pessoa muito tranquila e pouco ansiosa. Então acho que isso me ajuda bastante [a] fazer provas; ser testado não é uma coisa que me deixava ansioso. Então acho que isso acaba te deixando desenvolver melhor do que a pessoa que fica ansiosa; e naquele momento que você tem que se provar, você não consegue por causa da ansiedade. Então, essa tranquilidade, acho que acabou me ajudando bastante. Eu fiz a Fuvest [Fundação Universitária para o Vestibular] no ano que eu terminei o colegial. Entrei na USP [Universidade de São Paulo] e acabei fazendo a USP. Na verdade, entrei na USP e em várias outras faculdades. Eu tinha feito várias, pois eu não sabia exatamente se ia entrar, então eu acabei fazendo alguns “heads”: fiz FAAP [Fundação Armando Alvares Penteado], PUC [Pontifícia Universidade Católica], umas três ou quatro; e, no final, entrei em quase todas. Na FGV [ Fundação Getúlio Vargas], eu fiquei em uma lista de espera e depois acabei entrando. E quando eu entrei na USP, fui fazer a USP. Eu não tinha muita dúvida e fui para a Economia da USP. Foi um período divertido, porque eu tinha autonomia: ia para todos os lugares sozinho, circulava na cidade. Eu sabia o que eu queria [e] o meu pai confiava muito em mim, então não tinha esta coisa de adolescente que ele não sabia direito o que estava acontecendo e, ao mesmo tempo, eu tinha liberdade para fazer o que queria o tempo todo. Eu ia para a escola, para o cursinho, estudava. Entrei na faculdade de uma maneira relativamente tranquila, e foi bem legal esta transição. Acho que, para mim, quando eu entrei na faculdade, o mundo mudou bastante, porque o Dante era uma escola muito de cartilha, muito você recebe a informação e retransmite a informação, tinha muito pouco [para] pesquisar ou entender o que está por trás das várias opiniões. Era mais ou menos: você vai por aqui e as respostas são estas; e se você fizer direitinho, as coisas saem. Quando eu fui para a faculdade, me deparei com outro mundo, porque é um mundo onde se abrem um monte de perguntas, muito mais do que as respostas. Você tem várias opiniões sobre o mesmo processo, as coisas não são tão simples. O processo histórico de como os homens chegaram onde estão era uma coisa que me fascinava muito, todos aqueles textos de Economia Histórica, os brasilianistas, os brasileiros que escreveram sobre o período colonial, a evolução do capitalismo, o ler o Marx, o Weber, os teóricos da Sociologia, era uma coisa que me fascinava bastante. E isto tudo se abriu na faculdade, foi um período muito rico. O primeiro ano, era o ano de encontrar estas coisas e, no final, acabei gostando tanto que, no segundo ano, eu decidi fazer História à noite e fui fazer História à noite na PUC. Fiquei lá três meses e falei: “Pô, já li todos estes livros, textos lá na Economia”, e acabei desistindo. Mas, era uma coisa que me fascinava bastante, o processo histórico do desenvolvimento das relações do homem, porque, no fundo, Economia é como o homem se relaciona para desenvolver a sociedade. Então isso era uma coisa que me fascinava tanto, que eu vou lá porque eu preciso me aprofundar um pouco neste negócio que está me interessando. E aí eu comecei a ler os mesmos textos e falei: “Deixa para lá. Acho que Economia é o que eu quero mesmo, vou ficar lá”, então foi um período bem legal. Eu entrei super cedo na faculdade, tinha 17 anos. Ia para a faculdade de manhã, treinava à tarde, treinava à noite, estudava no meio do tempo. E a USP te oferece isso. O campus é muito legal; então você consegue ficar no campus, fazer várias coisas lá. Para mim, o campus foi uma experiência muito boa; você poder se relacionar bem com o ambiente que eu vivia ali.
P/1 – João, você estava contando para a gente como é que foi o período da entrada na faculdade e como você dividia o seu tempo nestes primeiros momentos. Mas, você teve que fazer algum estágio, já começou a olhar mesmo para a parte de trabalho? Como foi?
R – Olha, os dois primeiros anos [foram] moleza total. Estudava... Na verdade, treinava, ficava lá à tarde, usava o campus à vontade. Se tinha que estudar à tarde, eu já estava lá. A estrutura era super legal. Eu não fazia estágio. No final do segundo ano, eu comecei a fazer estágio na Fipe , que ficava no andar de cima da faculdade, que é a Fundação e Instituto de Pesquisas Econômicas, com uma professora muito legal que se chamava Cátia Mali. E aí, no fundo, eu comecei a aprender um pouco, a entender como eu poderia utilizar as coisas que eu estava aprendendo. Então era um trabalho de pesquisa; ela trabalhava bastante com migrações de pessoas, alguns estudos do Ibge[Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística], que era aquela pesquisa de domicílios, a Pnad. Então, na época, ia para a sala dos computadores, usava Lotus 1 2 3 - que você nem sabe o que é -, fazer planilha para entender como aqueles dados se relacionavam. Fazia algumas correlações. Isso foi no final do segundo ano da faculdade. Neste período, eu conheci a minha esposa, ela fazia Arquitetura no Mackenzie. Já, com 18 anos, eu conheci a Mônica. Eu já tinha uma namorada fixa, que depois acabou se tornando a minha esposa. Nós tínhamos uma vida bem divertida porque no final do primeiro ano e meio foi faculdade, estudo, namoro, treinos. Eu tinha uma vida quase que de um estudante americano. Você pensar em ter um campus como o da USP é um super privilégio, porque você podia falar: “Ah, então este semestre Educação Física vai ser remo, vou tentar remo. Vai na raia”, uma coisa que não está a disposição de qualquer um. Super legal ter isso. Quando eu comecei, fiz este estágio com a Cátia Mali no segundo ano. Depois, é tão engraçado, porque eu estou aqui no Santander. Enfim, o Santander comprou o Banespa, então tem a história do Banespa. Meu pai trabalhou no Banespa em algum momento lá atrás. O Banespa era uma coisa muito viva na minha vida; aí depois que eu fiz estágio na Fipe, fui fazer estágio na corretora de valores do Banespa. Então, de novo, eu estou no Banespa. Meu pai e tal, até tinha umas pessoas que ele conhecia. Fiz o estágio na corretora do Banespa, no centro da cidade. Foi o meu primeiro contato com o mercado financeiro. Na época, nós planilhávamos os balanços, entendíamos como as empresas funcionavam, fazíamos reunião com os investidores; um pouco do que nós fazemos hoje aqui na nossa corretora. Mas, foi bem engraçado, porque o primeiro estágio que eu fiz do mercado financeiro foi lá na corretora do Banespa, que, no final, hoje, eu estou trabalhando no banco que assumiu o Banespa e que também é resultado do banco que empregava o meu pai. Então este Banespa vive no meu entorno de alguma maneira. E aí eu fiz este estágio na corretora, no centro, tomei contato com o mercado financeiro. Foi bem interessante. Muito do que acontecia com ações, com análises de empresas, com balanços, tomei contato com coisas que iam me servir muito na minha vida. E, na época, no fundo, eu queria ser macroeconomista e aquele foi um estágio meio que para entender como era o mercado financeiro, mas meio fora daquilo que eu queria, porque eu queria mesmo era fazer pesquisa, ir para o Banco Central. Eu não estava muito preocupado em trabalhar no mercado financeiro, eu queria mais ser um acadêmico, teórico; estava muito ligado a isto neste tempo da faculdade. Depois do Banespa, da corretora do Banespa, no último ano da faculdade, eu fiz um estágio no escritório do professor Delfim Netto e foi super legal, porque ele é uma pessoa super famosa, carismática. Na época, já não fazia parte do governo há algum tempo, mas me apresentou um mundo bastante diferente, que era um mundo do acadêmico. Porque ele era um acadêmico e tinha um grupo lá de cinco estagiários, e eu era um deles; e nós trabalhávamos um pouco nos estudos que ele estava fazendo, fazia algumas pesquisas para os artigos que ele estava escrevendo, e era uma cabeça espetacular. Nós usávamos a biblioteca dele; ele tinha uma biblioteca, em Cotia, muito organizada, com artigos. Ele tinha uma maneira de organizar artigos: um artigo que liga com o outro, que foi referenciado no outro. E ele era uma pessoa que lia muito muito. Qualquer assunto, você falava para ele, ele falava: “Olha, eu li um artigo sobre isso faz algum tempo, liga lá para a biblioteca e pergunta aquele artigo que eu li não sei onde, que tinha uma referência para outro artigo”, ele descobria assim. Era a maneira como ele ordenava as coisas na cabeça dele, e ele organizou a biblioteca assim. A bibliotecária organizava isso da maneira como ele tinha na cabeça dele. Foi um período bem legal, nós fizemos vários estudos macroeconômicos. Eu estava muito ligado à teoria econômica nesta época. Não tinha nada a ver com política, era um escritório de um acadêmico; ele era uma pessoa no trato do dia a dia muito tranquila, muito afável, muito agradável e com um conhecimento gigantesco. Naquela época, acho que ele já estava há uns 40 anos lendo livros de teoria econômica, então qualquer coisa que nós falássemos, ele tinha alguma uma coisa e nos escutava. Eu não tinha nem terminado a faculdade e ele falava: “Não, isso pode ser uma ideia. Tem um artigo. Toma, leia isso aqui”. Às vezes nós entrávamos por uns caminhos muito interessantes; foi um período em que o estágio foi muito rico. O estágio pré final da faculdade, estava ali no último ano e meio, e eu queria fazer mestrado; tinha uma prova para fazer mestrado, que era a Anpec [Associação Nacional dos Centros de Pós-Graduação em Economia]. E eu queria fazer mestrado, [então] fui fazer a prova da ANPEC seguro, com aquela certeza que só a ignorância pode dar [de] que eu iria entrar sem problema nenhum, e não entrei. Então, eu fiquei assim, três a mais que o número de vagas. Muito próximo, mas não entrei no mestrado. Só tinha tentado para fazer lá na Faculdade de Economia da USP e acabou que eu não entrei. E aí eu tinha me inscrito em alguns programas de “trainee” e fui selecionado para a Bunge. E como eu não tinha passado no mestrado e tinham me chamado no programa de “trainee” da Bunge, eu fui trabalhar lá em um programa onde eles tinham várias empresas de vários segmentos. Era um ano e meio passando por várias áreas da Bunge. Na seguradora, eles tinham um banco, no banco, na Santista Textil, na Sambra, que no final virou Santista Alimentos - eu nem sei como chama isso agora. Mas, enfim, Bunge Alimentos, deve chamar agora, e foi um período muito legal. Lá dentro tinha um grupo, que era um grupo de economistas, que era um prestador de serviços para o mercado de análises econômicas. Então, projeções de inflação, projeções de PIB; um pouco do que faz hoje o Maílson, MCM, a LCA, o Mendonça de Barros, estes economistas que hoje fazem análise da conjuntura, um pouco de projeções e tal. Na época, este grupo da “holding” da Bunge se chamava Serfina que era, Serviços Financeiros, fazia este tipo de análise e eu fui fazer um estágio lá durante este período de “trainee”. Me encantei. O pessoal gostou de mim e eu acabei sendo efetivado nesta área, porque eu já queria ser economista, macroeconomista - caí como uma luva para os caras; e eles tinham uns modelos econométricos muitos legais. E aí nós trabalhávamos com modelos econométricos de equilíbrio geral, fazíamos umas projeções malucas para o Brasil inteiro com todas as variáveis. Era um trabalho quase de acadêmico dentro do setor privado, e nós fornecíamos algumas informações que serviam para o processo de planejamento do grupo Santista, do grupo Bunge como um todo. E, nesta época, eu conheci muitos economistas, muita gente do setor privado, muita gente boa que trabalhou lá. Foi uma coisa muito interessante. Neste meio tempo, eu entrei no mestrado na FGV e falei: “Agora eu vou fazer o mestrado na FGV enquanto eu trabalho”, quase fiquei maluco. Um dia eu recebi um convite para participar de um concurso para fazer o mestrado e terminar a tese na Itália pelos 500 anos de Colombo. Isso foi em 1992, quando fez 500 anos a descoberta da América. E aí eu ganhei, e neste tempo eu já ia casar e tal, aí eu falei: “Vamos casar e morar na Itália para fazer este mestrado”. Tirei uma licença da Bunge e fui fazer este mestrado de um; acabei ficando um ano e dois meses onde eu tinha uma tese e tinha que desenvolver a tese baseado em Gênova. E foi muito legal, porque daí eu fui para Gênova, que é uma cidade pouco conhecida da Itália. Até um pouco agressiva, porque tem um centro medieval muito grande. E eu fui morar em uma cidade próxima que se chamava Rapallo, que se chama Rapallo porque está lá igualzinha, porque lá não muda nada que é do lado de Portofino, Santa Margherita Ligure, o lugar mais bonito que eu já morei e vou morar na minha vida. Então, foi super legal. Meu filho nasceu lá, o meu primeiro filho. Então casei, fui com a minha esposa para lá, a Mônica, meu filho nasceu lá e eu fiz este trabalho que era sobre teoria dos jogos, como é que se relacionam o Banco Central e o público em uma economia indexada. Foi um negócio bem legal, uma experiência de vida maravilhosa. Você mudar de país, mudar de situação... Porque eu fui casado e ainda ter um filho, tudo diferente, tudo sozinho. Foi um período muito rico. Eu lembro deste período com muito carinho e, assim, um período muito divertido porque éramos só nós dois. Nós podíamos ir para qualquer lugar no final de semana, era tudo pertinho. O lugar é maravilhoso. Estudava durante a semana, mas estudar, por mais que você queira fazer, sempre tem tempo livre, então dá para fazer bastante coisa neste período. Depois, meu filho nasceu. Foi muito intenso estar junto, ser pai de verdade. Quer dizer, não ter ninguém em volta para ajudar faz muita diferença: você cria uma relação muito forte com o seu filho. E ter um filho muito novo - eu tinha 23 quando nasceu meu filho, 23 para 24 - e, assim, foi uma experiência muito legal. Eu lembro com muito carinho. Voltei lá um tempo depois até para levar o meu filho e está tudo igualzinho, até o cara da mercearia é o mesmo. Então você vê porque a Itália está na situação que está, eles não se desenvolvem, não constroem nada, não mudam nada. Continua mais ou menos exatamente do jeito que está, mas para nós que visitamos de vez em quando, é impressionante. Você encontra até as mesmas pessoas, é muito legal.
P/1 – Então, eu queria voltar um pouquinho e perguntar: o que se analisava então para fazer estas projeções financeiras em uma época de inflação no Brasil? Como é que vocês viam as perspectivas? Por que também é importante você fazer estes estudos, manter uma perspectiva e fazer uma projeção?
R – O Brasil era outro. Era um Brasil muito diferente, um país onde não existia longo prazo - no máximo, médio prazo -, porque as coisas mudavam muito rápido. Se dependia muito da situação política. A inflação era muito alta e imprimia uma lógica diferente no raciocínio das pessoas. Então todo mundo sabia muito o que tinha que fazer para rentabilizar o seu salário. Para rentabilizar o seu salário, você precisava fazer aplicações financeiras, entender como as coisas estão indo. Aplica, desaplica, compra no começo do mês ou no final, que dia o cara aumenta o preço da geladeira. Se for um dia antes, você tem um desconto de 20%, porque no dia seguinte vai aumentar 20%. Quer dizer, era uma coisa surreal. Nós gastávamos um tempo maluco com esse dia a dia e esse ônus que a inflação nos imprimia, isso penalizava, especialmente, as pessoas que tinham menos recursos. Porque quanto menos recursos, menos acesso a proteções, aplicações que mantivessem o valor do seu salário. Você tinha fenômenos que nós não vemos mais. No dia do recebimento dos salários, todos os supermercados tinham filas gigantescas e todo mundo só ia para lá. Às vezes tinha aumento de gasolina e fila de quilômetros para todo mundo encher o tanque, porque sabia que iria aumentar a gasolina. O Brasil era outro. Posto de gasolina fechava no final de semana, então se você fosse viajar no final de semana, teria que ir para um lugar que certamente você conseguisse ir e voltar com um tanque só porque não dava para chegar lá no lugar e abastecer o carro. Coisas que hoje eu conto para o meu filho, ele morre de rir porque ele fala [que] não é possível, mas era assim. Você queria fazer um evento qualquer próximo do carnaval? Esquece! Porque não vai ter cerveja. Está todo mundo se abastecendo de cerveja ao longo do tempo, porque vai ter o evento do carnaval e vai faltar cerveja, gás. Faltava gás, mas não porque faltava ou não tinha produção: como tinha uma dinâmica diferente, você ia fazendo conforme dava e tentava antecipar tudo para manter valor. As coisas tinham muito valor, carro usado tinha muito valor, telefone tinha valor. As pessoas declaravam telefone na sua declaração de renda: "Tenho um telefone que vale cinco mil reais"; que absurdo, hoje você liga o cara instala o telefone. Tinha disputa para você trocar o telefone lá, era um bem aquilo. O Brasil era outro país e neste país confuso desse jeito, você entender quais fatores determinam a tendência da inflação, dos juros, do câmbio, era muito importante, muito valorizado. O economista era um cara muito consultado, que tentava entender a dinâmica do que estava acontecendo e traduzir para as pessoas se precaverem e não perderem o pouco valor que tinha no seu salário, ou comprar um imóvel na hora errada e perder muito dinheiro, porque se perdia muito valor do dia para a noite. E eu lembro que nesta época eu usava uma frase, que quando veio o Plano Real eu vi que isso tinha um fundo de verdade muito grande. Eu dizia: “O Brasil só vai ser um país decente no dia que o caderno de Economia emagrecer e o caderno Cidades do jornal ficar gordo”, porque nós só nos preocupamos com coisas que nós não temos que nos preocupar. Inflação, o que aconteceu com a cesta que mede a inflação? Isso vai mudar, vai gerar um impacto. O que aconteceu com a taxa de juros? Quer dizer, todo mundo era super economista e ninguém se preocupava se a rua estava esburacada, se tinha esgoto, se o rio estava poluído, se você tinha ciclovia ou não tinha. Quer dizer, problemas que são muito mais ligados no nosso dia a dia e muito mais determinantes para o bem estar das pessoas do que necessariamente você saber o que vai acontecer com a inflação. Como o seu salário era comido pela inflação, aquilo era a coisa que mais te preocupava. Então, eu dizia que nós tínhamos que emagrecer o caderno de Economia. Não adianta ficar dando tanta notícia. Mas, o economista era um cara importante por conta disso, determinava, traduzia um pouco do que estava acontecendo para tentar ajudar as pessoas a planejarem o seu dia a dia. E o nosso trabalho era olhar isso e falar: "Bom, tá legal. O que está acontecendo? Vamos tentar montar um modelo, ver o que se relaciona com o que, fazer uns testes para ver se realmente estas coisas têm uma relação e como nós montamos algo que dê alguma previsibilidade", porque nós estamos em um grupo industrial que precisava fazer investimentos, comprar máquinas, refazer o parque, fazer estoques, contratar, demitir pessoas. Tinha um monte de coisas que dependiam do cenário que mudava a cada quinze dias. Então se nós fossemos capazes de achar relações que nos desse algum antecedente... Acertar, ninguém queria, mas dar alguma dica do que poderia acontecer no futuro. Você toma decisões menos erradas e, nesse período, também, outra coisa bastante interessante que aconteceu é que os bancos desenvolveram muito a capacidade de processar informações. Porque se você demorasse quinze dias para compensar um cheque, aquele cheque iria valer 15% a menos. Então começou a encurtar os prazos e os bancos no Brasil se informatizaram de uma maneira com os meios que existiam na época muito rapidamente para exatamente criar esta flexibilidade. Todo o sistema financeiro que nós temos hoje, que é rápido, presta serviços, que tem pagamento de contas, que tem uma série de coisas que outros países não têm, foi desenvolvido nesta época de uma inflação maluca. Porque o sistema financeiro precisava prestar um serviço que era: “Olha como é que eu compenso as transações o mais rápido possível para evitar que as pessoas percam dinheiro. Senão o cliente não vai por a conta dele aqui, ele vai colocar a conta dele em outro lugar qualquer que faça mais rápido. Ele processa o cheque mais rápido, recebe o cheque mais rápido, paga a conta mais rápido”. E aí, muito rapidamente, o Brasil foi para as compensações de um dia, no mesmo dia. Coisas que hoje você pensa em outros países, e o Brasil já faz há muitos anos por conta da inflação. Os fenômenos que nós vivemos no passado econômico eram muito fortes. Isso é uma coisa que marcou muito este período em que eu decidi o que iria fazer. Eu estava estudando, vivi todos os problemas econômicos: Plano Cruzado, Plano Collor, Plano Verão, Plano Bresser. [Durante] todos eles, eu estava fazendo alguma coisa relacionada com o ambiente econômico de negócios, que eu me lembro bastante bem deles: as tablitas, os efeitos. Quando anunciaram o Plano Collor e bloquearam as poupanças, as pessoas do meu lado chorando porque, poxa: “Eu acabei de vender um apartamento e agora está bloqueado, eu não tenho onde morar”. Você cria uma sincronia e uma externalidade muito grande que acaba impactando a vida das pessoas. Então essas decisões são decisões que podem criar muitos problemas para as pessoas, e estas coisas aconteceram todas de uma vez porque a inflação veio muito rápida. Esta coisa perdia muito valor e você tinha que entender o que estava acontecendo. Vinha um plano, criava uma sincronia. As pessoas mudavam de situação. Quem tinha uma boa situação, ficava mal e quem estava mal, ficava bem. Você mudava a sociedade do dia para a noite. E hoje, felizmente, depois do Plano Real, nós temos uma estabilidade tal que nós sabemos para onde as coisas vão, melhor, pior, mas é um país que pelo menos nós conseguimos olhar e ter um pouco mais de decência no planejamento.
P/1 – E falando, você contou um pouco da sua experiência na Itália. Como é que você se sentiu indo morar no país da sua ascendência? Como é que foi também, depois, o período da volta? Voltar com um filho para o Brasil e as atividades que você foi buscando aqui.
R – Foi bem legal. Na verdade, eu não tinha a cidadania italiana. Como eu ia para a Itália, fui para o consulado e em tempo recorde eu consegui a cidadania italiana, que me ajudou bastante lá porque facilitou a minha circulação. O brasileiro não era exatamente, naquela época, como nós somos hoje, que está em qualquer lugar. Precisava de visto para sair da Itália e ir para a França. Então, se você tivesse o passaporte de outro país, facilitava muito a sua vida. Neste período, eu acabei fazendo uma burocracia gigantesca para isso. Aprendi um monte de coisas de burocracia e fui para a Itália. Esse voltar ou ir para o país de onde saíram meus avós, foi uma coisa interessante. Eu falava italiano porque tinha estudado no Dante, escutava em casa [também], mas era uma coisa engraçada porque não era exatamente o que eu imaginava. Eu imaginava estudar nos Estados Unidos, mas aconteceu de ir lá e os italianos tem todo um jeito deles, então você tem que entender porque o Brasil é muito parecido com os Estados Unidos no seu dia a dia, a informalidade, a maneira de tratar, o mercado de consumo. A Europa era muito mais tradicional naquela época. Hoje, acho que até menos, mas era mais tradicional. Então tinha que entender um pouco mais as formalidades, como é que a vida foi formada, a cultura foi formada naqueles lugares. Então foi um período muito rico neste tipo de aprendizado. Fiz bons amigos lá. Ter o filho lá foi uma experiência muito interessante e voltar com ele. Tudo bem, o meu pai foi me visitar e minhas irmãs também, mas quando eu cheguei é como se ele tivesse nascido de novo. Ele chegou aqui com nove meses e é como se ele tivesse nascido de novo, porque ele era uma criança nova em uma família: primeiro neto dos dois lados. Foi um negócio bem legal. E quando eu voltei para o Brasil, no final de 1993... E o final de 1993, o Brasil que eu deixei não era o mesmo que eu voltei, porque deixei um país que estava em uma confusão da era Collor e voltei no pré-Real. Já estava em gestação o Plano Real, que foi implantado em 1994. Então do ponto de vista de entender o que aconteceu no Brasil foi muito legal, porque eu tive clara a visão do que estava acontecendo antes e o que estava acontecendo depois. Eu não vivi aquele período da transição. Então, este período, eu vi de longe. Eu via as notícias, mas não tinha internet, não tinha email, não tinham estas coisas que tem hoje. Nós víamos pela televisão, às vezes alguém me mandava uma revista Veja. Então era uma coisa diferente, e foi muito legal porque eu saí daqui com um país absolutamente caótico e voltei em um país se preparando para estar em uma nova fase de desenvolvimento. Quando eu voltei para cá, voltei para a Bunge também, para trabalhar com um grupo de economistas que cuidavam da área de economia internacional. Foi bem interessante. Foi um período muito muito rico, que aconteceu muita coisa na minha vida ao mesmo tempo - naquele período. Que mais eu posso te falar? Esta volta... Na verdade, quando eu voltei, acabei começando me encaminhar para o mercado financeiro, porque aí eu fui para este grupo de economistas de economia internacional. Depois eu fui trabalhar no banco e na corretora que o grupo Bunge tinha. E aí eles venderam a corretora e eu fui vendido junto. Neste período, eu falei: “Poxa, agora ficou muito pequeno”. Eu fazia parte de um grupo grande, depois foi vendido para uma pessoa que era do banco e aí era um banquinho de 100 pessoas. “Está muito pequeno e eu não sei se eu quero mais ser economista, porque agora o mundo mudou e talvez eu tenha que tomar outro rumo na minha carreira” e apareceu uma oportunidade super interessante no ABN, que era um banco relativamente pequeno, mas participava de um grupo grande para trabalhar ligado ao “Corporate Banking”. Isso, em 1995. E eu acabei indo para o ABN; e aí começa minha história com este banco que eu trabalho hoje. Não tinha nascido o meu segundo filho, ou estava nascendo, porque foi mais ou menos quando ele nasceu que eu comecei a trabalhar neste banco. Primeiro, quando o Fábio [Barbosa] foi contratado para ser diretor do “Corporate Banking” e eu fui trabalhar com ele como assessor, meio que para fazer qualquer coisa, e aí nós fomos entender [que] era um grupo pequeno. Foi crescendo e comecei a tomar contato com o mercado financeiro de verdade e não como economista do mercado financeiro - porque aí eu deixei de ser economista. O engraçado é que não foi assim exatamente uma decisão, mas era uma coisa que me incomodava: “Eu vivo daquele caderno gordo de Economia, que eu digo que tem que diminuir. Então acho que é legal mudar”. Então, quando surgiu a oportunidade, eu acabei mudando e foi um passo para trás para começar uma vida nova em um mercado financeiro, tratar com clientes, tratar com a gestão de um banco. Na época, um banco pequeno, tinha quatro andares ali; era fácil entender o que cada um fazia, mas [foi] um período que estava acontecendo muita coisa. Foi em 1995.
[Fim da Parte 1]
[Início da Parte 2]
P/1 - Fernanda Prado
P/2 - Ana Maria Lorza
R - João Consíglio
P/1 – Então João, dando continuidade aquela primeira parte que nós paramos bem na sua chegada de volta ao Santander, eu queria que você rememorasse e nos contasse como é que foi voltar para o Santander e estar aqui outra vez?
R – De volta, não. Quando eu entrei no banco, foi em 1995 quando eu entrei no banco pela primeira vez; e, na verdade, não era Santander ainda, era o ABN Amro, que era um banco de 300 pessoas no atacado, 1000 pessoas na financeira Aymoré, um banco bem pequeno que ficava ali na [Rua] Verbo Divino. Foi quando, efetivamente, eu comecei a trabalhar em “banking”, porque antes eu trabalhava mais como economista [do] que no dia a dia do banco. E foi uma experiência bem interessante. A chegada foi meio atribulada. Na verdade, eu tinha perspectivas de ir para um outro banco, um banco americano e, de repente, eu fui chamado para vir para o banco. E aí a pessoa que me chamou não iria ficar no lugar que ela estava e ele não sabia, então ele me chamou e eu comecei a trabalhar uma semana. Ele disse: “Não, preciso de você rápido, nós temos que organizar umas coisas e tal”, e eu comecei a trabalhar lá. E aí, nessa semana, aconteceu alguma coisa que eu não sabia. Ele não me mandou no RH, não fiz nenhuma formalização: “Tem alguma coisa errada aqui. Ou vai acontecer alguma coisa comigo ou vai acontecer alguma coisa com você”. E, na verdade, ia acontecer com ele, que ia mudar de função: ia vir outra pessoa. E eu fiquei meio no limbo, porque ele tinha falado comigo e não tinha falado com mais ninguém. Foi uma situação meio engraçada. Eu fiquei meio preocupado, não sabia se eu iria continuar neste banco ou não porque não tinha sido formalizada a minha entrada. Eu já tinha começado a fazer algumas coisas, já tinha computador. Então era uma coisa, assim, do outro mundo. Eu falei com o “headhunter”, o Felipe Assunção, e ele falou: “Por que é que você vai sair daí?”. Eu disse: “Não é bem sair. É que eu nem bem entrei, estou em uma situação meio complicada aqui”. Ele falou: “Eu tenho um amigo indo para aí, eu vou pedir para ele te entrevistar e aí vocês conversam”. O amigo dele era o Fábio Barbosa, que me chamou quando chegou. Nós conversamos, e ele falou: “Eu estou chegando aqui e eu nem sei o que eu vou precisar, mas dado que você já está aqui, vamos lá, eu preciso de alguém para me ajudar no dia a dia para entender o que está acontecendo. Eu estou chegando, é tudo novo”. Na época, ele foi contratado como diretor do Corporate e Investment Bank; e ele não sabia bem como é que funcionava, então ele falou: “Bom, legal, tem alguém aqui”. E como nós tivemos uma empatia logo de cara, me contratou e disse: “Então, quando você começa? A semana que vem?.” Eu falei: “A semana que vem não, porque o meu filho vai nascer daqui a dez dias e eu só vou começar o mês que vem”. (risos) E ele falou: “Pô, você é folgado pra caramba, hein? Veio aqui, estou te quebrando um galho e você quer começar só o mês que vem?”, (risos) “Pô, Fábio, o cara vai nascer daqui a pouco, você vai me tirar este prazer?”. Ele falou: “Realmente, você tem razão”, daquele jeito dele. Ele é muito humano, né? “Realmente você tem razão. Não é todo dia que nasce um filho.” Então, ia nascer o meu segundo filho e eu comecei uns 15 dias depois que ele nasceu, e - isso foi outubro de 1995 - fazendo uma coisa que eu não sabia exatamente o que era e nem ele. Nós começamos a entender a carteira de clientes, como é que estava organizado o atendimento dos clientes corporativos, como é que nós nos organizávamos para crescer. O banco era um banco muito pequeno e sem muita representatividade, era um banco dessas representações de bancos estrangeiros no Brasil. E aí começamos a trabalhar em um projeto do Fábio, que era de fazer um Corporate Banking forte, representativo. Enfim, utilizar a capacidade do banco no mundo para atuar aqui no Brasil. No primeiro ano, foi muito organização deste mundo, do Corporate Banking, do Investment Banking, entender o que estava acontecendo com os clientes. Eu trabalhava muito para tentar entender os números e preparar as reuniões. Enfim, eu estava muito próximo dele em um trabalho de assessor, basicamente. Passou um ano, em 1996, o Fábio foi promovido a presidente do Banco, ele assumiu o banco. Eu estava ali e ele falou: “Nós temos algumas possibilidades. Você pode trabalhar comigo no banco como um todo... Você está aí, já conhece como funciona. Tem um outro cara que vai chegar”, que era o Chicão, que trabalhou aqui por muito tempo e hoje está no Votorantim. Chegou o Chicão, que era basicamente um cara comercial, e eu fazia uma função parecida com a que eu fazia com o Fábio em 1996; com a vantagem que eu já estava há mais tempo, já conhecia como funcionava. O banco era relativamente pequeno, já tinha se organizado bastante bem e começou a crescer, ganhar representatividade. Nós começamos a ter relacionamentos mais fortes com clientes corporativos, começou a [se] fazer operações interessantes utilizando a capacidade financeira no mundo. A financeira começou a crescer mais e fazer o banco também mais forte. Naquela época, poucos bancos financiavam automóveis, porque tinha financiamento de automóveis novos e usados, e ninguém queria fazer de usados. Então a financeira era uma das maiores do Brasil, senão a maior. O banco começou a crescer a partir de uma plataforma bastante pequena, tímida, mas com uma instituição internacional importante, forte, grande, que tinha vontade de crescer. Em 1997, nós tínhamos planos de crescer talvez fazendo uma aquisição e o Fábio vinha discutindo este assunto e um dia ele me chamou, ele e o Marcos Matioli, que ainda está aqui no banco, e falaram: “Olha, nós queríamos que você fizesse um trabalho aqui com a gente. Um trabalho temporário, uns três meses. Nós vamos entrar agora nas negociações, mas está finalizando a proposta para comprar um banco no Brasil; você não está a fim de ajudar?”. Eu falei: “Lógico! Três meses, vamos lá”, “Mas é temporário, depois eu não sei o que você vai fazer”, “Não tem o menor problema, eu não preciso saber o que eu vou fazer. Vamos lá porque eu acho que vai ser legal” e o banco era o Banco Real. Isso foi no final de 1997. E comecei a trabalhar com o Marcos Matioli com um trabalhinho temporário para finalizar uma aquisição que, no final, era um banco super importante. E, em 1998, as negociações se intensificaram; e finalmente, em julho de 1998 - eu me lembro bem porque foi no dia 7 de julho de 1998. No dia anterior, tinha o jogo Brasil e Holanda na copa do mundo. Então, no dia, acho que dia 7 ou 8, foi anunciado que o ABN, que era um banco holandês, estava comprando o Banco Real no Brasil. E eu tinha ido para Amsterdã para representar o Fábio em uma reunião que ele não podia ir, porque ele ia anunciar a aquisição do banco aqui; e foi bem engraçado, porque nós assistimos ao jogo com os holandeses lá e tal. Quer dizer, assistiu os primeiros cinco minutos e depois fugimos, eu e o Chicão fomos assistir o jogo em outro lugar, (risos) porque era impossível pois os holandeses estavam ficando muito bravos e tomam bastante cerveja, fumam charuto e tal, assistindo o jogo. “Se nós ficarmos aqui, vamos morrer.” (risos) Então nós fomos assistir o jogo em um hotel, e o Brasil acabou ganhando nos pênaltis. Saí em Amsterdã, as ruas vazias. Todo mundo triste. Eu pensei: “Amanhã a reunião vai ser horrorosa” ,e chegando na sede do banco - ainda era a sede antiga, em uma rua que chamava (Fupingatref?) -, era uma sede baixinha, estava a bandeira do Brasil hasteada na frente do banco e os funcionários chegando loucos da vida. Porque, imagina, tinham perdido o jogo na Copa e vendo a bandeira do Brasil hasteada. E aí que eles começaram [a] entender que o banco tinha feito um investimento importante no Brasil, que foi a aquisição do Real e aí a bandeira estava hasteada naquela noite, naquele dia em que tinham muitas coisas para fazer, comunicar todo mundo e tal. Mas a primeira sensação foi: “Como é que pode? A Holanda perdeu e ainda hastearam a bandeira do Brasil aqui”. Eu comecei a trabalhar em um projeto de aquisições. Três meses. Nós já estávamos em julho e os três meses já haviam sido esticados. E, no final, foram sete anos que eu trabalhei com o Marcos Matioli fazendo os investimentos estratégicos do banco. Então, todas as aquisições do Real, Bandepe, Sudameris, Paraiban que foram feitas pelo Real e pelo ABN, o Marcos Matioli e eu fomos as pessoas que conduziram as discussões, as propostas, “due diligence”. Então, fizemos um “due diligence” muito interessante porque o Banco Real era um banco brasileiro, muito sólido, organizado, com critério de crédito bastante estrito, quer dizer, um banco muito bom. E na época tinha tido uma consolidação de bancos que tinham tido problemas, seja o caso do Nacional, o caso do Bamerindus. Tinha alguns bancos que entraram no PROER. E o caso do Real, não; era um banco bom que foi comprado por uma instituição forte no exterior, com muito capital e que tinha vontade de crescer no Brasil. Então começou com um projeto de crescimento a partir de uma base super bem estabelecida. Então, entre a finalização dos contratos, dos “due diligence”, de nós acertarmos os detalhes; isso foi de julho a novembro, um período de trabalho muito intenso em que nós íamos para a sede do Real para conhecer o mundo novo: entendia o que estava acontecendo, discutia com as pessoas, tentava identificar junto com os auditores, advogados, onde tinha algum passivo que nós não tínhamos entendido ou que não estava contemplado nos contratos. Finalizamos os contratos e assumimos o Banco Real no dia 5 de novembro de 1998. E neste dia fomos ali na sede na [Avenida] Paulista, o Fábio, o Marcos Matioli, eu e o Felix Cardamone, que também está no banco hoje, cuidando da Financeira, e chegamos ali no terceiro andar onde era a presidência, que era um lugar... Porque o doutor Aloísio, que era o antigo controlador do banco Real, era uma pessoa muito formal. A sala tinha uma madeira escura, com salinhas escuras, secretária em um lugar [e] ele em outro, seguranças em todo e qualquer lugar. Nós chegamos ali e pensamos: “Isso aqui é um mundo novo”, porque nós éramos super informais, vindo de um banco com uma cultura de informalidade muito grande, no sentido que não tinha essa coisa de chamar as pessoas de doutor. Então, todo mundo era doutor ali no Banco Real. E nós começamos um processo de integração que, no fundo, era um banco muito pequeno, de 1.500 pessoas comprando um banco de 15.000 pessoas. Então nós tínhamos que entender como aquilo funcionava. Nós não tínhamos a menor perspectiva de chegar mudando alguma coisa. O processo todo da integração e da aquisição foi muito baseado em entender quais eram as práticas e ir às adaptando de maneira a não promover rupturas. A cultura que vivia no Banco Real era uma cultura tradicional, mineira, um pouco avessa às mudanças; e se nós imediatamente quiséssemos mudar tudo, nós iríamos criar muita resistência para o projeto como um todo. E aí fomos entendendo como é que funcionava, quais eram as relações. Participar do mercado financeiro em um banco de varejo é completamente diferente de você participar só no mundo de atacado. Os relacionamentos, a participação na Febraban, quer dizer, teve um mundo que se abriu neste período. Acho que do final de 1998 ao final de 1999, foi muito este período de adaptação. Então tinham coisas que nós aprendemos a continuar. O lugar onde o doutor Aloísio fazia as reuniões dele, era um lugar, o salão verde, e mesmo reformando as salas, mudando e tal, a sala onde o Fábio fazia as reuniões era o que nós chamávamos de salão verde porque todo mundo sabia onde era. Ele não era mais verde, (risos) não tinha mais a característica que tinha para chamar salão verde. Durante algum tempo até tinha uma mesa que era meio quadrada e que tinha um tampo verde, e nós até mantivemos por algum tempo, mas tinham coisas que eram muito da cultura que nós fomos mantendo e outras que nós precisávamos mudar. Tinha que estabelecer políticas de RH, políticas de crédito, a maneira de trabalhar, como é que se fazia o gerenciamento de risco, como é que as pessoas iriam se relacionar, que áreas respondiam para quem, organizar grade de cargos e salários, porque em um banco brasileiro de um controlador tinham muitas distorções que nós precisávamos ir ajustando. Relacionamento com o sindicato era uma coisa nova, então aparecia ali negociações sindicais: “Quem é que faz?”. “Então chama quem está acostumado, vamos entender como é que funciona.” Foi um período muito rico, de aprendizado muito intenso, por ter a oportunidade de conhecer como o banco funcionava, ter que se adaptar e tentar mudar de dentro para fora. Não era uma coisa... Não era um banco grande comprando outro menor. Quando você tem certas regras que já funcionam, acaba assumindo as regras do banco que você comprou. Nós nos adaptamos às regras que existiam no Banco Real e fomos buscando alterar, trazer coisas novas, modernizar. Fizemos projetos de reforma de agências, de mudança de visual, preparamos uma mudança do logo. Porque o Banco Real era um banco todo marrom e bege, tinha uma cara um pouco mais antiga, e aí veio o escudo do ABN que era verde e amarelo por coincidência: então isso atraia muito o público brasileiro, porque era um banco que tinha as cores do Brasil. O nome do banco era o nome da moeda que, afinal, tinha sido estabilizada em 1994, então era uma coisa recente que estava indo bastante bem. Então nós tivemos um projeto todo de mudar o banco. Na época que nós compramos, em novembro, logo depois, em janeiro, teve uma desvalorização cambial forte, mudança do presidente do Banco Central, uma desvalorização cambial. Isso foi no dia... Acho que 13 de janeiro de 1999. O Marcos estava de férias, na Disney, [e] eu estava aqui. Nós tivemos umas ofertas públicas para o público para comprar acionistas que não quisessem ficar com o novo controlador. Na época, não era obrigatório. Na verdade, não era nem novo controlador, nós tínhamos uma parceria estratégica que depois o ABN Amro acabou virando controlador, acabou fazendo uma oferta pública. E, na época, em 13 de janeiro, teve uma desvalorização e milhares ligando: “E aí, a gente para a oferta?”, “Não para. Mudou tudo, vamos refazer as contas”. A decisão foi de manter a oferta e foi muito bom porque isso deu uma estabilidade, mostrou que nós realmente estávamos aqui para valer. Não interessa uma desvalorização ou outra, quer dizer, um banco internacional chegando deu muita credibilidade para o banco. Então, 1998, 1999 foi um período de adaptação. Em 2000, eu acho que nós começamos uma fase bem interessante e marcante do banco que é a fase do banco estabelecer sua missão, seu compromisso. Nós mudamos o “brand” do banco, mudamos o logo, demos uma cara nova para o banco. Os sistemas estavam mais fortes. Nós tínhamos reforçado a infraestrutura e os clientes começaram a perceber um banco mais forte, mais estável, simpático e preocupado com questões que são do nosso dia a dia. Nós começamos a mostrar para as pessoas que não adianta ir bem em um país que vai mal, um pouco a frase que o Fábio usava: “Nós não podemos ir bem se o país vai mal”. Então o que nós fazemos para estar inserido na sociedade para ter políticas que preservem a nossa capacidade de decidir. Que cliente nós queremos trabalhar? Um cliente que faz tudo certo, que se preocupe com o meio ambiente? Um cliente que não polui o rio? Um cliente que tem valores parecidos com os valores que nós temos? Porque, afinal, esta é a função do banco: receber o depósito de quem poupa e entregar os recursos para aquelas empresas e pessoas que têm os melhores projetos, porque nós queremos receber de volta os recursos quando esses projetos estiverem prontos. Então, com isso, nós temos uma capacidade muito grande de definir para onde a sociedade vai. Se o banco emprestar para alguém que não paga impostos, trata mal os funcionários, a sociedade vai olhar e falar: “Bom, este cara tem estas práticas e o banco empresta para ele. Então se eu tiver estas práticas, está tudo bem”. Nós começamos a fazer diferente: nós não trabalhávamos com clientes que achávamos que não partilhavam os nossos valores e por outro lado, nós apoiávamos aqueles clientes que tinham os mesmos valores, estavam preocupados com o bem estar do seu entorno, do funcionário e do mundo como um todo com práticas ambientais. E aí o banco ganhou uma cara bem interessante, ficou um pouco o banco Real que acabou sendo adquirido pelo Santander. O banco Real foi o primeiro a ter preocupações com sustentabilidade, com critérios socioambientais para emprestar recursos, equipes que eram instruídas e treinadas a entender o que o cliente está fazendo de errado e o que nós podemos fazer com os nossos recursos para ajudar a, eventualmente, formalizar um projeto para formalizar a empresa ou então um projeto para não poluir o rio, fazer uma estação de tratamento. Enfim, isto são coisas do dia a dia. Como é que nós reduzimos o nosso uso de energia? Assim, algumas todo mundo faz, outras você não faz, mas como você põe um olhar de que você está efetivamente preocupado com isso? Você ajuda a construir uma cultura de um mundo melhor. Em 1999, nós começamos um pouco com esta cara no banco, esse foi um processo muito longo. Não é uma coisa do dia para a noite porque sempre tem alguém que é descrente no processo, então fala: “Olha, eu não vou abrir mão de fazer um negócio com esta empresa porque ela polui o rio. Isso não é o meu problema, é problema do governo”, aí você acaba tendo que ter desgastes internos para ver que não funciona assim. A longo prazo, esta empresa tem mais risco, pode ser que ela seja autuada, pode ser que ela crie um problema tal, pode ser que os produtos dela não sejam comprados e aí, lá na frente, ela não vai pagar de volta os recursos que nós emprestamos. Nós começamos a perceber que neste processo tinham as pessoas que realmente acreditavam, que estavam lá por convencimento, estavam convencidas de que nós podemos construir um mundo melhor; e pessoas que estavam por conveniência: “Eu estou aqui por conveniência dado que estes são os valores do banco e eu trabalho aqui. Então eu estou por conveniência”; e tem outros que eram os descrentes. Os descrentes não dão porque eles minam o ambiente. Então acabou selecionando as pessoas. E aí nós convivíamos com os convencidos e os que estavam lá por conveniência. E, ao longo do tempo, nós fomos vendo que os que estavam lá por conveniência, pelo menos tinham uma aberturazinha e, ao longo do tempo, eles foram percebendo que eram práticas interessantes. Nós conseguimos construir um banco muito baseado nos valores e que com 15.000 pessoas, na época, 20.000, 25.000 pessoas - que acho que foi o número que nós chegamos a ter de funcionários em algum momento -, você não sabe direito o que cada um está fazendo exatamente. Tem milhares de decisões em nome do banco, assinando em nome do banco, carimbando, entregando cartão com o logo do banco e nós queríamos ter certeza que estas pessoas [estavam] fazendo certo, independente de controlar o que elas estavam fazendo. Então, o mais importante era dar valores, dar treinamento de liderança, dizer quais são os princípios e fazer com que o grupo fosse tomando suas decisões ao longo do tempo de maneira a tomar as decisões certas, porque você não sabe. Hoje, nós temos 55.000 funcionários no Santander e eu não sei, sinceramente, o que cada um está fazendo hoje, mas eu tenho que ter certeza que pelo menos as indicações, os valores, o compromisso e a maneira de trabalhar que nós passamos para as pessoas vão fazer com que elas tomem as decisões corretas que eu tomaria, que você tomaria, que o banco tomaria de acordo com os valores e princípios que estamos trabalhando. Foi um período culturalmente de evolução da companhia, do banco, muito grande, porque nós passamos de um banco muito pequeno para um banco grande que vinha buscando aquisições. Eu continuei trabalhando neste processo de aquisições, então eu estava sempre participando ou da integração ou da discussão do pós venda. Ou, como é que nós atuamos no mercado? Qual é a próxima oportunidade? E aí, engraçado porque eu era uma pessoa que trabalhava praticamente sozinho. Era o Marco Matioli e eu no começo, depois nós tivemos uma equipe de, sei lá, oito pessoas - nunca foi muito maior do que isso porque as pessoas sabiam o que nós fazíamos, mas nós não podíamos conversar sobre o que estávamos fazendo. Nós discutimos várias operações e a maioria delas acaba não funcionando; você não consegue comprar, fazer uma parceria, não consegue fazer isso. Quer dizer, algumas vezes nós conseguimos. Nós conseguimos, logo depois, a privatização do Bandepe, que também foi uma integração intensa lá em Recife, que é outra cultura, uma cultura de banco estatal. Depois nós tentamos várias outras oportunidades que acabaram não funcionando, seja em privatização, seja em bancos privados. Acabamos tendo a oportunidade de comprar o Sudameris, em 2003, se eu não me engano - é, acho que foi em 2003 -, que era um banco forte em São Paulo. O Banco Real tinha uma presença um pouco menor em São Paulo e aí o Sudameris ajudou muito neste processo. E aí já foi uma integração em que o Sudameris se adaptou mais à maneira do Banco Real trabalhar uma vez que o Banco Real já era um banco maior. Então foi uma integração mais padrão do que aquela que nós tínhamos passado antes. E depois nós acabamos comprando um banco na Paraíba, que era o Paraiban, que foi um processo de privatização. Nesse meio tempo, como nós trabalhávamos muito com "valuation", entender quanto vale o banco, quanto vale a companhia, parcerias estratégicas com o cliente, enfim, a vida societária das instituições. O banco tinha na Holanda um fundo de "Private Equity", e nós acabamos fazendo alguns investimentos aqui no Brasil entre 1999 e 2002 em algumas empresas, mais para testar o mercado brasileiro. Nós achávamos que o Brasil já estava maduro e iria passar por um ciclo de investimentos muito fortes, e nós queríamos formar um fundo para aproveitar esse momento. Quando veio 2002, nós tínhamos feito alguns investimentos. 2002 foi o período da eleição do Lula, então o mercado ficou muito nervoso: o Real se desvalorizou muito por muita especulação, pois ninguém sabia o que ia acontecer, e nós acabamos não continuando nesta atividade de investimentos de "Private Equity" porque os holandeses que estavam na Holanda não conheciam o Brasil tão bem com nós que estávamos aqui. Então nós tínhamos bastante certeza que este mercado de IPOs [Initial Public Ofer] e vender ações na bolsa que iam dar saída para os investimentos que iríamos fazer, ia acontecer mais cedo ou mais tarde. E, nessa época, os holandeses falavam: “Isso não vai acontecer. Não aconteceu até agora, por que vai acontecer?”. Bom, porque não dá mais, o Brasil chegou a um ponto em que o desenvolvimento está empurrando e os políticos não vão mais conseguir atrapalhar - e um pouco foi isso que aconteceu. Na época, eu me lembro bem que nós tomamos duas decisões contrárias, que pareciam incongruentes, porque essa de não fazer mais investimentos de "Private Equity" é de alguém que não entende muito de Brasil, porque a principal atividade deles estava ligada a Europa, principalmente à Inglaterra. Eles não estavam muito preocupados com o que acontecia no Brasil. Como a operação aqui era grande, nós conseguimos manter todas as linhas, fazer muitos negócios com clientes em uma época que todos os bancos internacionais se retraiam. Então, do ponto de vista bancário, nós tivemos uma ação muito forte: nós aprofundamos muito estes relacionamentos nesta época de 2002, quando foi esse período [de] pré-eleição do Lula. Do ponto de vista de investimentos, nós falamos: “Isso aqui não é a nossa principal atividade, vamos focar em nossa atividade principal, que é a bancária". No final, o Banco Real se fortaleceu bastante nesta época de 2002, 2003 porque acabou sendo um banco que antecipou que a mudança política no Brasil não iria ser mais uma mudança que traria tantos problemas como trazia antigamente. Então nós acabamos antecipando um pouco esse processo e fortalecendo bastante o banco. Neste período que foi um período muito intenso de trabalho para mim, meus filhos crescendo e eu sempre me preocupei bastante em estar próximo deles, então era um trabalho que as vezes me exigia que eu ficasse finais de semana, à noite, porque estávamos em alguma negociação, mas, por outro lado, em outras vezes, me dava a oportunidade de eu estar próximo a eles e vê-los crescendo. Nessa época, eu queria morar em uma casa; nós compramos um terreno na casa que eu moro hoje. Minha esposa era arquiteta e nós começamos a fazer os planos e projetos: “Nós vamos morar em uma casa. Como é que vai ser?”. Ela fez o projeto e foi um período muito legal do ponto de vista pessoal, porque quando você tem planos pessoais, o mundo se preenche. Eu tinha uma atividade muito intensa. Como eu vinha tendo no meu dia a dia profissional e uma atividade muito legal de sonhar o lugar que nós íamos morar, como ia ser, no bairro que eu queria, eu morava em um apartamento em Higienópolis e queria mudar para o Alto de Pinheiros porque os meus filhos estudavam lá, então foi um período bem interessante. Eu comecei a construir em 2001, terminei em 2003, aquele caos de construção, mas foi um período muito legal. Até o dia que você muda efetivamente, você diz: “Pô, este negócio era um terreno”. O arquiteto tem esta capacidade, ele pega uma folha branca, um terreno cheio de mato e imagina um lugar onde você vai morar, onde vai viver, vai comer, enfim, passar o seu Natal. Um negócio muito legal. Então quando fica pronto é muito interessante. Como a Mônica era arquiteta, nós fizemos a maquete, planejamos muito, vimos como ia ser. Queríamos uma casa integrada, coisas que são muito diferentes. Eu era um cliente fácil para o arquiteto, que deixa fazer tudo porque eu confio muito no arquiteto,. Então foi bem legal porque a casa saiu exatamente como nós imaginávamos, com todos os problemas que têm em construção, porque é um artesanato, não é uma atividade industrial, mas muito legal porque acaba te preenchendo. Você vê que consegue fazer coisas, é uma realização pessoal muito interessante. Em 2003, eu mudei para lá. Foi uma mudança de vida interessante, porque eu ganhei muito tempo de qualidade com os meus filhos e eles ganharam tempo de vida porque passaram a viver no bairro onde estava a escola deles já, clube e tal, e acho que isso faz muita diferença em São Paulo, que já não é uma cidade há muito tempo em que você consegue ficar circulando todo o tempo. Não dá para você estudar muito longe de onde você mora, não dá para trabalhar muito longe de onde você mora. Quer dizer, a cidade é tão complexa, tão complicada que virou uma cidade de muitas cidades que se juntaram. Então a mudança trouxe uma qualidade de vida muito boa para a minha família, porque nós passamos a estar em um ambiente onde nós estávamos... Quer dizer, para eles tudo estava mais ou menos ali no entorno de Alto de Pinheiros, eu ia para a Paulista trabalhar, mas a vida estava bastante organizada. Em 2003, a minha esposa, a Mônica, identificou um nódulo no seio e teve que fazer uma cirurgia, quimioterapia. No final do ano que aconteceu isso. E aí começou um período muito duro e de amadurecimento pessoal meu e dos meus filhos. Inclusive dela e da família. Enfim, muito grande porque com 35 anos se ter um câncer não é uma coisa muito simples e nós aprendemos a viver o momento. Eu acho que isso é um pouco essencial. No trabalho, você projeta muito tempo na frente, então você faz hoje, faz amanhã. O que você faz hoje vai ter uma repercussão lá na frente, o longo prazo é importante. Na vida, o curto prazo é mais importante porque o que você não fez hoje, você não pode conseguir amanhã; e nós aprendemos isso, nós aprendemos a viver muito o dia a dia porque primeiro aquele susto de o que é e tudo vai dar certo, uma tensão e você não sabe até quando aquele processo maluco vai continuar. Meus filhos tinham, sei lá, onze e oito anos, quer dizer, muito pequenos. Nós sempre falamos tudo o que vinha acontecendo, como é que funcionava; e o fato é que nós amadurecemos como família, os laços da família ficaram ainda mais fortes. Foi um período duro, mas com uma vida muito alegre e muito intensa. Foi uma vida muito interessante porque nós aproveitamos cada minuto. Isso foi um pouco do que aprendemos neste período. Você tem que aproveitar cada minuto, não pode perder um minuto da sua vida pessoal em função de uma bobagem qualquer que você está fazendo em outro lugar. Eu falo bastante para os meus funcionários, tem gente que fica sem trabalhar e ali na frente do computador, e eu falo: “Vai para casa, você já acabou o seu trabalho. Faça o mais rápido possível. Ninguém está aqui para ficar o tempo necessário, mas sim para fazer o que precisa ser feito. E depois você tem que aproveitar a sua vida”. Eu aprendi muito isso. Minha família aprendeu muito. Foi um período muito duro e durante seis anos ela lutou contra o câncer, teve seis recidivas, metástases e tal. E, independente disso, entre uma ocorrência e outra, nós tivemos uma vida maravilhosa, os meus filhos cresceram. Ela viu os filhos crescerem e, no final, acabou falecendo em 2009, depois de uma luta muito grande. Com 41 anos, eu acabei perdendo a esposa. Uma história [que] meio que se repete porque eu perdi minha mãe com treze anos; e o meu filho menor perdeu a mãe com treze anos, mas ele já tinha treze e o meu filho maior quase dezesseis. E, enfim, já tinha amadurecido, entendido. Viveram bem esses seis anos, mas foi um período de introspecção de entender o valor que tem cada minuto que você passa com as pessoas que gosta. Então você tem que ter uma vida de qualidade. Isso é uma maturidade que você vai ganhando ao longo do tempo importante. Neste período, nós viajamos bastante, se divertiu, estivemos muito próximos - os meninos dela, de mim. Então eu me considero privilegiado no sentido que eu fiquei 22 anos com a mesma pessoa, o que acho que é um casamento quase impossível para os dias de hoje. Pouca gente tem 22 anos com a mesma pessoa. Dois filhos ótimos e uma vida de muita qualidade neste período. E, infelizmente, aconteceu. Mas, eu acho que esta questão do câncer hoje em dia é uma epidemia, tem muita gente próxima que está vivendo este tipo de problema. Eu acho que é alguma coisa na comida, alguma coisa errada nós estamos fazendo...
R – Voltando um pouquinho para o banco, em 2005, eu do nada fui convidado para trabalhar na área de produtos. Para mim era uma experiência diferente, porque eu já estava há anos e anos, sete anos trabalhando como “M&A”, como um “transactor”, uma pessoa que fazia negócios grandes. E, de repente, vem um convite do Fábio e do Berenguer para ir para área de produtos, cuidar de empréstimos. Eu falei: “Poxa vida, não era exatamente o que eu imaginava”, porque eu imaginava uma vida mais ligada a fusões e aquisições, ser um “investor banking” ou alguma coisa assim. Isto é, eu era uma pessoa que trabalhava muito sozinha. Mas na hora eu falei: “É para trabalhar em produtos de empréstimos. Quer saber? Isso aqui é um banco comercial e eu preciso ter esta experiência, porque essa é uma forma de crescer. Então vamos em frente”. Não demorou cinco minutos o pensar. Sei lá, parece meio uma surpresa, mas eu gosto de mudanças, pode ser um negócio legal; e entrar no mainstream do banco que é entender a operação em si. E aí fui para produtos, fiquei um ano como responsável por empréstimos. Depois fiquei responsável por todos os produtos. O Real tinha uma plataforma de produtos que servia o banco como um todo, desde o varejo até o atacado. E aí os produtos de cobrança, pagamento, comércio exterior, derivativos, tesouraria, todos os produtos, estavam sob minha responsabilidade em 2006. Foi um período, também, bem interessante porque eu estava muito próximo da atividade do banco, entendendo como funcionava, trabalhando com pessoas que tinham grande experiência em gestão de produtos. E aí, do lado de produtos, você sempre consegue implementar algumas coisas que impactam o banco como um todo. Se um produto não é adaptado para aquele cliente, não tem porque você oferecer mesmo que ele vá vender, porque não tem sentido. Pois o cliente, depois, vai ter algum problema. Então nós começamos a utilizar muito esses valores, princípios na determinação de o que nós oferecemos para quais clientes, um pouco do que nós chamamos hoje de "suitability". Nem todos os clientes podem comprar quaisquer produtos, nem todos têm plena consciência dos impactos que isso pode gerar no futuro; e nós começamos a fazer de uma maneira bem legal, porque isso acabou gerando uma base de clientes mais satisfeita com aquilo que nós oferecíamos. Tinha a ver com a necessidade do cliente, muito mais do que com a vontade do banco de vender esse ou aquele produto. Quer dizer, acho que foi uma iniciativa bem interessante e que acabou gerando ou reforçando os valores e princípios que a marca do banco tinha nesse período. Eu fiquei nesta área até o Santander comprar o Banco Real. Quando o Santander comprou o Banco Real, no final de 2007, começo de 2008, aí, na verdade, eu acabei tendo um papel interessante porque eu tinha experiência de aquisições de outros bancos e estava em uma área crítica, porque eu tinha todas as informações dos produtos: eu virei um interlocutor importante no processo de entender o que era o Banco Real e algumas coisas que eram críticas para o pessoal de Madrid. Então, linhas de crédito que Amsterdam dava para o Brasil, relações com os clientes, produtos específicos. Então eu acabei sendo uma pessoa que teve um papel diferente das outras integrações que eu participei, mas aí em um papel de quem dá as informações de um banco que foi adquirido. E foi muito interessante. Fui super bem recebido em Madrid, tive uma empatia muito grande com as pessoas e fui convidado para cuidar de um produto específico no que o banco chama aqui de GB&M, "Global Banking and Markets", são os clientes maiores. E aí eu fiquei responsável pelos produtos transacionais, "transaction banking", e foi muito legal porque eu me dei muito bem com a pessoa que era o "head" global desse "transaction banking". Nós tínhamos uma empatia muito grande, ele confiava muito no trabalho que nós vínhamos fazendo aqui. Tivemos um ano muito bom que consolidou uma posição junto a grandes clientes de uma maneira intensa em um ano difícil, porque você integra equipes, tem gente que fica, tem gente que não fica. Você tem que tomar algumas decisões duras, mas, no final, são coisas que nós temos que fazer. Mas, o grupo que ficou foi um grupo grande, forte e empenhado em fazer deste banco um novo banco no Brasil porque a principal característica da aquisição do Real é que o Santander não era um banco tão grande aqui no Brasil e o Real também não. Então você tinha dois bancos médios, que ao se juntarem viraram um banco grande e este banco grande tem uma maneira de trabalhar diferente dos dois bancos médios; e nós sofremos com isso, mas você tem que mudar a maneira de pensar. E não é porque você veio do Banco Real ou do Banco Santander que você tinha uma maneira diferente de trabalhar, é porque nós trabalhávamos em bancos médios. Ninguém se entendia trabalhando em um banco grande. Se fosse o Bradesco ou o Itaú que tivesse comprado o Real ou o Santander, quer dizer, a adaptação seria mais fácil, porque um banco médio entrando dentro de um banco grande é sempre mais tranquilo. Você não precisa mudar a maneira de trabalhar e nós tivemos que mudar a de todo mundo; e ao mudar a de todo mundo, você acaba criando muitos desencontros. Nós passamos dois anos entendendo onde é que estavam estes desencontros, melhorando as mensagens, comunicando melhor as pessoas. Às vezes, decisões que não eram para ser tomadas, eram tomadas porque não tinha para quem perguntar e você não sabe mais quem é o responsável. Então foi um período intenso, mas também interessante porque nós passamos a trabalhar em um ambiente diferente e ter um papel muito mais relevante no sistema financeiro brasileiro como o terceiro maior banco privado. Neste período de 2008 a 2010, eu fiquei nessa função e, por coincidência ou sorte - talvez as coisas aconteçam porque tem que acontecer -, a sede onde eu trabalhava era ali ao lado do shopping Eldorado, no que nós chamávamos de CASA 4. Um prédio pequeno de seis andares onde ficava o "Global Banking", e era muito próximo da minha casa. Eu estava em um período muito difícil porque a minha esposa não estava bem, principalmente, em 2009, que foi o período crítico e estar ali próximo de casa fez muita diferença. Eu podia estar próximo. As coisas acontecem porque tem que acontecer. Ninguém esperava que isso acontecesse, mas, no final, a minha vida pessoal e profissional acabam se confundindo de uma maneira tal que as coisas vão para o lado certo. Eu pude ficar muito próximo, pude estar o tempo todo com ela e, ao mesmo tempo, o banco continuava aqui, as pessoas trabalhavam. Os meus diretos cresceram muito, porque tiveram que me ajudar neste processo porque muitas vezes eu não estava presente. Então, um período duro, difícil, mas que, no final, as coisas acabaram se encontrando. Em 2010, eu assumi um desafio completamente diferente, mais ou menos como me convidaram para ir para produtos, me convidaram para assumir o que era empresas, uma espécie de "middle market" na área comercial. Eu falei: “Poxa vida, depois de 15 anos aqui no banco, agora eu voltei lá para a área comercial onde tudo começou”, foi bem interessante. E aí foi uma surpresa completa, porque a equipe precisava de alguém que tomasse conta, de alguém que os apoiasse. A gestão que eles tinham era muito diretiva e autoritária, que é muito longe da maneira de como eu acho que as coisas têm que acontecer. Então eu acabei encontrando um grupo de pessoas que estava muito disposto a trabalhar, mas muito abandonado no sentido de ter uma liderança e ter liberdade para fazer as coisas. Eles tinham muito pouca liberdade. Começamos a fazer visita a clientes para entender como o banco se comportava, a maneira como nós nos organizamos para servir os clientes. Se nós realmente estávamos prestando serviço ou se nós estávamos fazendo aquilo que nós queríamos, independente da vontade do cliente. E a minha surpresa é que na área comercial, tudo o que você faz tem um impacto direto na percepção do banco: tem impacto direto nos resultados, na satisfação dos clientes, na satisfação dos funcionários. Muito mais que em produtos onde eu tinha trabalhado nos últimos quatro anos. Em produtos, você tem um monte de ideais, mas precisa da área comercial para implementar, porque, no final, a cara do banco para o cliente é a área comercial. E aí foi muito legal porque as pessoas se sentiram “empoderadas”, donas do cliente. Nós começamos a fazer um processo de valorizar aquelas pessoas que efetivamente serviam os clientes, colocar equipes de suporte, analistas - quer dizer, pessoas que trabalhassem com eles - e nós começamos a ver as coisas andarem. O banco começou a andar bastante, bem ali no "middle market", no que nós chamávamos de Empresas. E no começo deste ano, nós fundimos duas áreas o Empresas e o "Corporate". Hoje nós temos uma área “Corporate” bem grande que pega empresas um pouco menores até empresas muito grandes, e o desafio deste ano foi juntar duas equipes que trabalhavam separadas. Hoje, nós temos um time único com valores, com princípios. Eu fiquei super satisfeito agora quando eu vi a primeira pesquisa de satisfação dos clientes, que nos coloca já em segundo lugar em um ano complicado em que se teve migração de sistemas, teve problema com o “internet banking”, problemas com uma série de serviços que nós prestávamos para os clientes em função de colocar os dois sistemas agora em um só. Olhando um pouquinho, parece que eu estou refazendo uma história que eu vivi em outro papel. Lá atrás, eu via outras pessoas liderarem a mudança da área comercial, a mudança do banco, a maneira do banco trabalhar, estar preocupado com a satisfação do cliente, entender o ambiente que nós estamos, e ajudava neste processo como um todo. Hoje, eu vejo que estou em uma posição em que eu consigo fazer esta mudança. Então, toda esta experiência que, no final, você vai acumulando na sua vida, seja na sua vida profissional, pessoal, nas várias interações que você tem, acaba te levando para um lugar que você não sabe direito qual é, mas um dia você vai conseguir utilizar. E hoje eu vejo assim: as pessoas querem servir os clientes, as pessoas estão preocupadas com valores. Nós vemos que a satisfação dos clientes está melhorando, que nós não estamos empurrando nenhum produto, nós não estamos forçando nenhuma venda; nós estamos fazendo aquilo que o cliente efetivamente precisa. E aí eu acho que isso dá um sentido maior para o trabalho. Esta coisa do banco dar o formato para a sociedade, porque ele apoia os projetos vencedores, é uma coisa que eu tenho muito claro. Quer dizer, como eu trabalho com empresas, se eu trabalhar com a empresa certa, vai ter muita gente que vai copiar o modelo daquela empresa e nós vamos fazer um Brasil melhor, porque os funcionários desta empresa vão estar melhor. Porque os clientes desta empresa vão estar melhor servidos. Nós vamos estar mais competitivos, nós vamos fazer um Brasil melhor. Se eu apoiar o projeto errado, é ruim para todo mundo; para mim, porque eu não vou receber de volta. É ruim para o cliente, porque ele está entrando por um caminho que não tem sustentabilidade, e é ruim para os clientes deste nosso cliente porque irá ter um serviço de pior qualidade. Então não tem outra opção, nós temos que fazer as coisas direito. Aqui eu queria muito transmitir e fazer com que as pessoas entendessem o papel que os bancos têm em qualquer sociedade, que é efetivamente você alavancar a capacidade de geração de renda, de riqueza e de bem estar que a sociedade precisa. Se você tiver um sistema financeiro fraco e que toma decisões erradas, o que vai acontecer é que você vai gerar uma sociedade pior do que aquela que você gostaria. Então eu acho que nós temos um papel essencial, e hoje eu consigo enxergar a gente como um banco grande, eu liderando uma área importante que tem impacto em muitos clientes, nós começamos a ver que este é um processo sem volta. Quer dizer, não é mais uma opção minha a de dizer que: “Olha, nós vamos fazer certo e vai funcionar porque nós vamos dar certo fazendo do jeito certo”; não, se nós não fizermos desse jeito, ninguém vai dar certo. Então, o Brasil vai mal, as empresas vão mal e nós vamos mal. Eu acho que nós estamos em um caminho muito legal e esse é um pouco a história do Brasil. Independe se os políticos estão melhores, se estão piores, se nós vamos ter uma economia melhor ou pior, se o mundo está melhor ou pior, o fato é que nós estamos andando para ser uma sociedade melhor. Nesta sociedade, todo mundo vai ter um nível de bem estar melhor e eu acho que este é um pouco o trabalho que dá sentido para o nosso dia a dia, porque vir aqui trabalhar por nada, eu acho que não tem graça nenhuma. Chega uma hora em que você fala: “Pô, perdeu a graça”. Agora, quando você vê que as pessoas que trabalham com você estão animadas e assumindo esses valores, assumindo estes princípios, a capacidade de multiplicação é muito legal. Então isso me emociona bastante. Eu acho que eu tenho uma posição importante, privilegiada, uma oportunidade maravilhosa, e eu estou tentando aproveitar ao máximo. E aí, olhando um pouco para dentro de casa, eu vejo os meus filhos crescendo e vejo que o mesmo exemplo que eu consigo dar para os meus funcionários é o exemplo que eu tenho que dar para os filhos. Não dá para a gente ser duas pessoas. Eu vejo [que] os meus filhos, um já com 19 e o outro com 16, são homens, são pessoas maduras. Passaram por um monte de situações, mas que, no fundo, eles vão ser parte de algum processo mais ou menos parecido com este que eu estou vivendo, com princípios enraizados que vieram lá de trás, com coisas que eles viram em casa ou viveram, e que eles vão fazer esta sociedade no futuro ser mais decente. Eu vi o Presidente Fernando Henrique falar uma vez e perguntaram para ele se o país que ele deixou era um país mais rico ou menos rico, e ele falou: “Olha, eu não, Eu não estava muito preocupado se o país iria estar mais ou menos rico, mas sim eu queria deixar um país mais decente”. Eu acho que ele deixou um país mais decente e acho que nós estamos deixando um mercado financeiro mais decente, nós estamos construindo um Brasil mais decente. E isso é um caminho sem volta, porque ninguém quer ser mal, ninguém quer ser indecente. Eu acho que todo mundo quer ser bom e fazer as coisas direito. Então se nós dermos oportunidades para as pessoas, eu acho que nós vamos ter um futuro brilhante pela frente.
P/1 – Tá certo, eu queria voltar um pouquinho a questão de se olhar as oportunidades de negócios. Durante os sete anos que você trabalhou na parte de aquisições, era um momento muito intenso de você olhar e estudar essas possibilidades de negócios. Então, como que se avalia? Esse foi um caminho que você foi seguindo, mesmo na área de produtos, ou então voltando para a área de negócios. Tem que estar sempre vendo estas oportunidades de mercado na hora das aquisições de bancos. Então, como é que são feitos estes estudos? Como é que se analisam quais as perspectivas do banco?
R – Eu acho que nada cai no colo. Não tem oportunidade de negócio que passa na frente e você pega. Você tem que trabalhar para abrir uma oportunidade. Então é muito do que nós fazíamos. Eu acompanhava todos os bancos, entendia quais eram os “financials”, entendia mesmo os bancos que nós não tínhamos a menor perspectiva de comprar em algum momento no futuro. Então, sei lá, nós olhávamos o Banco do Brasil que não vai ser vendido para ninguém nunca, mas nós procurávamos entender qual era a estratégia que o Banco do Brasil vinha fazendo. A mesma coisa [com] o Itaú, o Bradesco, o Unibanco, Boston - todos os bancos que existiam na época. E aí nós começávamos a entender qual era a estratégia destes bancos. [Se] está sólido, não está sólido, está fazendo direito ou não está fazendo direito, os clientes estão satisfeitos ou não estão satisfeitos. O acionista tem necessidade de vender ou não tem, quer dizer, tem oportunidade? Legal, se tem alguma coisa acontecendo, os clientes não estão tão satisfeitos ou o acionista, eventualmente, não tem sucessor, o outro... Sei lá, os clientes não estão tão satisfeitos, mas o acionista é forte, vai capitalizar, e este cara está fora. Quer dizer, nós achávamos oportunidades por conta de estar sempre olhando o que estava acontecendo. Então a primeira coisa que nós fizemos foi criar um banco sólido, porque isso nos dá uma moeda de troca. Quando você vai comprar um banco, tem que ter uma confluência de interesses. Alguém quer vender ou se unir porque, em alguns casos; no caso do Sudameris, uma parte do preço foi pago em ações do próprio Banco Real. Quer dizer, os italianos que eram donos do Sudameris, olharam e falaram: “Bom, nós temos um banco ali e tem uma oportunidade. Porque eu acho que eu estou ficando pequeno, tem um outro banco maior que é eficiente e nós podemos ficar acionistas deste banco. Nós continuamos tendo alguma ligação com o Brasil e vou estar em um banco melhor administrado, porque isso aqui está nos sugando uma força gerencial muito grande”. Então, olhar a inserção, a sua inserção no mercado, que você está trabalhando é essencial. O que nós fazíamos neste momento era, qual é a nossa inserção? O que o banco está fazendo? Quais são as nossas qualidades? Quais são as nossas fraquezas? E como nós podemos usar isso a nosso favor de maneira a gerar, efetivamente, um novo negócio? O caso do Sudameris é bastante interessante, porque um ano antes nós tínhamos feito uma proposta e o Itaú tinha feito uma proposta um pouco melhor, e acabou levando o Sudameris, E aí passou por um período de diligência e etc., o mundo mudou, e eu não sei se o Itaú desistiu porque achou que ofereceu muito. Enfim, aconteceu alguma coisa e eu sei que, de repente, o cavalo passou selado de novo na nossa frente: “O Itaú vai desistir do Sudameris”, “Como o Itaú vai desistir do Sudameris?”. Nós já tínhamos feito todo o trabalho, já sabíamos tudo, vínhamos atualizando os estudos. Então, a oportunidade surgiu porque nós não desistimos. Nós olhamos, achamos que era importante, tinha uma coesão estratégica com o nosso plano, geográfica. “Que pena que o Itaú levou.” Aí fomos acompanhando, atualizando os estudos: “Estou achando que o Itaú não vai comprar”. Então, de repente, nós pusemos uma proposta, o Itaú desistiu e nós acabamos levando o Sudameris. A oportunidade surge do trabalho, da atenção, da maneira como você olha o lugar onde você trabalha. Se você está em uma área comercial e tem dez clientes, e tem dois, três que você tem mais empatia, que têm mais oportunidades, é relativamente fácil você se concentrar em dois ou três. Agora, se você não acompanhar todos, não entender qual é o setor deles, não estiver próximo, não fizer visitas, não for ao cliente, não entender qual é a inserção dele no mercado, quais vão ser as necessidades; como é que você vai adicionar valor e fazer uma proposta qualquer que o cliente, eventualmente, não pensou? Quer dizer, muitas vezes nós estamos levando para o cliente uma solução para um problema que ele nem identificou que ele tinha, porque é o olhar que nós temos para aquela carteira de clientes. No caso de produtos também, como é que nós adicionamos valor? Como eu faço diferente daquilo que vinha sendo feito? Porque manter é relativamente simples. Em uma instituição grande, acho que um pouco o executivo tem que ser empreendedor. Não dá para o executivo ser um executivo de manter o que já foi feito, porque aí a empresa vai morrer. Se você simplesmente ficar mantendo o que alguém já fez, o que vai acontecer é que você vai ficar desatualizado. Naquele momento, para aquela estratégia, aquela era a melhor oportunidade. Mas depois você tem que entender para onde a sociedade está andando, os consumidores estão satisfeitos com os bancos? O nível de satisfação era muito pequeno, como é que nós melhoramos a satisfação? O que nós estamos fazendo de errado? Nós estamos transferindo os nossos princípios, aquelas coisas que nós realmente acreditamos para a maneira como nós trabalhamos? Às vezes, não. Então este olhar é uma coisa muito importante, e aí as coisas vão acontecendo. Neste trabalho de aquisição de bancos, era muito engraçado porque nós achávamos que nós poderíamos nos juntar com o Unibanco de certa maneira. Fizemos propostas, discutimos. Chegou ao ponto de ter a estrutura de fusão desenhada: “É um banco que tem a ver com a gente, vai nos colocar como terceiro maior banco”. Nós não tínhamos nem ideia do que ia acontecer depois entre Santander e Real, mas, na época, Real e Unibanco parecia algo que funcionasse. Nós fizemos uma proposta, desenhamos um modelo, a maneira de fazer a aquisição e tal, e depois acabou não funcionando. O mundo andou e o Santander comprou o Real. Eu estou aqui já no Santander e foi anunciada a aquisição do Unibanco pelo Itaú. Quando eu vejo a maneira como o Itaú comprou o Unibanco: “Pô é a mesma maneira que a gente tinha discutido”. Não é porque nós discutimos e inventou, não. Nós discutimos com eles, fazia parte da nossa discussão. Nós achávamos que fazia sentido fazer daquele jeito, mas eles acabaram fazendo com o Itaú. Isso, no final, dá um super prazer; você fala alguma coisa certa nós estamos fazendo, ou com um ou com outro o que você está fazendo é adicionar valor para aquele banco que era um banco grande e que talvez não tivesse a perspectiva de se perenizar. A sustentação do banco ao longo do tempo talvez não fosse a ideal, seja porque a família controlava e precisava ter sucessores. Não tinha sucessores, estava muito na mão do Pedro. Tinha vários elementos que indicavam que algum momento eles iriam ter que fazer alguma coisa. Então me deu uma super satisfação, e dizer que todo o trabalho que nós fizemos lá atrás não foi em vão mesmo que não tenha acontecido com a gente... Quer dizer, alguém aproveitou um pouco das discussões que nós tivemos, amadureceu na cabeça deles. Ficou claro que, eventualmente, poderia sair alguma coisa naquele sentido e aí, assim, em vários outros casos. O Itaú também comprou o “Bankboston”. Nós analisamos, discutimos, achamos que poderíamos fazer, talvez não do mesmo jeito, mas quando você vê que o mercado anda no mesmo caminho que você estava imaginando, é que todo mundo está mais ou menos preocupado com as mesmas coisas e isso significa que nós como executivos, como funcionários, temos que ser empreendedores. Tem que olhar onde estão as oportunidades, e buscar essas oportunidades não significa que você vá fazê-las todas, significa que você vai estar no dia a dia, vai estar entendendo o que está acontecendo, que não está pensando nenhum absurdo. Porque quando você muito longe do que os outros estão fazendo: “Bom, entrei na estrada errada, pois não tem nenhum farolzinho lá atrás. Alguma coisa nós estamos fazendo errado”. Mas quando você vê que tem gente fazendo coisas parecidas, é muito legal. Então, eu acho que buscar essas oportunidades é alguma coisa que eu acho que todo mundo deveria fazer. E é difícil porque a tendência que nós temos é de se acomodar e falar agora está tudo certo. “Agora eu organizei a área.” O ano passado, quando eu fui para a área comercial, falei: “Passei um ano organizando a área. Agora que está tudo organizado, 2011 vai ser um ano de tranquilidade; nós vamos fazer tudo direitinho com os clientes”. E aí tem a integração e nós resolvemos juntar o Corporate, começou tudo de novo. Vamos pegar o que nós fizemos e ver o que dá para fazer. É super legal quando você tem esta vontade de fazer coisas novas.
P/1 – Certo. E você falou um pouco do processo de construção da sua casa, de você ver o terreno e ir construindo aos poucos com planos e perspectivas. E você contou em paralelo também um pouco da parte do ABN Real, como é que foi o processo de construção da marca, de adequação do logo. E como é que tem sido a construção da marca Santander agora, com a junção destes dois novos caminhos? Desse caminho de dois bancos médios para o caminho de um banco grande. Como é que está este processo?
R – Eu acho que a marca Santander é uma marca muito forte. Ela tem características próprias. Não dá para você tirar da marca Santander certas características: solidez, tradição... O banco está aí há 150 anos, tem uma série de coisas que estão inseridas na marca Santander. A construção do reconhecimento da marca, que é uma coisa que nós estamos fazendo. Na verdade, eu acho que a marca ela não é alguma coisa que você põe uma campanha de marketing e pronto, porque ninguém acredita. A construção da marca tem a ver com a construção da empresa, um pouco como a construção do João tem a ver com a construção da pessoa João. As coisas que eu vivi, vão me transformar naquilo que eu sou, melhor ou pior. A maneira como eu lidei com os desafios que me foram colocados vai me transformar na pessoa que eu sou. Eu acho que o banco é como uma pessoa: a maneira como nós cuidamos do cliente, com nós nos organizamos, a relação com os funcionários, com os fornecedores, a maneira como a gente se trata, a maneira como nós tratamos os problemas da sociedade, a maneira como nós planejamos onde nós estaremos no futuro, a maneira como nós executamos este planejamento. Porque, às vezes, você planeja e não executa a maneira como se muda o planejamento. Sua capacidade de reação, ela vai construir aquilo que nós vamos chamar de marca. A maneira como você satisfaz os clientes, vai construir a percepção que os clientes têm do banco. Isso vai estar representado por aquela marca vermelhinha do Santander. Então, a construção da marca não é solteira, ela é casada com a construção do banco. Como nós viemos de bancos que têm origens muito diferentes, um sempre foi banco privado, outro adquiriu um banco grande que era um banco estatal importante, que era o Banespa: você tem culturas absolutamente diferentes, absolutamente diferentes, e estas duas culturas têm que se entender. Elas não se entendem do dia para a noite. É um pouco aquela história do sal: você só fica amigo de alguém quando come um quilo de sal. Como não dá para comer um quilo de sal do dia para a noite, ao longo do tempo, você vai entender, ficar mais próximo, vai construir a satisfação do cliente, vai fazer uma mudança aqui, outra ali, melhorar os seus sistemas, vai colocar um produto novo, vai ter um gerente que entende melhor o cliente a adiciona valor. E aí você vai construindo a marca. Então, se nós não tivermos valores e princípios que embasem esta construção, cada um faz o que quer e esses valores e princípios não são um código de ética gigantesco, são meia dúzia de princípios que possivelmente todo mundo tem. Todo mundo quer ser profissional, honesto, transparente, competente, eficiente. Quer dizer, você tem valores, se preocupa com a sociedade. E se você perguntar para qualquer um, vai falar [que] esses seus valores são os mesmos que todo mundo tem, mas como você implementa isso, como diz, para 55.000? Que estas coisas são realmente importantes para nós, porque se estas coisas são importantes para nós, para os 55.000 que estão aqui, aí a marca vai refletir esses valores. E nós estamos neste processo de construção. Nós, ao longo destes três anos, o que temos feito é colocar esta marca para conversar com nossas atitudes. A nossa marca tem que refletir aquilo que estamos fazendo e ela vai crescer, ganhar força, ser reconhecida, à medida que a gente consiga fazer com que o banco seja reconhecido pelas coisas que ele está fazendo. Então é muito de dentro para fora. Esse é um pouco o momento que nós estamos hoje, de estar fazendo um trabalho de dentro para fora. Hoje nós temos um banco mais unido que consegue entender onde estão os valores, e aí isto está começando a permear para os clientes. Então a marca vai começar a ser melhor entendida por todo mundo, não porque ela é uma marca e nós fizemos um excelente trabalho de marketing que o cliente olha e fala: “O cara fala este monte de bobagens, mas não faz nada”. Eu acho que fazer aquilo que você fala é essencial, é o único jeito de se ganhar credibilidade.
P/1 – Tá certo. E nós falamos agora do processo de construção de reconhecimento que vem junto com a construção do banco. O que este banco precisa ter para ser perene, para perdurar e continuar na briga entre os principais?
R – O que um banco precisa ter, ou o nosso banco precisa ter: acho que tem que ter gente. Tem que ter pessoas engajadas, pessoas que tenham vontade de prestar serviço para os clientes, que são a razão da nossa existência. E se nós tivermos estas pessoas do nosso lado, com vontade, engajadas, fazendo parte do projeto, entendendo que aqui nós estamos colocando mais um tijolo na construção de um monumento, de uma catedral, de uma coisa maior. Cada um vai por o seu tijolo. Talvez nós não terminemos nunca, porque eu acho que um pouco esta coisa do terminar: “O projeto terminou”, não existe. Nós estaremos sempre em construção então nós temos que aproveitar este caminho. Como é que você aproveita o caminho, como é que você gosta da sua atividade de colocar mais um tijolinho naquele projeto como um todo? Acho que tem que ter um norte, tem que ter coisas que nos guiem, mas nós precisamos de gente engajada, precisa de pessoas que estejam satisfeitas, que gostem do que fazem, que tenham orgulho do banco que trabalham, tenham orgulho da marca que nós estamos deixando na sociedade, porque aí isso transmite para todo mundo. A perenização do banco está ligada com a nossa capacidade de transmissão e multiplicação dos esforços. Não pode depender de mim, ou do Portela; ou, no passado, do Fábio; ou de quem for. As pessoas têm que assumir o seu papel e a sua essência. Eu estou trabalhando dentro de uma organização que tem valores e princípios que eu acredito, e aqui eu estou construindo uma coisa maravilhosa que sustenta a vida de 55.000 pessoas, mais suas famílias, mais a sociedade que define quais são os projetos que nós vamos aplicar os recursos dos depositantes, que tenha orgulho daquilo que está fazendo. Eu acho que se tivermos pessoas engajadas, a sustentabilidade do banco, a perenização do banco está garantida.
P/1 – Então, eu queria saber, para ir encerrando a parte do banco, qual é o papel do líder neste contexto? O que é ser líder e atuar com as pessoas?
R – O que é ser líder? Eu acho que ser líder é servir as pessoas que estão no nosso entorno. A minha função acho que hoje é me tornar inútil. O que eu tenho que fazer é fazer com que as pessoas que estão realmente no dia a dia, que estão trabalhando, elas tenham certeza de que as decisões que elas estão tomando são as melhores. Tenho certeza que o banco vai apoiá-las, quer dizer que tem outras pessoas aqui dentro. No momento que você está com o cliente, tem certeza que a estrutura do banco vai te apoiar e isso vai fazer com que a gente satisfaça o cliente. A função do líder é servir este grupo de pessoas que acabam materializando a nossa marca lá na frente. Eu acho que se nós aprendermos a servir; e se tivermos humildade, tranquilidade e firmeza de valores, a liderança está dada. Ela não é uma pessoa, ela é mais do que isso: é a segurança de que aquela pessoa que está trabalhando tem. De que qualquer coisa que ela fizer, vai ter o suporte da instituição que está por trás. Ela sabe que ela pode fazer a parte dela, colocar o tijolinho dela, que alguém vai colocar o segundo tijolo e que este prédio que estamos construindo irá funcionar.
P/1 – E como você vê o Banco Santander daqui a uns 15 ou 20 anos? O papel dele ou como vai estar o posicionamento.
R – Eu acho que o mercado brasileiro é um mercado já bastante consolidado. Eu vejo o banco Santander crescendo mais do que a concorrência. Eu acho que nós temos muito a fazer. Eu acho que daqui a 20 anos nós podemos estar como primeiro ou segundo banco do país, com certeza. Agora me interessa menos se nós vamos estar como primeiro ou segundo banco e mais que nós vamos ser um banco em que as pessoas se orgulhem de ser clientes, que indiquem para os seus parentes, amigos e que tenham a certeza de que aqui sempre vai ter alguém olhando para a sua necessidade. Evidente que tem um encontro de interesses. Uma empresa só existe porque ela está prestando um serviço ou vendendo um produto que aquele cliente precisa, então tem um encontro de interesses, mas o ideal é que nós consigamos ter um grupo que seja reconhecido como um banco que se preocupa com as tuas necessidades. Porque se nós tivermos isso, nós vamos construir uma nova maneira de fazer banco no mundo. Eu acho que nós perdemos muito tempo entre o básico que sempre foi rentabilizar os recursos e facilitar os investimentos. E, enfim, todas as pirotecnias que o mercado financeiro internacional acabou criando e incentivos errados que acabou criando. Eu acho que a imagem dos bancos foi muito prejudicada durante algum tempo por conta disso, e hoje nós temos a oportunidade de pegar um banco, que é um banco comercial, um banco conservador - que está ligado à atividade básica de banco -, que é o Santander, e transformar este banco no banco da confiança, da segurança, da rentabilidade dos clientes. Daqui a 20 anos, eu gostaria que nós olhássemos para trás e disséssemos: “Nós construímos um banco em que eu confio e tenho orgulho”. Os funcionários tenham orgulho de trabalhar, os clientes tenham orgulho de serem clientes. Se nós conseguirmos transformar este banco em uma instituição que gere esta confiança, acho que eu estaria muito satisfeito. E acho que nós temos condições, porque nós estamos andando mais rápido que os outros neste processo. Eu acho que nós saímos de trás com dois bancos médios e temos muita coisa para fazer. É uma maratona, não é uma corrida de 100 metros. Ao longo do tempo, nós temos que construir a base para que os que vierem em seguida consigam continuar. Um pouco na linha do se tornar inútil, o mais legal é saber que aquele trabalho que você deixou é maior que a sua capacidade de influenciar naquele trabalho, porque as pessoas já assumiram o trabalho e passaram a fazer por elas mesmas - e assim por diante. Esse é um processo que daqui a 20 anos vai nos levar a ser um banco que eu falo: “Puxa vida, eu olhava para trás e via este banco como o menor dos bancos grandes, e agora nós estamos vendo este banco ser o banco de referência”. Se ele é maior ou menor, eu acho quase que tanto faz, mas nós deveríamos ser a referência, a confiança, o orgulho de ser cliente e o orgulho de trabalhar aqui.
P/1 – Tá certo. E voltando para as questões pessoais para irmos encerrando, o que você gosta de fazer nos seus momentos de lazer?
R – Eu adoro esportes. Eu fiz judô muito tempo. Acho que eu contei aqui. Depois eu comecei a correr, porque para ir ao treino de judô, eu teria que ter um horário específico no fim do dia, mas eu não conseguia chegar nunca. Era uma confusão danada e eu acabava perdendo tempo com os meus filhos. Eu queria estar próximo deles que iam crescendo. E aí eu comecei a correr de manhã. Eu corro de manhã cedo, já fiz sete maratonas e agora eu estou muito animado com corridas de montanha. Meu filho mais velho gosta de correr, eu tenho corrido junto com ele. O mais novo também gosta. Daqui a pouco nós vamos fazer corridas em três. Agora, o meu próximo objetivo é fazer pela segunda vez uma corrida que tem entre a Argentina e o Chile, que passa pelos Andes e é super legal. Porque, são três dias: você dorme nos lagos, nos acampamentos. É super legal. Eu gosto muito da natureza, viajar é uma coisa maravilhosa e combinar fazer esportes, viajar e estar junto com a família é uma combinação ideal. E eu tenho conseguido fazer isso, porque eu vou junto com os meus filhos, vamos para lugares que talvez não fosse se não tivesse uma oportunidade específica como uma corrida ou uma caminhada qualquer, e isso é uma coisa que me dá muito prazer. Fora que eu acho que atividade física é essencial para ter energia no dia a dia. Para algumas pessoas, o corpo é o meio de locomoção para a cabeça, e eu acho que não é bem assim: está tudo ligado. Se você não cuidar bem do corpo, a cabeça começa a falhar e você não consegue ter muita energia. Eu gosto muito da natureza, gosto muito de viajar, gosto de estar com os meus filhos o tempo todo. É um prazer muito grande. Nós temos uma diferença de idade relativamente pequena, 23 anos com o mais velho, e dá para fazer muita coisa juntos ainda. Mais e mais nós estamos virando amigos e fazendo coisas em conjunto. Essa é uma coisa que eu gosto muito. Final de semana, para mim, é uma coisa sagrada. Eu acho que nós precisamos ter o tempo com a família, tempo para viajar, descansar. Acho que a noite também, você não pode ficar altas horas. É claro que, eventualmente, você tem um ou outro dia que trabalha mais [do] que planejou, mas o fato é que nós trabalhamos para viver e não vivemos para trabalhar. Então, a qualidade da vida em família e a qualidade do dia a dia, ter um tempo para você. De manhã, eu vou correr [e] estou só comigo, eu não estou pensando em trabalho. Eu não estou fazendo nada, não estou pensando em problemas que eu posso ter na minha vida pessoal, não estou pensando em nada disso, quer dizer [que] eu estou ali puramente concentrado naquele momento que é a corrida. Então, isso é quase que uma meditação. Tem gente que faz meditação, têm outros que acham outro jeito de fazer a meditação. Acho que isso me dá bastante força e é uma coisa que eu gosto de fazer. Eu gosto de ler. Eu estava até lembrando a história que eu contei para vocês de quando eu era pequeno e gostava muito de ler, eu fiquei lembrando que tinha uma coisa que eu gostava muito de fazer que eu nunca fiz com os meus filhos e não sei nem se é possível ainda. Meu pai me levava aos domingos para comprar revista na banca de jornal do aeroporto e aí ficávamos lá vendo os pousos e decolagens. Era uma coisa muito legal porque eu comprava revistas que não se achava em todos os lugares, livros, e nós ficávamos ali vendo o movimento do aeroporto. Eram outros tempos, mas era uma coisa muito legal e eu até falei: “Eu tinha esquecido de contar”, era tão legal o Aeroporto de Congonhas - ainda tem aquela característica modernista. Uma coisa que me marcou bastante. E, no final, eu tinha prazer de ir lá por causa do aeroporto, por causa do evento de estar com o meu pai e porque ali eu comprava livro, revista e depois ficava ali sonhando com as histórias. É uma coisa muito legal. Outra coisa que eu gosto muito, mas eu não faço, é escrever. Eu adoraria poder escrever mais. Aqui, no meu dia a dia, eu faço uma vez por semana um email para todo mundo, para toda minha equipe, conto o que está acontecendo na minha semana. Um email super pessoal que vai para todo mundo que trabalha comigo. O que é a minha preocupação, o que não é, o que aconteceu no final de semana, coisas pessoais. E eu gosto muito de escrever. Quando eu era adolescente, no final da adolescência, aos 18, 19 anos, escrevi um livrinho de poesia. Eu gosto muito de escrever, mas o dia a dia acaba te comendo. Eu acho que é uma atividade que relaxa muito porque você consegue imaginar coisas e situações, tentar transmitir. E você sabe que quem vai ler, vai ler aquilo com suas próprias imagens. Por mais que você transmita no detalhe o que você está pensando, é muito legal porque sempre alguém vai adicionar alguma coisa. Porque na hora que você lê, você cria o ambiente, cria aquilo que está lendo. Então acho que se um dia eu aprender a fazer esta história, talvez eu escreva alguma coisa, porque eu acho que é um negócio bem legal.
P/1 – Tá certo. E indo para uma parte mais avaliativa, quais foram os maiores aprendizados que você teve em sua carreira?
R – Eu acho que o maior aprendizado que eu tive na minha carreira é que a carreira ou a vida, qualquer coisa, nunca é de curto prazo. O que você faz hoje, um dia vai ser útil no futuro; e o que você fizer de errado hoje, um dia você vai ser cobrado ou vai te prejudicar. A visão de longo prazo eu acho que ela é essencial, nós precisamos ser pouco ansiosos. A ansiedade, às vezes, move as pessoas, mas cria muitos problemas. Então você olhar lá na frente e saber que o mundo é cheio de oportunidades. E por pior que possa parecer, o momento que você está vivendo, a vida vai seguir. Não adianta você ficar ansioso e se preocupar com o que pode vir de pior, porque se você não fizer hoje e não aproveitar o hoje, como é que vai ser o amanhã? Se você fizer tudo o que precisa fazer da maneira certa, olhando no longo prazo, você consegue aproveitar hoje com mais qualidade. Este é um aprendizado que vale para a vida, para a carreira, para o que for. Mas, acho que nós temos que olhar sempre lá na frente, aproveitar o hoje. A vida pessoal é algo que escorre entre os dedos, então aproveite o seu dia a dia, cuide do seu corpo e olhe para frente, porque vai ter muita coisa para fazer. A vida é uma maratona, não é uma corrida de 100 metros. Acho que este é o nosso dia a dia. Todo mundo que maximiza o curto prazo acaba pagando um preço muito alto, pequenas espertezas vão causar grandes danos no futuro. Então é melhor você ter certeza do que está fazendo e sempre se comportar de acordo com aquilo que você acredita, com os valores que você quer para você e sua família, para os seus filhos, para a sociedade que você vive ou na empresa que você trabalha. Os valores não podem ser dois: em casa eu sou bonzinho e no trabalho eu sou mal, ou vice versa. Não dá para dividir o ser humano. Você tem que ser um ser humano só que tem uma vida, um valor que vai te guiar na vida como um todo.
P/1 – Qual você considera a sua principal realização?
R – Minha principal realização é ter dois filhos que estão virando homens. Acho que esta é a realização de qualquer pessoa. No fundo, você vê que eles podem ser muito mais que você, que eles crescem, tomam as decisões deles e que você conseguiu de algum jeito colocar uma semente: aquele raciocínio, aquele juízo de valor que vai fazer ele tomar uma decisão certa na hora certa. Eu acho que a minha maior realização não está realizada, mas ela está a caminho, que é transformar meninos em homens; e perenizar a existência, porque, no fundo, nós somos passageiros. O que nós deixamos aqui é um pouco o valor, sua contribuição. E os filhos, acho que são a principal realização de qualquer pessoa. Eu tenho muito orgulho dos meus e não tem nada nada que possa competir em grandiosidade como ter um filho e ter orgulho deles quando eles crescem.
P/1 – Tá certo. E o que você acha dessa iniciativa do banco resgatar sua memória através da trajetória dos que estão aqui no cotidiano?
R – Eu achei maravilhoso. É um momento muito legal. Eu queria parabenizar vocês, é um trabalho excepcional. Acho que nós perdemos um pouco desta história contada. Essa vida de televisão, rádio, internet, as pessoas não sentam para contar histórias e contar histórias é como o mundo se desenvolveu. O mundo se desenvolveu através da história contada. Ela nunca é perfeita, tem um monte de situações ou detalhes que cada um poderia contar - eu vou sair daqui e lembrar de um monte de outras -, mas o fato é que é super legal. Vai resgatar uma história que você viveu, coisas que aconteceram, coisas interessantes. Outras não, o que te preocupava naquela época. Depois, enfim, isso fica. Eu acho que fica e é um trabalho excepcional. Nós deveríamos fazer isso sempre. A memória é algo que a gente não tem só para a gente, nós precisamos deixá-la para os outros. Eu estava achando aqui que uma hora e meia era pouco, mas agora eu acho que dá pra nós ficarmos conversando aqui por muito tempo. Então, eu acho muito legal. Muito obrigado.
P/1 – E antes de terminar: então, o que você achou de ter participado desta entrevista, desses dois encontros?
R – Eu achei ótimo. Estou super satisfeito e acho que deveria fazer uma vez por ano para a gente poder contar mais. Muito bom. Muito obrigado.
P/1 – Tá certo. Então, em nome da Vice Presidência de Marca, Marketing, Comunicação e Interatividade, e também em nome do Museu da Pessoa, a gente agradece sua entrevista.
R – Obrigado.
[Fim do depoimento]
Recolher