Prostituta

O interior da casa tinha paredes amarelas, vermelhas e azuis, principalmente. Nela se passou meu sonho. Eu e meus irmãos tínhamos acabado de nos mudar pra lá e estávamos todos no mesmo quarto, conversando. Enquanto eles sentados riam, eu caminhava. Fui do quarto para a porta, para o próximo cômodo e voltei. Meus irmãos tinham os rostos felizes e não se deram conta de que a casa ainda estava cheia de móveis de moradores anteriores. Sem olhar para os objetos na casa e suas possíveis histórias, ignoravam sua presença. Dentre eles haviam roupas de crianças, quadros, louças e comida na geladeira. Eu fui para um supermercado, pois queria comprar uma tinta spray para colorir mais a casa. Percebi que a tinta era muito cara e comecei a prestar atenção em um homem que também olhava produtos no mesmo corredor. Nesse momento a minha visão de alguma forma aumentou e eu entrei nas memórias dele. Quando isso aconteceu fui transportada para o lado de fora do supermercado, onde havia um estacionamento e pessoas que cantavam rap. Eu estava presente somente como observadora, ninguém me percebia ali. Quando a música acabou, voltei para o meu corpo. Decidir ir para casa sem comprar nada. Já entrando em casa, encontrei uma mulher. Não sei ao certo, mas acho que ela era prostituta. Fui transportada para as memórias dela também. A cena se passou em um lago, onde ela e um homem foram nadar. Eu soube nesse momento que isso havia acontecido há muito tempo e que eles estavam apaixonados. Eu vi o momento em que eles começaram a transar e ele abriu a boca. Ela entrou com o corpo todo na boca dele e ele morreu. Haviam mais pessoas perto do lago e elas não ficaram surpresas, apenas riram. Fiquei confusa e voltei para o meu corpo. Me vi na casa outra vez, mas tudo estava em um ritmo acelerado. Vi a moça do lago, mas ela já estava velha novamente. Um pouco depois se aproximou um homem, era o mesmo do lago. Vi a mesma história, só que dessa vez da perspectiva dele. Soube que ele tinha traído aquela moça, por isso ela o matou. Tentei sair de perto, mas haviam muitas pessoas andando na casa e sempre que eu me aproximava de alguém, eu pulava na mente da pessoa. Eu tentava voltar para o quarto onde estavam meus irmãos, mas sempre encontrava mais alguém. Um homem passou correndo no andar de cima, gritando de dor. Desviei o rosto e não entrei na memória dele. Soube que tinha algo a ver com as roupas de criança e uma estátua que ficava no jardim. Consegui chegar na cozinha e fiquei paralisada, me dei conta que iria começar outro flashback. Uma jovem de cabelo curto e rosa estava sentada em um sofá. Ela estava também presa na casa e mexia no celular. Uma mulher velha quis saber o que ela fazia, com medo de ela estar se conectando com o mundo lá fora. Ela disse que estava editando a sinopse da história da casa na Netflix.

Que associações você faz entre seu sonho e o momento de pandemia?

O fato de estar em casa com todos os meus irmãos está no sonho e na realidade da pandemia. Também o fato de só sair para ir ao supermercado e as inúmeras histórias de pacientes que entramos em contato agora. Acho que o compadecimento pelos outros está mais presente agora, e também é algo que nos esgota. No sonho me senti cansada, mas era impossível não “entrar” na história de vida dos outros.