P1 – Roberto, vamos começar com você dizendo o seu nome completo, local e data de nascimento.
R – O meu nome é Roberto Alves de Souza. Nasci em Votorantim, interior de São Paulo, no dia 15 de junho de 1961.
P1 – Então você passou sua infância em Votorantim?
R – Exatamente. Mais precisamente no bairro de Santa Helena, onde é a fábrica de cimento Votoran.
P1 – E o quê que você lembra dessa época?
R – O que me vem sempre à memória é quando eu vi o meu pai chegando em casa, porque o meu pai era operário da empresa também. Então, isso é uma coisa que eu tenho muito vivo assim dentro de mim. E, como eu morava num bairro da empresa, tudo aquilo que existia girava em torno praticamente da empresa. Todos que moravam ali eram funcionários da empresa. As famílias sempre tinham os seus filhos recrutados pela empresa para trabalhar. Então, era uma comunidade ali afastada e bem diferenciada do que é uma cidade, por exemplo.
P1 – E o seu pai também nasceu em Votorantim?
R – Não, o meu pai nasceu em Propriá, uma cidade no interior de Sergipe.
P1 – E como que ele chegou na Votorantim?
R – Meu pai, ele aos 15 anos fugiu de casa. Pegou, não sei se foi um pau-de-arara que chamavam na época lá, um trem, sei lá, e veio pro Sul aqui, pro Sudeste. Ele tinha parentes aqui. Ele se aventurou. Saiu de lá com 15 anos, chegou aqui e ficou aqui exatamente próximo da fábrica.
P1 – E qual foi o primeiro emprego dele na Votorantim?
R – O primeiro emprego dele, ele começou como motorista porque quando ele, lá no Nordeste mesmo, na cidade dele lá, ele aprendeu a dirigir com 15 anos. Então, ele chegou aqui, já era motorista já. Já sabia dirigir caminhão e tal, já tinha experiência já o suficiente pra tentar alguma coisa na empresa.
P1 – Você sabe em que ano que ele entrou na Votorantim?
R – Ele entrou acredito que em 1955.
P1 – E ele...
Continuar leituraP1 – Roberto, vamos começar com você dizendo o seu nome completo, local e data de nascimento.
R – O meu nome é Roberto Alves de Souza. Nasci em Votorantim, interior de São Paulo, no dia 15 de junho de 1961.
P1 – Então você passou sua infância em Votorantim?
R – Exatamente. Mais precisamente no bairro de Santa Helena, onde é a fábrica de cimento Votoran.
P1 – E o quê que você lembra dessa época?
R – O que me vem sempre à memória é quando eu vi o meu pai chegando em casa, porque o meu pai era operário da empresa também. Então, isso é uma coisa que eu tenho muito vivo assim dentro de mim. E, como eu morava num bairro da empresa, tudo aquilo que existia girava em torno praticamente da empresa. Todos que moravam ali eram funcionários da empresa. As famílias sempre tinham os seus filhos recrutados pela empresa para trabalhar. Então, era uma comunidade ali afastada e bem diferenciada do que é uma cidade, por exemplo.
P1 – E o seu pai também nasceu em Votorantim?
R – Não, o meu pai nasceu em Propriá, uma cidade no interior de Sergipe.
P1 – E como que ele chegou na Votorantim?
R – Meu pai, ele aos 15 anos fugiu de casa. Pegou, não sei se foi um pau-de-arara que chamavam na época lá, um trem, sei lá, e veio pro Sul aqui, pro Sudeste. Ele tinha parentes aqui. Ele se aventurou. Saiu de lá com 15 anos, chegou aqui e ficou aqui exatamente próximo da fábrica.
P1 – E qual foi o primeiro emprego dele na Votorantim?
R – O primeiro emprego dele, ele começou como motorista porque quando ele, lá no Nordeste mesmo, na cidade dele lá, ele aprendeu a dirigir com 15 anos. Então, ele chegou aqui, já era motorista já. Já sabia dirigir caminhão e tal, já tinha experiência já o suficiente pra tentar alguma coisa na empresa.
P1 – Você sabe em que ano que ele entrou na Votorantim?
R – Ele entrou acredito que em 1955.
P1 – E ele contou alguma coisa pra você dessa época, como era?
R – Na realidade meu pai não fala muito sobre o trabalho dele. A maior parte das coisas eu sei porque eu vivenciei, em termos do que me foi falado. Mas ele contava muito das aventuras deles. O pessoal era solteiro, era muita turminha, a comunidade era agitada, tinha bailinho, tinha, saia no momento, reunião de moçada, tal, pra curtir a balada do bar. Isso que era a idéia deles.
P1 – E ele conheceu sua mãe lá?
R – Exatamente. Num bairro próximo ali, um bairro do Arado onde hoje é a unidade Salto do Pirapora, que antigamente era cimento Santa Rita.
P1 – Você sabe onde eles se casaram?
R – Eles se casaram ali na Santa Helena mesmo.
P1 – Aonde?
R – Na Igreja de Santa Helena.
P1 – E você, então, passou sua infância lá. Como é que foi?
R – Foi bem, foi ótimo. Olha, outra lembrança que vem da minha infância, você falou da infância, foi o seguinte. Na década de, acredito que de 70, até 1975, 74, a Votorantim, Cimento Votoran, ela comprava os caminhões da GM Terex, caminhões fora de estrada. E eu via o trem trazendo aqueles caminhões desmontados. Então eu ficava fissurado porque, da onde eu morava dava pra ver os vagões chegando assim e tal, carregado daquelas máquinas. Eram as caçambas. Eram as cabines dos caminhões, aqueles pneus enormes. Então, eu ficava fissurado. Meu pai era mecânico. Então, eu ficava deslumbrado com aquilo. Eu falava pra mim mesmo: “Um dia eu vou trabalhar nessa empresa aí”. Eu falava: “Eu vou trabalhar atrás de uma mesa ainda”. Dito e feito. Eu acho que se você pediu, assim seja. Então aconteceu e até hoje eu trabalho realmente só com micro. E eu acho que isso daí me influenciou muito. Essa lembrança da minha infância, essa cobrança que eu tenho de mim mesmo, acho que foi muito legal. (inaudível) cansado dessa longevidade na empresa.
P1 – E você lembra da tua casa, da rua?
R – Eu lembro da rua, da casa, dos meus colegas de infância, da escola. Porque eu estudei até hoje o primeiro grau. Todo esse período eu estudei na escola do bairro mesmo.
P1 – Você lembra como era?
R – É, é simples... Você conhecia todo mundo. Normalmente o pessoal tinha sempre as confraternizações que nós tínhamos lá na escola do bairro mesmo, o pessoal de rua. Não tinha nada de, nenhuma rixa. Era sempre tudo assim a maior amizade, uma coisa assim muito legal de se ver, uma coisa de comunidade mesmo em que todo mundo tem só um objetivo, que é ter amizade e curtir aqueles momentos que você tem na infância, de você brincar, de você estudar junto, de você conversar com os amigos, de você se reunir em grupinho.
P1 – Isso foi nos anos 60?
R – Não. Exatamente na década de 70.
P1 – 70. E como que era a Votorantim na década de 70?
R – A Votorantim na década de 70 você tem, não muda muito visualmente se você vê a empresa de longe porque ela não muda. O perfil dela é praticamente o mesmo. Algumas coisas são básicas. Os silos de cimento estão lá, os fornos... Mas na década de 70 uma coisa que chamava muito a atenção era a poluição. Então você tinha muita poluição assim de cimento. Mas isso hoje em dia é uma coisa assim, hoje é um paraíso. Você vê as árvores, são todas verdes, do lado da empresa. Você vê os jardins da empresa, são maravilhosos. Você não acredita, numa fábrica de cimento. Mas na década de 70 era um tanto quanto complicado. No final da década de 70 a empresa tem todos os filtros instalados. Então a própria natureza se recupera. E você vê, naquela época tinha a vila operária, e os telhados eram todos brancos, carregados de pó, de cimento. Mas isso você, com o tempo tudo isso você vai observando que realmente existe a recuperação e que a empresa também fez a sua parte, ou seja, a empresa deixa de poluir realmente, e a natureza se recuperou.
P1 – E como que era a vida cultural nessa vila operária?
R – A vida cultural, eu posso dizer do cotidiano, o que acontecia no cotidiano. Então você tinha assim, pra mim naquela época tinha a escola. Você tinha o comércio do bairro, você tinha farmácia, você tinha supermercado, você tinha também como cultural, de expressão cultural você tinha um cinema. Eu mesmo assisti vários filmes com o meu pai lá. Assisti todos os filmes lá. Acredito que todos os filmes de Tarzan eu tenha assistido naquele cinema. Assisti também o Gordo e o Magro, Charles Chaplin. Então você, meu pai adorava faroeste, era fissurado em faroeste. Eu também estou lá assistindo John Wayne. Você vê assim Audie Murphy, que ele gostava muito naquela época lá. E você vê tudo isso no cinema local.
P1 – E isso era freqüentado pelas pessoas que moravam na vila operária?
R – Exatamente. Na vila operária a grande curtição eu acredito que era sábado, era o cinema. E o domingo, a igreja. A comunidade também se reunia na igreja, os evangélicos na Igreja Evangélica e os católicos na Igreja Católica.
P1 – E o seu pai dizia pra você assim: “Quero que você trabalhe na Votorantim.”?
R – Olha, sinceramente, o meu pai não tinha idealizado para mim grandes sonhos, entendeu? Ele achava que talvez eu fosse, não digo que hoje eu tenha uma vida assim extraordinária. Eu tenho uma boa vida, graças a Deus. Mas ele não imaginava que eu estaria, acredito que trabalhando numa empresa, trabalhando no RH, e principalmente fazendo as atividades que eu faço hoje. Ele acreditava que talvez eu tivesse uma coisa mais simples, um trabalho muito mais simples pra quem tem deficiência física. E na época, eu acredito que foi depois que eu terminei o primeiro grau, eu lutei por isso também. Eu não me acomodei e pensei: “Olha, eu vou me sujeitar, vou esperar, vou ver o que acontece”. Eu acho que, pra mim, aquilo caiu a ficha pra mim porque eu queria continuar estudando. Eu sabia que a única forma de eu conseguir um espaço, conseguir independência era se realmente eu tivesse um plus, tivesse alguma coisa a mais pra oferecer pra sociedade pra que ela também pudesse usufruir do meu trabalho. Se eu fosse uma pessoa muito acomodada eu saberia, que eu acho que eu estaria na mesmice e não conseguiria nenhum emprego que um dia eu me desse uma certa segurança econômica, sei lá, uma segurança de longevidade até, como foi a Votorantim pra mim em termos de empresa e trabalho. Que eu acreditava o seguinte, que eu precisava de oportunidade, mas pra mim conseguir essa oportunidade eu tinha que ter um trabalho antes disso, e esse trabalho consiste em realmente estudar. E daí foi, acredito, em 1981, eu já ingresso na empresa. Aí já sou formado Técnico em Contabilidade. Mas até chegar a Técnico em Contabilidade, eu acredito que foi em 1977, 78, eu discuti com meu pai, falei: “Pai, o senhor tem que falar com o pessoal da empresa, com o gerente da empresa, que eu sei que a empresa dá ônibus. E a distância do ônibus vim até aqui a nossa casa aqui pra me pegar dá 800 metros. Então o senhor tem que conversar pra mudar o trajeto do ônibus para que o ônibus venha até em casa, aqui na rua, e me pegue pra que eu vá também estudar com o pessoal. Só isso. Fazendo isso o restante eu faço”. E o gerente da empresa, na época o Mário Botesa, sensibilizado com a minha situação, ele realmente se dispôs. Ele já conhecia o meu caso, já conhecia que eu estudava. Então, eu ia bem na escola e eu merecia uma oportunidade se eu quisesse. E ele me deu essa oportunidade de ir no ônibus escolar da empresa, ir até Votorantim, que era o centro da cidade mesmo, ir até Sorocaba. E aí foi que eu comecei. Estudei meu primeiro ano em colégio estadual. E no segundo e terceiro ano eu estudei em colégios particulares.
P1 – Mas você ficou um tempo sem estudar?
R – Eu fiquei um ano. Mas pra mim um ano já foi uma eternidade. Eu achava que um ano pra qualquer um é demais. Porque eu terminei o primeiro grau e parei. E nessa, nesse período de parar, serviu pra mim analisar realmente o que acontecia comigo. Eu não agüentava ficar em casa. Por mais que eu me envolvesse em algumas atividades, aquilo não me servia. Eu entendia que eu tinha muito mais pra aprender, pra fazer, do que ficar em casa. E as propostas apareciam, as coisas mais ridículas pra mim trabalhar. “Pô, você não quer ser jornaleiro? Não, numa banca de jornal você fica lá no banquinho”. Eu falei: “Negativo, isso aí não é pra mim não”. E o que me divertia, tomava mais o meu tempo, era ver televisão. Eu assistia, adorava assistir filme e tal, programas que fossem educativos. Eu adorava documentário. Até agora eu adoro documentários. E foi assim que realmente surgiu essa situação de eu voltar a estudar. Eu pressionei meu pai. Meu pai conseguiu sensibilizar a empresa. Daí a Votorantim me deu o transporte. Me dando o transporte eu também consigo bolsa de estudo da empresa. Tudo que eu podia usufruir na época eu usufruí. Fui até a faculdade. Terminei Ciências Contábeis fazendo, recebendo transporte da empresa ou ajuda de custo para o transporte. Inclusive tem uma passagem que eu lembro bem, quando eu estava fazendo Ciências Contábeis, acredito que em 1983, em que a empresa corta o ônibus dela, deixa de fornecer o ônibus e começa a fretar um ônibus de uma empresa de ônibus da cidade. E com isso o que acontece? Eu converso com o gerente da empresa, ainda o Mário Botesa, e ele fala assim: “Não, faça uma carta que você está solicitando isso, eu vou encaminhar pro Dr. José Ermírio e vamos ver se você consegue. Eu sensibilizo pra que dê aprovação pra você. Daí a empresa vai te dar uma ajuda de custo pra isso”. E assim aconteceu. Eu fiz a carta. O Dr. José entendeu de pronto a minha situação e concedeu pra que fosse dado uma ajuda de custo pra mim. E eu consegui. Consegui uma ajuda de custo que foi até 1985, pra que eu descesse no centro da cidade de Sorocaba e dali pegasse um táxi e fosse até a faculdade.
P1 – E o teu primeiro cargo na Votorantim, qual que foi?
R – Auxiliar de Pessoal. Aliás, antigamente no Departamento de Pessoal da empresa.
P1 – E o que você fazia?
R – Eu fazia, é exatamente, praticamente o que eu faço hoje. Eu trabalhava com folha de pagamento, e hoje eu continuo trabalhando com folha de pagamento ainda.
P1 – E como é que você foi recebido na Votorantim?
R – Muito bem. Como eu fui recebido na Votorantim? Eu, quando eu me formei em Técnico em Contabilidade em 1980. O que acontece? Eu converso com o meu pai: “Pai, eu estou formado. Agora preciso trabalhar”. Coloco meu pai na jogada de novo: “Fala com o pessoal lá”. Na época o meu irmão Renato já trabalhava na empresa, trabalhava no escritório mesmo. E eu ficava naquela ansiedade. Em dezembro de 80 eu me formo. E daí começo a percorrer. Daí em 12 de março de 81 eu sou admitido na empresa. Uma outra pessoa sai do RH, surge a vaga. Logicamente ali abre esse espaço pra mim. E, a princípio, surge o seguinte. Eu não sabia exatamente como é que estava rolando essa história por trás porque “Pô, como é que eu vou ser recebido, tal”. Eu fui saber muito tempo depois até. O pessoal me falou depois. Qual que é a expectativa? O quê que a empresa tinha admitindo uma pessoa que tem uma deficiência física? Vai ter que subir dois degraus de escada. Dois degraus, minto, dois lances de escada. E como que vai repercutir isso com a equipe do pessoal do RH? O RH naquela época acho que devia ter uma 16 pessoas. Eu pensei comigo: “Muito bem”. Cheguei pra mim e encarei tudo com naturalidade e falei: “Se tem escada é pra subir escada”. Não tem obstáculo que você, se está lá o obstáculo, está na sua frente é pra você transpor. Se dá pra você transpor, pra subir a escada, eu vou subir a escada, não tem problema. Mas o pessoal me recebeu de uma forma assim que o chefe do RH na época, o Paulo Sérgio, ele conversou com o pessoal: “Olha pessoal, nós vamos receber aqui um deficiente físico. Vocês tenham paciência com ele”, aquela coisa toda, pra tudo quanto é lado. Logicamente eu não esperava isso. Eu esperava um ambiente normal. Pra mim tudo normal. Mas eu não estava, que às vezes as pessoas tinham certo dedo pra falar comigo, uma certa precaução em, sei lá, talvez não questionar, tal, sei lá, não me colocar numa situação constrangedora ali dentro do RH. Mas foi muito bom. Eu achei que tudo transcorreu normalmente. Eu fiquei assim muito motivado. A minha intenção foi ótima. Agora eu estou aqui. Em 1981 eu passo agora pra faculdade, eu vou fazer faculdade. Em 1981 eu já presto vestibular sabendo que eu vou entrar na empresa, já em fevereiro. Em março em entrei na empresa. E o que acontece? Eu, naquela ansiedade de prestar o vestibular, eu fui fazer o vestibular mas não passei. Falei: “Tudo bem, ano que vem eu tento de novo”. E esse um ano, esse primeiro ano que eu estou na empresa, simplesmente eu procuro me adaptar tal, curtir meu trabalho, conhecer a empresa, como é que ela era por dentro. Porque uma coisa é você ver, quando você é uma criança, tem 12 anos, dez anos, você vê a empresa do lado de fora. Outra coisa é você estar lá dentro convivendo com as pessoas no dia-a-dia. E essa foi uma fase muito legal assim pra mim. O meu início eu achei que foi muito bom. Eu acho que eu não tive nenhum problema, fui muito bem aceito. Eu acho que eu também consegui me impor também junto às pessoas, senão, se fosse de uma forma diferente, eu tivesse uma certa dificuldade ou rejeição do ambiente, talvez eu não tivesse me adaptado.
P1 – E havia outras pessoas portadoras de deficiência na Votorantim?
R – Outras pessoas tinham deficiências, mas pelo menos as que eu conhecia eram algumas pessoas que tiveram alguma deficiência causada por um acidente dentro da empresa.
P1 – E como que você lidava com isso?
R – Bom, eu me tornei muito amigo de uma delas, que é o Ademir Silva. Na época ele foi, ele teve um acidente e ele teve uma parte do braço mutilada. E naquela época a gente tinha muita amizade. Eu cheguei até a ser vizinho dele, moramos na mesma rua. Nós jogávamos dama. E nessa história de jogar dama aí nós participamos de 16 jogos operários pela empresa, jogando dama. E foi. O pessoal não pensava duas vezes. Era pra dama, “dama, chama o Roberto, Chama o Ademir”. “Ah, jogar xadrez”. “Não, eu não sei jogar xadrez”. Quer dizer, sabia, mas não queria me envolver tanto jogando o tempo todo. Mas as pessoas normalmente que ficam na empresa e têm alguma deficiência e conseguem retornar ao trabalho, elas se adaptam. Todo mundo acho que tem que se adaptar, não tem como, não tem outro jeito de você continuar trabalhando.
P1 – Você se lembra de mais algum caso?
R – Tinha alguns outros casos assim que eu me lembro, mas não tinha assim, eu não tinha muita amizade, entendeu? Eu lembro do Eliseu que não tinha um braço também, mas não tinha muita amizade. Não era assim, não surgia muita oportunidade pra gente ficar. Porque eram departamentos diferentes. Não tinha o tempo todo pra você ficar se envolvendo. É oi oi. Hora do almoço bater uma conversa assim rápida, mas não foge muito disso não.
P1 – Então a tua adaptação foi tranqüila? Subiu os dois lances de escada?
R – Não, foi tranqüilo porque os dois lances de escada eu subi. Olha, eu tenho um recorde até. Eu acho que, eu penso nisso e tenho certeza que é isso mesmo. Nos primeiros cinco anos de empresa eu nunca cheguei atrasado. Tenho certeza disso, eu nunca cheguei atrasado. Então, o que acontece? A empresa, na época, ela premiava quem tivesse essa assiduidade. Era um prêmio de assiduidade. Só que premiava somente quem era horista, não os mensalistas. Mas eu tenho isso comigo. Pra mim isso é uma coisa que ninguém me tira, a minha dedicação. Eu gosto muito do meu trabalho. Até hoje eu sou muito motivado por isso. E isso é uma coisa que me satisfaz como pessoa, e até perante a minha própria dificuldade. Porque cada vez que eu lembro que talvez eu tenha dificuldade, eu falo: “Você tem uma dificuldade, mas é pra você transpor essa dificuldade. Ninguém tem dificuldade por acaso”.
P1 – E esse auxílio, ajuda, enfim, que você teve da Votorantim pra estudar, você diria que isso aconteceu por você ser portador de deficiência ou isso era um padrão pra filhos de funcionários, que se tornavam funcionários?
R – Esse auxílio, na realidade, era padrão. A empresa fornecia isso pra funcionário. Então eu não tive um tratamento diferenciado porque eu era deficiente físico. Isso era um padrão na empresa, esse benefício. Porque? Por se tratar, sei lá, da própria situação da empresa. Você não vê uma fábrica de cimento no centro da cidade. Não tem como. Você vê uma fábrica de cimento num bairro afastado, perto de uma mina de extração de calcário. É sempre assim, não tem como, não tem outra forma. E daí? O bairro sendo afastado da empresa, da cidade, do centro da cidade, o que acontece? A empresa, acredito que seja até, sei lá, o próprio José Ermírio, ou então o senador Antônio Ermírio, o senador tenha feito alguma coisa, cuidar desse benefício, da estrutura do bairro, pra que as pessoas também pudessem estudar e sair dali de alguma forma que a empresa ajudasse também. E oferecia o transporte. Não só transporte, como auxílio material escolar. Tudo isso era o pacote que a empresa oferecia pra quem era filho de funcionário. Então, eu via aquilo ali, uma menina dos olhos. Pra mim uma criança tem que, você tem tudo. Você tem, a empresa te oferecendo esse benefício basta que você faça o que? Que você estude. À medida que você vai estudando você continua com esse benefício. E depois? Depois você vai ser funcionário da Votorantim. Quer melhor que isso? E foi assim que aconteceu.
P1 – E as pessoas podiam escolher onde elas gostariam de estudar? Existia alguma?
R – Até isso era legal na empresa. Você podia escolher onde você queria estudar, se você queria estudar num colégio técnico de formação de Mecânico, de Eletricistas, Técnico em Eletrônica, como você também poderia fazer administração nas escolas que ofereciam o curso de administração, Técnico em Administração. E o mais importante de tudo, você podia fazer faculdade também. Você tinha o transporte e você fazia faculdade. Você podia fazer Tecnologia. Na época também tinha Engenharia, Faculdade de Engenharia em Sorocaba. Mas o grande intuito da empresa mesmo, até na época eu tive uma conversa com o gerente que administrava a empresa na época, que é o Mário Botesi, ele falou assim: “O intuito era formar técnicos, dar recursos pra que a própria, os filhos dos funcionários se formassem técnicos e viessem trabalhar na empresa”. Quais os maiores interesses? Técnico Mecânico, Técnico em Elétrica, Eletrônica. E realmente essa mão de obra vinha pra empresa. Havia esse retorno.
P1 – E fala um pouquinho então da tua trajetória na Votorantim. Você entrou...
R – Bom, a minha trajetória na Votorantim, eu sou admitido em 12 de março de 1981 como Auxiliar de Pessoal. Vou nessa situação até, acredito, 1989, onde muda o cargo de, eu sou promovido, eu passo a ser Supervisor de Pessoal. Nesse período da década de 80, eu vejo duas greves na empresa. E, pra variar, o Departamento Pessoal tem que estar dentro da empresa. O pessoal do Departamento Pessoal nunca vai ficar lá fora. E eu, nesse período de greves aí, eu tive a minha contribuição pra empresa também. Eu fiquei trabalhando na empresa dentro do que foi solicitado a mim. Na década de 80 também vêm os primeiros computadores pra empresa e eu começo a fazer uns cursos. Os primeiros cursos de computação fui eu mesmo que paguei porque eu tinha, eu era deslumbrado por informática. Se eu não tivesse até feito Técnico em Contabilidade eu partiria até pra informática mesmo. Mas, na década de 80, o quê que eu faço? Eu começo a fazer ciências contábeis. Trabalho mais com informática no final dos anos 80. Somos os primeiros a trabalhar ali na administração. Eu acredito que essa época foi mais nisso. Agora, quanto às minhas atividades, elas permaneceram, não há muita mudança nas minhas atividades na década de 80.
P1 – E qual que você acha que foi o impacto do início da informatização? Qual setor que foi informatizado em primeiro lugar? Você lembra disso?
R – Eu, pelo que eu lembro, na época, na década de 80 por exemplo, começa a informatização. No RH por exemplo, quando, as primeiras coisas que passa a um processo informatizado é o ponto eletrônico. Então, o que acontece? Em 1988 nós começamos, em fevereiro de 88 nós começamos com o ponto eletrônico no RH. Logicamente todos os outros departamentos da empresa estavam acompanhando. Havia vários processos que eram feitos manualmente. Aí passam a ser informatizados. Você começa a ter planilhas tal em Excel, principalmente nas áreas de produção. Como se diz, até as próprias máquinas também passam a ser informatizadas, comandadas por computadores. Começa aí já o processo.
P1 – E o quê que mudou na formação da mão de obra, você que estava no RH nesse período?
R – Olha, eu acredito que hoje em dia a informática tal, a informação como um todo, a Internet, existe. Não dá pra você conceber o mundo hoje sem informática, sem Internet, sem uma pessoa que, eu digo até mais, que não fale outro idioma até. O mercado de trabalho exige isso. Você, hoje em dia, você tem que estar cada dia, desde cedo, você tem que estar cada dia mais capacitado. Você, fica muito difícil você correr atrás de coisas que você já tem uma vida formada, você já é casado, tem filhos e tal. Eu digo até mais, quando você é jovem mas deixou as suas oportunidades de estudar, elas passaram. Que você só pode se tornar competitivo se você tiver know-how, se você tiver tecnologia. O quê que é tecnologia hoje em dia? É uma série de conhecimentos. Você ter formação, procurar ter um curso de nível superior. Tem que ter, não tem como, não dá pra conceber. Você tem que saber informática. Você tem que ser uma pessoa versátil, tem que ser de fácil adaptação, de fácil assimilação. Tem que ser uma pessoa motivada a estudar. Eu acho que o caminho é esse.
P1 – Mas, naquela época, na época de introdução da informática, teve um impacto na mão de obra?
R – Teve pelo seguinte. As pessoas foram percebendo que, aos poucos, as pessoas que tinham muita dificuldade com informática, elas também foram, aos poucos, saindo ou então partindo pra funções assim muito mais simples, que não exigiam informática. Então você vê com o processo do sistema de ponto mesmo, todo mundo entendia. No departamento em que tinha seis pessoas, sete pessoas, quem entendia mesmo era um, dois. Mesmo a empresa dando treinamento, nem todo mundo se habilitava a ter essa, como se diz, essa vontade de trabalhar com informática, o que na realidade seria o futuro.
P1 – E que tipo de treinamento foi dado?
R – A empresa, no final dos anos 80, início dos anos 90, ela começa a investir maciçamente em, pelo menos na unidade de Santa Helena, a cimento Votoran, ela começa a investir em treinamentos. Você faz desde cursinhos básicos de informática, de DOS, Word, Excel. Tem, enfim, todo o pacotinho Windows que você tem hoje.
P1 – Isso, você acha que nos anos 90 já estava?
R – Isso já era forte já. Quem quisesse, a empresa estava dando. “Oh, eu quero fazer informática”. Você falava no departamento, você erguia o dedo: “Eu quero fazer informática”, já valia. Havia interesse. A empresa estava motivada pra isso. Havia várias oportunidades pra quem quisesse realmente entrar nesse mundo.
P1 – E isso teve algum impacto também nos processos de seleção de novos funcionários?
R – Tem porque você começa a ficar um pouquinho mais exigente. Porque, nos anos 80 por exemplo, você tem pessoas que não têm, vamos supor, não têm formação, tem primeiro grau incompleto. Depois você já começa, como selecionar alguém com primeiro grau completo, com segundo grau, com formação técnica. Porque essas pessoas é mais fácil você pegar uma pessoa mesmo que nas escolas. No início dos anos 90, por exemplo, não é tão divulgado. Não é todas as escolas que tinham computadores à disposição dos alunos. É bem mais difícil do que você vê em 2005, hoje. Então, o que acontece? É fácil você treinar uma pessoa que está com o HD novinho. Da pra você pegar e passar essa tecnologia pra eles e eles assimilarem rapidamente.
P1 – E você falou também da preocupação com o meio ambiente. Como é que você vê a incorporação disso pros funcionários? Quer dizer, como é que os funcionários foram inseridos nesse processo de produção limpa?
R – Você diz quando? Até o final dos anos 80?
P1 – É. Como que esse processo aconteceu dentro da empresa? Quer dizer, você tem a limpeza do processo mas, no cotidiano do funcionário, como é que isso foi incorporado?
R – Veja só. O que acontece, até hoje faz parte desse processo, é que a empresa começa a fazer, dar exemplos também, cobrar das próprias pessoas, das lideranças tal, que realmente se preocupem um pouco mais com isso também. Porque não é só uma questão da filosofia da empresa se preocupar com isso. É uma questão também de gestão ambiental, de legislação. A empresa é cobrada por isso também. Situações em que haja todo um processo aí que venha danificar o meio ambiente recorre em multas pra empresa. E também a vigilância dos órgãos ambientais do governo.
P1 – Mas o quê que isso muda no cotidiano de quem trabalha lá dentro? Quando que você acha que começou essa mudança?
R – Eu vejo essa mudança mais a partir da década de 90. A partir da década de 90 as pessoas se tornam um pouco mais conscientes do quê que é o meio ambiente, o quê que nós podemos preservar. A empresa começa também a desenvolver campanhas, começa a ter uma gestão maior em cima disso, de educação do próprio funcionário pra que ele venha a assimilar. Então você vê certos hábitos que, na época, você vê a empresa mais limpa. As pessoas colaboram pra que fique mais limpo. Você não vê tanta sujeira. Você vê programas de mutirão de limpeza interna da fábrica. Você vê muito isso aí. Isso daí dá também uma mudança de cultura do próprio funcionário da empresa.
P1 – E qual que você acha que foi o papel do RH nisso, nessas mudanças?
R – Eu acredito que o RH tem uma questão mais de assessorar. Às vezes ele não participa tanto dessas mudanças. Ele consegue observar, consegue até dar alguns inputs que são de forma mais genérica. Você não consegue visualizar, por exemplo, o RH atuando nisso aí, o RH atuando em situações que levam a, pô, estar participando de tal campanha de gestão. Tudo que é feito é mais assessoria. Então o RH consegue fazer papéis assim que são de assessoria, não exatamente tomando a frente em algumas coisas.
P1 – E depois que você se formou definitivamente, você voltou pra Votorantim, você acha que você abriu novos caminhos na tua vida profissional? Porque você sempre trabalhou na Votorantim...
R – Olha, é uma situação interessante isso que você perguntou porque eu sempre trabalhei na Votorantim, mas às vezes eu me olho, eu vejo que eu trabalhei em várias empresas. Porque a empresa também vai mudando aos poucos. Algumas coisas são básicas. Mas a empresa também, nesse tempo todo, tenho 24 anos de empresa, a empresa também mudou.
P1 – O quê que mudou?
R – Muda a gestão, muda a gerência, muda a forma de trabalho. Tudo isso foi mudando com o tempo. Não é uma coisa estática. Você vê, por exemplo, eu acho que hoje você consegue, por exemplo, você é cobrado com o diretor. Um diretor te cobra: “Pô, tal coisa. Eu preciso de tal trabalho, que você passe pra mim”. Então abre-se um canal de comunicação muito mais rápido. O que na época, por exemplo, na década de 80 você ver um diretor da Votorantim era uma coisa assim diferente mesmo: “Pô, tal diretor está aí”. Você não via. Hoje não, você consegue cobrança em vários níveis. Você consegue cobrança a nível corporativo, executa trabalhos a nível corporativo, executa trabalhos a nível local. Você passa informações gerenciais, tanto pro gerente da empresa como pra um diretor de forma assim diária. Não tem muito o que se pensar. Não existe muito obstáculo a ser transposto pra essa informação.
P1 – Você acha que é isso que mais mudou na Votorantim?
R – Eu acho que sim. Na minha opinião, essa agilidade da informação, quebrando muitos níveis, fazendo com que a informação saia mais rápida, você consiga chegar mais rápido à fonte, esse é o grande lance das empresas que são empresas de mercado, empresas de ponta e que servem de modelo pra gestão das outras. Eu acho que a Votorantim está nesse contexto.
P1 – O que mais você acha que mudou?
R – O que mais? Eu acho, o que mudou também é o seguinte. A empresa, hoje em dia, eu acho que ela é muito rápida. As situações mudam sempre. A internacionalização da Votorantim também abre um outro leque. Então você vê colegas que trabalham com você, pessoas que estão na empresa e de repente está aqui e no outro momento: “Olha, fulano está indo pro Canadá”. Então você vê isso. Você vê situações em que existe mais agilidade: “Olha, tal pessoa está indo trabalhar no corporativo. Olha, tal pessoa sai daqui, vai pra Rio Branco lá no Paraná. Oh, está chegando tal pessoa da Rio Branco aí pra trabalhar com nós aqui”. Então eu acho que isso é um processo assim que deu mais agilidade na empresa.
P1 – E há 20 anos atrás não acontecia isso? Você, por exemplo, nunca vinha aqui a São Paulo, nunca saia de Santa Helena? Como era?
R – Há 20 anos atrás eu vinha a São Paulo também. Vinha principalmente pra treinamento, porque sempre gostei de treinamento. Eu acho que treinamento dá uma motivação, cria algumas coisinhas pra você incorporar na sua vida profissional. Mas participar de projetos assim, ou ser chamado tal, isso realmente aconteceu a partir da década de 90.
P1 – Você lembra a primeira vez que você saiu de Santa Helena?
R – A primeira vez? Eu acredito que deve ter sido pra participar em algum curso em 1983 ou 84. Não me lembro exatamente qual é.
P1 – E como funcionava? Eram cursos que vocês eram chamados pra São Paulo? Como era?
R – Normalmente era, havia duas situações. Você poderia solicitar os cursos que você queria fazer, como também chegavam informações. No RH, por exemplo: “Que curso, você quer fazer algum curso? Olha, está tendo tal curso, você quer participar?” Então isso chamava muito a minha atenção.
P1 – E você nunca teve dificuldade de freqüentar esses cursos?
R – Não, sinceramente não. Nenhuma. A única dificuldade que de vez em quando surgia é o seguinte, você tem que adaptar a sua rotina diária, o seu trabalho, as suas atividades normais com o curso que você quer fazer, senão não tem como. Não adianta você, é muito interessante você fazer, querer partir, fazer algum curso e tal. Mas no meio de uma folha de pagamento não dá pra você largar a folha de pagamento pra fazer um curso. É bem complicado isso aí. Então, tem hora e tem momento.
P1 – E havia comunicação entre os RHs de outras unidades?
R – É muito difícil. Normalmente o que nós tínhamos era o seguinte. A nossa comunicação era com o escritório central aqui em São Paulo na Praça Ramos. Então não tinha muito não. O nosso contato era a Praça Ramos. Qualquer trabalho que fosse feito, qualquer cobrança que fosse feita, era com a Praça Ramos e pronto.
P1 – E hoje há comunicação entre os RHs?
R – Hoje eu acredito o seguinte, é muito mais fácil você se comunicar com os RHs das outras unidades, via e-mail por exemplo. O e-mail é hoje uma atividade que não tem como, você está ligado com o mundo. O que acontece aí em qualquer lugar está na sua mesa, está pra você, como você também pode passar. Isso que é o grande lance, que você dá agilidade à informação. Hoje não, é tranqüilo, não tem muito mistério.
P1 – E, Roberto, você está numa, digamos assim, num pedaço da Votorantim que é o mais antigo. Como é que a gente pode apontar o que tem de história da Votorantim lá em Santa Helena hoje? Quer dizer, você vive lá, você está nesse pedaço que é a história inicial da Votorantim. Onde está a história lá?
R – Olha, como foi um bairro operário, hoje, se você for analisar, a história da vila operária se resume em dois locais, a Igreja Católica e Igreja Evangélica. Inclusive na Igreja Católica o último casamento que teve lá foi o meu. Foi até uma questão sentimental minha mesmo. Eu falei com a minha esposa, eu falei: “Não, vamos casar aqui na Igreja do bairro”. Isso daí no início dos anos 90. E também o último batismo que teve lá, que eu me lembro dessa época quando já estava, hoje tem cultos ainda, mas eu não vi batismo, não ouço falar. O último batismo foi do meu filho que hoje tem 12 anos. Fora isso, se você ver marcos históricos assim e tal, tem um ou outro prédio assim, mas não é representativo. Eu acho que a Igreja é assim o grande monumento que lembra a vila operária. Em frente à Igreja tem uma praça que ainda hoje é conservada pela empresa e que também faz parte daquele tempo.
P1 – E na memória das pessoas?
R – Na memória das pessoas eu acho que vem justamente a pracinha, que a praça é o lugar onde você tinha até banda. O pessoal ia pegar o ônibus. É um ponto assim de referência realmente do bairro. A praça, todo bairro tem uma praça, nós tínhamos a nossa. Então, está tudo certo.
P1 – E a banda era de funcionários da Votorantim?
R – Oh, a banda eu acho que, eu não me lembro bem dessa fase mas eu acho é início dos anos 70. A banda era municipal. Pelo menos que me lembre, algumas atividades lá, faziam e tal, era uma bandinha lá, municipal.
P1 – E hoje você acha, então, que a história já foi totalmente incorporada? Você não vê mais nenhum elemento, nem no cotidiano, que relembre essa longa história?
R – Eu não me apego muito ao passado. Eu acredito que o passado já passou. Já foi vivenciado o que tinha que se vivenciar. Mas eu não vejo. Sinceramente eu não vejo assim grandes lembranças: “Olha, isso toca, isso me traz, isso me recorda e tal”. Não vejo.
P1 – E qual que você acha que foi o papel desse lugar, Santa Helena, no desenvolvimento do país? Quer dizer, você percebe isso? Seu pai trabalhou lá também...
R – Olha, eu percebo pelo pioneirismo da Votorantim. É uma fábrica de cimento no interior de São Paulo. Fornecer cimento pro estado inteiro, pro Brasil inteiro. E aí o que acontece? Você vê realmente o quanto é importante isso, porque você trabalha num lugar que hoje se você passa tenho certeza que muitas obras aqui em São Paulo estão passando por um cimento, por um produto que foi feito onde você mora. Eu acho que isso é muito significativo pra quem trabalha na empresa. São valores assim que você incorpora e que da uma satisfação em saber que você faz parte de uma grande organização, de uma organização que é respeitada, que tem história nesse país. Eu acho que isso que é o que realmente valoriza essa empresa. A Votorantim Cimentos hoje você sabe o destino da empresa, que está se expandindo pro exterior, dos objetivos dela que é se tornar um dos maiores grupos cimenteiros do mundo. E isso realmente é o que até motiva você também a fazer parte desse processo todo.
P1 – E você acha que, pelo fato de você ter nascido lá, do seu pai ter trabalhado lá, de você ter trabalhado a sua vida inteira na Votorantim, você acha que você vê isso com outros olhos? É diferente? Quer dizer, essa tua trajetória influencia na visão que você tem da Votorantim?
R – Olha, eu acredito que isso serve como alicerce. Toda essa minha trajetória serve como alicerce pra mim dar continuidade ao meu trabalho. Mas eu não estou de olhos fechados ao que acontece nas minhas atividades, no meu trabalho. Porque hoje você tem que ser versátil, você tem que se adaptar rapidamente às novas situações, tem que enfrentar desafios. E isso faz com que você tenha a bagagem, tudo, mas você procure ser novo o tempo todo, você procure estar no mesmo patamar dos outros. Porque tem muita gente nova entrando. A empresa muda também. A empresa exige mais qualificação de que você tem, exige de você também a disposição de enfrentar desafios. Porque eu comecei a enfrentar desafios realmente nessa empresa, eu acredito que foi nos anos 90, quando a Votorantim, por exemplo, monta um Centro Administrativo na cidade de Votorantim e eu saio da Votoran, da fábrica, em 95 e vou trabalhar no Centro Administrativo. Ali já começa uma nova fase pra mim. Eu acho que começa realmente a fase de desafios pra mim, que eu saio da empresa ali onde eu estou lá na Votorantim, aquela rotina normal, e já vou trabalhar com o Centro Administrativo em que eu sou o primeiro ali de um processo todo. Porque ali começa a ser centralizados todos os trabalhos de folha de pagamento, por exemplo, que é a minha atividade principal, dentro de um único lugar, o Centro Administrativo. Esse foi o meu primeiro desafio. Em seguida já existe um desafio mais corporativo, que é fazer pra Votorantim e pra todas as suas regiões de RH, uma folha de pagamento centralizada. Isso daí ocorre em 97. Então você tinha várias equipes. Você tinha equipes do Nordeste, da Centro Oeste, do Sul, trabalhando ao mesmo tempo ali pra que houvesse um trabalho parametrizado em que tudo fosse igual, em que nós pudéssemos usar um sistema informatizado em cima de folha de pagamento único. E esse eu acho que é uma das grandes vitórias que eu pude participar na empresa. Esse foi um deles. Em seguida, em 2000, existe já a centralização desse processo de folha de pagamento e tal, e das atividades de financeiro e tal, pra Curitiba. E eu começo a participar desse processo também. No final de 2000 acontece o fechamento do Centro Administrativo da Votorantim, Grupo Votorantim. E isso faz com que a, como se diz, você tenha situações assim inusitadas. Chegou um ponto lá que só tinha o RH lá naquele prédio. Você vê todo o pessoal que trabalha com você, uma grande estrutura, sendo desmontada, o pessoal sendo demitido. Só a nossa equipe fazendo o trabalho de demitir os funcionários, fazer os cálculos, fazer as rescisões contratuais. E foi um processo muito difícil pra mim, tanto pra nós. Uma outra coisa em paralelo ocorre, que é uma demissão em massa da empresa, na Cimento Votoran mesmo, onde cento e poucos funcionários saem, 200 e poucos funcionários são demitidos no Centro Administrativo. 200 e poucos não. Eu acredito que eram uns 130, 140 mais ou menos. Mas é um movimento grande. E você fica se programando pra isso. Você tem uma, então é uma longa fase de stress, que você incorpora muitos sentimentos do pessoal que está saindo. É uma fase assim muito difícil pra nossa equipe que estava naquele momento ali.
P1 – E depois?
R – Depois eu volto pra fábrica e volto a trabalhar como se fosse um RH local novamente. Mas aí já numa outra situação em que o RH está centralizado em Curitiba, minhas atividades e tal. E você sente porque você, eu fiquei sete anos longe da empresa, cinco anos longe da empresa. É como se eu voltasse de novo, começasse de novo. E de lá pra cá surgiu muita interação entre os trabalhos que eu fazia e o pessoal da Berrini, LC Berrini, o pessoal de Curitiba, o RH de Curitiba. Isso pra mim acho que foi o mais legal. Surgem situações em que você participa de projetos que são corporativos. Ultimamente a implantação do DHO, Desenvolvimento Humano e Organizacional na empresa, que foi assim acho que o último projeto que realmente o RH se viu envolvido. E isso motiva. Você tem que ser desafiado. Ninguém, eu acho que não suporto ficar muito tempo no marasmo. Se bem que minhas situações também acho que de marasmo teve um monte. Teve muito marasmo aí, pra 24 anos. Mas eu acho interessante isso aí. Você, hoje que a empresa é mais ágil, mais corporativa, você ser chamado, você poder contribuir também. Eu acho que isso motiva muito pra quem trabalha.
P1 – E qual foi a sua parte nisso? Eu queria que você falasse um pouco da tua participação no DHO, que você explicasse um pouco o que foi esse projeto.
R – O DHO é um projeto no qual todo o RH é reformulado da concepção anterior que você tinha. Ou seja, algumas, as atividades são criadas de forma que o funcionário tenha mais acesso ao próprio RH da empresa. O RH não se torne uma caixa preta pra ele, ou seja, eles são instalados na unidade de Salt Santaneiro, hoje já é o Brasil todo, terminais no qual o funcionário consegue visualizar dados cadastrais, consegue visualizar a folha de pagamento dele. Ele consegue informações através de Call Center. E isso tudo é uma nova forma de gerir o RH. Algumas atividades também são centralizadas numa única pessoa de forma corporativa. Eles criam um cargo chamado cluster. E o cluster tem as atividades dele de forma corporativa. Ele faz a folha de pagamento corporativa. Alguns benefícios são passados pra ele de forma corporativa. Então, a minha atividade principal hoje no momento é essa. Eu sou um cluster da região Sudeste. E pra mim foi muito interessante porque me deu uma outra visão do que eu podia contribuir no RH. Inclusive hoje eu estou ainda me adaptando a isso. E o RH se torna mais aberto. O RH tem, a concepção do RH hoje é que ele venha a trabalhar de forma mais estratégica, ele não venha a trabalhar de forma tão operacional como ele era antes. Hoje em dia essas atividades de estratégico são o grande lance da empresa. A empresa quer investir mais pra que o RH se torne mais estratégico e menos operacional. Pra que isso aconteça eu acredito que os processos têm que ser simplificados e distribuídos de forma que você não venha sobrecarregar o RH local. E o DHO busca justamente isso, trabalhar em cima das atividades que sejam corporativas, que possam seguir um rumo estratégico e que o funcionário, principalmente, possa ser cada vez mais independente do RH. Ele não necessita, necessariamente, por qualquer coisinha, qualquer problema que ele venha a ter, se submeter ao RH local. O RH local trabalha de forma mais estratégica, já que ele deixa de ser tão operacional assim.
P1- E essa nova visão do RH se localiza quando? Quando que ela começa?
R – Ela começa em julho de 2004, quando o DHO é implantado de forma piloto nas unidades de Salt e Santa Helena. Então, todos os funcionários da empresa foram treinados pra utilizar o portal, como é que é o portal DHO, o quê que você pode extrair num portal. Até o próprio RH local também tem que mudar a sua concepção, deixar de ser tão, como se diz, disposto a atender o funcionário no tête-à-tête e atender, procurar direcionar o funcionário: “Olha, procura o Call Center, procura, entra no portal, procura tirar essa informação de outra forma. E isso é um tanto, como se diz assim, essa mudança cultural de RH se reflete também nos funcionários, porque os funcionários querem te ver, querem falar pra você, quer que você: “Olha, como é que eu faço tal coisa? Como é que é?”. E você simplesmente, o seu trabalho é orientar. Foram passados multiplicadores. Nós tivemos, acho que foram uns 30 multiplicadores na empresa também que tinham essa função de disseminar essa cultura de DHO. A receptividade foi assim muito positiva porque os funcionários, pela primeira vez, eles estavam vendo. Imagine você, um funcionário, ter acesso ao seu cadastro na folha de pagamento. Você podia, naquele momento, pedir informações de como funciona, ter Call Center. Você podia fazer consultas no seu holerite de pagamento, o quê que, os últimos holerites. Você pode pedir informações as mais diversas possíveis, marcar suas próprias férias. Isso que é legal. Houve mais interação. O funcionário hoje ele pensa em ter atividade com o RH.
P1 – E qual que é a perspectiva depois da cotação desses pilotos?
R – Oh, hoje o RH, como Desenvolvimento Humano e Organizacional, DHO, ele é uma realidade, ele está implantado aí em todas as unidades do Brasil. Eu acho que as oportunidades que nós temos agora é simplesmente de refinar o processo, de simplesmente analisarmos o que é legal, o que dá certo e o que tem que ser revisto. Eu acho que o grande papel hoje é isso. E o principal de tudo, criarmos o nosso próprio modelo. Chegar ao nosso modelo, o que é ideal pra nós como empresa. Porque outras empresas têm um sistema semelhante ao nosso. Mas o que leva, eu acredito, ao sucesso da Votorantim, é ter o seu próprio modelo. Não existe pacote pronto, não existe você chegar assim: “Olha, eu como consultoria te dou isso aqui, isso aqui funciona pra sua empresa”. Não existe. Existe o que? Você tem um pacote, você tem que, normalmente, pegar e fazer daquela idéia o seu modelo. Não existe você adaptar empresa a uma gestão ou coisa... Não, a empresa tem que criar a sua própria gestão. Eu acho que o nosso trabalho de hoje em diante, nesse momento, é simplesmente refinarmos o processo, é aperfeiçoar, é fazer com que realmente essa interação entre funcionário, empresa, entre o DHO local ou o DHO ser mais estratégico e tal. Eu acho que nós temos que trabalhar com tudo isso.
P1 – Fala quando desativou o centro...
R – Quando desativou o Centro Administrativo foi encontrado um pacote com vários índices que representavam o tempo de casa dos funcionários. E eram os funcionários que tinham, a cada dez anos, a sua passagem pela empresa, completavam dez anos, a cada dez anos recebiam aquele pin pra comemorar a sua passagem na empresa. Então, no final de 2000, eu encontro uma caixa com todos esses pins guardados lá. Então tinha de dez anos, de 20, de 30 anos. Só que, o quê que eu fiz? Eu peguei isso aí, guardei comigo e devolvi pra empresa na área, pro corporativo que é VC Berrini. Mas eu acho que é muito gratificante quando você tem, isso é uma jóia você ter isso. Pra você conquistar demora tanto tempo. E o significado é muito grande pra mim. Eu, com 24 anos de empresa, eu uso isso aqui, assim, só em ocasiões muito diferenciadas mesmo. Mas no momento as pessoas nem percebem que eu estou usando. E quem percebe pergunta: “Olha, o que é isso aí? Pá”. È muito diferente, é muito, é uma coisa assim, é um valor que você guarda com você mesmo. É como se fosse uma premiação. E esse aqui mesmo eu não ganhei numa, porque inclusive quando o Dr. José era vivo, ele fazia um jantar tal. Havia toda uma solenidade pra premiar os funcionários que completavam dez, 20, 30, 40 anos de empresa. Mas só que eu não cheguei a ter essa oportunidade de receber esse distintivo, esse pin naquele momento. Que os jantares foram interrompidos, aí essa comemoração foi interrompida na Votorantim. Eu recebi, inclusive, foi do meu gerente de RH na época. Eu recebi do meu gerente de RH na época que era o Manuel Carlos. Ele falou: “Olha, Roberto, você não tem 20 anos ainda, mas eu vou te dar esse distintivo aqui porque eu tenho certeza que você vai ter 20 e vai passar dos 20”. Isso daí foi, acredito que em 99, início de 2000. Ele falou isso pra mim. Eu guardei porque, tudo bem que não houve uma comemoração, mas foi um momento tão, pra mim foi solene, que estava eu e o meu gerente de RH ali, eu falei: “Pra mim está ótimo. Eu acho que pelo menos é o reconhecimento”. Não precisa ser corporativo, não precisa ser ovacionado assim, mas surgiu o momento e eu guardo, guardo comigo essa recordação.
P1 – Eu queria que você falasse um pouquinho sobre a inclusão de portadores de deficiência em empresas e grupos como o da Votorantim. Como é que você vê isso? O que você acha que já foi feito? O que você acha que deve ainda ser feito?
R – Eu acredito que o deficiente físico, não dá pra você simplesmente criar uma legislação e falar: “Olha, hoje a empresa tem que ter 1%, 2, 5% de deficientes físicos. Porque tudo que acontece nesse mundo globalizado, de competição, tem que haver qualificação também. E o deficiente físico tem que estar também adaptado, ele tem que estar inserido nesse mundo todo. Então, o que acontece com as empresas hoje? Você tem grandes empresas como a nossa, às vezes desenvolvendo projetos pra incorporar o deficiente físico, tirar e colocar no mercado de trabalho, mas você, às vezes você tem, tudo bem, colocar o deficiente físico. Em que posições, em que situações eu vou colocar o deficiente físico? Vou criar funções pra colocar deficientes físicos na empresa? Então eu acho que tudo isso são coisas assim que precisam ser ajustadas com o tempo. Eu me considero numa situação assim atípica, anormal até, como deficiente físico ter chegado hoje a trabalhar 24 anos numa empresa de grande porte, uma empresa internacional. Trabalhar na Votorantim Cimentos hoje, eu falo que eu sou até carimbado. Aonde eu ando o pessoal me olha como o cara: “Pó, lá vai o homem da Votorantim Cimentos”. E isso é muito gratificante pra você, pela sua condição de deficiente físico e por ter passado tanto tempo na empresa, por você ter visto tantas mudanças. Mas, olhando o deficiente físico assim de fora, até da minha cidade mesmo, eu vejo que eles têm muita dificuldade. Eu acho que as coisas são feitas assim de legislação, mas realmente não se cria uma estrutura pra isso. Não adianta você simplesmente criar uma legislação: “Olha, deficiente físico pras empresas. As empresas que não tiverem vão ter que pagar multa, vão ter que desenvolver programas”. Eu acho que não é bem por aí. O deficiente físico, hoje, ele precisaria de estrutura. Ele precisa de escola, ele precisa de muitas facilidades que, por exemplo, eu que sou, eu tenho, eu sou paraplégico. Você precisa ter, como se diz, você precisa ter condições pra tirar, por exemplo, um deficiente físico que não pode andar de casa. Como é que é? Alguém tem que buscar, alguém tem que levar. Tem que se criar um programa na cidade. Eu já vi, na cidade de Votorantim mesmo, eu já vi a prefeitura levando portadores de deficiência física pra escola, pra, sei lá, lugares assim que possam dar pra ele uma condição de interação com a sociedade. Mas isso são, ainda que, deve ser ajustado. Não tem como você dizer: “Olha, vai funcionar”. Eu acho que isso está longe. A sociedade mudou muito. Hoje em dia acho que se preocupa, existe uma maior preocupação. Só o simples fato de ter a legislação já ajuda, mas eu acho que tem muito pra caminhar ainda. Porque cada caso de deficiente físico é um caso. Não adianta você generalizar. Cada caso é um caso. E cada empresa tem sua situação, tem as suas necessidades. Não adianta. Eu não vi nem um empresário que comece a criar cargos, preencher cargos na empresa pra deficientes físicos, sem ter nenhuma razão, sem ter nenhuma aplicação. Que nenhuma empresa é, como se diz, ela tem a sua finalidade, a sua perenidade depende de um objetivo. A empresa tem que ter lucro. Não existe isso. A empresa tem que ter a sua inserção social, tem que ser solidária com a sociedade também, tem que se interagir com o ambiente, tem que se preocupar com a legislação, tem todo um processo. Mas a perenidade da empresa é o lucro, não foge disso.
P1 – Você acha então que o teu caso seria um caso isolado pra época, os anos 70?
R – Eu acredito que sim, porque eu vejo as pessoas que, quando eu tive paralisia infantil, na época foi um surto na vila. Cinco pessoas tiveram, cinco crianças. Eu fiquei com essa deficiência aos nove meses de idade. Não cheguei nem a andar. Então pra mim tudo transcorreu normalmente. Eu já era mesmo, então tranqüilo. Você usa muleta, usa aparelho, e tudo bem. Você se adapta a tudo aquilo. O seu universo é aquilo. Mas eu sinto que as realidades se tornaram diferentes. Eu consegui trabalhar. Eu acho que tudo isso também eu devo até à, naquele momento a empresa surgiu no meu caminho. A Votorantim surgiu no meu caminho. Eu era a pessoa certa, eu consegui ser competente. Eu consegui, eu acho, transpor os obstáculos que surgiram pra mim na minha carreira profissional. Eu consegui formar a minha família. Eu tenho um emprego. Eu não posso dizer que eu nunca, não gosto dessa palavra estabilidade e emprego estável porque eu acho que tudo passa por um contrato de trabalho. Enquanto você me é útil como empresa, você, eu tenho um contrato de trabalho com você. A partir do momento que você não me é útil mais, se encerrou o contrato de trabalho e pronto. Mas eu vejo os outros que tiveram essa deficiência na época, e eles partiram pra caminhos diferentes. Alguns se retraíram, se isolaram. Mas eu vejo até mesmo a minha situação perante os outros. Eu já cheguei a cruzar com eles assim, e às vezes até eles ficam até emocionados. Olham pra mim assim de forma diferente, porque eles vêem em mim alguma coisa que talvez eles quisessem ter alcançado e não conseguiram. E isso é muito marcante pra você que está na sua situação hoje. Hoje eu tenho a minha família, tenho os meus filhos, eu tenho uma vida social integrada, eu tenho independência, eu dirijo o meu próprio carro, vou pra onde eu quero. Eu tenho uma certa estabilidade financeira que me da uma vida, eu não digo assim extremamente confortável, mas cômoda. Eu vivo bem. Eu tenho minha própria casa. E tudo isso pra eles é uma situação assim de outro mundo. É assim, é um passo assim gigantesco pra eles, que muitos deles não alcançaram.
P1 – Você está falando desses outros quatro?
R – Exatamente.
P1 – E agora eu queria voltar, já que você tocou nesse assunto. Eu não ia tocar, mas já que você tocou eu vou tocar. Você tem idéia do tipo de tratamento que você passou? Como é que a empresa, todos eram funcionários, filhos de funcionários? Como é que a empresa se posicionou?
R – Olha, eu procurei nunca obter vantagem disso, da condição de deficiente físico. Eu procurei ser sempre uma pessoa independente. Procurei assim não contar com, talvez, com uma questão até emocional daqueles que gerenciaram o meu trabalho, que coordenaram as minhas atividades, a empresa como um todo. Eu procuro não absorver privilégios através disso, dessa condição. Porque, pra mim mesmo não seria bom. Eu acho que eu estaria abrindo mão de muita coisa que eu posso evoluir se eu partir dessa forma. E o que me causa muita, vamos dizer assim, muita estranheza até. Às vezes as pessoas chegam e são, que eram meus colegas de trabalho, as pessoas que me conhecem na empresa, chegam assim e acham que realmente eu tenho uma situação assim privilegiada. Mas eu nunca busquei isso. Eu acho que eu sempre procurei me manter no nível de igualdade. O que servia pros outros servia pra mim também. E isso é que realmente acho que me motivou mais.
P1 – E você acha que o Grupo Votorantim, por ser uma empresa familiar, um grupo familiar, ele preserva determinados valores que vêm da família? Ou, como é que determinados valores estão presentes na família? Eles são passados pro cotidiano das pessoas que trabalham na Votorantim?
R – Eu acredito que sim porque, se você observar, o que você vê tanto na cultura da empresa, existe isso. Você vê que realmente os funcionários percebem essa situação de que é uma empresa familiar, embora hoje... Agora você pegou pesado, heim? Olha, a empresa, como nós conhecemos...
P1 – Vem te buscar.
R – É. Qual a pergunta, o que você quer saber exatamente?
P1 – Eu queria saber como que foi o seu tratamento quando você ficou doente aos nove meses de idade?
R – Bom, quando eu fiquei doente, até onde eu me recordo, a Votorantim tinha um hospital em Votorantim mesmo, Hospital Santo Antônio. Eu lembro, pelo que a minha mãe fala, que eu fui tratado lá também. Então, por ser pólio, poliomielite na época era, imagine poliomielite em 1961, praticamente há 50 anos atrás. Então é uma coisa assim complicada você tratar disso. Não havia tecnologia, medicina, sei lá. E aquilo ali foi o seguinte. O meu pai recebeu assistência da empresa também pra que fosse tratado. E, a partir do momento da minha recuperação, houve a seqüela. Eu tive a deficiência, ficou a deficiência. Mas foram situações assim em que em alguns momentos a empresa interviu pra que eu pudesse ter uma condição melhor, pra que, também de várias formas. Por exemplo, cedendo transporte pra que eu fosse hospitalizado, pra que eu fosse cuidado, fosse operado, tal. Outra coisa também. Teve, a empresa também me deu botas ortopédicas que eu tive, a empresa me deu. Mas, com o tempo, quando eu fui me tornando aí um adolescente, uma criança, eu já sentia aquela necessidade de me tornar um pouco mais independente. Eu não queria usar aparelho. O aparelho é uma coisa que incomoda. Você fica preso naquela estrutura de alumínio, você não consegue se mover. E eu falei: “Não, eu não quero usar isso aí. Eu quero uma bota ortopédica e quero usar muleta. Pronto, acabou, está ótimo”.
P1 – Com quantos anos você decidiu isso?
R – E naquela época eu acho que eu sofri intervenção cirúrgica umas duas, três vezes. Que eram várias coisas. “Olha, vamos”, os médicos falavam pra minha mãe, “Olha, vamos procurar endireitar o pé dele agora. Atrofiou tal, vamos endireitar”. E eu lembro de ter ficado no hospital, em Votorantim, muito tempo, acho que uns 30 dias depois da cirurgia. E a Votorantim também tinha isso aí de dar um auxílio pra que os funcionários que tivessem algum problema familiar pudessem internar os filhos no hospital e pagar de forma assim prolongada e de forma suave pra que não interferisse no orçamento do funcionário. Mas eu não me lembro bem porque a minha mãe também não fala muito isso pra mim, nunca me deu esse retorno. Eu também nunca fiquei interessado em saber. A verdade é essa, porque eu acho que é uma página na minha vida que passou, que virou. E isso pra mim também não agrega muito. Eu acho que não me nego a falar. Se fosse pra falar sobre isso um dia inteiro, eu poderia até falar, mas é uma coisa assim que pra mim não está bem claro. Mas você vê que, mais ou menos, algumas coisas a minha mãe me conta. Por exemplo, eu tomei um, como é que ela chamava? Eu tomei um banho diário de folha de bananeira durante não sei quantos meses. Tinha uma coisa assim meio absurda assim. E eu sei que não resolveu muita coisa.
P1 – Banho?
R – De folha de bananeira. Então, tinha umas coisas assim que era meio folclórica. Sabe que o desespero de mãe e pai não há limites. Mas, fora isso, a minha mãe e o meu pai sempre me deram muito apoio. E se eu tive uma condição melhor na minha infância, na minha adolescência, foi porque justamente eu contei com os meus pais e minha mãe.
P1 – Vamos voltar pra aquela questão dos valores da família que a gente tinha cortado, lembra?
R – Lembro. Eu acredito que a Votorantim transmite.
P1 – Isso é importante, essa questão dos valores. Eu queria só, pelo menos, fechar com isso.
R – Ta.
P1 – Tá? Quer falar?
R – Se você observar a Votorantim como empresa, você, ao longo dos anos, você percebe bem a importância da família porque você vê o histórico da empresa e você vê, desde a primeira geração, você vê, com o passar do tempo, sempre se falando na família, nos filhos, a sucessão na empresa. Então, tudo isso também é passado pros funcionários. Você percebe a Votorantim como uma empresa familiar no momento em que você vê o Antônio Ermírio falando dos filhos dele. Você via o José Ermírio. E tudo isso somatiza nesse ambiente todo. Você vê que uma empresa realmente que vê o vínculo familiar forte ali, embora você, hoje eu acho que a empresa se modifica, a gestão familiar não é mais da empresa, se profissionalizou muito. Mas a identidade do funcionário com família é muito forte. Eu acho que o símbolo da Votorantim é isso, você fala a família Ermírio de Morais. E isso também é transmitido. Porque não?
P1 – E qual você acha que é a importância de um projeto de memória num grupo como esse?
R – Eu vi uma frase que eu guardo muito comigo, que um país que não conhece a sua própria história tende a repeti-la. E eu acho que a Votorantim realmente tem que resgatar isso aí. Eu acho que isso aí é importante pra que a empresa também guarde os seus valores, preserve. E, principalmente, nas gerações futuras, você venha a ter o depoimento, você venha a ter documentado tudo aquilo, o que representou a empresa. Porque os nossos valores nós levamos com nós desde que nascemos. Um filho se espelha com o pai. E com isso você consegue transmitir todo um histórico através disso. Você consegue preservar valores, você consegue criar vínculos. Eu acho que esse projeto visa principalmente isso. Eu acho que o nosso vínculo, a nossa importância com as pessoas que trabalham na empresa, com toda a história da empresa, eu acho que é muito importante.
P1 – O quê que você achou de dar esse depoimento pra gente?
R – No primeiro momento eu fiquei assim, eu tentei rever um filme que passasse e tivesse começo, início, meio e fim. O início até que foi tranqüilo, tal. O meio é o que eu vivo hoje. E o meu fim, realmente, como se diz, eu não estou muito interessado em saber. Mas o meu depoimento eu procurei vim de forma aberta, contribuir com a minha história pra Votorantim, contribuir com os meus valores que eu adquiri nessa empresa, que eu preservo muito. Que eu acho, a Votorantim pra mim é um espelho de como eu também gostaria de ser, e procuro ser também. Uma empresa ousada, uma empresa que se vê, que tem projetos pro futuro, uma empresa que busca a sua perenidade. E eu como pessoa conseguir isso também. Eu quero me constituir, eu quero ser respeitado na sociedade, eu quero ter objetivos, eu quero alcançar a minha plenitude como pessoa, quero ter família, quero ter filhos. E muitos desses objetivos também, eu acho que tudo isso eu caminhei junto com a Votorantim. Eu acho que a empresa, reconhecendo o meu trabalho, a minha serventia pra ela. Eu acho que isso que nos une, o nosso elo principal. Mas existe muita coisa também, porque você, eu prestar esse depoimento me causou muita satisfação, muita alegria. Porque eu falar da minha vida na empresa, tentar ligar a minha vida pessoal com a empresa, eu acho que foi um dos momentos assim mais legais que eu tive na empresa. Eu não esperava que fosse chegar assim com 24 anos. Mas foi muito bom.
P1 – E tem mais alguma coisa que você gostaria de falar?
R – Não, eu acredito que não. Acho que tudo que podia ser dito eu já falei. Se fosse pra falar, talvez eu me tornasse até redundante, eu começasse a voltar e interagir de forma assim que ficasse um pouco até desconexo assim, com o que eu já falei.
P1 – Então, a gente te agradece. Obrigada.
R – Ta ok.
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