Pedro Leopoldo/Fidalgo na Memória e Vida de seus Moradores
Depoimento de Marlene da Trindade
Entrevistado por Danilo Eiji
Fidalgo, 10/09/2013
Realização Museu da Pessoa | InterCement | Instituto Camargo Corrêa
Marlene da Trindade
Transcrito por Karina Medici Barrella
P/1 – Marlene, bom dia
R – Bom dia
P/1 – Primeiro, eu queria agradecer por você nos conceder essa entrevista, participar do projeto, muito obrigado
R – O prazer é meu
P/1 – Pra uma questão de identificação do nosso documento, eu queria que você falasse o seu nome completo, o local e a data do seu nascimento
R – Meu nome é Marlene da Trindade, eu nasci em Belo Horizonte no dia 14 de julho de 1959
P/1 – Em Belo Horizonte
R – Belo Horizonte
P/1 – E me conta um pouco assim. Bom, hoje estamos em Fidalgo, né? Você cresceu em BH e veio pra cá?
R – Isso
P/1 – Qual é a sua relação aqui? Quando que você chegou na cidade?
R – Eu considero que eu fui mandada pra Fidalgo, sabe? Eu fui enviada. Por exemplo, aos 20 anos eu me casei, casei com uma pessoa que era do interior. Aos 20 anos eu não conhecia o Congado, eu não conhecia Fidalgo, eu não conhecia nada. Quando eu me casei, o meu sogro era Congadeiro, aí eu fui conhecer o Congado. Mas eu fui conhecer assim, e no momento que eu conheci eu deslumbrei com tudo aquilo, eu apaixonei e na época eu falei pro meu marido: “Essa é a minha vida, isso é o que eu quero”. E ele não entendia, eu nunca tinha visto o Congado
P/1 – Isso aqui?
R – Não! Isso em Belo Horizonte, em Carandaí. Eu conheci em Carandaí, que foi a Guarda de Lafaiete, essa que esteve aqui na nossa festa. E eu me encantei. Meu sogro era mestre dessa Guarda e ele começou a me contar a história, me contar a vida. Ele faleceu e a família dele toda virou evangélica, e antes dele morrer, ele me entregou o bastão dele. Ele falou comigo: “Você vai seguir, é a única pessoa que eu...
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Depoimento de Marlene da Trindade
Entrevistado por Danilo Eiji
Fidalgo, 10/09/2013
Realização Museu da Pessoa | InterCement | Instituto Camargo Corrêa
Marlene da Trindade
Transcrito por Karina Medici Barrella
P/1 – Marlene, bom dia
R – Bom dia
P/1 – Primeiro, eu queria agradecer por você nos conceder essa entrevista, participar do projeto, muito obrigado
R – O prazer é meu
P/1 – Pra uma questão de identificação do nosso documento, eu queria que você falasse o seu nome completo, o local e a data do seu nascimento
R – Meu nome é Marlene da Trindade, eu nasci em Belo Horizonte no dia 14 de julho de 1959
P/1 – Em Belo Horizonte
R – Belo Horizonte
P/1 – E me conta um pouco assim. Bom, hoje estamos em Fidalgo, né? Você cresceu em BH e veio pra cá?
R – Isso
P/1 – Qual é a sua relação aqui? Quando que você chegou na cidade?
R – Eu considero que eu fui mandada pra Fidalgo, sabe? Eu fui enviada. Por exemplo, aos 20 anos eu me casei, casei com uma pessoa que era do interior. Aos 20 anos eu não conhecia o Congado, eu não conhecia Fidalgo, eu não conhecia nada. Quando eu me casei, o meu sogro era Congadeiro, aí eu fui conhecer o Congado. Mas eu fui conhecer assim, e no momento que eu conheci eu deslumbrei com tudo aquilo, eu apaixonei e na época eu falei pro meu marido: “Essa é a minha vida, isso é o que eu quero”. E ele não entendia, eu nunca tinha visto o Congado
P/1 – Isso aqui?
R – Não! Isso em Belo Horizonte, em Carandaí. Eu conheci em Carandaí, que foi a Guarda de Lafaiete, essa que esteve aqui na nossa festa. E eu me encantei. Meu sogro era mestre dessa Guarda e ele começou a me contar a história, me contar a vida. Ele faleceu e a família dele toda virou evangélica, e antes dele morrer, ele me entregou o bastão dele. Ele falou comigo: “Você vai seguir, é a única pessoa que eu posso pedir pra seguir isso”. Mas eu não tinha noção de como eu ia fazer isso, sabe? Aí, eu conheci Fidalgo. Conheci Fidalgo e me apaixonei por Fidalgo. Eu não conhecia o Congado de Fidalgo, eu conheci Fidalgo. E resolvi que eu queria vir morar e criar meus filhos aqui. Meu filho tinha um ano e meio e a minha filha seis meses. E eu mudei pra Fidalgo. Eu falei: “Eu quero criar meus filhos num lugar tranquilo onde meus filhos possam correr, andar a cavalo, brincar”. Saí de Belo Horizonte e vim para Fidalgo. Montei um comércio e fui criando meus filhos, minha vida e aí eu fui conhecer o Congado de Fidalgo. Era um Congado simples, tinha uma pessoa que chamava José Eduardo de Bastos, que a ele eu dou toda a honra e glória pelo nosso Congado; ele fez uma promessa de montar esse Congado aqui em Fidalgo. E o primeiro ano ele fez, eu vi um terço, ele fazia só um terço e um almoço na casa dele. Tinha um terço que a gente ia, rezava o terço e depois tinha um almoço. E aí, eu acho que quando eu vi aquilo encantei mais ainda. Na época nós não tínhamos Guarda, a Guarda de Mocambeiro que vinha fazer esse terço, fazia uma mini-procissão na praça e dava por encerrada a promessa de José Eduardo de Bastos. E passado dois anos, eu sempre com ele ali porque eu me encantei com aquilo de Mocambeiro, ele me convidou pra fazer parte da comissão com ele, que ele tinha vontade de montar uma Guarda em Fidalgo. Eu falei com ele: “Montar uma Guarda eu não posso porque eu não tenho o mínimo gabarito, mas eu te ajudo no que for capaz”. E aí ele determinou as Rainhas Congas, chamou o pessoal de Mocambeiro pra fazer a coroação aqui em Fidalgo, aí nós montamos. Por que montar essa guarda? Porque na época todo mundo trabalhava em pedreira, e tava tendo muitos acidentes, machucando muitas pessoas em Fidalgo. Iam pra pedreira sem segurança de trabalho nenhuma e machucava. Então eles, as pessoas da pedreira fizeram uma promessa à Nossa Senhora do Rosário: se não tivesse mais acidentes eles montariam a Festa do Rosário em Fidalgo. Chamaram Dedé, inclusive isso nós temos documentado também, e montaram a guarda. Chamaram a Maristela, Celeste pra serem as Rainhas. Eu ficava só olhando e ajudando na cozinha, uma coisa assim. E veio crescendo em mim o interesse pela festa. Nessa época, a festa de Fidalgo, a festa do Congado, não podia entrar na igreja, a igreja era restrita só para a festa maior que era de Nossa Senhora da Conceição. E eu achava aquilo um absurdo, por que não podia entrar na igreja, sabe? Às vezes ia lá, fazia uma missa, voltava todo mundo e ficava aquele pessoal perdido porque não tinha uma localização. E aí, Dedé me chama pra ser Rainha de Ano, seria meu passo inicial pro Congado, né? Aí eu fui ser Rainha de Ano. Antes era só a Guarda de Mocambeiro, como Rainha de Ano eu já convidei um monte de Guarda, inclusive essa de Carandaí que eu conhecia, ela veio, a festa foi na minha casa, na época as festas eram feitas nas casas. E aí eu comecei a ter interesse de trazer essa festa para a igreja, fui conversando com Dedé e a gente foi passando essa festa pra igreja. Terminada a minha festa de Rainha de Ano eu assumi a Rainha, um coroa perpétua, porque a Rainha de Ano faz a festa aquele ano cumprindo uma promessa, ou não, entrega a coroa e tá tranquilo. Já uma Rainha Perpétua, ela assume o reino enquanto ela viver. Então o que eu fiz? Eu deixei a Rainha de Ano e fui ser a Rainha do Império, eu troquei uma coroa por uma coroa perpétua, aí assumi o Congado de vez. E aí nós fomos fazendo algumas modificações, Dedé e eu, a festa começou a crescer porque aí já tem uma outra visão. Aí nós já tivemos outra visão de já conversar com as pessoas, de passar essa festa pra igreja, de convidar outras guardas, de fardar as rainhas decentemente, né? Mas sempre com o Congado de Mocambeiro fazendo a nossa festa, porque a gente não tinha uma Guarda formada, não tinha uma Fileira, não tinha Dançantes, não tinha Mestre. E nisso o pessoal de Mocambeiro foi nos ensinando a trabalhar, eles já têm a experiência, um dos Congados mais antigos. E eles foram nos ensinando, ensinando nossos Mestres, nossos Capitães, até nossas Rainhas, eu mesma, como comportar, como vestir, como conduzir a Festa do Rosário. E nisso você vai se apaixonando e a fé vai aumentando. Então eu falo, eu fui conduzida para o Rosário, eu não fui convidada, eu fui conduzida. A partir da hora que eu conheci o Congado eu falei: “Essa é a minha vida, isso é o que eu quero”. E eu fui com Dedé, nós conseguimos transferir essa festa para a igreja porque a gente viu que nas casas, como vocês viram na Quinta do Sumidouro, chega no ponto que já não tem mais condição de receber as pessoas, que fica muito difícil. E a nossa igreja tem toda uma estrutura já pra fazer isso. Transferimos a nossa festa pra igreja e a festa foi crescendo. A partir da hora que nós transferimos pra igreja a coisa foi crescendo, as outras Guardas que virem hoje, por exemplo, na festa passada agora nós recebemos 14 Guardas de Congado. E isso acontece todos os anos porque as pessoas gostam, as pessoas foram acreditando no nosso trabalho. E hoje eu assumo a coordenação geral, hoje eu já não tenho mais, continuo sendo a Rainha, sou a Rainha do Império, serei enquanto vida eu viver, mas hoje eu assumo o cargo de Presidente, por isso que às vezes eu não visto mais aquela roupa porque não dá tempo. A Rainha, você queria saber, a Rainha tem que se portar como Rainha, receber as pessoas como Rainha, se sentar. E a presidente tem que estar volúvel o tempo todo, ela tem que ser uma volante, ela tem que estar na cozinha, tem que estar na igreja, tem que estar no bar, então ela não pode se portar como Rainha, ela não pode ter o trono coroado dela ali, à disposição dela. E é isso que acontece, cada um tem a sua função. Capitão-embaixador, você me perguntou, o capitão-embaixador é quem faz as embaixadas para as rainhas, para os visitantes, para os padres, entendeu? Ele é como, é um capitão mesmo, ele se porta como um capitão porque ele recebe as pessoas e conduz aquelas pessoas, ele conduz as pessoas. Mas isso com quê? Com marchas, cantando, expressando. Por exemplo, se você vai sair daqui prali, ele vai te levar, mas cantando. Ele vai te orientar, esta é a posição do capitão-embaixador. Quando o capitão-embaixador começa a cantar, a guarda, os dançantes já estão ali a postos para ajudá-lo a responder e a encaminhar. É o capitão-embaixador que leva, por isso que ele faz toda a embaixada e conduz as fileiras do rosário, entendeu? Assim como a rainha e o rei de Congo coordenam todo o reinado. Eu, como presidente, que seria o alto maior do reinado, eu não posso fazer nada sem o consentimento do Rei Congo e da Rainha Conga; eu coordeno uma diretoria, mas quem manda no Rosário é o Rei Congo e a Rainha Conga, entendeu? Aqui no caso nosso é a Maristela e o seu Raimundo
P/1 – Você, a presidente, é a presidente de uma associação, é isso? Vocês têm uma associação com nome jurídico?
R – Sim, tudo. CNPJ, tudo, nós temos tudo registrado em cartório, quantos componentes temos, tudo é registrado
P/1 – Então o seu cargo, a presidente que você tá chamando, é a parte administrativa?
R – É a parte administrativa
P/1 – É o que toca pra ser a produção, é isso?
R – Isso. Como diz, a parte exterior da festa. Eu tenho que coordenar ela todinha
P/1 – Isso é um lado bem humano, pé no chão, né?
R – Isso
P/1 – Agora deixa eu entender, vou voltar até um pouquinho mais e retomar o que você falou. Eu queria entender melhor o que é o Congado. Porque tem os Reinos, abre de não sei quando a não sei quando, tem as figuras e tem uma hierarquia até lá embaixo. Então eu queria, se você puder me contar de onde vem, o que surge e quais são essas figuras, o papel e o símbolo de cada uma, se puder.
R – De onde vem o Congado? Uns falam que é africano, que eu não acredito, eu acho que são das fileiras do Rosário. Conta-se, uma lenda, que o candombe conta, que Nossa Senhora, assim, vou te dar um exemplo, Nossa Senhora Aparecida não veio das águas? Eles falam que encontraram a imagem; a Nossa Senhora estava numa pedra, entendeu? E a banda foi tocar pra saírem, ela não veio, e foram outras pessoas tocando pra ver se ela saía dessa pedra, ela escutou os pretinhos do Rosário do candombe e acompanhou, diz a lenda. Se é verdade ou não, mas que toca na gente e no coração é isto. Agora, a história conta outra, a história já vem pelo lado científico da coisa, que veio tradição africana e que foi se modernizando até chegar hoje. As nossas rainhas que você fala, as nossas rainhas são todas elas com nome de rainhas que nós falamos de Rainha Celeste, da cor do céu. A Rainha Conga, no caso aqui, ela fica representando até a Nossa Senhora do Rosário, ela é a parte maior. Todas as nossas coroas, todas, são dadas por Nossa Senhora, a nossa fé, tá, a nossa fé. Tanto é que quando a gente é coroada, eles cantam pra gente o seguinte: “Lá do céu e vem descendo uma coroa”. Então, quem que manda essa coroa pra nós? É Nossa Senhora. Essa coroa é de Nossa Senhora, vamos ampará-la desse jeito, meus irmãos. Esta coroa é de Nossa Senhora. E nós a recebemos como qual. Existe um mistério tão grande quando a gente recebe essa coroa, e você pode conversar com toda rainha, existe uma transformação quando a gente é coroada
P/1 – Você consegue descrever pra gente o dia que você foi? Como foi o dia? Quem estava com você?
R – É um dia de muita emoção, você sente. O dia da minha coroação?
P/1 – É
R – Quando eu fui Rainha do Império foram o Rei e a Rainha do Império, eu tenho meu Rei do Império
P/1 – Quem era, como foi esse dia?
R – A gente se ajoelha, eles vão cantando, os capitães, e vão nos conduzindo. E vão nos coroando à medida. A primeira coisa é o manto, é o manto sagrado e você tem uma emoção tão grande, você se sente abraçada, protegido, é uma emoção que, tanto é que toda rainha que é coroada, inclusive a Rainha de Ano tem essa emoção. Eu costumo falar que é o Mistério do Rosário. Quando a coroa vai descer na sua cabeça, parece que você vai se protegendo, tem uma coisa, eu não sei te explicar, é uma coisa mágica, que vai te protegendo, e você vai assumindo a sua fé. Porque até então eu me senti assim olha, eu tinha fé, eu sabia da minha fé, da existência, mas quando eu fui coroada é uma coisa que parece que o Espírito Santo desce na gente, não sei, Nossa Senhora, que vem, que nos protege e depois da sua coroação você já não é mais a mesma pessoa. Tanto é que você conduz essa coroa, tem os obstáculos, você vê que todas as nossas rainhas tem os problemas pessoais, eu tenho meus problemas pessoais, todos nós temos, mas nós temos uma proteção diferente, entendeu? Só quem vive isto, e é indescritível, é indescritível porque ela me protege de tal forma que eu me sinto segura em tudo o que eu faço. E assim são as minhas rainhas, eu vejo isso, a fé é muito grande. Lógico que a gente tem, por exemplo, eu perdi uma filha aos 21 anos. Eu falei com Nossa Senhora: “Eu não quero mais conversa com a Senhora. A Senhora levou a minha filha”. Mas quem me mostrou a morte da minha filha foi ela, entendeu? No momento que minha filha morreu; minha filha estava desaparecida tinha dois dias. Eu ajoelhei, peguei meu terço e falei: “Minha Nossa Senhora, mostra minha filha”. Naquele momento meu terço caiu e eu falei com meu filho do lado: “Ela tá morta”. E meu filho falou: “Mãe, você tá doida?” “Filho, eu acabei de ver, Nossa Senhora acabou de me mostrar, minha filha tá morta!”. Eu vi o rosto da minha filha ensaguentado. Eu tinha certeza que ela tava morta. Passados uns dez minutos o Corpo de Bombeiros chegou, minha filha tava no IML morta, entendeu? Aí eu briguei com Nossa Senhora, briguei com ela por quê? Por que ela levou minha filha? Eu não entendia aquilo, entendeu? Até um dia que ela mostrou também que era necessário aquilo pra minha vida. Não era necessária a morte da minha filha, ela me mostrou que ela estava protegendo a minha filha naquele momento. Aí eu pude voltar ao Rosário porque até então eu, não é que eu abandonei o Rosário, eu falei: “Pare, eu preciso ficar comigo”, foi um momento muito difícil da minha vida, entendeu? E hoje eu percebo que o tempo todo eu tenho a garantia da minha filha do meu lado, o tempo todo, porque ela me mostra isso. Sinto a presença dela nos momentos mais difíceis e sei que é a minha fé, é Nossa Senhora que faz isso pra mim. Isso acontece com todas nós rainhas. Ontem eu conversando com uma rainha que perdeu um genro que era pra ela como um filho ela me falou a mesma coisa: “Eu já sabia, Nossa Senhora contou. Ela tava levando ele.” É uma fé diferente a nossa fé, eu costumo falar assim, não desmerecendo as outras, mas a gente tem uma proteção diferente. De onde vem? Da nossa fé
P/1 – Eu vou continuar aquela apresentação de cada ponto e depois eu retomo a sua história, pode ser?
R – Pode, com certeza
P/1 – Então, Rainha e o Rei. O que significa ‘abrir o Reinado’?
R – Abrir o Teinado. O nosso Teinado abre no dia 13 de maio, o dia da abolição da escravatura. É o dia que a gente abre. Porque aqui em Fidalgo, além do Reinado nós temos todas as folias, então o ano inteiro o reinado trabalha, só que, por exemplo, ele trabalha com a Folia de Reis, com a Folia de São Sebastião, com a Folia do Rosário, com a Folia de Santos Reis e vai abrir o Congado, porque são períodos, ele vai abrir o Congado no da 13 de maio. A partir da hora que abre o Congado, aí já abre pra gente ensaiar, bater o candombe, bater a guarda. É porque antes de abrir o Congado nós abrimos as folias, então elas trabalham antes, elas vão trabalhando até o Congado entrar, porque o Congado já é para a festa maior. E todos os Congadeiros, nós somos dançantes das folias e do Congado. Porque isso quando fala: “Vamos abrir o Congado” significa que as folias estão fechando para o Congado reinar, assim como a gente abre a Folia de Reis, abre a Folia de São Sebastião, nesse período todas elas vão estar trabalhando. Então o Congado abre dia 13 de maio por causa de data. Quando fala: “Vamos abrir o Congado”, fecham-se as folias e abre-se o Congado. Até então tem Folia de Reis, a Folia de São Sebastião vai estar reinando, a Folia do Divino Espírito Santo. Elas vão tocando o ano inteiro, só que as folias tocam na casa que elas vão visitando, os santos, reis visitam as casas, São Sebastião, visitam as casas, sendo que as mesmas pessoas que tocam nas folias são as que tocam no reinado, por isso que a gente fecha as folias e abre o reinado, entendeu? A gente fala: “Vamos abrir o Reinado?” Porque as folias estão fechando e o Congado vai abrir. Aí nesse período de maio até setembro, nosso caso aqui da nossa festa nós vamos até novembro porque nós vemos visitando as outras guardas também agora. Aí só o Congado funciona. Depois que abre no dia 13 só funciona Folia de Nossa Senhora do Rosário, que ela vai nas casas angariando fundos para a festa. Eles vão, tocam na sua casa e geralmente a pessoa faz uma oferta ali
P/1 – A associação de vocês, né, que vai?
R – É, é toda associação. A gente vai trabalhando o ano inteiro pra que aconteça essa festa, entendeu? Por isso que dizemos: “Vamos abrir o Congado?” Fecham-se as folias e abre o Congado, é por isso
P/1 – Daí começam esses preparativos e tem uma estrutura, tem uma hierarquia ali
R – Tem, tem uma hierarquia
P/1 – Então conta um pouquinho o que é cada parte
R – Você fala no caso o Rei Congo, do Rei Congo até o dançante?
P/1 – Até o dançante
R – Tá. O Rei Congo e a Rainha Conga que comandam o Congado, o Reinado. Aí nós temos o capitão-embaixador, é esse que eu te falei que conduz as fileiras, é ele que faz. Tem o capitão-embaixador que faz as embaixadas pra que as folias dancem. Depois tem o capitão-regente que rege, junto com o capitão-embaixador. O capitão-embaixador faz as embaixadas, o capitão regente rege as fileiras, ele comanda as bandeiras, ele comanda a turma. Eles só trabalham juntos. Porém, quando existe uma embaixada maior, como o próprio nome diz, é o capitão-embaixador. Aí tem o capitão da bateria, é aquele que coordena a bateria da fileira, ele vai ver se a bateria está afiada ou não. Ele vai coordenando o dançante, ver se está bem. Ele comanda a fila, é cada um no seu papel. Da Rainha Conga ao dançante vem descendo o capitão-embaixador, o capitão-regente, o capitão da bateria até os dançantes. Então um vai coordenando o outro até chegar aqui, entendeu? E geralmente o capitão-regente, o capitão-embaixador é que coordena as fileiras. Porque geralmente quando a gente tá desfilando a gente tá cantando, tem que ter a fila bonitinha, os dançantes em posição, tudo isso, cada um vai coordenando o seu papel. Geralmente quando isso acontece a Rainha Conga e o Rei Congo estão na frente. Além da Rainha Conga e do Rei Congo nós temos a Rainha Santa Isabel, que é a Rainha do Candombe. Que é o Rei Congo e a Rainha Conga são da Guarda de Congo. Nós temos a Rainha Santa Isabel que coordena o candombe, ela é madrinha do candombe. Essa aí que é a Celeste, é a Rainha do Café, eu acho que vocês tomaram café lá no dia da festa, não sei, tomaram? Porque a Rainha Conga coordena a festa. Porque é tudo diferente, a Rainha Conga e o Rei Congo, eles dão o doce da festa, é dado pela Rainha Conga e pelo Rei Congo. Já o café é dado pela Rainha Santa Isabel, que é a Rainha do Candombe. Todas as pessoas no Congado têm a sua atividade, assim como a minha de presidente, de coordenar tudo, se o café tá pronto, se o doce tá pronto, mas cada um, no seu papel, vai trabalhar durante o dia pra que isso aconteça, o dia não, o ano, né? Nós temos um ano pra trabalharmos isso. Temos a Rainha do Império que sou eu, no caso. Temos a Rainha Santa Isabel, a Rainha Santa Cruz; nós temos a Rainha Santa Cruz que abre o terreiro no dia 13, ela chega e abre. Dia 13, quando o Congado começa a trabalhar é ela que vai na Santa Cruz, é ela que enfeita a cruz, cada um tem o seu papel. Então dia 13, por exemplo, eu não preciso me preocupar porque eu sei que a Rainha Santa Cruz vai na igreja, vai enfeitar o cruzeiro, vai preparar o candombe, vai preparar uma sopa pra fazer a abertura do trabalho. A gente fala trabalho, mas é o trabalho que vai acontecer até o dia da festa, os trabalhos. E aí a Rainha Santa Cruz tem essa função. Já a Santa Helena, do café. Cada Rainha tem a sua função, entendeu? A do Império que no caso sou eu, tem uma vice-rainha que reina, ela tem que coordeanar todo esse império, ela vai estar, quase que o papel do presidente mesmo, consultando as rainhas pra ver se tá tudo certo. A Rainha Santa Cruz: Tá tudo pronto pra fazer a abertura? Está. A Rainha do Congo tá pronta? O doce tá tranquilo? Sua roupa tá boa? Esse o papel de cada rainha. Então cada um, trabalhando dentro da sua função, do seu reinado, o reinado funciona normal. Já tem o candombe, tem o capitão do candombe, a mesma hierarquia: o capitão da bateria, o capitão da puita, cada um tem a sua função de coordenadar. Eu acho que é a mesma coisa se fosse uma ala, to falando assim, no caso de organização, cada um tem uma ala e tem que cuidar dela pra que no fundo saia tudo certo. Inclusive roupa, fardamento, cada um o capitão-regente olha: “Você não tá fardado direito, sua farda não tá boa, não tá limpa”. A Rainha Conga também cobra. Cada um vai se policiando, se coordenando pra que saia tudo certinho
P/1 – Marlene, no início você disse que era pequeno, muito simples e que normalmente as pessoas só se juntavam
R – Isso. E rezavam o terço
P/1 – Rezavam o terço, tinha um almoço
R – E a festa estava terminada
P/1 – Essa pesquisa, todo esse
R – Esse trabalho
P/1 – Esse trabalho de pesquisa foi você que fez aqui em Fidalgo? De ir atrás de todas essas... Porque eu sei, você foi atrás pra montar a Guarda
R – Isso
P/1 – Mas essas, enfim, porque essa estrutura
R – É todo esse registro. Esse trabalho de montar a guarda é de Dedé, de José Eduardo de Bastos. Quando eu cheguei a Guarda já estava montada, nós só fomos, eu só ajudei ele a adequar as coisas no lugar, mas ele que instituiu a Rainha Conga, o Rei Congo
P/1 – Pesquisaram isso. Porque os outros Congados pelo Brasil também seguem essa mesma estrutura
R – Seguem essa mesma estrutura. E quem fez isso pra nós foi Mocambeiro. A Guarda de Mocambeiro, que é uma das guardas mais antigas que ajudou José Eduardo de Bastos a montar o nosso Congado. E depois, pra fazer a coroação nossa, porque também não podia chegar e por a coroa na cabeça de cada um. Aí nós fomos coroados em Belo Horizonte, na Guarda de dona Efigênia, que é hoje a nossa madrinha, e foi todo mundo coroado lá, o Rei Congo, a Rainha Conga e a Rainha Santa Isabel, que aí que partiu, começou com essas três pessoas. Depois que o Reino foi abrindo e foi crescendo
P/1 – Você lembra de algum caso ou de alguma história com o, qual o nome, do seu mentor aqui?
R – José Eduardo de Bastos?
P/1 – Isso, você lembra de alguma história com ele, de alguma vivência, pra contar com a gente?
R – Dedé era uma pessoa de um carisma muito grande, de uma fé muito, muito grande. E ele, com seu Raimundo Piana, que era o Rei Congo, que instituíram esta promessa e depois disso não houve tantos acidentes mais nas pedreiras. Então eu acho assim, o ponto maior, inclusive, no nosso registro conta esse lado da história, que juntaram as pessoas das pedreiras porque estava tendo muito acidente e fizeram uma promessa à Nossa Senhora do Rosário que não tivessem mais esses acidentes e que eles trabalhassem em paz e que eles montariam a Guarda de Congado para homenagear Nossa Senhora. E foi daí que partiu isso tudo, esse ajuntamento de pessoas que trabalhavam em pedreiras pra fazer essa festa. Agora, o que acontece é o seguinte, a coisa foi crescendo. Você fala assim, se eu conheço algum milagre, não é isso? Alguma fé, alguma coisa mais absurda assim que aconteceu no Congado? Eu acho que a gente vive, por exemplo, a minha Rainha Conga. A minha Rainha Conga é um exemplo de fé, eu acho. A minha Rainha da Paz, por exemplo, tem 25 anos que ela faz hemodiálise, entendeu? Você olha pra ela, o nome é Rainha da Paz, ela é a própria Paz, é a própria tranquilidade, sabe? Ela revestida até do Espírito Santo. A Rainha Conga é a mãe da Rainha da Paz, quer dizer, já vive esses problemas. Quando eu falo de fé, todos nós temos os nossos problemas, mas a fé que a gente tem no Rosário, ela é maior e reverte a gente que a gente vê que esse probleminha vai passar e que a gente, o poder é superior
P/1 – E as novas gerações? Como que vocês estão trabalhando pra que isso continue. Porque existem cantos, tradições, jeitos de fazer, né? O que vocês têm feito?
R – Eu costumo falar o seguinte, eu pego uma criança de dois anos, geralmente de uma família, nós temos, ele vai dançando com a mãe, com o pai, tio ali. Quando ele chega aos 12, eu costumo falar, eu perco ele pro futebol, aí ele não quer saber de Guarda; ele já tem vergonha da roupa branca, do chapeuzinho, aí o futebol fala mais alto. E se é menina, ela perde a boneca, tira a farda branca também, já não quer mais saber. Geralmente as meninas são nossas princesinhas e tudo, quando elas chegam aos 10, 12 anos estão pensando em namorar e têm vergonha de carregar bandeira, isso é automático, eu perco elas nesse meio, as meninas pros namorados e os meninos pro futebol. Aí eu fico, você pode olhar no Congado, essa faixa eu não tenho, é muito difícil eu ter, de 15, 16, 17 anos. Aí quando eles chegam aos 18 eles voltam pro Congado, aquela essência fica guardada no coração deles, eles vão pro mundo, eles experimentam. Infelizmente eu perco alguns pras drogas porque hoje está aí é uma coisa vista, mas quando eles voltam, eles já voltam firme, eles me chamam de tia: “Tia, nós vamos mudar bateria, nós vamos fazer isso”, eles já voltam com mil ideias. Mas você pode olhar que a maioria dos Congados não tem essa turma de 12 aos 18 anos, você vai pegar ele maior; essa turma fica solta. Mas fica assim, a raiz deles sempre fica e eles sempre voltam, de uma forma ou de outra eles voltam. E graças a Deus, a nossa Guarda aqui agora, nós estamos com uma equipe nova, só de meninas novas, nós conseguimos fazer isso, que é uma coisa inédita, nós conseguirmos uma família que tá filhos, netos, pais, todo mundo, montamos uma Guarda Feminina que está atuando assim, e que está agregando pessoas, sabe? O que é mais importante é assim, por exemplo, nessa festa agora eu me emocionei quando elas entraram na igreja, eu sabia que eram nove, entraram 19 na igreja, as 19 assim, mães de família com seus filhos fardados, isso pra mim é uma emoção muito grande, é sinal que o Congado não vai acabar. E ele não vai acabar nunca
P/1 – E as pessoas aprendem só olhando?
R – Só olhando. Tudo o que a gente sabe. Assim, no cantar e dançar e tocar, é um ensinando o outro, passando de geração pra geração mesmo, entendeu? Tudo que eu sei foi contado ou outro. Infelizmente o nível cultural é muito baixo, agora eu acredito que essa geração que está vindo, que tá aí cheia de computadores, cheia de coisas, vai tentar pesquisar alguma coisa. Mas por mais que pesquisem, a fé será sempre maior do que a informação
P/1 – Me conta um caso em uma dessas festas, você já participou de várias, me descreve uma que você achou que foi legal e que aconteceu alguma coisa, enfim, algo que chamou a atenção
R – Teve uma festa, eu não me lembro o ano, isso já deve ter uns dez anos, era o auge, e eles falam que a inveja é muito grande. Então era uma festa com um áudio e um som maravilhoso, aqui na igreja. E dois capitães de candombe se estranharam, um brigou com o outro, aí eu lembro que tinha um capitão, que é o Rei de Santo Antonio do bairro da Pampulha, chegou pra mim e falou assim: “Ô Marlene, tá tendo um probleminha no candombe” “Algum problema?” “Vai lá pra você ver que o negócio não tá bom, não”. E de repente eu desci a escadaria da igreja e fui pra ver, o candombe ficava na esquerda assim. E de repente veio um ventania, mas uma ventania, sabe, aquela ventania que levantou assim coisas das rainhas, coroas voaram, capas voaram e eu fiquei na escadaria da igreja sem entender aquilo, sabe? Os toldos das barracas saíram todos. E esse capitão chegou rindo, foi coisa assim, de segundos, que veio aquela ventania e levou tudo. Aí esse capitão veio, me abraçou, esse Rei de Congado, Emanuel, e falou: “Não falei pra você que tava tendo uma contenda lá no candombe? Já solucionou, o vento já levou!”. Eu falei: “Mas que vento é esse?”. Aí ele brincou, tipo assim, como se um rogasse um praga no outro, entendeu? Alguma coisa assim, mas assim, na música. E isso é uma coisa que eu nunca mais vou esquecer porque nunca tinha visto coroas voando, e saiu aquele monte de rainha correndo, cada uma busca uma coroa, o manto, sabe, que é aquele vestidão. E uma poeira, aí teve que parar pra todo mundo se organizar, se adequar. Eu já to com 24 anos de Congado, já aconteceu também de um padre virar pra mim e falar assim, porque padre, né, os padres são volantes também, então tem sempre padres novos. Já aconteceu de um padre falar comigo assim, que geralmente eu vou procurar o padre pra falar da festa, ela já fica agendada, mas como ele é autoridade máxima na igreja eu tenho que comunicar a ele tudo o que eu vou fazer na festa, tudo que vai ser feito. Aí ele virou pra mim e falou assim: “Você é a presidente?”, na época eu era rainha, eu falei: “Sou, eu vim aqui mostrar pro senhor”. Ele falou: “Não quero nenhuma caixa na igreja” “Como eu vou fazer a festa? O senhor não quer uma caixa?” “Não quero nenhuma caixa batendo na igreja”. Eu falei: “Não existe festa do Congado sem caixa”. Então nessa época eu tive que chamar a Federação dos Congadeiros, eles tiveram que entrar, interditar o padre, tiveram que trocar o padre na época porque ele falou que não aceitava uma caixa na igreja, entendeu? Já teve padres, por exemplo, igual do ano retrasado, ele falou comigo: “Você vai fazer a missa na igreja, mais nada”. Eu falei: “Mas tem a parte musical que a gente faz, tudo é assim”. Ele falou: “Não, eu não aceito. Vai fazer a missa, se você quiser servir o almoço aqui você pode servir”. O que eu fiz? Eu fiz toda uma estrutura na rua de baixo, tudo o que serviu na igreja esse ano eu fiz tudo na rua de baixo e só aconteceu a missa na igreja. Então é cabeça de cada padre e a gente não pode mudar, que a igreja quem manda é eles. Eu costumo falar o seguinte, principalmente aqui em Fidalgo, a maioria dos Congados é assim, a festa geralmente é da padroeira, não acontece igual a Quinta, a padroeira da Quinta é Nossa Senhora do Rosário, né? A nossa padroeira da nossa paróquia é Nossa Senhora da Conceição. Aí eu costumo falar assim: “A Nossa Senhora do Rosário pede a casa emprestada à Nossa Senhora da Conceição pra fazer a festa”. Mas infelizmente o padre que está lá às vezes não concorda com a dona da casa que é Nossa Senhora da Conceição. Aí eu falo pra ele: “Padre, não esquenta a cabeça não, Nossa Senhora do Rosário, Nossa Senhora da Conceição, elas são prima-irmãs, uma empresta a casa, empresta tudo pra outra, depois fica tudo limpinho, entendeu?” Tem essa diferença e isso não é só aqui não. Em todas as igrejas em que a padroeira não é a do Rosário, os festeiros têm esse problema
P/1 – Marlena, a gente vai encaminhando já pra um fechamento, mas pelo tempo e tal. Hoje o que é a coisa mais importante pra você?
R – A fé. A fé, eu acho que é a coisa mais importante. Não pra mim, deveria ser pra qualquer pessoa desse mundo. É a fé que move o mundo
P/1 – E quais são seus sonhos? Hoje?
R – Uma sede do Rosário. É um sonho que se Deus quiser, ele vai ser realizado. Porque hoje nossos instrumentos são guardados cada um numa casa, nossos vasilhames, que tudo foi adquirido com muita dificuldade nesses 20 anos, hoje nós temos todos os vasilhames, todas as caixas, que antes não tinha nada, né? Ao decorrer das festas que a gente termina a festa, a gente compra uma panela, termina a festa compra um bumbo, termina a festa a gente compra um instrumento. Só que isso fica espalhado, não cabe na minha casa, não cabe na Rainha Conga e tal. E o meu sonho maior, e Nossa Senhora vai nos abençoar nisso, e ela sabe disso que eu to lutando pra isso e todos nós, é uma sede onde a gente possa guardar tudo do Rosário, a gente possa guardar todas as folias, sabe? Vai abrir a Folia do Rosário? Os instrumentos estão ali guardados, o fardamento está ali. Vai abrir a Folia de São Sebastião? Sabe, tudo num local só. E nós vamos conseguir, inclusive já tem um nome: Fundação José Eduardo de Bastos
P/1 – Marlene, muito obrigado, em nome do Museu da Pessoa e do Instituto Camargo Corrêa
P/2 – Posso fazer uma pergunta antes?
P/1 – Claro
P/2 – Você pode explicar pra gente o cronograma da festa, como acontece?
R – Posso, posso. O cronograma acontece o seguinte, a festa do Rosário, ela não muda de data, já estão convidados, é o primeiro domingo do mês de setembro, ela não muda a data. O que acontece? Nove dias antes nós temos a novena, é a preparação para a festa, é uma preparação espiritual. O que acontece nessa novena? Todas as pessoas que ao longo do ano, e graças a Deus, recebem uma graça, né? Uma pessoa vai fazer uma prova, eu to assim, pede à Nossa Senhora, outro um problema de saúde, e n coisas que acontece na casa. Porque eu já escutei tanta coisa: “Eu queria o telhado da minha casa, Nossa Senhora já me deu” “Eu queria por um piso novo” “Eu queria uma saúde” “Meu filho saiu, fez uma prova”, a gente escuta demais. Então eles me procuram, ou as Rainhas Congas. Por exemplo, eu pus um telhado na minha casa que eu pedi à Nossa Senhora, ela me ajudou, eu já paguei, então eu quero cumprir e eu quero receber a Nossa Senhora na minha casa”. Então, essa pessoa já vem, me procura, a novena vai sair da casa dela. O que acontece? A gente prepara a Nossa Senhora no andor e esses noves dias de preparação, por exemplo, você tem uma promessa? Ela vai pra sua casa de manhã, a imagem passa o dia com você em oração, quando é a noite as rainhas do Congado vão pra casa daquela pessoa com mais convidados, seis horas rezamos o terço praquela pessoa, agradecemos pela fé, pela promessa que ela recebeu e aí voltamos com a igreja, voltamos com ela em cantoria e nós falamos que nós colocamos Nossa Senhora pra andar em Fidalgo, e ela vai chamando as pessoas, vai convidando as pessoas e vai abençoando as ruas. Aí, não importa o local, onde tiver uma promessa a Nossa Senhora vai estar lá, vai passar o dia e vai voltar. Eu ri esse ano porque um evangélico falou comigo assim: “Nunca vi uma santa andar tanto, vocês carregam a santa?” Eu falei pra ele: “Meu filho, ela me carrega o ano inteiro, eu não posso carregar ela nove dias?! Nove dias na rua, ela me carrega o ano inteiro, né?” (risos). Ele falou: “Mas Rainha, você é desocupada”, eu falei: “Não, eu sou de fé” (risos). Entendeu? Que é isso que acontece, ela nos carrega o ano todo, então nós tiramos oito dias que antecedem a festa pra. E esse trajeto é muito interessante porque às vezes eu tenho uma promessa que aqui eu to do lado da igreja, mas aí tem outra que mora perto da Quinta do Sumidouro e fala: “Marlene, eu tenho uma promessa a cumprir, Nossa Senhora vai sair da minha casa esse ano”. E quando isso acontece as pessoas se preparam também pra receber a Nossa Senhora, o que eu acho muito bonito. Você chega na casa das pessoas, está tudo enfeitado, sabe? Elas fazem cafezinho, não importa quantas pessoas, fazem um agrado pras pessoas, umas fazem uns pacotinhos de bala e dão às crianças. E volta todo mundo cantando, rezando o terço e vai os instrumentos de candombe, ou vai a folia. Isso tudo consta do cronograma da festa que está ali, que vocês podem ver. Tudo isso é uma preparação que a gente faz um ano antes também, quer dizer, eu já tenho pessoas que já fizeram promessas pra cumprir o ano que vem, eu já sei de três casas que a santa vai sair o ano que vem, entendeu? E o que acontece a festa é isso
P/2 – E na festa mesmo, como é o cronograma da festa?
P/1 – Ao longo
R – A gente faz essa novena, nove dias antes, termina na sexta-feira. Por que termina na sexta-feira? Porque tem o levantamento de bandeira no sábado. Na sexta-feira a gente pega as bandeiras padroeiras que a gente chama, é a bandeira do Rosário, a bandeira de Santa Ifigênia, de São Benedito que, digamos assim, são os convidados de Nossa Senhora pra festa dela, eu falo assim, seus compadres chegaram Nossa Senhora: São Benedito, Nossa Senhora Aparecida, Divino Espírito Santo e Santa Ifigênia, são os convidados de Nossa Senhora para a festa. Então, o que acontece? Quando você convida alguém pra sua casa, você os recebe bem, não é isso? É o mesmo que faz a Nossa Senhora, ela convidou São Benedito, Nossa Senhora Aparecida e tudo, o que ela faz? Eu preparo um andor pra cada um, uma bandeira pra cada um, entendeu? E na sexta-feira a gente sai, cumpre a promessa de uma pessoa, termina de rezar o terço, saímos em procissão todo mundo, cantando e dançando, buscamos as bandeiras, trazemos tudo pra igreja, guardamos na casa maior de Deus e no sábado levantamos as bandeiras com os mastros enfeitados pra começar a festa. No domingo de manhã é o café da manhã que a Rainha Santa Isabel oferece na casa dela pra todos os convidados que chegarem, pra todas as guardas, qualquer pessoa que chegar. Pode ir na casa da rainha, já é cronograma inclusive eu vou dar a vocês, pra vocês acompanharem. Vai e toma o café. Aí vem pra igreja embaixada, o que é vir embaixada? Sai todo mundo da casa da Rainha Santa Isabel que é ___0:46:48___, eles vêm dançando, fazendo a embaixada pra juntar todos os reinos para a missa maior que é ao meio-dia. Meio-dia acontece a missa, na missa acontece o quê? Quando os convidados chegarem todos eles vão participar das missas, as guardas e tudo. Então quando eles chegam, lá no café já tem uma pessoa que vai posicionando e vai me ligando: “Marlene, chegou Guarda tal”, já vou colocando ela no cronograma da missa, tanto é que eu não sei quem vai cantar na missa, depende de quem vai chegar na missa, quem vai chegar pro café. Lá eles me ligam, por isso que é toda uma coordenação, aí me ligam: “Marlene, chegou Guarda tal”. Aí eu já vou colocando ela na missa, quando o padre chega, eu já estou com a missa montada, com as pessoas, e quando eles vão chegando eu vou falando: “Você canta o canto de entrada, você canta o canto de aclamação, você faz o ofertório”. Eles vão se preparando nesse período que eles saem de lá pra cá, eles vão se preparando já pra missa porque cada música tem um tema, uma coisa, então eles já vão se preparando para a missa maior. Aí tem o almoço, depois que tem o almoço a Rainha Conga serve o doce, por isso que é todo esse preparo. Quem dá o almoço? A Rainha de Ano. O Rei e a Rainha de ano dão o almoço. Como é que eles dão o almoço praquele pessoal todo? Durante o ano a gente vai trabalhando, sai uma lista pedindo às pessoas pro almoço, sabe? Geralmente a gente faz uma lista, eu assino, bate carimbo da Guarda, aí vai na sua casa: “Olha, eu sou festeiro de Nossa Senhora, eu to cumprindo uma promessa, eu sou Rainha de Ano. VocÊ pode me ajudar pro almoço?”. A Rainha de Ano fica incumbida de preparar o almoço. Aí você fala pra ela: “Eu vou te dar um pacote de arroz”, então ela sabe que na sua casa ela vai pegar um pacote de arroz. Vai na outra: “Eu vou te dar um frango”, ela já anota, um frango. Quando chega o dia da festa ela sai recolhendo aquilo tudo, leva pra cozinha pras nossas cozinheiras, que já são as pessoas certas, que a gente também fala que é a cozinha de São Benedito, que é o padroeiro da cozinha, lá vocês podem ver o São Benedito, fica na cozinha, ele não fica na igreja, São Benedito fica na cozinha, o andor dele fica na cozinha, pras cozinheiras. E ali, segundo a nossa tradição e a nossa fé, e isso acontece, São Benedito, tudo que vai chegando de quilo em quilo ele vai abençoando, aquilo vai multiplicando e todas as pessoas que ali chegarem vão comer aquela comida que é abençoada. Pode ter certeza. Tem pessoas de longe pra comerem essa comida. Vêm pessoas que eu acho assim, interessantes, e de uma fé tão grande que chegam pra mim e falam assim: “Marlene, eu trouxe minha marmita, minha mãe tá doente, tá em casa, eu quero levar a comida benta”. E a fé que cura, né? Então a pessoa vai lá, a gente serve aquela marmita, ela leva pra casa, pro doente comer a comida do Rosário, é uma comida santa. E você pode ter certeza, a comida do Rosário você não come em outro local, entendeu? O sabor da comida é diferente. O tutu, a gente fala que é o tutu de São Benedito. O tutu dele é diferente, o macarrão dele, a comida que ele abençoa é diferente. Então é isso, o Rosário é um mistério, são as contas. Certo?
P/1 – Muito obrigado, Marlene!
R – Não sei se te ajudei
P/1 – Foi fantástica, não, foi fantástica. A pena, realmente, é o nosso tempo, na verdade, né?
R – E ninguém comeu, né?
FINAL DA ENTREVISTA
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