Entrevista de Agustina Comas
Entrevistada por Maurício Rodrigues
São Paulo, 18 de dezembro de 2020
Projeto Colgate Logística Reversa
Entrevista número PSCH_HV985
Realização: Museu da Pessoa
Transcrita por Selma Paiva
P1 – Agustina, primeiro, bom dia!
R1 – Bom dia!
P1 – Em nome do Museu da Pessoa e da Colgate, queria agradecer a sua disponibilidade pra essa entrevista. Pra gente começar, eu queria que você se apresentasse, falando seu nome completo, o local e a sua data de nascimento.
R1 – Eu sou Agustina Comas e nasci em Montevideo, Uruguai, em 9 de novembro de 1980.
P1 – E quais os nomes dos seus pais?
R1 – Meu pai chama Nicanor Comas Arocena e minha mãe Maria del Rosário Ogenar Siciliano.
P1 – O que seus pais faziam?
R1 – Minha mãe é médica psiquiatra e psicóloga e meu pai é empresário. Ele é transportista. Trabalha com logística e transporte.
P1 – Você sabe dizer como eles se conheceram?
R1 – Sim. Eles se conheceram numa festa na casa da minha mãe, que é da minha avó, que ela morava... minha mãe eram dez irmãos, depois faleceram dois, então nessa época já eram oito, mas era uma família bem tradicional do Uruguai, dessas familionas, assim, cheio de gente. (risos) E aí tinha, imagina, oito filhos, eram umas festas, minha vó também gostava de deixar todo mundo em casa. Aí, numa dessas festas, meu pai apareceu, amigo de amigo e, enfim, ligou, se encontrou e aí começaram a namorar. (risos) Eles não têm nada a ver. (risos) São separados há muitos anos. Eles não têm nada a ver.
P1 – E você sabe a origem? Eles contaram a história da origem dessas duas famílias, que se encontram nesse momento, nessa festa?
R1 – Você fala mais, assim, pra trás? Da família do meu pai eu conheço mais a origem. Da minha mãe também. Da família do meu pai, a família Comas, é um sobrenome catalão e o meu... eu não sei se é o avô do meu avô, que seria meu tataravô ou se era o avô da minha avó, que seria tataratatara, mas acho que é o avô do meu avô, que é uma história muito louca. Não sei se é verdade, mas é a história que meu pai conta e que ele fala que é isso: como ele chegou no Uruguai. Ele era filho de um cara, enfim, comerciante bem sucedido na Espanha e aí aconteceu algum problema entre esse pai dele e um amigo que era marinheiro mercante. E aí esse amigo, pra se vingar, (risos) não sei o que aconteceu, ele sequestrou o filho e o levou num barco pra o Uruguai, pra América Latina. Um barco que era, enfim, de comércio, levou. Aí, o niño, que devia ter... ele chegou e falou: “Teu pai falou pra eu te pegar”, uma coisa assim. Parece uma história meio mentirosa. (risos) Meu pai conta que é isso. É ótima! Olha só! Maravilhosa! Aí o cara, quando chegou no porto de Montevideo, esse homem que o sequestrou, o ex amigo do pai, o relógio dele cai na água, no rio. Tem o Rio La Plata, na baía de Montevideo e aí fala pro menino que parece que o menino era um bom nadador: “Se você pular e achar o meu relógio, eu te libero aqui”. E aí parece que ele pulou, achou, entregou e então ele foi liberado em Montevideo e aí ele começou, assim, do zero, chegou sozinho. Era, não sei, 15, 16 anos, muito jovem. Antigamente tinha essas histórias de pessoas muito novas começando a vida no lugar, que hoje fala: “Nossa, imagina um adolescente de 15 anos (risos) chegar num país sem coisa nenhuma!” Enfim, hoje tem outra conexão, também, com tudo. E aí parece que ele começou e ele fez tipo um depósito, assim, de campo, desses armazéns antigos que vendiam de tudo. Aí ele fez uma fortuna, mesmo. Foi um cara... essa família Comas, até minha bisa, que é a mãe do meu avô, que meu avô morreu com 99 anos. Todo mundo na minha família é longevo. E tinha muito dinheiro, muito campo e aí a clássica história, né? Dos dois lados da minha família tem essas fortunas que uma geração tchaaaaaa, torra, que no caso são meus avós. (risos) Dessa família o marido da minha bisa, que era também de uma família chique, mas sem tanta grana, que aí ele se meteu a político, não sei o que e torrou tudo a fortuna da mulher dele. Enfim, é isso. E aí, o lado da minha avó que eu não sei muito bem, que é a mãe do meu pai, que é viva, tem 93 anos, mamama é sensacional, modernésima, usa minhas roupas, está no whatsapp, está no Face, está no Insta, acho, também. (risos) Muito bom. Ela é incrível! É uma pessoa que eu falo tudo, desde sempre e eu não sei bem a história pra trás, mas eu conheço bem a história dela, mas eu não sei se eu estou falando demais.
P1 – Não.
R1 – Porque tem muito assunto (risos) que eu gosto de conversar com ela e a história dela é muito doida. Ela é de uma família também bem tradicional, dez irmãos, quatro freiras. Imagina! O pai dela era um castrador, (aguanito? 06:47) que a gente chamava. Era um cara bem reaça, machista, um horror. A história das minhas famílias é tudo bem essa coisa de pessoas bem da alta sociedade, machistas, muito, os homens. E mamama rompeu muito com isso. Quatro freiras, duas solteiras, que morreram com noventa, cem anos, solteiras. (risos) Aí tinha um homem. Eram nove irmãos. E as duas mais novas casaram, só. Minha avó é a mais nova. E ela casou com meu avô só pra sair de casa. Ele era mais velho, sei lá, uns oito, dez anos mais velho, Nicanor Comas, que é o pai e Maria Rosário Arocena, casou com ele e nossa, meu avô era um horror, coitado, meu avô, mas olhando como homem, você vê... pra mim, como mulher, eu digo: “Não tem nada a ver” e pra mamama e ela teve cinco filhos com ele. Ela foi casada com ele muitos anos e aí ela separou. Foi nos anos 70, que foi super escandaloso. A família toda do meu avô, assim, fez a cruz e era uma puta, imagina. (risos) Um horror! Ela foi muito corajosa, separou e ela foi sempre de esquerda e feminista, enfim, sempre trabalhou. Foi uma mulher que se separou, assim e ela teve sempre muitos problemas com o pai dela, que era essa pessoa bem difícil. E aí, do lado da minha mãe, tem também o meu avô, que é vivo, Júlio Ogenar, que tem também noventa e tantos, está ótimo também e Rosário, também Rosário, todo mundo Rosário na minha família. Minha avó paterna Rosário, minha avó materna Rosário, minha mãe Rosário. Minha mãe falou: “Não, ela não vai chamar Rosário”. (risos) Aí uma irmã do meu pai, que é a minha madrinha, também é Rosário. Meu pai são cinco irmãos: tem meu pai, dois gêmeos, a Rosário e o Felipio. E a minha mãe são oito irmãos. Minha mãe é a mais velha. Meu pai também. São os dois os mais velhos, eu também sou mais velha. E aí meu avô também uma história parecida dessas de delapidação de fortuna. (risos) O avô dele começou tipo do nada. Eu não sei, isso seria final do século XIX, eu acho. Pensando pela idade, final do século XIX, que acho que é a mesma época que esse homem veio. (risos) Que era também o país se desenvolvendo muito na questão rural, né, que é um forte do Uruguai, então meu avô era ganadero. O avô dele começou como tropeiro, que eles pegavam as tropas de gado e levavam de um lugar pro outro e ele foi aumentando, crescendo e eles fizeram o Frimacar, que foi um dos frigoríficos maiores do Uruguai, que daí meu avô, a geração dele que tchaaaaaaaaaaa. Então, eu nasci e existia o frigorífico. E eles contaminaram o rio, acho que eu tenho esse carma, (risos) acho que por isso que eu fui trabalhar, (risos) porque foi bem... tem toda uma história aí forte com carne, com boi. Eles matavam os bichos, enfim. E era um frigorífico, assim, um dos maiores, que depois foi comprado por algum frigorífico estrangeiro, enfim. E a história da minha avó eu sei que a minha avó faleceu em 2015 e nossa, ela era incrível também. Eu com as minhas duas avós fui muito, sempre, só, que uma morreu, mas ainda está muito perto, muito grudada. Ela também separou. Meu avô a traía muito. Meu avô, o Júlio, era um puta de um playboy, mulherengo, tinha grana e daí ficava mulher... minha vó teve dez filhos. Eu falo: “Gente!” Com a minha idade ela teve o décimo filho. Eu tive a minha primeira filha, que tem um ano e nove meses, eu pensava: “Com essa mesma idade ela teve o décimo!” É uma loucura. E a mãe dela foi que nem eu: teve só ela. Eu não sei se eu vou ter outra, mas também velha. Eu não sei se na minha idade, pra época acho que era tudo.... mas acho que com trinta e pouco, assim. Mais velha do que se costumava. Era professora, diretora de escola, uma pessoa super, assim, intelectual, que estudava, tal e a minha vó também era professora, mas tocava piano, um monte de coisa, tinha muita música na família da minha mãe, mas aí ela se dedicou a (risos) ter milhões de filhos e aí, bom, a história do meu avô era trágica. Ele estava sempre a traindo, até que um dia - era com a babá dos filhos, que é a mulher dele até hoje – ela saiu, pegou tudo e saiu da casa. Então ela também foi super, pra época, corajosa e de vanguarda, que não era comum separar. E ela começou a carreira dela com cinquenta anos, ela fez uma carreira de atriz notável no Uruguai, de teatro, de 35 anos. Ela morreu de um AVC, foi um negócio de um ______ (12:50). Na verdade, uma bobagem, porque eles não perceberam. Ela estava começando a ensaiar uma peça. Tinha 87, 88, sei lá. Então, essas são as histórias (risos) que eu conheço.
P1 – Eu ia perguntar se você gostava de ouvir histórias. E aí você já está dando essa dica.
R1 – Eu amo. É. (risos)
P1 – E quem eram as pessoas que te contavam histórias, na sua infância?
R1 – Meu pai, muito. Nossa, meu pai inventava muitas histórias divertidas. Eu adoro contar pra Helena. O Rafa, meu marido, também adora. Eu gosto de escutá-lo. Meu pai contava histórias muito divertidas. Tipo, por exemplo: fazia história como se fosse ele e os irmãos, quando era pequenos. Eram todas, enfim, de aventuras. Ele contava muitas histórias. E, por exemplo, a minha avó que morreu, a Rosário, (risos) parece cinema de Soledade, todo mundo chama (risos) Aureliano ______ (13:55). Ela me contava também, mas ela era meio má, assim. Meio malvada. Ela falava pra mim, imagina: “Cria cuervos e te arrancará os ojos”, que ela era super... atriz de teatro. Falamos sobre os filhos. Ela falava mal dos meus tios e da minha mãe, pra mim. Eu era meio confidente dela. Era uma figura, ela era genial, mas ela era meio malvada. Enfim, era bem louca, na verdade. Teve dez filhos. Só podia! (risos)
P1 – Pela história de vanguarda: se divorciou numa época que o divórcio era tão... e depois se tornou atriz.
R1 – Totalmente. Então, ela contava bastante história da infância dela, da mãe dela, da avó dela e ela contava meio fofocas, assim. Ela falava! (risos) Era muito engraçado. Eu achava meio um saco, mas eu lembro que mais nova eu ficava meio chocada (risos) E mamama, que é minha vó viva, que é sexo, drogas, rock and roll desde que eu me conheço por gente e falo com ela. A outra Rosário era mais careta. Por exemplo: ela achava um horror eu ter vindo morar no Brasil. Ela achava absurdo! Se eu nasci no Uruguai: “Por que você vai lá, que lá você não é ninguém? Se ninguém conhece a sua família. Você vai ser uma não sei o quê”. Ela achava, assim, um horror. Ela não entendia a minha sede de outras coisas, de aventuras, de conhecer, de estar em um lugar maior. Ela ficava indignada e ficava com muita saudade também, porque eu era muito próxima, mas mamama, que eu sempre falei tudo com ela, nossa, ela, até hoje, eu adoro perguntar pra ela e ela me conta milhões de histórias. Acho que até minha mãe também. Acho que tem muita coisa na minha família, de contar, assim.
P1 – E você tem irmãos também?
R1 – Tenho quatro irmãs. Eu sou a mais velha. Meus pais são separados, divorciados, eles divorciaram em 1994 e meu pai casou de novo e ficou vinte anos casado, divorciou também, mas ele teve três filhas. Eu tenho uma irmã de pai e mãe, a Lui, que é Lucia, que é minha parceiraça. Muito, muito, muito. Eu amo. Ela é madrinha da Helena, minha filha. E, nossa, não vejo a hora de vê-la. Faz um ano que eu não... por tudo isso, a gente estava sempre indo e vindo e deu uma parada com tudo isso. A gente vai em janeiro, não sei como vai ser e enfim, mas a gente vai, porque não dá mais. Lui tem dois anos... eu nasci em novembro de 1980, ela nasceu em janeiro de 1983. Doze de janeiro de 1983. A gente estudou na escola juntas, enfim, a gente cresceu juntas, sempre fomos muito amigas. Somos muito diferentes, tanto fisicamente... a Lui é baixinha e loira, ela puxou a família da minha mãe. A minha avó que morreu é muito essa... e eu sou total a família do meu pai: alta, morena, magra. Ela tem o corpo, mais, da família da minha mãe também. Somos de forma de ser também muito diferentes, mas muito, muito amigas, muito parceiras, muito. Até por isso eu penso: “Queria ter outra filha, filho, pra Helena ter um irmão” porque, pra mim, irmãos, assim, são uma diferença na vida. E aí meu pai casou de novo e tive três irmãs: Catarina, Sofia e Francisca, que são mais novas, tem 22, 20 e a Fran que fez 17 em novembro, já passou, que eu vim para o Brasil em 2004, ela tinha nascido em 2003, em novembro. Então, vim dia 6 de fevereiro, é o dia que eu faço aniversário aqui. (risos) Nossa, que engraçado, agora eu volto 6 de fevereiro. Eu sempre volto 6 de fevereiro, sem perceber. Acabei que eu comprei a passagem de volta 6 de fevereiro. Muitas vezes eu voltei, cheguei no Brasil, (risos) que é o dia que eu cheguei. E aí sempre ela faz anos e eu faço os mesmos anos aqui. Então, aqui eu sou uma adolescente de 17 anos.
P1 – E, Agustina, você consegue se lembrar da casa onde você passou a infância? E descrever como era essa casa.
R1 – Sim. Muito. Eu nasci em um apartamento em Pocitos, que é um bairro bem típico de Montevideo. Era um apartamento bem pequeno, que meus pais tinham comprado e aí, quando eu tinha seis anos ou cinco anos... não, menos, menos, menos, menos... quando eu tinha dois ou três anos, eles mudaram pra um outro apartamento também em Pocitos, que é na Avenida Brasil e que é colado no apartamento que hoje minha mãe mora. Tipo o prédio vizinho que minha mãe mora hoje. Aquele primeiro eu me lembro pouco, só que depois passou a ser a oficina, o escritório do meu pai. Então, aí eu lembro mais dele como escritório. Não tanto a gente morando, porque eu era bem pequena. Mas o outro eu lembro muito bem. Era um apartamento grande, não sei quantos metros teria, talvez uns cento e cinquenta, não sei. Também, criança a gente vê tudo gigante, mas era grande, cento e oitenta, talvez, tinha... você entrava, assim, tinha uma entrada na sala e tinha uma entrada pela cozinha também. Não me lembro como era o hall. E aí a sala era grande e tinha uma varandona toda na frente, que ocupava a sala e aí, grudado na sala, tinha como se fosse uma sala de estar, que estava fechada por uma porta, que era o consultório da minha mãe. Minha mãe sempre trabalhou em casa. Minha mãe se formou psicóloga não sei se quando estava grávida, não sei. Não, bem antes. Se formou antes e de médica quando eu tinha cinco anos. Mas ela já era psicóloga. E aí depois ela fez psiquiatria infantil e de adultos. Minha mãe é foda, ela é uma baita médica, assim, muito... e depois eu falo mais da separação deles, mas ela deslanchou muito a carreira dela também depois dos quarenta anos, depois de separar do meu pai. Pra ela foi ótimo. Na época a gente não via, mas a hora que você vê, assim e também com outra idade, você vê como isso foi, nossa, maravilhoso e aí, então, ela tinha o consultório, então era a sala o consultório, uma sala grandona e aí você entrava pela sala, à esquerda pra direita o quarto dos meus pais, que tinha um tipo de um closet assim, um banheiro e pra trás tinha um quarto, que era meio de televisão e o nosso quarto. E aí nosso banheiro. E eu lembro muito: eu acordava sempre muito cedo e aí, nossa, todo mundo na minha casa é dorminhoco. Eu sou também agora, mas a minha natureza é madrugadora, então eu criança acordava tipo seis da manhã e não tinha ninguém acordado (risos) e eu lembro que eu ficava na sala horas assim, sei lá, embaixo da mesa, olhando pela janela, ficava fazendo não sei que coisas, (risos) esperando o tempo passar e eu lembro de ficar meio explorando o cantinho embaixo da mesa. Tinha um banheiro social, eu ficava no banheiro meio com a porta fechada e a luz desligada. Eu lembro que eu tentava fazer fogo com duas pedras. E eu, às vezes, conseguia fazer faísca, meio que nem um homem primitivo, né? Essas são algumas lembranças que eu tenho lá.
P1 – E aí já eram formas, também, enfim, descobrir os espaços e brincava?
R1 – Super. Muito.
P1 – E, nesse momento, quais eram suas brincadeiras favoritas?
R1 – Ai, adorava me fantasiar, muito, sempre de noiva, Lady Di, o casamento da Lady Di era, assim, (risos) o meu delírio máximo. (risos) Pegava qualquer lençol e estava fantasiada de noiva. Engraçado. Não tem muito a ver comigo, mas na época minha mãe falava que era o dia inteiro. Fantasiar eu sempre gostei e fazer peças de teatro. Sempre que tinha coisas em casa, reuniões familiares, a gente agitava e eu fazia mil direções e aí fala isso, aí a gente cobrava entrada. Isso eu adorava. O que mais? Sempre gostei também de desenhar. A gente tinha uma parede que podia, era liberado, desenhava bastante. Também eu lia muito, desde pequena. E sempre fiz muito esporte. Eu tinha muita energia, minha mãe me botava pra fazer atividade, (risos) acho que pra não encher o saco dela. Pra chegar em casa e ________ (23:55) a deixava louca. Era o dia inteiro falando e fazendo. Então, eu joguei sempre hóquei na grama, jogava golfe também. Joguei golfe muitos anos. Parei na adolescência, que eu comecei a achar um saco e tal, mas eu tinha uma carreira de golfista que teria tido. Joguei muito golfe. E também na escola tinha coisas de atletismo, eu corria, enfim. Mas hóquei e golfe eram meus... também jogava tênis, jogava _______ (24:33) enfim, num clube. Tinha natação, várias... fazia inglês, francês. Era o dia inteiro fazendo. (risos) Eu queria ter uma sexta-feira livre pra poder brincar na casa dos meus amigos. (risos) Sempre tinha algo. Era um saco! (risos) Falava: “Mãe, todo mundo sai da escola e vai, sei lá, brincar na casa de alguém”. Eu sempre tinha inglês, francês, coisa de arte, golfe, não sei o quê. (risos) Aí às vezes tinha uma folga e podia: “Tá bom, hoje não vai no Francês, pode brincar em casa”. (risos)
P1 – E, Agustina, você falou que morava no bairro de Pocitos, um bairro tradicional de Montevideo. Eu queria que você falasse e aí, um pouco aproveitando essa percepção sua de criança, que lembrança você tem do seu bairro onde você morava e da cidade de Montevideo?
R1 – De criança?
P1 – Isso. Quais as lembranças que você tem de infância, de Montevideo, do bairro onde você morava?
R1 – Eu tenho muitas lembranças andando na rua e, por exemplo, nesse apartamento que eu estava te contando, na verdade, eu morei até os seis anos, acho, era bem pequena, mas eu tenho muita lembrança. Uma das minha multitias (risos) tinha um namorado que jogava basquete no _______ (26:24), que é um time bem... um dos times de Montevideo, que fica a quadra _________ (26:30) e basquete no mesmo quarteirão onde minha mãe mora hoje e onde a gente morava. Então, eu lembro muito de ir a pé. Ela me vestia toda de vermelho, umas coisas de dormir e eu lembro muito de ir a pé ver o jogo do __________ (26:45) com ela e lembro muito de andar pelas ruas, mesmo. Montevideo é uma cidade que se anda muito pela rua, todo mundo, assim. Então, todas as atividades eram muito andando pela rua, era perto da _________ (27:10), que é um lugar que... mas eu posso falar meio no geral ou só dessa época?
P1 – Pode falar no geral, porque enfim, aí você também vai mudando um pouquinho a percepção.
R1 – Isso, vai mudando a percepção. Depois eu curti muito Montevideo de bicicleta. Muito. Comecei a andar de bicicleta no último ano da escola. Então, eu ia de Pocitos até o Centro, que dá uns vinte, vinte e cinco minutos. Aí eu lembro umas aventuras, fazia umas loucuras tipo: a gente tinha Desenho Técnico. Na escola tinha tabla de ujo. Era uma tábua que era meio whatman, que é um tipo de medida, que era coisa de Arquitetura, que eu estudava pra fazer Arquitetura. No fim eu fiz Design. E era um negócio enorme e aí ia com isso no ônibus, tal, mas era na bicicleta, qualquer coisa, aí ________ (28:06) um puta vento, parecia que ia tipo numa vela, fazendo windsurf (risos) de bicicleta. E aí com chuva, enfim, fazia muita loucura na bike. Aí, comecei a andar de bicicleta e fiz a faculdade toda de bicicleta. Então, eu andei muito de bicicleta. Mas eu ia muito também no clube de golfe, que eu frequentava, também de bike, mas Montevideo a lembrança é de andar na rua, ir na _______ (28:36), de ir nos parques, Parque _____ (28:40). Não é tanta lembrança de carro, talvez, né? É muito de estar andando. E todo mundo morava perto. Então, a gente morava aí, mamama morava fora, porque quando separou, minha avó paterna, casou com um diplomata argentino, que foi o amor dela, ela conheceu com mais de quarenta anos, pela primeira vez, se apaixonou com mais de quarenta anos e aí ele morava em Nova Iorque, ela foi morar em Nova Iorque. Então, nessa época mamama morava em Nova Iorque, depois morou em Caracas. Então, a gente já tem uma relação construída à distância desde que eu sou criança. Mas a minha outra avó, que era minha avó materna, morava ali muito perto. Então, era muito assim essa coisa de andar na rua, que é até hoje. É uma delícia! É plano também.
P1 – A gente vai, muitas vezes, indo e voltando: quando você era criança, você tinha uma aspiração, sonhava o que você queria ser quando crescesse?
R1 – Sim, eu tive várias vontades. Primeiro eu queria ser caixa de supermercado, porque eu achava que (risos) ela era dona de todo o dinheiro que tinha. Caixa eu achava maravilhoso, era tchaca, tchaca, então era meu. Nossa, eu queria muito, achava sensacional, eu falava: “Nossa, elas têm tudo isso?” E a máquina tcha, tcha, tcha, tcha. Depois eu queria ser, muito tempo, médica, tanto que eu quase fui pra Medicina, mas eu me via muito numa carreira, assim... acho que era muito pelo que se esperava de mim talvez, sobretudo do meu pai e que hoje ele me apoia pra caramba na minha carreira, sempre. É um super, assim, parceiraço, mas no começo ele achou estranho, quando eu fui pro lado, mais, das Artes, do Design e foi muito influência da minha mãe, que ela sempre falava que eu tinha um perfil de pesquisadora, de investigadora, pelo meu jeito de olhar as coisas e ela sempre achava que eu tinha alguma coisa com arte, não sei. Ela sempre viu. E ela era psicóloga, enfim, observava. Eu cheguei a fazer até orientação vocacional, porque eu dei uma perdida e eu estava querendo fazer Medicina, mas eu queria fazer Medicina Forense, de mortos, porque achava legal a carne ficar cortando, ficar manipulando o material. Eu acho (risos) que eu queria mexer com materiais...
P1 – Uma forma de pesquisa também.
R1 – Também. É verdade. E eu acabei indo mexer com materiais, pesquisa e desenvolvimento, que eu faço, de produto. E eu desenvolvi uma forma de fazer roupa, enfim. Realmente, o que eu faço faz muito sentido com o que eu gostei sempre. Eu sempre gostei muito de guardar resíduo, lixo. Sempre. Sou até meio uma acumuladora, porque quem trabalha com resíduos é volume, você tem que ter pra fazer, senão... então, tudo que você vai vendo, você já tem que ir catando e aí eu dou uma... como todo mundo, acho, que trabalha com isso dá uma exagerada, aí: “Isso eu vou usar, isso não, passa pra frente, dá uma limpada”, mas aí, quando eu fiz uma terapia de orientação vocacional, também minha mãe que viu que eu estava muito... e aí eu consegui ver que era mesmo, enfim, Design, Arquitetura, aí eu fiz Belas Artes um tempo, que a faculdade que eu fiz era de Design, pública, mas que tinha vestibular. É a única faculdade que tem vestibular no Uruguai. Lá não existe vestibular. Você entra pra tudo. Era uma escola, hoje é da Faculdade de Arquitetura, mas entrava só cinquenta pessoas. Era muito pequena, então tinha que ter e era bem difícil o exame. E eu não passei na primeira, passei na segunda. Aí, enquanto eu não passei, eu fiz Arquitetura, Belas Artes, enfim, aproveitei, também viajei, armei pra ampliar o repertório nesse universo. Mas olhando pra trás acho que hoje faz total sentido. (risos)
P1 – E eu queria saber qual sua primeira lembrança de escola.
R1 – Tenho, muito. Primeira lembrança eu estudei num colégio de padres jesuítas, Sagrado Coração de Jesus, era um seminário de padres, que é um colégio bem tradicional, que sai um monte de político. É um colégio que é mais rígido e careta. Ele é muito direcionado aos jesuítas, na parte intelectual, de estudo, a ciência, tatata, que não tem nada de artes, toda essa parte que, pra mim, eu sentia muita falta. De teatro, de música. Isso não era muito desenvolvido. Tanto que é uma coisa que eu fui desenvolver depois, na minha vida, que eu acho que a minha segunda carreira (risos) vai ser _____ (34:28), que nem a minha avó. Eu já tive uma pequena carreira de teatro que, quando eu vim morar aqui, deixei. Também já tive banda, eu adoro cantar. Enfim, tem ali uma coisa que uma hora ______ (34:42) porque eu gosto mesmo, mas na minha escola não tinha. Esporte também, pouco. Eu fazia porque tinha outras opções na minha vida. Hoje esse colégio tem muito mais a parte de esporte e acho que de artes também. Mas ao mesmo tempo era um colégio bem aberto e tinha uma diversidade de pessoas, tinha muito trabalho também, social, que a gente fazia. Enfim, no final dá uma mistura, uma educação legal e a minha primeira lembrança é o primeiro dia de escola. Eu me lembro quando eu entrei na escola, mesmo, que lá tem o pré-escolar, que eu até lembro bem também, mas eu tenho uma lembrança anterior ainda, quando eu ia na escolinha pré-escolar, uma, lembro que tinha que ir vestido com roupa da mãe, era mesmo pra você ir fantasiado e aí eu não quis ir com a roupa da minha mãe. Eu quis ir com roupa da minha sacola de fantasia. A gente tinha muita fantasia. E aí eu pus, por exemplo, um sapato de plástico, que era horrível, machucava. Esse sapato de criança, de brincar. Mis taquitos, chamava. Um saltinho horroroso, de plástico. E um vestido. E aí eu lembro que eu me senti mal, porque estava todo mundo com umas coisas mais legais, que você via que era a roupa da mãe e eu tinha querido ser diferente, fiquei meio, sei lá... com um sapato de plástico, fiquei meio... (risos) chamando... depois eu me lembro que teve um menino, que eu queria alguma coisa que ele tinha, não sei, algum objeto e ele me falou que, se eu desse um beijo na boca, ele me dava esse objeto. E eu dei. E depois eu fiquei meio mal, assim. Não sei, achei meio estranho, mas também tudo bem. E teve uma outra que também, sempre estavam relacionado com objetos, parece, com coisa que era... isso eu já ia na escola, estava um pouco mais velha, eu ia na perua e aí, na volta, eu consegui convencer... eu sempre tive facilidade de ficar amiga das pessoas, de convencer e eu fiz um negócio horrível, muito pequeno, eu tinha cinco ou seis anos: eu convenci a mulher da perua - não sei como eu fiz isso, é difícil – que minha mãe tinha deixado eu ir pra casa de umas meninas que estavam ali, porque ela tinha me falado que, se eu fosse na casa dela, ela me dava um negocinho, (risos) era uma coisinha, que criança gosta, né? Sei lá, bichinho, potinho. Eu não sei o que era. Eu achava sensacional. Aí eu convenci a mulher e fui pra casa. E minha mãe, imagina! Não cheguei em casa, ninguém avisou. Nossa, ela ficou louca! Aí não sei como descobriu, foi meio que ligou pra perua, não sei e foi me buscar lá, nossa! Foi horrível. Ficou muito puta, me deu bronca, fui embora assim com o rabo entre as pernas. (risos) Isso são lembranças. Tem uma outra que é muito legal, quando o primeiro dente que caiu, que uma amiga que é amiga até hoje da escola, que tinha acho que seis anos, era aquele chão que parecia... chama estuco, que parecia tipo um salame, assim. Parece que tem pedacinhos brancos e aí o dente sumiu. Ela tirou, tá e a gente perdeu o dente. (risos) Besteira.
P1 - Você lembra de algum professor, professora que tenha sido marcante na sua formação?
R1 – Sim, lembro. Tem vários. Deixa eu lembrar um mais... o primeiro que vem na minha mente é um professor que é uma figura! Era um professor de Biologia que era um hermano que morava no meu colégio, porque lá morava uns padres, mas ele não era padre, ele era hermano. Não sei qual era a diferença. E ele chamava Toto Peritti. Ele media dois metros e ele era Biologia e Anatomia. Esse ano era todo maravilhoso. Ali que eu ficava muito fascinada em fazer Medicina, porque era tão legal a aula e ele era muito filho da puta e eu estudava muito, eu era muito CDF, eu gostei sempre de estudar. E gostava de ir bem, sempre ia bem na escola, em tudo e então essas matérias, Matemática, me dava bem nas Letras e nas exatas e também nas ciências, Biologia. Química não tanto. E aí o cara ia com um jaleco azul assim, tatata e aí ele andava com um fêmur. Ele carregava um fêmur. (risos) Era muito bizarro, porque ele levava os ossos, pra gente estudar. E aí ele fazia assim: tinha um braço comprido, fazia xaaaaaaaa. (risos) Ele falava: “Muito bom, os reflexos estão muito bons”. (risos) Aí, se você chegava atrasada, eu chegava atrasada, meus pais são muito atrasados e eles, quando me levaram, eu sou também, mas é o meu exercício, eu já melhorei muito. Meus pais são terríveis. E quando eles me levavam na escola, eu sempre chegava atrasada. Era um horror. Aí, se chegava atrasada na aula dele, tinha que ficar na porta, que era uma porta de madeira com vidro, aí ele ficava assim e falava: “Entra por osmose”. (risos) Aí a gente achava um puta mico. E era um professor que tinha sido professor das minhas tias, que tinham estudado lá também. Então, era um cara que estava a não sei quantos mil anos e ele foi bem marcante, acho que aprendi a estudar com ele. Estudar Biologia eu achei muito bom, na minha escola inteira, assim. Achei que era a disciplina que mais me fez, não sei, conseguir entender raciocínios. Tem muita coisa de decorar, mas assim de compreensão, decorar compreendendo e eu acho que esse professor foi bem marcante. (risos)
P1 – E você falou que essa escola, pelo menos no período que você estudou, não era uma escola que tinha tanta abertura pra, enfim, conhecimentos em artes. Ou que trabalhasse, explorasse essas linguagens artísticas.
R1 – Muito pouco.
P1 – Em que momento e como você começa a se interessar e acessar diferentes repertórios em arte?
R1 – Foi bem... durante a escola, eu lembro de sentir essa vontade e minha avó era atriz e eu sempre ia muito ao teatro com ela, vê-la, outras peças e ela tinha colocado também a gente, sei lá, eu já tinha participado de alguma peça dela e ela sempre insistia pra eu fazer teatro e eu não sei por que eu fui fazer teatro depois, que foi nesse momento que eu realmente me expandi. Mas quando eu tinha uns 14 anos teve uma peça que foi feita na escola e aí eu fiz um papel principal. Até foi engraçado, porque a gente não tinha teatro, mas eles me escolheram. Um professor era como se fosse uma cena renascentista, uma história ali que acontecia e aí eu lembro que, nossa, eu gostei muito e eu comecei a sentir essa falta, falar: “Nossa!” Eu até não tinha muito referencial de outras escolas que tivessem isso, mas eu via que eu queria mais, enfim, pintar, desenhar. Eu sentia que era pouco. E aí quando foi indo pro final, no último ano... lá no Uruguai você escolhe... agora mudou, eu não sei como é muito bem, mas nos últimos dois anos você já vai se especializando. Então, pra você entrar numa determinada faculdade, você tem que feito o que chama batigerato, que são o quinto e o sexto ano, você já tem que tê-lo feito nesse caminho. Então, por exemplo, pra fazer Arquitetura, você tinha, na época, que fazer quinto científico, sexto de Arquitetura. Pra entrar em Economia, era quinto humanístico ou científico e sexto de Economia. Tinha três que era biológico, humanístico e científico. Hoje tem artístico. Eles abriram artístico. Na época era engraçado, porque quem ia pra Arquitetura ou pra Arte, iam muito pro científico. E quinto científico era dificílimo. Era Matemáticas cabeludas, Geometria. Eu gostava, mas era muito difícil pra quem... às vezes a pessoa tinha uma super _______ (44:45) artística e queria ir pra Arte, pra Arquitetura e era difícil. Ou ia pra humanístico, que era mais fácil, supostamente. E aí, sexto era Direito. Ou humanístico, Economia. Acho que humanístico Direito e humanístico Economia e aí era biológico Medicina ou biológico Agronomia. E científico era Arquitetura ou Engenharia. Engenharia era uns nerds total. Uns caras tipo vraaaaa, que inclusive aí se dividia. O quinto científico era legal, porque tinha essa mistura. Eu fiz quinto biológico, porque eu ainda achava que eu ia fazer Medicina. E aí foi que eu me liguei, no final do ano que eu falei: “Nossa, eu quero fazer Arquitetura”, mas eu achava que eu não sabia desenhar, porque eu não tinha tido, muito, essa experiência. Eu falei: “Cara” - e aí que eu fiz orientação vocacional - “eu sou muito nova. Eu posso escolher agora o que eu vou fazer a minha vida toda” E eu estou falando que desenhar, você sabe desenhar, se você desenha muito: “Ele desenha super bem”. Tem gente que tem um puta talento, mas fica desenhando, senão não tem... então, eu fui me desconstruindo e foi aí que eu fui vendo e aí eu acabei fazendo quinto científico todo só exame. Estudei pra caramba e consegui, foi um negócio academicamente, na época, um puta desafio e eu gostava de me enfrentar a esse tipo de coisas, eu consegui e então, no sexto ano eu já fui pra Arquitetura. E aí, pra mim, foi sensacional, porque eu não passei todo o sofrimento de quinto científico, que as pessoas ficavam pirando, quem estava pra fazer Arquitetura, eu fiz biológico, que foi demais, concluí biológico e aí eu consegui fazer, marquei pra fazer esses exames e aí eu terminei, em sexto eu tive que fazer outros exames de quinto. Enfim, foram anos de estudar bastante, mas sexto de Arquitetura pra mim se abriu, assim, muita coisa. Começando que eu tinha um namorado que eu adorava, assim, mas que era um cara muito tradicional, que fez Agronomia, que é um cara bem que eu imaginava: “Eu vou casar com esse cara, morar no campo com um monte de filho, __________ (47:10), fazendo um guisado”. Eu falei: “Não” - (risos) eu curtia uma fantasia – “eu quero ir pro mundo”. E foi bem nessa transição de sexto Arquitetura. Esse ano que eu não entrei em faculdade de Design, que eu fui pra Europa, fiquei dois meses na Europa, um tio meu era diplomata lá, fiquei com minha prima, fiz mochilão, então, enfim, eu tinha sexto de Arquitetura e eu conheci também, me abri muito politicamente também, conheci pessoas de esquerda que tinham sido filhos de exilados e então era justo... tinha ali, enfim, eu me abri muito pra outras realidades que eram diferentes do que minha família esperava e tudo isso, pra mim, veio junto. Aí eu estudei História da Arte todo esse ano, que foi que eu amei, então eu consegui ver e aí, no ano seguinte, na Europa, eu fui ver tudo, aí virei tipo rato de museu, só queria ver, enfim, Design e arte e só queria absorver mais tudo isso e aí comecei a conhecer também, enfim, pessoas mais diferentes, comecei a frequentar as festas da Faculdade de Arquitetura, que na época era a faculdade mais diferente. A faculdade uruguaia de Arquitetura é maravilhosa, um prédio incrível e tinha muita festa legal e pessoas mais parecidas comigo. Comecei a experimentar muito a roupa. Tanto que no último ano da escola eu lembro que tinha boatos que eu era drogada. Foi uma coisa assim, de careta, porque eu me vestia diferente. Eram umas bobagens, assim. Eu ainda nem usava drogas. (risos) Fui usar depois, mas que tive uma fase de drogada, mas aí, não. Então, era engraçado e essa viagem pra Europa, nossa, me abriu muito, com a minha prima, vi que... aí, já no ano seguinte cheguei e entrei no Centro de Desenho. Aí, realmente, meio que consegui entender, assim, o que tinha... aí eu comecei a fazer teatro. Acho que no último ano da escola ou nesse ano que eu fiz Arte, Arquitetura, que eu viajei, acho que foi nesse ano que eu comecei a fazer teatro. O diretor, que já faleceu, era ótimo, diretor da Comédia Nacional do Uruguai, que tinha esse grupo. Um outro clube que eu comecei a frequentar em Pocitos também, que minha avó que me incentivou e aí foi meio um combo, assim. Eu meio que uaaa, eu tinha 18, 19, acho que foi 1999. Em 2000 eu entrei na faculdade. Então, esse ano meio sabático foi 1999. Eu tinha 18 anos. E aí foi demais! Eu comecei a conhecer muita gente. Na faculdade também. Foi bem ali que veio uma mistura e aí, nossa, me diverti muito na faculdade, criando. Era uma faculdade que incentivava muito a criação. Eu nem via revistas de moda. Parecia que, se você olhasse muito... você tinha que inventar tudo, era tudo inspiração, em outras coisas que não roupa, né? Até meio radical. Depois eu aprendi a desenhar, também olhando roupa e a importância de entender mais a construção, não só inventando você as suas formas, que é algo muito que a gente faz na Comas, mas também olhando outras coisas, pra poder fazer produto. Aí veio todo um aprendizado posterior, mas na faculdade era tipo assim: quanto mais diferente... bem diferente da experiência que eu tive quando cheguei aqui no Brasil, que eu frequentei a Santa Marcelina porque, pra eu ter o meu diploma, pra eu ter a cidadania, a residência, na época...
P1 – A validação do seu diploma?
R1 – Não consegui validar. É super difícil. Eu não consegui, mas até já comecei a fazer um processo eletivo na FAU, de mestrado, acabei desistindo, porque não dei conta de estudar e a empresa, mas esse ano eu volto, mas eu posso fazer mestrado na FAU. Em particulares não posso, mas na USP eu posso - que é o que me interessa – fazer mestrado e doutorado, porque meu título é reconhecido. Mas revalidá-lo, pra poder fazer em particulares, nossa, é um pepino! Tentei via universidade ________ (52:11), nossa, um negócio! Fiz e não deu certo e aí eu descobri a USP, mas na época eu achei que eu podia, mas eu tinha que ser estudante, pra poder ser residente no Brasil, na época eu tinha 23 anos e tinha que ser estudante universitária. Eu consegui fazer minha residência, porque meu pai tem essa empresa de logística Brasil/Uruguai. Minha conexão com o Brasil é muito através do meu pai. Ele tem essa empresa, ela foi fundada em 1980, no ano que eu nasci, de logística e transporte, então ele tem cidadania brasileira e aí, quando ele tirou a cidadania, ele conseguiu fazer como reunião familiar, chamar pra que as filhas tivessem a residência e eu estava vindo, foi bem na mesma época, meio que tudo foi... eu vim em 2004. Então, pela minha idade, pra eu poder ter essa residência lá pelo meu pai eu tinha que ser estudante. Então, eu já tinha me formado lá, mas eu fiz vestibular aqui. E aí eu frequentei a Santa Marcelina, até ter o carimbo no passaporte, depois eu saí, mas aí eu encontrei uma realidade bem diferente. A Santa é uma faculdade bem focada em criatividade e tudo, mas o perfil das pessoas era bem diferente do que era no Uruguai, que lá era, pelo menos na minha época, você ia fazer Design e Moda e era meio fazer arte, era uma coisa bem louca, assim. Não era... aqui era o glamour da moda e umas meninas com umas putas bolsas. Era uma coisa que eu falei: “O que é isso? Pra mim a moda é outra coisa. É desconstruir”. Enfim, está muito mais ligado a arte, do que a seguir um padrão e procurar um glamour.
P1 – Eu queria fazer uma última pergunta sobre esse momento que você falou, da faculdade, um momento de muita experimentação. Eu queria que você contasse como é que foi essa experiência da faculdade, ao mesmo tempo que você está adentrando num universo cultural e artístico, não sei se só do Uruguai ou de outros contextos. Como foi esse processo?
R1 – Você fala como foi em que sentido?
P1 – Pra você em termos de você ali, adulta, vindo de uma realidade e aí se deparando com, enfim, um contexto político, cultural, artístico, se descobrindo também enquanto pessoa...
R1 – Muito.
P1 - ... e se deparando. Ao mesmo tempo que você está ali fazendo faculdade, enfim, tendo contato com muitos repertórios, aprendendo... de repente, ali, eu não sei o quanto serviu como base pra sua carreira na moda...
R1 – Muito.
P1 – Enfim, eu queria que você tentasse falar um pouco dessa experiência e essas múltiplas conexões, que foram possibilitadas.
R1 – Nossa, foi um período muito rico, mesmo e que eu fui fazendo, realmente, rupturas. Inclusive com meu pai, muito com a política. Aí também eu tinha um namorado que não era desse meio, mas era uma pessoa completamente diferente do meu meio e também me levou pra lugares mais... eu comecei a explorar limites, assim. Eu comecei a ir... transgredir mais. Acho que eu sempre tinha tido um espírito de fazer algo diferente. Era sempre uma pessoa engraçada, divertida, extrovertida, mas tinha ali uma coisa meio careta, de ficar meio ohhhhhhhhh com umas coisas, aí meio que dei uma extravasada, fui indo em limites. E aí com tudo: consumindo drogas, experimentando - 19, vinte, vinte e pouco anos – sexo, drogas e rock and roll. (risos) Eu me joguei. Pra mim fez muito parte do que era conhecer esse universo mais das artes, da criação. Pra mim foi muito relacionado com, enfim, a minha vida sexual, com uso de drogas, enfim, diferentes. (risos) Teve muito essa coisa de meio romper, eu entrei nesse universo e eu fui conhecendo, por exemplo: teve uma amiga que foi super importante nesse momento, que era Irene. Eu a reencontrei no primeiro dia de faculdade do Centro de Desenho, que eu me formei no Centro de Desenho Industrial. E ela tinha sido uma das minhas primeiras amigas no pré-escolar e a gente nunca mais tinha se encontrado. Então, a gente foi amiga com, sei lá, quatro, cinco anos, uns anos e quando ela tinha seis anos ela mudou pro interior, nunca mais a gente soube uma da outra e no primeiro dia da faculdade eu estou ali na escada e ela vem e fala: “Agustina Comas”. Aí eu olhei e falei: “Irene! Está igual” “Você também”. (risos) A gente se reconheceu. E a Irene sempre foi, pra mim, uma representante desse universo diferente, desse mundo com ideias políticas diferentes, enfim, de esquerda, conectada com artes, com pessoas de outros, sei lá, amigos gays, que até à época, eu não tinha. Estava num mundo muito careta, mesmo, até então, né? Então, eu fui abrindo ali, conhecendo gente diferente, né, do que eu estava e isso fez muito parte, assim, da minha formação como profissional também, essa abertura pra esse novo mundo, que vinha com tudo e só eu, na minha bicicleta, por Montevideo, tcha, tcha, tcha, indo começar a frequentar os tambores, os comparsas, depois eu saí no carnaval, me conectei com um grupo, comecei a frequentar murga, todas as coisas, enfim, da cultura e das artes que não eram da minha formação, mas que são da minha formação, porque eu era muito jovem e tudo isso se formou no meu caldo, esse novo grupo de amigos, que é da faculdade. Então, eu fiz uma turma. Na época era uma turma que também estava um ano mais pra cima e era muito divertido. A gente ficava ‘caxexando’, fumando maconha na rua e andando de um lugar pro outro da cidade e eu comecei a ver lugares diferentes também. Eu estava muito em Pocitos, Carrasco, muito nos bairros mais ‘playba’, comecei a frequentar outros bairros, festas em outros lugares e música também, outras músicas e aí foi que eu terminei com esse meu namorado. Ele era um pouquinho _____ (01:00:12) (risos). Eu falava: “Não tem como”. Eu fui um dia e falei: “Chega. Não dá. Você não está acompanhando, entendendo nada do que eu estou vivendo, falando. Você não quer entender, então tchau, eu vou voar. Fui. Para de me pressionar”. E aí foi meio tudo junto nesse processo. Ele acompanhou, enfim, aventuras também. Eu comecei a viajar de férias com os amigos da faculdade, aí a gente ia de carona na estrada. Então, sei lá, minha mãe levava até San Carlos - que é ali perto de Punta del Leste, que a gente sempre estava por ali com meus pais – até sentarmos pra pegar um ônibus, aí a gente ia lá e já paaaaaaa, ia na estrada, em caminhões. Aí aconteceu um monte de aventuras divertidíssimas, da gente com as mochilas na estrada, viajando pelo Uruguai, ficando vinte pessoas num quartinho. Enfim, umas coisas muito mais que minha irmã e outras amigas talvez não viveram dessa forma. Tiveram as aventuras, só que eu fui muito pra conectar com pessoas de outras origens, de outros rolês, que tinham outras referências musicais. Então, foi muito legal. (risos)
P1 – E como é que foi vir pro Brasil? Você já veio direto aqui pra São Paulo?
R1 – Vim direto.
P1 – Como é que foi esse processo: decidir sair de Montevideo, pra vir pra cá e, enfim, essa adaptação, a sua percepção da cidade nesse momento que você chega? Como é que foi esse processo de adaptação?
R1 – Eu cheguei aqui com 23 anos. 6 de fevereiro de 2004. Em 2003 eu tinha meu desfile final na faculdade. E aí não me lembro por que... ah, já lembrei! Tem uma viagem muito importante naquele momento que eu estava no início da faculdade, com a Irene, em 1999... não, em 2000, que a gente foi no NDesign, que é um congresso de Design do Brasil, de estudantes, que tradicionalmente, os alunos da federal de Santa Maria iam junto com os alunos do Centro de Desenho Industrial. Tinha aí uma coisa de gerações que iam juntos. E aí veio uma aluna do último ano, passou por todas as aulas, pra convidar: “Tem esse congresso na Bahia, em Salvador, que vai ser, não sei, em setembro, outubro, a gente está passando pra avisar, quem tiver interesse a gente vai dar o e-mail” - não tinha whatsapp, nada, nem Facebook – “da pessoa, da Luciana, de Santa Maria, que vocês combinam com ela, tal”. E aí ninguém animou, só a Irene e eu. Na época o dólar super alto. Eu lembro que a gente fez a viagem toda com duzentos dólares. Foi uma coisa assim muito barata. (risos) Hoje em dia é uma poupança, um dinheirinho guardado que a gente pagou toda a viagem e foi uma viagem muito louca, de ônibus, desde Montevideo, até Salvador. Quatro dias pra ir, quatro dias pra voltar, oito dias ao todo, oito dias ficamos lá. A gente ficou (risos) o mesmo tempo. E aí Santa Maria foi super importante. A gente chegou em Santa Maria, pingando, de ônibus, foi até Riviera, na casa de uma tia da Irene, nanana e chegamos em Santa Maria e aí a gente conheceu esse pessoal, que são meus íntimos amigos até hoje, toda essa turma de Santa Maria, porque aí a minha vinda pra São Paulo teve muito a ver, tudo a ver com tê-los conhecido. Então, primeiro chegamos, tal, aí chegamos no ônibus pra Salvador, depois de ficar, sei lá, um dia e meio pra chegar em Santa Maria e aí entramos, tinha todos os estudantes da federal de Santa Maria e tinha também de uma estadual que tem em Santa Maria, de Design. Aí chega Lígia, uma figura que é íntima amiga minha, uma irmã, senta do lado. Ela era meio outsider da turma e já viu que a gente era gringa, já achou legal e já veio, assim, colou e aí ficamos as três: Irene, Lígia e eu. Foi demais! A gente foi um dia no congresso, ficamos no Pelourinho fumando maconha, na capoeira e não sei o que, tomando cerveja, Olodum, (risos) na praia. Um dia fui no congresso. (risos) Curtimos Salvador, foi demais! E voltamos, a Irene perdeu o ano por faltas, porque a gente ficou faltando um monte e ela já tinha faltas. Eu quase perdi o ano por falta, mas ela, depois, abandonou essa faculdade. Acho que pra ela também era meio careta. Ela já vinha de um negócio muito mais livre e solto e ela achava... não sei, depois a gente voltou a se desencontrar. Ficamos muito tempo, assim, muito intenso e depois voltou a se desencontrar. Acho que é uma amiga que talvez (risos) eu vou encontrar em algum momento. Eu continuei vendo, depois, a irmã dela, também. Foi engraçado, porque a reencontrei aqui em São Paulo. Mas aí fiz a faculdade toda, fiquei muito amiga da Lígia e aí eu conheci várias pessoas lá. O Tosca, que é meu amigão até hoje; a Lucia; a Luciana e aí tinha uma figura que todo mundo falava que não estava - que era o Dimi, Dimitri, que foi depois meu namorado sete anos – não foi nessa viagem, mas quando eu vim aqui foi meu namorado, que é meu melhor amigo, amo, Dimi é meu irmão, a gente morou juntos anos, enfim, ele foi uma pessoa muito importante na minha vida aqui, logo que eu cheguei. A Lígia ficamos muito amigas, ela depois começou a namorar um argentino que tocava numa banda de punk rock, aí eles foram numa gira em Montevideo, aí ficou a banda inteira na minha casa, (risos) na casa da minha mãe, era um apê enorme, ficava todo mundo, era muito divertido. Então, a Lígia e eu meio mantivemos um contato por carta, por e-mail e essa turma toda veio morar em São Paulo, em 2003. E eu estava no último ano da faculdade e meu pai ficava me levando as revistas daqui, que meu pai, como ele tem empresa, é Porto Alegre/São Paulo/Chuí/Montevideo, transporte Brasil/Uruguai, ele sempre vinha muito, eu já tinha vindo também, eu tirei sempre muitas férias no Brasil, já tinha viajado bastante de família. Aí me levava as revistas de moda, Vogue, nanana e eu ficava lá vendo: “Legal. Lá tem rolê”. E eu sempre quis sair do Uruguai. Eu até fiquei, quando eu comecei a faculdade, olhando pra fazer _________ (01:07:53), pra morar fora. Sempre achei que eu ia morar na Europa, depois que eu tinha passado esses dois meses lá. Eu sabia que eu ia, porque eu queria aventuras profissionais. Eu sentia que Montevideo, não sei, era pequeno. Essa mesma experiência que eu tive, de chegar nesse novo mundo do Design, da Arte, do candomblé, de tudo que era mais, assim, de arte, contracultura, diferente. Eu sabia que eu podia ir mais além com isso, encontrar numa cidade grande isso, com certeza, ia acontecer. Aí eu arrumei uma carteirinha de imprensa internacional com o jornal El País, que meu pai conhecia as pessoas e, na cara de pau total, eu e uma amiga da faculdade, veio pra São Paulo Fashion Week: “Vamos no São Paulo Fashion Week” e aí ela já estava morando aqui, ficou agitando: “Vem”. E a gente ficou na casa da Lígia uma semana e uma semana a gente ficou na casa de uma família, que também é muito importante na minha vida, que é a tia Cláudia e o tio Fernando, que são os melhores amigos do meu pai aqui, que eu já morei com eles. Enfim, eles são, realmente, pais pra mim, aqui. Eles sempre me acolheram e eu fiquei uma semana na casa da Lígia, uma semana na casa deles, dos tios. Aí foi demais! São Paulo Fashion Week estava no auge em 2003, a gente super jovem, com tudo, festa, com carteirinha, entrada (risos) ________ (01:09:30) de todo mundo. Aí eu conheci meu primeiro namorado brasileiro, que era o Francio, que era fotógrafo, que também foi super importante pra eu me lançar, depois, a vir morar. Foi divertidíssimo. Passamos duas semanas bem São Paulo, assim, com Francio nos levando pra todos os lados, conhecendo botecos e festas, não sei o que, porque, na época, São Paulo Fashion Week tinha milhões de coisas. Era muito divertido. Muito. Aí eu falei: “Não, que Europa! Eu vou pra São Paulo, eu estou aqui do lado. (risos) É muito legal, tem milhões de coisas acontecendo”. Eu ainda não enxergava muito, enfim, um mercado, as marcas não me davam muita vontade, mas eu me lembro que me marcou muito o desfile do Jum Nakao. Foi um dos desfiles que mais me marcou, dos que eu vi nesse 2003. E aí, beleza, voltei pro Uruguai, aí rolou esse negócio do meu pai, de poder ser cidadã, aí eu tive que estudar. Como eu falo francês, que estudei desde pequena, francês, espanhol, gramática foi fácil, a primeira gramática do português. Inglês também, já tinha então experiência de estudar línguas de pequena, então eu consegui, fui fundo, estudei um monte pra aprender a escrever. Então, eu cheguei no Brasil sabendo escrever o português correto e aí fui melhorando minha fala. Eu tenho sotaque, eu espero nunca perder. (risos) Que nem o professor faz eu perder sotaque latino paulistano, que eu puxei meio paulistano, (risos) fica misturado meio latino e aí que eu tive que fazer o vestibular, então eu voltei em dezembro do mesmo ano, 2003 e aí eu fiz vestibular na Santa Marcelina e aí falei: “Vou fazer naquelas faculdades mais X, porque vai que não passo”. Eu já estava formada, já tinha feito meu desfile, mas não sei, a Santa era super exigente, eu não estava, ainda, sabendo se meu português ia estar bom, enfim, podia ter outra coisa... tinha um monte de coisa, tinha que estudar um pouco de literatura brasileira, mas não consegui ler todos os livros. Enfim, tinha coisas de vestibular, de Biologia, Química, que eu não consegui muito. Enfim, me concentrei mais no português. Aí fiz numa de Letras, da Madre Cabrini, ali na Vila Mariana, que era onde eu morava e eu passei também, em terceiro lugar. Acho que (risos) eu comecei procurando de baixo pra cima, deixa eu antes: “Não vou, não vou, não vou”. Aí eu falei: “Agora, sim”. (risos) Segui super orgulhosa, falei: “Meu português está bom”. E aí passei na Santa Marcelina também, então entrei na Santa, porque eu achei que eu ia poder fazer essa equivalência de curso. Aí, em fevereiro, eu estava vindo pra casa da Lígia, na Vila Mariana, pra começar na Santa Marcelina e ainda não sabia muito bem. Aí lá foi, nossa! Fizeram uma despedida surpresa incrível, minha mãe e minha irmã, com todos meus amigos e família, era muita gente, de todos os lados, muito, muito legal e eu desmontei minha vida lá. Deixei tudo em caixa, tirei tudo e falei: “Bom, eu estou indo morar no Brasil, mas eu não saí ainda”. A que eu vinha? A princípio, pra poder ter essa residência e eu achava que podia ser legal fazer um estágio, tal. Então, enquanto eu ia na Santa Marcelina e, enfim, esperando sair a minha documentação, comecei a procurar estágio. Aí eu saía de mochila, andava muito, muito quando eu cheguei em São Paulo, era demais. Morava na Vila Mariana, quase Chácara Klabin, ali embaixo. Tipo descendo a Lins de Vasconcelos, tem um Habib’s ali. Eu morava ali embaixo. Ficava andando tudo a pé. Saía cedo e quem nem a gente fala: trejar, trejar, trejar, trejar, trilhar, né? Eu era bem andarilha, eu adoro andar e ficava andando com mochila, aí eu usava, na Santa Marcelina, impressora, tudo, pra imprimir meus currículos (risos) e ficava levando currículos e ficava indo, sei lá, em lojas, em shopping, pra ver que marcas, que coisas que poderia, mas era uma busca bem assim aleatória, tipo não sabia pra onde eu queria ir, não fazia ideia. Eu estava aberta ao que eu vinha, mas eu queria trabalhar aqui no mercado e meu pai me falava: “Não pensa em dinheiro”, porque ele me ajudava e era uma grana bem justinha, assim: pagava aluguel, as compras, não tinha grana, por isso que eu andava a pé também, pra não gastar no ônibus, porque depois eu podia comer alguma coisinha. Então, o dinheiro estava bem justo, mas ele falava: “Não pensa em dinheiro, você vai pra ganhar pouco, não vale a pena. Tenta trabalhar com alguém bem bom. Entra no mercado, faz isso, aproveita que eu estou te ajudando, tal”. Ele sempre me ajudou muito, também com toques. Enfim, ele é empresário também, a gente fala muito de negócios. E aí, nessas buscas, eu conheci o Jum Nakao, que foi uma coisa também completamente... eu estava ali na Benedito Calixto, tinha um bazar que chamava Hype Bazaar, de peças de coleções passadas, de várias marcas e eu trabalhava com uma amiga do Uruguai, que estava visitando e estava indo justamente encontrar o Dimi, que depois virou meu namorado. Aí eu escutei uma pessoa perguntando pra outra: “Como está o Jum, melhorou?” E eu estava justo olhando as roupas do Jum e tinha me marcado muito o desfile dele, no São Paulo Fashion Week, em julho, quando eu tinha vindo antes. Já era fevereiro. Aí eu falei, eu vou perguntar, falei: “Oi, tudo bom?” - me apresentei: “Eu sou uruguaia, estou procurando um estágio, ouvi que alguém perguntava pra você sobre o Jum, eu gosto muito do trabalho dele, enfim queria saber se eu posso entregar meu currículo pra você”. Cara de pau, mesmo. Aí ela: “Eu sou mulher do Jum, mas eu estou louca aqui” – porque ela era a dona do bazar – “não me dá o currículo agora, que eu não vou conseguir entregar, mas vem cá, eu vou te dar o telefone”, que ela sempre falava: “Eu não sei por que eu fui com a sua cara. Você acha que eu ficava dando o telefone do Jum pras pessoas? Era todo mundo querendo falar com ele, mas eu gostei, alguma coisa (risos) me mostrou. Liga depois das oito, senão ninguém vai passar. Depois das oito ele está sozinho, depois das oito da noite, aí ele que atende”. Aí eu, nossa, segunda-feira eu já estava ligando e era na Vila Mariana também. Engraçado essas casualidades geográficas que São Paulo tem, né? A Iza, que trabalha comigo na Comas, que também é uruguaia, mora numa dessas casas ali. Quando a gente veio _________ (01:16:53), eu falei: (risos) “Lembra a casa que eu cheguei em São Paulo? Está ali”. Tudo meio vai se conectando nos bairros e aí tá, comecei a trabalhar com o Jum, como estágio. Ele falou: “Você liga de trabalhar final de semana?” Eu: “Não, eu estou pra isso, eu estou aqui pra trabalhar”. E aí eu trabalhei no desfile A Costura Invisível, que foi um dos desfiles mais importantes da história da moda brasileira, que eram as modelos com cabelo de Playmobil, com as roupas de papel, que rasgavam no final e esse foi o meu estágio, foi muito legal, assim. De um baita mestre eu aprendi muito, muito, muito na parte criativa e na parte técnica. E eu ficava ali com ele, direto, braço direito, fazendo o que fosse, porque eu estava pra isso, pra trabalhar, mesmo, pra aprender e aí eu fiquei com o Jum um tempão. A gente fez esse desfile de papel também em várias outras oportunidades. Fizemos em Paris, em Curitiba, fizemos pelos dez anos do São Paulo Fashion Week. Eu ainda não trabalhava com resíduo, só tinha esse gosto de juntar coisas, sempre estava catando coisa na caçamba. Quando eu era pequena, eu guardava todas as embalagens, tipo Pringles, tudo isso eu achava maravilhoso pra fazer coisas, ficava fazendo qualquer besteira. Sabe embalagem que é papel metalizado? Eu achava lindo, falava que não pode jogar, tem que usar, é material, chamava de material. Mas, enfim, não tinha ainda nenhuma relação, não tinha entendido meu papel ainda. Aí convidaram o Jum pra ser diretor criativo da marca do Guga Kuerten, aí ele me chamou pra ser estilista do masculino e aí formou uma equipe muito legal e fomos morar em Florianópolis. Trabalhamos um tempão aqui e fomos morar em Florianópolis, pra trabalhar nesse projeto e aí eu tive oportunidade de conhecer muita indústria, porque como o Guga é muito querido lá, as indústrias todas apoiaram. Então, mesmo que a gente tinha uma produção pequena, a gente podia desenvolver nas melhores fábricas. Então, aí, eu já, de cara, caí na Dudalina, H J Hering, Tecnoblu, as fábricas do sul incríveis e aí eu comecei a entender um pouco como era... tinha estudado na faculdade, tinha visitado uma outra fábrica no Uruguai, mas o parque industrial uruguaio é completamente quebrado, já, há muitos anos que não tem mais esse volume, muita fábrica fechou. Então, chegar nessas fábricas, aí que eu comecei a prestar atenção pra, enfim, resíduos sólidos, tudo que sobra no corte, mas também meio que olhava, comecei a ficar meio incomodada, comecei a me incomodar também com a sobra de roupa de peças que eu via. Também a marca do Guga fechou. Foi um projeto lamentavelmente super mal gerido, os recursos mal investidos, então quebrou, não deu pra dar continuidade. Foi um negócio super ________ (01:20:22) de marketing e, enfim, não tiveram fôlego. Então, sobrou muitas roupas. Eu falei: “Tanta roupa sobra!” Eu voltei pra São Paulo e tive aí uma fase bem punk, fiquei super deprimida, mesmo. Eu já estava com o Dimi, comecei a namorar com o Dimi e logo que eu cheguei aqui, em 2004, metade do ano já estávamos namorando e o Dimi é um cara que foi muito importante também na minha carreira, porque ele é um puta artista, designer, programador, uma pessoa brilhante, assim. Muito, muito. Que sempre foi me abrindo. Isso que eu estava falando que eu vivi mais na faculdade, eu tive uma segunda aqui, com Dimi, com pessoas que me trouxeram mundos totalmente diferentes, da arte em um outro nível, da arte digital, enfim, com coisas mais modernas, mais de outros mundos, pra mim. Totalmente. O Dimi também, um cara cheio de referências. Muito. Na biblioteca do Dimi eu era um rato. Ficava ali pegando tudo dos livros de arte, pegando revistas, tinha muita coisa legal. E aí, quando eu voltei pra São Paulo, eu tive uma depressão, mesmo. Fiquei achando essa indústria muito suja, sei lá, que faz, produz e sobra. Fiquei meio mal, assim, até meio dei uma paralisada, fiquei fazendo projetos mais... então, eles me mostraram muito esses universos, assim, novos, diferentes. De referências, também musicalmente. O Dimi me mostrou muita coisa! Era época que tinha sonar aqui e teve vários... 2004, 2005, muita coisa acontecendo de legal, assim. Sei lá, vi muitos shows massa, conheci, sei lá, bandas que não conhecia, que acabei gostando muito. E aí tive meio essa deprê, fiquei trabalhando em projetos pessoais, desenvolvi um projeto que até agora estamos reeditando, que é o vestido Sierpinski, inspirado no fractal, triângulo de Sierpinski, que o molde era a estampa. Já tinha meio uma ideia do que hoje eu conheço mais como Zero Waste, de desperdício zero. Tinha ali umas coisas muito empíricas e intuitivas, minhas. E aí eu fiquei, muito, pirando, também, com reciclagem de resíduos. Comecei a pesquisar isso, mas tipo resíduo urbano, mesmo. Que estava meio assim, não sabia, falava: “O que eu faço? Será que eu tenho que fazer alguma coisa mais de militância, pra mostrar pras pessoas como a moda é uma indústria que contamina? Será que eu tenho que fazer camisetas, sair pela Paulista, fazer mais estações?” Eu não entendia como eu ia... eu era meio outsider também. Eu só tinha tido uma experiência... tudo bem que eu tinha tido acesso a muita indústria, mas não era, ainda. Eu estava no Brasil há um ano, sei lá, dois anos, três anos, teve esse negócio de vai pra Floripa e volta: “Vou morar no mato”. Só de andar de ônibus já achava que estava me contaminando. Fiquei meio travada, mesmo. Dei uma ecotravada. (risos) E aí não sabia mesmo pra onde ir. Fiquei triste. Aí assaltaram a nossa casa. Foi uma época difícil. E aí, o que teve? Meu pai falou: “Não, você tem que voltar pra trabalhar, para. (risos) Você não está trabalhando”. Aí eu queria continuar estudando. Ele falou: “Eu não vou te ajudar estudar. Vai trabalhar e depois estuda. Para. Você está assim, porque você não... o que você tem?”. Ele ficava meio nervoso, me cutucando. Enfim, eu estava fazendo coisa, tinha coisas construindo, mas realmente estava muito... e não parava. Não é que eu estava sem fazer nada. Eu sempre inventei, tinha blog, escrevia num blog do Uruguai, com uma amiga de lá, então tentava contar minha experiência daqui. Enfim, ficava em lugares. Aí eu falei: “Cara, eu acho que eu tenho que trabalhar no fast fashion, porque é o fast fashion que está gerando todas essas questões e é ali que você pode fazer uma diferença. É ali que eu vou fazer um produto bom, com modelagem boa, que vai durar”. Eu lembro que eu fui numa Riachuelo, pra ver um monte de coisa, era tudo modelagem ruim, eu falava: “Você gasta toda a energia, o tecido pra fazer e o negócio veste mal. Se o negócio vestir bem, aí é bom, porque aí você pode fazer barato, pra todo mundo e vai durar”. Enfim, comecei a pensar essas coisas que hoje eu sei autor, nome, o que estão falando, mas na época era muito uma sensação, né? E aí eu liguei pra tia Silvana, que era super amiga da tia Cláudia, que trabalhou anos na Riachuelo. Aí falei: “Tia Silva, eu quero ir pra Riachuelo”. Eu falei pra ela: “Quero voltar pro mercado, fiquei em Floripa um tempo, voltei, estou fazendo outras coisas, mas estou meio mal, quero voltar e quero ir pra fast fashion”. Ela falou: “Tá bom, eu vou mandar seu currículo, mas eu estou na Daslu, eu vou mandar também na Daslu”. Eu falei: “Nossa, Daslu, puta negócio playboy, nada a ver, eu queria ir pro fast fashion, vou pra Daslu? Não! Tá bom, tá bom”. Não botei muita fé, mas falei: “Tá. Fazer o quê?” Aí fiquei lá, fazendo a minha repartição de currículo, (risos) tentando e aí me chamaram pra uma entrevista na Daslu. Eu lembro que a Fernanda Yamamoto, que é super minha amiga, que é uma estilista também bem reconhecida, que a gente começou junto, ela que me levou primeiro... a primeira entrevista na Daslu a Fê me levou e era muito: “Nossa, Daslu, que viagem!” Era naquele tempo lá na Vila Olímpia, era (risos) um negócio meio e os caras abrindo e eu desci lá, (risos) fui lá. Aí começou uma história muito, muito legal, que eu comecei a trabalhar na Daslu Homem, eu já tinha feito masculino no Guga Kuerten e era super difícil acharem alguém pro masculino e a Lu Pimenta, que é uma segunda mestre minha e mãe também, brasileira, que era a estilista diretora ali da Daslu Homem, a gente se conheceu, na hora já bateu tudo e foi engraçado, porque pra mim ali teve muito também uma volta mais às minhas origens, à minha família. Eu realmente fiquei muito, ela parecia muito pessoa da minha família, só que ela é mais loucona, com uma vida anos 70 mais alternativa, só que dentro da sociedade paulistana. Então, uma vivência que, na minha família, não era tão... até era, depois eu fui ver que é, mas sei lá, eu tinha uma outra percepção. Ela já ia muito para o Uruguai, pra Punta, conhecia pessoas da minha família, tinha conexões e a gente paaa, se grudou e eu fiquei lá cinco anos. E quando eu entrei lá na Daslu, eu estava com essa questão das sobras, tal, muito forte. E eu comecei a trocar ideias com a Inês Pires, uma super amiga minha, colega da faculdade do Uruguai, a gente começou a falar justamente sobre essa sobra de roupa: “Nossa, você viu, que louco, como sobra?” - porque as duas novas no mercado – “você compra, aí tem liquidação e depois sobra de novo? Que viagem! E se a gente fizesse algo com essas roupas?” “Legal”. A gente estava meio devaneando com isso, de fazer roupas com roupas que já existiam. Era meio uma ideia que estava rolando. Legal. Aí eu tinha tido duas experiências de processo criativo, já, um na faculdade, no meu desfile final eu parti de roupas: pegava uma jaqueta e fazia que essa jaqueta fosse calça, mas que continuasse sendo jaqueta. Aí desenvolvi a modelagem, cortava, costurava, montava uma calça-jaqueta. Aí várias coisas assim. Com o Jum eu tinha tido uma experiência junto com a Fernanda Yamamoto, a gente fez um projeto pra lançamento de um tecido da Moda Rosset, que é uma tecelagem aqui do Brasil, de São Paulo e a gente fez um processo criativo, usando roupas de alfaiataria. A gente ia as vestindo de formas diferentes, tirando fotos e a Ana tinha feito uma oficina com o Jum, aqui no São Paulo Fashion Week, também ali. Então, a gente tinha, meio, ali, um canal de processo criativo, mas nunca tínhamos produzido com a roupa, né? A gente criava com a roupa e depois produzia do zero. E ficamos lá. E aí veio um convite pra Ana, do Uruguai, de Magma, que é uma loja multimarcas super importante de lá, em 2008 isso, que foi bem o ano que eu entrei na Daslu, que foi também um ano super importante de que coisas aconteceram, que chamou vários designers pra fazer coleções com o lema de sustentabilidade. E aí a Ana falou: “Eu acho que é isso que a gente está falando” “É mesmo”. A gente foi pesquisar. Na época não se falava na faculdade, não tinha ________ (01:30:18). 2008 não era, ainda, um assunto na moda, no design, mesmo no mundo, né? “É mesmo. A gente está pegando uma coisa que já existe, deixando de consumir algo do zero e fazendo. Legal. Então, vamos oferecer, fazer uma coleção com o estoque que eles têm, que era uma multimarca. A gente vai lá, cata tudo, cria uma versão e faz com a roupa, a roupa. Fechou”. Aí começamos um processo, Oficina à Distância a gente chamava, ela no Uruguai, eu aqui, Skype, tudo beta, Google Docs o drive, que era beta também, _______ (01:30:59), aí ficávamos lá em segundo turno: a gente trabalhava durante o dia, oito e meia da noite, nove, sentava ali no computador as duas e ficávamos lá tcha, tcha, tcha, tcha, tcha, pode tirar. Foto. Pum, pum, pum, pum. Aí fizemos uma coleção, apresentamos lá em Magma, fizemos um painelzão assim, com todo processo criativo. A gente no computador, cada uma provando as roupas, foi muito legal. Vendemos lá e a Fernanda Yamamoto estava abrindo a loja dela, FY Convida, em 2009, que era multimarcas. Convidou a gente pra vender, aí a gente começou a vender também no Uruguai, na praia, em consignação; em Punta, enfim, foi rolando uma coisa e aí eu na Daslu, paralelo e começamos a usar muitas peças da Daslu. Muito camisas masculinas, calça, que eram as coisas que estavam na mão. Peça piloto, peça com defeito, enfim e aí foi indo, uma coisa muito na prática, assim, empírica mesmo, exercitando, começando a desenvolver uma forma de fazer roupa a partir de roupa e mandava pro Uruguai e vinha e vendia. Enfim, aí começou a se formar a __________ (01:32:45), a gente começou a dar oficinas também, desde o início, de processo criativo, que foram e são muito importantes pro trabalho. Hoje eu chamo de disseminação de escala horizontal, porque não é uma marca produzindo mais, senão muitas marcas se beneficiando com essas técnicas. Hoje o meu método é o sistema Comas de Upcycling ___________ (01:33:09), a gente colocou esse nome, é um sistema mesmo de criar, desenvolver e produzir roupas a partir de roupas, sistematizado e com escala. O meu objetivo é escala. E esse ano, na pandemia, eu dei um passo grande, assim, em relação a escala. Eu acho que o ano que vem isso vai continuar, porque finalmente, cara, depois de 12 anos eu falar sozinha, as pessoas começaram a entender o que eu estou falando, quando eu falo que tem milhões de roupas paradas e que a gente precisa sistematizar, que é possível formar uma outra indústria paralela, que trabalha em simbiose com a convencional e se aproveita de tudo que sobra e tem que ter design e sistematização pra poder escalar isso e poder gerar recurso pra outras pessoas, a partir de tudo que o mercado da indústria vai ficando ali, deixando guardados, jogados. Eu faço roupas a partir de roupas, principalmente. Roupas que sobram do varejo, que são muitas e roupas que sobram da indústria também, por terem defeitos.
P1 – Acho que eu tenho duas perguntas, pra gente também não extrapolar. Uma é um gancho do que você está falando agora: eu queria que você falasse da Fundação da Comas e se deparar, enfim, com esse universo de sobras de peças. Você está aqui em São Paulo, então eu imagino que tem um volume muito grande.
R1 – Muito.
P1 – Enfim, a Fundação da Comas e como fazer também, articular com toda essa cadeia produtiva.
R1 – Nossa, maior desafio. Então, em 2013 eu estava na Daslu e ai, já não fazia nada de sentido pra mim o que estava fazendo lá. Foi uma escola incrível, aprendi muito, foi um trabalho muito legal de mercado, de desenvolvimento de produto com a Lu Pimenta, com os fornecedores. Foi demais! Falei: “Está fazendo mais do que tem, está cheio, pelo amor...” e eu vinha, no paralelo, no segundo turno, arregaçando. Final de semana tinha ido pra Colômbia, dar oficina, ia pro Uruguai. Enfim, tinha já uma atividade ali, paralela, rolando, eu falei: “Como eu vou fazer isso virar um negócio?” Aí, 2013 vendo mundo afora, como estava começando essa pauta a ficar, eu falei: “Cara, eu estou já há um tempo com isso. Eu preciso me organizar”. Aí me organizei, saí da Daslu em 2013 e só em 2015 que eu considero, assim, o lançamento oficial da Comas. 2013 e 2014 foram anos de preparação nesse sentido mais de empreendedorismo. Eu comecei a trabalhar pruma fábrica do Uruguai, que eu tomei um calote, foi a minha primeira quebrada, assim, (risos) como empreendedora. Meu primeiro paaaaaaaa, que foi importantíssimo. Aí eu fiz o Empretec, que é o curso de empreendedorismo do Sebrae, que foi incrível também. Fiz um outro curso que chama Nesta Training for Creating Entrepreneurs, que é um negócio que o British Council promovia, que era pra empreendedores criativos. Foi super importante. Fiz um curso de canvas do Sebrae também. Aí, tudo isso foi meio que moldando o negócio que eu comecei a falar: “Vou pôr Comas”. Uma amiga minha, também designer, que tem marca, fala: “Seu sobrenome é muito bom: Comas, parece um negócio meio finlandês. Você tem que pôr mais. Você tem que usar seu sobrenome. É muito legal”. Aí eu falei: “Tá”. Fiz o primeiro carimbo: Comas Camisas, porque aí, vendo o negócio, uma hora eu falei: “Eu preciso escolher um material, porque na in-use a gente usava tudo: tricô, calça, camisa, camiseta, qualquer material, qualquer produto, qualquer peça, a gente ia em fábrica, loja, então era muito difícil pra compor uma coleção e pra fazer uma cadeia. Muito complicado. E maquinário pra transformar. Eu falei: “Se eu escolho um material, eu acho que eu consigo escalar um pouco mais”. E na Daslu eu tinha muita experiência, eu fiz todos os produtos, mas camisa era um produto que eu fazia muito e já tinha transformado muito na in-use. Então eu falei: “Camisa masculina, paaa, fábrica. Peça com defeito, que eu vou conseguir melhor preço” e aí começou. Comecei a fazer. A Iza, que é uma pessoa chave na Comas, minha parceiraça, trabalha comigo desde o início, também formada na mesma faculdade no Uruguai, então ela tem o mesmo raciocínio técnico criativo, né, de fazer, pôr a mão na massa, que é muito importante pra o que a gente faz, porque a gente faz um negócio de gente louca. Eu sei. Mas eu sei que alguém tem que fazer isso, eu escolhi fazer e uma hora as pessoas vão entender e vai, porque é muito, assim, a produção é um pepino. A gente faz coisas pra escalar, porque não dá, na minha concepção, fazer um a um. Acho super legal, eu até faço coisas um a um, mas a minha missão é a escala do upcycling, porque tem muita peça. Então, pra escalar, poder chegar em fábricas, indústrias, que é o que eu estou conseguindo articular esse ano, pra formar essa cadeia, esses meios de produção, eu estou respondendo as perguntas meio misturadas, tudo bem, que também esse é o foco total pra mim agora: formação de meios de produção, porque a gente desenvolveu uma forma de produzir e a gente é tão controladora, que só a gente faz. Fazemos tudo aqui, cortamos, tudo, aí costura sim, tem costureiras que fazem, mas todo corte, marcação, que é o raciocínio. Então, assim, a gente não consegue escalar nossa produção. No máximo vai ter umas duas, três pessoas ajudando, estagiário, um cortador, mas fica tudo aqui dentro e esse ano eu comecei a fazer um trabalho de redesign, de consultoria, pra outras marcas. Os estoques delas. Então, eu fiz sete projetos de consultoria de redesign, pra outras marcas. Que a minha visão é muito por aí, que não sou só eu que vou aumentar. Como eu vou levar essa técnica, eu vou fazer collabs, assinar junto e eu sou uma redesigner. Então, como eu vou levar isso pra dentro de outras marcas, pra que todos juntos consigamos dar conta desse volume de roupas e isso vire uma nova indústria, mesmo. Então, pra isso, tem que ter gente capaz de fazer a produção dessa forma, né? Tem que ter costureiras, cortadoras, modelistas, trabalhando nessa forma. Essa cadeia é completamente diferente da cadeia tradicional de moda, que é muito segmentada, a cadeia tradicional. Então, o designer, o Deus ali em cima, que cria e aí vem tudo embaixo, que faz cada parte, né? Então tem quem modela, quem corta, uma coisa... claro que tem transferência, porque você vai e volta, mas é muito... tem indústria que a costureira que coloca a gola. Então, quando a gente fala do upcycling, do zero waste também, que é uma outra abordagem do design pra sustentabilidade, de você cortar sem gerar resíduo, a gente fala em abordagens que são muito mais sistêmicas, onde as pessoas têm que trabalhar de forma colaborativa e onde o design está presente em todas as etapas. Então, a criação do design está presente em todas as etapas. Então, a criação e o design estão presentes em todas as etapas. Então, você precisa uma coisa muito maior. As pessoas entendendo qual que é o objetivo, onde vai chegar, porque essas decisões não são tomadas no início e esse produto é imaculado. Não, ele vai mudando, porque você está resolvendo um problema. É um design que está ao serviço da resolução de um problema, que é o desperdício. Então, essa formação da cadeia é muito mais complexa, mas é maravilhosa. E esse ano eu consegui muitas conquistas. Eu e a equipe, a gente conseguiu, porque é isso: conseguimos fazer, colocar no mercado, entre as marcas, aplicando nossas técnicas em escala, nós mesmas e agora a gente está capacitando duas costureiras e a gente fechou um projeto com um grande varejista, que a gente vai fazer numa grande indústria. Que isso, pra mim, é, desde o início, esse foco.
P1 – E Agustina, seria uma parceria, com essa grande indústria?
R1 – Isso. É um serviço pro varejista, que a gente faz e aí também acaba sendo também um serviço pra grande indústria, porque a gente está levando nossa tecnologia. A gente tem uma tecnologia, esse sistema.
P1 – Agustina, pra gente não estourar o tempo, já são meio-dia e 17, eu vou fazer duas perguntas, que acho que vão ser bem objetivas, mais objetivas. A primeira é e acho que é, um pouco, pra olhar pro futuro: quais são seus sonhos?
R1 – Que difícil! (risos) Nossa, muito. Pensando no que é o resíduo, mesmo e o upcycling, meu sonho é conseguir ver essa nova indústria consolidada, acontecendo, ter fábricas que fazem isso e que isso faça parte do mercado, de uma forma normal, natural. Que isso ocupe, roube uma fração grande de todo produto e que esses produtos possam ficar vivos, se mantendo vivos e sendo remanufaturados e remanufaturados, pensando em pré consumo, mas também pós consumo. Eu quero contribuir pra formação dessa indústria. Meu sonho é que exista essa indústria, com diferentes níveis: com grande indústria, com costureiras menores, com oficinas e que isso realmente se torne uma forma de produzir, assim como a forma de produzir hoje não nasceu de uma hora pra outra, ela teve toda uma evolução, que isso seja uma nova forma. Meu sonho é contribuir pra isso e ver isso em vida.
P1 – E a última pergunta mesmo, que é um pouco mais avaliativa, é: como foi, pra você, rever e contar a sua história de vida?
R1 – Ai, foi legal! Achei que faltou tempo, eu estou pensando agora: não falei de tantas coisas importantes! Não falei do meu casamento, do meu marido, do nascimento da minha filha. (risos)
P1 – Isso eu te perguntaria, porque seria algo que, assim, sua, de você...
R1 – Sim, muito e é importante, inclusive, o nascimento da minha filha mudou muito, pra mim. O meu casamento mudou muito meu olhar pro trabalho. O nascimento da minha filha, toda essa vida de família está sendo, assim, muito legal e está mudando muito a forma, o tamanho que eu enxergo as coisas e como eu me coloco também, que eu sou super workaholic e como eu começo a pôr limites e como esses limites são bons, porque é a partir desses limites que você também xoooooooooo falando não e de colocar energia no local certo, porque tem outras coisas muito importantes da vida, que antes não tinha, só vivia pra trabalhar. Era o que eu queria. Foi assim que isso nasceu, né? Nessa loucura de só... que foi porque eu vim, né? Aventuras profissionais. (risos)
P1 – Mas a sensação de ter revisto e contado um pouco da sua história, enfim, a gente pode, depois, até abrir pra uma segunda parte, que acho que teria muito destaque.
R1 – Ótimo, vou adorar! (risos)
P1 – Como foi essa sensação de rever?
R1 – Adorei! Acho que esse momento do ano também é bom pra fazer isso. Achei legal o que estava lá pra trás também, fazia muito tempo que eu não ia e logo agora que eu vou pro Uruguai, que eu estou morrendo de saudades, foi gostoso, assim, falar da minha família, dos meus avós. Foi demais! Não achei que você fosse tão pra trás. Achei muito legal. Gostei muito. Foi uma delícia! Obrigada! (risos)
P1 – A gente que agradece, Agustina, foi ótimo! Daria pra fazer uma outra parte? Quem sabe a gente faz uma segunda parte, num outro momento, uma outra fase de contar?
R1 – Eu adoraria! Conta comigo, Maurício.
P1 – Obrigado!
R1 – Eu que agradeço pelo tempo de vocês. Obrigada! (risos) A
Recolher