Meu nome é Armando Ramos Tripodi, brasileiro, nascido em Salvador, Bahia, em 13 de abril de 1959.
FAMÍLIA
Os nomes dos meus avós são Atílio Trípodi, Filomena Leone Tripodi - os avós italianos - e os avó por parte de minha mãe, Francisco Nogueira Ramos e Olívia Nogueira Ramos. A origem da família, uma é italiana, e do outro lado é brasileira - uma mistura de caboclos, às vezes sempre tentando esconder um pouco, que é o lado do meu avô materno, que foi um mulato que casou com minha avó, que é descendente de uma família de origem portuguesa do interior da Bahia. Aquelas origens - que plantou, tinha fazenda, e a família meio que rechaçou esse casamento, e a outra parte da família meio que isolou ela do resto da família, por conta dela ter casado com um caboclo, quase um negro naquela época, que foi uma mistura dos pais dele negros com índio. E era um povo que foi rechaçado da família, meio isolado, de onde nasceu minha mãe, quatro irmãs e um irmão. Eu tenho três irmãos, um homem, Aldo, e duas mulheres, Tereza Cristina e Mônica. Meu pai é economiário, foi trabalhador da Caixa Econômica Federal. Ele acabou falecendo novo, com 49 anos de idade, enquanto, inclusive, estava na ativa, era funcionário da Caixa. E minha mãe era funcionária do Estado, professora, que um tempo trabalhou na Secretaria de Segurança. Mas é uma pessoa que também teve uma certa trajetória diferenciada na vida, na época, porque naquele instante em que a minha avó foi um pouco segregada da família, a família passou necessidade e o pai morreu. Então, as filhas, minha mãe e as irmãs dela, foram tomadas por tias, que eram solteiras, praticamente todas, e cada uma patrocinou uma delas. E a tia especificamente que tomou conta de minha mãe era uma pessoa que foi secretária geral de um dos principais colégios públicos da Bahia e é uma pessoa que passou 30 anos à frente. Enviou-a para o Rio de Janeiro, que foi uma coisa extraordinária para a...
Continuar leituraMeu nome é Armando Ramos Tripodi, brasileiro, nascido em Salvador, Bahia, em 13 de abril de 1959.
FAMÍLIA
Os nomes dos meus avós são Atílio Trípodi, Filomena Leone Tripodi - os avós italianos - e os avó por parte de minha mãe, Francisco Nogueira Ramos e Olívia Nogueira Ramos. A origem da família, uma é italiana, e do outro lado é brasileira - uma mistura de caboclos, às vezes sempre tentando esconder um pouco, que é o lado do meu avô materno, que foi um mulato que casou com minha avó, que é descendente de uma família de origem portuguesa do interior da Bahia. Aquelas origens - que plantou, tinha fazenda, e a família meio que rechaçou esse casamento, e a outra parte da família meio que isolou ela do resto da família, por conta dela ter casado com um caboclo, quase um negro naquela época, que foi uma mistura dos pais dele negros com índio. E era um povo que foi rechaçado da família, meio isolado, de onde nasceu minha mãe, quatro irmãs e um irmão. Eu tenho três irmãos, um homem, Aldo, e duas mulheres, Tereza Cristina e Mônica. Meu pai é economiário, foi trabalhador da Caixa Econômica Federal. Ele acabou falecendo novo, com 49 anos de idade, enquanto, inclusive, estava na ativa, era funcionário da Caixa. E minha mãe era funcionária do Estado, professora, que um tempo trabalhou na Secretaria de Segurança. Mas é uma pessoa que também teve uma certa trajetória diferenciada na vida, na época, porque naquele instante em que a minha avó foi um pouco segregada da família, a família passou necessidade e o pai morreu. Então, as filhas, minha mãe e as irmãs dela, foram tomadas por tias, que eram solteiras, praticamente todas, e cada uma patrocinou uma delas. E a tia especificamente que tomou conta de minha mãe era uma pessoa que foi secretária geral de um dos principais colégios públicos da Bahia e é uma pessoa que passou 30 anos à frente. Enviou-a para o Rio de Janeiro, que foi uma coisa extraordinária para a família. Naquela época, sair de um interior da Bahia para o Rio de Janeiro era algo, assim, fantástico, e ela veio e se formou em enfermagem, e depois voltou para ser professora aqui no Rio de Janeiro, que foi uma coisa também, um fato que marcou muito a minha mãe e a família. E quando ela voltou formada, encontrou com o meu pai no interior - que é uma coisa também estranha de todos, é que um grupo de italianos se colocou como reduto dessa cidade no interior chamada Santa Inês, cidade de pequena de oito, dez mil habitantes.
CIDADE
A cidade de Santa Inês era pequena, no interior, sem a mínima expressão. Na época foi criado um pólo de sisal por esse grupo de italianos que, praticamente, criou uma colônia de italianos nessa cidade, que já existia, e meu pai nasceu nessa cidade, e minha mãe, mas não se conheceram.
FAMÍLIA
Minha mãe foi um pouco segregada com a tia, que a levou para Salvador, que mandou para o Rio. E meu pai, apesar de nascerem na mesma cidade, só vieram a se conhecer já adultos na cidade. E foi um outro caso complicado, que a minha mãe assumiu um romance, praticamente. Só veio casar depois, e foi porque, pessoa que veio trabalhar, morar no Rio, tinha uma cultura diferente. Foi outro quase escândalo familiar. Ele era viúvo, ele teve um casamento, mas a esposa faleceu no parto da minha irmã mais velha. E era um viúvo meio “bon vivant” na época de Salvador - famílias de italianos eram bem na cidade. E foi meio também um escândalo, que ela chegou e já foi namorando, aquelas coisas. Tinha o rito de falar com os pais, pedir licença e, se conheceram na praça, naquelas praças. Em volta do interior também foi um escândalo da família, que os dois começaram a namorar sem as conveniências familiares, aqueles ritos todos protocolares que exisitam na época. E casaram e vieram para Salvador. Aí meu pai veio ser economiário, passou no concurso da Caixa, e a minha mãe passou no concurso do Estado para ser professora e praticamente passou a vida toda.
INFÂNCIA
Depois foi cedida a alguma secretaria de Estado, e meu pai faleceu durante o trabalho. Então, nós fomos morar num bairro um pouco classe média pobre de Salvador, mas meu pai economiário, a gente foi crescendo e realizou na época um grande sonho de consumo, que era morar num centro da cidade, que era o “tchan” da história toda, bem no centro da cidade, lá na praça Piedade, que hoje para mim era um mundo imenso, fantástico, uma praça que hoje eu percebo desse tamainho a praça - mas para criança... Tamanho da praça, imensa, e lá nós crescemos um pouco, morando um pouco diferenciados da maioria das cidades, das famílias na época conhecidas, que moravam em bairros que tinham muito quintais, muita área de terreno baldio, e eu pequeno, seis anos. Depois morei para o centro, onde na frente da minha casa era uma das avenidas principais da cidade. Então, aquela praça ali era um verdadeiro mundo para a gente que, inclusive, pequeno, tinha um quintal e tinha o interior, que essa relação também a gente manteve muito. Todas as férias, no dia seguinte, todo mundo embarcava no ônibus e tomava o rumo do interior e passava as nossas férias todas. Aí todo ano era uma briga infernal com a família, porque um rio que passa na cidade, corta a cidade lá, ele tem, e deve ter até hoje um dos maiores índices de Schistosoma do mundo, de concentração, e todo ano a gente voltava cheia de lombriga, e tomar remédio de verme . E mais tarde, estudante, foi que vim descobrir que, na realidade, aquele rio era o maior índice de lá, e a gente não podia descer. Mas criança, numa cidade daquela, quase todo dia é banho de rio. As brincadeiras eram basicamente aquelas de picula, de correr, de ir para as fazendas vizinhas para roubar fruta, para espantar o gado, que, cidade pequena, era contornada por fazendas, jogar bola etc. Picula é da seguinte forma: alguns corriam para os outros pegarem, e batia, e quem levava tinha que correr atrás do outro. Chamam “polícia e ladrão”, lá a gente chamava na época de picula, que era: um batia, saía correndo; você pegava o cara e saía. Aí era correndo na cidade inteira, não era na praça não. Aí saía correndo por aquela cidade imensa.
CIDADE
Salvador nessa época ainda tinha uma característica muito provinciana, mas a gente morando em umas avenidas principais, avenida 7 de Setembro, que é a avenida hoje do Carnaval. Nós morávamos bem na beira da praça que corta a avenida, e morava lá do outro lado da praça, ao lado da Secretaria de Segurança Pública e ao lado, em frente ao nosso apartamento. E a diferença é que nós morávamos eu, minha mãe e os quatro meninos num quarto-e-sala. Então, o quarto era grande, a minha mãe dividiu em dois. Ela ficava no quarto, as meninas no outro quarto, e eu e meu irmão dormíamos na sala e dividíamos um sofá. E mesmo assim era morada, que para os padrões, morar no centro da cidade, mesmo naquele apertúncio de todo mundo, era porque o transporte coletivo era muito difícil. Salvador até hoje tem uma grande dificuldade de transporte coletivo. Na época era muito pior. Muitos dos bairros de Salvador chamam Fazenda não sei o quê, porque eram fazendas. Você para vir fazer uma compra era o dia inteiro, quase dois dias. Você tem que vir, dormir, para voltar, porque as dificuldades de transporte eram imensas. Hoje, o bairro que você, em uma hora vai um carro e pega lá. Você tinha que programar uma viagem para certos bairros que tinham lá.
EDUCAÇÃO
Estudei em colégio público, colegial, e resolvi fazer um concurso para escola técnica federal que era, ainda - de certa maneira, das escolas públicas, que estavam caindo a qualidade - de boa qualidade de ensino e de preparação. E, de certa maneira, a de Salvador tinha uma - e ainda tem hoje - uma simbologia muito forte, porque ela prepara a parte matemática, exata; física, química e matemática em si, praticamente todos os cursos têm essas matérias e dá-se matéria de universidade, de engenharia civil, módulo1, módulo 2, trigonometria. Então, quem estudasse na escola técnica tinha quase certa uma passagem pelo vestibular porque sabiam matéria lá de antes das próprias matérias constantes. E aí eu fiz escola técnica. Eu era um menino, que a gente, todo mundo dizia que era CDF, que era muito estudioso, era tímido. Sempre fui muito estudioso, apegado. Chegava em casa, fazia os meus deveres e passei tranqüilo na escola técnica. Na família como todo repercutiu, foi quase como passar num vestibular naquela época: passou na escola técnica. E fiz o curso de eletromecânica, que era uma mistura na época de eletrotécnica e mecânica. Aí ao final do terceiro semestre você optava, se especializava em elétrico e mecânica, aí eu optei por fazer elétrica e fiz. Concluí o curso e durante o próprio curso eu também me dediquei a fazer o curso no Senai de eletricidade e acabei galgando certa liderança profissional, era monitor em todas as matérias, porque no Senai eu estudava as matérias que vinham para o semestre seguinte, a nível de eletricidade, bobinagem, elétrica. Quando eu passei na escola técnica, que tem primeiro e segundo semestre - você passava, mas entrava no primeiro, e passei para o segundo semestre e fiquei um semestre fazendo, não vou estudar. Inscrevi-me e foi uma coisa muito boa, que a vida me deu, que eu também, muito das iniciativas minhas mesmo, essas coisas nem foi a minha mãe, meu pai que forçaram normalmente eu mesmo, tomava as caras. Morava no centro, e o Senai era num bairro proletário, bem distante. Peguei meu ônibus, fui lá, vi, peguei, matriculei. Ia todo dia, estudava e consegui com isso até ter um bom desenvolvimento na escola técnica e uma facilidade muito grande de passar, de formar e me formei.
INGRESSO NA PETROBRAS
Durante o último período da escola técnica já consegui um estágio numa fábrica na época que se chama Copene, que era a central de matéria-prima do pólo que estava sendo montada em 1977. E durante esse estágio, abriu o concurso na Petrobras e eu passei. Fiz a prova, passei em 1º de abril de 1978. Eu comecei a fazer um curso da Petrobras, mas só fui admitido com a carteira assinada em setembro, após esse curso de contramestre de eletricidade. Na realidade era uma espécie de encarregado de grupo de eletricistas, que foi um curso, uma fase pioneira da Petrobras. Normalmente esse pessoal de escola técnica, eles passavam para auxiliar técnico e manutenção elétrica, que era até um nível superior ao meu. Então, quando eu entrei, os meus colegas da escola técnica, todos eram espécie de técnico que ficavam muito no escritório, só no planejamento elétrico, no planejamento de serviço. Não operavam as coisas. Quem operava eram os eletricistas de carreira e, normalmente, um eletricista de carreira que liderava uma turma de eletricista virava contramestre. A gente veio romper uma tradição, que foi uma coisa muito complicada para a gente explicar. A gente, nova, liderar pessoas de 20, 30 anos de Petrobras na época, com toda a experiência de eletricidade na indústria de petróleo, que é complexa, extremamente complexa, sistemas, compressores. Não era trocar lâmpada, não era fazer isso. Era consertar motores de potência e altíssimas centrais de controle de processo, equipamentos importados alemães, americanos, que não era comum numa indústria naquela época ter. Daqui a pouco me vi jogado no meio disso lá. Isso é óbvio, em paralelo já tem uma atividade política acontecendo minha lá.
TRAJETÓRIA SINDICAL
Minha atividade política surgiu quase que espontânea e natural. Eu sempre me lembro de um fato muito interessante - quando eu era menino, 1959 para 1968, sete anos, oito anos, um grupo de estudantes, meu apartamento ficava de um lado da rua, e do outro lado era a faculdade de Ciências Econômicas, Escola de Economia da Universidade Federal, que era um dos centros revolucionários da luta estudantil de 1968. E um belo dia, eu chegando em casa, está a maior confusão. No pátio da escola, que atravessa a rua, estavam no pátio da faculdade uns 200, 300 estudantes, todos praticamente nus, só com sunga ou com short vermelho, todos pintados de vermelho, da cabeça até os pés, fazendo um protesto lá. Eu, garoto, não sabia o que era aquilo. O Exército cercou do outro lado da rua. Você chegar do outro lado da rua já era o pátio, já era o passeio no pátio que era aberto, e do outro lado da rua era a minha casa. Então na minha casa eles fizeram uma fila indiana, fazendo um L, fechando da minha rua à outra rua. Cheguei, aí desceu do prédio, família, minha mãe, meus irmãos. Aí olhei para um lado, olhei para outro, pedi licença dos lados, atravessei e fui lá e sentei do meio dos estudantes. Fiquei lá assistindo o discurso. Não me lembro de nada do que falaram, que disseram, mas foi uma coisa que eu disse: “Não, está errado aqui alguma coisa.” Lá para as tantas, não entendia muito bem do discurso que estava acontecendo, me encheu um pouco o saco, levantei, voltei, voltei para casa. Minha mãe desesperada, disse: “Menino, você vai ser preso, vão lhe matar, não sei o quê.” Ela não teve coragem de enfrentar o cerco, esperou eu sair de lá, fiquei, fiquei, fiquei, fui lá e depois voltei. E voltei para casa. E a partir daí passei a ter um certo interesse, contato com movimento estudantil. Na época de escola técnica começaram os movimentos estudantis, e eu comecei a me envolver e já no final da escola técnica eu conheci uma turma de militantes que, na época, brigavam por um chavão: “Vagas para todos.” Eu me agreguei ao grupo de estudantes - reunião em casa estudantil, casa de estudante, lá vou eu, que era proposta política, que, se trabalhando, que não tem vestibular. Abrir vagas para todos. Aí veio o assédio político, as correntes na época, e acabei me agregando a um grupo de estudantes que, depois aí vim descobrir tudo isso, eram, na época, conhecidos como Libelu, que era os grupos dos trotskistas e que OSI na época, Organização Socialista Nacionalista, que era a organização de tendência internacional, tinha todo um esquema clandestino. Foram me ganhando, me ganhando, e o processo interessante daquela época é que, você entrando nessa organização, você passava por uma sabatina ideológica. Recebia uns livros desse tamanho, “O Capital”, escrito sobre sindicato. Me deram uns quatro livros, tem que ler, dissertar, discutir, debater, era todo um processo até você ser agregado. Eu fui agregado a uma célula, tive nome clandestino, ia buscar panfletos clandestinos no aeroporto que mandavam de outros Estados. Tínhamos reuniões nas salas de aula em locais secretos na época. Quer dizer, havia um pouco de liberdade de reunião, mas a gente normalmente reunia numa sala de aula, o quadro preenchia como se tivesse fazendo um cálculo matemático, como se houvesse um grupo de estudos ali reunido para ir fazer uma reunião da célula. Aí eu fui agregado já, apesar de ter entrado pelo movimento estudantil. Eu depois fui para um contato de uma célula operária, que por coincidência histórica, dentro desta célula tinha um petroleiro, e eu estava ingressando na Petrobras e que era um negócio extraordinário você ter um militante operário trotskista. Era quase que um bibelô dentro da organização. Só nem tanto, porque vieram outros. Só que esse outro, que é um engenheiro hoje, que é aqui do Rio, Mozart, ele também veio do estudante, passou no concurso, só que ele estava lá na Bahia temporariamente fazendo um curso que a Petrobras aplicava, engenharia de processamento, que você passava quase um ano em sala de aula, e a gente passou a se reunir e passamos a mexer com política. Basicamente, atividade mesmo na área da célula operária era intervenção estudantil nos movimentos, que era o forte da época. Então, um belo dia, eu descobri que tinha sindicato e tinha assembléia. E, bom, lá vou eu. Entrei na assembléia, fiquei assistindo aquilo e tinha uns dois meses de trabalho, já passei minha fase de curso dentro da Petrobras, já estava numa área operacional em Candeias, que era o município lá da Bahia. Assembléia, campanha salarial, mas lá vou eu, e um militante para distribuir os panfletinhos, os jornais lá na nossa corrente na época. Não era Libelu não, tinha um nome, o nome do jornal, que não era o nome da tendência, que Libelu era a parte da tendência estudantil da organização. A parte trabalhista tinha um jornalzinho que trazia as questões operárias. Uma das tarefas militantes que eu fiz foi arrecadar assinatura para a campanha dos Libelus políticos de Itamaracá, arrecadar dinheiro e assinatura. Anistia era o projeto. Teve um dia, que eu não tive coragem de fazer, que a gente entrava nos teatros, nesse dia era show de Gal Costa e eu fui em alguns e nunca perdia. Aí você pedia licença ao artista e saía dentro do teatro, pedindo assinatura e recolhendo dinheiro. Meu primeiro mesmo botaram no teatro Castro Alves, com Gal Costa, para ir lá pedir a Gal Costa para interromper o show. Não tive coragem não. Teatro lotado. Uma coisa é teatro pequeno, aquela cara toda alternativa das pessoas, e você via sensibilidade, recebia aplauso, todo mundo fazia abaixo-assinado, dava grana - e eu não tive coragem. Entrei e assisti o show. Assisti o show e depois fomos embora. Tomei um pito da organização: “Você descumpriu a tarefa”. Quiseram me enquadrar, comissão de inquérito, e foi uma novela dentro, porque eu descumpri uma tarefa militante. Não tive coragem. Cheguei, comecei a contornar e mentir, mas depois acabei assumindo mesmo, que eu não tive foi coragem de falar para um público tão imenso daquele, teatro lotado. Gal Costa era uma artista famosa na época, e então, interromper, não tive coragem. E no trabalho, o primeiro grande choque que todos tiveram comigo foi quando estouraram as greves do ABC, em 1978, 1979. Vieram os demitidos, e veio a Campanha de Solidariedade. Aí botei um abaixo-assinado debaixo do braço, saí pelo trabalho para pedir dinheiro para os grevistas. Foi um horror. Era um terrorista ali, era um negócio de doido. Mas alguns ajudavam, maioria não queria nem saber. Dava o dinheiro, mas não assinava, praticamente ninguém assinava o abaixo-assinado. E participei já. Aí o primeiro contato com movimento sindical externo foi exatamente nesse movimento de solidariedade com o - arcebispo na época - dom Paulo Evaristo Arns, que a gente usava muito ele aqui na Bahia na época. Fazemos reuniões no sindicato que tinha surgido na época. Era o sindicato dos químicos, que já surgiu um sindicato de luta, diferentemente de todos os sindicatos da época, que eram todos pelegos. Ele já nasceu com a cara mais cutista hoje, podemos dizer, mas naquela época não tinha aquela expressão, mas um sindicato que tinha abertura, que deu espaço e lá virou uma espécie de central sindical revolucionária, sem isso estar explicitado, mas era onde convergiam todos os militantes de todos os sindicatos que queriam fazer ações políticas sindicais. Aí, acabou, e na época foi criada a chamada Unicidade Sindical, onde me deparei com correntes políticas, hoje extintas, tipo PCBR, PCB e outros grupos trotskistas. Que existiam militantes, e hoje o PC do B e diversos segmentos. E aí MR-8, e aí uns paus, tinha de vez em quando briga, murro, cadeirada e pura bobagem, debate ideológico. Não tinha nenhuma ação demais. E na época o grande mote das campanhas era o não-pagamento da dívida externa e suspensão do pagamento da dívida externa. Era um grande debate ideológico que tinha na época, que se engalfinhavam, mais ou menos, as que se aliavam com o hoje PC do B e outras correntes alternativas. Um debate meio factóide, que não tinha resolução. Na realidade era só demarcar campos e teorias e teses. De vez em quando tinha umas brigas, principalmente MR–8, que eram terríveis. E paralelo a isso, um belo dia, teve uma assembléia de campanha, fui para a assembléia sem nada preparado. Lá os dirigentes sindicais põem pauta, fazem os argumentos, aprovar e, sem querer, para quê, levantei meu braço. Parou, foi um horror. “Quem é o sujeito, que é aquilo?” Um garoto novo. A grande maioria da categoria eram antigos que iam para a assembléia, já tinham estabilidade de emprego, dez anos. Nenhum dos novos, emprego na Petrobras, quem é que imaginava militar lá. Assembléia toda, peguei o microfone e bati de pronto. Nem me lembro o que eu falei, mas o diretor do sindicato tomou meu nome, matrícula e me entregou ao chefe. Era um pelego, que era ligado, inclusive, ao Exército. Depois fui saber que era chamado de “Camisa Verde”, o cara tinha ligação. No dia seguinte, de manhã cedo, eu cheguei no trabalho, o chefe me chamou: “O que você foi falar na assembléia.” Uma pessoa completamente diferente que aparecesse, a única pessoa que eu me identifiquei foi o dirigente sindical. Pegou minha matrícula, meu setor onde eu trabalhava e naquela época eles tinham serviço de informação, mas não era tão ágil para no dia seguinte o cara estar no setor e informar para o meu chefe, sete e pouco; cheguei lá e enfrentei o chefe. Não, eu vou, liberdade minha, eu vou falar. “Mas se resguarde.” “Gostei do conselho, mas vou de novo.” A partir daí começou um enlace todo. A categoria, ela tem uma cultura muito forte da presença sindical. Não sei se aqui tem depoimento de alguns dirigentes com que eu tive muito contato. Alguns falecidos hoje, um está esclerosado, que eram dirigentes que participavam da época da campanha “O Petróleo é Nosso”. O Wilton Valença, que é uma pessoa com que eu gostava muito de conversar. Ele já não era mais dirigente na época, mas ele foi dirigente do sindicato na época da - é fantástico como eles participaram ativamente da vida política - e ele participava da campanha presidencial, ele decidiu quem era o presidente da Petrobras, ele envolvidíssimo. Ele tem uma coisa muito, que na época da campanha do monopólio do “O Petróleo é Nosso”, ele contou que foi designado um tenente do Exército na época para dirigir um jipe para a gente sair pelo interior do Rio de Janeiro, fazendo a campanha, falando para centros estudantis e prefeituras. E esse tenente era o general Geisel. Foi o general Geisel que foi o motorista dele, durante um mês, correndo o interior. Motorista, um tenente e um jipe que deram. O Exército deu a ele para fazer a campanha do monopólio. O Exército apoiou logisticamente na época a campanha do “O Petróleo é Nosso”. E ele esteve muito com o general Lott na época, apoiou o general. Então ele conta coisas fantásticas. Ele era presidente do sindicato na época do golpe e era deputado estadual, o Wilton Valença. Ele tinha sido eleito deputado estadual, mas foi cassado. Ele e o Mário Lima. Mário Lima é outro também que esteve muito presente na época do golpe. Então eu gostava muito de conversar com ele, adquirir as histórias de conhecimento, e fui adentrando pela vida sindical. Em 1978, 1979, em paralelo é que tinha militância também extra, quando tomei a iniciativa, via unicidade sindical e a militância, como todo movimento sindical que estava acontecendo, eu forcei a barra, praticamente. Consegui que o sindicato da época financiasse a nossa ida para São Paulo, para o Conclat, em 1981, que foi uma coisa extraordinária. É óbvio que eles foram para São Paulo. A idéia deles era mais de viajar para São Paulo do que efetivamente participar de atividade. Aí fomos. Teve um lance engraçado, que eles pegaram, deram um dinheiro. Como eu trabalhava, não podia faltar, era sábado e domingo, e todo mundo foi de ônibus. Tinha tempo, eu não tinha. Tive que pegar. Peguei o dinheiro e converti, comprei uma passagem aérea, me piquei para São Paulo. Na cara e na coragem, achei que era dentro de São Paulo. Eu não imaginava que era em Praia Grande, que era tão longe. Na minha ida, para a minha sorte, quando eu desci no aeroporto, um bando de baianos de outros Estados, e aí articulou-se e articulou um ônibus. A gente alugou, rateou, todo mundo deu uma graninha e alugou um ônibus para levar a gente do aeroporto de Congonhas. Nem Guarulhos existia na época. Era só Congonhas. Embarcamos todo aquele bando de militantes no ônibus e descemos para Praia Grande. Paramos na porta do congresso, isso 22h, 23h: “Não tenho hospedagem.” “Como não tem hospedagem?” “Não.” Porque sindicato, não sei para onde. Naquela avenida, tem uma avenida lá que é só de colônia, que estava combinada para abrir. Na época, a turma ligada ao Joaquinzão, que era MR-8, reservou as colônias para as delegações dele. E as colônias dos perdidos que, na realidade, veio dar no grupo lulista, que era contrapartido era Lula. Era Joaquinzão e Lula, os dois símbolos. Os lulistas e os joaquinzistas. Estavam todos para dormir na rua. Aí cheguei, assim, a namorar, perto da recepção tinha uns cartazes, uns cantos, eu disse: “Eu vou me catrear por aqui.” Aí não. Resolveram que tinham alguns já profissionais liberais, um médico veterinário. “Não, vamos catar uma hospedagem.” E saiu esse ônibus rodando por Praia Grande e tudo, lotado. Quando lá pelas tantas, 2h, um cara dispõe de dois ou três quartos, onde poderia arrumar para uns 12, 15, metade do ônibus mais ou menos se hospedar. Nesse dia, disse: “Não, não é essa a minha praia.” Se ficava ou não, se discutir ou não, se é questão de ordem, encaminhamento para ver de tempo, quem vai ficar, quem não vai, se sorteia - e o cara pagou um preço absurdo porque ia dar espaço para mais gente do que o quarto. Estava nos espoliando, e capitalismo selvagem. Não, aí eu e mais dois, na época, Dourado e um outro menino lá, dissemos: “Não vou ficar nesse debate aqui em hipótese alguma, nem vou ficar. Sabe de uma coisa - aí me lembrei -, vou voltar lá para a central, eu arrumo um canto ali qualquer e amanhã de manhã cedo eu vejo o que eu faço da vida”. Não tinha a mínima dimensão do tamanho das coisas lá, e a gente estava distante, distante daquilo lá. Algumas pessoas, perguntei ao cara da recepção: “Você vai andando aqui e vai.” Aí depois de meia hora, um frio, nunca tinha sentido frio na vida, Nordeste, baiano, nunca tinha sentido na vida, não tinha levado roupa de frio nenhuma, umas mochilinhas de mochileiro alternativo, só bolsinha de couro do lado, uma cueca, um troço assim. Dinheiro curto também, que eu nem imaginava que os custos eram tão mais altos do que imaginávamos. Nada disso me planejei. Aí no meio do caminho: “O que é que a gente faz?” Tudo fechado, tudo trancado. Aí olhamos, assim, uma garagem comum de um prédio, cheia de carro, a gente estava com jornal. “É aqui mesmo.” Botei o jornal, do lado da entrada dos carros; vou ficar escondido na garagem. Calorzinho do motor, jornalzinho, aí depois aprendi que jornal esquenta. Botei aquele jornal por cima, e lá deitamos. Chega de manhã cedo, tem um cara batendo de vassoura em mim, me varrendo.“Vai, vagabundo, vai dormir em outro lugar. Aí acordamos os três, fomos andando, pegamos a direção, batemos uma perna danada e fomos para o congresso. Era o Conclat de 1981, o primeiro Conclat (Congresso Nacional da Classe Trabalhadora). Onde havia uma divisão bem nítida dos que defendiam o Joaquinzão para a presidência e o Lula para presidência, que na realidade, depois eu vim a entender, por trás disso tinha as correntes. O MR-8, PC do B, PCBão e toda essa turma apoiavam o Joaquinzão, e as outras correntes, que vieram a fundar o PT, que PCBR, trotskistas, dos mais diversos matizes, a UDS e todas as outras matizes. A convergência veio existir a posteriori, que foi um racha da minha organização. Uma parte virou convergência, e eu fiquei na parte que ficou OSI. Foi depois. Foi um racha, e eu já presente na OSI na época, porque aí deu a Convergência de um lado, que foi um racha que veio da Libelu, virou uma parte Convergência, e o outro veio para o PT. Aí a Convergência só veio para o PT um tempo depois, não veio no primeiro momento. O racha foi aí, onde eu estava entre os que defendiam a tese de entrar de imediato no PT, e a turma da Convergência preferiu ficar à parte um tempo, vendo no que ia dar aquele partido que estava sendo fundado. Tem um episódio, uns dois episódios engraçados nesse congresso. Lá fui eu para o congresso, aí arrumaram-se umas ocupações e arrombaram as portas, e aí acabei arrumando lá um canto e alojei-me. De sábado de tarde, depois de uma confusão infernal, que dizem os grupos: “O tal grupo não sei aonde”, aquelas coisas de grupo, e eu me inscrevi e eu ia ficar num grupo lá, dez sei lá com a vida, que era um pátio de um clube daqui de empregados. Pátio imenso, o grupo tinha 400 e tantas pessoas, 500 pessoas - e eu de longe estou vendo aquela muvuca dos capas da época, costura, costura, costura, e definiram. Eu tinha feito contato, era do OSI, fiz contato com cada organização da época e ele estava na muvuca lá com o PC do B, Pcbão da época, PCBR, ele, os trotskistas costurando o meio. Aí eu me apresentei: “Bom, militante, tal, estou aqui, orientação de voto”. “Procura o capa” -e lá a gente pendurava, os grupeiros penduravam o cara num canto daquele e diziam: “Referência é aquele cara, vote com aquele cara”. E no plenarião isso, e lá nos grupos também foi orientado. Isso já tinha até feito contato. Teve uma pequena reunião, eram 15 militantes ao total do congresso, 20 da OSI, e aí dividimos os grupos: “Você vai para o grupo, vai para o grupo tal, e vai ter uma pessoa lá que vai lhe orientar, procure.” Aí eu cheguei lá, o cara estava, me apresentei: “Você é da onde?” “Eu sou da Bahia.” “Você é o queê” “Eu sou petroleiro.” “Boa, você é petroleiro. Você vai para a mesa.” Eu falei uma vez nessa assembléia. Uma mesa de seis, sete pessoas, dividiu por todas as correntes, e quem fazia a segurança do congresso era a turma do Joaquinzão era o MR – 8. Brabíssimos os caras. Aí eu me lembro, qualquer coisa falo, quando falaram o meu nome, Armando, petroleiro da Bahia, eu fui aplaudido. Sou pela cultura petroleiro, das greves, monopólio, aquelas coisas todas, e botaram eu e um outro cara do partidão para controlar o tempo. Aí ficavam os capas de cá. Quando falavam os dele, mandavam eu: “O tempo, o tempo”. “Fale”, para atrapalhar a falação do cara, ou vice-versa. E uma pressão danada. E pressão para cortar, e o cara de pressão de cá para deixar o cara falar. E fiquei segurando: “O que eu estou fazendo aqui?” Me deu um certo pavor. Aí saiu. Interrompeu para o almoço. Quando voltou de tarde, que eu quis chegar na mesa, os seguranças não deixaram. Me barraram: “Eu sou da mesa, eu sou não sei o quê.” Eu usei aquilo como desculpa para mim e eu fiquei lá num canto atrás, porque eu estava fazendo falta. Estava recebendo uma pressão violenta, que eu nunca tinha recebido dos capas: “Corta o tempo”, deixa o cara falar, “corta o tempo.” E de certa maneira empurrado para falar a um público que eu não tinha a mínima segurança para falar. E aproveitei aquilo e fiquei escondido lá num canto depois. E depois vim para a plenária e teve a plenária final. Outro episódio lá, que quando falava uma turma do PCB, a turma do PT gritava, xingava para lá, para cá e vice-versa. E atrás de mim tinha uma turma do MR – 8. Quando eu ovacionei a favor de um, recebi umas bordoadas atrás, dos caras. Saí de lá zonzo. Acabou o congresso. Quando acabou o congresso eu me dei conta: “Como é que eu volto para casa?” Tinha marcado o avião para segunda de manhã. Eu disse: “Não, eu vou para o aeroporto, durmo lá no aeroporto.” Contei, tinha algo em torno de uns 20 reais no bolso. Tinha uma passagem. Eu comprei ida e volta, mas tinha que subir para São Paulo. Aí me dei conta da distância. Aí consegui pegar carona de alguém que ia para Minas Gerais: “A gente vai passar pela cidade de São Paulo.” “Vou”, pego carona . Me pegaram no negócio do Ipiranga, onde tem um monumento. Meia noite; aonde é que eu vou? A minha sorte é que desceram umas pessoas, e eu perguntei; disseram: “Nós vamos para o centro da cidade e você continua de lá para cá, você pára o táxi; dê continuidade, que fica mais barato.” Eu disse: “Eu só tenho 20 contos no bolso.” Eu sei que deu uns 10, 12 reais. Eu fiquei com uns oito reais no bolso. Não tinha talão de cheque, nada. Quando eu cheguei, aeroporto fechado. Na época fechava 23h o aeroporto. “O que é que eu faço? Não, eu vou para um hotel aqui.” Uns hotéis caros, não tinha dinheiro, como é que eu vou fazer? Aí sentei num bar aqui, tomei um conhaque, tomei outro. Aí o sono bateu. Sabe de uma coisa, vou catar um canto para dormir. Aí fui andando, tinha um bar fechado, onde eles pegavam as cadeiras, amontoavam, assim, as mesas, as cadeiras num canto. Eu olhei para o lado, não vi ninguém. “Tchau”, que nem um rato, enfiei. Aí fui que nem um rato, fiquei lá escondido entre as mesas e as cadeiras e passei a noite lá, até amanhecer o dia.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL
Bom, no trabalho, depois de uns três, quatro anos trabalhando na parte elétrica, fiz um concurso para técnico de programação da produção, que era uma função já mais especializada de petróleo, nível superior, e tinha um bom ganho salarial. E no meio do curso, isso em 1982, eu já tinha entrado no PT, estava filiado, enchi a mala para ser candidato a vereador. Então: sou petroleiro, precisam de candidato. Tira a foto e currículo, o que é que eu fiz na vida. Participei de um Conclat, participei de uma assembléia, só trabalho na Petrobras. Tiraram foto minha, aquele cara barbudo, lá fui eu candidato a vereador. Não rodei um panfleto. Aliás, não, um deputado federal da corrente política laçou, fez uns panfletos, e a corrente juntou comigo e carimbamos meu nome no panfleto para distribuir. E aí, quando eu fui candidato, aí veio uma pressão da empresa, porque eu teria que ficar liberado. Se eu ficasse liberado - eu podia ficar liberado, que eu era candidato, eu nem sabia disso. Mas se perdesse, eu ia perder o curso, me ameaçavam: que podia ser que o meu lugar, de onde eu tinha saído, não tivesse mais vaga para mim. O chefe teria que me ter de volta. Eu disse: “Não, eu vou.” Eles se surpreenderam. Eu disse: “Não, eu vou continuar o meu curso. Eu quero fazer meu curso”. Fui candidato. Tive 72 votos. Sem campanha nenhuma. Foi ajudar o partido, encher o nome, encher lingüiça lá. E aí também começou aí já, de certa maneira, militância partidária. Eu fui um dos fundadores do partido. Participei da fundação, da assembléia de fundação, junto com o Jacques Wagner, o Gabrieli e uma série de pessoas. Alguns já saíram, foram para Força Sindical, que é um dirigente da época, que era o presidente do Sindiquímica hoje, foi para a Força Sindical, o Bahia, que era a grande liderança operária que nós tínhamos, que foi um dos primeiros candidatos a governador. Ele estava saindo candidato a governador, e quem disputava com ele era o Edval, que era do PCBR - e eu fazia parte do grupo que queria ele candidato a governador. Um operário, um negro, diretor de sindicato, tudo que a gente queria. Fomos para o congresso do partido. Quando chega lá, o cara é um dirigente que não tinha consistência, não tinha história ideológica, não fazia parte de correntes. Era um militante que fez uns cartõezinhos de mulher nua, e as mulheres do partido pegaram aquilo e parou o congresso. Literalmente a bandalheira de mulher lá se reuniu. As defensoras dele tentando “não”, apaziguar. Todo mundo querendo a cabeça, a cabeça do cara. Foi um horror. O congresso parou, ele acabou renunciando à candidatura dele. Ficaram os homens quase o dia inteiro do lado de cá, e ele não deixava a gente participar do debate. Eu sei que ele renunciou, até pelo clima horrível que ficou. Ele mandou cartãozinho, esses calendários de mulher nua, boas festas, feliz ano novo, não sei o quê. Ele renunciou, e o Edval saiu candidato a governador, que era candidato a deputado estadual, e o partido, a corrente PCBR não queria. E começou aí a minha vida partidária, militante, organizei núcleo, e paralelamente fui me envolvendo. E aí já fui em 1980 e poucos também. Dois chapas dos pelegos concorreram e me chamaram para participar da chapa. Eu não quis participação nenhuma. Não, aliás, uma mais à direita, inclusive, me chamou, e a outra que, apesar de ainda ser de pelego,s mas tinha uma prática melhor, que eu achava, não me chamou. Eu acabei também apoiando essa turma e fui conhecendo alguns companheiros militantes. Surgiram os militantes da categoria, até que a gente fundou uma oposição, que veio a ser uma oposição cutista posteriormente. E da corrente acabou, anos mais tarde, ganhando o sindicato, mas isso já foi dez anos depois, 1989. Mas em paralelo com isso, e pelo meu trabalho profissional, técnico e capacidade - eu tenho uma capacidade política muito grande -, eu consegui mesmo com a gestão deles, eu fui para a mesa de negociação. E foi quase um absurdo para o resto. Só tinha dois sindicatos petistas, que era o do Santarosa, que era o Jacó Bittar, o presidente, revolucionar. Quando ele vinha nas reuniões de dirigentes do petróleo, reuniões de noite, escondido, para ver se conseguia dinheiro para a gente poder rodar o boletim da oposição, aquela coisa toda de buscar recurso. Ninguém tinha recurso, nem partido, nem porra nenhuma, ficávamos nós, listinha de ajuda, e pedindo uma ajuda ou outra, que o único sindicato cutista era o sindicato de Campinas. Mas mesmo, assim, em 1987 eu fiz parte da negociação com a Petrobras e já peguei o final, onde o diretor de Recursos Humanos era um coronel da Petrobras, Darcy Siqueira, que era psicólogo, e era tomada por militares a Petrobras - a diretoria, o conselho de administração; e o diretor de Recursos Humanos era um militar. Então, quase não tinha negociação. Ele apresentava a proposta, e os caras... Jacó era voz destoante, que depois eu cheguei, mais na condição de assistente, porque na época eu trabalhei com informática, que era uma coisa que estava surgindo. Meu trabalho era desenvolver programas de sistema de produção, e gostava muito de matemática. E naquela época, com a inflação que estava, tabela salarial, você era o rei se produzisse uma tabela. A Petrobras dava 10%. O cara não queria saber o que era 10%. Eu queria saber quanto era o salário que ficava dele. E tinha umas contas malucas; 60% mais três mil. Tinha umas continhas complicadas. Eu aí fazia as tabelinhas, com as opções todas, as diferenças. Rapaz, os caras, assim, quase que babavam quando eu fazia aquilo para o sindicato. O sindicato aí ganhava com isso, e eu acabei com isso. Acabei fazendo o contato nacional e comecei já também a questão cutista. Aí juntei, na época, a OSI veio para o 113. Aí foi o momento que eu comecei me aproximar da Articulação, tanto do partido, quanto da corrente mesmo.
ENTIDADE
ARTICULAÇÃO DOS 113
Foi fundado o 113 de Lula. E teve um debate político, onde houve um outro racha, onde Ary, Clara Ant, Dulci, Zé Dirceu, toda aquela turma comigo, fomos para o 113, migramos para o 113, mas ainda com a OSI, mais como a corrente dentro do 113, que era a única corrente organizada, que era do 113; as demais eles vetaram. A única que entrava e entrou no 113 foi o nosso grupo e uma parte ficou, Julinho Turra, que o Júlio Turra, que está na Executiva da CUT hoje, foi a parte que liderou uma dissidência que não agregou e manteve uma corrente e a gente se adentrou, não só ao partido como dentro do 113. Aí, claramente passou ser minha grande liderança nacional. Era a minha capona nacional. A 113 foi a corrente que Lula juntou, que foram 113 pessoas que ele conseguiu juntar num debate e formou uma corrente política que, posteriormente, se denominou Articulação. Ela, antes de ser Articulação, ela chamava Articulação dos 113; ele conseguiu juntar diversos sindicatos da região do ABC, químicos e petroleiros, todo aquele campo – cutistas - que veio a fundar a CUT depois. Isso antes do PT e tudo, antes da fundação da CUT. Em gestação a CUT - na realidade, era uma central sindical, ou a mesma central de Joaquinzão e Lula, que fundou a que deu a Conclat, aí Lula conseguiu agregar. Para intervenção junto à Conclat, 113 pessoas das mais diversas matizes. Aí veio Jacó Bittar, Lula e diversas outras personalidades - Olívio Dutra -, e ao nosso grupo político da OSI na época, que se agregou, já quase se transformando em Articulação, que Articulação no 113, Articulação - ficou só Articulação, Articulação, a gente foi esquecendo o 113, porque não era mais 113. Aí foi aumentando, criou coordenação, criou núcleos regionais. E paralelo com isso, junto, teve um movimento político chamado Anampos, que era a Articulação Nacional de Movimentos Populares e Sociais, da qual o Delúbio, que hoje é o tesoureiro do partido, era a grande liderança. Eu também naquela época me juntei. Fomos para um congresso em Goiás e também aí agregamos depois tudo isso na Articulação do 113, que depois virou uma corrente de que Lula era a nossa grande liderança nacional, enquanto pensamento de visão política. E aí fomos, já me agreguei bem ao partido, sendo Articulação, e agregamos. Praticamente me desliguei. Já não tinha mais. A OSI praticamente desapareceu, a corrente, a gente enquanto um partido, que na realidade nós éramos um partido, aí praticamente virou uma corrente dentro do PT, e a gente veio crescendo e isso na atividade política-partidária. Na atividade sindical eu fui crescendo. Aí fundamos, eu já fui fundador do DNPC, que é o Departamento Nacional do Petroleiros da CUT, que era o organismo orgânico da CUT. Em paralelo a gente conseguiu construir o Congresso Nacional dos Petroleiros, que aconteceu primeiro em 1985, em Gragoatá, em Niterói, num prédio abandonado. E a partir de lá eu participei de todos os congressos da categoria. Não faltei em nenhum, passei a compor as suas direções. Fundei o Comando Nacional dos Petroleiros, que era a instância que agregava todos os sindicatos num comando nacional. Em paralelo eu era dirigente do DNPC, do Departamento Nacional dos Petroleiros da CUT. E fomos construindo o movimento, até que realizamos a primeira greve da categoria nacional, em 1980, 1989 aconteceu uma greve - não, um esboço de greve. Alguns sindicatos, onde a gente chegou a ensaiar, fechar uma pista da saída de Salvador, uma atozinho revolucionário. E pena que a polícia chegou antes, desarmou, tirou o carro. A gente mandou fazer uns miguelitos. Fizemos uns miguelitos, mas não tivemos coragem de jogar na pista. Foram os primeiros atos, assim, mais revolucionários. A gente construiu os primeiros atos revolucionários sindicais, que foi fechar uma pista, ou tentar um fechamento de pista de BR, e fazer os miguelitos, que eram umas pecinhas de ferro triangulares, mandar fazer em metalúrgica. Numa posição onde caía, ele ficava apontando uma parte do ferro para o carro. O carro passava e furava os pneus. Mas depois a gente foi experimentar que o cara fez, nos enganou, que a sola era uma pirosca, pneu de ônibus, miguelito para carro pequeno. Pneu de ônibus que transportava trabalhador triturava aqueles miguelitos. Pagamos mico. Achatava, estraçalhava e não furou um pneu de carro. E depois algumas coisas de greve geral, de jogar pneu na rua, e incendiava para fechar a avenida. Isso eu me fazendo muito presente na direção nacional do movimento, sempre presente em quase todas as mesas de negociações, isso antes até de virar dirigente. Um dos episódios muito tristes foi que, logo após a gente ganhar a primeira diretoria cutista do nosso sindicato em 1990, em 1991 acabou. Houve um racha na diretoria terrível, que inviabilizou a administração, teve que convocar novas eleições. Bobagem, disputa de poder idiota. A gente ficou cutista, as duas chapas eram cutistas, e uma delas ganhou, e eu fiquei na que perdeu. Foi uma das grandes tristezas que eu passei. Pouquíssimo tempo eu passei liberado na minha vida. Na época de negociação, o sindicato pedia liberação, pagava o meu salário. O mesmo sindicato pagava porque eu tinha boa competência negocial e técnica. Era quase um técnico político, que eu intervinha politicamente e ainda fazia toda uma parte técnica de estudos e não sei o quê, comparação. Então usava aquele computador. Chegaram, me mandaram para São Paulo com o diretor do sindicato, para comprar um micro - porque Salvador, a gente não tinha micro, para a gente comprar, para o sindicato. O primeiro micro que o sindicato teve eu me envolvi na compra. Fiquei liberado nesse período, um ano. Depois voltei a trabalhar. Aí nesse tempo eu dei uma resfriada na atividade sindical. Foi outra direção sindical. Aí eu estava no comando da época, aí eu mesmo não quis ficar no comando. Quer dizer, na outra a pessoa até reiterava a meu mandato, mas não tinha sentido ficar sem o dirigente. Voltei para a base e fiquei, me envolvi um pouco no partido, na militância, construindo núcleo de petroleiros e a campanha do Lula. Agora, nessa última campanha eu estava liberado.
SINDICATO
STIEP/SINDIPETRO/SUP/SINDICATO DOS QUÍMICOS E PETROLEIROS DA BAHIA
Em 1996, aí surge a união dos dois sindicatos de petroleiros que tinha na Bahia, e mais recentemente com o sindicato dos químicos. Aí eu sou chamado pelas correntes políticas para participar desse processo e voltei. Aí, num congresso, a gente fundou os dois sindicatos. Fundiu o de petroleiro, o do refino e o da extração de petróleo e uns dois anos depois, três anos depois a gente fundiu com o sindicato dos químicos. Hoje a gente tem um sindicato grande, que é o maior sindicato do Norte-Nordeste, que é o Sindicato dos Químicos/Petroleiros da Bahia. Um sindicato, uma categoria muito forte, juntou petroleiro e químico. Ainda hoje, ainda está numa fase de transição, de adaptação a essa nova realidade política de sindicatos com categorias tão diferenciadas em histórias políticas estarem juntos. Aí fiquei liberado de 1996 até 2000 e pouco, 2001, 2002, e pedi para voltar para a base. Aí voltei para o meu trabalho e passei quase um ano. Quando chegou agora, mais recentemente, maio, abril, o partido e o pessoal do sindicato me pediram para ficar liberado novamente pelo sindicato para priorizar. Aí foi o candidato a deputado federal nosso. Pela minha experiência toda, eu me agreguei à coordenação da campanha. Montamos um comitê no sindicato. Aprovamos na assembléia uma contribuição. A categoria aprovou todo imposto sindical da categoria ser destinado à campanha de Lula. Aí com isso a gente obteve um recurso fantástico, montamos uma lojinha, fizemos todo um trabalho de mandar matéria para o interior, montar carro, alugamos carro. Na campanha anterior, a gente buscou uma doação, compramos um carro, quase que um trio elétrico para a campanha de Lula. Doamos para o partido. Fizemos uma campanha, a nossa categoria sempre teve um retorno muito grande nos envolvimentos com as campanhas de Lula, e, paralelo com isso, coordenador da campanha era um deputado federal nosso que foi eleito. Ele já era estadual, foi para federal. Nos anos anteriores, eu fui da coordenação de um outro deputado federal que ainda o é, que é petroleiro, os dois são petroleiros. Um é o Luiz Alberto, que já se elegeu federal desde 1996, e agora, mais recentemente, o Bassuma, que também era deputado estadual. Os dois se elegeram federais. São da categoria os dois. Fui coordenador da campanha deles e participava do comitê do governador, da campanha de Lula e, paralelo com isso, envolvi também com a categoria e me envolvi um pouco na negociação, e quando chegou na época da transição, concorri com os companheiros da categoria dos petroleiros. Fizemos o debate para a proposição da minha ida para a transição. Aí chegamos a gestar isso. Eu não fiquei entre os 40 designados oficialmente na transição, mas fiquei depois num grupo de cerca de 100, que foi agregado à transição sem estar designado, mas bancado pelo partido. No meu caso específico, pelo sindicato, e o sindicato bancou a minha. E eu, então, fui parte da equipe de transição, junto com Gabrieli, que eu já conhecia havia quase 20 anos, e então fiz parte da equipe que fez o diagnóstico das estatais. Aí fizemos todo um trabalho de diagnóstico da Petrobras, da Codevasf, Banco do Brasil, Baneb, BNB, Banco do Nordeste. E de lá mudei um pouco meu horizonte no trabalho quase sindical e partidário em que eu vinha, para um envolvimento muito mais técnico, do ponto de vista de governo, de análise de dados, rentabilidade, algumas coisas que eu já tinha algum domínio. Para a parte técnica, eu como um técnico da Petrobras, sempre trabalho na área de produção, e 20 e poucos anos trabalhando na área de produção e exploração - foi confortável esse trabalho, passei a enxergar um outro lado, que é um lado empresarial da coisa, um mecanismo do negócio, o diagnóstico, o endividamento, rentabilidade. E o Gabrieli me ajudou muito, e durante o trabalho de transição me farei assessoria dele, aliando o conhecimento da parte técnica com o domínio da parte negócio empresarial, rentabilidade e todos os índices que movem uma empresa. E também junto com a Dilma, que hoje é ministra, só que a parte da Dilma era a parte de infra-estrutura. Mais próxima da minha atividade, mas eu não tinha o mínimo conhecimento com ela. Então começamos a trocar figurinha, e os da equipe de transição conversavam e a gente começou a ter uma aproximação. Tinha um outro colega nosso, o Ênio Barreto, que esse se integrava à equipe da Dilma nessa parte mesmo, técnica de petróleo, produção, estrutura, política de preço, política de petróleo, derivado, aquela coisa toda, e a parte de energia elétrica, e eu trocava figurinha nessa parte junto com eles e fui trabalhando, mostrando serviço, vamos dizer assim, competente. Foi que aconteceu um fato histórico, que é a vinda do Dutra, do Zé Eduardo Dutra, convidado para a Petrobras. E com o Zé Eduardo Dutra eu tenho um contato já faz 20 anos, que ele também era da corrente, era do 113, era do sindicato petroleiro da Petromisa da época, que foi extinta posteriormente, e militante do partido e eu, como o nosso Estado lá é um pouco mais organizado, a gente dava muito apoio e vice-versa. Nas eleições sindicais, eu ia para lá, ele vinha para cá, e a gente teve muito contato até ele ser eleito senador oito anos atrás, em 1994. Ele se elegeu senador, e a gente passou a ter um contato mais político, mais militâncias políticas no Congresso por parte da categoria. Projeto de lei, anistia de demitido, anistia de multa, toda aquela ação política parlamentar que tinha relação, tive permanente contato. E foi nesse pedido de transição que veio a ser costurado a ida dele, e ele me convidou, então, para fazer parte. E hoje eu estou na administração da companhia, assessorando o presidente, hoje, da Petrobras com muito orgulho. De certa maneira, assim, coroando um trabalho que a família sempre, que hoje a gente é muito, muito crítico da minha família e a parte que não se envolveu na política, construiu suas famílias e eu não saía do lugar e não ia para lugar nenhum. Minha irmã, então, minha mãe: “Larga esse troço, não lhe ajuda em nada, não vai para lugar nenhum.” Durante muito tempo eu fui muito isolado da família e vice-versa; me isolava pela minha atividade política. Ninguém da família era militante como eu. Então, pouco diálogo, pouca aproximação, um pouco de preconceito deles com militante petista revolucionário - e eu, como não era uma família que interagia com o meu dia-a-dia, a gente acaba não tendo a proximidade do dia-a-dia, não só com irmãs, como primos, tios, de uma maneira geral. Era aquela ovelha negra, aquele primo pobre, aquele maluco lá que deu emprego na Petrobras, mas que não vai ganhar nenhum, isso de certa maneira hoje eu sinto até que alguns primos, algumas coisas lá meio que puxar o saco hoje e não sei o quê, o primo, assessor do presidente. Aí eu dou umas bordoadas. Dando de troco, a vida muda, isso eu estou sentindo hoje, do ponto de vista pessoal, essa nova fase que o Brasil está vivendo, que o Brasil está vivendo com um pouco de Lula, um pouco de sonho, que toda uma geração nossa construiu 20 anos atrás. Começou há 20, 25 anos, e todo um bando de malucos revolucionários hoje. Eu brinco com, - tem um amigo meu que é o assessor do ministro, meu amigo Jacques Wagner - o Jones, e ele brinca de vez em quando liga. E quando a gente liga, a secretária do Ministério: “O doutor Jones e o doutor Armando.” Aí ele fica: “Armando”, que eu fico lá, “ligo lá para não sei quem, é diretor não sei da onde, eu ligo para o outro amigo, é ministro. Eu acho que a gente está no poder, não está?” Eu disse “é, eu acho que nós estamos no poder.” De vez em quando a gente se belisca e tem uma cena com o Lula, estava na transição, estava eu e o Santarosa nos corredores ali do início da transição, aí Lula passou uns dois dias, três dias depois, uma semana depois da transição, Lula passa. Aí: “Santa, me belisca, me belisca, me chama de meu presidente, me belisca, me acorda.” É uma sensação que a gente sente hoje. Todos nós que estamos aí. O Gabrieli, que é uma pessoa também com quem tive muito contato, hoje é diretor financeiro; outro dia estava comigo numa pendenga dessa de um bairro, panfletando, perguntando com outro, perguntando se o outro tinha um carro, tinha um trocado para a gente pagar uma Kombi. Estava rateando uma coisa. Hoje é diretor financeiro da maior empresa do país. O Zé Sérgio Gabrieli, que não é petroleiro, não tem nenhuma história com a categoria, assim, mais diretamente. Tem pela presença. Foi candidato a governador nosso em 1996. Foi candidato do partido lá ao governo do Estado, mas é uma pessoa que a gente, durante a transição, ficou muito sentindo os dois pelo trabalho que nós tínhamos da transição essa mudança, onde eu nunca tinha posto um paletó na vida. Hoje eu fico brincando: “É a minha farda.” Ainda estou, grande parte ainda de farda, bota, capacete, protetor auricular, andando em boca de poço, entrando em painel elétrico. Hoje vejo discutindo, debatendo e ajudando a decidir a vida da empresa em que eu sempre me senti oprimido, que todos nós nos sentimos oprimidos com as políticas discriminatórias, com a falta de sensibilidade em ouvir os pleitos sindicais - e ao longo desse último período, sendo lesado nos seus direitos, seus direitos sendo extinguidos, comprado pela política neo-liberal, que tanto o governo quanto a Petrobras praticaram, de desrespeito às entidades, tiradas de direito, de retirada de benefícios, de piora das condições de trabalho, de pioras salariais. Tudo aquilo que eu via, hoje, exatamente eu estou exatamente no outro lado, tentando consertar aquilo tudo que fizeram. E mais interessante, fantástico, praticamente eu chorei, foi que durante os últimos 15 anos, eu que estive sempre do lado da mesa dos trabalhadores, enquanto dirigente, brigando, eu tenho sentado hoje do lado da empresa. Esses últimos dias têm sido um desafio muito grande para ambos os lados. Hoje eu sou um dos representantes da empresa na mesa de negociação e eu acho que precisa ficar um pouco mais claro, talvez um pouco para mim, mas acho que para uma boa parcela da mesa, o que hoje está acontecendo, os papéis hoje que são designados. Então, essa semana fui cobrado muito por uma série de dirigentes, que eu sentei na mesa e parece que eu esqueci tudo que ele tinha dito. “Ah, mas não sei o quê, que você fez o discurso que negou aquilo, que negou aquilo”. Aí eu situei todo mundo: “Olha, eu estou aqui me sentindo, talvez, como o próprio Lula”. Eu tenho um dos papéis principais da mesa. Sou eu, perante a Petrobras, que represento o presidente da mesa junto aos trabalhadores. Eu disse: “Estou me sentindo um pouco aqui como no governo Lula e como o presidente Lula. Eu não acho que Lula esteja gostando de mandar um projeto de lei, de um salário mínimo 240 reais. Eu tenho certeza que ele queria que fosse 1.000, 1.300, que é o salário mínimo do Dieese. Eu duvido muito que o governo Lula esteja gostando de aumentar a taxa de juros.” Mas nós herdamos uma herança medonha. Nós herdamos um Estado e uma empresa em que as últimas duas décadas foram construídos sobre uma visão neoliberal, onde você tem compromissos, tipo enfiar uma bandalheira de térmicas aí para a Petrobras comprar, financiar e montar, que causaram um prejuízo de um bilhão e meio. Você tem gasoduto Brasil-Bolívia, que foi construído, que a Petrobras tem que pagar 100 milhões de dólares por ano para você não ver um retorno efetivo. E vou citando alguns fatos que a gente tem hoje e que é difícil. Eu não posso amanhã, dar 100% de aumento para todo mundo. Isso torna a empresa ingovernável - como o Brasil ficaria ingovernável se Lula amanhã mandasse um decreto dizendo que o salário mínimo é de 1.000 reais. Você não resolve o caso de ninguém e cria ingovernança; você leva o país... Eu duvido que Lula queira e esteja satisfeito em cumprir os acordos do FMI. Mas foi a herança que nos deixaram, e é o papel que hoje a gente, infelizmente, tem que exercer. E eu, que tanto ouvi “não”, hoje estou tendo que dizer alguns “nãos”. Eles compreenderam pouco. Essa é uma das grandes decepções minhas hoje: os companheiros hoje que dirigem as entidades não estão sensíveis, como o partido de maneira geral está sensível ao problema que o Lula passa. Eu chamei a responsabilidade, que eu sei que muitos companheiros parlamentares que tanto gritavam atrás, hoje se sentem responsáveis no papel que estão, e não sabem aí, gritando que Lula traiu os trabalhadores, porque mandou um projeto de 230, 236 reais. Não sai gritando que traiu os trabalhadores, que aumentou a taxa de juros, que, de certa maneira, estão com a compreensão que é preciso que as entidades, de uma maneira geral, tenham, compreendam essa fase de transição e apostem num projeto de médio e longo prazo. Porque não vai conseguir sanar o que os caras destruíram em dois meses e 19 dias de gestão.
FAMÍLIA
Tenho dois filhos do primeiro casamento. Uma menina já está casada. Ela mora em Brasília, mas hoje ela está trabalhando numa empreiteira que faz paradas em refinarias e ela, meio, hoje está em Campinas trabalhando. Tem um filho que está há três anos morando em Londres, trabalhando de garçom e similares, e se virando para estudar por lá, ter essa aventura na vida. Eu dei apoio, vamos lá, entender um pouco o mundo, as outras coisas que estão passando por lá, e tem um segundo casamento hoje com a esposa da Petrobras - foi diretora do sindicato lá na gestão de 1990, comigo, e mais adiante, já em 1996, a gente casou. Tenho uma filha de três anos, vai fazer quatro agora, dia 31 de março, e estamos já em gestação, parece que já está na barriga um segundo, um segundo, está atrasado lá, o troço. Então, talvez, tenha o segundo, e é um outro grande desafio na minha vida, que morei minha vida toda em Salvador, batalhei a minha vida toda para construir boa moradia.
CASA
Fui morar, e consegui com muito esforço, montar uma casa num lugar que me era bastante aprazível e fantástico, que é um município que tem junto de Salvador, chama Lauro de Freitas. Que é próximo ao aeroporto da cidade. É uma casa tipo sítio. Na frente da minha casa tem uma mangueira, tinha um cajueiro lindíssimo, um coqueiro, bananeira, abacate. Um sítio bastante diversificado de frutas, pinha, goiaba, carambola, tinha minha hortazinha.
SONHO
O grande sonho é conseguir realizar com o tempo esse desafio de ajudar o governo Lula a dar um rumo ao Brasil. Esse é o segundo desafio. Tive que abrir mão de um, temporariamente, porque tive que vir ao Rio de Janeiro, numa cidade que não tenho familiar. Moro num apartamento, não tem nem playground. Então tive que abrir mão de uma comodidade familiar fantástica que eu tinha. A minha casa instalada, o meu quarto, coisa construída, o meu armário embutido. Reformei a casa, bati uma laje, já está precisando fazer o segundo andar. Estava construindo, tive que abrir mão um pouco do sonho da conforto pessoal para vir construir o outro sonho que eu trabalhei tanto, que é o sonho do governo, de ser governo e de ajudar o governo a tentar ter uma vida para todos nós.
ENTREVISTA
Olha, esse projeto é uma coisa com que eu sonho há muito tempo. Eu cheguei a rabiscar, inclusive, uma coisa. Essa minha época que eu fiquei meio ausente, das conversas que eu tive com Wilton Valença, com Mário Lima, com Sinésio, algumas fotos. Eu sou uma pessoa que adoro, viajo muito no passado e leio. Eu acho que a coisa mais fantástica do ser humano é conservar a sua memória e tudo aquilo que foi de bom e de ruim. Nem só o que foi de bom; a gente também tem também guardar o que foi de ruim para tentar servir de um exemplo que não se faça nunca. E cheguei até a rabiscar um projeto, tentei gestar dentro da minha entidade sindical esse projeto, tentar aprovar ele. Mas, infelizmente, o dia-a-dia, a luta sindical não fazem com que isso seja uma prioridade de vida. Conseguimos manter até onde eu pude uma biblioteca na nossa entidade, que tem boletins de 30 anos atrás e tal coisas, assim, preciosas. Guardo muito os meus boletins de todas as minhas campanhas, chapas, tenho fotos de todos nós. Então sou uma pessoa que sou muito apaixonado pela memória da gente e acho que foi uma coisa fantástica, fantástica, a gente ter feito isso. Uma das pessoas que eu sei que estão envolvidas no projeto é o Bargas, com quem eu tinha um bom contato, uma boa relação com ele, principalmente no episódio em que ele foi salvar um seqüestrado nosso lá na Colômbia. E tem um fato muito interessante - um grupo, eu não me lembro bem agora, seqüestrou uns oito anos atrás um petroleiro, e na época não tinha sindicato cutista. O único era de Campinas. E aí chamaram o Wagner, que na época era o presidente do sindicato de Campinas - foi logo depois do Jacó Bittar - e o Bargas para fazer a comitiva que ia buscar o seqüestrado na floresta, na mão dos guerrilheiros. E o Bargas foi. Contando isso, é muito interessante essa, tem mais detalhes. O contato vai passando: “Vai para a cidade tal, vai para a cidade tal. Procure não sei o quê.” E eles mandaram o contato com a cidade do interiorzão da Colômbia, e lá ele foi no banheiro, e lá na parede do banheiro estava escrito o recado. Ele entrou naquele banheiro, uma espelunca, um banheiro fedendo, um horror, de trigésima categoria, todo escrito lá de porcaria, de palavrão. Diz que está há dez minutos, catando aquele banheiro imundo, cadê o recado? E “qui-qui, cá-cá-cá”, os caras já estavam lá do lado de fora. Fizeram aquilo de brincadeira. Ele passou dez minutos dentro do banheiro fedendo, tudo que era porcaria em espanhol, e os guerrilheiros estavam já esperando ele lá para entregar o colega nosso, petroleiro.
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