P/1 – Senhor Nestor, pra começar eu gostaria que o senhor dissesse seu nome completo, local e data de nascimento.
R – Meu nome é Nestor Jost. Nascido na Vila de Candelária, antigo distrito de Rio Pardo, em 10 de janeiro de 1917, no fim da Grande Guerra. [RISOS]
P/1 – Em qual estado que fica?
R – No Rio Grande do Sul.
P/1 – E quais são os nomes dos seus pais?
R – Reinaldo Jost e Ernestina Jost.
P/1 – E qual era a atividade profissional dos seus pais?
R – Meu pai tinha uma pequena casa de comércio e exercia também agricultura. Era plantador de fumo, profissão em que eu também me iniciei.
P/1 – E a mamãe?
R – Era doméstica.
P/1 – E qual é a origem da família do senhor?
R – Alemã. Origem alemã.
P/1 – Mas os seus pais migraram ou nasceram aqui?
R – O meu bisavô era alemão, meu avô já era brasileiro. Minha mãe, embora brasileira já de terceira geração, tinha sotaque alemão [RISOS]. Mas meu pai falava bem. Um dos meus avôs era inspetor de ensino, na época, ele caprichava no português. Sabia mais do que muito bacharel de hoje.
P/1 – A gente vai voltar nisso. O senhor tem irmãos?
R – Tive cinco irmãos. Agora só sou eu.
P/1 – Todo mundo era...
R – Tinha uma irmã mais velha e um irmão mais moço e duas irmãs. A última irmã faleceu há pouco tempo, com 84 anos.
P/1 – Pessoa forte, heim? Agora a gente vai falar um pouquinho, então, da infância do senhor. O senhor lembra como era a casa do senhor, quando era criança?
R – Sim. Eu morava na rua principal, que era a única da minha vila [RISOS]. E tinha muitos amigos e era um moleque, como costuma ser o rapaz do interior. Acho que a minha maior pureza foi ser _________ do Flamengo de Candelária [RISOS]. Me iniciei no futebol aos 12, 13 anos. Quando cheguei aos 15 já era jogador importante para o time.
P/1 – Nossa. E em que posição você jogou?
R...
Continuar leituraP/1 – Senhor Nestor, pra começar eu gostaria que o senhor dissesse seu nome completo, local e data de nascimento.
R – Meu nome é Nestor Jost. Nascido na Vila de Candelária, antigo distrito de Rio Pardo, em 10 de janeiro de 1917, no fim da Grande Guerra. [RISOS]
P/1 – Em qual estado que fica?
R – No Rio Grande do Sul.
P/1 – E quais são os nomes dos seus pais?
R – Reinaldo Jost e Ernestina Jost.
P/1 – E qual era a atividade profissional dos seus pais?
R – Meu pai tinha uma pequena casa de comércio e exercia também agricultura. Era plantador de fumo, profissão em que eu também me iniciei.
P/1 – E a mamãe?
R – Era doméstica.
P/1 – E qual é a origem da família do senhor?
R – Alemã. Origem alemã.
P/1 – Mas os seus pais migraram ou nasceram aqui?
R – O meu bisavô era alemão, meu avô já era brasileiro. Minha mãe, embora brasileira já de terceira geração, tinha sotaque alemão [RISOS]. Mas meu pai falava bem. Um dos meus avôs era inspetor de ensino, na época, ele caprichava no português. Sabia mais do que muito bacharel de hoje.
P/1 – A gente vai voltar nisso. O senhor tem irmãos?
R – Tive cinco irmãos. Agora só sou eu.
P/1 – Todo mundo era...
R – Tinha uma irmã mais velha e um irmão mais moço e duas irmãs. A última irmã faleceu há pouco tempo, com 84 anos.
P/1 – Pessoa forte, heim? Agora a gente vai falar um pouquinho, então, da infância do senhor. O senhor lembra como era a casa do senhor, quando era criança?
R – Sim. Eu morava na rua principal, que era a única da minha vila [RISOS]. E tinha muitos amigos e era um moleque, como costuma ser o rapaz do interior. Acho que a minha maior pureza foi ser _________ do Flamengo de Candelária [RISOS]. Me iniciei no futebol aos 12, 13 anos. Quando cheguei aos 15 já era jogador importante para o time.
P/1 – Nossa. E em que posição você jogou?
R – Meia. Me arrependi de não ter seguido a carreira. Naquele tempo não havia oportunidade de jogar nos clubes italianos. Mas, depois, estudei em Santa Cruz do Sul. Pra justificar mais ou menos, pra vocês terem uma idéia da época, Candelária dista 30 quilômetros de Santa Cruz, onde eu fiz o curso elementar. A condução era uma diligência puxada por sete mulas e que levava quase um dia inteiro. Trecho que hoje se faz em 20 minutos de automóvel. Lá terminei meu curso elementar e voltei pra Candelária, mas sempre com vontade de... Meu pai queria que eu ficasse. E eu estabeleci uma lavoura de fumo que foi próspera. Mas não estava satisfeito. Então, fui pra Porto Alegre ver se arranjava um emprego, que eu queria tirar o curso secundário. Não arrumei um emprego. Procurei um emprego e não arrumei, então sentei praça no exército. E dali fiz o curso secundário como soldado, cabo e sargento do Sétimo Batalhão de Infantaria de Porto Alegre que era próximo ao Ginásio Anchieta onde eu estudava. Dali tentei, por conselho dos militares, fazer o curso militar. Vim pra o Realengo, não fui aprovado no exame de saúde, então, voltei pra Porto Alegre. Depois de passar alguns meses da faculdade do Rio, voltei pra Porto Alegre e concluí meu curso de direito na Faculdade de Direito de Porto Alegre. Nesse tempo, já é grande parte como delegado de polícia. Cargo a que ascendi por concurso, em 1938. A minha tentativa de ser militar foi em 1937. E nem tinha terminado o meu curso de direito quando fui promovido a prefeito de São Lourenço do Sul. Lá estive até a queda de Getúlio Vargas do governo, em 1945. Foi outubro de 1945, que Getúlio foi deposto e os prefeitos foram todos depostos também, juntos. Estabeleceu-se um governo judiciário e entreguei o cargo de prefeito ao juiz e posteriormente, decorrida a eleição e eleito o Presidente Dutra, estabeleceram o sistema de nomeação dos prefeitos, mas eu não quis voltar. Nessa hora, preferi me dedicar a uma plantação de arroz que me dava um bom rendimento. Então achava que o meu futuro era a agricultura mesmo. Eu já tinha plantado fumo quando menino, depois chegando a São Lourenço era o maior supridor de batata inglesa do Rio de Janeiro, na época. Eu aprendi a plantar batata. Depois me meti em plantação de arroz e plantei até uma grande área de arroz, em São Lourenço, em Jaguarama e em Rio Grande, quando fui eleito deputado federal. Nesse tempo que eu tinha granja de arroz era prefeito ou deputado estadual na assembléia do Rio Grande do Sul. De 1947 a 1950 eu fui deputado lá. De 1950 a 1961 fui deputado do Rio e Brasília. Em 1961 eu renuncio ao mandato pra ser diretor do Banco do Brasil e estive como diretor até 1967 e de 1967 a 1974 como presidente. Fui o diretor de maior duração no banco, passando por quatro governos: João Goulart, Castelo Branco, Costa e Silva e Médici. Conclui meu mandato no banco em 1974, fui candidato ao senado pelo Partido Social Democrático, no Rio Grande do Sul, e fui derrotado. Festejei a derrota no mesmo dia porque vi que podia me livrar da vida política porque político enquanto tem êxito não consegue se livrar, sempre tenta. O partido tenta aproveitar o prestígio pra fazer voto. Como eu já tinha sido derrotado, aproveitei pra me afastar da vida política e comecei a trabalhar na iniciativa privada. Daí me dediquei a várias funções depois disso.
P/1 – Nossa, o senhor nem precisa de roteiro, mas eu vou ter que voltar um pouquinho, tá? Deixa eu voltar lá pro Sul, onde estava quando era jovem, que o senhor fez a faculdade. Tem uma parte no nosso trabalho, que a gente tá dando um enfoque pra esse bioma, que a gente chama de pampa, que é o Sul, né? O que vem à sua lembrança quando falamos pampa? Que imagem vem? Que paisagem que vem?
R – A paisagem do Rio Grande é muito variada. Como eu nasci em Candelária, no centro do estado, depois fui político em Cambuçu, em Pelotas, em São Lourenço, no sul do estado, à margem da Lagoa dos Patos. Depois fui plantador de arroz no Taím que hoje é um reduto de defesa ambiental. Então, como deputado, eu sempre percorri todo o Rio Grande do Sul e me acostumei, tanto com o pampa, que são aquelas coxilhas variadas, como com o mato da serra. Na minha época havia muita mata no Rio Grande do Sul. Essa foi hoje substituída pela soja.
P/1 – E animais, a fauna... O senhor lembra? Tinha alguma particularidade?
R – Não, eu era rapaz igual aos outros da minha cidade, convivendo com os amigos, jogando futebol, morava na margem de um rio, Rio Pardo, que no verão se fazia aqueles passeios campestres e natação. Não tive nada extraordinário. Só sempre com o desejo de sair de lá e estudar.
P/1 – Por falar em estudar, por que o senhor escolheu direito?
R – Porque não tinha recursos para estudar medicina. Eu, olhando as profissões, a minha opção seria engenharia. Mas tanto engenharia como medicina exigiam frequência. E eu era muito pobre, não tinha recurso, só servia no exército, era cabo, o ordenado dava pouco, né? Então, preferi fazer concurso pra delegado de polícia, com a renda melhor e me matriculei na faculdade de direito. Mas eu primeiro tentei ser militar por conselho dos militares. Não fui. Não fui por minha vontade médico. Por deficiência de recurso. E fui bacharel, também por não ter outra opção melhor, na minha opinião, pra viver. Pra ganhar pra poder manter uma vida digna. Bem, mas a verdade é que eu nunca exerci a profissão. Como eu era agricultor profissional, a minha tendência sempre foi pro lado da agricultura. E como eu fui delegado de polícia, depois prefeito, depois deputado, estava proibido de advogar. Então me matriculei na Ordem dos Advogados do Rio Grande do Sul, em 1941, no ano da minha formatura e nunca tive a oportunidade de advogar.
P/1 – E com relação à agricultura, que o senhor colocou que trabalhou com arroz, com batata. Que significa isso pra o senhor, quando o senhor lembra desse trabalho? Qual o significado disso?
R – Olha, os meus avós trabalhavam duramente na lavoura e meus pais também. Então, eu também achava que aquilo era um futuro, só que eu fui mais ambicioso e tive mais sorte. Eu fui logo um agricultor mais possante. Vamos dizer, um agricultor comercial. Comecei a plantar arroz em larga escala e tive sorte na atividade agrícola.
P/2 – Que outras plantações tinham na sua região?
P/1 – Plantações, além do arroz, do fumo, tinham outras plantações na região que o senhor morava?
R – Não. Na minha região tinha fumo, arroz e gado, quando eu era moço. Depois fui pra Cambuçu, era mais ou menos a mesma atividade, acrescida mais de batata inglesa. E São Lourenço também, a mesma coisa. Eu sempre vivi em lugares assim, de pecuária e arroz, principalmente. E batata inglesa, que na época não se plantava batata no Paraná, quase toda batata de suprimento do Rio vinha do Rio Grande do Sul.
P/1 – E como era, assim, o dia-a-dia na casa do senhor quando era pequeno? Vocês levantavam que horas? Iam pra roça? Como era esse dia a dia, o senhor lembra?
R – Ó, meu pai era comerciante também, tinha uma casa de comércio. Então, eu levantava cedo, varria a loja e ficava trabalhando. Ele saia muitas vezes e eu ficava. Com sete, oito anos já trabalhava no balcão. E fui trabalhando assim até agora. Não parei ainda. [RISOS]
P/1 – Mas quem ia plantar? Você ficava na loja e quem ia pra plantação?
R – Meu pai sempre exercia uma lavoura em sociedade. Ele possuía terras, sempre tinha sócios que plantava. Ele administrava a lavoura. Ele não exercia diretamente a enxada.
P/1 – Senhor Nestor, quando olha pra trás, esse passado, da infância, qual é a lembrança mais marcante? O que o senhor mais gosta de lembrar? Assim, uma brincadeira ou fato, o que vem à mente? Uma festa? Aliás, tinha festas quando o senhor era criança?
R – Havia festas, no Rio Grande do Sul sempre... Muita festa. Toda pequena vila lá tem um clube social ou dois ou três. Às vezes, separação: clube dos pretos, clubes dos brancos. Mas todo povo é muito alegre. Tanto que as tradições gaúchas hoje são cultivadas em quase todas as cidades do estado. A lembrança é uma lembrança comum de juventude. A única coisa é que eu gostava de estudar. Me destacava um pouco dos meus amigos mais malandros do que eu, que preferiam não estudar. Não tem mais.
P/1 – O senhor tinha uma matéria predileta?
R – Não, não tinha. Mas eu tenho um caso que gosto de contar. Numa escola particular, professor tinha uma galena. Naquele tempo não havia rádio nenhum na minha terra. Então, como melhor aluno de matemática, ele me deixava ouvir na galena. Já havia Rádio Nacional no Rio e a El Mundo em Buenos Aires. Então, eu podia ouvir o rádio como prêmio pelas minhas notas em matemática.
P/1 – E tinha muita concorrência na sala, pra poder ouvir a rádio, não?
R – Não, a galena era uma opção que...
P/1 – Mas, ninguém disputava com o senhor, um coleguinha?
R – Ah, disputavam. Todos queriam ouvir. Professor dava aquilo como prêmio.
P/1 – E uma coisa, o senhor falou que gostava de jogar bola. E se lembra de outras brincadeiras? Que brincadeiras que tinham aquela época?
R – Eu acho que era mais o jogo de futebol. Já na época nossa diversão de domingo era futebol.
P/1 – Era campinho de...
R – Tinha campo, tinha um campo.
P/1 – Olha, eu adorei o senhor falando das festas, se puder falar um pouco mais, maravilha, porque imagina, aqui só tem paulista, mineiro...
R – Depois que eu relatei as festas eu vou relatar um fato importante da minha vida. Em 1925, eu devia ter oito anos, houve uma invasão revolucionária na minha terra. E os meus amigos vizinhos, moravam no quarteirão de trás, numa casa de madeira. A casa foi toda metralhada. Eu fiquei muito preocupado. Minha mãe me botou debaixo da cama, mas eu fiquei preocupado com os meus amigos. Afinal, não morreu ninguém, eles eram Chimangos e eu era Maragato. Os revolucionários levaram o telégrafo e a cidade continua em paz. E me sobrou o apelido. O general que tomou conta lá da revolução era Antonio Neto, então eu passei a ser chamado de Neto. Até hoje... Até hoje não porque quase não tem mais ninguém da minha idade lá em Candelária, mas quando eu ia a Candelária mais frequentemente, todo mundo me conhecia por Neto, por causa do General Neto, que depois que ele foi embora eu montava num petiço, botava um lenço vermelho que era proibido e provocava a polícia [RISOS]. A polícia que eram dois ou três só. [RISOS]
P/1 – Mas o lenço era proibido? Como é que foi isso?
R – O governo Borges de Medeiros era muito duro e os revolucionários eram perseguidos pela polícia. Então, como houve a invasão e a evasão também, eles foram embora e só levaram o telégrafo. E eu no dia seguinte, montei num petiço, botei um lenço vermelho e fui provocar a polícia [RISOS]. De fato, do Rio Grande do Sul, havia muita revolução. No fim da década de 1890, quando chegado o ano 1900, havia uma grande escassez de comida e roupa em todo o mundo. E houve uma grande imigração européia para a Austrália, para o Canadá, pra Argentina, pra América do Norte e alguma para o sul do Brasil. Mas, os brasileiros, na época, estavam sempre em revolução, a Revolução de 1890, 1893, 1895. E os argentinos vendiam carne, lã e couro por preço assombroso, mais ou menos parecido com o que houve o ano passado aqui, no mundo inteiro também com o preço das matérias-primas. Então, houve um enriquecimento muito grande da Argentina e Rio Grande do Sul, que tinha a mesma produção de ovelhas e de gado e de couro. Não progrediu porque tava sempre brigando. Essas revoluções terminaram, começaram em 1835, e eram periódicas, porque quando não era a revolução, foi a Guerra do Paraguai, que também levou quase todos os gaúchos pra lá. E, depois, em 1895 até 1925, que a minha terra foi invadida.
P/1 – E na escola, quando o senhor estudava, se falava assim? Falava essa parte da história pra as crianças? O senhor lembra disso? Contava-se isso?
R – A gente sempre tinha a mania de valente, né?
P/1 – Como era isso?
R – Os rapazes, pra se fortalecer perante as moças e tal, tinham que demonstrar valentia, ainda que fosse de garganta.
P/1 – Vou perguntar uma coisa que eu tenho uma curiosidade, em relação às músicas de lá. Porque as músicas gaúchas têm um ritmo diferente. Não tem?
R – Tem.
P/1 – O que o senhor lembra das músicas? O que o senhor ouvia? Como era isso?
R – Os bailes se davam, geralmente, em salões que não havia calçamento. O pessoal ia pro baile com o sereno da noite, pegava poeira no sapato. Então, lá pelas tantas tinha que parar o baile pra varrer o salão porque todo mundo já tava com a cabeça cinzenta de poeira [RISOS]. Então, eram umas músicas, assim, música da época. Não havia muita variedade de música. Como era uma colônia alemã, predominava a valsa.
P/1 – E como eram os namoros, assim, como é que era isso? O senhor namorou bastante?
R – Bastante. [RISOS]
P/1 – Como foi isso?
R – Foi normal, como todo jovem, né?
P/1 – É, mas era uma coisa mais discreta. Só podia pegar na mão, né?
R – Não, não podia não. Você sabe o que é "rouge"?
P/1 – Que é "rouge"?
R – "Rouge" era uma pintura que as moças punham. Quando uma moça punha "rouge" pra ficar mais corada, a gente começava a falar mal dela. [RISOS]
P/1 – Deixa eu voltar uma coisa. O senhor ficou morando mais tempo no Rio Grande do Sul, um bom tempo no Rio Grande do Sul, antes de vir pro Rio, né? Quando o senhor veio pro Rio, o senhor lembra qual foi a principal diferença que sentiu?
R – Do Rio Grande do Sul?
P/1 – É, pra cá. É que os dois são Rio, né? Do Rio Grande do Sul pro Rio de Janeiro.
R – É. Eu vim para o Rio de Janeiro em 1950, como deputado do PSD [Partido Social Democrático]. E percorria sempre o Rio Grande, primeiro como deputado estadual e depois como candidato. E não notava grande diferença, a vida em Porto Alegre era uma vida um pouco mais austera que a vida do Rio de Janeiro. O carioca era mais festeiro. A primeira impressão que o gaúcho tem quando chega, ainda hoje, é de que o carioca é alegre, festeiro. Mas, na minha época, havia muitos cassinos, havia muitas boates. Em 1950 isso. O Rio de Janeiro era muito mais alegre. A favela era um local de diversão, de música, de serenatas. Hoje a favela é o lugar mais perigoso. A diferença primordial do Rio de Janeiro, que eu notei, havia favela. Favela era um morro, que tem lá perto da Central, onde algumas pessoas se hospedavam no morro, mas eram bem acomodadas. E os poetas até cantavam e decantavam a favela. Agora a cidade está tomada de favelas. Houve uma invasão muito grande quando o Rio ainda era capital. O nordestino todo pegava um Ita do Norte e vinha pro Rio de Janeiro. Depois da mudança da capital para Brasília, diminuiu bastante a corrida dos nordestinos para o Rio. Eles foram embora para São Paulo e Brasília. Brasília primeiro e, depois da construção de Brasília, pra São Paulo. Mas, aqui o desamparo do governo, a falta de residência fez com que a população se acomodasse nesses morros aí. O crime é favorável. No Rio Grande do Sul não ia ser possível existir uma favela no modelo que existe aqui no Rio de Janeiro.
P/1 – Deixa eu voltar um pouco sobre a carreira política do senhor. Como se envolveu na política?
R – Desde moço.
P/1 – O que o levou?
R – Eu, quando era estudante, já era escolhido pra ser orador da turma, essas coisas de estudante. No clube fazia um discurso saudando a rainha. Então, eu tinha gosto por política. Meu pai chegou a ser vereador da oposição. Naquele tempo só havia dois partidos no Rio Grande do Sul, Libertador e Republicano. Mas, meu pai era oposição e eu também. Então, com a evolução houve a Revolução de 1930, o Getúlio nomeou Flores da Cunha interventor no Rio Grande do Sul. Daí ele discordou do Getúlio e fundou um partido de oposição ao Getúlio. Eu era moço, me qualifiquei pra votar no Partido Liberal de Flores da Cunha, que tinha como candidato a presidente da República, Armando de Salles de Oliveira. Aí, antes da eleição, Getúlio deu o Golpe de 1937 e eu não votei. Eu não era político profissional, mas fiz parte de uma comissão. Acho que tinha 13 ou 14 anos, uma comissão de Candelária que foi se entender com o interventor. Eu fiz parte de uma comissão dessas pra conhecer Porto Alegre. Então, tinha uma certa vocação política e que depois, quando restabeleceu o sistema, a primeira eleição em 1947, eu fui candidato à constituinte do Rio Grande do Sul. Fui eleito. Por eleitorado principalmente do interior. Eu dava preferência aos eleitores do interior.
P/1 – Mas, assim, o senhor lembra quando foi a primeira vez que teve que fazer um discurso? O que o senhor sentia, se ficou nervoso, frio na barriga, de ter que falar em público?
R – Não, eu manuseava com alguma coisa que tinha, terminava escrevendo alguma coisa. Eu nunca tive muita dificuldade pra fazer discurso não.
P/1 – Foi tranquilo?
R – É. Desde moço.
P/1 – E teve algum que foi marcante pro senhor?
R – A vida pública me deixou uma experiência muito valiosa, mas deixou também uma decepção muito grande. Porque numa câmara, no meu tempo, só tinham 350 deputados. Um conjunto de 350 homens é muito difícil coordenar e encaminhar pro rumo certo. E no meu tempo havia uma elite representativa. Hoje não se pode mais dizer que seja uma elite, hoje há uma representatividade um pouco mais ampla, vamos dizer, do pé no chão até o industrial. Mas essa junção não é apropriada pro desenvolvimento do país. Um barbeiro, um pintor de parede, um engraxate não vão legislar, eles não sabem legislar, não sabem nem ler. O que tá acontecendo no Brasil de hoje é que a maioria dos representantes do povo não tem competência para legislar, não conhece, não sabe, não conhece nem a língua, não é? De sorte que nós vemos que hoje os projetos demoram anos e anos pra andar no Congresso. E a Constituição de 1988 dispôs em vários artigos que tá lei a ser regulamentada. Vou citar uma, de greve do funcionário público. Até hoje o Congresso não... Foi em 88, já faz 20 anos, o Congresso não legislou a respeito. De quando em quando você vê a polícia fazendo greve. Único país do mundo que eu vi até hoje, em toda minha idade, a polícia fazer greve é o Brasil. Então, se o Congresso tivesse gente competente, capaz ou com espírito público, já teria regulamentado essa questão, como outras tantas questões que estão lá na Constituição. Aquilo não resolveram na hora, mas escreveram ali que ia sair uma lei complementar que não sai nunca. Até a reforma bancária, estamos falando em banco, a reforma bancária que até hoje o Congresso não resolveu, da Constituição. Não existe um Banco Central autônomo como pretendeu alguns. Também tem vários projetos circulando, mas não se aprova. Então, da política eu tirei essa lição, que o melhor para o povo seria que houvesse uma qualificação intelectual dos representantes, não fosse qualquer analfabeto eleito legislador, porque realmente ele não tem condições de legislar. E eu tenho experiência boa porque eu fui vice-presidente da Câmara dos Deputados, em 1959. Fiz toda a transferência da Câmara pra Brasília. E depois, tive o trabalho dobrado. Tive que transferir o Banco do Brasil para Brasília. Então, eu tenho duas experiências com Brasília. Uma levando os deputados, coisa muito mais delicada, porque cada deputado tem o rei na barriga. Cada um achava que era o dono do mundo e queria ficar num apartamento melhor. Essa coisa que você deve pensar da vaidade humana. E já quando foi do Banco do Brasil, todos eram funcionários, nós deixamos livre a escolha, quem não quisesse ir não ia, mas quem fizesse... Eu tive ocasião de terminar duas mil residências pra funcionário do Banco do Brasil em Brasília. E todos se acomodaram sem grande problema. Mas, os 300 deputados... Naquele tempo não havia asfalto, os móveis iam de São Paulo, do Rio, pra Brasília e chegava um móvel torto, quebrado. O deputado criava encrenca ou até atirava pela janela. Não havia disciplina. O parlamentar se julga inteiramente dono da situação. Você deve notar isso hoje ainda. Eu também já fui assim. [RISOS]
P/1 – Deixa eu aproveitar a história do banco, então, que o senhor colocou. Como o senhor foi chamado pra ser diretor do banco e depois presidente do banco. Como foi isso? O senhor lembra da sua reação, como recebeu essa notícia, como foi?
R – Eu era deputado e o Jango ia tomar posse do governo no dia 7 de setembro, às 14 horas. E havia uma pequena disputa a respeito do Ministério da Agricultura entre ele e o Tancredo, que era o primeiro-ministro. No parlamentarismo, quem forma o governo é o primeiro-ministro, o presidente apenas nomeia. Mas, tava começando... Tudo isso a gente deve se por dentro da época, que era uma época belicosa. Eu vinha de Brasília pro Rio, morava aqui e vinha com medo, sempre com medo de andar no avião, de ser bombardeado por um avião qualquer revolucionário. Então, a época era mesmo de grande apreensão. E eu consegui uma conciliação lá e o Jango então mandou que a nossa bancada, do PSD gaúcho, indicasse um diretor para o Banco do Brasil, que ele já tinha nomeado um gaúcho lá, o Ney Galvão, presidente do banco. Tinha nomeado também um gaúcho, o Leocádio Antunes, pra presidente do BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social]. Mas queria... Como a carteira de crédito agrícola tinha sido tradicionalmente ocupada por um gaúcho, na época era ocupada por um paranaense, na época da revolução. Mas, eu era adversário do Jango. Eu era PSD, ele era PTB. Mas, ele deu essa. Aí a nossa bancada reuniu-se e nós achamos que tinha um companheiro lá que era o primeiro suplente. Era contador, tinha mais qualificações, assim, bancárias, vamos dizer. E nós tivemos com ele e ele deu uma razão: o deputado ganhava muito mais do que o diretor do Banco do Brasil [RISOS]. Então, ele não aceitou. Então a bancada resolveu que seria eu. Eu era o mais moço da bancada. E então vim. Vim e houve uma oposição muito grande, de parte do Brizola, porque ele era um dos líderes do PTB e foi o líder da revolução que apossou o Jango. Na hora ele estava com muito prestígio e não convinha pro PTB gaúcho que fosse um adversário do PTB diretor. Que o Loureiro da Silva, o diretor anterior, era do PTB. Como eu era muito amigo do Tancredo também, consegui acalmar a situação e passou uma oposição do Brizola muito forte e tal, até o dia que o presidente mandou o presidente do Banco do Brasil me empossar até que houvesse a assembléia. Fui empossado então depois de uns vinte ou trinta dias de convidado, com oposição forte. Fui empossado e depois fui eleito na assembléia e reeleito até 1967, quando fui presidente.
P/1 – E quando o senhor entrou para o Banco do Brasil como diretor e depois presidente, como era o dia-a-dia do senhor no Banco do Brasil? Mudou muito a rotina de trabalho? O que mudou?
R – Pra mim mudou muito, me deu muito trabalho. Eu sempre tive o cuidado de examinar os projetos e saber o que estava fazendo, saber o que ia assinar. Só que eu tive muito trabalho dentro do banco, como diretor. E vinha também com um espírito de renovação. Como eu era cliente do banco, que conhecia a burocracia toda, via a papelada inútil e quando assumi a Diretoria de Crédito Agrícola, imediatamente eu mandei suspender uma série de papéis que eram dispensáveis. Por exemplo, um gerente do interior fazia um empréstimo, tinha que mandar uma cópia pra Direção Geral. Logo no primeiro dia que eu entrei na carteira eu vi que "Onde é que estão essas cópias?" "Ah, estão num depósito" "Então pra que essas cópias vêm pro Rio de Janeiro?". Eram setecentas agências, mais ou menos, mandando papel pra ninguém ler. E coisas, assim, corriqueira, mas eu tinha espírito empresarial, queria mostrar que o banco era viável e que eu também tinha competência pra o exercício do lugar. Tanto que logo depois da minha posse, pouco tempo depois, 1964, houve uma revolução, houve uma mudança completa no banco e eu continuei lá, né?
P/1 – O que aconteceu no banco depois de 1964?
R – Mudou o presidente.
P/1 – E no banco, qual foi a revolução?
R – Mudou quase toda a diretoria.
P/1 – Mas na prática, em relação às agências, teve um outro planejamento? Deixa eu aprofundar um pouco. O senhor falou da transferência da agência pra Brasilia, né? Fala um pouquinho mais sobre isso pra gente, como foi isso?
R – Aí já foi mais tarde.
P/1 – Isso. E como foi?
R – Eu fui Diretor do Crédito Agrícola e Industrial, aqui no Rio de Janeiro. E o banco começou a ser transferido pra Brasília naquela época, mas só foi mesmo efetivada a transferência do comando do banco, da presidência, em 1967, quando eu assumi. O meu antecessor mantinha a sede do banco no Rio. Mas foi um grupo avançado pra Brasília, na agência centro, que tinha lá pra servir o governo. E eles começaram a construir residências pro banco, mas as empresas quebraram. Também, na construção houve uma série de entraves. Quando eu assumi a presidência tive que fazer um remanejo e fazer construir mesmo, terminar, aquelas duas mil residências pra levar o pessoal. E fiz e levei mesmo. Todos ficaram. Mas logo em seguida eu propus a venda, para os interessados, da residência por preço de custo. Foi também uma grande vantagem que os funcionários de Brasília tiveram na época.
P/1 – E na gestão do senhor, que modificações que aconteceram?
(Fim do CD 01)
(Início do CD 02)
P/1 – Antes da modificação, uma coisa que foi lembrada aqui. Quando a agência foi pra Brasília, como o Rio de Janeiro sentiu isso? Porque, afinal de contas, o Rio de Janeiro era o centro, né?
R – Era.
P/1 – Como é que eles se sentiram?
R – O Banco do Brasil manteve no Rio de Janeiro o mesmo ritmo, não alterou nada. O governo é que fez falta pro Rio. O banco não. Eu digo, a primeira modificação que houve foi que o presidente achou que devia dividir a carteira e mandou que eu conversasse com o Celso Furtado. Eu era o único diretor pra dividir a carteira. Assim, nós dividimos a carteira em quatro regiões: três regiões agrícolas e uma industrial, que eu dominava em todo o país. Essa foi a primeira modificação básica da minha entrada na carteira agrícola. E o Celso Furtado era Ministro do Desenvolvimento. Feito as nomeações dos outros diretores, dividimos as tarefas mas eu notava que o banco tinha elite, vamos dizer, a elite intelectual média do Brasil estava no Banco do Brasil. Gente muito preparada, concurso muito rígido, mas eu, nomeado pra lá, pro interior da Amazônia, interior do Pará, interior do Rio Grande do Sul, perdi o contato. Então eu propus ao presidente que me desse uma verba pra fazer uma reunião de treinamento, de amalgamar o pensamento de toda essa gente que estava no interior, no pensamento do banco. E resolvi, ele me deu a verba e eu consegui fazer o primeiro curso de treinamento do pessoal do banco, no Rio de Janeiro, procurando unificar o pensamento de todos os administradores do interior, principalmente da carteira agrícola. E resultou depois na criação do departamento de preparação de pessoal, tinha uma designação especial que não está me ocorrendo, mas que foi criado antes da minha presidência, mas sob forte pressão minha pra se criar. Bom, no primeiro ano que assumi a presidência, em 1967, eu chamei mais de três mil funcionários das agências do interior pra treinar. Porque o departamento criado sob minha pressão, o meu antecessor resolveu dar bolsa de ensino na faculdade, na Universidade Católica, dar boas escolas. E eu achava que o banco tinha uma filosofia própria e que o treinamento devia ser do banco mesmo. Então, transformei o Diasp, que era o departamento. Transformei em um departamento importante do banco e só no primeiro ano de presidência chamei mais de três mil funcionários pra aperfeiçoar, pra saberem qual é a orientação. E como havia muita desconfiança interna no Banco com relação à criação do Banco Central, na minha presidência, que o banco assumiu plena responsabilidade pelos seus atos. Antes ele trabalhava para o governo. Depois do Banco Central, ele passou a trabalhar pra si mesmo, pro Banco do Brasil. Então, eu achava que tinha que criar um espírito novo. No dia da minha posse eu mandei uma circular, já era quase 40 mil funcionários, dizendo que tinha que haver uma renovação, que tinha que estudar mais, saber das coisas, tomar interesse. E caiu bem, o pessoal recebeu bem, eu fui muito bem recebido na presidência. Então, desenvolvi. Foi um sucesso. Depois, continua até hoje, eles estão fazendo treinamento próprio. Eu também tinha combinado com o presidente Costa e Silva a extensão do banco pro exterior. A razão que eu dei a ele é que depois da Grande Guerra os Estados Unidos substituíram a Inglaterra no poderio econômico mundial, através dos bancos. Citibank, Morgan, esses bancos americanos foram tomando conta e foram expulsando a Inglaterra do predomínio colonial. Digo: "Olha, nós temos que tomar posição. Vamos começar abrindo dez agências nos locais mais credenciados pelo movimento comercial do Brasil. Onde haja mais compra do Brasil". O banco já tinha uma agência em Buenos Aires e tinha Montevidéu, tinha em La Paz e no Paraguai, Assunção. Eram agências criadas pra desenvolver a __________, que não teve grande desenvolvimento. O presidente Jânio Quadros tinha determinado a abertura de uma agência no Líbano. E quando eu assumi já fazia três ou quatro anos que estavam estudando e não conseguiam completar. Eu suspendi a criação da agência no Líbano e resolvi trocar por Nova York. Então, começamos Nova York, Londres, Hamburgo, Tóquio, São Francisco, Panamá, nos locais onde havia interesse comercial do Brasil. Na época, essas agências tiveram uma grande repercussão. Eu me lembro que, um fato importante: a primeira transmissão de televisão de Nova York para o Brasil foi feita pela rádio. Era Tupi no tempo do Chateaubriand. Era Chateaubriand, queria nos cobrar muito caro pela transmissão, mas terminamos nos acertando e o Delfim falou cinco minutos e eu falei cinco minutos na transmissão, que na época só atingia Rio e São Paulo. Não havia televisão no interior ainda, né? Isso em 1970. Depois da agência em Nova York, foi um sucesso e tava na Quinta Avenida, num local especial e, assim, eu procurei situar muito bem as agências de Paris e de Hamburgo. E locais apropriados, com vista que o brasileiro chegasse lá e se entusiasmasse. E nesse período houve também a crise do petróleo e houve, então, abundância de recurso no mundo. A criação de vários bancos de investimento se efetuou na época. E eu fiz uma negociação com um banco inglês, que não progrediu. Então, um dia me encontrei com o Claus, que era presidente do Banco da América, era o maior banco do mundo na época. Conversamos e chegamos à conclusão que precisava ter um banco pra financiar na América do Sul. Um banco de investimento. Então o Claus era o Banco da América, maior do mundo; o Deutsche Bank, maior da Alemanha; o UBS, maior da Suíça; o Nacional de Paris, maior da França; e o Banco do Brasil, maior da América do Sul. Bem, faltava um banco japonês. Na época, havia muita resistência à incorporação dos japoneses, mas eu tinha interesse, porque o Brasil tinha uma colônia japonesa muito grande e eu achava que o Japão era um... Como o Japão não tem terra, seria um cliente. Já era na época o maior cliente da Vale do Rio Doce, mas seria um cliente potencial pra outros produtos brasileiros. Então, criamos também a agência de Tóquio. E assim funcionaram essas dez agências. Depois foram ampliadas e o banco chamou-se Eurobraz, o banco que nós fundamos com sede em Londres. Eu fui eleito presidente e fizemos financiamentos grandes pra Itaipu, pra Vale do Rio Doce, pra fazer a ferrovia do Carajás e diversas usinas hidroelétricas do país. Foi um movimento muito grande, utilizando o "eurodólar", nós fazíamos um sindicato de banco sob o comando do Eurobraz. Assim, trouxemos muitos recursos para o Brasil e para outros países. Inclusive, quem emprestou dinheiro pro Paraguai se associar com o Brasil pra construir a usina de Itaipu foi o Eurobraz. Foi uma sociedade de cem milhões de dólares. O Paraguai não tinha, o Brasil entrou com cinquenta e emprestou cinquenta pro Paraguai. O Brasil deu o aval. E fizemos a usina de Itaipu. Foi porque havia mesmo entusiasmo na ocasião e o desenvolvimento do Brasil chegou 14% no ano de 1973. Porque nós estávamos empolgados com o desenvolvimento e o Banco do Brasil, então, era mais ou menos um fulcro: se você olha na história, depois da vinda de Dom João VI, vê aquele debate na imprensa e no parlamento, o assunto principal sempre era o Banco do Brasil. Ou contra ou a favor, era o Banco do Brasil. Nem era do Brasil, o banco. Eram bancos privados que se chamavam Banco do Brasil. Só começou existir Banco do Brasil com dinheiro público em 1906. Este banco que está aí hoje foi criado pela fusão do Banco da República dos Estados Unidos do Brasil com o Banco do Brasil. Logo no início da República o Ruy Barbosa era liberal e permitiu a abertura incontrolável de bancos. E logo foi uma quebradeira muito grande de bancos. E pra salvar o Banco da República dos Estados Unidos do Brasil e do Banco do Brasil, que não eram públicos, o governo se metia, nomeava diretor, mandava, mas não tinha dinheiro lá. A primeira vez que o governo pôs dinheiro no Banco do Brasil foi em 1906. O projeto de 1905, em 1906 ______________ Banco do Brasil e que foi dada uma quantia pelo Banco da República e uma quantia pelo Banco do Brasil. Como os acionistas não subscreveram tudo e tinham reservado 1/3 pra União, a União ficou com a maioria, por desleixo dos acionistas. Então, daí começou uma vida nova, em 1906, que é a mesma que existe hoje com o governo dominando o banco. Mas até 1965, o banco funcionava mais como repartição de governo. De 1975, com a criação do Banco central, foi se dando uma independência relativa. O ano de 1965, 1966, foi transição. No ano 1967, que eu assumi a presidência, começamos a operar câmbio por conta do próprio banco, botamos agência no estrangeiro, pra captar recurso pro Brasil e mobilizamos o banco, ficamos independentes do governo. E aquele susto, aquele receio que os funcionários tinham de que o banco fosse quebrar, tornou-se entusiasmo. Todo mundo trabalhava com muito ardor. Eu me felicito porque durante os sete anos que fui presidente do banco tive um prestígio danado. O pessoal do banco trabalhava com amor pelo banco.
P/1 – Deixa eu te perguntar uma coisa, teve uma dúvida que surgiu. Porque foi nessa época que aconteceu da criação do Banco Central, a extinção da Conta Movimento. O que era essa Conta Movimento?
R – Essa Conta Movimento tem uma história muito mal contada. Na hora da criação do Banco Central houve um ajuste de contas. O banco do Brasil executava o orçamento do governo. Então, o Banco do Brasil ficou devendo uma quantia ao Banco Central. Ficou combinado, como havia aquele mal-estar do pessoal do banco, o governo foi camarada, cobrava 1% do Banco do Brasil. E o Banco do Brasil quando emprestava pro governo, emprestava a seis. E eu fui o principal acusado de utilização da conta de movimento porque excedia, às vezes, os empréstimos. O banco trabalhava dentro de um orçamento e quando havia uma emergência qualquer usava um pouco da Conta de Movimento. Mas não trouxe nenhum prejuízo. Única coisa que existia é que ela não obedecia aos limites fixados pelo conselho monetário. E eu, depois que deixei o Banco do Brasil, fui membro do conselho monetário em 1980. Então, conheço bem essa história da Conta Movimento, quando o Mílson resolveu acabar com a Conta Movimento, tá? Mais por quizila dele com o presidente do Banco do Brasil, que era o Camilo. Eu acho que por razão fundamental. Ele hoje justifica, já escreveu até um livro a respeito. Mas eu acho que a Conta Movimento não prejudicou nada o Brasil, pelo contrário. Dou um exemplo concreto: Eu tinha verificado numa revista que a cotação da soja era 100, 110 dólares a tonelada e o Brasil importava trigo a 50 dólares, 55, né? E, às vezes, até trigo importado a trinta anos de prazo. Então, eu fui incumbido pelo presidente do banco de gerenciar a política de trigo, por delegação do Ministério da Agricultura ao Banco do Brasil. Mas o trigo dava 600, 700 quilos por hectare, não dava pra manter produção de trigo. Aí houve um escândalo muito grande no trigo, eu nomeei uma comissão do banco, foi pra lá resolver o escândalo e estudou a situação e achou que o trigo só prosperaria, como cultura de inverno, se acoplasse uma cultura de verão. Levamos todos os outros produtos e chegamos à conclusão que o produto que valia dinheiro na época era a soja. Ninguém conhecia soja no Brasil. A cozinha brasileira era toda de banha. Banha, óleo de algodão, algum em São Paulo. Mas durante a guerra não tinha jeito de levar óleo de algodão pro Rio Grande do Sul. Lá era banha ou sebo de boi. São Paulo era banha e óleo de algodão. No Nordeste também algodão ou então mamona. Mamona não, é o óleo esse, gordura carioca que tinha aqui… Babaçu, era babaçu. Então, era o que predominava. A soja já existia no Rio Grande do Sul, mas as sementes levadas pra lá não aguentavam a maturação. Antes de amadurecer abria o cacho e o grão saltava. Então, o agricultor tinha que colher duas ou três semanas antes e levar pro lugar limpo pra secar. Quer dizer, era um trabalho medonho, mas tudo era atrasado naquela época, aquilo me impressionou muito. E eu, então, comecei a conversar com o pessoal dos institutos de pesquisa, tinha a Escola Agronômica de Pelotas, o Instituto Agronômico de Campinas. E vi que era possível tratar a soja em melhores condições. E fizemos um incentivo, soja no verão e trigo no inverno. Isso foi mais ou menos em 1962 que nós começamos. Em 1965, já dava 1500 toneladas. Em 1970 deu um milhão de tonelada. Quando eu saí do banco, já tinha nove milhões de toneladas. Já era o principal produto do Brasil. E o trigo não prosperou. Porque no meio da campanha que eu vinha fazendo pra plantar trigo e soja juntos, a soja disparou no preço e os agricultores ganhando dinheiro plantando a soja sozinha, sem o trigo. E o trigo continua órfão até hoje. Hoje ainda, o Brasil continua sendo o maior importador do mundo de trigo. E nós fizemos tudo o possível pra plantar mais trigo, mas nunca o trigo teve a compensação financeira do produtor. Pessoal não planta mais trigo no Brasil porque não ganha dinheiro no trigo. E na soja muitos ganharam.
P/1 – Deixa eu voltar uma coisa. Quando o senhor falou de modificações, teve um outro aspecto das modificações, por exemplo, o atendimento. Mudou o atendimento balcão? Queria que o senhor falasse um pouco sobre isso, sobre a criação do cartão Ouro. O senhor lembra dessas modificações que foram incorporadas no banco?
R – Se eu for contar, eu cheguei no banco, o banco era um banco público, né? Era uma repartição pública. Até um dia eu fui a Buenos Aires e vi que o banco La Nación parecia uma repartição do Correio brasileiro, naquele tempo era muito anarquizado. Era também uma repartição pública. Mas, então, tinha que dinamizar o banco e eu introduzi o caixa executivo. Logo de saída. Porque eu tinha experiência e já tinha seis anos de diretor do banco. Conhecia tudo. No Rio de Janeiro o banco tinha 17 agências. A principal, na Primeiro de Março, altamente lucrativa, porque lidava com o governo. As outras todas negativas, dando déficit. Aí conversando daqui e dali eu pensei num cartão. Mas naquele tempo não havia, como hoje, computador pra tirar cartão. Nós pensamos num cartão, aí chamei lá um grupo de funcionários. Tudo o que eu fiz no banco não fui eu que fiz não. Eu gosto de ressaltar isso. Às vezes tinha uma idéia, chamava um grupo dos que eu achava mais capazes e discutiamos as ideias em comum. Então, resolvemos criar um cartão Ouro. Esse cartão Ouro foi um sucesso. Eu nomeei uma comissão de cinco funcionários pra percorrerem o comércio pra credenciar e os comerciantes se agradavam de __________ "Banco do Brasil me procurando". Eles se sentiam orgulhosos. E deu um lucro danado porque as agências, era o seguinte: tinha o direito ao cartão Ouro todo aquele que tivesse depósito no Banco do Brasil e o limite dele era a metade do depósito que tivesse. Não tinha risco nenhum pro banco e dava um certo status para o cidadão. Que antes o cidadão reclamava no interior, "o agricultor chega aqui, levanta quinhentos mil cruzeiros, eu quero levantar cinco, não posso? Sou engenheiro, sou médico". Com o cartão resolvia esse problema. Então todas as agências no Rio de Janeiro passaram a ser superavitárias com esse cartão. ____ Também o banco... O banco não tinha marca. E eu tinha espírito criativo, então, abri um concurso prometendo dar um prêmio de um Volkswagen pra quem apresentasse melhor proposta de logotipo. Foram quatro mil proposta, parece incrível. Tá lá nos anais do banco. Não é? Daí nomeei uma comissão de oito, dez artistas aqui do Rio pra selecionar. Selecionaram 20 propostas e submeteram à diretoria, que terminou optando por essa, que tá vigorando hoje, que eu acho que é o fato mais importante que eu tive no Banco do Brasil, introduzindo essa logomarca, que tornou o Brasil e o banco conhecido em todo o mundo. Na olimpíada da China, agora, eu vi o logotipo do banco com muito orgulho, né? E foi um concurso, assim, ______ ganhou um Volkswagen, não me lembro mais o nome do brasileiro que ganhou [RISOS]. O segundo prêmio ganhou quinhentos réis.
P/1 – E foi na gestão do senhor também que aconteceu o primeiro concurso que as mulheres puderam participar. Como foi isso?
R – Primeiro concurso que mandei realizar, o presidente ficou acessível e eu tinha me perguntado um dia, "por que é que mulher não é admitida no Banco do Brasil?" E eu não sei, realmente, não sabia. Uma vez houve uma falta de gente, lá por 1935, 1936, e o banco contratou umas pessoas e entraram algumas mulheres. Aí elas ficaram. Então, quando chegou a hora do concurso, eu me lembrei que o presidente queria mulher no concurso e admiti. Houve uma certa resistência do pessoal do banco, uma resistência um pouco forte, mas, depois serviu, né? E hoje as mulheres predominam. Aquelas que entraram no meu concurso já estão todas aposentadas [RISOS]. Tem fatos, assim, que se deram porque a época era propícia. O banco tava se emancipando, criou-se o Banco Central e era preciso mostrar, e o pessoal tinha vontade de mostrar que o banco tinha condições, e tinha mesmo. O pessoal do banco era um pessoal de elite. Hoje não tem mais. Naquela época eles ganhavam um pouco mais do que a média. Hoje não tem mais isso. Pessoal do banco não ganha mais muito. Ganha mais que os outros banco, mas não mais do que as grandes firmas, grandes empresas, né?
P/1 – E dessa época toda da sua gestão, o senhor lembra quais é que foram os principais desafios que o senhor teve quando o senhor foi presidente?
R – O desafio era constante. Porque eu tinha que selecionar e tinha que todo mês viajar pra um estado. Eu procurava conhecer as pessoas mais capazes. O Maírson conheci numa reunião numa agência do interior da Paraíba. Aí eu chamei o Camilo Calazans, que era meu assessor, falei: "Aquele sujeito ali. Convida ele pra ir trabalhar no Rio". Foi até Ministro da Fazenda. O ____________ trabalhava na Bahia. O gerente me _______"Tem um rapazinho muito inteligente" "Então manda chamar". Não estava, o malandro estava na rua. Não tava na hora certa. E dia seguinte apresentou-se. E terminou sendo diretor do banco, saiu do banco, foi ser diretor da Volkswagen, né? Tornou-se um homem notável. Todo mês eu viajava pra um estado e procurava, nas reuniões, distinguir a pessoa mais competente pra me ajudar a administrar o banco. Então, esse que era o meu papel.
P/1 – Por curiosidade, o Banco do Brasil, nas suas várias agências, na sua atuação, a gente sabe que existe um padrão. Mas, o fato de ter um jeito no Nordeste, um jeito no Sul, um jeito na Amazônia... Existe uma diferença da atuação, o jeito dos funcionários agirem com os clientes, existe uma particularidade que o senhor teve que lidar, alguma coisa assim?
R – Eu acho que sim.
P/1 – Como era?
R – O pessoal do banco não era muito acostumado a lidar com a sociedade em geral. Eu acho que o cartão Ouro democratizou mais os funcionários do banco na minha época. Depois disso, depois que eu saí do banco, também, não sei porque eu não frequento mais o banco, não sei bem.
P/1 – Mas, na época que o senhor tava atuando chegou a pegar, por exemplo, abertura de alguma agência em uma cidade pequena, a dificuldade. O senhor lembra de algum fato?
R – Muitas cidades pequenas eu... Começa que o banco era muito mal instalado. Logo que eu assumi eu fui visitar uma metropolitana de São Paulo e rasguei o meu casaco num prego, que tinha um eucalipto escorando uma parede lá. Isso não pode ser. Então, elaborei um plano de construção de prédios pro banco. Pras agências do interior, um prédio simples, meio quadrado e tal. E construí trezentos prédios durante os sete anos que fui presidente do banco. Depois disso, o banco continua na política de construção. Hoje o banco sempre tem boas sedes. Mas, tem muito mais agências hoje, o banco tá com mais de duas mil agências. No meu tempo, quando foi criada a primeira, vamos dizer, a raiz do Banco Central, em 1945, o banco tinha dez mil funcionários. Quando eu assumi a presidência, tinha 40 mil. Quando eu saí tinha 40 mil. Mas, eu ampliei a atividade do banco com a mecanização. Fui eu que comprei os primeiros computadores pro Banco do Brasil. Não havia computadores, _______________. Foi uma luta que o banco não admitia profissionais de fora. Eu tinha que aproveitar os concursados do banco. Mandei ver quem era engenheiro primeiro. Todo funcionário engenheiro foi trabalhar no serviço de computação. Mandei preparar as salas. Tinha que preparar as salas grandes, com ar-condicionado, computador. Era precioso, né? Hoje em dia é uma coisa mais moderna, ninguém mais tem idéia do sacrifício que foi naquele tempo.
P/1 – E aonde que começou essa...
R – Olha, o dia que eu recebi o primeiro fax foi... Já passava 1970. Primeiro fax fui eu quem recebi no Brasil. Não havia isso. Hoje o fax é coisa mais corriqueira que tem, né? Uma ligação telefônica não era possível. Eu mesmo nomeei auxiliares pro banco, aprendizes, pra levantarem o fone do telefone, pra poder consegui algumas ligações. Era muito difícil uma ligação telefônica. Mesmo pra São Paulo era muito difícil. Por resto do Brasil nem se fala. Pedia de manhã, ia conseguir de noite. Então, o Brasil todo evoluiu muito desse tempo. E eu tive a sorte de entrar justamente na hora dessa evolução. E com pessoal competente me ajudando.
P/1 – Então, porque o primeiro curso de implantadores, que teve no Banco do Brasil, foi em 1966. Foi na gestão do senhor, não foi?
R – Foi.
P/1 – O senhor lembra como foi isso?
R – O concurso?
P/1 – É, assim a idéia de se ter isso, de treiná-los...
R – Precisava fazer o concurso pra preencher as vagas. E no edital eu permiti que as mulheres se matriculassem. Fizessem o concurso.
P/1 – O concurso, aquele interno dos implantadores de sistema. Implantador de sistema, que é o pessoal que começou a mexer com equipamento e tal. Isso também foi em 1966. Foi na época do senhor, né?
R – É. Foi
P/1 – O senhor lembra alguma coisa disso?
R – Sim. O banco procurava... Era obrigado a se defender com o seu próprio pessoal. Eu fui várias vezes com o Colin, que era diretor administrativo, visitar o Bradesco, que era o primeiro banco que se mecanizou. Eu era muito amigo do Amador Aguiar e ele me recebia muito bem, almoçava lá com ele, mostrava, ele tinha orgulho de mostrar a organização. Eu aproveitava o ensinamento de lá e o Colin também e aplicava no banco. Então, o Bradesco nos serviu de exemplo na mecanização. Vê que a gente aproveitava todas as ocasiões pra fazer um banco comercial e um banco lucrativo. E, no meu tempo, quando eu saí, as ações do banco eram __________ na bolsa. Todo mundo queria ser sócio do banco.
P/1 – Uma outra coisa que o senhor contou pra mim. Desculpa eu vou explorar um pouquinho. Porque o Banco do Brasil, as agências, elas foram abertas de acordo com os ciclos econômicos, não tem essa história que o pessoal conta em relação ao ciclo da borracha, o ciclo do café, porque tem número um no Rio, número dois em Manaus. Tem essa relação?
R – Até 1906 não era Banco do Brasil, era banco do Rio de Janeiro. Desde a fundação o banco não queria filiais. Foi e criou a primeira filial ali em Santos por causa do café. E em Manaus e Belém, por causa da borracha. Com a derrocada da borracha, ficaram aquelas duas agências lá e o banco começou a criar outras. Depois de Santos, criou São Paulo, criou Porto Alegre e foi criando nas capitais. Mas, veja que em 1945, quando criada a __________, que foi a pedra fundamental do banco, o banco só tinha dez mil funcionários naquela época, tinha poucas agências. Não sei quantas eram, mas eram poucas. Foi se desenvolvendo depois. Depois de criar a carteira agrícola, o banco teve um surto de desenvolvimento muito grande nas cidades pequenas, né?
P/1 – O senhor contou bastante causo aqui, na sua visão, hoje, como vê a importância do Banco do Brasil pro desenvolvimento do próprio país? Como o senhor vê a importância do banco?
R – O Banco do Brasil foi sempre uma alavanca do desenvolvimento. A lavoura, até a República o Brasil, era exclusivamente agrícola. Só em 1963 as estatísticas demonstram a exportação do primeiro bem industrial do Brasil. A balança comercial vivia do café, do princípio do século passado, da borracha, do algodão, do açúcar e do café. Depois a borracha desapareceu, o algodão manteve, o açúcar cresceu um pouquinho e o café manteve. O café, até 1980, representava mais ou menos 70% da exportação do Brasil. E o petróleo também representava 70% da importação. E lembre-se que o petróleo custava um dólar o barril. Não havia possibilidade de fazer a exploração do petróleo marítimo que nós estamos fazendo hoje por causa do preço. Mas era assim o Brasil, era atrasado. A política do Banco do Brasil em relação ao café foi um pouco forçada. Getúlio, em 1930, quando assumiu foi muito nas teorias “mussolínicas”, do fascismo, e começou a criar institutos. Primeiro, departamento, depois, Instituto do Café, Instituto do Mate, Instituto do Açúcar. Mas, todos esses institutos tinham base financeira no Banco do Brasil. O Banco do Brasil é que sustentava. Eu disse outro dia numa entrevista aí que o Banco do Brasil, sozinho, é responsável por toda cultura de soja no Brasil. Hoje não financia mais de 10%, que o banco limitou os financiamentos pros grandes produtores. E a soja é produto de grandes iniciativas. né? Mas o banco criou a plantação de soja no Rio Grande do Sul, trouxe pro Paraná, pra Goiás, pro Mato Grosso, para o Maranhão. O banco foi que levou com assistência técnica, claro. Porque a Embrapa só foi criada em 1973. Eu me lembro quando o presidente Médici criou a Embrapa com grande esperança, mas ela só veio funcionar no governo do Geisel, em 1976. E com grande entusiasmo do Paulinelli, que era Ministro da Agricultura, que deu força à Embrapa. Quando eu assumi o ministério, em 1984, já a Embrapa tinha uma presença maciça na lavoura brasileira. Melhorou muito. A revolução verde no Brasil se deu com a Embrapa, a partir de 1976. A produtividade da lavoura quando eu assumi a CREAI [Carteira de Crédito Agrícola e Industrial] eram oitocentos quilos por hectare e hoje é mais ou menos três mil quilos. Longe ainda da americana, mas já próxima da média mundial.
P/1 – Então o Banco do Brasil tem fator...
R – Foi fator decisivo, na soja então, foi uma comissão minha, nomeada por mim, que fez tudo, quase que obrigou o pessoal a plantar soja. [RISOS]
P/1 – Eu vou mudar um pouquinho agora, mas como é que o senhor vê a experiência que o senhor teve nessa passagem, nessa atuação no Banco do Brasil? Como o senhor vê a sua experiência? Foi boa, como avalia?
R – Parece que tive uma responsabilidade tremenda. Foi o lugar que eu ocupei na vida pública de maior responsabilidade. E eu tinha consciência da responsabilidade e tinha até um certo receio de não corresponder, né? Tava sempre atento, atendendo. E eu funcionei muito bem com o governo. Eu, como diretor, passei por vários governos, mas como presidente, logo que assumi, era o Delfim que assumiu junto comigo. Trabalhamos juntos, harmonicamente. Ele, um rapaz inteligentíssimo e também com o mesmo entusiasmo e também com o mesmo pendor pra agricultura que eu tinha. O Delfim me ajudou muito. E tinha mais uma vantagem, ele sabia que eu não aspirava ao ministério dele. Olhando pra história do Brasil, quase sempre o presidente do banco era candidato a Ministro da Fazenda. E eu nunca fui candidato. O presidente Costa e Silva era muito meu amigo antes de ser presidente. Depois ele ficou mais distante, porque é natural, mas um dia ele me perguntou se eu queria ser Ministro da Agricultura. Eu, quase que na brincadeira, digo: "Mas, presidente, o senhor quer me rebaixar, de diretor da CREAI pra Ministro da Agricultura?". E terminei sendo presidente do banco quando eu estava trabalhando por outro candidato. Eu não era candidato a presidente, estava muito satisfeito na carteira de crédito agrícola. Eu acho que me realizei ali, sabe?
P/1 – Olha, a gente vai mudar um pouquinho a entonação, sabe? Eu queria saber o que o senhor faz hoje. Eu sei que tá aposentado, mas o que é que o senhor faz hoje, qual é a atividade que o faz, o seu dia-a-dia, como é?
R – Olha, quando eu saí do banco, concorri ao senado. Perdi a eleição, felizmente me livrei de compromissos político-partidários. Então, eu fui convidado pra conselheiro de várias empresas. Eu fui conselheiro de várias empresas durante esse período longo que decorreu. Saí do banco em 1974, já faz quase meio século [RISOS] e comecei a trabalhar. Trabalhar, também, ser remunerado, porque no banco o ordenado de presidente era muito baixo. Não tinha condições de comprar apartamento aqui se tivesse continuado presidente do banco. Então, eu tive várias atividades em vários setores. Mas, eu me dediquei muito, ainda aí, à agropecuária. Como diretor da Avipal e da Granóleo, cuidava da criação de frangos e produção de óleo de soja e, também, produção de leite. A nossa firma produzia dois e meio milhões de litros de leite por dia. Esse leite que compra aí. Do Rio de Janeiro é o maior cliente da Avipal. Agora, no ano passado, a firma foi vendida, eu já tinha saído. Então, ali eu ia todos os meses ao Rio Grande do Sul e não perdia o vínculo com a soja, com o milho, que tinha que saber os preços ____________ leite. Isso foi um assunto também do meu agrado. Eu fui presidente do conselho da Bayer no Brasil durante muitos anos. Fui presidente do conselho da ___________ com a grande fruticultura, produção de mamão e de laranja. E fui conselheiro da Bangu, que era uma fábrica de tecido. A minha experiência do banco me permitiu trabalhar em vários setores. Então fui até pouco tempo conselheiro da ______________, uma fábrica em São Paulo. E outras empresas que eu também pertenci ao conselho. E agora nos últimos anos, três ou quatro anos pra cá, eu resolvi ficar só em atividade, vamos dizer, intelectual. Eu sou do conselho da Fundação Getúlio Vargas. É um lugar importante pra mim, porque me mantém atualizado. Hoje, quando vocês chegaram, eu tava com a revista, tirei a fotografia hoje com a revista. No Banco do Brasil eu saí como entrei. Não tive aposentadoria nenhuma, nem uma gratificação. Eu fui trabalhar e me aposentei no INSS.
P/1 – Então, dá pra entender. Antes de o senhor continuar essa parte muito legal que falou, uma pergunta que eu esqueci, em relação ao Banco do Brasil. Como o senhor vê o futuro do Banco do Brasil?
R – Eu vejo com bons olhos. O Brasil tá numa situação de grande desenvolvimento. Única coisa que se está faltando no Brasil, comparando com outras nações do mesmo tamanho, do mesmo poder é infra-estrutura. O Brasil não tem ferrovias, não tem rodovias, não tem transporte marítimo corresponde ao seu tamanho. O Brasil ao dia que o governo fizer boas estradas. O custo logístico do transporte no Brasil é muito caro. O povo das grandes cidades podia estar comendo muito mais barato se o governo tivesse boas ferrovias ou boas estradas de rodagem ou boa navegação. Com esta imensa costa de cinco mil quilômetros. Nós já tivemos uma marinha mercante grande, não temos mais. Hoje se transporta um saco de arroz do Rio Grande do Sul pra Recife de caminhão. O leite vem do Rio Grande do Sul pro Rio de caminhão e tem pote até de produtos, leite em pó, que vai do Rio Grande do Sul pra Belém do Pará de caminhão. Se tiver sistema de transporte marítimo adequado, o produtor teria mais lucro e o consumidor pagaria menos. Então o grande problema do Brasil é logístico. Se o governo conseguir fazer um programa logístico adequado, que o PAC [Programa de Aceleração do Crescimento] sozinho não resolve. A logística melhorou muito no estado de São Paulo, no governo Ademar de Barros. Foi o primeiro que começou a asfaltar estradas, seguindo o exemplo do Washington Luís. Washington Luís dizia que administrar era construir estradas. Ele, como presidente da República, construiu o asfalto. Naquele tempo era asfalto de cimento. Do Rio a Petrópolis, de Petrópolis a Teresópolis. Também foi só. Getúlio Vargas fez uma estrada de cimento da cidade de São Borja até o porto de São Borja, sete ou oito quilômetros. E depois fez um tipo de asfaltamento de Caxias a Porto Alegre. O primeiro asfaltamento de estrada, pra valer, aqui, Presidente Dutra fez a Via Dutra, asfaltando do Rio a São Paulo. Isso em 1950, faz pouco tempo. E, tirando São Paulo, onde todos os governadores a partir de 40 fizeram estradas novas, principalmente o Maluf, foi um grande construtor de estradas, o Ademar de Barros e o Maluf se destacam no Brasil como autor de infra-estrutura adequada ao desenvolvimento do país. Como o Banco do Brasil tem essa função e ele está compenetrado, que é o banco de desenvolvimento da pequena e média lavoura e indústria, que o banco BNDES não é grande. Acho que o Banco do Brasil tem um futuro tremendo. E vai ajudar muito o país nesse desenvolvimento. Agora dependendo sempre do governo. O banco ajuda a produzir, o governo precisa preparar o terreno pra transportar.
P/1 – Agora deixa eu voltar aonde o senhor tinha colocado. Em relação à sua vida. Como foi nesse meio todo aí a família, porque o senhor casou, teve filhos, a gente viu fotos. Como foi isso?
R – Eu preferia terminar aquela parte que, quando ele mudou...
P/1 – Então tá.
R – Então, hoje eu sou membro do conselho da Fundação Getúlio Vargas, cargo honorífico, né? Sou membro do conselho da Confederação do Comércio. Conselho técnico da Confederação de Comércio, também um cargo honorífico. Sou membro da Sociedade Nacional de Agricultura, também um cargo honorífico. E fui até poucos dias, membro da Casa do Pequeno Jornaleiro. A Fundação Darci Vargas. Então, me distraindo com isso e acompanhando a vida do país dentro do possível. Da família, eu tive cinco filhos, um homem e quatro mulheres. Tenho 16 netos. Tenho 12 bisnetos. Os meus netos, um é aventureiro, é pescador no Alasca. O outro é comerciante em Miami. O outro é engenheiro em Paris. O outro é engenheiro da Petrobras, estudando em Londres. E uma outra neta é diretora de uma empresa de finanças em Londres, também. E os outros vivem... Tenho quatro netas no Maranhão, uma médica e três advogadas. Tudo distribuído por aí. E poucos no Rio de Janeiro.
P/1 – E o senhor lembra essa história da vida como se fosse um filme? O que o senhor diria que tirou de lições dessa trajetória?
R – A experiência que a gente vai adquirindo leva à tolerância, né? E eu vejo muitos defeitos, prefeito que não trabalha, o outro malandro tirando proveito daqui e dali. Eu acho que eu fiquei mais tolerante, já fui mais exigente. Mas, acho que eu acredito que o grande mal do Brasil ainda é a malandragem, não é? Não há um espírito, vamos dizer, de disciplina. A história nos conta que a Europa, num certo período, que destacou a Prússia como principal província européia. Alemanha ainda não era Alemanha, eram várias províncias. Bismarck... Teve uma sentença lá que tinha que pagar bem os professores e aos policiais. Porque ambos eram responsáveis pela disciplina popular. E eu continuo achando que essa é a grande verdade que o Brasil precisava adotar ainda hoje. Tratar bem o professor, que ganha uma miséria e não tem condição de comprar nem um livro pra estudar e o policial, que arrisca a vida a todo momento aí, que também é muito mal remunerado.
P/1 – Bom, a gente está encerrando, o Banco do Brasil tá fazendo esse projeto, pra contar a história. O senhor faz parte da história do banco. O que o senhor acha desse projeto? De ter participado desse projeto com o seu depoimento?
R – Da história do banco?
P/1 – É. E de ter participado com o seu depoimento.
R – Eu me sinto muito feliz porque eu acho que ajudei a solidificar a existência do banco. Eu fui feliz porque eu entrei da transição em que o banco se transformou de órgão oficial num banco mesmo. Que é hoje um banco, né? O governo nomeia os diretores, mas porque têm maioria das ações. Mas é um banco importante. E com acesso. A responsabilidade de um banco, no campo da minha preferência, que é agricultura é total. Eu acho que 70% dos empréstimos agrícolas no Brasil provêm do Banco do Brasil. E no meu tempo ele se tornou o primeiro banco agrícola do mundo. O primeiro é o Crédit Agricole da França, em número de financiados, mas em valor o Banco do Brasil era o primeiro banco agrícola do mundo. E acho que ainda continua sendo assim. Hoje, se for verificar, o Banco do Brasil deve ser o banco mais importante pra a agricultura mundial.
P/1 – A gente tá encerrando, o senhor gostaria de acrescentar alguma coisa, que a gente não abordou? O senhor gostaria de deixar uma mensagem?
R – _________ já conversamos tanto, né? Eu não me lembro muitas coisas, assim, você provocou algumas coisas. O que eu acho que eu contribuí pra o banco mesmo foi no treinamento pessoal. Era uma coisa que eu tinha como princípio, quando assumi a presidência. Era unificar o pensamento. Tudo se funcionava a base de um livro. Eram as instruções. Mas, afastado do meio, a pessoa do Rio de Janeiro fazia concurso, era nomeado pro Mato Grosso, dez anos depois não sabia mais nada. Na minha época, dizia-se que depois de dez anos da faculdade o indivíduo não sabia mais nada. Hoje, eu digo daqui a um ano da faculdade já não sabe mais nada. Ontem mesmo teve uma das minhas netas aqui, eu vi um jornal ali e não sabia um telefone novo que vai aparecer aí, nem tinha idéia do que se... Ela me explicou: "Não, vô. Isso aí, eu vou ali pra praia e começo a tocar o computador por telefone". "Tá bem". Eu que me assustei do fax [RISOS]. Não tem nada importante que eu acho que você não tenha abordado aí, que numa entrevista se pudesse dizer, não é? Vocês vão ter que ordenar essa nossa conversa, sabe por quê? Ela não teve, assim, uma sequência.
P/1 – Até porque na medida em que a gente foi lembrando uma coisa foi puxando outra, mas...
R – Você depois pode fazer uma ordenação cronológica do tempo, né? Que também nós fomos falando uma coisa de 1967, outra de 1962.
P/1 – A gente gostaria de agradecer muito a participação do senhor, porque dispôs essa tarde aqui com a gente, tá? O pessoal da equipe aqui, pra gente foi um prazer.
R – É, eu tenho gosto em dar essa entrevista. Mas, lamento que pouca gente vai ler-la. Porque, o brasileiro não lê. Eu acho que não lê porque não ganha pra comprar livro.
P/1 – Mas, com certeza agora é um documento, que o senhor colocou. Está disponível pra todo mundo. Obrigada.
P/2 – Obrigado.
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