Avó é quase um palavrão, vem sobrecarregado de memórias, vem cheio de carga. Essa ancestralidade faz com que eu me conecte comigo mesma, e cristalizar memórias é muito importante no meu descobrir. Então, se eu fosse embora, levaria duas cartas escritas naqueles cadernos de gaveta sem muita pretensão.
A primeira foi escrita pela minha mãe, especialmente para ser lida na festa de 80 anos da minha avó paterna. A carta foi recitada pela minha irmã enquanto todos os primos estavam reunimos para agradecer os cuidados, o tempo dedicado e comemorar seus anos de vida. Diz muito sobre aromas, sabores, amor e generosidade.
A segunda carta foi escrita por uma das primas após o falecimento dessa mesma avó, e foi lida em silêncio pelos mesmos primos no velório. Não foi recitada por ninguém, porque ninguém teve voz. Esses parágrafos a comparam com uma árvore gigante vista como guardiã, que após morrer de forma natural, é cortada e transformada em abrigo. No final, arrebata dizendo que as raízes de uma árvore guardiã sempre brotam em forma de filhos, netos, e sobrinhos, trazendo-a a vida novamente. Porque somos ela e a representamos.
Uma que comemora a vida, outra que vela a morte.
Além das deliciosas memórias que me trazem, essas cartas me ensinaram sobre ancestralidade, vida, respeito, gratidão e força. Me fazem lembrar de tudo o que essa mulher senhora me ensinou.
Ainda não sei exatamente o motivo de ter achado em momentos distintos esses papéis guardados entre mil outros, mas descobri-los foi um presente. Por que ambos ficaram comigo? Não sei, talvez minha personalidade diga mais sobre isso. Hoje em dia ficam juntos dentro de um livro que se chama “A ciranda das mulheres sábias: ser jovem enquanto velha, ser velha enquanto jovem”. Tudo faz sentido quando as releio.