Seu Maneca Salvador
Entrevista em 11.01.2005 – aos 90 anos, em sua residência.
Manoel Antônio Salvador ficou famoso como gaiteiro e um exímio pescador, mas ninguém o chamava pelo nome. Ficou mais conhecido como “seu Maneca”, filho legítimo de Antônio Salvador e Maria Damásio. Ele perdeu o pai quando tinha apenas 10 anos de idade.
Ao completar 90 anos, concedeu entrevista já com poucas lembranças do pai, que era um gaiteiro muito procurado na região entre Indaial e Lontras, que todos chamam de ‘Subida”.
Seu Maneca nasceu em Apiúna/SC, em 20 de junho de 1914, e lembrou que o pai tocava qualquer instrumento musical. A família paterna era de Indaial, e sempre chamavam o seu pai pra animar festas, bailes e domingueiras.
Vagamente recordou-se dos irmãos de seu pai, que eram José e Carlos. Com esforço, apontou que Carlos teria ido residir nas proximidades de Rio do Oeste, trabalhando na agricultura, mas nunca teve visitas ou confirmação disso. O outro tio, José levou uma flechada de índios em Pouso Redondo, quando trabalhava na implantação do telégrafo entre Blumenau e Lages. Em outros registros, esse fato se confirma, no ano de 1905, quando alguns companheiros de José foram mortos pelos índios. José conseguiu chegar na canoa e desceu pelo rio até Blumenau, onde se recuperou e depois retornou para continuar o serviço. Mais tarde casou-se, não teve filhos e está sepultado em Pouso Redondo.
Seu Maneca lembrou com saudades de uma ocasião específica, quando a mãe, Maria Damásio, o convidou para ver o pai animando uma festa, próxima à residência, na região da Subida, em Ibirama. Ele tinha quase dez anos de idade, quando este fato aconteceu. Antes de saírem, a mãe “aprontou” as crianças, e as deixou dormindo. Em seguida, os dois foram até o local da festa e permaneceram olhando de cima do engenho, enquanto o pai Antônio Salvador animava a festa para dezenas de pessoas, sem saber...
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Entrevista em 11.01.2005 – aos 90 anos, em sua residência.
Manoel Antônio Salvador ficou famoso como gaiteiro e um exímio pescador, mas ninguém o chamava pelo nome. Ficou mais conhecido como “seu Maneca”, filho legítimo de Antônio Salvador e Maria Damásio. Ele perdeu o pai quando tinha apenas 10 anos de idade.
Ao completar 90 anos, concedeu entrevista já com poucas lembranças do pai, que era um gaiteiro muito procurado na região entre Indaial e Lontras, que todos chamam de ‘Subida”.
Seu Maneca nasceu em Apiúna/SC, em 20 de junho de 1914, e lembrou que o pai tocava qualquer instrumento musical. A família paterna era de Indaial, e sempre chamavam o seu pai pra animar festas, bailes e domingueiras.
Vagamente recordou-se dos irmãos de seu pai, que eram José e Carlos. Com esforço, apontou que Carlos teria ido residir nas proximidades de Rio do Oeste, trabalhando na agricultura, mas nunca teve visitas ou confirmação disso. O outro tio, José levou uma flechada de índios em Pouso Redondo, quando trabalhava na implantação do telégrafo entre Blumenau e Lages. Em outros registros, esse fato se confirma, no ano de 1905, quando alguns companheiros de José foram mortos pelos índios. José conseguiu chegar na canoa e desceu pelo rio até Blumenau, onde se recuperou e depois retornou para continuar o serviço. Mais tarde casou-se, não teve filhos e está sepultado em Pouso Redondo.
Seu Maneca lembrou com saudades de uma ocasião específica, quando a mãe, Maria Damásio, o convidou para ver o pai animando uma festa, próxima à residência, na região da Subida, em Ibirama. Ele tinha quase dez anos de idade, quando este fato aconteceu. Antes de saírem, a mãe “aprontou” as crianças, e as deixou dormindo. Em seguida, os dois foram até o local da festa e permaneceram olhando de cima do engenho, enquanto o pai Antônio Salvador animava a festa para dezenas de pessoas, sem saber que estava sendo observado. Era festa no salão de Carlos Geiss, perto da escola. De repente, o gaiteiro, parou de tocar, sacou do revólver e atirou no lampião, única luz do ambiente. Escureceu tudo e acabou-se a festa.
Esse era um costume que com frequência se utilizava Antônio Salvador, quando resolvia parar de “tocar” qualquer festa. Umas das últimas lembranças de seu pai, foi animando o casamento da Tia Romana Damásio (irmã de sua mãe), na região de Lontras, que se casou com Francisco Leite. Seu Maneca relatou com tristeza que seu pai foi desanimando pelas dificuldades da vida, e foi-se entregando à doença. Acabou falecendo vítima da “espanhola”, como ficou conhecida aquela gripe devido ao grande número de mortos na Espanha.
Esta gripe apareceu em duas ondas diferentes na Europa durante 1918. Na primeira, em fevereiro, embora bastante contagiosa, era uma doença branda não causando mais que três dias de febre e mal-estar. Já na segunda, em agosto, tornou-se mortal.
Enquanto a primeira onda de gripe atingiu especialmente os Estados Unidos e a Europa, a segunda devastou o mundo inteiro: também caíram doentes as populações da Índia, Sudeste Asiático, Japão, China e Américas Central e do Sul.
Estima-se que entre outubro e dezembro de 1918, período oficialmente reconhecido como pandêmico, 65% da população adoeceu. Só no Rio de Janeiro, foram registradas 14.348 mortes. Em São Paulo, outras 2.000 pessoas morreram.
Pedro Nava, historiador que presenciou os acontecimentos no Rio de Janeiro em 1918, escreve que “aterrava a velocidade do contágio e o número de pessoas que estavam sendo acometidas. Nenhuma de nossas calamidades chegara aos pés da moléstia reinante: o terrível não era o número de casualidades - mas não haver quem fabricasse caixões, quem os levasse ao cemitério, quem abrisse covas e enterrasse os mortos. O espantoso já não era a quantidade de doentes, mas o fato de estarem quase todos doentes, a impossibilidade de ajudar, tratar, transportar comida, vender gêneros, aviar receitas, exercer, em suma, os misteres indispensáveis à vida coletiva”.
As estimativas do número de mortos em todo o mundo durante a pandemia de gripe em 1918-1919 variam entre 20 e 40 milhões. Para se ter ideia, nem os combates da primeira Grande Guerra Mundial mataram tanto: 9 milhões e 200 mil pessoas que morreram nos campos de batalha da Primeira Grande Guerra (1914-1918).
Foi neste cenário que Antônio Salvador faleceu, sendo apenas mais uma das milhares de vítimas da febre espanhola, deixando a esposa viúva e vários filhos. O pequeno Manoel era o único filho homem e ajudava a mãe, Maria Damásio, a criar as meninas, todas menores que ele. As meninas eram: Laudina, (que se casou Dionísio Machado), Flormina (que se casou com Romão Maçaneiro) e Clara, que teve dois casamentos, um deles com Astrogildo Barnabé.
A miséria aumentou sobre a família de Maria, viúva com 4 crianças. Ela percebeu que seria impossível os filhos atingirem a idade adulta sem a proteção de um novo companheiro. Maria Damásio era filha de Manoel Damásio e Clara Anacleto, que era irmã gêmea de Clarinda. Parece que a Mãe de Manoel Damásio era Balbino e residiu na localidade de Mosquito. Estima-se que o casal Clara e Manoel Damásio tiveram 12 filhos, seis homens e 6 mulheres.
Maria Damásio precisava de amparo aos filhos pequenos, e contraiu novo matrimônio. Conheceu Rodolfo Rocha, que também era viúvo, da região de Itajaí, já tinha duas filhas: Zulmira, que se casou com Amadeu Ferreti e Maria, que teve diversos filhos, e com idade avançada, morava na escola agrícola de Blumenau.
Rodolfo Rocha era muito violento, e diversas vezes, retornava para casa embriagado, e batia em todo mundo. O pequeno Manoel sofreu muito com o padrasto, que nos momentos de fúria, surrava todos de chicote, as vezes com a bainha do facão e com pedaços de pau. Muitas noites dormiam ao relento. Ele lembrou-se que o abrigo era uma árvore grande, caída próximo a pequena casa. Muitas noites, mesmo de chuva ou de frio, a mãe e todos os filhos dela passavam escondidos, quietos e abraçados uns aos outros, para se aquecerem mutuamente. Ficavam torcendo para que o padrasto pegasse no sono, para voltarem ao abrigo da casa.
Maria Damásio e Rodolfo Rocha tiveram quatro filhos: Teófilo, Domingo, Laura que se casou com Astrogildo e Palmira, que se casou com Vitório Schiochett.
Maneca, como já era conhecido desde pequeno foi o único que tinha o sobrenome Salvador, já que as irmãs acabaram usando o sobrenome dos maridos e os filhos do segundo casamento levaram o sobrenome Rocha do padrasto.
A família conduzida por Maria Damásio, aprendeu a viver modestamente, com pouco patrimônio e ficou conhecida por ser composta de pessoas simples ao se vestir, ao falar, e também na residência. Com enormes dificuldades, Manoel foi crescendo sem estudar, pois era o mais velho e a lavoura precisava de um braço forte. Ele foi se adaptando ao mundo, aprendendo na faculdade da vida e percebeu que tinha herdado os dons artísticos do pai, que conheceu tão pouco. Tornou-se um gaiteiro excelente. Fazia versos de improviso, e trazia muita alegria a toda a comunidade, mesmo sem nenhum estudo regular.
A família de Maria Damásio e Rodolfo Rocha estava morando na localidade de Fruteira, em Laurentino/SC, quando Maneca conheceu Inês Maçaneiro, filha de Gertrudes Cunha e Juvenal Maçaneiro. Era uma família enorme com 22 filhos, também fruto de dois casamentos de Juvenal, que era filho de Candido José Maçaneiro. Com a morte de Gertrudes, com que teve 11 filhos, Juvenal casou-se com Rosa Morini, tendo outros 11 filhos.
Maneca já era um gaiteiro muito respeitado em toda a região, quando conheceu a vizinha, Inês Maçaneiro a mais bonita das filhas de Juvenal.
Em pouco tempo a vizinhança estava explicando para o desconsolado Juvenal, o motivo do sumiço de Inês: Ela havia fugido com Maneca! Outros consolavam a família Maçaneiro, dizendo que Maneca havia roubado Inês. Juvenal Maçaneiro jurou matar Maneca e a confusão foi imensa. Aquela família numerosa era um perigo para a vida do gateiro magricela, que precisou silenciar a gaita por um bom tempo. Mas conforme o previsto, tudo foi se resolvendo. Maneca acabou sendo o genro mais estimado de Juvenal, convidando o sogro para padrinho de seu primeiro filho, batizado na igreja como Gentil Luiz Salvador, mas que no Registro Civil acabou se chamando Argentino Manoel Salvador.
Maneca e Inês viveram muitos anos na Valada Mosquitinho, em Agronômica/SS, que passou a ter seu desenvolvimento a partir de 1921, quando a empresa colonizadora de Luiz Bertoli foi contratada para construir a estrada ligando Mosquitinho até Alto Mosquitinho, Ribeirão Strey e Ribeirão Areia(Areado) cujo pagamento foi um montante de terras que quase chegou a 69 mil m2.
Bertoli instalou-se na localidade e trouxe descendentes de imigrantes na maioria italianos, de Rodeio, Luiz Alves, Ascurra, Brusque e Diamante. Com a abertura dessa estrada, também se fixaram na região as famílias de João Luchtenberg, João Stell, Manoel Flausino, Joaquim e Máximo Sevegnani, Hercílio e José Prudêncio Garcia, José Berkembrock, Amaro Amado da Costa e Sizinando de Souza que instalou o primeiro engenho de mandioca. O lugar se destacava pelo grande número destes engenhos, produzindo muita farinha de mandioca e fécula. José Tavares e Durval Claudino instalaram uma serraria bem no início da Valada Mosquitinho.
Inês Maçaneiro e Manoel Salvador tiveram sete filhos (Gentil/Argentino, Valdemir, Antônio, Maria, Lurdes, Rosa e Alírio) e quando crescidos, se mudaram para Volta Grande, que hoje é parte de Mirim Doce/SC. Gentil, o mais velho, já estava morando em Volta Grande, trabalhando na madeireira de João Machado da Silva, e logo depois conseguiu trabalho para os irmãos Valdemiro e Antônio, todos solteiros. Isso facilitou a vinda da família inteira, que adquiriu uma gleba de terras próximo à madeireira, dando opção de trabalho aos demais, tanto na madeireira, como na lavoura de fumo de corda, milho, batatas, feijão, gado e a cultura de subsistência.
Maneca se tornou também um exímio domador de cavalos e bastante procurado pelos vizinhos, para deixar os animais treinados tanto para a carroça quanto para montaria.
Mas Maneca não poderia fugir de sua sina, que era a gaita de botão, e as trovas de improviso, no estilo caboclo. Numa grande festa realizada na Igreja Matriz de São Miguel, na comunidade da Paleta, a maior atração era o famoso Teixeirinha, um gaúcho de Passo Fundo, que arrastava multidão por onde passava. Era um dos artistas brasileiros mais conhecidos do rádio e cinema naquela época. Nesta ocasião, seu Maneca foi convidado para se apresentar no palco, e os dois fizeram várias trovas de improviso, levando o povo às gargalhadas, e o feito foi lembrado por muitos anos.
Outra vez, em Presidente Getúlio, seu Maneca foi chamado como a principal atração artística da festa, e fez trova de improviso o dia inteiro, como lembrou o professor Lírio Luiz Volpi, do tempo em que atuava naquela cidade.
Manoel viu todos os filhos se casarem, e com a idade chegando, vendeu sua propriedade no interior mudando-se para a cidade de Taió, trabalhando na madeireira Oenning onde continuou vivendo modestamente, até sua aposentadoria. Era exímio pescador, e vivia na beira dos rios, com anzol, canoa, redes e tarrafas. Sabia fazer muito bem um jequi e “cove” como chamava uma armadilha e taquaras e bambu para as pescarias.
Incapaz de promover ou iniciar qualquer tipo de confusão, era respeitoso com seus vizinhos, dizendo sempre que “nosso parente mais perto é o vizinho”.
Sua esposa Inês faleceu no Hospital São Francisco do Assis de Taió, vítima de câncer no intestino, abalando profundamente a família. Depois, seu Maneca conviveu por mais 15 anos com Lúcia Eising, que também era viúva. Faleceu em 30 de julho de 2005, aos 91 anos de idade, com missa celebrada pelo padre Tiago Heinzen, na capela da Vila Mariana e foi sepultado no cemitério Católico de Taió(SC). Sobre seu túmulo, familiares desenharam um acordeom e uma vara de pescar.
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