Projeto Educação para o Mundo
Memória dos 30 anos da Escola Cidade Jardim/PlayPlen
Depoimento de Roberto Catelli Junior
Entrevistado por Fernanda Prado e Isla Nakano
São Paulo 09 de novembro de 2010
Realização Museu da Pessoa
Entrevista número MECJ_HV_009
Transcrito por Tânia Lima
P/1 ...Continuar leitura
Projeto Educação para o Mundo
Memória dos 30 anos da Escola Cidade Jardim/PlayPlen
Depoimento de Roberto Catelli Junior
Entrevistado por Fernanda Prado e Isla Nakano
São Paulo 09 de novembro de 2010
Realização Museu da Pessoa
Entrevista número MECJ_HV_009
Transcrito por Tânia Lima
P/1 – Vou começar primeiro agradecendo sua presença aqui no Museu e eu queria que você repetisse o seu nome completo, local e data de nascimento.
R – Meu nome é Roberto Catelli Junior, data de nascimento, 15 de julho de 1966. Eu nasci em São Paulo.
P/1 – Certo. E o nome dos seus pais?
R – Meu pai, Roberto Catelli e mãe Ana Roman Catelli.
P/1 – E o que eles faziam?
R – O meu pai desde muito jovem foi bancário e se aposentou como bancário, hoje é aposentado e minha mãe casou–se cedo, durante muito tempo foi dona de casa e depois foi trabalhar como decoradora, função que ela exerceu por alguns anos também.
P/1 – Você sabe como eles se conheceram?
R – Vizinhos. Na verdade por vizinhança. Minha mãe morava numa rua em que o irmão do meu pai morava e, aí, teve uma situação de vizinhança, festas de bairro, em que eles se conheceram.
P/1 – E que bairro era esse?
R – Era em Moema. Quando Moema ainda não tinha nada a ver com o que é hoje. Era um bairro relativamente afastado da cidade, e que a população ainda estava em ascensão... Tentava–se ainda ter lugares ainda possíveis de se morar na cidade, então, uma família de classe média, bem mediana assim, que eram ainda regiões novas, casas em construção, isso, no começo dos anos 60 na verdade.
P/1 – Você sabe a origem da família dos seus pais?
R – Sim. A família da minha mãe é alemã, na verdade, alemã / letoniana, a minha avó veio da Letônia quando criança e a outra parte da Alemanha, tem até uma confusão interessante, porque a minha avó, ela não fala onde ela nasceu na verdade. Tem um documento de um lado, ela acha que é de outro e veio para o Brasil em 1924, no pós-guerra da Alemanha, numa situação de crise lá porque o pai dela fugiu supostamente para o Brasil e a mãe dela veio para cá procurar o marido, sem saber que não ia encontrar nunca. Daí em diante se tornou uma família brasileira. O meu pai é de uma família de origem italiana, na verdade, os meus bisavós vieram para cá como imigrantes do café, trabalharam na cafeicultura, depois migraram para São Paulo, o meu avô teve padaria na região do Ipiranga, uma família tradicional ali daquele bairro.
P/1 – E você tem irmãos?
R – Tenho uma irmã dois anos mais velha que é professora também da mesma área de conhecimento que eu.
P/1 – E como era a infância de vocês? Foi lá em Moema?
R – Uma parte dela sim, depois a gente morou mais pra Zona Sul porque foi ficando mais caro, Moema foi ficando mais caro e os filhos foram mais longe. Acho que nós tivemos uma infância tipicamente de uma família de classe média num tempo que acho que já era diferente do que é hoje, em termos de padrão de consumo, de um Brasil que era ainda um Brasil fechado ao mundo internacional, um Brasil de ditadura militar, muito nacionalista. Mas muito dentro dos ideais de uma família de classe média, que buscava uma ascensão e tinha também uma contenção e que tinha uma escola regular, uma casa, uma família, enfim, que tinha esse acervo básico aí, que se imagina.
P/1 – Do que você brincava quando você era pequeno?
P/2 – Vou aproveitar perguntar junto. Você brincava onde, na rua, em casa?
R – Quando pequeno em casa, brincava muito com a minha irmã mesmo. Então, por exemplo, a gente brincava muito de escola. Então, era essa coisa de professor, a gente tinha muito isso quando era criança e os dois foram ser professores!
P/1 – E como que era essa brincadeira? Quem era o professor, o aluno ou variava?
R – Como a minha irmã era mais velha, era mais fácil ela ser a professora. Então, tinha sempre essa história dela ficar na lousa e as letras que ela aprendia na escola ela ia me ensinar em casa, e isso de certa forma me alfabetizou mais cedo. Eu com cinco anos e meio já escrevia um monte de coisa por causa disso. Depois, um pouco mais velho, já com uns nove anos pra frente eu brincava muito na rua, jogava bola, terreno baldio, guerras, muitas brincadeiras de moleque. Era um bairro que permitia isso e eu tinha uma família que me dava autonomia, ia sozinho pra escola e voltava sozinho da escola. A gente nunca teve uma família que fosse controladora e tal.
P/1 – Então, essas brincadeiras eram ainda nas ruas de Moema?
R – Não, isso já era nas ruas de Santo Amaro, que a gente foi morar depois. Perto da Hípica de Santo Amaro e morei em Moema só quando pequeno, depois a gente começou a mudar para Santo Amaro.
P/1 – E você se lembra de ter sentido alguma diferença de localidade?
R – Não. Acho que eu era muito pequeno e não consegui perceber.
P/1 – E na sua família vocês tinham alguma data, ou eventos comemorativos que eram celebrados ou que eram de costume?
R – Não, acho que não. Só Natal, essas grandes datas. E aí tinha assim, minha avó por ser uma alemã, cultivava muito essa coisa de Natal, então, tinham árvores maravilhosas de Natal, passava dias fazendo, essas coisas são boas recordações. Era uma pessoa muito cuidadosa com essas coisas, de construir o cenário da brincadeira, de ter esse apelo. Então, mais essas grandes datas, Páscoa, então, todas essas datas ela fazia coisas muito legais pra crianças, de brincar ou de celebrar o evento.
P/1 – Tem algum fato marcante da sua infância que você sempre lembra, ou que te é recorrente, de alguns amigos?
R – Nesse momento eu não sou capaz de dizer, daqui a pouco, talvez eu lembre, mas não tem uma coisa assim marcante que eu sempre relembro não.
P/1 – E a escola? Você se lembra da sua primeira escola?
R – Lembro, especialmente da primeira.
P/1 – Como ela era?
R – Eu lembro que chorei muito quando eu cheguei na escola (risos),
P/2 – Com quantos anos?
R – Com cinco pra seis. E a coisa de ficar na escola ali, sozinho e tal, foi bem assustadora e depois eu lembro que eu gostava muito de escola. Gostava muito de ler na escola, de levar a sério, e as professoras gostavam disso também e depois, no primeiro ano você ganha medalha por ser um bom leitor na escola, sempre gostei dos livros. Isso sempre foi uma característica assim, desde muito pequeno.
P/1 – Você lembra se tinha que usar uniforme?
R – Tinha. Eu estudei muitos anos em escola pública, e nessa escola tinha aquele uniforme muito característico: camiseta com a marca da escola, calça azul... Eu lembro bem desse estilo.
P/1 – Você lembra que escola que era?
R – Sim. Eu estudei numa escola municipal, lá em Santo Amaro, chamada Lineu Prestes, que hoje em dia não sei mais, mas, na época era uma boa escola. Acho que eu peguei bem o final que a escola pública ainda era para classe média bastante defensável. Muita gente da classe média estudava na escola pública, os professores ainda eram os mesmos da escola privada, tinha uma certa respeitabilidade pela escola pública, né?
Bem no meio da minha escolaridade que começou a mudar muito. Então, primeiro lá. Depois quando eu estava na 6ª, 7ª série, começou essa coisa de crise em várias escolas públicas, numa época de greves muito intensas, governo Maluf, e teve um forte movimento e a classe média começou a ficar mais reticente com a escola.
P/1 – E nessa primeira escola tinha algum material, alguma coisa que você tinha um carinho, tipo uma mochila...
R – Não, só tinha os livros mesmo. Tinha uma coisa lá na escola que toda semana você levava um livro pra ler. Isso é o que eu mais lembro e lá, você lia em voz alta o livro que você levasse. Acho que eu era o que mais fazia isso.
P/2 – Você lembra de alguma história?
R – Eu lembro que eu tinha uma coleção da Disney. Porque também assim, era uma outra época, uma criança não tinha a quantidade de livros infantis que uma criança pode ter hoje. Crianças de diferentes níveis sociais até. Você tinha alguns livros, uma enciclopédia em casa... Pra uma família de classe média, não era tão acessível, por exemplo, como é hoje. Sem contar que não tinha computador, internet, então, você tinha essas coleções. Era muito comum você comprar essas coleções. Eu lembro que eu tinha uma coleção da Disney, que eu cuidava direitinho, lembro muito vagamente de algumas histórias, mas, aquelas muito clássicas também.
P/1 – Então, você ia pra escola com a sua irmã a pé, ou ia sozinho? Vocês chegaram a estudar juntos?
R – Com nove anos eu já tinha um amigo vizinho que a gente ia pra escola. Os meus horários eram um pouco diferentes da minha irmã que era uma pouco mais velha e esse meu amigo, durante um bom tempo... Somos amigos até hoje, na verdade. Eu tenho mais ou menos os mesmos amigos daquela época. A gente ia e voltava todos os dias.
P/1 – Tinha alguma matéria que você gostava mais?
R – Olha, eu gostei durante muitos anos, curiosamente, mais dessa coisa de cálculo de Matemática. Gosto até hoje na verdade. E depois eu comecei a gostar muito dessa área de Humanas, História, mas, aí, tem muito a ver com pessoas, com os professores, com as pessoas com quem você conviveu.
P/1 – Era isso que eu ia perguntar agora. Você tinha algum professor marcante da escola?
R – Tinha, mas, aí mais pra frente um pouco. Lembro que eu tive uma professora de História que eu gostei muito, eu não consigo lembrar o nome dela, mas foi bem legal. Nessa época eu já gostava de ler outras coisas, fora da escola. Até eu lia meio escondido dos colegas, porque era feio você gostar de umas coisas assim que não... Então, eu acho que eu sempre tive uma coisa meio paralela à escola que, curiosamente, a escola nunca foi o lugar mais importante desse ponto de vista. Eu sempre achei a escola muito chata, assim. Algumas pessoas eram legais, alguns professores eram muito legais, um aqui, outro ali, mas, no conjunto... Exceto quando muito pequeno, mas quando já estava indo pra adolescência achava a escola pouco interessante.
P/1 – Você se lembra dos recreios, o que você fazia?
R – Jogava bola. Eu só fazia isso. Nenhuma outra atividade e tinha esse meu amigo e a gente só fazia isso.
P/1 – Você sentiu diferença na mudança da escola, na 6ª série?
R – Não, fui para uma escola privada, era uma escola Adventista, que não tinha nada a ver essa coisa da minha família, quer dizer, se tinha a opção de uma escola privada, com um preço razoável. Não era tão diferente, era uma escola que eu até acho legal desse ponto de vista que era uma escola assim privada, mas, muito democrática, tinha todos os níveis sociais, um pouco como a escola pública também era. Não foi muito diferente.
P/1 – Você lembra o nome dessa escola?
R – Era uma das unidades da Escola Adventista que ficava em Santo Amaro mesmo. Acho que hoje ela não existe mais no mesmo lugar, não.
P/1 – E aí também era a mesma coisa, ia a pé pra escola?
R – Não. Depois dos 11 anos, nunca mais eu fui a pé pra lugar nenhum. (risos)
P/1 – E nessa escola você ficou até que idade?
R – Eu fiquei até o Ensino Fundamental. Depois, o Ensino Médio eu fui estudar numa escola chamada Jesus Maria José que fica também em Santo Amaro. Uma escola de freiras, extremamente conservadora e, aí, já era uma época interessante e eu já não tinha mais muita paciência com algumas coisas da escola, não. Nessa escola a cobrança era muito grande, o dever pelo dever o tempo todo. Da tarefa pela tarefa, em que cumprir as tarefas burocráticas é muito mais importante que aprender. Isso era uma coisa que não me cabia mais. Com 15 anos já não me cabia. E eu lia muito nessa época. Eu fazia muitas coisas fora da escola, fazia cursos, ia para outros lugares e aquilo eu achava muito desinteressante. Depois eu saí e falei para os meus pais, “Olha não dá mais pra ficar nessa escola.”, e eu acabei estudando no Objetivo no 2º e 3º ano, por quê? Porque era uma escola pra mim, ótima, porque ela me dava pouco trabalho nesse sentido, (risos) e lá eu era uma pessoa super marginal, no sentido do que as pessoas gostavam de fazer, das preferências, mas eu tinha três ou quatro amigos e um deles é meu amigo professor lá na USP da História, os dois são professores universitários da História. Nós três acabamos ficando na mesma área, e era um grupinho que sobrevivia a isso e tal. Depois se juntaram com os amigos da infância e todos eles se conhecem. Todo mundo está na mesma área, todo mundo é professor universitário ou pesquisador, ou alguma coisa nessa linha.
P/1 – Quais as outras atividades que você disse que fazia fora da escola?
R – Nessa época eu fazia muitas coisas. Primeiro que assim, eu já tinha minha Biblioteca de coisas que eu gostava, então, eu gostava muito nessa época de Filosofia, História da Ciência, gostava de fazer curso sobre o Paulo Freire, sobre método de educação de adultos, isso no começo dos anos 80. A gente ia em tudo que era cinema, teatro, tocava violão, fazia outras coisas que eram de interesse, mas que não eram, necessariamente, coisas escolares. Fazia curso de redação, fazia coisas legais, assim.
P/1 – Fora essas atividades de formação, com esse grupo, o que vocês faziam? Onde vocês iam tocar, que lugares da cidade que vocês freqüentavam?
R – Olha, isso foi lá pelo começo dos anos 80, e a gente freqüentava os espaços alternativos da cidade. Primeiro por uma questão econômica, não por isso só, mas ninguém teria recursos pra ficar freqüentando os lugares mais caros da cidade, aí, a gente freqüentava lugares alternativos que era no bairro do Bixiga, na Bela Vista. Hoje esse bairro é muito decadente, mas, naquela época, era um pólo de cinema, de casas noturnas, lugares alternativos da cidade. E sempre buscando um pouco assim... Era uma época que você não tinha essa facilidade que se tem hoje: lançou um filme lá na França e na semana seguinte está passando aqui no Brasil. Não. Você está assistindo um filme que passou há dez anos na França e que era uma clássico lá do Goddard que nunca passou no Brasil, era um cinema não sei onde que passa. Então, era uma busca dessas oportunidades, digamos, de fazer coisas que não eram presentes no Brasil. Então, eram muito mais raras essas oportunidades.
P/1 – E como você foi encaminhando do colégio Objetivo para a área mais Humana, pra faculdade?
R – Quando eu estava na 8ª série, eu já tinha decidido que ia fazer universidade em História. Já tinha decidido isso lá, comentei com um professor que eu gostava e ele me emprestava livros, mas tinha um pouco de Filosofia, da História e tinha um pouco da Matemática que eu gostava. Mas, aí, quando eu fui fazer o vestibular, eu já estava decidido e fui fazer História e fiquei nessa área sempre.
P/1 – E os seus pais te incentivaram a seguir alguma carreira?
R – Obviamente que eles preferiam que eu tivesse feito um curso mais assim, Direito... Toda a minha família é de Advogados, vários tios e tem uma certa tradição na família. Eles teriam preferido, do ponto de vista econômico, ter maiores expectativas, mas, nunca foi nenhum tipo de empecilho, sempre respeitaram muito o que cada um estivesse a fim de fazer.
P/1 – E você falou que a sua irmã também foi para área de Humanas?
R – Ela fez Ciências Sociais. Aí, nós dois estudamos na PUC e foi uma época muito legal. Foi muito bom ter estudado lá. Pra mim, foi a última fase em que a PUC teve um vigor. Hoje, ela ainda tem algumas áreas, mas ela tinha um time muito bom, tanto acadêmico, como político. Eu entrei na PUC no ano das Diretas Já, então, foi um ano que assim, além de terem bons professores, a PUC naquela época, cada aula você tinha que se preparar para um debate, porque, você sabia que você teria os seus inimigos, aqueles que concordavam politicamente com você, aqueles de discordavam, os que discordavam dos professores. Então, cada aula você tinha que ter um ensaio, pra você saber que não só de que conteúdo você vai falar, mas que posição você vai defender. Isso era muito bacana, muito legal. E esse era o debate que estava se construindo da democratização do país, que colocava todo um caminho de “Bom, pra onde vamos?”. Então, a gente foi muito ativo naquela época, tínhamos participação em Centro Acadêmico, Grêmio Estudantil. A PUC teve também um processo de estadualização naquela época, eu participei muito, então, foi uma época muito legal. Foi muito bom ter participado.
P/1 – E como funcionaram os seus estudos lá na PUC? Teve algum professor que ficou marcado?
R – Ah, teve alguns. Tive bom relacionamento com vários deles, eu vivi muito a PUC. Eu morei lá! Quatro anos eu vivi lá dentro, não saía de lá. Eu era um bom aluno do ponto de vista acadêmico, sério, que fazia os trabalhos, que tinha interesse em ler os textos. Em várias situações eu participava dos projetos ou então na parte mais política mesmo, participava de várias atividades. Teve uma professora que já morreu que foi bem importante, que foi a Ilana Blaj, não sei se você a conheceu, que era uma historiadora bem importante, depois ela foi pra USP e eu fui fazer mestrado na USP por causa dela. A Zilda Márcia Iokoki que também está na USP, eu também convivi muito com ela naquela época.
Engraçado que tem uma outra professora que eu sempre estudei que é a Rose que também era muito bacana, enfim, tinham várias pessoas que a gente tinha um convívio legal.
P/1 – E o que você fazia morando lá dentro? Preparava–se paras as aulas?
R – Morando eu quero dizer assim, eu era uma pessoa que estudava, que fazia, que escrevia, que lia, então, gastava muito tempo fazendo isso, e tinha uma militância mais política também. Teve uma época em que a PUC passou por uma proposta de estadualização, tinha um dívida muito grande da PUC, até hoje é uma questão, as eleições... Aí, eu tive um envolvimento muito grande nesse processo, eu fui representante dos alunos, numa comissão da universidade durante um ano. E tinha uma vida social também muito legal na universidade. E eu trabalhava, já dava aula nessa época também. Então, dava aula e ficava na universidade. Fazia essas duas coisas.
P/1 – Agora que você falou que dava aulas, como que você começou? Esse foi o seu primeiro trabalho?
R – Não, eu tive um breve trabalho que era um trabalho muito comum da classe média nessa época, que acho que hoje já não é muito mais, fui bancário por seis meses. Meu pai era bancário e todo mundo achava que, talvez, o filho pudesse ser também, embora ele não achasse uma grande coisa ser bancário. Mas depois de seis meses eu tive a oportunidade de trabalhar numa escola, eu falei: “Não, pelo amor de Deus, eu não quero ficar nesse banco”. E fui trabalhar no que, na época, chamava de Supletivo, que hoje é uma coisa com o qual eu trabalho, de um outro jeito. Era uma escola de educação de adultos. Era uma escola que estava começando, por isso, aceitou um professor tão jovem, que estava ainda estudando, que pagava pouco, era longe, era tudo o que ninguém que fosse mais experiente queria. E foi muito legal, foi uma experiência muito bacana, porque trabalhar com adultos até hoje, eu acho que é muito legal. Trabalhei dois anos lá, no ano seguinte entrei numa escola pública que eu fiquei mais uns três anos.
P/1 – E deixa perguntar: como que os alunos do Supletivo, os adultos conviveram com um professor mais jovem?
R – Conviviam muito bem porque, na verdade, eu estava trabalhando com alunos pouco alfabetizados ainda, ou precariamente alfabetizados. Eles achavam legal de ter alguém que os ajudasse ali a crescer. Lidavam com um certo agradecimento... Agradeciam mesmo de estar ali fazendo aquele trabalho com eles. Era uma troca muito boa desse ponto de vista. Eu também estava aprendendo e eles também queriam aprender, então, tinha uma certa isonomia ali que fazia a coisa ficar legal.
P/1 – Você lembra de alguma atividade que você fez com eles? Alguma coisa que foi um desafio?
R – O que lembro mais é dessa disponibilidade, quer dizer, deles realmente estarem ali buscando alguma coisa que estava perdida em algum lugar. Então, é sempre uma relação muito tranquila, muito legal e isso foi bom, foi um estímulo certamente ter começado por ali.
P/1 – E como se deu a passagem para escola pública?
R – A escola pública, nessa época, já estava ficando algo decadente, em relação à suposta escola pública dos anos 60 e 70 principalmente, que era uma escola pública de elite e tal, que era bem falada, bem vista. Mas, ainda existiam alguns espaços na escola pública porque ainda era também um momento muito interessante. Aí, nos anos 80, 85 e 86 em que se falava de uma constituição de espaços públicos, de um Brasil democrático, e que também tinha tudo a ver você pensar na escola pública. Acho que a gente tinha nisso um ideal também de trabalhar na escola pública. Aliás, ainda acho que é um lugar privilegiado para se trabalhar ainda hoje como espaço público. Então, assim, eu fui trabalhar numa escola em que a diretora tinha uma proposta muito legal e que te dava espaço para pensar, criar algum trabalho novo e tal e tinha um grupo de professores bastante interessante também nessa linha. Isso me atraiu a ir pra lá, fiquei dois anos lá porque na época não era concursado, então, você tinha sempre uma situação de contrato precário, como a maioria das pessoas tinham e que era um grupo de estudantes da PUC, na verdade que estava lá. Curiosamente, um dos estudantes era o Marco Ricca, que hoje é ator e ele era meu colega e naquela época ele fazia História também.
P/1 – Para que série você foi dar aula?
R – Fundamental II, crianças de 5ª e 6ª série na época. E era muito divertido. Até hoje eu gosto muito de criança até essa faixa etária, porque eles são naturalmente curiosos, interessados, apesar de um certo barulho, uma certa instabilidade, eles são pessoas interessadas por natureza, então, tem também este lado legal.
P/1 – E qual diferença você sentiu em pegar um ritmo de escola de adultos?
R – É muito mais fácil trabalhar com os adultos, porque eles têm uma capacidade de autocontrole, de disciplina e estão lá porque estão interessados. Uma criança a mãe manda pra escola, um adulto só vai pra escola se quer. É muito diferente uma situação da outra, então, pra mim, foi muito mais fácil trabalhar com adultos naquele momento do que com as crianças porque eu não tinha uma experiência profissional de pensar nessa coisa de controle de classe, de estratégia. Pra mim era tudo muito novo ainda, aí, foi muito mais difícil com certeza.
P/1 – E como você foi resolvendo esses problemas que iam aparecendo?
R – Tinha uma discussão muito forte naquela época sobre o ensino de História, porque existia um dado, naquela época, que era o problema da evasão escolar. Quer dizer, uma 5ª série naquela época, chegou a ter 50% de reprovação e até hoje entra essa discussão da aprovação continuada ou não, mas eu sou defensor dela, porque, quem viveu aquilo, sabe que aquilo não funciona. Na verdade, era a evasão escolar da pobreza. Então, um aluno que não tem estrutura pra ser acompanhado, sai de um modelo de Ensino Fundamental e vai pro Ensino Fundamental II, na época, era o primeiro grau e o ginásio, e aí, tropeçava num outro método, numa outra organização e era reprovado e a tendência dele é que mais um ano ele repetisse e saísse da escola porque o pai chegava a conclusão de que o filho não nasceu pro estudo mesmo e tchau. Então, tinha toda uma motivação pra estar na escola por conta desse debate, sobre ensino, sobre o que é um método adequado e isso eu acompanhava muito. Na universidade, isso acontecia com muita freqüência, e tinha seminários e tal. Agora, uma coisa era isso e outra coisa era muito mais essa prática docente, que a gente era muito mais frágil nisso. E isso eu só fui aprendendo com a prática, não aprendi muito teoricamente, não. Muito aos trancos e barrancos.
P/2 – Deixa eu só te fazer uma pergunta: durante esse período de dar aula e faculdade, teve algum autor que te influenciou bastante ou que você se identificou ou alguma corrente teórica?
R – Bom, a gente estava ainda numa época que o Marxismo era uma corrente teórica forte no Brasil. Ou você estava do lado desses ou contra esses e, ao mesmo tempo, no caso específico da História, já começava aparecer uma outra linha e tinha toda uma briga sobre os Marxistas e a chamada História do Cotidiano, na época, quer dizer, até onde você defendia suas grandes questões, dos sistemas econômicos, da luta de classes ou se você acreditava que existiam outros elementos da vida cotidiana que podiam ser determinantes no processo histórico. Essa era a grande questão dessa época. E tinha um autor importante naquela época, o Hobsbawn que era muito de uma linha e tinha outros autores que seguiam outros caminhos da historiografia francesa, enfim, tinha uma certa tensão, quase que uma barreira no meio entre uma coisa e outra. Mas a questão do trabalho que ficou em discussão é justamente isso, de que lado você está, politicamente falando. E os próprios livros de História daquela época eram muito militantes em defender um posicionamento crítico, de esquerda, mas eles eram pouco preocupados com métodos que eram os mais arcaicos possíveis. Ninguém ia aprender a ser crítico com aquele tipo de estratégia, de trabalho. Então, a gente foi aprendendo muito aos trancos e barrancos porque não era uma preocupação intelectual.
P/1 – Então, na época da sua formação de História já era licenciatura e bacharelado? Já tinha essa opção?
R – Ah sim! E eu tive uma história curiosa: quando eu acabei a faculdade, no 4º ano, eu parei de dar aula. Eu falei, “Eu não quero mais isso!”, eu queria ficar na carreira acadêmica, eu fui trabalhar no CEBRAP na verdade, neste ano, com um Historiador que é o Luiz Felipe de Alencastro e fiquei alguns anos lá. Depois eu fui bolsista num mestrado no CEBRAP com a Ruth Cardoso, com o Janotti, fiquei lá alguns anos nessa tarefa e tinha ido para um mundo absolutamente acadêmico, fazendo pesquisa, fazendo mestrado, aí fui pra USP, a Ilana Blaj me levou pra lá, muito jovem. Comecei o meu mestrado com 21 anos e, aí, eu fiquei. Só que teve uma coisa muito prática na vida que eu fui bolsista durante o mestrado, durante o Governo Collor que foi uma desgraça para qualquer pessoa que estudasse nesse país naquela época ou estivesse envolvido com pesquisa, dados científicos. Era uma verdadeira tragédia e tinha aquela coisa de inflação , toda aquela confusão de hiperinflação no meio do Governo dele também e a gente tinha uma bolsa universitária que era impossível de qualquer pessoa sobreviver, a não ser que tivesse uma família... E eu já não morava mais com os meus pais, há um tempo. Então, eu falei, “Não, ficar vivendo só deste mundo, não tem como”. Era impraticável, né? E eu mantinha um vínculo com a educação, aí, eu falei: “Ah, acho que voltar”, sem necessariamente ter que abandonar a outra, e eu voltei a ser professor depois de um bom tempo. Acho que eu fiquei uns sete anos sem estar na escola.
P/1 – E como foi a opção pela carreira acadêmica? Teve um momento que teve que decidir ?
R – Acho que eu nunca decidi até hoje, sabe? Continuo fazendo um pouco de cada coisa, sempre com um pé de cada lado. Não sei se é uma escolha, vou fazer isso ou vou fazer aquilo. As coisas vão te conduzindo um pouco também. A própria situação vai te levando para alguns caminhos. Desde criança eu tinha uma coisa do ler, do estudar que eu gosto até hoje, então, eu acho que a carreira acadêmica tinha tudo a ver nesse sentido. Por outro lado, tem uma coisa que eu não gosto até hoje, que é uma certa corte que não me encanta e eu vivi exatamente na alta corte acadêmica por um bom tempo. E essa alta corte me irritava profundamente, um pouco dos rituais acadêmicos, das relações pessoais que se estabelecem, muitas relações de interesse, então, você não consegue andar para certos lugares... Isso nunca me encantou e nem eu era uma pessoa politicamente adequada pra ficar andando por esse caminho. Então, tinha um lado que eu gostava da carreira acadêmica, mas tinha o outro que não me seduzia tanto. Tanto que eu fiz mestrado, depois eu fiz doutorado, mas não acabei, pretendo acabar agora nos próximos dois ou três anos, mas, assim, nunca mais me vi dizendo assim “Acho que é a carreira acadêmica, meu caminho mais importante”.
P/1 – Conta pra a gente como era a convivência com o Luiz Filipe de Alencastro, que trabalho vocês faziam...
R – Eu era assistente de pesquisa dele. Ele tinha acabado de voltar da França, absolutamente perdido aqui no Brasil e eu era um pouco assim, acho que o maior vínculo com a universidade aqui no Brasil, com as coisas que aconteciam aqui, no dia a dia, uma coisa mais cotidiana. Ele tinha acabado de defender a tese dele sobre o trabalho escravo e não tinha traduzido no Brasil ainda. Eu fiz um trabalho bem grande com ele... Foram duas coisas que eu fiz e uma delas foi essa pegar todos os originais da tese em francês e adequar à documentação na língua portuguesa, recuperar as fontes originais e remontar a tese para gerar um livro que acabou saindo bem depois na verdade, saiu em 2000 só. Além disso, a gente fazia uma pesquisa que era desdobramento da tese dele que era pensar a imigração no Brasil num outro momento dessa questão do trabalho, do tráfico, de uma outra forma de pensar esses deslocamentos populacionais no Brasil. Isso durou praticamente uns três anos e depois eu virei bolsista de um grupo de estudo de dez pessoas que durante dois anos tínhamos minicursos com todos os melhores intelectuais brasileiros que você pode imaginar. Cada mês a gente tinha um. De todos os assuntos possíveis, então, a gente teve Freud com Renato Mezan, teve literatura com Antônio Cândido, várias pessoas da Filosofia, o próprio Janotti em alguns momentos... Então, era essa ideia: tinha seminários de pesquisas e tinha também pequenos cursos e debates com esse bons intelectuais. Depois, o Filipe precisou voltar pra França e está lá até hoje, na verdade.
P/1 – E o seu projeto de mestrado, como foi?
R – Eu fiz uma coisa que hoje, se eu pudesse, eu teria feito diferente. Eu fiz muito jovem o mestrado, né? E eu estudei numa universidade que era a PUC, que era uma excelente universidade do ponto de vista de você ter uma boa formação geral em relação ao conhecimento histórico, mas, muito escolarizada. Eu acho a PUC até hoje muito escolarizada com um currículo que estimula pouco o trabalho da pesquisa e que fazia uma linha muito escolar, de assim: “Vamos pensar todos os períodos históricos e dar conta desse conhecimento básico do que seria o pensamento histórico”. E essa discussão política muito acalorada também. Então, eu fui pra USP muito cedo, sem ter muita experiência, embora estivesse no CEBRAP fazendo isso, com a pesquisa acadêmica no sentido do que se fazia lá. Eu escolhi um tema sobre a situação política de Sorocaba, sobre as famílias locais de Sorocaba, como você pensava a lógica do poder local nas famílias do Brasil Império. Acho que eu fiz uma pesquisa bem legal de muitos meses em termo de documentação primária, mas também foi uma área, e isso também foi uma ruptura pra mim, que eu fui por este caminho em termos de mestrado, mas, hoje eu não iria mais pra esta área específica. Eu tenho uma amiga, a Miriam, que até hoje é professora da USP, é especialista nesse tema. Nós dois fazíamos nessa época juntos o mesmo tema, éramos colegas de mestrado, mas eu não quis seguir esse tema. Mas eu gostei da experiência. Foi legal!
P/1 – E depois do mestrado, como foi?
R – Exatamente quando eu estava no meio do mestrado apareceu esse convite para produzir material didático, através dessa minha amiga Miriam que já tinha uma outra publicação e eu comecei a fazer coisas nessa área de publicação também. Em 1992, eu fiz um livro, aí aparecia um contrato do mercado editorial ou outras pessoas te procuram. Aí, apareceu um convite como mestrando lá da USP pra fazer um... Porque eu tinha uma preocupação como professor também e tinha uma preocupação com o ensino. E apareceu esse convite junto com a Conceição Cabrini e com a Andrea pra a gente fazer uma coleção didática de História. Naquela época era muito diferente de hoje, porque não existia PND nem nada disso, então, uma editora podia convidar uma pessoa pra fazer porque achava que a proposta valia à pena. Hoje não funciona mais assim, hoje existe um cálculo de mercado pra saber quantos exemplares certa obra pode vender num programa público. A gente se juntou pra fazer essa obra e a proposta era fazer uma obra nova, que colocasse em prática tudo aquilo que se discutiu anos antes e que nunca tinha se transformado num livro didático. Por isso chamou História Temática até porque isso era uma discussão dos anos 80 na verdade. Foi a primeira vez que eu produzi uma obra desse jeito. Foi uma coisa que deu muito trabalho, foi muito tempo dedicado a fazer isso. Aí, eu comecei a ficar mais pro lado da produção dos materiais e menos pro acadêmico e foi aí que a coisa mudou um pouco.
P/1 – Esse período foi então perto de 92?
R – Não, já foi mais indo pra 94.
P/1 – Você já tinha retomado as atividades então?
R – Eu já tinha terminado o mestrado, mas já tinha começado doutorado também. Em 95 na verdade. E fiquei dividido entre o doutorado e a produção de materiais.
P/1 – Eu fiquei um pouco confusa porque você tinha falado da época do Collor...
R – É, o Collor era no mestrado. Em 94 eu voltei a ser professor, continuei na universidade, mas, aí, entrou também essa questão do material didático, aí eu fui ficando mais como professor e com o material didático e menos com a universidade.
P/1 – E quando você voltou pra escola nesse segundo período, foi para a mesma faixa etária de aluno?
R – Então, aí, eu já voltei num outro caminho, fui trabalhar com Ensino Médio e fiquei muitos anos no Ensino Médio, de 94 até 2004. Aí, fiquei 11 anos trabalhando com Ensino Médio e teve dois anos também com o Ensino Fundamental que foram dois anos na verdade, em que eu trabalhei com a Andreia numa escola e a gente, praticamente, fez uma boa parte do livro nesses dois anos, dando aula para um grupo. Aí, fui ficando com o Ensino Médio que virou uma experiência bastante grande. E nesses anos todos, eu fiquei sempre na escola privada. Eu trabalhei dez anos numa escola que fica ali em Interlagos que chama Santa Maria, uma escola muito legal naquela época, muito interessante, inovadora, tinham uma proposta muito legal. Muitos ex–alunos são bons amigos meus hoje que fizeram coisas legais e tal.
P/1 – Como é que foi então encarar o Colegial depois de um tempo sem dar aula?
R – Acho que foi bacana. Foi uma boa volta. Por isso que eu fiquei muito tempo e estou até hoje na verdade. Agora, eu nunca fui um professor full time. Eu sempre fui um professor de poucas horas por semana. Quando eu trabalhei muitas horas por semana, como professor, eu trabalhei 20, né? Mas já faz pelo menos oito ou nove anos que eu só trabalho 12 horas por semana, como professor. Então, eu sempre me dividi em mais de uma tarefa e por que isso? Porque eu nunca consegui ser um professor burocrático, quer dizer, eu nunca falei assim, “Eu vou dar 50 aulas por semana...”, que eu acho defensável pra quem precisa fazer isso, não é... “E vou chegar numa hora que eu vou me repetir tanto, vou me cansar e não vou mais aguentar fazer aquilo...”. Então, eu sempre optei por ter poucas aulas, mas, que aquilo fosse pra mim confortável, em termos de eu estar na sala de aula e não estar cansado do que eu estiver fazendo. Preciso achar que aquilo que estou fazendo está fazendo algum sentido pra mim e nunca tive dificuldade de abrir mão se eu achasse que não estava mais fazendo. Essa pra mim é a questão, porque existe um problema com o trabalho do professor que é o risco da fossilização, você tem um grande risco se você ficar só sendo professor do ponto de vista mecânico, de perder a capacidade de criar, de se repensar, de produzir, de inovar que, no fundo, é o que o nosso sistema como está posto hoje, faz com os professores. Não permite que o professor seja um pesquisador que é o que tem que ser na verdade. Então, pra me preservar e continuar sendo professor, eu sempre tive uma carga horária limitada.
P/1 – E como foi o processo de produção do livro didático? Como eram feitas as pesquisas? Teve divisão?
R – Era muito legal na verdade. Nessa época era muito bom, porque a gente conseguia produzir muito junto, tinha disponibilidade pra isso, conseguimos nos organizar na vida pra isso e é muito legal quando você consegue ter um processo de construção mais coletiva, que você vai inventando as coisas mesmo, vai criando, recriando. Muitas coisas a gente pode usar em sala de aula e ver o que dar e voltar e refazer. Então, você cria uma coisa nova, né, porque você, de fato, está elaborando aquilo e dando tratamento para aquilo, né? São várias idas e vindas e discussões e muita coisa que a gente tinha acumulado ao longo do nosso trabalho de vida. Mas foi uma experiência muito intensa. De produção, de criação, trabalhosa, difícil, mas, foi bem legal e foi bem importante.
P/1 – E como foi ver a primeira coleção?
R – Ah, foi muito bacana! Nós fomos muito bem, fomos premiados até na época, tivemos um prêmio Jabuti em 2000 com a obra e foi muito bem reconhecida, muito bem aceita, e eu acho que até hoje ele é uma referência em termos de um certo modelo de livro didático. Isso é muito legal! E até hoje ela consegue ser meio marginal, porque ainda a gente tem uma proposta de trabalho que para uma grande maioria das escolas e pra muitos professores ela foge... Ela já teve momentos que foi muito usada na rede pública e hoje ela tem um uso restrito por alguns professores que gostam muito, conhecem há muito tempo, que tem um certo perfil e tal.
P/1 – Então, explica pra a gente direitinho como que funciona essa obra, porque ela é diferenciada?
R – Ela é diferente porque não é uma obra que tem a preocupação em esgotar cronologicamente todos os assuntos e eu faço isso até hoje nas minhas aulas da PlayPlen mesmo. Eu não acho que uma criança de 5ª série tenha que saber quem são todos os povos do Oriente próximo e quem são Aqueus, os Hititas, e todos esses nomes que vocês um dia devem ter estudado também e que não servem absolutamente pra nada. Não é isso que as crianças vão aprender. Acho que tem uma noção de processo histórico, tem uma noção de tempo, tem uma noção de passagem do tempo, uma noção de presente e passado e tem grandes noções que são essenciais pra você formar um pensamento histórico, pra que você seja capaz de fazer o seguinte: “Eu sou capaz de olhar pra trás e perceber que a pessoa que está aqui hoje está aqui porque ela tem um vínculo com esse passado”. Eu acho que explorar esse vínculo com o passado, que no fundo é a construção da memória, acho que esse é o trabalho mais importante. Então, “Vou estudar Grécia antiga? Vou estudar Grécia antiga, mas eu vou eleger algumas questões, alguns temas, alguns marcos cronológicos da Grécia antiga que eu considero que eles são muito bons pra se discutir alguma coisa e pra pensar esse vínculos do ser humano do presente com o passado. Isso que é literalmente essa questão da construção da memória. A história tem uma coisa muito boa, que ela permite que é ensinar a pensar mesmo, que é essa formação do sujeito crítico, mas não porque ele é comunista, até porque, muitas vezes, os comunistas não são críticos, ao contrário, são muitos sectários, muitas vezes. Mas ele é crítico, porque ele é um sujeito capaz de formular perguntas, de entender que as coisas tem uma subjetividade, e a história é muito legal pra isso porque nada é objetivo na História. Os exemplos mais clássicos são aqueles, se você pensar em Independência do Brasil, eu posso te dar três explicações diferentes do que foi a Independência do Brasil , então, eu tenho que se capaz de me posicionar sobre o que foi a Independência do Brasil do Brasil e essa é minha questão: o sujeito aprender a tomar posição diante das coisas de uma maneira conseqüente, de uma maneira fundamentada em argumentos, utilizando esse acervo, esse conhecimento histórico, acadêmico, escolar que existe aí. E a proposta da aula é essa na verdade, a gente trazer uma quantidade de textos, imagens, recursos visuais e linguagens diferentes, documentos, etc., pra pensar como que eu, enquanto sujeito, construo um olhar sobre a própria história e sou capaz de escrever, de argumentar, ter opinião. E não sou repetidor de coisas. Eu acho que isso é uma história muito ruim, muito inútil para um aluno. Por isso, acho que muitos alunos falam “Pra que serve estudar história”. Não serve pra nada você estudar aquela história que você fica tentando memorizar e, curiosamente, acho que isso ainda é uma coisa que predomina nas escolas.
P/1 – E como que eram as suas aulas nesse período de dez anos de colegial?
R – Olha, foram muito legais. Inclusive, depois, nesses dez anos de colegial eu acabei fazendo um livro de Ensino Médio também, e eu lancei não faz muito tempo. E o considero, independente de resultado de mercado, um livro muito legal porque, literalmente, ele é uma síntese do que eu fiz nesses dez anos, que era bem trabalhar nessa linha, que com o adolescente pode ficar bem legal fazer isso, pode ser bem interessante, dependendo da estrutura escolar que você tem e dos alunos que você tem. E eu tive muita sorte nisso. Eu acho que eu tive grupos muito bons, com outros professores também muito interessados em produzir coisas legais e a gente conseguiu durante muito tempo fazer um trabalho que era isso, de um adolescente se por e pensar no mundo em que ele vive, e usar o conhecimento histórico pra isso. Então, da gente escrever muito, da gente produzir reflexões, fazer viagens, trabalhar com cinema, com teatro, com várias linguagens e eles participarem muito ativamente nisso e embarcar. Tanto que eu tenho muitos alunos que foram fazer História, Geografia, que viraram cineastas, jornalistas. Tem vários alunos que hoje eu tenho contato e tal. Então, foi uma época muito boa. E, aí, aconteceu que chegou um momento, por isso que eu digo que eu sempre faço, em que esse grupo se perdeu. A escola passou por uma transformação muito grande e o entorno, o bairro mudou muito, as pessoas que moravam naquele lugar mudaram, e eu cheguei uma hora e falei: “Eu não quero mais fazer isso.” e fui embora. E prometi que não voltava mais no Ensino Médio. Cansei. E teve uma coisa que eu gostei muito de fazer lá que eu gosto até hoje, durante cinco anos eu fiz um curso com alunos de terceira série do Ensino Médio, que era História do Brasil só com música brasileira. Então a gente estudava a história do Brasil só pela MPB, e foram cursos maravilhosos! Não pelo meu trabalho, mas pela participação deles, porque eles viveram tão bem isso! Tinha uma coisa que eu acho que era o mais legal que a gente fazia ali, que eu acho que é o grande sucesso de o Ensino Médio que, se você conseguir fazer, você já vai conseguir fazer um grande Ensino Médio, que era cada aluno escolher um autor e um livro. E eu escolhia livros, assim, a dedo sobre cada um desses autores. Então, era eles darem conta destes livros e transformar esta leitura num seminário musical sobre esse autor. Invariavelmente, a gente tinha Chico Buarque, Vinícius de Moraes, às vezes, aparecia o Noel Rosa, alguns desses grandes nomes, se dividiam, escolhiam e tal, e eles passaram um ano estudando, ouvindo todos os discos. Lia um livro e acabava lendo dois, três e era muito legal porque como eu escolhia bons livros, e acho que existem bons livros, não só porque você gosta, mas porque eles são bons livros mesmo, e eles se encantavam com aquilo e eles faziam aquilo com muito prazer, e saiam coisas belíssimas! Coisas que eu lamento não ter registrado, não ter filmado na época, porque tem alguns seminários que eram obras! De tanto que eles se apossaram daquilo, assim. Uns adoram até hoje, me ligam “Vamos no show do fulano”. Tinha um garoto que era muito legal. Ele era roqueiro e odiava música brasileira e eu o convenci de estudar Noel Rosa, justo Noel Rosa! Fiz ler um livro de 500 páginas sobre Noel Rosa e ele amou o livro! E qual a grande questão: ele começou a entender quem era Noel Rosa. Justo Noel Rosa! Ele começou a entender o que Noel Rosa dizia, porque ele brincava, era uma grande piadista, e ele adora fazer piada. E ele se colocou no contexto histórico ali, e até hoje, esse cara virou um amante do samba, (risos), impressionante! Então, isso foi uma coisa muito bacana, mas, depois eu comecei a ver os alunos que não tinham mais nada a ver com isso... Aí eu falei, “Não dá mais!”.
P/1 – Era isso um pouquinho que eu ia perguntar agora: como era a aceitação da escola e dos pais com atividades assim, um pouco diferentes?
R – Ah, era tranquilo. Na verdade, os pais do Ensino Médio, são muito ausentes da escola. E tem uma coisa também que, ainda na escola, o importante é o Português e a Matemática. Então, na Matemática, se tiver ensinando MPB, acho vai dar problema, agora na História (risos) geralmente não tem muito problema. Assim, alguns pais gostavam e a gente tinha um espaço, porque tinha um curso mais regular, e esse era um curso optativo, na verdade. A gente tinha cursos opcionais. Enfim.
P/1 – Aí, chegou 2004. Foi outra turma?
R – Chegou num momento que eu estava muito cansado dos estudantes do Ensino Médio, na verdade. Dessa faixa etária. Comecei a me cansar dos adolescentes dos 17 anos, que são muito difíceis, porque tem um lado que ele está na ponta da escola, já um adulto praticamente e numa faixa etária que ele está achando que ele é um pouco o dono do mundo ali. Ele é muito empossado dele mesmo, ali. Ele é muito auto–centrado. Não é nem uma crítica, acho natural que nessa faixa etária seja assim. E tem a coisa também das descobertas das relações amoras, tem outros temas muito mais interessantes, já está cheio da escola também. Isso foi me cansando também, por também não me identificar mais com esse grupo, com aquela escola, com as pessoas e resolvi ir embora. E nessa época, em 2004, eu já fazia muita coisa fora da escola, nessa área de material didático, depois eu fui ser consultor lá do INEP e sou até hoje, participei ano passado das provas do ENEM. Então, eu comecei a ter outras atividades e já viajava bastante como assessor por causa dos livros, fui escrever outras coisas, enfim. Comecei fazer muitas outras coisas e até foi legal, eu voltei a dar aula no Ensino Fundamental e fui parar na PlayPlen. Na verdade, um ano antes eu fiquei no Gracinha, que era uma vaga de substituição docente e eu fiquei uma ano lá dando aula para 8ª série e foi um ano muito bom, muito legal e gostei muito dos alunos dessa faixa etária. Eu gosto bastante dessa faixa etária também. E depois, no ano seguinte, fui para a PlayPlen, também trabalhar com essa faixa etária e sempre nesse tamanho de escola.
P/1 – E no Gracinha vocês usaram um material...
R – O meu!
P/1 – E como foi usar esse material? Ver a aceitação dos alunos e dos pais?
R – É curioso, que o nosso livro didático é muito usado nessas escolas mais elitizadas de São Paulo que tem alguma proposta que procura se diferenciar talvez assim, em termos de ser uma proposta mais alternativa. Então, tem várias escolas dessa linha que você vai encontrar esse material didático e para esse público, é muito tranquilo. Pra mim, foi legal e até então eu nunca tinha usado porque justamente eu saí da escola quando comecei a escrever. Então, foi uma ótima experiência ter usado, e a coisa mais legal é você poder subverter seu próprio livro e eu não uso sem nenhum respeito a ele mesmo, porque é assim que eu acho que deve ser encarado um livro didático. Eu uso como eu quero, do jeito que eu quero, os pedaços que acho legal, tem coisas que eu não gosto que eu mesmo coloquei lá. Foi legal, foi bem bom ter usado. E, obviamente, isso te ajuda muito a refazer, rever, a recriar, reorganizar. Não tenho dúvida que foi super legal essa experiência.
P/1 – E como você chegou na PlayPlen? Você já conhecia a escola, já tinha ouvido falar?
R – Não, não conhecia nada. Na verdade, eu conheci neste ano, porque no Gracinha tinha algumas pessoas que faziam essa interface com a PlayPlen. Então, tinha uma amiga minha, a Lilian, que foi professora do PlayPlen, que eu não sei se vocês vão falar com ela em algum momento, e ela foi assessora também nessa época, e foi através dela porque ela estava no Gracinha e na PlayPlen, que eu acabei conhecendo a Célia, e em 2006 eu fui trabalhar lá como professor e assessor. E era uma realidade completamente diferente da qual eu estava acostumado. Eu sempre trabalhei em escolas muito grandes, e lá era uma escola que estava num momento, totalmente em reconstrução, uma coisa muito diferente. Eu tinha 38 alunos no meu 1º ano lá. Então, uma escola bilíngüe, eu também nunca tinha trabalhado numa escola bilíngüe e era uma coisa, relativamente, bem diferente. Mas, muito tranquila.
P/1 – Você sentiu alguma diferença dos alunos?
R – O primeiro ano que eu trabalhei lá foi um ano em que a escola estava num momento de reconstrução mesmo. Você tinha vindo de uma crise, e eu acho que em 2005, foi um momento de começar a reestruturar de um outro jeito. Foi um ano antes que eu entrei lá, mas ainda tinha alunos muito complicados, na verdade. No Ensino Fundamental tinha alunos... Eu não vi isso, mas os outros professores falam que os alunos eram difíceis, com pouca dedicação à escola, enfim. Quando eu entrei lá, eu me assustei um pouco. Ainda achei um pouco estranho isso, porque a escola era muito pequena, as pessoas tem um relação com a escola muito familiar, muito caseira. Agora está ficando um pouco diferente isso. Tinha um tipo de abordagem que era meio estranho assim, como se você fosse da família. Acho que eu não o professor mais... Eu brinco com os meus alunos, a gente tem uma boa relação, mas eu coloco uma certa fronteira, “Olha, eu sou professor. Não sou seu amigo, não sou seu colega, eu não sou nada disso!”. E acho que lá não era muito claro isso na relação, talvez por ser um grupo pequeno. Então, essa distinção era muito presente. Isso me estranhou muito no começo e acho que foi mudando nesses anos, pra melhor, nesse sentido. Estabeleceu um pouco mais claramente qual o papel de cada um.
P/1 – E você lembra como foi o primeiro contato com a série? Você tinha uma proposta? Foi conhecer a escola...
R – Então, eu lembro que eu fui lá e me interessou muito essa coisa da assessoria, na verdade, porque pra mim é uma frente de trabalho até hoje, tanto quanto dar aula. E foi legal esses anos o que a gente fez lá, a gente construiu um currículo do zero e até hoje tem coisas que estão sendo feitas e pra mim só interessava se fosse pra fazer um pouco dessas duas coisas e acabou dando certo. Nesse sentido a Célia também topou e foi legal.
P/1 – E como que funciona o trabalho de assessor?
R – Olha, é um trabalho literalmente de acompanhamento e teve momentos diferentes. Quando eu comecei lá, a gente começou do zero, começou um currículo novo da área de humanas, desde o primeiro ano até o quinto ano, e quando eu comecei, eu tinha praticamente toda semana, reunião com os professores, e eu produzi uma boa parte do material que eles usam hoje. São fichas de sala de aula, eu fiz muitas delas, uma outra colega minha fez outras tantas, e esse diálogo constante com os professores. Até hoje funciona assim. E é um trabalho de construção mesmo, de você pensar junto no dia–a–dia, o que fazemos pra lá e o que fazemos pra cá e eu acho que eu criei uma estrutura, eu e a Gabriela estamos sempre juntos pensando junto com os professores, sempre está mudando, sempre indo para algum lugar. Então, é um trabalho legal, de você criar mesmo.
P/1 – E como foi pensar a área de Humanas com a parte de História, para os pequeninos do primeiro ano?
R – Então, pra mim foi uma coisa nova também, essa foi uma faixa etária que eu não tinha convivido até então, em termos de proposta de trabalho escolar, de material didático. Hoje, eu me sinto bem mais a vontade, na verdade, até porque eu também tive filhos nesse meio do caminho, então, isso foi legal porque também eu já tinha crianças na faixa etária e que estavam no mesmo momento de escola. Pra mim, isso foi um diálogo interessante também. Acho que isso ajudou muito, ter aprendido a conviver com crianças e depois produzir material para crianças. Agora, é na mesma linha do que eu faço com 5ª e 8ª, com o Ensino Fundamental II. Eu também não acredito nem um pouco que uma criança de segundo ano, terceiro ano tenha que ficar... Eu acho um absurdo os livros de 1ª a 4ª ter tanta quantidade de informação. Pra mim a grande questão de crianças nessa faixa etária é assim, “Vamos descobrir que a gente tem passado e presente!”. Parece uma coisa tão simples, mas não é tão simples, você compreender que alguma coisa aconteceu há 100 anos, se refere a uma experiência humana que não é a mesma do que você está vivendo hoje. Quer dizer, você está aqui de um jeito hoje, mas alguém não esteve desse jeito há 100 anos, que teve outros projetos, outras formas de viver, essa diversidade de projetos, e de experiências humanas. Você começar a ter alguma compreensão que existe essa dimensão do passado, do presente, que você não é só quem está aqui, você é alguém que tem uma história.
E essa história tem uma dimensão múltipla, porque envolve as pessoas, envolve os pais, envolve as suas origens... Um pouco como vocês que me perguntaram, “O nome do seu pai, de onde você veio”. Essa é uma pergunta que a gente faz lá para as crianças.Vamos pensar de onde eu vim, com quem, de que país, como era nossa vida lá, como era São Paulo... É muito mais esse trabalho de tentar levar pra eles essa noção de tempo, de passado e presente, pra que eles cheguem no Ensino Fundamental II e sejam capazes de pensar essa informação mais maçante, mais pesada com alguma capacidade de pensar sobre a História. E acho que a proposta é bem essa, bem nessa linha. E também com algumas questões essenciais, por exemplo, a gente trabalha a questão ambiental, a questão de consumo, de cidadania, fala um pouco da conquista do Brasil pelos portugueses e tem algumas informações que vão aparecendo aí. Mas o trabalho é muito focado nesta distinção – presente e passado.
P/1 – E como foi desenvolver este material, ainda com educação dos menores? Os pais estão mais presentes...
R – É, eles estão bem mais presentes, a gente tem vários eventos na escola que estão ligados a este trabalho de História. Tem um trabalho que eu acho que eles curtem, que é com brinquedos. Então, no terceiro ano, eles têm um trabalho que eles vão pensar brinquedos do presente e do passado. É bem nessa linha: “Bom, hoje, brincamos com o quê? Brincamos com o computador. Há 100 anos eu brincava do quê? A gente brincava de...”, aí a gente vai pegar várias histórias, a gente até usava o livro da Eclea Bosi, que tem várias passagens legais sobre o que a gente brincava quando era criança. E elas começam a se identificar um pouco, brincar de pipa, brincar de jogos, e aí, a gente chama os avós deles pra brincar do que eles brincavam quando eram crianças e os netos brincarem do que se brinca hoje com os avós.Então, acaba virando uma socialização entre netos e avós pra pensar nessa questão do tempo. A mesma coisa a gente faz com a cidade de São Paulo. A gente pensa São Paulo de 100 anos atrás, como que uma criança brincava na rua e os avós também entram nessa história, então, “Como era a cidade do meu avô e minha cidade?”. E tem uma outra série que a gente pensa essa questão também. Esse é um lado interessante da escola que, por ter essa história do bilingue, é uma escola muito multicultural. Ela tem gente de todo quanto é lugar do mundo. Então, tem outro trabalho que a gente faz lá no 4º ano que é pensar essa questão da cultura brasileira, mas inserida nesse sentido também de qual é a diversidade cultural que aparece nesse país, e aí eles vão buscar também jogos nas famílias, as famílias vem pra escola, trazem comida, trazem objetos da cultura material para que se possa fazer um pequeno museu ali, de pensar um pouco as histórias de cada um, que ele possa ser visitado, enfim. Eu acho que as famílias, na verdade, participam muito positivamente porque a gente coloca as famílias dentro do trabalho.
P/1 – E como é a relação da matéria História com as outras matérias de humanas para os maiores como Geografia? Tem essa integração de ensino?
R – Olha, a gente já teve mais, hoje, acho que a gente tem menos. Tem um problema na escola, como em qualquer outra, que é uma coisa chamada grade curricular, e que é o trabalho por hora/aula. Isso é uma desgraça, uma doença no Brasil. São poucos os países que ainda tem essa desgraça! Até tem um experiência engraçada que eu não lembro agora, de uma mulher que trabalhava por hora, e que sobra pouco espaço para o trabalho coletivo. Quer dizer, as pessoas trabalham as horas que elas dão aula. Elas não estão lá pra pensar juntas. Você tem um momento na semana pra fazer isso, mas, aí, tem suas coisas pra fazer, coisas burocráticas, aluno que vai ser reprovado, precisa discutir com a família, então, sobra pouco espaço pra que as pessoas, de fato, pensem juntas as propostas de trabalho. Aí, acontece o quê? Quando tem algumas pessoas que por razões subjetivas fazem isso juntas, mais pelo prazer de fazer junto, do que institucionalmente isso caiba na escola. Isso não cabe em quase nenhuma escola, na verdade. Então, a gente tem coisas em comum, tem coisas que a gente faz porque está acostumado a fazer, a gente tem um trabalho de estudo do meio que a gente busca uma disciplina interdisciplinar, as pessoas acreditam nisso, mas eu acho que tem limitações estruturais, ainda mais numa escola bilíngüe, que você tem uma outra preocupação que é o trabalho com a língua, que são muitas horas de escola, então, eu acho que isso ainda é uma dificuldade.
P/1 – E como funciona a relação da equipe? Assim, da equipe de Português com a de Inglês? Tem diálogo?
R – É muito tranqüila, embora sejam projetos muito separados, muito distintos. Tem um envolvimento até um certo ponto, porque tem uma proposta muito clara do que o Inglês espera, que é a proficiência da língua, né? Isso é um alvo fundamental que está sempre em primeiro plano. Enquanto que, talvez, num outro currículo, a proficiência seja um dos temas também, porque faz parte, mas acho que tem outros aspectos que tomam mais corpo.
P/1 – A escola faz uso de tecnologia diferenciada ou vocês usam materiais diferentes para dar aula?
R – Olha, eu sou uma pessoa que adora tecnologia. Eu acho que na educação hoje, ela tem que andar. Então, eu posso dizer isso, acho que a Guida vai concordar comigo, que eu sou uma pessoa que batalha bastante nestes últimos anos pra a gente avançar nessa área, especialmente no Ensino Fundamental II. Então, o que a gente conseguiu fazer nestes últimos anos que fui eu que planejei uma parte das coisas que até esse ano, eu planejei bastante já a isso: hoje nós temos em cada sala de aula, uma TV de 52 polegadas, temos acesso à internet, computador com DVD, som, e está tudo ligado em rede. Isso pra mim, já é muita coisa, porque já permite pra nós hoje, por exemplo, fazer um uso muito legal da internet na sala de aula. Então, eu já não sei mais dar aula sem ela, porque, o que a gente faz hoje? Eu faço, pelo menos: estamos falando de um assunto, “Ah, vamos no youtube ver o que tem?”. E eu já sei algumas coisas que tem, já planejei algumas coisas, mas, às vezes também não sei. Tem coisas que... “Vamos juntos entrar?”, e a gente começa avaliar, “Isso aqui serve, isso daqui é adequado, isso não é, vamos fazer a crítica disso”. Trabalhar com imagens, então, eu uso direto a internet pra trabalhar mil temas com imagens, Google Earth, dicionário, corrigir texto coletivo, usar de lousa. Outra coisa que eles têm lá que a gente faz hoje, a gente tem uns carrinhos de notebook. Então, eles produzem textos, a gente produz bastante, eu leio, releio, colocamos na televisão, discute... Eu acho que a gente não tem mais como fazer uma escola sem isso hoje. Não que isso salve a escola, não é isso. Mas fazer a escola sem isso também, é estar muito fora do que as pessoas, da classe social deles, em especial, tem de recurso na vida. Eles são garotos que tem tudo que você pode imaginar. O menino tem dois iPhones com 12 anos, né? Não pode ter um, tem que ter dois, às vezes.
Tem um lá que tem um iPhone e um Blackberry, sabe? Tem mais um notebook... eles viajam muito para o exterior, então, já saiu o iPad, já tem meia dúzia que tem. Então, eles são consumidores muito poderosos. Boa parte dos alunos. E eu acho que você tem que estar, não só com eles, com qualquer aluno, na escola pública, em qualquer lugar, mas em especial com eles, eu acho que você pode andar muito se tiver esses recursos. Você pode oferecer outras propostas que eles vão entrar, vão comprar, eles vão atrás, vão saber lidar com elas. É uma ferramenta essencial. E tem uma coisa que é logística na escola, que fica muito bom, que você tem tudo em sala de aula. Então, precisa ver um filme, tem que arrumar uma televisão... Não. Está tudo lá, na hora que você quer, você usa, está disponível. Eu acho que a gente conseguiu chegar num padrão mínimo de uma escola, que eu acho que tem que ser assim. Eu não vejo de outro jeito, né?
P/1 –Bom, você tem esse trabalho da assessoria, mas você fica com que turma?
R – Eu trabalho com as quatro salas do Ensino Fundamental II, que é uma sala de cada série e faço a assessoria. Faço as duas coisas.
P/1 – Como você vê a criança da PlayPlen? O seu aluno hoje.
R – Olha, em geral, por ser uma escola que tem um histórico de uma escola pequena, e hoje não é uma escola enorme, eles são alunos que você tem uma relação muito tranqüila, amigável, que você pode brincar, pode conversar. Agora, eu acho que é uma escola que está crescendo e isso vai mudando um pouco. Aí, tem mais alunos que você conhece menos e tal, mas, eu ainda acho que é um aluno com quem você pode conversar com muita tranqüilidade e dá pra desenvolver um bom trabalho que, no seu contexto de trabalho, os alunos têm interesse pelo que se vai discutir, pra pensar junto. Tem isso, tem alunos legais. Eu gosto dos alunos de lá, porque eles são bons, eles conseguem! Tem umas escolas hoje que é muito difícil de trabalhar, especialmente, escolas privadas. Públicas também. É muito difícil, tem muita gente desgastada nesta profissão, porque tem muita escola envelhecendo também e é muito conservadora, do ponto de vista de proposta, de como está organizada, e eu acho que tem muita escola que não está dando conta. E lá, você consegue fazer um trabalho em que você discute, pensa, tem uma proposta de trabalho, e eles compram essa proposta, enfim. Então, eu acho que nesse sentido, ela consegue sobreviver. Ela é uma sobrevivente!
P/1 – Nesse seu período de PlayPlen, você vê alguma mudança significativa?
R – Ah, basicamente foi o crescimento da escola, que isso foi uma mudança radical. Foi uma mudança muito grande. É uma escola que, quando eu entrei, tinha 220 alunos, uma coisa assim, e hoje talvez tenha 550, ou perto disso, quer dizer, dobrou de tamanho, e hoje ela é uma escola em que muda um pouco a maneira como as pessoas convivem. Por exemplo, quando eu entrei lá, eu conhecia todas as pessoas da escola, hoje em dia, eu já não conheço muita gente. Já não sei muito bem quem são... Então, eu acho que ela muda nesse sentido. Ela muda porque ela deixa de ser uma estrutura mais familiar, pra ficar mais profissionalizada. Ela precisa ser mais profissionalizada, porque não são as relações pessoais que vão sempre conduzir. Acho que isso é uma mudança grande.
P/1 – E você tem assim, algum fato pitoresco que tenha acontecido dentro da sala de aula que te marcou ou nas viagens de estudo do meio?
R – Pitoresco? Talvez tenha, mas eu não sei se sou capaz de lembrar agora. Tem coisas legais, ano passado mesmo, por exemplo, nós fomos com uma turma para o Petar, eu vou todo ano com eles, é um trabalho que muitas escolas fazem, não sei se vocês já foram alguma vez com a escola, e tem umas lideranças locais e é muito legal a maneira como eles conseguem se relacionar bem com essas lideranças, como eles ouvem, discutem, conversam. É nesse sentido que eu acho que eles são alunos que vale a pena, porque eles vão lá e sentam e ouvem e discutem, se interessam, com pessoas que eles nunca conviveram e eu acho isso legal. É legal fazer um estudo do meio com eles, por exemplo. Dá pra fazer numa boa. Amanhã, nós vamos no Memorial da Resistência, discutir um pouco sobre o regime militar. Eu sei que vai ser um trabalho legal, eu sei que eles vão lá, vão perguntar, vão discutir, vão se interessar, vão trazer outras coisas. Isso é o que eu gosto de fazer.
P/1 – Qual a participação da história nas bienais? Tem uma ligação?
R – Acho que tem uma participação bem razoável, tanto do Ensino Fundamental com a assessoria como no Fundamental II. O Fundamental II, as participações nas bienais nas duas últimas que eu participei, sempre teve muito a ver com os estudos do meio, então, na verdade, elas acabam tendo uma presença grande, nesta questão mesmo dos povos quilombolas, já apareceu mais de uma vez, a questão ambiental. Eu acho que assim, a área de Humanas, assim como a área de Ciências, são duas áreas que são muito boas pra pautar os temas, porque os temas estão nestas duas áreas. As áreas de Matemática, Língua Portuguesa, são muito instrumentais. Não só, mas elas têm um papel instrumental. Então, eu acho que a área de Humanas e a área de Ciências, elas são muito boas pra fornecer temas. Então, nas bienais elas acabam tendo uma participação grande nesse sentido. Vários temas acabam surgindo muito dessas áreas.
P/1 – Você quer fazer alguma pergunta?
P/2 – Eu só quero perguntar da sua parte como pai. Os seus filhos estudam na escola, não estudam?
R – Estudam.
P/1 – Então, o que te motivou a deixá–los na PlayPlen?
R – Então, acho que tem duas coisas que me motivaram: uma porque o bilíngüe é legal. Os meus dois filhos, porque na verdade eu tenho quatro, né, eu tenho dois do meu primeiro casamento, um enteado e agora eu tenho uma filha de um ano, né? Os dois maiores que estão lá, minha filha já está lá desde que eu entrei também, ela é bilíngüe hoje, transita muito bem nas duas línguas, pra ela isso é legal também, ela brinca muito com a música, então, acho que isso é uma ganho. E a outra coisa é o fato de ser uma escola que, como eu falei pra vocês, tem uma relação de convivência positiva. Até aqui foi! Meu filho mais velho vai sair, por razões pessoais, pro estilo de vida dele, vai mudar de escola, porque ele quer e eu vou topar. Mas eu acho que enquanto eles estiveram lá, enquanto estão, tem um ambiente escolar que eu acho que é legal, é saudável. Não tem um clima de violência, não tem um clima de exclusão, como em outros lugares eu acho que tem. Acho que é uma relação que ela consegue ser equilibrada e minha filha gosta muito do grupo dela, ela se vê muito na escola. Ela é feliz lá! E isso se preserva de algum jeito na escola. Não é uma escola assim, que, como outras, por exemplo, um Porto Seguro, que é uma escola que cultiva muito a regra o tempo todo, e cria uns muros muito grandes entre alunos e professores e coordenação, acho que a escola não tem muito esse clima. Ela consegue ter uma mediação ainda que crie uma zona de conforto boa para os alunos. E eles não são alunos que reagem de maneira agressiva em relação à escola. Acho que isso dá um equilíbrio. Então, acho que enquanto eles estão lá, eu acho legal nesse sentido.
P/1 – E como é a sua participação enquanto pai? Vai nas reuniões...
R – Olha, eu sou um pai muito pai! Eu sou um pai muito 24 horas, apesar de ter muita coisa pra fazer na vida, eu sou um pai que leva, acompanha, faz lição, eu levo para fazer as coisas todas, então, eu acompanho bastante. E é bem legal! Por exemplo, eu vejo a minha filha fazendo as atividades que eu pensei de assessoria, por exemplo, e ela também se diverte com isso. Minha filha é super boa aluna, adora estudar, e ela acha legal e a gente troca um pouco essas coisas. Então, é bem bacana também essa troca.É divertido, no mínimo.
P/1 – E como é a sua relação com o inglês? Você já tinha estudado?
R – Ah, eu sempre estudei na vida. Eu não sou uma pessoa, hoje, fluente, porque eu não preciso ser, mas eu consigo me virar o suficiente pra ajudar eles, ou na escola, ou nas situações que preciso, e umas coisas que eu acabo fazendo fora da escola também. Então, eu uso né? Quando eu preciso...
P/1 – Como é o nome dos seus filhos? Quantos anos eles têm?
R – Eu tenho o Pedro Catelli, que hoje ele tem 12 e está no 7º ano, meu aluno. Um bom aluno, até! Tenho a Teresa Catelli que está no 3º ano e tem o meu enteado que chama Pedro também, e está no 1º ano. E a minha filha não está na escola ainda, tem só um ano.
P/1 – E como é ser professor do seu filho?
R – Então, foi muito tranquilo, porque eu consigo, curiosamente, na sala de aula, separar muito bem. Ele não é meu filho na sala de aula. Lógico, sempre é um pouco, mas eu consigo colocar um certo freio e tratá–lo como aluno. Pra mim isso foi mais fácil do que eu imaginava que fosse. Pra ele eu não sei. Ele não é uma pessoa que fala muito, é difícil saber até onde pra ele é confortável ou desconfortável. Mas acho que a gente está cada vez mais, menos preocupado com isso. Houve um momento que isso era mais tenso. E o meu cuidado com ele é ao contrário, porque ele é um bom leitor, escreve muito bem, ele até vai bem, aí os outros falam: “É porque ele é filho de professor...” E não é isso. Acho que, de fato, ele dá conta. De vez em quando ele também tropeça, não é assim, super estudioso, mas é muito tranquilo. Nunca foi um problema não. Até acho legal, na verdade.
P/1 – E o que você gosta de fazer nas horas livres?
R – Eu confesso que eu estou numa fase da vida que eu tenho poucas horas livres. (risos). Porque hoje, uma coisa que eu não falei, eu trabalho na PlayPlen, 12 horas por semana e mais a assessoria. Eu trabalho outras 30 numa ONG que se chama Ação Educativa que fica na Vila Buarque. Eu sou coordenador hoje da educação de adultos. E lá eu tenho uma vida muito atribulada também e lá eu acabei voltando um pouco para esse caminho da pesquisa e nesta linha de educação mesmo, hoje. Então, eu trabalho lá, tenho várias horas, acabo viajando bastante e me envolvi muito com essa história de educação de adultos, como direito, como questão social, na verdade, não só educacional.
E, além disso, ainda continuo escrevendo, continuo fazendo assessoria, trabalho com a rede municipal. Então, eu tenho uma vida assim, muito atrapalhada hoje em dia.
P/1 – Tem a reedições dos livros...
R – Tem reedição de livro, tem um monte de coisa! Agora estamos fazendo mesmo a terceira edição do História Temática, Andreia e Conceição, a gente está super maluco com isso. Então, assim, eu tenho pouco tempo, mas, o que eu gosto de fazer ainda hoje, eu gosto muito de ficar com os meus filhos, todo o tempo que eu posso. Eu faço isso, fico bastante até! Ainda gosto muito de cinema, gosto muito de música, se eu puder vou assistir todos os shows que eu puder. Ainda gosto muito de viajar, mas hoje eu tenho um pouco de preguiça, porque quando se tem pouco tempo, às vezes, ficar em casa é muito bom. Acho que eu gosto das mesmas coisas que eu sempre gostei, na verdade, viu? Não é muito diferente. Só o que muda é que a gente tem menos tempo. A vida com filhos, e com muitos filhos ainda, é muito confusa, atrapalhada.
P/1 – E vendo agora, uma questão de perspectiva, de futuro, como você vê a PlayPlen daqui a uns cinco anos?
R – Eu não sei. A PlayPlen tem um limite hoje que é físico. Ela está comprimida num espaço que já não lhe cabe praticamente.
Então, assim, do ponto de vista prático, eu acho que ela vai ter uma decisão a tomar se ela quiser ser uma escola grande, ela vai ter que buscar caminhos pra crescer. Se ela não fizer isso, ela vai escolher ficar como está hoje. Eu tendo a achar que se ela ficar como está hoje, eu não consigo vê–la muito diferente do que ela é. Quer dizer, o que existe na verdade hoje, me parece, num mercado de escolas privadas, uma opção de muitas famílias, por uma escola bilíngüe, que está um pouco na moda. E a escola integral. Estas duas coisas estão hoje com muito mais força, do que teve anos atrás e acho que tem tudo a ver com o fato de que ninguém tem tempo na vida de circular a cidade, levar o filho de manhã na escola, voltar na hora do almoço, levar pra escola de inglês, voltar pra casa. Uma escola integral resolve muito bem, essa complexidade da vida, especialmente em se tratando de famílias que, no geral, são pessoas que trabalham muito também. São pessoas que tem um poder econômico bom, mas, também trabalham muito, viajam. Então, eu acho que a escola vem a atender muito bem a esse público, e também tem as pessoas estrangeiras que vem ficar um tempo no Brasil e querem uma escola que se fala inglês, tanto que, é interessante isso, lá não é uma escola de bairro. Não é uma escola que estuda quem mora “ali”. Você vai encontrar pessoas que moram em todos os lugares de São Paulo. É uma escola em que as pessoas estão lá, porque eles querem uma escola com aquele perfil, integral, bilíngüe. Tem, obviamente, um público maior que é do Morumbi, mas também tem gente de Perdizes, da Lapa, gente que mora na Vila Mariana, em todo lugar da cidade, por conta disso. Então, acho que ela tem esse espaço, e eu acho que ela ganhou nos últimos anos, do ponto de vista de projetos pedagógicos, de proposta. Acho que ela tem uma decisão a tomar de futuro aí, quer dizer, aí, é uma decisão pessoal da Guida, uma decisão dela, não é de mais ninguém, que é assim, se ela quer crescer ou se ela quer ser a escola que é hoje, que é difícil. Não sei... Já foi uma escola muito menor, já cresceu uma vez e foi difícil crescer, porque teve toda aquela história do embargo, e quase que a escola não conseguiu sobreviver a isso, me parece, então, agora, talvez tivesse um outro objetivo. Se ela quiser crescer mais do que isso, ela vai precisar de outro fôlego também. Agora, se ela ficar do jeito que ela está, eu não consigo imaginar de outro jeito. Acho que ela já é o que ela é. Tem um modo de ser e de funcionar, até porque, eu acho que as escolas de um modo geral são instituições muito conservadoras, acho que é um papel histórico da escola. A escola é sempre uma guardiã de uma certa memória da sociedade, ela está sempre ali ensinando pra você o que os outros faziam, né, e os modos de ser que foram herdados dos outros. Por isso que se diz que ela é vanguarda, a sociedade é que muda primeiro e a escola vai andando um pouco atrás. Exceto em algumas experiências de escolas de vanguarda e tal. Mas, você pode ver que as grandes revoluções não saíram das escolas. Nem os grandes movimentos. (risos).
P/1 – E de modo mais geral, o que você pensa do futuro da educação no país?
R – No país, eu acho que a gente está numa super encruzilhada. E um a coisa que eu acho importante e que eu sempre penso, que a gente tem 80% de ensino público no país, em certos estados chega a 90, 92% de escola pública. E de escola privada tem uma fatia menor, de você pensar o que são as crianças brasileiras e onde elas estão. Uma grande parte está na escola pública, né? Eu acho que a grande encruzilhada é que a gente está assistindo isso e é um modelo muito falido de escola. Nós temos uma escola falida na rede pública, com boas escolas em alguns lugares, fora do estado de São Paulo, por exemplo. É um professor que ganha muito mal, numa escola em que a estrutura não é mais adequada, são escolas enormes que não conseguem se repensar “Pra que eu estou fazendo este trabalho? O que eu vou fazer com esse aluno e pra onde eu vou com isso?”. Falta investimento, falta formação do professor, falta estímulo no trabalho, e não é muito difícil saber o que seria uma boa escola. A gente sabe o que é! Uma boa escola é um professor que ganha bem, que tem uma jornada de trabalho compatível com o que ele faz, que tem um número de alunos que é possível administrar, que tem uma proposta de trabalho que foi construída pelo conjunto daquela comunidade e não só uma imposição de uma grade curricular. Não é muito difícil imaginar isso. Agora, as condições objetivas não são essas no Brasil inteiro. Então, eu acho que nós estamos num momento assim: ou muda, ou muda, porque do jeito que está... Tanto que a gente continua persistindo com um índice de analfabetismo absurdo até pra América Latina, continua com uma evasão escolar alta. Hoje a gente não vê um adolescente do Ensino Médio da periferia de São Paulo, a pergunta é: “Pra quê eu vou pra escola? Porque, pra universidade eu não vou e trabalhar também não vai ser na escola que eu vou aprender, né?”. Eu acho que a gente precisa reinventar a escola. Não é nem reinventar, porque eu acho que dá pra fazer uma escola legal, com tudo que a gente já sabe. Mas é colocar em prática uma escola que funcione. Eu acho que a gente precisa fazer isso pra ontem. E mesmo na escola privada, acho que existe um desgaste muito grande da relação do modelo de sala de aula. Na escola pública, por exemplo, a maior taxa de doenças do trabalho é do professor no Brasil. São as pessoas fugindo da escola e na rede privada eu vejo um pouco desse movimento também, sabe? Muitos professores não estão conseguindo mais encarar esse modelo de trabalho. Eu acho que a escola precisa mudar. Tem que ter uma outra cara.
P/1 – E voltando um pouco agora na avaliação do seu trabalho na PlayPlen. Como é que você avalia o seu impacto na PlayPlen, a sua passagem?
R – A minha história na PlayPlen tem a ver com esse contexto de mudança de organização curricular, de proposta, do crescimento da escola e eu acho que eu tenho uma participação nisso efetiva. No caso do Ensino fundamental I, na organização da proposta e do currículo e do trabalho com as professoras e no Ensino Fundamental II eu participo ativamente nessa coisa do estudo do meio, de pensar um pouco algumas questões que norteiam, eu acho que eu participo de uma maneira até bastante ativa. Mesmo tendo poucas horas por semana na escola. Então, eu acho que eu vivi esse momento, de uma mudança... Não na proposta de filosofia da escola, porque isso se sustenta, se mantém, não mudou, mas é um pouco da maneira como se organiza o trabalho pedagógico mesmo. Nesse sentido, eu me vejo nesse contexto nesses últimos anos que eu acho que é um trabalho que cresceu pra melhor. Eu não tenho tanta informação do que era antes, mas eu acho que ele teve um crescimento nos últimos anos.
P/1 – E quais foram os seus maiores aprendizados na PlayPlen?
R – Eu não sei te dizer Fernanda, o que eu aprendi mais na PlayPlen. E por que eu não sei te dizer exatamente uma coisa?
Porque eu acho que eu estou sempre aprendendo nessa situação. Eu acho que o que pode ser legal nesse trabalho e foi um aprendizado é essa história de pensar currículos, por exemplo, para o Ensino Fundamental. Pensar um programa de escola, pensar um currículo como um todo, isso foi um desafio legal, foi um aprendizado, saber ter essa interação com crianças menores. Isso foi um bom aprendizado e acho que tem uma coisa que é meio cotidiano com as crianças, com os alunos e que todo dia você está pensando soluções para as coisas, procurando caminhos novos. O que é legal no trabalho. Quando ele é legal é porque ele tem isso, né? Essa questão com o Ensino Fundamental foi um aprendizado bacana, mas também se aprende muito o que a gente se propõe a aprender. Então, você vai buscando essas coisas muito no dia–a–dia.
P/1 – Você quer fazer alguma pergunta?
P/2 – Não.
P/1 – Então, eu tenho duas pra gente encerrar: o que você achou dessa proposta da PlayPlen de contar os 30 anos através dos colaboradores, pais, dos diferentes olhares?
P/1 – Eu acho bem legal. Eu conheço a proposta do Museu da Pessoa há bastante tempo. Eu acho que essa ideia de construção da memória é bem legal no sentido de que memória, ela só faz sentido efetivamente quando ela tem um vínculo com aqueles que estão vivendo. É uma chance de você fazer um livro que não seja só um retrato de um passado que está enterrado, né? Mas pode ser mais uma construção de um vínculo daqueles que estão vivos, daqueles que estão ali presentes. Isso eu acho que pode ser legal, quer dizer, essa memória que olha pra frente e não só para trás. Então, eu acho que quando as pessoas vem, falam, se colocam, elas estão construindo um pouco essa colcha de retalhos aí, mas, que dá uma identidade comum. Nessa perspectiva eu acho que pode ser legal. Muito melhor do que um livro que falasse só dos grandes feitos da escola que, aí, a gente entra numa outra linha de engrandecimento só dos grandes feitos, que eu acho que não tem tanto valor.
P/1 – E o que você achou de participar dessa entrevista?
R – As entrevistas são sempre uma coisa interessante porque, afinal de contas, a gente não está contando só o que a gente fez no viver, a gente está elaborando alguma coisa. Então, ela é sempre uma oportunidade de você pensar um pouco sobre tudo que você está falando e você não sai exatamente do mesmo jeito que você entrou, porque alguma coisa nesse meio do caminho você já produziu (risos). Então, é sempre legal.
P/1 – Então é isso. A gente gostaria de agradecer, em nome da PlayPlen e do Museu da Pessoa, a sua presença.
R – Tá bom. Maravilha!
P/2 – Muito obrigada!Recolher