P/1 – Maria Cecília, bom dia!
R – Bom dia!
P/1 – Vamos começar com você nos falando seu nome, local e data de nascimento.
R – Maria Cecília de Camargo Aranha Lima, nasci em São Paulo no dia 5 de agosto de 1956.
P/1 – Qual sua atividade no Pueri Domus?
R – Atualmente eu faço a Coordenação de Ensino do Fundamental II, mas historicamente eu tenho uma trajetória muito ligada à parte de arte. Minha formação inicial é em Arte, Comunicação Visual.
P/1 – E essa coordenação é em nível de rede ou é de alguma unidade?
R – De rede. Na unidade eu faço parte da Direção de Ensino e coordeno a parte de quinta a oitava série de todas as unidades da rede.
P/1 – O nome dos seus pais?
R – Maria Inês (Balda?) Serini de Camargo Aranha e Mário Schmitt Camargo Aranha.
P/1 – E a origem da sua família, qual é?
R – (Balda?) Serini é italiano, na verdade a família da minha mãe, a parte materna e a paterna da minha mãe são famílias oriundas da Itália, então vieram naqueles navios de imigrantes, o meu avô veio junto com o Matarazzo, tem uma história, marceneiro, uma história bastante bonita, de muito afeto, como uma coisa italiana; e o Schmitt do meu pai na verdade vem da Alemanha, de Stuttgart. O meu bisavô ficou noivo-viúvo, se existe isso, ele estava noivo na Alemanha, ficou viúvo, era engenheiro e veio pro Brasil pra tentar afogar as mágoas e acabou casando com a Camargo Aranha, uma brasileira. Ele era engenheiro, ajudou a construir a Estrada de Ferro Sorocabana, então tem uma cidadezinha – eu não conheço, até falha minha – que chama Engenheiro Schmitt porque tinha o hábito de se dar o nome de cada pedaço da estrada do engenheiro que construiu. Tem uma cidadezinha micro aí, não sei onde é, que chama Engenheiro Schmitt em homenagem a ele. São duas histórias de famílias bastante diferentes que acabaram se encontrando. Operários de um...
Continuar leituraP/1 – Maria Cecília, bom dia!
R – Bom dia!
P/1 – Vamos começar com você nos falando seu nome, local e data de nascimento.
R – Maria Cecília de Camargo Aranha Lima, nasci em São Paulo no dia 5 de agosto de 1956.
P/1 – Qual sua atividade no Pueri Domus?
R – Atualmente eu faço a Coordenação de Ensino do Fundamental II, mas historicamente eu tenho uma trajetória muito ligada à parte de arte. Minha formação inicial é em Arte, Comunicação Visual.
P/1 – E essa coordenação é em nível de rede ou é de alguma unidade?
R – De rede. Na unidade eu faço parte da Direção de Ensino e coordeno a parte de quinta a oitava série de todas as unidades da rede.
P/1 – O nome dos seus pais?
R – Maria Inês (Balda?) Serini de Camargo Aranha e Mário Schmitt Camargo Aranha.
P/1 – E a origem da sua família, qual é?
R – (Balda?) Serini é italiano, na verdade a família da minha mãe, a parte materna e a paterna da minha mãe são famílias oriundas da Itália, então vieram naqueles navios de imigrantes, o meu avô veio junto com o Matarazzo, tem uma história, marceneiro, uma história bastante bonita, de muito afeto, como uma coisa italiana; e o Schmitt do meu pai na verdade vem da Alemanha, de Stuttgart. O meu bisavô ficou noivo-viúvo, se existe isso, ele estava noivo na Alemanha, ficou viúvo, era engenheiro e veio pro Brasil pra tentar afogar as mágoas e acabou casando com a Camargo Aranha, uma brasileira. Ele era engenheiro, ajudou a construir a Estrada de Ferro Sorocabana, então tem uma cidadezinha – eu não conheço, até falha minha – que chama Engenheiro Schmitt porque tinha o hábito de se dar o nome de cada pedaço da estrada do engenheiro que construiu. Tem uma cidadezinha micro aí, não sei onde é, que chama Engenheiro Schmitt em homenagem a ele. São duas histórias de famílias bastante diferentes que acabaram se encontrando. Operários de um lado, meu pai já com uma formação mais erudita, mais sofisticada, fazendeiros e tal e os imigrantes do lado da minha mãe.
P/1 – E a atividade dos seus pais, qual era?
R – A minha mãe, na verdade, ela era uma secretária bastante eficiente pelo que ela conta e a gente acredita porque ela era uma mulher super organizada, fazia milagres com a máquina de escrever, não tinha computador, e ela parou de trabalhar quando casou e até ela conta – meus pais são falecidos – que ela ganhava mais que meu pai, então era muito chato ganhar mais do que o marido, então ela parou de trabalhar quando casou para cuidar dos filhos, aquela coisa toda da geração dela. E o meu pai vem de uma família em que todos eram advogados e ele acabou não se formando. O pai dele era o filho mais velho de uma família de advogados e ele acabou não se formando e trabalhando na Caixa Econômica de São Paulo, foi grafotécnico, fez carreira pública.
P/1 – A casa que você morava na infância você lembra como era?
R – Lembro, a que mais me marcou, a que eu morei mais tempo, eu não nasci nessa casa, mas é uma casa em Santo Amaro, aqui perto, onde eu tenho toda a minha memória de infância. Eu morei lá até casar. Hoje meu irmão mora lá, acabou ficando pro meu irmão e ele mora lá. Era uma casa de uma construção de uma certa forma meio popular, eram quatro ou cinco casas com a mesma construção, mas com um terreno muito grande. Uma casa simples, mas com um terreno muito gostoso. Eu tenho as melhores recordações, tanto que eu tive a sorte de ter pai e mãe bem especiais, irmãos também, e tinha aquela coisa de escorregar na chuva no caquinho, essas brincadeiras que filho de apartamento nem sabe que existiu um dia.
P/1 – Quem morava na casa?
R – Meus pais, minha irmã mais velha, Bia, eu, meu irmão mais novo, meus avôs do lado da minha mãe iam passar temporadas, assim como minha avó paterna – meu avô paterno eu não conheci – e no final da vida minha avó morou conosco, minha avó materna. Sempre tinha um avô lá rondando, o que era super legal.
P/1 – Você falou da brincadeira de escorregar no caquinho, que outras brincadeiras você lembra?
R – Eu sempre fui meio moleca. Eu lembro que eu falava, minha mãe contava: “Quando eu virar homem você me dá um revólver de espoleta?”, acho que eu imaginava que para vida ser justa a gente tinha que ser mulher uma parte e homem a outra parte. Eu queria um revólver de espoleta quando eu virasse menino. Lembro muito assim: meu irmão era caçula, dois anos e meio menos que eu, então eu jogava bola com ele e com os amigos dele, na frente da nossa casa tinha um cortiço, então era aquela coisa de rua de terra, molecada, a gente fazia papagaio pra vender... Eu me lembro muito mais disso do que do lado _____ flor, de brincar com boneca, isso eu não lembro muito não. Eram mais essas brincadeiras.
P/1 – Qual dessas brincadeiras você gostava mais?
R – Eu gostava muito de fazer pipa. Não sei nem se eu gostava de empinar a pipa, eu lembro fazendo pipa, a gente fazia muita pipa, isso me marcou bastante. O meu irmão ______, nem é diretamente relacionado à mim, a primeira coisa que me veio à memória, o meu irmão era o único menino, ele é o caçula e o menino, quando bem pequeno ele brincava muito sozinho, a gente lembra muito dele brincando de bandido e mocinho sozinho: ele dava o tiro aí ele corria do outro lado e caía, então ele era mocinho depois ele virava bandido. Fazia os dois papéis, esquizofrenia, mas de qualquer maneira é uma coisa que a gente...
P/1 – E vocês não tinham amigos pra ele brincar?
R – Isso muito pequenininho, depois sim. Depois que ele cresceu jogava futebol com a molecadinha da rua. É muito engraçado porque o meu irmão, que é o caçula, fez – nem sei como chamava, maternal – os primeiros anos da escola ele fez na escola particular boa de Santo Amaro, chamava Nossa Escolinha, chamava Instituto Educacional Domus, por coincidência. Depois meu pai teve uma crise na Caixa Econômica, aquelas coisas que funcionário uma época ganha bem, ganha mal, ele foi pra escola pública. Ele começou a andar com a molecadinha da escola pública de Santo Amaro que na frente da escola tinha uma placa: “É proibido assistir aula descalço”, de tão simples que eram as pessoas. E meu irmão chegou a vender esterco. Para ser da turma os meninos pegavam cocô do cavalo e vendiam esterco. Eu lembro que o meu pai achou o máximo: “Olha, em vez daquele nhe, nhe, nhe da escola que ele estava que tinha que levar tesourinha com nomezinho, agora ele vende esterco!”, meu pai achou ótimo o filho dele fazendo isso.
P/1 – E festas? Quais festas eram comemoradas na sua casa?
R – Nós sempre comemoramos Natal, embora eu não tenha tido uma criação muito religiosa de nenhum dos lados, Ano Novo, então era dia 24 com a família da mãe, dia 25 com a do pai, dia 31 e dia primeiro também sempre separado. As duas famílias, tanto do meu pai como da minha mãe, eram grandes, bastante unidas, um monte de primo, muito gostoso. Até hoje a gente se frequenta em algumas datas, é uma família que preservou bastante esse contato. Especialmente, meu pai era um, eu falo que ele era humanista além de socialista, mas ele sempre foi um cara bem de esquerda, e ele fazia da época do Natal uma festa na nossa casa que era exatamente pra essa criançada da rua, pras crianças do cortiço que moravam em frente, era tudo super bacana. Minha mãe ia acho que na própria 25 de Março, não sei se era exatamente essa rua, e comprava um monte de brinquedo para menina, para menino, tinha pipoca, Ki-suco. Pra gente era a festa mais legal porque a gente trabalhava também, a gente ajudava e tinha uma certa festa pra meninada da rua. Era uma coisa muito gostosa e não é exatamente que a gente era o barão da rua, era uma casa simples, tive uma infância que não me faltou nada, culturalmente minha família nos alimentou bastante, mas não tinha nenhum grande luxo. Não era o barão da rua fazendo festa pros pobrezinhos. A gente tinha uma vida melhor que a das crianças do cortiço, claro, mas era uma visão muito legal que o meu pai tinha de criar uma onguizinha... Muito legal!
P/1 – Você teve algum fato marcante na sua infância que você lembre?
R – Tinha umas bobagens, eu adorava fazer uns dramas, uma época eu resolvi achar que eu era adotiva. Assisti uma família que tinha uma historinha, não sei como chamava - Papai sabe tudo - que a menininha da história com a qual eu me identificava também cismou que era adotiva aí eu peguei a história e fui em frente. Eu resolvi achar um papel que meu pai tinha feito uma doação para algum lugar, achei que era o meu papel de compra, sabe aqueles dramas? Eu vi a foto da minha mãe na lua-de-mel pegando um nenezinho, achava que era meu irmão que tinha morrido... Eu tinha uma tendência à tragédia, adorava chorar, ser essas coisas. Tenho até hoje guardado o papel daquelas moedinhas de chocolate que era moda na minha época, meu pai me deu um saquinho com a moedinha e um papel que vinha junto segurando as moedinhas está escrito: “Juro que você não foi adotada” (risos). Tem muita coisa guardada de bilhete do meu pai, ele escrevia bastante, então acho que isso é uma coisa que marcou. Aquela outra bobagem da minha irmã mais velha que começou a namorar antes, aprendeu como beijava antes, ela ficava com a amiga no banheiro, batia, queria ouvir o que elas estavam falando... Essas coisas me marcaram.
P/1 – Qual foi sua primeira escola?
R – Eu estudei numa escola que chamava Nossa Escolinha, que não é a minha escolinha, também em Santo Amaro, tem fotos dela – não sei como vocês casam o depoimento com as fotos – mas era uma escola multisseriada que já não era moda na minha época, era uma raridade, então era uma escola pequena, a professora construiu quase que um barracão de madeira no fundo da casa, eu não lembro o nome dela, infelizmente, então tinha de primeira a quarta série na mesma classe, era uma lousa dividida em quatro. A minha irmã entrou na fase escolar com sete anos e eu tinha dois e meio a menos, mas queria ir de qualquer jeito. Entrei na escola com quatro anos e pouco e aprendi a ler com quatro anos, porque fui acompanhando o curso da lousa do lado, mas foi uma experiência muito legal. Hoje em dia as escolas tentam, a gente tem as divisões por classe, mas a gente tenta fazer atividades entre as séries; lá eu tive isso por conta da simplicidade até da escola. Depois eu fui pra outra escola em Santo Amaro que era coincidentemente Instituto Educacional Domus, que era uma escola particular boa do bairro, depois estudei em escola pública – de quinta série, o que seria hoje a quinta série, ginásio e colégio – chamava Instituto de Educação Estadual Professor Alberto Conti, era uma escola pública, mas eu peguei a escola pública no comecinho do declínio. Minha irmã pegou muito bem, eu peguei bem, meu irmão pegou em declínio porque foi muito rápido. Então a escola pública que eu estudei aqui pertinho – porque essa entrevista está sendo feita em Santo Amaro – tinha piscina, tinha dentista, tinha sala de ping-pong pra quando chovia na hora do recreio... É inimaginável pensar isso hoje em uma escola pública. Quando eu entrei no Pueri Domus pra dar aula, encontrei uns três professores meus da escola pública aqui no Pueri Domus. Eu peguei a escola pública muito boa, muito boa mesmo, tenho ótimas lembranças. E tinha aquela coisa de escola pública que estudava o filho da empregada com o filho do patrão, porque não tinha essa divisão de classes, era realmente a escola pública. Eu tive a chance de viver um tempo na França agora já com meus filhos grandes e eles foram pra escola pública da França que é a melhor escola, e eles viveram a mesma realidade. Mais ou menos porque pelo bairro também, a escola do bairro bom acaba tendo as crianças do bairro bom, que moram no bairro bom, tem uma casa boa, mas tem essa mistura social que acaba favorecendo o encontro das classes. Hoje em dia, adoro o Pueri, mas a gente sabe que na realidade o Pueri Domus é uma escola particular onde são pessoas de classe média alta que encontram pessoas de classe média alta, você acaba criando cada vez mais a separação de classes. Tem o clube que vai, o restaurante que vai...
P/1 – Quando você estudava nessas escolas como você ia? À pé? Era perto?
R – Na primeira escola a minha mãe levava, o que é muito engraçado porque não era tão perto. A gente imagina que ela levava à pé, voltava, ela devia lavar uma louça porque não tinha empregada, e já ia buscar à pé e voltava porque demorava bastante tempo. Lembro uma coisa marcante para mim: uma vez o meu avô italiano foi me buscar no caminhão porque ele era marceneiro e a dona da escola não deixou ele levar porque não sabia que era meu avô e não autorizou. Eu falava: “Mas é meu avô!”. Aí depois na outra escola que nós estudamos, uma época que minha avó estava em casa doente, a gente ia de condução porque ninguém podia sair, precisava cuidar da minha avó e, depois, mais velha, na escola pública eu ia à pé porque era perto.
P/1 – Você ia com roupa normal ou uniforme?
R – Sempre uniforme. Inclusive as fotos que eu trouxe, por coincidência, nós estamos sem uniforme, mas todas as escolas que eu estudei tiveram uniforme.
P/1 – E como eram os espaços da escola, você lembra?
R – A primeira eu falo que é um barracão, mas um barracão porque era de madeira. Uma construção muito bonita até, hoje em dia eu passo em frente, existe a casa, mas o muro subiu. Ainda tem esse tipo de barracão no fundo. Imagino que fosse uma professora aposentada que fez uma escola no fundo, então era esse espaço. A outra que era boa, particular boa de Santo Amaro, tinha parque, tinha playground, tinha aula de Arte – tenho uma ligação grande com a arte - a gente levava um saquinho azul bordadinho com as iniciais e lá dentro tinha todo o material, as classes eram boas. A escola pública eu peguei também, como te falei, com piscina, com tudo que tem direito, era um quarteirão bem grande – até hoje existe a escola – era um quarteirão bem no Centro de Santo Amaro, perto do Largo 13, não sei exatamente o nome da rua.
P/1 – E as classes eram mistas?
R – Sempre mistas, peguei já escola mista.
P/2 – Quando era mais ou menos?
R – Eu nasci em 1956, entrei na escola com quatro anos, então a primeira escola foi em 1960, eu entrei na faculdade em 1974, então eu terminei o colegial em 1973, e sempre classe mista, que eu acho que é um bom exercício de como é a vida. Eu tenho uma cunhada que sempre estudou em escola de freira, e depois eu fiz faculdade de Artes Plásticas que na minha época era eminentemente feminina, e eu acho muito engraçado. Eu sou muito amiga dela e eu falo: “Deve ter sido muito engraçado você ter a tua vida escolar inteirinha só com mulher”, não é, um recorte da sociedade, a vida é feita de homens e mulheres, é muito engraçado.
P/1 – Você lembra os materiais que usava, se tinha livro, massinha, caneta?
R – Sabe o que é muito engraçado? Quando eu entrei aqui no Pueri Domus – estou adiantando o tempo – mas quando eu entrei no Pueri Domus, foi no meu segundo ou terceiro ano de faculdade, já era aqui, já tinha se transferido pra cá, e eu entrei em uma sala que agora está reformada, mas o prédio existe, eu senti um cheiro de massinha. Eu não tenho um olfato bem desenvolvido e eu senti um cheiro de massinha que me remeteu a essa segunda escola, essa escola particular que eu falo que era boa, pelo cheiro da massinha. Era a mesma coisa, um negócio de farinha que você faz e tem que pôr anilina, fica uma massinha colorida e que tem um cheiro muito característico. Veio a minha infância o primeiro dia que eu entrei no Pueri Domus, foi muito engraçado e por mais que eu não percebesse – eu nem acho que sou uma artista, sou formada em Arte, mas eu não tenho uma produção – as coisas de desenho, de material de desenho sempre foi uma coisa que eu cuidei, mesmo desenho geométrico que eu não morro de paixão, mas os cadernos eu fazia com capricho, a margem, aquela coisa meio maçante, meio chata. Essa coisa de material de arte, de massinha...
P/1 – Tinha caderno de caligrafia?
R – Tinha. Eu não tenho material meu guardado de escola, eu tenho dos meus filhos, as coisas mais significativas, desenhos, cadernos eu guardei; meu mesmo tem pouca coisa. Por mais que eu valorize a educação dos meus filhos, trabalhe com escola, se você me perguntar coisas fora da escola, tem muito mais coisa que me marcou fora da escola do que na escola. Família me marcou muito mais do que a escola, com certeza! Lembranças de família, muito mais do que a escola.
P/1 – E cartilha? Você lembra da cartilha qual era?
R – Caminho Suave, já procurei em todos os sebos, não existe, quem souber estou comprando a peso de ouro. Existe esse Caminho Suave refeito, se nós entrarmos no site da Saraiva, mas são versões novas, super atualizadas, não tem mais a ver com o rabo do gato que era G, a cruz da igreja que era T. Eu morro de vontade de ver porque eu sei que vou lembrar de muita coisa que eu não sei mais, mas era Caminho Suave, Branca Alves de Lima acho que é o nome da autora.
P/1 – Que matéria você mais gostava?
R – Que pergunta difícil!
P/1 – Quais você gostava, quais você não gostava...
R – Eu sempre gostei de escola, eu sempre fui muito moleca, eu brinco que os alunos levados que eu tive depois é o castigo, porque eu sempre fui muito pinta braba quando pequena, sempre fui interessada, curiosa, mas pequena eu falava muito. Eu tinha o boletim com estrelinha: “Vai bem, amiga de todo mundo, mas conversa demais!”, então tá, o meu perfil é esse. O da minha filha é igualzinho. Depois, mais velha, eu sempre gostei, adorava Educação Física, chegava a matar aula pra fazer aula de esporte, vôlei, eu adorava, mas trauma de Matemática, Física eu nunca tive, sempre gostei indiscriminadamente das matérias. Você não está entrando na questão da faculdade, né? Só escola regular?
P/1 – É, estamos um pouco lá, mas se você quiser...
R – É porque na questão da faculdade eu entrei meio cedo. Eu gosto, adoro trabalhar com arte, não só na escola como fora da escola é uma coisa que me interessa, mas eu acho que não aproveitei a faculdade como poderia. Entrei com 17 anos, tinha um professor que hoje é referência de todos os programas de TV Cultura, ______ Cultural, ele chama _______ deve ser o sobrenome dele. Já deve ser falecido, ele era de idade avançada e a aula dele era bárbara, mas eu não tinha maturidade de perceber tudo aquilo. Ele viajou o mundo, passava filmes do mundo inteiro – na época você não tinha internet, computador – então eu tenho vontade de voltar no tempo para falar: “Agora eu tenho maturidade pra assistir tudo que ele me proporcionou e aproveitar”. Eu era meio imatura no começo da faculdade, meio oba-oba. Na escola não, na escola essa irresponsabilidade faz parte, é bom você poder ser irresponsável quando jovem, depois a gente fica com um peso tão grande, então até o Ensino Médio foi bom como foi.
P/1 – Você lembra mais alguma coisa dessas escolas? Se tinha biblioteca, como eram...
R – A escola de estado que é onde eu fiz o ginásio e o colegial, eu não lembro da biblioteca, embora tivesse, tinha laboratório, a gente fazia aula de laboratório com (filtro?), com tubo de ensaio, coisa que a escola pública hoje não deva ter nada. Provavelmente era uma escola bem equipada. Foi na época que surgiu a escola vocacional, dois anos antes, tanto que a minha irmã que é mais velha prestou escola vocacional, que era no Brooklin, e o Alberto Conti, que era em Santo Amaro, ela entrou nas duas, meu pai ficou meio temeroso de colocá-la numa iniciativa pioneira e acabou colocando na tradicional, mas era tradicional com qualidade. A vocacional deu muito certo, o pessoal que estudou na vocacional tem uma cabeça super aberta. Eu estudei com um monte de gente: o Paulo Markun, da TV Cultura, aquele Fernando Silva Pinto, que é da Globo, era Sócrates o apelido dele. Muita gente que fez a escola aqui na época, a escola tradicional perto da vocacional e que foi pra essa área de Arte, Comunicação que normalmente é ambiente de gente com uma cabeça mais aberta. Foi uma escola muito boa!
P/1 – Você lembra, tinha a parte tecnológica, digamos assim, o que se usava? Carbono, mimeógrafo...
R – Na minha escola primária com certeza mimeógrafo, na escola pública não lembro, as provas acho que os professores falavam e a gente ia escrevendo mesmo a pergunta, ele ditava e a gente ia escrevendo a pergunta. Computador, essas coisas, não tinha nada, evidentemente. A escola até a quarta série, mimeógrafo com certeza, tinha desenhos para colorir, muito engraçado. Eu fui mexer numas coisas para trazer documento, tem aquele cartãozinho de Dia dos Pais, Dia das Mães, está na cara que a professora escreveu na lousa e todo mundo copiou igual, tem palavra que nem é do repertório de uma criança de sete, oito anos de idade, é muito engraçado. É mimeógrafo mesmo, não tinha nada de diferente. Foto branca e preta, as fotos eu acho super bonitas.
P/1 – Você lembra como eram organizadas as aulas no tempo?
R – Não. Quando eu era pequena, é engraçado, até a quarta série eu não lembro. Lembro das professoras, lembro do nome das professoras, eu olho foto, sei os nomes das melhores amigas – tem uma ou duas que até encontro de vez em quando – mas a organização do dia-a-dia eu não lembro. Lembro que tinha o dia da aula de Arte que tinha que levar a tal da sacolinha com a inicial bordada e material individual dentro, mas não lembro. Lembro que tinha um ritual, isso é muito gostoso e minha mãe sempre foi muito caprichosa, que era a coisa de encapar o caderno. Acho que a gente perdeu muito esse ritual hoje e é uma judiação. Comprava o plástico, a gente vivia justinho de dinheiro, nunca tive carência, mas também não tive nada sobrando. Comprava aqueles rolinhos de plástico, durex novo, etiqueta e era uma coisa deliciosa essa coisa de mesa da sala, encapar todos os cadernos, ficava aquela pilha. Às vezes tinha cor, Matemática era uma cor, Português outra, isso é muito legal! Hoje em dia a criança recebe um material pronto que às vezes ele tem até menos ligação, menos cuidado porque é uma coisa tão em série e aquilo lá era muito legal. Carimbo, isso é uma coisa que me lembra muito, a coisa de você colocar o carimbo e pintar. Lembro que um dos presentes que eu ganhei quando pequena que eu mais gostei foi a coisa do carimbo do Mickey, de animais. Meu pai brincava que a gente era caipira do asfalto porque a gente morou em São Paulo, nasceu em São Paulo, viveu em São Paulo, então tinha o porquinho, a galinha, a ovelha, o cabrito... Até hoje eu tenho uma certa dificuldade com cabrito, ovelha, é tudo parecido. Essa coisa do carimbinho que você carimbava e coloria... Na escola era muito legal para decorar, Decalque Mania. Tem uma coisa bárbara, chamava desenho ou cópia: era um caderno que a gente comprava e ele tinha mapa do Brasil, Dom Pedro, bichos... Tinha por tema, é como se fosse um desenho já com o papel carbono atrás, então a gente passava e ele ia fazendo a reprodução no caderno porque ele tinha uma tinta atrás exatamente no lugar do desenho, então era uma coisa meio limpa, chamava desenho ou cópia. Eu quero tanto quanto o Caminho Suave, saindo daqui vou direto pra um sebo. (risos) O desenho ou cópia eu não procurei. Depois, de quinta série pra cima, é um esquema muito parecido com a escola de hoje, tanto que eu acho que esse é um dos grandes problemas da escola de hoje: a gente quer mudar muito o ensino, mas mudou muito pouco a estrutura. Todo mundo entra tal hora, sai tal hora, tem aula de História, Geografia, Ciências, abre e fecha uma gavetinha o tempo inteiro. A minha quinta série já foi assim até o terceiro ano.
P/1 – E o recreio? Você lembra do recreio?
R – Claro, a hora mais legal da escola como você vai esquecer? (risos) A entrada, de quinta série pra cima, tinha a coisa da paquera, dos meninos e essa coisa de estudar em escola pública que tinha de quinta até o terceiro, e menino e menina, imagina, era o máximo, eu estava na quinta série e estudava no mesmo período que oitava série, que era no período da tarde, e o colegial era no período da manhã. Para gente o máximo era chegar um pouco antes na escola para ver os meninos mais velhos saindo, tinha olimpíadas de esporte, tinha estudo do meio, realmente era uma escola do estado exemplar. A coisa da paquera, e fora a paquera, da convivência com meninos de outra idade, meninas de outra idade, isso foi muito legal. Eu tive uma turma na escola e uma turma no clube, eu frequentava um clube aqui também da represa, Clube Indiano, então tinha a turma da escola e a turma do clube, e as meninas eram mais ou menos as mesmas, mudavam os meninos.
P/1 – Na tua vida escolar, quem você acha que foram as pessoas mais marcantes? Tiveram pessoas marcantes?
R – Eu tive uma professora na quinta série, de Português, foi super importante, não pelo Português, que era muito chato, na minha época era coisa de verbo, de análise sintática, tal, nunca tive aquela paixão de ler – meus pais tiveram, eu não herdei muito – gosto de ler, mas muito mais livro técnico, biografia, aquela paixão de ler tudo não tenho não. Essa professora de Português era extremamente exigente, mas muito competente. A gente tinha uma admiração muito grande por ela e ela tinha uma estratégia – como eu era da turminha da pesada, da bagunça – ela trabalhava com o que eu poderia chamar de recompensa antecipada. Acho que era uma estratégia dela, ela via quem era a turminha bagunceira da classe, ela mostrava assim: “Eu confio em vocês!”, aí a gente tinha que fazer por merecer, se ele fala que confia na gente, aí não pode decepcionar. A gente acabava sendo ótimos alunos na aula dela, até em termos de atitude, de bagunça, imagina, a gente era super bacana, fazia um pacto. Foi uma professora que me marcou bastante.
P/1 – E como eram as relações entre os professores e os alunos, de modo geral?
R – Desde sempre, você diz? Porque na escola que eu fiz o primário, tinha aquela coisa muito de escola particular, de cada aluno é um aluno, não digo super proteger, mas eu acho que não preparava muito para a vida. Tanto que era a escola que eu te contei do meu irmão que foi vender esterco e meu pai falava: “Ia ficar um mariquinha e agora está ficando homem!”. Meu pai não era muito machista não, ele era um cara muito à frente do tempo dele. Já na escola pública, como era uma escola pública boa, professor da escola pública era bem pago, eu tive ótimos exemplos e eu particularmente acho muito legal a partir da quinta série você ter diversidade de professores. Tinha essa professora que hoje eu sei que era uma estratégia ela pegar a turminha mais bagunceira e já fazer esse pacto, na época sei lá o que eu achava; tinha um professor, por exemplo, com o qual a gente jamais brincaria, o professor de Geografia, chamava professor Paulo. Jamais você iria fazer uma brincadeira com ele, e tinha professor que você contava piada, mas a gente tinha respeito por todos e essa diversidade também fazia a gente aprender a se relacionar de maneira diferente. É diferente daquela professora primária que o ano inteiro é o mesmo jeitão. Até hoje eu acho isso, quando fala: “Ah, não, porque os professores têm que ser assim”, eu falo: “Gente, viva a diversidade! É ótimo cada um ser de um jeito.” Em família é assim. Meus filhos sabem que comigo tem que falar de um jeito, com a avó de outro, com o irmão de outro, faz parte, até o vocabulário, a liberdade que se tem. Eu não tenho trauma nenhum de escola, tenho uma imagem boa, mas não tenho muitas passagens marcantes. Eu tenho uma imagem muito boa do ambiente de escola, dos amigos, da hora do recreio, da coisa de fazer trabalho em grupo na casa do outro, confusão toda. E fui uma aluna interessada, mas não fui exatamente uma estudiosa, fui aquela aluna de estudar na véspera da prova e sempre me virava. Não ficava de segunda época pra não perder férias, mas nunca dei problema, nunca dei preocupação.
P/1 – Em algum momento você teve educação religiosa?
R – Não e na verdade nem em casa eu tive. Mocinha, acho que com 16, 17 anos eu fazia o tal de dia da formação que era moda na minha turma, então fui fazer. Era um dia para conversar, passear e fazer alguma coisa de igreja e conversei com o padre. Quando a gente voltou meus pais foram me buscar na igreja, eles anunciaram: “Uma menina fez primeira comunhão hoje”, eu lembro que eu fiquei super brava: “Ninguém me contou o que eu estava fazendo aqui! Eu estava conversando com o padre”. Eu respeito muito, mas eu mesma não sou muito praticante. Igreja para mim tem uma imagem muito fraca na minha vida, eu respeito Deus, mas eu acho que ele é bem mal representado na Terra pelos mortais e não me aprofundo. Mesmo meus filhos, eles fizeram primeira comunhão porque a minha sogra é muito religiosa, ela até levava no catecismo e trazia, eu acho que não tem problema nenhum, mas eu não _______.
P/1 – E havia outras atividades na escola? Você citou Educação Física.
R – Na minha escola de estado, de quinta série para cima – que acabou sendo mais marcante, pelo menos estou pegando mais exemplos dessa parte – tinha o que a gente chamava de Festa dos Estados ou Festa das Nações, cada ano era um nome. Na verdade é o que hoje a gente chama na escola, por mais que possam ter diferenças, era um projeto multidisciplinar, todas as disciplinas entravam. Eu lembro muito o ano que a minha classe, era Festa das Nações, caiu com Espanha. Nós nos dividimos em equipe, a mais bonita da classe ia ser miss Espanha, ia desfilar, o Paulo Planet Buarque que é um deputado, ia fazer parte do júri e ela ia com trajes típicos da Espanha, que era moda. Na época, concurso de miss mundo, miss Brasil, dava o maior ibope. Tinha a equipe que ia na embaixada da Espanha buscar informações sobre alimentação, outro sobre o território e nós construímos mesmo. Cada classe, nem sei se eram duas classes: uma do ginásio e outra do colégio, construía um stand, os pais ajudavam e a escola pública tinha o pai marceneiro, tinha o pai engenheiro e tinha o dia que era a festa mesmo e arrecadava dinheiro que devia ser para a escola, tinha a Associação de Pais e Mestres, é uma outra organização. Era muito legal e era muito moderno. Hoje, quando a gente fala: “Vamos trabalhar por projeto”, eu lembro que a minha irmã, uma época, era Festa dos Estados, não das Nações, ela caiu com o Acre. Eles fizeram um barco mesmo – um barco lá no Acre, no rio, sei lá a história – e chamava Boacre e era uma boate. (risos). Era muito legal, movimentava muito a comunidade mesmo que hoje é o objetivo da escola. Você aproximar os pais e fazer um trabalho que tivesse um resultado prático mesmo, então tinha os monitores, eu lembro no ano da Espanha, que para mim foi o mais marcante, a gente explicava, as mães faziam as comidas típicas da Espanha, vendiam, deveria reverter para a Comissão de Pais e Mestres da Escola, então foi uma coisa muito marcante. A cantina da escola para a gente também era um ponto marcante, porque os donos da cantina eram muito queridos, uma das filhas estudava na minha classe e a gente acabava conhecendo mais por ter a filha e era muito legal. Para mim tem muito uma coisa de afeto e de irreverência a minha parte de escola, acho que junta um pouco essas coisas, porque eu era irreverente e acaba também se juntando com as pessoas que são. A coisa de fumar escondido no banheiro, nossa, fumava escondido no banheiro, ficava tonta, muito engraçado. (risos). Deixou boas lembranças, mas como um todo, não consigo puxar muitas histórias.
P/1 – E na época da sua juventude, como era? Você tinha grupo de amigos?
R – Tinha, eu sempre fui um pouco precoce porque como eu me alfabetizei cedo por conta da lousa continuada e eu sou de agosto, na época não tinha essa história que nasceu até 31 de junho. O pai punha e pronto! Eu sempre fui dois anos adiantada em relação à idade média, eu, com 13 anos, eu estava na classe das crianças com 13 e meio, 14, e eu era grande, eu cresci rápido, acho que com 14 anos eu tinha o mesmo tamanho, todo mundo achava que eu tinha aquela idade mesmo e eu acabei amadurecendo talvez um pouquinho antes do tempo. Na verdade eu comecei a fumar com 13 anos, horrorosamente às 10 horas da manhã eu ficava tonta, mas achava lindo de morrer, e sempre tive muitos amigos. Eu sou mais para extrovertida do que para tímida, então eu tinha a minha turma de escola, tinha a turma do clube, sempre gostei muito de fazer esporte, tinha a turma do esporte também do clube, a turma da minha irmã que era dois anos mais velha. Eu não tive muito essas crises de adolescência, sabe: “Não, porque teve a crise de adolescência ou crise pós-parto”. Eu não sei se eu me faço dar conta, não sei se eu não me permito ter crises, sem grandes traumas, sem muitos problemas. Eu tenho ótimas lembranças de adolescência, de namorar, eu só gostava de quem gostava de mim, nunca fui de querer me apaixonar por aquele que não gostava de mim e ficar chorando. Nunca compliquei muito.
P/1 – O que vocês frequentavam? Tinha baile, tinha festinha?
R – Tinha a domingueira, na nossa época a moda era a domingueira, mingau também chamava – não preciso nem falar a minha idade que com esses termos que estou usando – tinha o mingau ou domingueira que era festinhas no domingo, muitas vezes no clube. O Indiano fazia, o Círculo Militar fazia, era mais onde a gente ia. Teve aquela música do Serge Gainsbourg, da França: “Je t’aime/ Je te desejai vien...”, era o máximo, quando tocava essa música os pais ficavam até assim na domingueira para ver se não estava dando beijo, sempre tinha uns fiscais lá. Tinha no Banespa, aqui em Santo Amaro, tinha domingueira aqui que a gente frequentava. Tinha uma moda muito maluca que era tomar sopa de cebola no Ceasa, então quando era inverno, julho, agosto, a moda era no final dos bailinhos, imagina a rave, era tudo muito mais simples do que hoje, muito mais tranquilo. Meus pais foram muito liberais, eles confiavam muito na gente, a gente sempre saiu bastante, não tinha essa história: “Não pode sair com o namorado, tem que ter menina”, acho que a gente sempre teve bastante liberdade e responsabilidade. A gente ia tomar sopa de cebola no Ceasa e era moda também às vezes, os tempos eram outros, tomar cafezinho em Santos. A gente ia em lanchonete aqui, a moda era New Burger, Joaquim’s era uma lanchonete de Santo Amaro, tinha na Nove de Julho, famosésima. A gente comia o sanduíche, era a moda do hambúrguer e depois ia até Santos tomar cafezinho e voltava. A gasolina era barata, eram outros tempos.
P/1 – E tinha alguma atividade social que vocês fizessem na comunidade ou entre amigos?
R – Não. Eu acho que a gente não tinha muito essa consciência. De uma certa forma eu fui muito pouco politizada. Depois, vendo, tinha olheiro na escola de estado que eu estudei, no final já tinha olheiro, já tinham professores que foram mandados embora por conta da ditadura. Eu cheguei a ter OSPB, que era Organização Social e Política Brasileira, depois EEMC, que era Ensino, Educação Moral e Cívica, então eu cheguei a pegar essa coisa de lobotomia da ditadura, mas eu não tinha consciência, na minha cabeça... E depois fui fazer FAAP que era uma faculdade mais patricinha, vamos dizer assim, então eu acho que eu fui meio apolítica mesmo. Minha irmã não, ela estudou na mesma escola, mas ela foi fazer FAU, fez toda a diferença, Arquitetura e Urbanismo na USP, ela ficou super politizada. Essa coisa, acho que eu me protegi um pouco, acho que eu tive uma proteção natural de não fazer nada de desumano, de jeito nenhum, mas não tive essa coisa de sair, fazer uma ONG, fazer um trabalho social. Uma época a gente fez, era ligado à igreja. Uma amiga nossa estudou naquele colégio na Nove de Julho, um colégio religioso, não vou lembrar o nome, e a gente fez, mas não é uma coisa que fez parte da minha vida três anos. Durante seis meses a gente foi em favela aos sábados, ensinou a dar banho, umas coisas assim, mas não é uma coisa que eu incorporei. Uma coisa pontual, de meio ano, aos sábados e domingos.
P/1 – E essa parte que você citou da faculdade, como foi? Na tua família tinha alguma expectativa de você seguir alguma carreira?
R – Meu pai e minha mãe eram mais modernos do que a gente. Eu digo meu pai porque na geração dos meus pais o pai mandava mais que a mãe, de maneira geral era mais patriarcal a coisa. Meu pai era muito exigente com a questão de educação, de tratamento, eu nunca vi meu pai levantar a voz, nunca ninguém falou um palavrão em casa por perder o controle – pode falar palavrão contando uma piada, mas jamais como xingamento, então realmente eu cresci num ambiente muito cuidado nessa coisa de respeito. Ele realmente era um homem à frente do tempo dele, ele nunca resolveu ou palpitou em faculdade que a gente ia fazer, namorado que a gente tinha, mesmo que ele não gostasse, hoje eu percebo que ele segurava. Eu lembro que uma vez ele falou: “Se eu soubesse onde está a felicidade de vocês, eu levava vocês pra lá nem que fosse a pontapé, porque eu sei que chegando lá vocês iam ter a tal felicidade, mas como eu não sei a gente tem que deixar acontecer”. Ele era uma pessoa muito culta, com uma visão muito social, muito humanista de mundo, ele foi um exemplo não só para mim, para primos, para a família ele foi um exemplo. Mesmo nas atitudes, essa festinha que eu te falei é uma coisa que me marcou porque é festa, e era um cara que não tinha coisa sobrando, mas era uma pessoa muito sensível e muito cuidadosa. A faculdade eu fiz porque prestei Artes e Química e fui viajar. Eu era super encucada, aí entrei em Arte e fiz Arte. Eu nunca acho: “Eu tinha vocação para Arte, eu tinha vocação para educação”, eu acho que tudo foi meio acidental e eu acabei me identificando e fui tirando proveito das oportunidades que a vida foi me dando, mas eu não acho que eu nasci predestinada para nada.
P/1 – Você fez uma faculdade de Artes...
R – Eu fiz faculdade de Artes.
P/1 – E como foi, depois você já começou logo trabalhar em educação?
R – Eu fiz a faculdade de Arte, na época não tinha Marketing, não tinha Designer Gráfico, era FAAP, Artes Plásticas, Comunicação Visual e Desenho Industrial, eram os três campos lá dentro. Eu fiz Comunicação Visual, eu queria trabalhar com propaganda, com a parte visual mesmo de rótulo, de embalagem, mas eu morava em Santo Amaro e pegava a Marginal para ir para a FAAP e um dia eu soube que tinha uma vaga para assistente de arte aqui no Pueri Domus. Eu nunca quis trabalhar com educação. Eu acabei entrando e estou aqui há 30 anos, e adorei! (risos). A gente montou toda a estrutura de arte dentro do Pueri, foi uma escola que deu um espaço muito bom, é uma escola que eu gosto muito. Se eu tivesse entrado em outra escola eu poderia até ter pego uma má impressão, um trauma e ter saído. Eu terminei a Comunicação Visual e fiz a licenciatura, quando você tem as matérias pedagógicas que te dão condição de dar aula, mas porque eu estava no Pueri Domus, não estava no meu plano de vida não.
P/1 – Você fez essa voltada já pra educação?
R – Isso. Eu fiz a licenciatura em Artes Plásticas para ser professora de Artes Plásticas. Você tem noção de didática, de pedagogia, tanto que eu fui uma das primeiras turmas que fez esse curso porque foi um curso novo. Educação Artística estava entrando na grade obrigatória do currículo de escola.
P/1 – Você gostou desse curso?
R – Tinha ______. Da faculdade, na verdade, para mim foi muito gritante sair de uma escola pública mista e ir para uma faculdade particular, no Pacaembu, era uma faculdade relativamente cara, acho que até hoje a FAAP é uma faculdade cara, né? Eu passei a conviver com pessoas do meu nível social e econômico ou mais alto e predominantemente feminino. Eu não me identifiquei muito, eu me dei bem, eu me dou bem, de maneira geral me dou bem com as pessoas, mas não fiz grandes amigos. Eu tenho lembranças melhores em termos de ambiente, de conversa, da minha fase de Ensino Médio, na minha época chamava colegial. Na verdade, da faculdade, eu continuo com uma grande amiga que veio a ser minha cunhada, e a gente realmente tem afinidade independentemente dela ser minha cunhada, mas as outras pessoas eu acabei, me dava bem, mas não são pessoas que eu me identifiquei ou com quem você trocou experiência de vida ou com quem você foi viajar nas férias. Tinham outros horizontes diferentes do meu, até uma condição financeira maior, tinha realmente muita menininha que ia com chofer, não tinha nada a ver com a coisa de escola pública que eu estudei, que tinha um padrão muito bom, mas era gente como a gente, era a vida, pegar ônibus...
P/1 – E professor, teve algum?
R – Teve esse _____ que eu comentei que era um professor de História da Arte. Ele foi excelente, mas eu não fui uma excelente aluna. Eu fui uma aluna imatura que não aproveitei, acho que aproveitei 50% do que eu poderia realmente sugar daquilo... Era um professor muito especial. A FAAP, o que tinha de muito mágico, era assim: laboratório de fotografia, primeira vez que eu revelei uma fotografia foi marcante: “Isso é mágica!”, não é possível, é muito legal. E era aquela coisa de bacia mesmo que você vai vendo a foto aparecer, tem uma coisa até mais mágica que hoje. Hoje, essa coisa de digital, computador e tal, acaba colocando uma máquina entre... Lá tinha, mas era um instrumento muito rudimentar. Eu tive professores que eram artistas muito legais, a gente admirava pelo artista, não era nem pelo professor porque a didática deles não era das melhores e, à parte, toda a técnica da FAAP, até hoje é uma faculdade muito bem equipada.
P/1 – Nessa parte que você fez mais voltada para o lado pedagógico, como foi esse curso? Que métodos ensinavam?
R – Fraco, foi um curso fraco. Ele estava começando a ser elaborado, é um curso que não me ajudou na prática que eu já tinha. Como eu já estava aqui, eu aprendia muito mais aqui em capacitações internas que o Pueri Domus fazia. Eu tive o privilégio de ser coordenada pela Cleide _____, o Museu da Pessoa conhece. Hoje ela é uma assessora de educação extremamente reconhecida em São Paulo e ela era a coordenadora ou a diretora do que era chamado de primário e eu era professora de Arte do primário. Para mim, o que a Cleide ensinou numa reunião direta comigo, numa capacitação que a gente fazia com professor em classe, tudo o mais, me valeu muito mais teórica e praticamente do que as disciplinas que eu tive na FAAP. Estava começando a estrutura lá, não era a praia deles. Era uma faculdade de Arte e de repente cai o decreto que tem que ter matéria pedagógica, então saí correndo para pegar gente que sabe, mas não me marcou.
P/1 – E teve algum autor que te marcou nessa fase de formação?
R – Na época – de novo estou falando meu RG, já falei tudo, ano que eu nasci, fiz 50 anos sábado passado - eu brinco e até agora que eu acabei de fazer um doutorado em Arte, “A importância da arte na educação”, eu brinco que eu sou testemunho vivo de todas as fases que a arte passou porque eu, como aluna, eu fiz desenho geométrico, uma arte que era muito ligada à matemática. Como aluna de faculdade e no começo aqui no Pueri Domus como professora, era a coisa da livre expressão. Eram o Vitor (Menfeld?) e o Herbert ______ que eram os dois autores. A função do professor de Arte era pôr pincel, tinta e não falar nada para o aluno; a arte era de dentro para fora, você não podia desvirginar a criatividade da criança, você não podia ter uma imagem de arte na classe que ia atrapalhar. Depois a gente começou a entender que a arte era um tanto de conhecimento, que você pode refletir sobre a produção que já é feita, que você pode apreciar a produção do seu colega, a produção de artista, aí entrou uma outra fase da arte que é o que a gente acredita hoje. Que a Arte na verdade mesmo é o documento, outras culturas, outras coisas... Eu acabei passando como aluna e como professora por todas as fases.
(pausa)
P/1 – Qual foi o seu primeiro trabalho? Não foi aqui no Pueri Domus ou foi? Como foi isso?
R – Meu primeiro trabalho de verdade foi aos 15 anos. Um colega meu da escola pública, estava com 15 anos, na sétima ou oitava série, não sei, eu tinha um amigo que tinha uma irmã com Síndrome de Down, a gente falava excepcional, a APAE até hoje, a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais. Eu comecei a fazer brinquedos e jogos pedagógicos para crianças com Síndrome de Down, porque a mãe desse meu amigo, por ter uma filha com problema, acabou se aprofundando na questão e fez uma escola que foi uma escola de referência de como tratar as crianças portadoras dessa Síndrome. Era um trabalho informal. Algumas coisas ela determinava e eu executava, eu era a mão-de-obra mesmo, e outras coisas eu criava, ela me contava um pouco as possibilidades das crianças eu ia criando. Era super gostoso, era uma coisa que eu fazia em casa, meu pai ou a minha mãe me levava até lá pra eu levar os jogos, fazia outra encomenda, ia, voltava... Foi meu primeiro trabalho. Com o primeiro salário eu comprei um radinho de pilha pro meu pai. Você já viu que eu sou complexo de alguma coisa total com meu pai, meu pai é o máximo. Achei o máximo dar um radinho de pilha pra ele, comprei o radinho _________.
P/1 – E o que mais te marcou nesse trabalho?
R – Nessa época eu tinha uma turma muito forte na escola que eu estudei, a gente se dividiu muito por conta dessa... A gente nem conhecia, a gente estudava com o irmão da menina que tinha a Síndrome. Eu tive várias amigas que se identificaram muito, uma acabou fazendo Educação Física e se especializando nisso, Educação Física para crianças portadoras de deficiência. Eu tinha um outro amigo que falava: “Se a minha mulher, grávida, detectasse que tinha um problema sério, eu preferia que abortasse”. Isso para gente era motivo de uma polêmica enorme. Até outro dia meu marido estava vendo uma reportagem outro dia e perguntou: “Se você soubesse você teria o filho ou não?”, e me remeteu a essa discussão que era para a gente, imagina, aquela coisa de idealismo, de querer mudar o mundo e a gente tinha opostos na mesma turma. Para mim, fazer esse jogo foi uma maneira de poder colaborar, de me aproximar sem lidar direto porque na época eu não tinha facilidade, eu acho que eu não tinha uma estrutura para falar: “Que bacana, agora eu consegui fazer ele mexer esse dedinho!”, para minha amiga era o máximo, para mim era pouco. Não é justo isso, como pode a criança... De uma certa forma, mesmo socialmente, socialmente eu com a minha turma, foi uma maneira de eu conseguir fazer alguma coisa de bem para essas crianças sem ter que trabalhar diretamente que para mim seria um problema. Eu não tinha vontade, era uma coisa que me deprimia, o que os meus amigos achavam: “Que sucesso!”, para mim não era sucesso, era muito pouco e não era digno viver daquele jeito. Até hoje eu tenho umas crises.
P/1 – Depois disso?
R – Na minha carteira de trabalho tem um registro que chama Galeria Arte Hispana porque eu sempre fui péssima em inglês, o professor me pegou colando e deu zero para mim e pro colega que me deu cola, coitado. Eu tive que mudar para a noite para mudar de professor e tentar passar de ano e para mudar para a noite na escola do estado você precisava mostrar que você trabalhava, aí o pai de um outro amigo meu me registrou numa galeria de arte super chique, chamava Galeria Arte Hispana, na Bela Cintra, só de arte espanhola. Como eu mudei pra noite, fiquei folgada, eu fui um ou dois meses lá trabalhar com ele, ele ia me buscar em casa, meu patrão ______ e eu tirando o pó, não sei o que eu fazia na loja, eu quebrei uma antiguidade, devo ter dado o maior prejuízo pra ele e logo depois saí, mas na carteira de trabalho tem isso. Logo depois entrei no Pueri, com 20 anos. Faz 30 anos que estou no Pueri agora.
P/1 – Quando você entrou no Pueri como era naquela época? Como eram as aulas?
R – Para mim foi uma surpresa, como eu te falei, não fazia parte dos meus planos ser professora. Eu entrei porque sobrava tempo e estava no caminho, eu adorei! Eu acho que eu tive o privilégio de entrar no Pueri Domus numa época que a escola tinha saído da Avenida Brasil e tinha vindo pra cá, eu não faço parte dessa turma que trabalhou nos primórdios do Pueri que era em outro local. Era um espaço muito bonito, muito legal, eu era muito inexperiente, tinha 20 anos e não tinha irmão pequenininho, não convivia com criancinha na família, não tinha sobrinho, e gostei muito do contato com as crianças, do trabalho que o Pueri tinha de formação dos professores, acho que aprendi demais aqui, eu acho que eu também contribuí. Sempre brinco, eu acho que é uma coisa de duas mãos mesmo porque eu contribuí bastante com o Pueri, mas acho que eu aprendi demais. Eu agradeço até a mãe das atuais donas, que é a Beth ____, a possibilidade que ela me deu de crescer mesmo, de aprender aqui dentro. Por isso que eu acabei me apaixonando por educação e deixando as outras coisas de lado. Eu acho que se vivia também na escola particular, e isso não é do Pueri Domus, não estou fazendo nenhuma crítica aos pais daqui, pelo contrário, acho que a gente até hoje tem uma relação até de afetividade, os alunos aqui são afetivos de maneira geral, isso é uma marca do Pueri, uma coisa muito legal. Se a gente for pensar 30 anos atrás, a relação das famílias com escola particular, de maneira geral, era muito mais respeitosa. Era uma coisa que os professores sabiam o que estavam falando, a escola sabia… É como ir ao médico, você não vai ao consultório bater boca com o médico, você pode no máximo não gostar do médico e mudar, você tem opção. O Pueri Domus é uma escola particular, é uma opção do pai, não é uma escola pública que às vezes é uma falta de opção. Então era uma coisa muito legal, a gente aprendia com os pais, a gente fazia reunião com os pais, eu me sentia poderosa. Eu, uma moleca de 20 anos, falando para pais que tinham 30, 40 anos e eles acreditando no que eu estava falando, isso é uma responsabilidade muito grande. Isso me marcou muito e me fez ser uma profissional muito exigente comigo mesmo. Eu lembro até hoje o nome dos alunos mais antigos, dos irmãos, da família, pais, e são alunos que de uma certa forma têm destaque no cenário brasileiro ou paulista, sejam médicos, engenheiros, administradores, artistas... Tem muito aluno aqui que vai para a parte de humanas, de criação, muito mesmo, e o nosso currículo é um currículo equilibrado, não tem essa tendência. Acho que isso é uma coisa que me marcou muito e acho que é uma coisa que a escola particular hoje sofre no Brasil, ou pelo menos em São Paulo. Tem muitos pais que não têm essa parceria ou essa crença com a escola e isso prejudica o aluno. Se o aluno percebe no carro, na lanchonete ou no jantar o pai falando mal da escola ou o pai reclamando de professor, fica uma dualidade, porque a gente é adulto referência pro aluno e a família também. Isso para mim foi uma marca muito grande. A própria transparência com que a escola, na figura da Beth, que foi uma pessoa marcante que esteve aqui, como ela trabalhava, como ela falava em reunião de pais, como ela abria pros pais as qualidades e os defeitos da escola, foi uma parceria muito intensa e é uma marca que o Pueri carrega até hoje ou tenta carregar. Tem uma característica da clientela que muda, de todas as escolas, mas isso pra mim foi muito marcante. Não sei se estou respondendo à tua pergunta.
P/1 – Não tem problema. Você entrou para dar aula para os pequenos?
R – Eu entrei para ser assistente de arte dos pequenos. Tinha uma professora titular e eu era a professora assistente dos pequenininhos, aí rapidamente eu fui promovida a professora titular, fiquei bastante tempo como professora dos pequenos, depois de seis, sete anos – não sei dizer – eu fui dar aula de quinta série em diante. O que é muito engraçado porque os alunos de oitava série tinham oito anos menos que eu, não era uma diferença de geração, e também porque eu me apavorei a primeira vez que eu dei aula para oitava série porque você ia falar com o aluno e ele era quase mais alto que você. Uma vez eu fui tomar conta de prova, na época tinham momentos que a escola parava para provas e todos os professores iam tomar conta de prova e em Arte a gente não tinha prova. Eu fui tomar conta da prova, até o Simoninha que agora é cantor – eu até relatei isso num depoimento que nós demos para uma emissora que fez um programa dele – ele era uma figura: cabelo assim, já era todo diferentão e era muito afetivo, era uma relação muito legal, mas era um aluno diferente. Ele queria ser diferente e era diferente. Ele estava na oitava série, ele colou, alguma coisa assim, eu falei: “Entrega a prova!”, ele falou: “Não!”, aí eu não sabia o que fazer, meu arsenal tinha acabado, o que eu faço se o menino que é mais alto que eu, oito anos, sei lá quantos anos ele é mais novo que eu, fala que não entrega a prova? Aí eu pedi para outro aluno: “Vai chamar a diretora”. Eu não tinha atitude, eu não sabia o que fazer num impasse. Depois fui dar aula pro Ensino Médio.
P/1 – Quando você entrou, no comecinho, já tinha um Departamento de Arte? Como era estruturada essa parte?
R – Só tinha essa unidade, não tinha a rede, o Pueri Domus era esta unidade, e tinha uma professora de música, ela chama Neusa Martins, até hoje ela é educadora, ela dirige uma escola de Santos, acho que da organização Marista, uma coisa assim. A formação dela era de música e ela era professora de música, foi promovida a coordenadora de música. Como Arte ficou sem uma coordenação e de certa forma são linguagens artísticas, ela acabou coordenando Arte e Música, mas por não ter especialidade de Música, ela sempre passou muito a responsabilidade para mim e para uma outra colega minha que também era de Arte. Isso que nos fez crescer, quer dizer, a gente não tinha uma coordenadora que resolvia tudo pela gente, ela delegava e confiava. Nisso a gente cresceu bastante. A organização era isso, tinha essa coordenadora, tinha uma ou duas professoras de Música e duas professoras de Arte, essa era a equipe. Depois eu acabei substituindo esta coordenadora, eu passei a ser coordenadora de Arte e ela passou a ser diretora de uma das unidades e eu cheguei a ter uma equipe que eu coordenava 30 pessoas. O Pueri foi crescendo, esta unidade foi crescendo, fomos abrindo outras unidades e com isso a equipe vai crescendo, o próprio formato de coordenação vai crescendo, de coordenação vai mudando, você visita as unidades... Mas eu tenho a consciência, isso eu tive mesmo em tempo real, não só agora olhando e fazendo o retorno, de que foi uma trajetória muito prazerosa. Eu sempre gostei muito de trabalhar com o que eu trabalho, fazer o que eu faço, trabalhar direto com o aluno. Hoje eu não dou aula, de dois anos e meio para cá eu não dou aula, é uma coisa que eu acho que com o tempo eu vou sentir falta, não sei se dar muitas aulas por semana, porque é muito trabalhoso, no trabalho do professor a aula é o mais fácil; o antes, a preparação e o depois são os mais difíceis, o mais chato, mas se a gente ficar muito tempo fora da sala de aula enferruja, muda muito rápido, as coisas mudam muito rápido. A coisa das relações aqui no Pueri sempre foi muito boa, acho que é uma escola muito transparente, tem hierarquia, você não vai entrar numa sala chutando, não é nada disso, mas você consegue falar o que você quer, na hora que você quer, para a pessoa que precisa ouvir. Eu me identifico com isso, sou uma pessoa que tenta ser educada, muito verdadeira e tento ajudar as pessoas, acho que mostrar o defeito das pessoas também é uma forma de ajudá-la. Essa coisa das relações, tem um ambiente bom aqui no Pueri. Eu venho trabalhar: “Que bom, estou indo pro Pueri, viva, viva!”, não é isso, mas eu sei que vou chegar num lugar que eu me sinto bem, estou à vontade, ninguém está me controlando para ver o que estou fazendo, me controlando para ver se estou cumprindo horário, acho que, pelo menos pra mim, sempre me deram essa autonomia, essa responsabilidade, acho que eu sempre dei conta. É muito legal!
P/1 – E a relação com os outros colegas professores? Mesmo nível?
R – É bem legal. Claro que sempre tem pessoas com as quais você se identifica mais, seja por uma visão de educação, seja por uma visão de mundo. Eu fiz uma grande amiga aqui no Pueri Domus, é difícil a gente fazer grandes amigos depois de crescido, eu entrei aqui com 20 anos. A minha melhor amiga, uma das minhas duas melhores amigas eu fiz aqui depois dos 20 anos, é uma coisa difícil de acontecer, da área de Arte também, chama Rosane. Eu tenho uma relação muito boa de maneira geral com as pessoas e com professor, mesmo em Arte, as minhas colegas, depois de um tempo, eu passei a ser coordenadora delas, é uma coisa meio delicada. Acho que a gente conseguiu transitar por isso sem problemas, os meus colegas do Fundamental II também, fui colega deles muito tempo e um tempo depois, hierarquicamente, eu sou coordenadora, embora não trabalhe diretamente com eles. Eles têm um coordenador de unidade, como eu sou coordenadora de rede, de qualquer maneira hierarquicamente passei a ter um cargo diferente, que eu percebo que não afasta. No começo, quando eu assumi esse outro cargo, começaram a brincar: “Agora você é chefe”, aí eu pensei: “Será que vai melar alguma coisa? Vai ficar aquela coisa meio....”, não, acho que tem uma relação pessoal mesmo que se mantém, é bacana e que não impede de você ser verdadeiro, de você, não digo dar bronca, mas apontar os defeitos quando eles têm. Mas eu acho que isso é uma política do Pueri, se eu tiver que fazer isso com o meu chefe ou com a diretora, eu faço com tranquilidade: “Você pisou na bola aqui, era melhor fazer desse jeito”.
P/1 – E a sua trajetória, você entrou como auxiliar, depois professora, depois passou a coordenadora...
R – Entrei como auxiliar, passei pra professora _____ muito tempo, sempre Arte. A gente pensa a educação como um todo, mas a minha contribuição é uma fatia de arte e, de três anos para cá, eu assumi essa coordenação do segmento de Fundamental II. De três anos para cá, dois anos e meio na verdade, eu cuido de todas as disciplinas desse segmento de quinta a oitava série, embora a gente também pense no todo. A minha equipe é meu diretor e uma pessoa que tem o meu cargo para Educação Infantil e Fundamental I, eu e uma outra que tem a minha função pro Médio, e uma outra que tem a minha função pro ____ que é o programa inglês da escola. A gente sempre pensa muito junto e pensa na escola como um todo, mas a minha responsabilidade é de quinta a oitava série.
P/1 – E como era seu trabalho de professora de arte? O que focava em arte, o que vocês faziam?
R – Eu acho que o Pueri Domus, em Arte, ele foi muito pioneiro, porque nós fizemos, não só eu como o grupo de Arte, a maioria dos professores, nós tivemos uma ligação muito boa com o pessoal da Bienal, mas que era do Museu de Arte Contemporânea, o MAC, que cuidava dos monitores, faziam todo o trabalho de monitores pra Bienal e que eram os alunos da FAAP, do Mackenzie, da ECA, então nós entramos em contato com os pensadores de Arte que substituíram a visão do Minfeld e do Id que era uma visão mais purista da Arte, que tudo era de dentro para fora, que é a criança pro mundo, por uma visão diferente que entende a Arte como conhecimento, e o conhecimento é de dentro para fora, mas ele é de fora para dentro. Aí nós começamos a estudar na teoria e a desenvolver um trabalho mesmo nosso como pessoas, não vou dizer como artistas porque não me julgo artista, e que nós trouxemos isso para o Pueri Domus. É uma abordagem da arte que foi trazida pela Ana Mae Barbosa, que é meio guru da gente em Arte, a gente fala que é uma abordagem triangular de Arte. A gente entende que a Arte, a gente aprende Arte se a gente faz arte, seria a parte prática, o domínio prático da Arte; se a gente vê a Arte, se a gente aprecia - e o apreciar pode ser meu trabalho, o trabalho do vizinho, uma pintura rupestre, um pintor contemporâneo, sem preconceitos; e se a gente contextualiza o que a gente faz, o que a gente vê dentro de um tempo e de um espaço. Eu sempre dou o exemplo, se eu mostrar uma esculturinha de argila e falar para os professores, estou fazendo uma formação de professores de Arte, e falar: “Essa escultura foi minha filha que fez com quatro anos”. A leitura que eles vão fazer dessa escultura é uma, se eu mostrar essa mesma escultura e dizer: “Essa escultora veio de _____, a primeira imagem feminina do século trocentos antes de Cristo, está no museu não sei da onde, na Áustria”, o objeto é o mesmo, o contexto que eu o coloquei dá uma outra dimensão. Então a gente entende que é importante para ter o conhecimento em Arte o fazer, o apreciar e o contextualizar, quer dizer, colocar isso dentro de um tempo e de um espaço, dar referências para isso. A gente fez isso, de uma certa forma, muito antes que as outras escolas públicas ou particulares. Por conta até dessa ligação com a Ana Mae, com a Fundação Bienal, que tinha a _______ que também era diretora do MAC na época. A gente tem até… Eu trouxe documentos, não sei se vocês vão querer ou não, que mostram um pouquinho o tipo de trabalho que a gente desenvolveu, e desenvolve até hoje, só que hoje isso está muito mais difundido e não é um privilégio só nosso ter esse tipo de informação, tem até outras teorias que não substituem, mas que complementam essa que eu acabei de rapidamente tentar explicar. O Pueri sempre deu abertura pra esse grupo de Artes ir atrás da melhor forma de fazer e o grupo sempre foi um grupo ativo também, nunca foi um grupo acomodado, talvez tenha a ver com a natureza da Arte, de quem escolheu isso como carreira, mas eu acho que a gente sempre fez um trabalho diferenciado e um trabalho de bastante qualidade no que diz respeito à Arte. Mesmo agora que a gente vê a nossa cria, às vezes a gente encontra aluno: “Nossa” – ainda é tia – “Tia Cecília, sabe que eu trabalho com propaganda e tem a ver com as aulas de Arte de não sei o quê?”. As próprias amigas das minhas filhas, da minha filha – o meu filho também, mas mais a minha filhas: “Nossa, toda a vez que eu vou falar alguma coisa de Arte falam ‘Mas onde você aprendeu isso? Você faz Direito, faz não sei o quê’, ah não, é que eu tive aula de Arte no Pueri Domus e os outros não tiveram”. A gente quer mais é que todo mundo ensine muito bem, mas a gente fica contente de saber que a gente conseguiu ser pioneiro quando da introdução dessa maneira de entender a Arte. A gente não vai ficar fazendo presentinho pro Dia das Mães, pro Dia dos Pais, pintar o coelhinho do mimeógrafo.... Não dá para fazer um grande tratado de Arte aqui, mas a gente é quase que vaidoso do trabalho que a gente desenvolve aqui.
P/1 – Você ajudou a desenvolver o Departamento de Arte?
R – Ah, sim!
P/1 – Quando você entrou, ele quase não existia.
R – A gente sempre foi o braço direito da coordenadora que tinha uma especialidade em Música pra fazer esse Departamento de Arte.
P/1 – E tiveram métodos que vocês utilizaram? Por exemplo, a escola seguia o método montessoriano, tem uma ligação o método montessoriano com a Arte ou não, são outros métodos que vocês seguem?
R – No início, por isso que eu digo que eu sou quase um documento vivo das diversas fases da Arte, quando eu entrei aqui como professora, o que se acreditava em Arte, era essa questão de deixar a sala o mais asséptica possível. Eu não podia nem mostrar, se eu for mostrar como usa a tinta para não escorrer, eu não podia fazer uma flor porque se eu fizesse a flor se entendia que várias crianças iam copiar a minha flor. Na verdade, no início, o que se acreditava, e essa teoria é mais do Herbert ______ e do Vitor (Menfeld?) e outros, e que tem seu mérito, não é só isso a teoria, mas é muito da livre- expressão, da criatividade, essa era a tônica, a palavra-chave. A gente até brinca hoje que era a livre-expressão obrigatória, porque era livre-expressão quarta-feira, das dez às dez e trinta, então a livre expressão obrigatória, e Arte não é só isso. Ela também é isso, mas você entender que a Arte é só isso, você está reduzindo a Arte, se a gente pensar naquelas três instâncias que eu falei, só ao ângulo do fazer. A Arte não é só fazer, tem que ter uma crítica e uma apreciação em cima do que é feito, tem que ter conhecimento do que já foi feito, então nós passamos por essa fase do Pueri e era o que a gente acreditava ser o melhor na época. Depois nós implantamos, eu digo nós porque eu estive na equipe que ajudou muito de professores de Arte mesmo, eram muito antenados, iam muito atrás das coisas, para estar trazendo essa abordagem que a gente chama de abordagem triangular, que acredita que a Arte tem que ter essa dimensão produtiva, essa dimensão crítica e essa dimensão histórica. E a reflexão é que junta essas coisas. Quando saíram os PCNs, os Parâmetros Curriculares Nacionais, eles acabam indo ao encontro dessa teoria. Eles não falam muito de nomes porque eles querem ser meio atemporais, uma questão que eu até discordo um pouco, eles não dão muito mérito para ninguém, mas na verdade referenda essa abordagem com outros nomes até para não caracterizar: “É material que trouxe tal pessoa de tal...”, então fica uma coisa meio de todo mundo, mas contempla essa abordagem que a gente acredita.
P/1 – Vocês têm feiras de Arte, têm coisas desse tipo?
R – Na verdade, trabalhamos, a gente tem um evento que nós chamamos de Expoarte, ele acontece anualmente e ele tem um tema e nesse momento o tema perpassa da Educação Infantil ao Ensino Médio. Nós já trabalhamos desde Direitos Humanos: “Vamos pegar a questão da Declaração Universal dos Direitos Humanos e ver como ela pode se adequar à possibilidade de uma criança de dois anos de idade, de um adolescente de 16, 17” e essa temática perpassa a exposição inteira, os alunos fazem produções para Arte a partir das discussões, das reflexões e depois isso é colocado em uma exposição. Como o próprio nome, expor é um trabalho que é feito para ser exposto. Normalmente é em grupo porque a escola é grande, se faz individual fica muito comprido, muito grande para ver tudo aquilo, então fazem produções em grupos. Desde temas como os Direitos Humanos até trabalhar a cor. A cor, que é uma questão super forte da Arte, as crianças pequenas recolheram tudo que tem de vermelho na casa delas e fizeram uma instalação. Os mais velhos já trabalharam com preconceito, a questão da cor enquanto preconceito racial. Cada um faz a sua entrada de acordo com a sua maturidade, com a sua possibilidade. Trabalhamos artistas, _______________, Picasso, a gente faz esse evento que dá uma certa visibilidade pro trabalho senão ele fica dentro da sala de aula, nos murais da escola, coisa assim.
P/1 – Você sempre ficou aqui na Verbo Divino ou você passou por outra unidade?
R – Como coordenadora de Arte?
P/1 – Como professora...
R – Como professora eu fiquei aqui, dei um pouquinho de aula numa outra unidade que era a Unidade Jardins, que agora acho que é no Itaim. Como coordenadora a minha sala era aqui, mas eu rodava as unidades e agora como coordenadora de Fundamental II a sala também é aqui, mas a gente visita todas as unidades: Araraquara, ____.
P/1 – Essa passagem que você teve em outra unidade não foi...
R – Pequena, não foi marcante.
P/1 – Quais os principais desafios que você enfrentou?
R – Que difícil! Eu acho que estou enfrentando um desafio nessa nova função que estou. Essa função que é de coordenação de ensino, eu acho que sou uma pessoa com uma visão ampla de educação, mesmo essa visão mais aprofundada de Arte, acho que pode ajudar muito as outras disciplinas que não são exatamente as disciplinas de Arte. Eu sempre brinco que uma época Arte queria fazer prova, queria dar nota, para ser séria, pros alunos levarem a sério como levam as outras disciplinas, e isso se inverteu. O que a escola hoje busca é uma avaliação por processo, que é o que a Arte sempre fez, não é avaliar só o trabalho pronto, avaliar o processo, é você trabalhar em grupo, uma coisa que a gente sempre fez em Arte, trabalhar por projetos, é uma coisa que a gente sempre fez em Arte. Na verdade, é um desafio eu conseguir passar essa experiência que eu tenho de Arte para a realidade da escola como um todo e é um desafio porque, na verdade, até pela minha formação, eu estou me deparando agora, neste novo cargo, com questões diferentes mesmo, por exemplo: “em quanto tempo um aluno deve fazer uma avaliação de Matemática? Em 15 minutos, em 20, em 50? Quanto uma prova formal, o que a gente chama de prova, de Matemática, o quanto ela deve cobrar de conteúdos e o quanto deve cobrar de habilidades e competências operatórias, mentais da criança?”, eu não tenho tudo isso na ponta da língua. Eu tenho até colegas meus, professores, da equipe que eu trabalho, que são mais especialistas que eu, é que a troca tem que acontecer e é legal. Isso nessa função que estou agora nesses últimos três anos. Na outra função que fiquei 27 anos, eu acho que o grande desafio foi de mostrar porque muda diretor de escola, mudam coordenadores, é de mostrar o quanto a Arte tem valor, tem poder educativo que vai muito além da decoração, do bonitinho, do enfeite, que é o estigma que cada vez é menor, mas ainda existe. Assim como o de Educação Física, faz uma festa na escola, toma conta da portaria, toda vez que precisa de um homem é o professor de Educação Física, e toda vez que precisa deixar bonito é de Arte. Acho que isso sempre foi uma bandeira, não foi um desafio dificílimo, mas é uma coisa que você sempre fala: “Lembra que não é isso”. Na hora de fazer o mural chama a professora de Arte, quer dizer, todo professor tem que saber usar uma lousa, tem que saber fazer um mural, isso é didática, isso é a forma de você estar passando a informação.
P/1 – E dificuldades, houveram?
R – Como ______ com a vida, eu sou uma pessoa muito otimista, então eu não sei se eu me esforço para fazer a dificuldade ser uma forma de você crescer ou se eu esqueço. Eu lembro muito mais na vida das coisas que dão certo, a gente até brinca que o copo está com água pela metade, tem quem fale que ele está metade cheio, quem fale que ele está metade vazio. Eu sempre falo que está metade cheio, dá pra fazer um monte de coisa com a metade da água que tem no copo. Acho que dificuldade sempre tem, tem dificuldades pessoais, eu tive problemas de saúde com os meus pais, estava trabalhando e queria fazer as duas coisas bem feitas, mas não que tenha algum desafio profissional, alguma dificuldade que eu fale: “Puxa...”. Na verdade, nesses 30 anos de trajetória eu fiquei três anos fora porque eu estava morando fora de São Paulo, estava fora do país e, nesse tempo, a escola deu uma mudada na concepção do ensino médio, se devia preparar o aluno para a vida ou para o vestibular, então se eu tivesse ficado aqui esses três anos pode ser que eu sofresse algum embate da minha crença de educação com aquilo que a escola estava desviando um pouquinho do rumo. Acho que Deus ou seja quem for, é tão bonzinho comigo que esses três anos eu estava fora, quando eu voltei estava tudo realinhado de novo, trabalhando numa concepção que é a que eu acredito. Todo mundo tem uma concepção de vida e uma visão de educação, não só o professor, então você tem que estar numa escola que isso coaduna, não pode dar choque.
P/1 – E as alegrias?
R – Profissionais, você está dizendo?
P/1 – Isso!
R – Acho que são muitas mesmo. Tem uma coisa de ambiente que é o que eu te falo. Eu não misturo muito, por mais que eu tenha a grande amiga, que nem está mais aqui dentro como funcionária, mas eu fiz aqui, eu não misturo muito, falar: “Vivo encontrando diretor, colega final de semana”. Eu separo um pouco e acho que é até bom separar, mas eu acho que é uma coisa de ambiente, de troca aqui no Pueri que é muito agradável, é muito gostoso. Eu fiz 50 anos sábado, sexta-feira minha equipe menor que eu convivo no dia-a-dia: “Vamos almoçar junto?”, e minha filha veio junto, tem 22 anos. Ela achou o máximo, falou: “Mãe, que delícia trabalhar assim!”. Era horário de almoço, ninguém estava falando de negócios, mas são as relações que ficam para além. Acho que as alegrias são muitas mesmo, realmente, os ex-alunos... É muito legal encontrar ex-aluno, é muito gostoso a gente perceber que é importante na vida de gerações. Meus primeiros alunos têm quase 40 anos, por isso eu digo que dá dez anos de diferença, estou fazendo 50 e os meus primeiros alunos têm 40.
P/1 – E qual você considera sua principal realização?
R – Profissional?
P/1 – É, dentro do Pueri.
R – Minha principal realização eu acho que é – é tudo principal, difícil, você tem que eleger – mas eu acho que a minha imagem na minha trajetória do Pueri é muito associada à Arte, mesmo que agora eu esteja num cargo de maior destaque, pode até ser mais chique, hierarquicamente ele é maior. Eu acho que são três anos nesse cargo e 27 no outro, é óbvio que tem uma ligação muito grande, às vezes as pessoas: “Você não tem saudade? Mas eu sempre te vejo ligada à Arte”. Eu acho que até agora o que eu consegui contribuir mais para a escola – não sei se é meio por aí a tua pergunta, o que eu posso ter feito de melhor para a escola – é de realmente não só ter mostrado, é ter construído, não sozinha, acho que não é mérito meu só, mas de ter construído ou ter colocado a Arte no lugar que ela merece, porque a Arte, dentro das escolas, muitas vezes é segunda categoria. Isso não é porque eu acho que a Arte é importante. É porque a gente sabe o quanto a Arte pode contribuir na educação e no desenvolvimento dos alunos de qualquer idade. Uma escola que coloca a Arte em lugar de destaque está ajudando na formação desse aluno, e essa é a nossa obrigação. Português e Matemática você não precisa fazer muito esforço para ter destaque, ela tem. Jamais fica um professor ruim de Matemática ou de Português numa escola boa e às vezes as disciplinas que são consideradas menos importantes a coisa fica mais escondidinha, os próprios coordenadores, pedagogos já tiveram uma boa formação sobre Arte na faculdade de Pedagogia. Isso não existe no currículo. Eu abordo um pouquinho isso no Doutorado que eu acabei de defender. Talvez a maneira de você virar essa questão é mostrar nas faculdades de Pedagogia mostrar qual a importância da Arte para a formação, da Educação Física, da Música, da História, da Geografia porque esses pedagogos é que depois vão cuidar disso, certo? Por que na hora de tirar fotografia você nunca tira da aula de Português ou de Matemática? “Tenho que tirar fotografia da classe” “Tira da Educação Física”. (risos) É verdade, é sério, isso não é no Pueri. Você ouve aluno falar, é de qualquer escola.
P/2 – Quando você defendeu o seu Doutorado?
R – Na verdade eu defendi numa cidade da França, chama Grenoble, porque quando eu me afastei três anos aqui do Pueri foi para morar lá. Eu fui para fazer o Mestrado, comecei o Doutorado lá – foi um outro presente que a vida, Deus me deu, um educador que chama Charles _____, tem livros traduzidos pro português, ele é filósofo de formação, é um super orientador – aí eu voltei para cá, fiquei morando aqui, mas eu ia para lá todo ano ou aproveitava quando ele vinha para conversar e via internet. Eu acabei fazendo os créditos, já tinha feito todos e acabei fazendo meio à distância e defendi agora, defendi em 14 de julho. Na verdade é a importância da Arte na Educação e se o material didático de Arte pode ajudar no seu aprendizado como o de Português, da Matemática. As pessoas não imaginam um curso de Português, Matemática ou História sem um livro, e Arte se imagina, até se estranha se tem um livro. Então _____ na verdade o quanto esse livro pode ajudar no aprendizado.
P/1 – Cecília, você nos contou que presta uma assessoria para as Escolas Associadas do Pueri. O que seria essa assessoria?
R – Na verdade, eu e essa minha amiga que é daqui, a Rosane, também formada em Arte e História, nós somos autoras do material didático de Arte da Escola Associada que faz o material didático pro Pueri Domus e para as escolas associadas ao Pueri Domus. Então, como autoras do material didático, nós fazemos a capacitação dos professores das escolas associadas quando o Pueri Domus Escolas Associadas nos pede e, fora isso, nós fazemos assessoria para outras escolas. No momento estamos fazendo assessoria para uma escola de educação infantil que tem dentro do Clube Pinheiros e vamos estar fazendo agora até o final do ano uma capacitação dos professores de algumas escolas da rede pública de São Bernardo do Campo na questão da Arte também. A importância da Arte na educação está sendo muito falada, está tendo uma visibilidade muito grande, então as escolas estão buscando a formação dos professores que não têm. Professor de classe dos pequenininhos tem curso de Pedagogia, não é mais curso normal, normalista, é o pedagogo. Eles não têm essa disciplina na faculdade, de saber o que a Arte pode ajudar, então eles falam: “Como eu posso ensinar aquilo que eu não aprendi ou valorizar aquilo que eu não sei o valor?” e isso é muito contraditório, porque fora da escola a Arte tem um valor enorme. Você vai medir o índice de cultura dos países, você vê a produção artística, os museus são verdadeiros castelos onde eles guardam as produções de Arte. Tem uma defasagem, uma dicotomia entre a importância da Arte na vida e em algumas escolas que tem que ajustar, alinhar alguma coisa.
P/1 – Alguma coisa está errada! (risos) Você tem alguma história, algum caso pitoresco que aconteceu no seu ambiente de trabalho que você gostaria de contar?
R – Mas com que finalidade? É mais uma coisa engraçada ou uma coisa inusitada?
P/1 – Uma história interessante ou um caso pitoresco.
R – Tem várias. Vou pegar uma pessoal. Uma vez, quando a minha filha estava na quarta série, eu dei aula pra ela – eu fui professora dela, o que eu não gosto muito, não acho muito saudável, e para sobrinho também não gosto muito. A classe dela era uma classe muito criativa, tem muitos colegas que foram pra parte mais de Humanas e de Arte em geral, mas era uma classe a mil por hora, falava muito e um dia, eu indo para casa, minha filha virou, ela devia ter uns dez anos, ela falou: “Mãe, você dá bronca na classe toda de um jeito, mas quando você olha pra mim, a bronca que você dá é assim: Você vai ver quando chegar em casa!”. (risos). Ela falou que a bronca era totalmente diferente. Sabe aquele olhar assim: “Até você, minha filha?”, até tu, Brutus? (risos) Mas não sei se é exatamente esse tipo de... É que agora não ocorre, mas tem muita história, tem muita história legal.
P/1 – Está ótimo! Cecília, como você compararia as escolas que você estudou com o Pueri Domus?
R – Eu acho que com a escola particular que eu estudei, que eu fiz o primário, tem o cheiro igual que eu falei, de massinha, eu acho que tem a coisa de serem duas escolas particulares, no mesmo bairro, as duas são em Santo Amaro, têm professoras em comum – é muito engraçado, duas professoras que eram de (clubinho?) porque eram recém-formadas normalistas, agora são professoras daqui. Eu acho que lá me ficou um pouquinho a imagem de uma coisa super protegida e aqui eu acho que é uma preocupação que nós enquanto escola temos de não superproteger os meninos. Quer dizer, porque já são crianças super protegidas porque moram em uma cidade super violenta, têm medo do sequestro, medo disso, medo daquilo e tal, então como a gente educa esses meninos para a autonomia? Da escola de estado eu acho que tem muita coisa do ambiente, da hora do recreio. A hora que eu vejo os meninos aqui em recreio, do ensino médio, eu me vejo muito, falo: “Que fase boa, que fase gostosa!”. Tem uma coisa da idade que é muito igual, o que tem de mais parecido é o aluno! Tem alunos adolescentes, eu era lá protagonista, aluna adolescente e tem os alunos aqui, mas eu vejo muita coisa em comum e muita coisa positiva em comum. São mais as coisas positivas que eu vejo em comum mesmo: ser uma escola de ponta, ser uma escola que respeita o aluno... Eu estudei em escola assim e o Pueri é.
P/1 – E o que você acha que mudou mais desde a sua infância até hoje em matéria de educação?
R – Eu não estou falando de Pueri Domus, eu estou falando de educação?
P/1 – Geral, isso.
R – Eu vou voltar àquela crítica, os pais que me perdoem porque toda generalização é injusta, mas eu sou de uma época que se a escola chamasse meus pais, meus pais iam falar: “O que você aprontou? O que você fez?” e hoje existe uma certa tendência do pai chegar à escola e dizer: “O que vocês fizeram com o meu filho?”, como se o filho sempre fosse o indefeso, o filho sempre tivesse razão. Tanto que muitas vezes eu começo uma conversa com o pai dizendo: “Olha, a gente tem que começar a conversa acreditando que nós dois queremos o melhor para o filho de vocês. Tem que partir daí, se vocês acharem que não é isso, não adianta conversar”. Só que aí a escola tem um papel, eu acho que a instituição escola – eu falo mais da realidade da escola particular, não sei exatamente na escola pública como acontece – falta um pouco esta parceria das famílias com a escola, da família acreditar mais que a gente esteja querendo o melhor para o filho, mesmo que possa parecer um castigo ou uma cobrança muito exigente, isso faz parte. Quem sabe muitas famílias também não estão tendo um pouco de falta de limite, isso é ruim no futuro, a gente sabe que tem essas questões.
P/1 – E na parte pedagógica mesmo, o que você acha que foi a mudança mais significativa nos últimos anos?
R – Ah, sim! Eu acho que tem uma questão que é muito importante, que na minha época de escola, se for comparar, o aluno na porta da escola deixava a sua individualidade, deixava a sua singularidade para fazer parte de um todo onde ele era um do grupo e tinha sua qualidade. Eu acho que a escola é o primeiro momento que deixa de ter os irmãos – e hoje em dia não tem mais família de dez, são dois ou três – e passa a fazer parte de um grupo de pelo menos 20 ou 25 na classe. Só que você, de uma certa forma, massificava. Você ensinava de um jeito e se um aprendia mais rápido, o outro mais devagar, eles que tentem se adequar sozinhos. Hoje existe o contrário, quer dizer, a idéia é que o aluno traga essa singularidade, traga essas questões que são individuais e dele pra dentro da escola e que a gente também consiga trabalhar com essas diferenças. Aí entra a questão do próprio aluno perceber que um é diferente do outro, saber trabalhar com as diferenças, com a questão da alteridade que é muito bacana. Acho que isso é um ganho muito grande pros alunos e para a escola. Por outro lado existem limites, então muitas vezes a gente vê um professor falando: “Puxa, mas eu tenho o mesmo tempo de aula, eu tenho uma série de conteúdos...” – uma questão hoje em dia, a escola está muito preocupada com a formação de conteúdos atitudinais, não só de conteúdos acadêmicos – “E como eu faço para trabalhar com todas essas diferenças?”. Eu acho que esse é um impasse da escola. Quer dizer, a gente continua com sinal, com horário, com aula de 40 minutos, embora aqui no Pueri a gente já tenha muitas aulas que a gente chama de aulas em bloco, então é um tempo maior de aula até para você poder desenvolver aulas mais criativas, trabalhos em grupo com começo, meio e fim; mas como a gente consegue juntar grupos de 25 alunos, cada um trazendo a sua particularidade e o professor dar conta? Isso é o legal, mas existe uma dificuldade. Era muito mais fácil como professor dar aula na escola de antigamente porque a sua parte era só ensinar. Se o aluno aprendeu ou não, problema do aluno. Agora não, a nossa parte é trabalhar com o processo ensino-aprendizagem, também isso é muito mais complexo. Acho que é um desafio, mas é o caminho.
P/1 – Você já falou sobre a relação com os pais, da escola com os pais. E a relação da comunidade com a escola, como você vê isso?
R – Da comunidade Pueri Domus com o Pueri Domus?
P/1 – Isso.
R – Aí você está chamando de comunidade todo o entorno? Os pais, professores etc, né? Eu acho que existe uma dificuldade, aí eu estou falando a minha visão, podem ter coisas a mais que eu não conheça. Eu acho que a gente tem a dificuldade de sair de São Paulo, isso eu estou falando de Verbo Divino. Se você pensar em Aldeia da Serra, em Aruã ou em Araraquara, que são as unidades mais afastadas do centro urbano, é muito mais fácil de você atingir, contaminar a comunidade, por quê? Porque, primeiro, é menor, as coisas são mais próximas, o que acontece? Em São Paulo, a questão de você trabalhar com a comunidade, por exemplo, é super complicado, mas vou dar um exemplo de bairro, não sei se é exatamente um exemplo bom, se você vai fazer uma palestra para a comunidade, aberta para a comunidade – então vamos expandir mais que o bairro – aqui na Verbo Divino é complicado o horário, a gente faz, não que a gente não faça, o trânsito, se você atinge o menor, se você faz sete horas da manhã e o pai vem antes de trabalhar ou a comunidade, se você faz sábado, se você faz à noite porque é um público tão diversificado e são tantos “complicômetros” para quem mora em São Paulo que às vezes a gente até desiste. Se você vai fazer em Aldeia da Serra é muito mais fácil; em Aruã é mais fácil ainda. Nossa escola de Aruã é do lado de um condomínio, então é uma comunidade-condomínio, você já faz parceria. Tem a coisa do meio-ambiente lá, você já vai, já faz, mesmo aluno que não é do Pueri, família que não está no Pueri, tem outras escolas lá. Em Aldeia da Serra estamos promovendo agora no segundo semestre um encontro de formação para professores das escolas públicas da região, que é Barueri, Itapevi e Aldeia da Serra. A Diretoria de Aldeia da Serra convidou esses professores, falou com as três Secretarias de Educação, mas são três Secretarias pequenas, aí eles têm a possibilidade de cada um inscrever “X” números de professores e nós faremos dois sábados de capacitação para professores da escola pública com os profissionais do Pueri Domus. Se nós transferirmos essa iniciativa para São Paulo, você atinge 0,001% do público. Aqui é complicado pela estrutura e por tudo ser muito mega também. Lá você não vai atingir todos os professores, mas já estamos abrindo dois sábados – estou chutando – a gente vai pegar 10% dos professores, 15%. Aqui você não pega nada, tudo fica pequeno. Isso é uma dificuldade do trabalho com comunidade aqui. Nós temos trabalho social com grupos de alunos liderados por um professor que trabalham com a comunidade, seja o asilo de idosos que tem aqui perto – mas são coisas pontuais que para o nosso aluno é super bom, acho que é uma formação maravilhosa que ele está tendo, mas a nossa possibilidade de mudar o entorno é muito pequena. É muito grande o entorno e tem muito problema envolvido, então é bem pontual. Era essa a pergunta?
P/1 – Está bom! O que você acha que a educação brasileira mais precisa?
R – Eu acho que a vontade política, aí não é a educação, é o país. O político que não percebe que investir em Educação, investir em Saúde é a saída, não tem a menor – pode ser pretensão da minha parte, não sou política – eu acho que não tem o pré-requisito mínimo e básico para ação política. Todo mundo sabe disso, todos os países que saíram do buraco, que foram devastados por guerras, por terremotos, seja lá o que for, é investir na Educação. Na Educação muitas vezes até antes que na Saúde, quer dizer, o povo educado vai ter melhores hábitos de higiene, vai ter um trabalho mais de prevenção, ele vai saber exigir melhor também, ser atendido bem em um hospital público, então a educação é tudo. O que mais precisa é político acreditar nisso, ______. Professor, desculpe, é impossível você achar que um professor, com o salário que tem, vai se dedicar. É a mesma coisa que a polícia. Está errado? Está errado, agora, a pessoa ganhar um salário mínimo e meio e achar que ele vai se dedicar muito, claro que ele vai fazer bico. E professor é a mesma coisa. Nós temos professores aqui que dão aula aqui e no estado porque o Estado tem uma questão de estabilidade, aposentadoria que são algumas vantagens. Se ele tem que faltar, você acha que o professor falta onde? Aqui ou lá? Pelo que ele ganha, pelo que ele é cobrado se ele falta. E eu que sou oriunda de escola pública, a gente vê que é possível. Eu estudei em uma escola que tinha piscina, com quatro raias, com aquele muretinha para você pular, tinha dentista...
P/1 – Mas você acha que é uma questão só de dinheiro para melhorar a Educação?
R – Dinheiro? Acho que é dinheiro...
P/1 – Dinheiro na Educação, eu quero dizer.
R – Dinheiro, é vontade política de achar que isso é importante. O Governo tem que falar “Educação é a prioridade”, se é a prioridade tem que pôr mais dinheiro para as escolas estarem bem equipadas, tem que pagar melhor o professor. A gente percebe que Governador do Estado que investiu em programa de formação de professor, deu resultado que se consegue medir. Educação você não tem o resultado em quatro anos, Educação é a médio e longo prazo. Os governos são quatro, seis, se reelege são oito, então não é eleitoreiro trabalhar com educação, vale mais a pena fazer uma ponte, construir prédio porque depois tira a foto e fica lá. Eu estudei em escola pública, eu sei o quanto é possível; meus filhos estudaram na escola pública francesa que é melhor que a escola particular, melhor, não que é boa, é melhor. Lá, a particular é por conta de religião que a pública passa super longe disso. Vi a escola decair, a escola pública, em seis anos. A minha irmã fez uma excelente escola, eu fiz uma escola no começo da decadência e meu irmão fez uma escola ruim. Tem uma questão, essa decadência que eu vi na escola que eu estudei tem a questão da ditadura e, por outro lado, tem a questão da socialização do ensino, quer dizer, todo mundo ascendeu à escola e não tinha tanto professor bom, você junta as coisas. Tem um lado meu, o plano B da Cecília, que eu falo: “Puxa vida, mas se eu acho tudo isso eu não tinha que fazer um trabalho numa escola pública, numa ONG, em alguma outra coisa que não seja só no Pueri Domus que é uma escola particular que atende a classe média alta?”, isso é um trabalho que eu tenho que pensar pra quando eu ficar mais velhinha.
P/1 – O que você acha das iniciativas governamentais tanto no âmbito federal como no estadual, você acha que está se fazendo alguma coisa, está caminhando?
R – Eu acho que tem atitudes isoladas que são boas. Eu sei de trabalho de formação de professores de Prefeitura e de Estado que são ou foram boas, mas não tem um plano macro, esse é o problema, não existe um plano macro. E você está dizendo escola, eu posso falar de faculdade. Acho vergonhosa a situação da faculdade.
P/1 – É, estamos falando de modo geral a educação.
R – Educação. Você vê Faculdade de Direito, é vergonhoso o que está acontecendo. Chega na hora de passar no exame da OAB, não passa ninguém. Eu sei de exemplos de faculdades, porque para a faculdade ser aberta tem que ter o mínimo de biblioteca quando vai fazer a fiscalização. Faculdade que aluga biblioteca, chama o fiscal do Governo, ele vê que tem biblioteca, aí devolve a biblioteca e não tem biblioteca. Eu tenho uma visão que é muito contraditória, não sei, mas a gente está caminhando para o oposto do que eu acho que o Brasil com esse tamanho de problema e de gente deveria caminhar. O técnico é uma pessoa importante e a gente não está investindo. Na minha opinião tinha que ter ensino médio técnico, os nossos alunos, meus filhos estudam 17 anos, nem sei quantos anos são, 14 anos, eles não sabem trocar uma tomada, eles não sabem fazer um prato de comida, então é uma escola que a gente tenta minimizar, mas que é muito teórica. Dali eles pulam para uma faculdade que, via de regra, são mais quatro anos de teoria e daí eles vão ser graduados. Cadê o técnico? Cadê o eletricista? O mecânico? O que a gente precisa disso com qualidade, fizesse um ensino médio, mesmo na escola pública, um ensino médio profissionalizante com qualidade. Que país tem que ter 100% de universitário? Não existe isso. Eu fico indignada, mas eu acho que é falta de vontade política porque não dá visibilidade. Dá visibilidade se continuar, é uma coisa de geração, dez, 15 anos para dar resultado.
P/1 – Como você vê a formação dos professores?
R – Do Pueri?
P/1 – Geral.
R – Os professores são decorrência das universidades. Têm universidades boas? Têm. É só a USP? Não, tem universidades privadas boas, agora, tem universidade como essa que eu te falei, que aluga biblioteca. Imagina os professores que fazem o seu curso nessa faculdade que aluga biblioteca. De maneira geral, eu acho que as faculdades precisam ser oxigenadas, é claro que têm faculdades boas, mas é absurdo eleitoreiro, político, essa abertura de muita faculdade com baixo nível. Isso não é só formação de professor. Se o Museu da Pessoa for conversar com uma firma de engenheiros e falar: “Me fala da formação dos engenheiros?”, é a mesma coisa, quer dizer, as pessoas estão saindo com uma formação deficitária, de maneira geral. Existem os autodidatas que não precisam nem fazer faculdade, o Globo Repórter mostrou os heróis da resistência outra sexta-feira, mas você não pode acreditar que um país vai ser feito de heróis autodidatas.
P/1 – E as novas tecnologias? Como você as vê entrando na escola, na sala de aula, o que você acha?
R – Sabe que é engraçado você falar disso, porque o Pueri Domus também foi meio pioneiro nisso. __________, mas ele foi pioneiro em várias coisas. Eu lembro quando começou a se falar de computador, a Diretora na época, a Beth, ela abriu curso de informática, Word, e-mail para os professores. Ela falou: “Não vai demorar o dia que os alunos vão frequentar escola com laptop”. Para a gente: “Imagina, de jeito nenhum, de maneira nenhuma”, e isso é fato. Hoje que a gente é rede, imagina se a gente não soubesse digitar um e-mail, quer dizer, trabalhar basicamente com o Word, fazer no Power Point. Quando a gente fala de tecnologia a gente pensa diretamente no computador. Eu acho que isso é interessante porque é um exemplo do aluno saber mais que o professor. Nossos alunos sabem muito mais disso do que os professores, eles ensinam isso pra gente na hora que dá pane no computador, no Power Point, no datashow, o menininho de quinta série: “Pode deixar, professora!”, vai lá, tudo bem. É inevitável, é uma realidade, é uma necessidade, acho que tem uma questão que é cara, é uma coisa difícil da escola se equipar, das escolas se equiparem adequadamente porque são materiais caros. Mas eu acho que é muito legal esse lado do aluno estar ensinando o professor, isso é fato, a gente pede ajuda mesmo. E tem a questão do ensino à distância, isso viabiliza uma série de diferentes possibilidades de ensino, videoconferência, são possibilidades excelentes de aprendizado.
P/1 – Na sua opinião, qual a função que a escola deve ter hoje?
R – A função social da escola?
P/1 – É, de modo geral.
R – Eu acho que a escola tem a dupla função: ela é o único local onde um ser humano, como aluno, ele é herdeiro de uma cultura de uma humanidade que a escola tem que passar, então as questões de Português, Matemática, História, Física, Química que a gente entende que são importantes o aluno saber, é na escola que ele vai saber e ele é herdeiro desses avanços, dessas conquistas. Ele tem o direito de saber isso. Essa minha visão é o meu lado tradicional, tem gente que questiona, mas eu defendo até que me convença do contrário. Eu acredito que se o aluno não aprender a ler bem, a escrever bem, a entender a história da humanidade dele nesse contexto do Brasil, da escola, isso não é obrigação da família, do clube, do amigo, da Igreja, de ninguém. A escola não pode perder essa função social que é a parte acadêmica que compete à escola. Não se ensinar tudo é outra coisa, quais são os conteúdos importantes é outra discussão, mas esta é uma função da escola. O que o aluno vai fazer com esse conhecimento também é função da escola. Você mostrar pro aluno que ele pode ser um cidadão que trabalhe para um desenvolvimento sustentável, que perceba que a realidade dele, quando a gente pensa em escola particular de São Paulo, não é a realidade de outras pessoas e que, no trabalho dele, ele pode não explorar essas pessoas e trabalhar em outro sentido, a questão das drogas, a questão da sexualidade, todos esses valores que a gente fala que é o aprender a ser, aprender a conviver além de aprender os conteúdos, também é uma função da escola. Eu acho que são duas frentes difíceis e muita coisa pra caber no tempo da escola. Esse é um outro problema da escola de hoje: como eu não abro mão desse rigor acadêmico porque se ele não aprender isso aqui ele não vai aprender em lugar nenhum, mas sem abrir mão de você conseguir fazer um ambiente educativo na escola, de você conseguir trabalhar o preconceito, porque criança não é sempre boazinha, você sabe disso. (risos) Se um é gordinho ou se fala caipira, tem aquele que levanta a mão: “Lá vai o nerd falar!”, como você trabalha essas questões também, isso é super importante. Eu acho que se a gente pensar na função social da escola é a função de perceber esse aluno como herdeiro de uma cultura do ser humano que é a escola que deve passar e trabalhar essas questões dele enquanto ser social, e a escola é a segunda célula. Depois da família é a célula mais importante e nas famílias pequenas que as condições de hoje nos faz optar, é o momento que ele sai para um grupo maior, é a hora dele aprender a conviver, isso também é função da escola.
P/1 – Que indivíduo você acha que a escola deve formar hoje?
R – Eu acho que deve formar um indivíduo curioso. A escola não é lugar de formar especialista de nada, então especialista vai ser lá para frente, mas um indivíduo curioso que queira saber mais, não precisa ser curioso em tudo, é impossível, senão vai ficar um esquizofrênico. Curioso em algumas coisas ou em alguma coisa, que sinta prazer em conhecer algumas coisas, acho que uma pessoa sensível e no fundo acho que a grande função é tornar o ser humano mais humano, é fazer da educação uma educação para a humanidade, para a humanização das pessoas, que é o que está faltando no mundo, a questão da desumanização do ser humano. Poderia falar um monte de coisa, mas eu acho que na verdade é formar um aluno curioso, sensível e preocupado não só com ele, preocupado com a comunidade, com o planeta, em todas as esferas.
P/1 – Como você avalia a sua passagem aqui no Pueri em relação à sua vida pessoal e profissional?
R – Acho que o Pueri é super marcante, eu nunca pensei que eu fosse ficar 30 anos na mesma empresa. Eu brinco que esse é o meu defeito de currículo porque antigamente era bacana; hoje o bacana é você fracassar, começar de novo, erguer, mudar, vai... Embora eu faça muita coisa em paralelo, sempre a primeira coisa que eu falo é: “Eu trabalho no Pueri”. Eu sou do Conselho Consultivo da Fundação Abrinq desde o começo e lá a gente tem um pacto: sempre que você for se apresentar, até porque lá tem empresários muito mais chiques que eu, você tem que falar: “Eu sou membro do Conselho da Fundação Abrinq” porque é uma maneira de você divulgar. Hoje ela é conhecida, mas nem sempre foi. E eu sempre falo: “Eu tenho lembrar que sou da Abrinq, eu tenho que lembrar que sou autora de livro infantil, mas jamais eu tenho que lembrar que trabalho no Pueri Domus porque é minha função primeira e a mais duradoura”. Sou casada há 26 anos, sou mãe há 24 – funcionária é um nome feio – mas trabalho no Pueri Domus há 30. Acho que o Pueri Domus é muito marcante e as marcas são muito positivas. Não que eu nunca tenha passado dificuldade, mas o positivo e o que eu aprendi aqui sempre foi N vezes maior do que qualquer dificuldade ou decepção que eu possa ter tido com alguma pessoa ou alguma atitude da escola. Eu vou ser cremada, eu _________ no Pueri. (risos). E quais foram os maiores aprendizados que você obteve?
R – No Pueri?
P/1 – É.
R – Eu costumo dizer que eu aprendo muito com os exemplos das pessoas. Acho que para mim isso é o maior. Se falar fora da escola, acho que já dei a entender que é o meu pai. Aqui na escola eu aprendi muita coisa – não é assim: “Eu quero ser que nem ele”, mas é: “Olha como pode ser assim”, mas não que eu quero ser igual – com a Cleide Terzi, que é uma educadora que já me reportei à ela, ela tem uma ligação grande com o Pueri, mas não trabalha, não é do corpo, ela é da assessoria, com outro professor, ele nem sabe, você vai entrevistar hoje à tarde e ele nem sabe que ele foi tão importante para mim, mas ele chama professor César e ele é um exemplo pelas atitudes simples e verdadeiras dele. Ele é um professor de Biologia bárbaro, todos os alunos sempre adoraram, mas é no além disso que ele me marcou: é na integridade, é na honestidade, é na maneira de defender suas idéias sem ser agressivo, eu acho que se eu tiver que falar de pessoas... E tem a Beth, como ela não é mais Diretora daqui eu posso falar porque não fico com cara de puxa-saco. Eu acho que é uma pessoa que sempre foi muito inovadora, eu dei esse exemplo da computação que ela falou: “Vocês têm que aprender” e hoje a gente não imagina, quer dizer, meu marido é engenheiro, eles não contratam uma pessoa que trabalha em almoxarifado que não mexa em computador. Independe do cargo. Em muitas coisas ela foi muito inovadora e ela sempre acreditou muito em arte, ela acredita muito em arte, ela acreditou em mim como profissional quando eu nem tinha tanta competência. Um pouco aquela coisa da recompensa antecipada: “Eu acho que você vai dar certo” “Então agora eu vou dar!” (risos). Se falaram que eu vou dar, tem jeito de dar, né? São pessoas do Pueri Domus que me marcaram: a Beth, a Cleide Terzi e o professor Sérgio, de Biologia. São exemplos de pessoas, mas para além da Educação. A postura de como... E fora do Pueri, o meu pai, que não é questão de afeto, eu até me dava melhor com a minha mãe, afinidade, mas como exemplo. E se tiver, tenho a impressão que eu já estourei ________, mas tenho exemplo de uma pessoa que eu não sei nem como chama, jamais achei de novo, de um técnico de geladeira, de máquina de lavar, foi consertar a minha máquina uma vez e virou um exemplo para mim. Meu filho era pequeno e foi ver, como todo molequinho, ele consertar a máquina de lavar. Ele consertou a máquina de lavar, ele é um grego, veio da Grécia mesmo, um senhor, não sei nem se está vivo hoje, e meu filho queria mostrar uma marcenaria porque no quarto dele tinha uma marcenaria, ele quis mostrar as ferramentas. Ele foi lá, era pequenininho de tudo, mostrou, aí esse grego, esse técnico falou: “Você tem que fazer uma coisa” – e era um armário embutido que eu adaptei, pus uma bancada – “Você tem que colocar um rádio e o mapa mundi dentro da tua marcenaria porque aí você fica trabalhando e fica ouvindo as notícias” – porque ele era da geração em que o rádio era jornal, não música – “então conforme você vai ouvindo as notícias, você vai olhando no mapa para ver onde elas estão acontecendo”. Para mim esse técnico foi um sábio. A hora que você fala Psicologia da Educação, pilares da Educação, isso é um pilar da Educação, quer dizer, você está trabalhando mas você está recebendo informação e está contextualizando, vendo onde está acontecendo. Foi uma pessoa que marcou por fazer uma visita e consertar uma máquina na minha casa.
P/1 – O que você acha do Pueri estar comemorando esses 40 anos de vida por meio desse projeto que envolve a memória da comunidade escolar?
R – Eu acho uma idéia brilhante, acho que trabalhar com a memória, trabalhar com o registro dessa memória – porque a memória o ser humano tem, mas ele guarda pra ele, não dá para confiar só na memória – então esse registro da memória, essa parceria com o Museu da Pessoa super bacana, estou super encantada e curiosa, querendo saber mais do trabalho de vocês, acho importante que esse livro não é só um olhar pro umbigo do Pueri Domus, é fazer paralelos com a história da Educação para ele poder ter uma função social, acho que a gente canta o nosso Parabéns, mas dá um presente para a comunidade. Isso é super importante e acho que é uma maneira muito adequada de uma empresa que trabalha com Educação estar comemorando o seu aniversário. É muito legal e tem até idéia de depois estar ofertando esse livro para escolas públicas, bibliotecas públicas, porque esse é um outro problema: bancos etc fazem livros que são muito bonitos de Arte, mas que só ganham os bambambãs, nunca é acessível ao grande público. A nossa idéia é que mesmo uma versão mais econômica, em termos de papel, ele seja acessível para uma grande gente.
P/1 – O que você achou de ter participado dessa entrevista?
R – Eu acho que eu devo ter falado mais que o dobro da média das pessoas, mas sinto muito, é o meu jeitinho. (risos) Eu fiquei muito à vontade, peço que cortem os erros de português mais grosseiros que eu fiz, é horroroso professor fazer erros, eu sei que tem uns gerundismos que eu vou dar a desculpa que é francês porque é bem chique e foi super prazeroso, foi bom. Eu sei que hoje, quando eu for deitar: “Esqueci, podia ter falado aquela história”, tem histórias muito mais pitorescas do que a minha filha falar que eu dou bronca nela, mas coisas que não ocorreram na hora. Vocês me deixaram muito à vontade.
P/1 – Tem mais alguma coisa que você queira falar?
R – Não, me calo __________ chega!
P/1 – Então, Cecília, em nome do Pueri Domus e do Museu da Pessoa, a gente agradece você pela entrevista.
R – Obrigada também pela oportunidade.
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