P/1 - O senhor fala seu nome completo, por gentileza.
R - Ovídio Gonçalves Aragão.
P/1 - Tá bom. Qual a sua data de nascimento e onde o senhor nasceu, seu Ovídio?
R - 1931.
P/1 - Isso. E onde o senhor nasceu? Aqui em Paracatu mesmo?
R - Paracatu.
P/1 - Tá bom. Então o senhor diz pra mim o nome dos seus pais, por gentileza.
R - Francisco José de Oliveira.
P/1 - E a sua mãe, você sabe o nome?
R - Augustina Gonçalves de Aragão.
P/1 - Tudo bem. O senhor lembra com o que o seu pai trabalhava, sua mãe?
R - Ó, de serviço ruim nós fazia tudo. (risos)
P/1 - Sim. (risos) Mas você lembra o que é que ele fazia especificamente? Uma lembrança de trabalho que ele tenha feito.
R - Ele tocava lavoura, era vaqueiro, mexia com carro de boi. Tudo, ele fazia.
P/1 - E a sua mãe?
R - Minha mãe fazia a mesma coisa, tirava óleo de coco, pegava o coco, quebrava e tirava o óleo. Acabava na roça plantando, tudo ela fazia. Só serviço ruim.
P/1 - E o senhor lembra dos seus avós, os por parte de pai ou parte de mãe? O senhor chegou a conhecer a eles?
R - Não.
P/1 - Nenhum? Nem por parte de pai e nem por parte de mãe?
R - Não.
P/1 - Não? Tá bom, não tem problema. E o senhor lembra de alguma coisa da sua infância, seu Inácio?
R - Uai, que eu tinha três anos quando eu perdi meu pai, né? Meu pai morreu, eu tava com três anos. Nós morava na roça, meu pai era vaqueiro e tocava lavoura, aí adoeceu de uma hora pra outra lá e faleceu. Eu tava com três anos, quase não conhecia ele direito, nem deu, só quando ele já tava ruim mesmo. (Como eu lembro?). E aí nós ficou trabalhando. Quando ele morreu era justamente na semana que ele ia colher a roça. Se você há de ver que roça que tava no plano de colher: era milho, feijão, era tudo. Aí ele faleceu. Aí foi minha mãe colher, dar conta de colher. Ela dava dois dias dela pro dia do homem pra ajudar a colher. E ela colheu tudo. Era quatro filho. Naquele tempo, não tinha...
Continuar leituraP/1 - O senhor fala seu nome completo, por gentileza.
R - Ovídio Gonçalves Aragão.
P/1 - Tá bom. Qual a sua data de nascimento e onde o senhor nasceu, seu Ovídio?
R - 1931.
P/1 - Isso. E onde o senhor nasceu? Aqui em Paracatu mesmo?
R - Paracatu.
P/1 - Tá bom. Então o senhor diz pra mim o nome dos seus pais, por gentileza.
R - Francisco José de Oliveira.
P/1 - E a sua mãe, você sabe o nome?
R - Augustina Gonçalves de Aragão.
P/1 - Tudo bem. O senhor lembra com o que o seu pai trabalhava, sua mãe?
R - Ó, de serviço ruim nós fazia tudo. (risos)
P/1 - Sim. (risos) Mas você lembra o que é que ele fazia especificamente? Uma lembrança de trabalho que ele tenha feito.
R - Ele tocava lavoura, era vaqueiro, mexia com carro de boi. Tudo, ele fazia.
P/1 - E a sua mãe?
R - Minha mãe fazia a mesma coisa, tirava óleo de coco, pegava o coco, quebrava e tirava o óleo. Acabava na roça plantando, tudo ela fazia. Só serviço ruim.
P/1 - E o senhor lembra dos seus avós, os por parte de pai ou parte de mãe? O senhor chegou a conhecer a eles?
R - Não.
P/1 - Nenhum? Nem por parte de pai e nem por parte de mãe?
R - Não.
P/1 - Não? Tá bom, não tem problema. E o senhor lembra de alguma coisa da sua infância, seu Inácio?
R - Uai, que eu tinha três anos quando eu perdi meu pai, né? Meu pai morreu, eu tava com três anos. Nós morava na roça, meu pai era vaqueiro e tocava lavoura, aí adoeceu de uma hora pra outra lá e faleceu. Eu tava com três anos, quase não conhecia ele direito, nem deu, só quando ele já tava ruim mesmo. (Como eu lembro?). E aí nós ficou trabalhando. Quando ele morreu era justamente na semana que ele ia colher a roça. Se você há de ver que roça que tava no plano de colher: era milho, feijão, era tudo. Aí ele faleceu. Aí foi minha mãe colher, dar conta de colher. Ela dava dois dias dela pro dia do homem pra ajudar a colher. E ela colheu tudo. Era quatro filho. Naquele tempo, não tinha aposentadoria, não tinha nada disso, né? Então era o serviço dela mesmo. Ela fazia de tudo, tinha dia que ela ficava a semana tocando sal pra dar ao gado, que primeiro o sal era grosso, né? Nós tudo pequeno. Depois que nós foi crescendo, quando eu comecei mesmo tomar conta de olhar gado, de pastorar gado, eu ficava o dia inteirinho lá na fazenda. Podia chover, podia vir tempestade e tudo e eu tava lá. Vinha tempestade e eu segurava em um pau lá. (risos)
P/1 - E o senhor tinha irmãos nessa época já?
R - Tinha, mas tinha, tava mais pequena ainda. O mais velho dos homens era eu, né?
P/1 - Ah, o senhor era o mais velho?
R - É, dos homens era eu. E aí, nós foi levando a vida. Quando eu peguei 6 anos, nós passou lá pra fazenda, o patrão falou: “Agora vocês vão morar mais perto de mim pra mim ajudar a sua mãe a criar vocês, não sei como é que é.” Ele queria um serviço nosso, né?” Aí nós fomos lá pra cima e deixou a roça. Colheu mantimento, deixou lá na casa fechada, a gente roubou à vontade. Aí, fomos levando a vida assim. E eu trabalhei 15 anos nessa fazenda sem receber um centavo. Porque de primeiro, serviço de menino não valia nada. Você trabalhava com o menino aí, o menino trabalhava pra você, você não dava nem 100 réis. Eu trabalhei 15 anos, quando venceu os 15 anos, eu falei pra minha mulher: “A gente vai mudar daqui, porque eu preciso sair pra trabalhar, pra mim ganhar dinheiro.” Eu trabalhava de dia e noite, eu dormia 12 horas da noite, que ficava mais a mulher do patrão, né? Ele largou a mulher dele, arrumou uma outra e nós tinha que ficar com ela até 12 horas da noite pra esperar ele vim. Tava bebendo pinga, bebia... Saía pra beber pinga todo dia no boteco, chegava em casa às 12 horas, aí era quando eu ia embora pra dormir. 4 horas eu levantava pra prender o gado. 4 horas da madrugada.
P/1 - Sim!
P/3 - Só voltando um pouquinho, seu Inácio. O senhor falou que a sua mãe tirava o óleo. Você pode contar como era?
R - Tirava o óleo do coco de indaiá. Não é da Bahia, não. Ela quebrava o coco, torrava ele, catava bem catadinho, tirava tudo, tudo arrumadinho, aí torrava ele. Depois dele torrado, socava até ficar muidinho. Batia do pilão assim, subia e descia. Depois punha água na panela pra ferver. E aí, ela ia fervendo até secar a água. A hora que secava a água, você descia a panela e punha dum lado assim. E a água separava o óleo por cima. Ela pegava a colher, enfiava lá no óleo e jogava no fogo. Se pegasse fogo, tava bom e se apagasse o fogo, tinha água. Você precisava de ver o óleo que ela tirava, não é esses óleo que a gente vê hoje, não.
P/3 - E ela vendia?
R - Vendia, mas era baratinho. Naquela época, tudo era baratinho. O óleo dela era dessa cor aí, precisava de ver. Ela tirava era muito. Tinha dia que nós levantava pra ir trabalhar 4 horas da madrugada e ela já tinha tirado 6 litros de óleo, já tava tudo engarrafado. Tudo que ela socava no braço, tudo. Não é porque era minha mãe não, mas ela trabalhou pra criar nós, viu?
P/3 - O senhor falou que trabalhava com gado, o senhor falou que tinha tempestade e tinha que se agarrar, mas que idade o senhor tinha?
R - Não... Eu comecei com seis anos. Aí, eu já fiquei pastorando, eu pegava vaca e pastorava, soltava o gado. De primeiro, não tinha pau,o pasto era muito véio. Soltava as vacas, empurrava até como daqui na rodoviária, deixava lá e voltava, soltava o bezerro pra cá. Aí eu ficava pastorando até minha mãe me encontrar, até 2 horas da tarde. E aí agora, quando 2 horas a vaca começava a berrar e eu ia lá e buscava o bezerro. Todo dia era assim.
P/2 - E quando vinha tempestade, seu Inácio, como o senhor fazia?
R - Segurava num pau lá pra não cair, né? Debaixo de chuva, podia chover pedra, era sol e eu lá.
P/3 - Aconteceu alguma vez, alguma coisa muito difícil? Teve algum dia que aconteceu alguma coisa?
P/1 - Alguma lembrança que o senhor tenha de alguma situação de tempestade.
R - Não! E eu era igual um coco, não sentia nada. Por isso, eu falo: na idade que eu tô hoje, trabalhar do jeito que eu comecei a trabalhar, novo demais da conta, muito novo mesmo, não era nem pra mim tá vivo até hoje. Era pra eu ter morrido há muitos anos.
P/1 - E me diz, o senhor, nessa época, tava morando onde?
R - Morava era lá em casa com a minha mãe, ela que tratava de nós. Minha mãe não deu nós.Porque primeiro era assim: se o pai morresse, a mãe dava um bocado dos filhos pros padrinhos. A minha mãe não deu pra ninguém, ela criou nós até....
P/2 - Conta pra nós também, seu Inácio, quando o senhor ficava lá na casa, o senhor mais a irmã, a tia Benta, fazendo companhia enquanto o outro senhor ia beber pinga nos bares.
R - É, todo dia. Todo dia cedo eu pegava o cavalo pra ele, mas não dava nem conta de arriar, porque eu era pequeno demais e os cavalos eram tudo grande. Depois que eu fui crescendo mais um pouquinho, eu punho um arreio na cabeça pra poder pular na cacunda do cavalo. Arriava pra ele já amarrado, aí quando ele almoçava bastante, agora ele não tava no cavalo, ia pro boteco. O boteco era mais ou menos como daqui até a prefeitura. Chegava, amarrava o cavalo no pau e ficava a noite inteirinha lá bebendo, até 12 horas da noite. E nós lá, olhando porque a mulher tinha medo.
P/2 - E como que era pro senhor comer lá? O senhor ficava até sem comer, né?
R - A comida? Nada! Ela não dava nós de comer, não. Nós ia comer lá em casa. Ela brigava com o marido direto. Nossa senhora, não dava não! Era desse jeito e sem ganhar uma prata. Quando eu peguei 15 anos, eu falei: “Nós vai embora daqui” e foi embora. Aí agora eu já passei, saí pra trabalhar. A primeira vez que eu saí pra trabalhar no serviço comum, nós foi no mutirão. Meu tio levou eu, né? Toda vida eu fui gordo, sabe? Tinha tamanho, mas chegou lá, o dono falou assim: “O menino vai ganhar conta e vai ganhar do mesmo preço dos homens. Não tem pensão não, ele não pode ganhar, ele é menino.” Porque se visse menino, ninguém dava nada. Não pode não. “O preço é assim, se você não quiser, então vai embora. Não vai trabalhar não. Aí eu dou um serviço pra você”, “Não tem problema não, eu vou trabalhar perto dele” e aí era mutirão, trabalhava na época correndo, né?
P/2 - Capinando, né, seu Inácio?
R - Capinando. Aí ele pegou perto de mim, né? Quando eu mandava enxada lá pra pegar, dava uma buscada e eu batia a minha. Quando eu puxava, tava pronto, ele virava pra cima, eu mais ele. Até furou o leite. Quando furou o leite, ele falou assim: “De fato, você vai ___ (10:29) mesmo, mas quando for amanhã - que nós ia voltar no outro dia -, amanhã não vou dar você a tarefa do homem. Pode medir, eu não vou mandar você medir agora porque agora já tá tarde, mas amanhã cedo, depois do meio dia.” No outro dia, eu voltei, né? Quando chegamos lá: hoje, vou mandar você pra ver se você tira pra mim do homem, pode medir. Aí me deu 40 passos, mas como tava ____ (10:57) lá no meio do arroz, né? O mar não tava bom e o arroz assim. E me deu 40 passos. Aí (esfravejou?) tudo, ainda picou assim a roda toda pra ficar dividido certinho e eu abaixei a enxada. Aí veio o almoço e eu almocei. Todo mundo. Os outros não tava, tavam trabalhando outros dias. Eu tava trabalhando todo dia. Que tava só eu, pra testar, né? Mas, como eu, desde pequenininho, era acostumado com o serviço, eu pegava. Porque se eu não fosse, não dava conta, né? Aí almocei, fiz um “quilozinho”, um pouquinho, saí: “Não, faz quilo”, “Não, já fiz quilo”. Tá bom. Comi um pouquinho também, tomei baixada a enxada. Foi 12 horas, a merenda chegou, eu já tava sentado. Quem tirava a tarefa. Aí agora trabalhava pra todo mundo. O preço era o mesmo preço que o homem ganhava, eu ganhava. Falei: “Não, se quiser medir, pode medir.”
P/1 - E me conta, só voltando um pouquinho, pra depois a gente falar da idade adulta: na infância, o senhor tá contando que trabalhava muito já, desde o começo, 6 anos de idade. O senhor não tinha nenhum tempo pra brincar? Não tem nenhuma lembrança de brincadeira? Nada?
R - Eu não brinquei.
P/1 - Nada? Sempre trabalhou?
R - Nós não podia de jeito nenhum. A mãe saía pra trabalhar nós tudo pequeno, aí nós ficávamos tudo na tia. Não brincava. Não tinha brinquedo.
P/3 - Não se divertia de jeito nenhum? Nenhuma diversão?
R - Não. A diversão nossa era trabalhar. Quando nós começou a trabalhar, aí minha mãe buscava coco direto pra poder tirar o óleo, né? Nós começou a buscar coco, trazendo 20, 24 cocos. Cada um tinha um saquinho pra carregar, era um tanto de saquinho assim, pegava e mandava quando carregar mais. Nós foi carregando em pouquinho e pouquinho, chegava, tumultuava lá e pelava pra roer pra depois partir, depois que secava. E nós trabalhando. O serviço nosso, era isso. Nós quatro, nós não brincou nem meia hora não. Quando nós não tava trabalhando, nós tava olhando uma pessoa fazer um trem aqui.
P/1 - E quando o senhor conseguia descansar? Tinha alguma festa, alguma coisa que saía dessa vida de trabalho? Ou não, era trabalho, assim, o tempo todo?
R - Na época, nós mais novo, não tinha esse negócio de festa não.
P/1 - Nem de religião? Nem da igreja? Nada, nada?
R - Não, nessa época, nem igreja lá perto tinha. Nós morava em um lugar que quase não tinha movimento, né? Tanto que eu não estudei, não fui na escola nem pra olhar.
P/1 - E o lugar que o senhor morava lá, era uma roça mesmo?
P/3 - Era bem afastado.
R - Era fazenda, na ‘borraria’, sô. E o bonito não era isso, não: quando eu tava com a idade de 5, 6 anos, pegava o gado todo de pé e era um gado batedor pra danado, mas eu era esperto igual uma pulga. Não, a vaca vinha em mim, mas não arrumava nada comigo não. (risos)
P/1 - E esse lugar onde ficava a fazenda que o senhor tá contando, é aqui em Paracatu mesmo?
R - É em Paracatu. É aqui no ribeirão. Tinha um lugar perto que tinha um ribeirão. Eu fui nascido e criado lá. Na roça mesmo. Então nós fazia de tudo. Depois que eu cresci mais, aí agora eu passei a tocar da roça também, o que não é pouco.
P/1 - Conta pra mim como é que foi, por favor.
R - Aí nós trabalhava pros outros, depois que nós arrumava a roça nossa. E aí já era eu, meu irmão. Nós pegava na folia e ia tocando a roça. E quando nós terminava o serviço nosso, aí ia trabalhar pros outros.
P/2 - E aí, nessa época, tinha as festas, né?
R - Nós ia tomando “empreito”. Aí agora já tinha as festas. Nós trabalhava muito, mas quando era da época de farrear, nós fazia, que nós já mandava em nós, né? Que quando nós era menino, nós não andava em nós. Não podia ir em festa. Porque minha mãe não ia, só se nós fossemos mais a minha mãe, né? Mas menino pequeno assim, indo em festa pra quê? Agora, depois que nós ‘pegou’ rapaz, o negócio, nós ia mesmo.
P/1 - Não, mas conta pra gente como eram essas festas? Porque demorou muito tempo pro senhor começar a ir em festa, porque o senhor tava contando que na infância só trabalhou. Aí veio essa época. Como é que foi?
R - Nós já ia em festa, já foi assim mais ou menos uns 16 anos acima e aí eu já ia?
P/1 - E como é que era? Conta pra gente, por favor.
R - Ia, farreava, dançava bastante. Ainda, no outro dia, nós morria de trabalhar. Tinha dia que nós chegava 4 horas da madrugada. Nós só deitava, levantava e ia trabalhar com sono.
P/2 - Então, juntava o senhor mais o irmão, ajudavam o vizinho a plantar uma roça e depois o vizinho dava uma festa, o senhor ia. Aí só podia ir na festa quem trabalhou. Como é que era?
R - Ah, aí era traição. Uns fala que é traição, outros que é mutirão. Quem trabalhava, dançava, quem não trabalhava, não dançava. Era tucano, era chamado tucano. Tinha lugar, assim, que se você pagasse, você dançava, se você não pagasse, você não dançava. Tinha lugar que ele dava a você de tudo, pra comer e beber, mas dançar não. Às vezes arrancava o dinheiro pra pagar, aí falou: “Não, nós queria o serviço, o dinheiro, nós tem.” Você não veio trabalhar…
P/3 - Qual era o serviço?
R - Era qualquer serviço. Era uma roçada, era numa capina, era numa quebra de milho, era uma colheita de arroz. Tudo isso nós fazia.
P/1 - Então a gente vai voltar a falar o que a gente tava falando antes de começar a chover, seu Inácio. A gente tava falando das festas: a gente queria saber como é que eram as festas lá, naquela época? Como é que acontecia a festa?
R - A gente falava que ia fazer a festa e fazia, chamava a turma e…
P/1 - Aí chamava onde? Que lugar que vocês faziam essa festa?
R - Arrumava uma casa e fazia.
P/2 - Pai, conta pra eles o seguinte: aquela parte lá que o senhor trabalhava no mutirão, aí não tinha ninguém pensando em festa, ninguém tava imaginando em fazer festa, aí o senhor trabalhava e, de repente, você cismava: “Não, vamos fazer uma festa hoje”. E aí vocês já iam lá, já arrumava um terreno, socavam ali, fazia barraca. Como é que é?
R - Fazia na hora. Fazia barraca, aplanava o terreno.
P/1 - Aí, nisso, o senhor tava trabalhando com o que na época?
R - Você ia conforme o serviço na fazenda, qualquer serviço. Roçando, capinando, fazer um buraco, uma cerca de arame. Era assim.
P/1 - E como é que surgiu essa ideia de fazer festa?
R - Ah, mas é porque dava vontade de dançar.
P/1 - Ah, então conta como é que era isso. Dava uma vontade de dançar e aí?
R - Fazia a festa.
P/3 - Mas de dar vontade até a hora da festa, o que vocês tinham que fazer?
R - Aí tinha que esperar as moças chegar, né? Chamavam as meninas e as meninas chegavam. Comprar bebida, comprar comida também, que não podia ficar com fome, e dançar.
P/3 - O que é que tinha a ver o chão? Eu não entendi a parte do chão.
R - Ah, tinha que planar, quebrar um galho, né? Que fazia, qualquer, um mato aí. Só planar o chão, que sai a mesma coisa.
P/2 - Planava o chão, socava…
R - É, a mesma coisa.
P/2 - Mas aí nessa festa, quem ia? Só quem trabalhou?
R - Ah, não. O cara, não é que não podia ir, mas tinha lugar que tinha que pagar pra dançar. E não trabalhou, era tucano.
P/2 - Ah, quem não trabalhou na festa era chamado de tucano.
R - Tucano.
P/2 - Aí eles tinham que pagar.
R - Eles tinham que pagar. Agora tinha outro lugar que não cobrava, não.
P/3 - Por que tucano? Tinha algum motivo?
R - Ah, porque ia aproveitar, né? Porque não trabalhou, né?
P/1 - Mas aí pagava pra fazer parte da festa?
R - Tinha lugar que o povo não cobrava não, mas também não deixava dançar.
P/3 - E esses que não cobrava, a pessoa poderia ir comer, beber, tudo, só não podia dançar.
R - Mas não podia dançar.
P/1 - E o que vocês dançavam na festa?
R - Ih, tudo quanto era tipo de dança.
P/1 - Tem algum tipo de música que vocês gostavam de escutar?
R - Mais era forró, né?
P/1 - E como era isso aí? Quem que tocava esse forró lá? Como é que vocês chamavam o povo pra tocar lá?
R - Ah, chamava os tocador, né?
P/2 - Sanfona, violão…
R - É, isso, pro lados, quase todo mundo tocava, quase todo mundo era tocador.
P/1 - Então é assim: chamava pra tocar, chamava o povo pra festa, aplanava o chão, começava a tocar e começou a festa.
R - É, a festa.
P/2 - Até que horas ia essa festa?
R - Ah, depende do modo que a festa tivesse: se tivesse ruim, parava, né?
P/2 - Parava cedo.
R - É, se tivesse boa, ia até o amanhecer. Tinha festa que a gente ficava até almoçar.
P/3 - E o senhor era "pé-de-valsa''?
R - É, era tudo que é tipo de festa, de dança.
P/1 - O senhor falou que chamava as mulheres pra festa. E como eram as mulheres, nessa época?
R - Não, se dançasse, podia ser qualquer uma.
P/1 - É, e paquerava muito?
R - Ixi, tinha umas que dava a franga, né? Chamava pra dançar e não ia.
P/1 - E o senhor gostava de dançar?
R - Ixi, gosto até hoje. Se eu for na festa, eu danço.
P/2 - ...Até antes da pandemia, você tava dançando, né?
R - ...Se eu for na festa, eu danço.
P/2 - Até antes da pandemia tava dançando forró.
R - E é bom pra saúde, né? Dançar é bom demais.
P/2 - Namorava muito, seu Inácio?
R - Ixi, era Senhora Abadia!
P/2 - É verdade que o senhor tinha até duas, três namoradas?
R - Ah, bom! Toda festa que ia, arranjava uma, duas. Depende do querer.
P/1- Ixi! Mas era tudo ao mesmo tempo? Três namoradas ao mesmo tempo? Ou não, era numa festa uma, outra em outra festa?
R - Não podia ser tudo junto. Dava briga, né?
P/2 - Mas já aconteceu de uma ficar sabendo da outra...
R - Já.
P/1 - E aí, o que é que teve?
R - Uai, ficava sozinho, né? Você tinha três, mas, na verdade, você não tinha nenhuma. Dava…
P/1 - O senhor não lembra de nenhuma história que você fala: “Nossa, aquele dia aconteceu tal coisa”.
R - Não. Era muita festa, né?
P/2 - Mas com o senhor já aconteceu de estar com duas namoradas, de repente, uma ficou sabendo?
R - Já aconteceu. E eu não ligava com isso. Se eu tivesse uma namorada e achasse um jeito de namorar outra, eu namorava.
P/1 - E o que que acontecia quando uma descobria da outra?
R - Aí tudo brigava.
P/1 - E o que o senhor fazia quando elas brigavam?
R - Brigavam, deixava elas brigando e ia embora. (risos)
P/1 - E isso, que idade o senhor tinha nessa época, mais ou menos?
R - Ah, mais de 18 anos. Aí o caboclo tava , né?
P/1 - Mas o senhor era um rapaz novo, naquela época.
R - Ixi _____. Comecei desde pequeno. Comecei a dançar desde 15 anos... Dançava mesmo.
P/2 - E essas festas de folia que o senhor ia? O senhor ficava lá uma semana, duas semanas acompanhando a folia.
R - É. Aí conforme o tanto…
P/2 - Todo dia festa, forró?
R - É, tinha dia que tinha, outro dia não tinha não. Tinha casa que não dava festa.
P/2 - Aí lá o senhor almoçava, jantava e tava na festa…
R - É, tinha tudo.
P/3 - Como que era essa festa de folia?
R - Girar com santo, a bandeira, todo mundo com instrumento, caixa, tudo…
P/2 - No caso, era a Folia do Divino que o senhor falava, né?
R - É, só da Abadia? também. E nós fazia.
P/2 - Como é que era? O senhor almoçava onde? Cada dia numa casa?
R - Tinha os pousos. Você saía pedindo pouso.
P/3 - Mas o senhor fazia parte? Porque tem uma parte da organização, depois tem um carrega a bandeira…
R - É, tem desse. É só ida…
P/3 - Como que é? Para o senhor explicar pra nós.
R - Quando se ia sair com a folia, pedia os pousos antes. Tinha pouso que você pedia, você pousava aqui hoje. Aí agora o pouso, ia ficar pedindo pro outro ano.
P/1 - Mas era de cidade em cidade que o senhor fazia isso?
R - Não.
P/1 - Na comunidade mesmo.
R - Às vezes nós saía lá do Ribeirão e vinha pousar aqui na cidade. E vem girando pro caminho aí…
P/1 - Carregando a bandeira?
R - É, pousando num lugar, pousando no outro, até chegar o dia da festa.
P/2 - Aí em algum desses lugares que o senhor pousava, tinha festa?
R - Tinha lugar que não dava, não.
P/2 - Ah, mas outros lugares tinha festa e amanhecia o dia.
R - É. Conforme fosse que a pessoa tivesse.
P/2 - Amanhecia o dia, tinha janta, tinha o café da manhã? Como é que era?
R - Tinha tudo. Café da manhã, depois o almoço. O pouso era assim.
P/2 - E muitas das vezes, você dançava até na hora do almoço.
R - Dependia. Enquanto não pudesse comer, nós tava dançando, dependia das damas querer, né? Era bom demais!
P/1 - E de comer, o que que tinha de bom nessa época?
R - Bom, isso aí não era todo pouso que tinha, o comer era bom. Tinha pouso também que você topava comer ruim.
P/1 - Mas que comidas que eram essas? O que é que tinha?
R - No caso, tinha comida... Quanto mais boa, melhor. Tinha de tudo.
P/2 - Mas o que tinha de comida? Que era arroz, feijão…
R - Tudo. Tinha de tudo: carne, se tivesse de peixe. Agora tinha lugar que não tinha. Não tinha ‘mistura’. Nós pousou numa casa uma vez, que teve feijão com arroz e abóbora. Nós pousou numa casa atrás, no pouso, que tinha de tudo: tinha carne de porco, tinha carne de gado, tinha frango, tinha peixe. Tinha tudo com fartura. No outro pouso, quando eu cheguei, desarriou, aí o dono da casa veio falar comigo assim - o dono da folia - falou: “Já já a comida sai, a mulher tá picando abóbora”, mas eu achei que era uma brincadeira. Achei que ele tava brincando. Aí, quando foi na hora que foi comer, falou: “Ó, chama os seus folião que a comida tá pronta, tá na mesa”. Aí nós desceu pra casa dele, tava numa casa grande, tinha um corredor, nós desceu e quando eu cheguei, em cima que eu olhei, tava a mesa lá: feijão, arroz, abóbora madurinha e um litro de pimenta.
P/2 - E aí sempre tinha uma pinguinha também, né?
R - Um litro de pinga.
P/2 - Esse não faltava.
R - E nós fomos obrigados a entrar pra nós comer e entrar nessa pinga também. É, ué, fazer o quê? Nós tava girando, não conseguia voltar pra dentro de casa. Tanto que o povo do pouso que nós foi, que tinha de tudo, aí eu chamei eles pra ir pra nós e vou no ocês. Aí eles foi: foi pai, filho, as meninas, tudo foi. Quando chegou lá na hora, nós chegou pra jantar, eu chamei eles: “Agora vocês vão jantar mais nós”. Aí se “empiredou” tudo, foi todo mundo. Quando chegou lá assim, que era embaixo da varanda, a mesa. Quando eles chegou assim e olhou, você só via a gente afastado pra trás. Foi todo mundo embora. No outro dia, eu topei o ____ pra comer: “Fiquei com dó “docêis”, cheio do que tá doida. Lá em casa quando é que foi, como é que foi bom, agora, no outro dia, vocês comeram abóbora com feijão e pimenta”, “Feijão não, e pimenta eu não comi, não. Não gosto de Pimenta”.
P/1 - Mas e aí, como é que fazia? Comia comida que eles ofereciam e aí algum lugar tinha festa e alguns outros lugares não tinha festa? Aí, quando não tinha, você já ia embora?
R - Não, aí nós pousava, né?
P/1 - E quando tinha festa…
R - Esquecia a casa na cabeça e pousava no mato, qualquer lugar servia pra pousar.
P/2 - Você já ia de cavalo?
R - E aí todo mundo ia a cavalo. Era assim, né? Agora mesmo, lá no ribeirão, da onde eu fui nascido e criado, saíam pro Rio. Eles iam 30 dias. Sai do ribeirão lá, passa aqui, gira isso aqui, depois bota, entrega também, né?
P/2 - Passava no Machadinho também, né?
R - Claro, Machadinho era um pouso certo.
P/2 - Machadinho, você ia em que local lá?
R - Na casa de Zeu, só na casa de Zeu.
P/2 - Do Zeu Araújo, né?
R - Era um festão doido.
P/3 - Seu Inácio, a gente não conhece... Eu não conheço a Folia do Divino, né?
R - Não conhece, não?
P/1 - Conta pra gente.
P/3 - É por isso que eu tô perguntando, assim: se tem reza, sabe como é que é, como é que junta. Se o Senhor pudesse contar um pouco mais.
R - Tem de tudo. A pessoa chega, faz a entrega. Ficamos fazendo entrega, aí depois que canta, que pede o “agasalho”. Aí, pede um pouso. Quando terminou, quem ficar lá, vai todo mundo jantar. Depois da janta, tem um bendito.
P/2 - ...Uma oração.
R - ...Pra saldar a mesa, pra agradecer a mesa. Aí vai todo mundo e reza o bendito. Depois do bendito, tem a reza do altar: todo mundo rezando. Terminou a reza do altar: a catira. Não sabe como a folia lá do ribeirão pra cá pros outros no beira da praia, nós dançou 8 catira sem sair da sala. Nós molhou a roupa da cabeça até no sapato. Suor. 8 catira.
P/2 - Na beira da praia que o senhor fala, é aqui em Rosa, né?
R - É, saindo lá pro Machadinho.
P/2 - Pro Machadinho.
R - Quando vem lá, você tá doido. Dançava catira: “Não, tá boa demais”, dançava outra. Quando eu contei oito catira assim... Mas nós dançou. Pediu, você tem que dançar, não tem (dia?), tem que dançar.
P/1 - E conta pra gente o que que é a catira, porque tem gente que não sabe o que é. Como é a catira?
R - Sapatear. É bonita a catira.
P/1 - Ah, é uma dança. Catira é uma dança?
R - É, uma dança. Sapatear é bom demais. Vixe, Nossa Senhora da Abadia! Mas não é todo mundo que sabe dançar.
P/2 - E ali acompanha o toque da viola, violão.
R - É, tem que ser, já faz os folião, a turma certa, né? “Nós vamos dançar a catira?”, “Vamos, todo mundo, vamos embora”.
P/3 - Seu Inácio, quem é que pede os folião? Eles pedem e a gente dança?
R - É.
P/3 - Quem pede?
R - O dono da casa. Agora esse véio pintou demais com nós, sô! Nossa Senhora da Abadia! Nós terminou cansado.
P/3 - E é um grupo só que dança?
R - É, uma turma só.
P/3 - E o senhor fazia parte?
R - Eu era dono da folia, né? Era dono da bandeira, eu que saía com a bandeira.
P/3 - É escolhido como o dono da bandeira?
R - O dono da bandeira, falavam que era o mais sério, o dono da folia.
P/3 - Mas como é que o senhor virou o dono da folia?
R - Porque foi eu que saí com o Santo. E eu tava com a bandeira. Isso aí manda nos folião tudo. Depois do ___ , é o guia. O guia é o que canta primeiro.
P/2 - Então um ano antes de iniciar a folia, o Senhor já falou: “Ó, no ano que vem eu vou sair com a folia, vou sair com o santo”?
R - É... Não, na hora de sondar pra sair, já pede o pouso. O carro chega perto do pouso e fica marcado pro outro ano. Que ele só sai daí de ano em ano, né? Aí já fica marcado. Que muitos pediram. Se não desse, nós pedia mais pra frente. Se tiver, ia conforme os dias que ia girar. Mas é bom, as pessoas acompanham a folia, toda folia que tiver, eu não perde não.
P/2 - Essa Folia que o senhor teve, que o senhor dançou 8 catiras aqui no Machadinho…
R - Essa é a folia de São Bom Jesus.
P/2 - E aí depois tem o forró?
R - Ixi, até amanhecer o dia. Mas, também, de madrugada teve uma briga que eu vou contar pra vocês.
P/3 - Pode contar.
R - Desgraceira que você não imagina!
P/2 - Como é que foi essa briga?
P/1 - Pois é, como é que foi?
R - Não fiquei sabendo como é que foi, que eu tava tão cansado e com sono, que nós tinha dançado no Machadinho e não dormiu nada. E o folião é assim: se eu não dormir de noite, de dia ele não pode dormir. Dava que você amanhece um dia cedo, beija a bandeira e agora você não pode dormir de jeito nenhum. Tu tem que trabalhar, né? E nós dançou lá até amanhecer o dia. Quando chegou aí, nós dançou essas oito catiras, depois nós ‘traçou’ na dança. Quando foi 4 horas, eu falei: “Não, não aguento mais não”. Peguei o... Somente peguei o cochinil e o baixeiro e sai beirando a seca por causa que lá fora tinha um monte de pedra, dessas ‘tapiocando’. Joguei o cochinil lá e deitei. No outro dia, amanheci com ‘sinal’ das pedras assim nas costelas. Não, foi deitando e dormindo, e o povo brigou lá na rota de ribeirão, na distância, e eu tava deitado com aquela coisa ali, ó, e a briga foi aqui.
P/1 - Foi perto assim?
R - Não, mas foi briga que precisava de ver. E eu não ouvi nada, não vi nada. Quando eu acordei, o dia tava começando a amanhecer, vem chegando um cara: “Seu Inácio, você viu a bagaceira?”, “Eu não vi nada”, “E você dormiu aqui, foi... A briga passou aqui beirando você”. Mas não tem nada pra gente, as pessoas que têm festa, você sair da folia, a pessoa que tem festa, ninguém liga com você. Você pode girar aonde for, ninguém mexe com você.
P/1 - E deixa eu te perguntar uma coisa, seu Ovídio: que o nome do senhor de batismo, o nome de registro é Ovídio, mas todo mundo chama o senhor como o senhor Inácio.
R - É, porque ficou sendo um apelido, né? Quem nasce, é apelido... Não, é nome. Mas pra mim ficou sendo apelido, que eu tenho 2 nomes.
P/3 - Quem colocou esse nome de Inácio?
R - É o nome, quando a gente nasce... Quem nasce no dia primeiro de fevereiro, traz o nome de Inácio.
P/2 - Ah tá. Mas o Ovídio, então, de onde saiu?
R - O Ovídio foi o povo... A madrinha que pôs, né?
P/2 - A madrinha que colocou.
R - Que era pra pôr... Trocou por, mas minha mãe não queria que trocasse meu nome. Mas todo mundo ficou me chamando de Inácio.
P/1 - E desde quando chamam o senhor de Inácio?
R - Até hoje ainda tem gente que chama, aqui mesmo agora o povo já mudou, já não chamam mais, eu sou Inácio.
P/2 - Então, praticamente, desde quando o senhor registrou o nome de Ovídio, ninguém chama mais de Ovídio. É só Inácio.
R - Mas é ruim de chamar. Só os padrinhos que chamava eu pelo nome.
P/2 - Isso é por causa do dia que o senhor nasceu, que era o dia do Santo Inácio.
R - Agora não sei, acho que não, mas trazia o nome. Se você nascesse no dia primeiro de fevereiro, era Inácio. Se fosse no dia 2, era Demóstio. Hoje acabou isso, né?
P/2 - Aí o senhor nasceu dia primeiro, aí ninguém concordou em chamar Ovídio? É Inácio.
R - É que tinha um “blocozinho” assim ó, parecendo uma “folhinha”, ficava todos os dia…
P/3 - Ainda tem hoje, né?
R - Eu acho que ainda tem.
P/2 - É, ainda hoje tem.
P/3 - É que hoje pouca gente faz, mas antigamente era muito.
R - É, o povo acompanhava.
P/3 - Muito isso.
P/1 - E aí ficou sendo Inácio desde criança.
R - Ficou o nome de nenhum jeito. Do jeito que minha mãe quis. Mas a mãe tava certa, ela mandava. (risos)
P/3 - A gente tava aqui pensando seu Inácio, como é que o senhor conheceu... Porque o senhor era muito namorador, pelo jeito.
R - Sim…
P/3 - Tava contando que tem duas, três namoradas nos bailes lá, nas festas.
R - Não rejeitava o batidão.
P/3 - E como foi o dia que o senhor conheceu a sua esposa?
R - Nessa época, já tava mais velho. Eu tava com 30, com 28 anos. Eu falei: “Se eu fizer os 30, eu não caso, não quero casar mais”. Aí arrumei ela e casei.
P/1 - E onde você conheceu ela? Como foi?
R - Aqui em Paracatu.
P/2 - Fala pra nós, seu Inácio, foi lá na região bem próximo do Machadinho, ali da praia do macaco…
R - Não foi na praia do macaco.
P/1 - ...Naquelas festas. Como é que foi?
R - Na casa do tio dela. A gente começou a dançar, aí começa a namorar tudo firme. Mas eu não ligava, não. Se quisesse terminar comigo, eu achava bom. Tinha outra na frente. Não me preocupava com isso. (risos)
P/3 - Mas teve alguma diferença aí, porque com ela o senhor…
P/1 - Porque o senhor com ela, casou.
R - Mas aquilo já era, como diz, foi a sorte, porque eu namorei foram muitas.
P/2 - É que o senhor tinha falado: “Chegou nos 30 anos, não vou casar”.
R - Eu falei: “Até 30. Se chegou nos 30...”
P/2 - Aí quando o senhor conheceu, tinha 29, né?
R - Tinha 29. E agora, eu tô casado.
P/3 - Seu Inácio, posso te perguntar uma coisa?
R - Nunca namorava com de casar não. E eu ia namorando. A primeira coisa que o pai falava, era que desde de eu com a idade de 15 anos, não falo brincadeira, o pai já tocava em assunto de casamento. E nem lá na casa eu voltava. E, às vezes, eu namorava com uma menina numa festa, no outro dia o pai já tava tocando no casamento. Namorada que você arrumava em festa, ficava com a ressaca. Acabava a ressaca, acabou. Era muito difícil namorar com uma menina numa festa e casar com aquela menina. Era muito difícil.
P/3 - E é por isso que eu perguntei.
R - Tava aqui na farra, quando podia era tudo de graça. Eu não comia. Depois: “Ah, você não foi lá em casa, sei lá o quê”. Tava... Não queria casar. Tava, foi na festa.
P/3 - Seu Inácio, qual o nome da sua esposa?
R - Sandra. Era pra ser Isabel. É outra que tem dois nomes.
P/3 - E como é que virou Sandra?
R - Ela tem dois nomes. Depois botou Sandra.
P/1 - E o senhor sabe por que que ficou Isabel... Por que Sandra?
R - Não. Mas era um apelido também que põe. Pôs o apelido, é o nome dela.
P/3 - Quando o senhor casou com ela, ela morava aonde, seu Inácio?
R - Ela morava aqui na cidade. E eu morava lá na…
P/2 - Ela morava nessa região aqui.
R - ...No ribeirão. Depois que eu mudei pra cá.
P/3 - Mas ela morava já na cidade ou na comunidade? Na roça? Como que fala?
R - É aqui mesmo, na casa que ela morava.
P/2 - Ela morava na região ali da praia do macaco. Inclusive, essa região faz parte da região do Machadinho.
R - É, saindo pro Machadinho. Pai dela morava ali.
P/1 - E aí o senhor casou e foi morar onde? Logo casou e foi pra onde?
R - Nessa dita rua aqui, morava ali embaixo.
P/3 - Aqui mesmo.
R - É. Um pouco pra cada canto.
P/2 - Não pai, o senhor chegou a morar uns tempo lá junto com eles, lá com vó.
R - Não! Depois que eu mudei pra lá.
P/2 - Ah, depois foi pra lá.
R - Eu morava ali na casa alugada. Depois eu mudei pra lá, fiz um barraco. Não deu certo. Voltei pra cá pra rua do mesmo jeito.
P/1 - Mas essa casa era sua na época?
R - Não. Ainda não tinha essa casa aqui.
P/2 - Ele tinha alugado.
R - E eu morava lá embaixo numa casa alugada, pra cada_____. Quando eu casei, tava morando nessa casa. E aí, morei mais uns tempos depois e comprei essa casa aqui. Na mesma rua.
P/3 - Você teve filho, seu Inácio? Quer dizer, parece que um tá aqui, né? (risos) Quantos filhos o senhor teve?
R - 4, né? 2 casal.
P/3 - E o senhor lembra quando nasceu o seu primeiro filho, o senhor lembra? Como foi a sua sensação?
R - Bom, acho bom demais: o primeiro, né? Nós tudo é assim: minha mãe teve dois casal; minha irmã, dois casal; e eu, dois casal.
P/3 - E aí, depois teve os netos.
R - Agora só tem três netos.
P/2 - Tem mais, pai. Tem os de Nilda. Uns cinco netos.
P/3 - Tem o Mateus.
P/2 - Fala o nome deles aí, seu Inácio.
R - Mateus, Tiago e Isabela.
P/2 - E os de Nilda? Fala.
R - De Nilda, é Pedro, Pedrinho, e Manu. Essa foi a menina minha pegou pra criar, não é filho dela não. Pegou tudo os dois.
P/2 - Adotivos.
P/3 - O senhor tava falando do seu trabalho, que o senhor trabalhou de tudo. Na época que o senhor era criança, depois também jovenzinho, o senhor trabalhava muito. E depois, como foi indo o seu trabalho?
R - Tinha que trabalhar pra ajudar minha mãe. Porque ela sofreu muito pra criar nós. Que era 4. Era pesado. Não tinha negócio de pensão, não tinha negócio de aposentadoria, não tinha nada. Mas Deus criou, né?
P/3- E depois, quais foram os trabalhos que o senhor fez, seu Inácio?
R - Aí eu mexia mais era com gado. Por muitos anos. Aprendi a mexer com gado e gostei por muito. Tanto que de ter mexido com gado, de todo tipo que você pensar, eu sei mexer. E eu conheço até a vaca que vai parir macho e que vai parir fêmea.
P/3 - Nossa!
R - Conheço.
P/3 - Como que o senhor sabe que vai nascer?
R - Eu fui pra uma fazenda daqui, de um fiscal, e tinha pouco gado. Não era muito não. Aí peguei ___ com o gado, gostou do modo de eu brincar com o gado. Não sou de bater, de criação. Não bato. Gado que eu quis, ficaram tudo mansinho comigo. Aí, tinha duas vacas ‘mojando’, começou a ‘mojar”. Era Fazenda, a vaca mais velha. Depois tinha Beleza e... Na... Fazenda, Beleza e Paciência. Ele perguntou assim - E eu tava com um ano que eu tava lá - perguntou: “Eu vou dar a você uma bezerra. Qual é a vaca que você quer? Você quer de Fazenda, ou de Paciência, ou de Beleza?”. Aí eu vou pras vacas assim: “Porque não... Eu quero de Fazenda”. E ele falou assim: “Por quê?”, “Porque só ela vai parir macho”. Falou assim: “Ó, você pode escolher a vaca aí, se parir macho, eu troco com você. Dou a você outra bezerra”. Eu falei: “Não, eu vou tirar a que vai parir filho, que é só uma vai parir filho. É só a Fazenda”. Foi batata. Depois, ele ficou encantado com esse negócio, contava pra um, contava pra outro. Segundo, pegou tipo de um “amojo" do boi, da vaca, né? A vaca que vai parir o macho, o “amojo” dela vai pro lado do umbigo da vaca, pra frente, né? E a vaca que vai parir fêmea, o “amojo” mais pra trás.
P/3 - Entendi. Sempre é assim, seu Inácio?
R - É que tem um posto e eu chego na…
P/2 - O senhor fala, no caso, o peito da vaca, que vai pra frente?
R - É, tem... Começa enchendo assim…
P/2 - Para frente, né?
R - É. E depois vai coisando. Porque tem vaca que _____ até o umbigo, que fica uma abóbora depois. E eu falo... Tinha um homem aqui embaixo, o Elizeu, que tava com uma vaca gorda... Acho que ele matou essa vaca, eu não sei. A vaca passou com aquele barrigão, com aquele peitasso, né? Pra ___ Elizeu. E eu sei qual é essa... “Vai parir é macho, você sabe?”, “Eu sei, posso até apostar com você. Eu aposto”, “Ah não, não vou apostar, mas vai parir fêmea”, “Vai parir é macho!”. Passado alguns dias, a vaca pariu. Quando passou aqui: “E aí Inácio, você ficou sabendo, né? Foi macho”. (risos) Eu sei, não adianta. Mexia com gado desde menino, sô.
P/3 - Conta mais coisas assim, seu Inácio.
R - As coisas mais, até pra mim, eu achei mais difícil, foi isso. Porque tem gente que duvida comigo. Falava: “duvido”. Então vamos apostar, ué! Vamos apostar, mas depois eles cai fora. Aí, eu fui mexendo com gado. Levantava cedo, de madrugada, pegava o rádio, punha lá em cima da cerca, ligava no mais alto, escuta música. Aí o gado acostuma. Tinha vaca que eu punha o rádio... Era no giral que eu punha, a vaca doente. Tinha vaca que eu punha no curral, ia direto lá pra, ficava na ____ . Aí eu tirava leite dela, tudo era lá. Foi indo. Aí quando chegou o dia da vacina, o patrão meu saiu daqui pra ir pra lá. Chegou lá, não tava com 8 dias que ia vacinar e aí chamou uns 4 homens no ribeirão pra ajudar. O gado dele era pouco, não era muito. Aí ele falou: “Ó, chamei o povo pra ajudar você”, “Chamou pra quê?”, “Não, aqui se não chamar, não vacina". Tem que ficar gente no curral, na cerca, pro gado não sair, pra pular a cerca. Eu pensei assim. Chegou o dia da vacina, quando de tarde, fiquei - era fiscal - trabalhando. Aí chegou lá de noite: “Ô, Inácio, tu já vacina pra não vacinar amanhã. Então eu já chamei a turma, pra vim...Vai vim 4, chamei 4, com o senhor aqui, 5". E ele não tinha medo de gado. O bichinho tinha um medo danado. Aí, quando nasceu o dia, eu levantei de madrugada, levantei mais cedo um pouco. Falei: “Eu vou levantar de madrugada pra poder tirar o leite e mandar o vaqueiro levar o leite, o empregado”. E no outro outro dia que a vaca amanheceu, tirei o leite, pus lá nas latas e mandei um menino derramar o leite no povo. E aí ele foi acordando. Quando ele acordou, chegou na janela: “Óia, Inácio, já mandou o leite?”, “Já. O senhor pode levantar pra arrumar a vacina, aqui, pra nós vacinar”, “Não, vamos esperar o povo chegar”. Aí eu falei: “Não, vamos vacinando. Nós vamos começar agora, a hora que chegar, nós tá a vacinar”. Aí ele levantou e veio empurrando com a vacina. Sabe como é que é? É tipo de um revólver.
P/1 - É uma pistola assim.
R - Eu nunca tinha vacinado o gado. Aí eu peguei, ele arrumou pra mim. Enche, dá pra aplicar em 5, né? Aí ele encheu lá e eu peguei: “Ó, vou começar com as vaca parida, que já tá aqui”, aí vacinei as vaca parida. Tinha umas que eu vacinava sem nem pôr corda no pescoço, outras punha o laço e jogava no chão e já vacinava ela. Chegava na outra, a mesma coisa. Quando terminou, eu fui lá no pasto e peguei o resto do gado, um solteiro, e tinha um boião alto, peguei tudo e pus no curral... Vacinou, não vacinou. E eu laçava um e dava a ele pra segurar pro lado de fora do curral. Ele tinha medo demais de gado, sô. Eu dava o laço pro lado de fora e ele ficava segurando lá e eu vacinava. Até (que) eu vacinei tudo: “Ó, deixei o boi pro derradeiro”, “Tô com medo desse boi”. Falei: “Não tem perigo, não”, “Vamos deixar o posto chegar”. Falei: “Não, vamos vacinar ele”. Acabei de vacinar os outros e peguei o boi mais ______, um boião alto, novo, chifrão. Tinha dois chifre grosso e curto. Era boi novo. Aí o macho... Eu passei o laço nele e ele ficou quietinho. Aí depois, eu fui chamando ele, puxando ele com o laço até no mourão. Ele chegou encostar a cabeça, a testa assim no mourão. Aí, eu peguei e dei um laço pro ____ segurar. E pro lado de fora tinha um ranchinho que eu fiz, pra modo de dizer, pra bezerro dormir, de chuva, e tinha a ponta dos cabo que ficava assim. E ele ficou justamente desse lado. E o ___: “Olha Inácio, eu tô com medo desse boi machucar você”. Falei: “Não tem perigo, pode deixar”. “Ó, você dá duas doses no boi”. Eu falei: “Tá”. _____ puxei uma, tornei puxar outra, aí tremeu assim, mas ficou quietinho. Eu peguei o arreador e fui lá na argola do laço pra mim tirar, que a gente enfia no arreador. Sabe como é que é?
P/1 - Sim, e puxa o laço.
R - É. Pra você não pegar na argola, porque se você pegar com força no arreio, machuca sua mão. Aí eu peguei e fui enfiar o arreador assim no coisa e dei uma encostada lá. Falei: “Ó, já que o boi tá quietinho aí, você pode afrouxar o laço”, aí afrouxou. Quando foi pra mim levar o coiso, quando fui levando na mão, ele pulou em riba de mim. Quando ele pulou em mim, passei assim e puxei o laço. (risos) Enfiei a mão na argola.
P/1 - Mas chegou a te machucar?
R - Nada! Não pegou em mim. Só tem que ele pulou, né? Ele veio em mim e eu neguei? assim e puxei o laço da cabeça dele. Na mesma hora, foi chegando a turma pra vacinar, e eu já tinha soltado o gado, fui acabando de tirar o dele: “Vacinar só o teu gado”. Tava chovendo e o curral tava com lama, aí quando você abre a porteira, o gado sai, mesma coisa de um tiro. Quando o povo chegou, não tinha um arreio. O cabra chegou: “Uai até nós ia vir pra vacinar, não tem um arreio aqui”. Eu falei: “Não, depois nós busca pra vocês”. Aí ele falou: _____, “Nós já vacinou tudo”, “Ah, mas não é possível! Vacinou tudo sozinho”. Foi sozinho, porque eu posso dizer que não ajudei em nada, porque se o gado tá pro lado de fora, né? O gado virou uma cera, que você tinha que tá empurrando a vaca assim pra você passar.
P/1 - Mas esse gado que o senhor conseguiu dominar, eles pareciam mais manso porque o senhor já tinha uma relação com eles, né? O senhor já conhecia.
R - Não conhecia. Eles não. O gado que eu fui pra ser vaqueiro, não conheci o gado. É por causa que eu já tinha o costume de saber mexer com gado. Você tem que saber. E outra coisa, o rádio ajuda muito.
P/3 - O rádio?
R - É. Se é uma fazenda que quase não vai gente, você pode ligar o rádio que o gado acostuma, por causa de música, por causa de conversa. Fica mansinho. Agora, aonde quase não vai gente, quando chega uma pessoa e o gado fica doido. É, ué, não tem como um rádio ____ . Para você tirar o leite.
P/1 - E quando o gado é bravo, como é que você amansa?
R - É desse jeito. Amansa também. E quanto mais a vaca ficar mansinha, mais leite dá. Ela não esconde nada. Tava indo em muitas fazendas e teve essa fazenda que eu deixei o gado manso.
P/3 - Seu Inácio, essa ideia do rádio, o senhor aprendeu com alguém?
R - Não. É porque eles gostam também da música, sô. Bem esquisito. Onde tem gado que chega na beira e fica assim, ó.
P/2 - Mas ninguém ensinou o senhor?
R - Não, ninguém ensinou. Mas por causa que eu sempre, eu gosto de tirar o leite no curral, e eu vi o modo como o gado ficava…
P/1 - O senhor mesmo levava o rádio pra você escutar?
R - É, eu tinha o rádio pra mim. Eu ligava lá. A primeira vez que tentei fazer assim, porque depois custou muito a ter rádio. Depois que passou o tempo... TV não tinha, né? (risos) Aí passou, eu comprei o rádio e eu levava lá pra o curral. A primeira vez que eu ligava, o gado ficava ficava ouvindo assim. Logo depois, virava uma cena. Tinha gado que chegava a encostar no rádio. Tudo manso. O povo e o patrão ficou besta com o negócio: “Inácio, você amansou o gado”, e eu amansei sem dar um patorote?, um arreio. Não batia.
P/3 - Seu Inácio, teve algum algum boi, alguma vaca especial, assim, que o senhor teve um carinho, ou o boi ou a vaca fazia alguma coisa assim com o senhor, diferente?
P/1 - Senhor lembra alguma recordação de algum deles?
R - Não, não fazia.
P/3 - Todos eram iguais?
R - É, não tem nenhum especial.
R - Tinha umas que estranhava, né? Conforme o curral, você chegar assim, o gado estranha. Então você tem que saber como é que mexe. Porque a pessoa acha que o negócio é meter o porrete. Não é assim.
P/2 - Mas durante esses anos que o senhor trabalhou na fazenda, alguma dessas fazendas tinha alguma vaca ali que o senhor gostava mais? O senhor tinha mais coisa com ela.
R - Tem! A gente acostuma com gado, sô. Outra coisa, “novilha”, se a “novilha” pariu, você vai buscar ela pra esgotar. Se ela for uma “novilha” que bate, você não pode bater nela. Se você pega ela, amarra ela no pau pra meter o cacete, bater nela, ela ‘enjeita’ o bezerro. E teve uma lá na fazenda de Terezona, que foi o vaqueiro lá e pegou um gado na (meia?).
P/2 - Lá no Machadinho?
R - É. Pegou um gado na meia, rapidinho uma (nuvia?) lá. Ficou prenha e a (nuvia?) era muito braba, né? Eu fui buscar lá no pasto, cheguei lá, ela tava parindo. Encostei o cavalo, ela tava de um lado e do outro, depois foi saindo com bezerro e eu fico mexendo com ela até outro dia no curral. Chegou no curral, eu prendi ela. Quando eu prendi, chegou gente lá: “Ah, pode deixar que eu vou esgotar pra você”, “Não. Deixa o menino esgotar. Eu que tenho que esgotar. Vocês não vai me esgotar todo dia pra mim, né?”. E eu: “Não, deixa aí”. O cara foi mexer na vaca, pegou, bateu, pegou meteu o cacete na vaca e a vaca ‘enjeitou’ o bezerro.
P/3 - E aí não tem como mamar?
R - De jeito nenhum! Não adiantava botar o bezerro no peito dela, que ela metia o pé.
P/1 - E fazia como pra resolver isso?
R - Não tem... E aí acabou. Se ela ‘enjeitou’, acabou.
P/2 - E aí como é que alimentava, tinha que dar o leite pra ele separado?
R - Ah, não, o bezerro morreu. Eu comecei a dar na mamadeira, mas depois num…
P/1 - Ele também rejeitava a mamadeira?
R - É. Não mamava…
P/2 - Não é a mesma coisa, né?
R - É. Tem que ser a mãe dele. Não é ‘papo’, não. Mas, é tanto que eu não tenho medo de vaca batedeira, pode ser a vaca batedeira que for, não tenho medo. Tenho medo é de cachorro. Sem brincadeira. Sabe por quê? Eu vou na casa de uma pessoa, se tem um cachorro, vem pra me morder e eu não deixo, eu bato mesmo, sabe? E a vaca, não. Se a vaca vier em mim, eu não deixo ela bater em mim e eu bato nela. Tem um jeito de você mexer, não é meter o porrete, você derruba a (rerra?) no chão. Tem vaqueiro que é assim: derruba lá no chão, a vaca cai, mete o pau. Não, sô! Se fazer desse jeito, costuma até matar a vaca. A vaca “pisteia” (57:30). A vaca apanha tanto que ela não engorda mais nunca. Eu não bato.
P/1 - E aí perde a vaca também, né?
R - Perde. E eu bato de jeito nenhum. Uma que eu tenho dó. Tenho. Amanso o animal mesmo. Tinha _______não batia, nem ‘esporava’. Tem umas que amansava. Não gostava de bater.
P/1 - E o senhor tinha contado desse tal de cachorro que o senhor falou: “Não, não gosto. Eu tenho essa questão com cachorro”. O senhor teve alguma história com cachorro, que o senhor teve que bater, teve que brigar, teve que fugir?
R - Não! Tem cachorro que se vier bater em mim, eu passo na porrada.
P/1 - Mas teve alguma história assim?
R - Tem! Eu batia.
P/2 - Já aconteceu com o senhor?
R - Já! Se viesse pra bater em mim, eu batia no cachorro. Meu Deus, eu ia deixar ele me morder? Podia, sei lá, tá junto com dono. Aqui mesmo, em Orlando, eu fui olhar um serviço lá e ele tava tirando leite, e o cachorro veio com tudo em mim. E aí eu fui, pulei em ‘riba’ de uma caixa d'água alta: fiquei lá. E o cachorro tava rodeando, latindo, e eu ele lá tirando leite... Tirando o leite bem a fresco. O pessoal “ Vamos ralhar”, “Não ralha com esse cachorro, porque eu tenho que descer daqui.” E ele: “Ele não morde” Eu falei: “Não! Eu vou descer daqui, se vim em mim, eu meto o pau”. Aí, ele acabou de tirar o leite, o cachorro veio: “Não. Sai!”, foi tirando o cachorro pra rua. “Eu vou deixar o cachorro meter o...”, “Não deixa, você já sabe que eu tranço, mas eu tranço ele mais o dono do cachorro”. Não deixo me morder. Você pode ter carrão e eu subo, daí eu não vou.
P/2 - Seu Inácio, em relação à região ali do Machadinho, como é que era ali aquela convivência com o pessoal lá?
R - Então, lá, de bondade, tinha mais, não? Tanto que quando era dia do pouso lá, Paracatu, ia quase todo mundo lá.
P/2 - Na fazenda de quem? Elizeu Araújo?
R - Do Elizeu. Matava vaca, pintada o ____, muita coisa, muita gente. Isso aí era uma festa “paulada”. Tinha festa era todo ano. Chegasse o ano pra poder ir na festa. Não tinha mais ___ de ser ruim, Todo mundo bem. Fui dando muitas festas, não tinha briga, não tinha nada.
P/2 - Inclusive, o senhor morou…
R - O Elizeu com todos os casos, esse negócio, ele vendeu lá. Eu não sei. Acho que ele até apaixonou, morreu. Eu acho que foi. Ele gostava de lá demais, sô.
P/3 - Quem morreu?
R - O Elizeu, que era o dono da fazenda.
P/2 - O dono da fazenda lá do Machadinho.
P/1 - O dono da fazenda do Machadinho. É, ele faleceu. Parece que se apaixonou. Não sei.
P/2 - Aí quando o senhor morava lá na fazenda da Terezona, que também é no Machadinho, o senhor morou muitos anos…
R - Bandeirinha, né?
P/2 - É. E aí o senhor continuava a ir nas festas do mesmo jeito?
R - Ia. Era bom demais, sô. Lá era uma beleza.
P/2 - Tinha amizade com muita gente na região…
R - Quando o Elizeu comprou lá, era uma tapera. Vixe, eu lembro demais!
P/3 - Você lembra quando ele comprou? Conta um pouco.
R - Lá era como uma tapera, não sei nem quem era o dono. Ele comprou, depois pôs o gado, limpou tudo e ficou bom demais. Agora, pra a gente ver um lagão daqueles, eu acho que ele deve ter se apaixonado. Sei não. Morreu em ano de pôr água lá.
P/2 - Ele casou e comprou aquele local? Como é que foi?
R - Não sei como foi o negócio. Quando fiquei sabendo, ele já tinha comprado lá.
P/3 - Seu Inácio, o senhor conhecia lá antes dele comprar fazenda?
R - Conhecia, porque esse era o caminho que nós ia pra cá. Nós morava no ribeirão. O ribeirão é um arraialzinho, daqui-lá tem duas "égua". Quando nós ia pra lá, nós passava por dentro da fazenda. Só ___ que era. Era uma casa velha, tapera comum, não tinha ninguém. Inclusive, quando nós fomos lá, quem ficou lá e começou a tomar conta lá foi um primo meu, o Nelsinho. O Elizeu também não tinha nada, porque quando ele mudou, comprou uma vaca pro vaqueiro tomar leite. Ia pro _______lá. Tinha gado toda vida. Acho que se apaixonou, não sei. Porque ele teve que vender. Hoje é assim, imagina morando no que é da gente? E lá era dele, ele vendia o que ele quisesse. Ele pegou e vendeu.
P/1 - Mas, como assim? Me conta mais um pouquinho. Como é que tá o Machadinho hoje? Ele existe ainda, ele não existe?
R - Ele existe só o nome. Lá agora é água.
P/1 - Essa região que o senhor tava contando agora é tudo água?
R - Não é tudo tudo ainda. Porque a água vai aumentando, né? Mas era o Machadinho mesmo. As fazenda do Elizeu é tudo água.
P/3 - Água de onde?
R - Da firma aí, vai tudo pra pra lá.
P/2 - A barragem?
R - O rejeito. Jogou o rejeito todo pra lá. Tirou da outra barragem que era da lagoa e passou pra essa nova. Nós foi lá outro dia. Agora, essa barragem vai arrebentar.
P/3 - Por que o senhor acha?
R - Vai. Do jeito que eles tava fazendo o aterro lá. Falei com um engenheiro, ele falou assim: “Se essa barragem arrebentar, quando é que você acha que ela vai arrebentar?”, “Vai arrebentar lá pra Santa Rita”. Eles fazendo um aterro encostando numa Serra de pedra, sô, encostando a terra, o trator vindo com a terra. Se esse Luiz, a água vai ficar batendo... Se a terra sai da pedra, a água desce. Por que tinha que fazer na serra? Já que ia tocar na serra, tinha que cortar mais ou menos uns três metros pra dentro da Serra pra poder encaixar lá, pra não ir embora. Vai com um engenheiro lá. Mas, Vai fazendo daquele jeito? Ele falou: “É”, “Falta ter um engenheiro mesmo”. Vai arrebentar.
P/1 - Que a água tá invadindo, cada vez mais ela tá avançando?
R - Tá subindo. Agora tava chegando terra, ainda tá até hoje chegando terra na barragem lá pra suspender, mas não resolve. Igual essa barragem aí que arrebentou lá no matinho. Aquela barragem arrebentou por quê? Foi barragem que o trator fez um buraco, sô. Você vem com o trator, vai afundando, fazendo aquele buraco, arredondando, depois que joga o rejeito dentro, o dia que essa água bater nessa terra vai aguentar? Engenheiro ainda fala que aguenta.
P/3 - Seu Inácio, só voltando: quando esse Elizeu comprou a fazenda de terra ali, a comunidade não tava lá? Não tinha pessoas morando lá?
R - Só tinha um homem que morava lá, um tal de... Tinha um velho que morava num pedacinho mais pra cá. E esse pedacinho, diz ele que era dele. Só tinha ele, mais ninguém. Só as casa velha.
P/3 - E o pessoal que morava perto, que era do Machadinho, aumentou o número de pessoas pra trabalhar na fazenda ou ficou igual?
R - Não, ficou do mesmo jeito que tava. O povo morava nas beiras. Não aumentou ninguém.
P/2 - Na verdade, seu Inácio, ela tá falando o seguinte: como a fazenda de Elizeu Araújo foi crescendo, foi aumentando, então deu oportunidade também de serviço pra as pessoas, e aí, nesse meio tempo, foi formando outras comunidades próximas com mais pessoas morando lá perto.
R - Não! Não mudou mais ninguém pra lá. Era o povo que morava lá, que na época tinha gente que morava, mas não tinha nada. E as casinhas lá eram, que não tinham uma vaca, depois tinha umas, duas, três lá. Na Rosa, né?
P/2 - Aí o senhor falou que Elizeu comprou, né?
R - Comprou. Agora eu não sei de quem que ele comprou, que nós passava lá, nós só via lá tapera. Depois ele disse: “Ó, eu comprei aqui”. Nós passamos lá e tava falando que comprado. Agora, de quem é, eu não sei.
P/3 - E depois que ele saiu de lá, que agora tem essa água toda, como é que ficou aquele pessoal que morava lá da época, continua todo mundo lá ou saiu?
R - Eu acho que não. Não tenho certeza, mas acho que os outros tudo também já vendeu. As capina deve ter comprado. Tinha um tal de Oscar que morava lá, não sei se ele vendeu. Até pouco tempo, ele não tinha vendido. Eles morava pra lá do Machadinho. Ele morava na beira da Bandeirinha, que é um rio que tem lá, e ele falou comigo que não tinha vendido ainda: “Ah, não vou vender, porque isso aqui é meu, não sei como é que é”, “Ó, é seu, mas vou contar pra você: ou você vende ou a água cobre você aí”. Porque ali não tem... Começou essa firma aí, só Deus, sô. Essa firma aí deu um prejuízo que vocês não querem nem saber.
P/1 - Aí, no final, acabou saindo todo mundo de lá…
R - Não…
P/1 - ...Que não dava pra morar lá, por causa dessa água?
R - Não dá! A água vem chegando e você vai ficar? Não pode. Essa firma aqui mesmo, as casas racha tudo. Aqui casa racha encostada no pilar. Aqui o muro meu já partiu assim até embaixo.
P/3 - Onde é que é?
R - Nas bomba. Solta bomba lá, a casa, até vazia... Se tiver aqui na mesa, conforme ela cai no chão, na parte de um eira de um armário. Você... O trem vai tremer tudo. Vai fazer uma coisa lá, vai resolver? Resolve nada! Mesma coisa esse terreno aí ó: ou o cara vende ou ele fica sem nada. Que eles falam: “Eu vou comprar” e vai cortando, vai cortando a roda sua. A mesma coisa aí no morro aí. Que bom que vai sair tudo, vai ficar todo mundo saindo daí. Que já teve gente que falava que não ia sair e não ia dar um preço. O senhor não pega, agora eles: “Calma”. Depois, vai cortando. Teve gente que foi cortando, por fim, ficou num tijuco de terra, um barrancão assim. Cortada a roda toda. E foi lá pra vender e eles: “Não compro. Não tô precisando”. Eu tava lá e escutei a menina falar assim: “Nós não tá comprando terra, que nós tem demais pra trabalhar”. Então o cara fica imprensado. Daí essas casa lá, ele deu aquele preço, pode comprar. Não nega, que depois você vai ter que vender mais barato. Acontece com todo mundo lá. Então eles tão tudo vendendo. E aqui tem ouro mesmo. Paracatu, tudo tem ouro. É a cidade mais rica do Brasil, passou até no jornal. Vocês não pegou? Eles fizeram pesquisa aqui e o cara falou que até no ___ . Tem muito. “Ah, não, tem pouquinho!”, eles vai falar? E tudo tem ouro. Agora, nós podemos tirar esse ouro? Não pode.
P/3 - Por que não?
R - Nós não tem a máquina pra tirar o ouro. Nós tá pisado na riba da riqueza e tá pobre.
P/3 - Isso que eu ia perguntar, que é a última pergunta: há tempos, quando o senhor trabalhava com gado e tudo, já se sabia que tinha ouro?
R - Já! Sabia toda a vida, desde que eu conheci Paracatu. Conheci Paracatu, eu era menino, e eu sabia que tudo isso aí era ouro, tanto que eu sabia (de pai?) aqui era cheio, isso daí até hoje, cheio de gente. O povo era pobre que não tinha ___, em riba da riqueza. Não tirava um ouro, sô. Se bem que o ouro era barato nessa época, não era caro. Mas o tantinho que tirava, já tava bom. O povo morreu e não tinha nada.
P/3 - O senhor tá falando que não porque não tinha as máquinas?
R - Não tinha nada, mas podia tirar. Inclusive, teve aqui um garimpo que eles compravam o material. Punha com bomba, põe aqueles jato. Tirou ouro pra danar aí, mas depois eles embargou.
P/3 - O Estado embargou?
R - Embargou. Por quê? Porque a firma ia entrar aí. Quem é que embarga a firma? Só Deus, né? Ou então quem tá com prejuízo, que fique! E vai falar com eles: “Ah, essa casa aí não foi bem coisada, você não mandou olhar o terreno, não sei como é que é”, então fica por isso.
P/3 - O senhor conheceu alguém que fazia esse garimpo mais caseiro?
R - Ali na beira da praia tinha muita gente, muito amigo meu que garimpava em caixotinho.
P/3 - E aí embargaram?
R - Embargou tudo. A polícia deu num cara aí com um caixotinho tirando ouro e foi pra cadeia. Não pode tirar.
P/1 - Aí a gente vai terminar a entrevista. A gente gostou muito das informações que o senhor passou!
R - Ah, eu não sei falar direito…
P/1 - Imagina, o senhor falou muito bem! A gente aprendeu muito com o senhor. Acabou de aprender muita coisa. A gente gostou muito da entrevista.
P/3 - Essa história que o senhor contou, tanto essa última agora, que entendi bastante coisa sobre a região, o ouro, tudo isso, e a história do gado, pra mim é muito útil.
P/1 - Do gado! É sim.
P/3 - Nunca mais eu vou esquecer dessa história. (risos)
P/1 - Muito! O senhor acabou de ensinar a gente.
R - Não, mas o gado é bem... Dá medo.
P/3 - Muito obrigada!
P/1 - Muito obrigado, seu Inácio!
R - E eu, pra mim não tem vaca brava. Como amanso ela sem bater nela. Não bato nela. Conforme elas avançavam em mim, eu bato nelas, dou um murro na boca dela. Quando eu mexia com gado, isso aqui em mim, eu podia bater em pedra que não doía. Quando eu batia em boca de vaca, _____, a vaca minha, que vem pra morder a veia da gente. É, ué. Daí a vaca, ela vem... Você tá tirando leite, ela vem, se você deixar, morde sua orelha. E eu metia a mão na boca dela. (risos)
P/1 - Tá vendo como a gente aprende bastante! Mas, obrigado, seu Inácio…
R - Não, mas é mesmo!
P/1 - ...A gente vai terminar a entrevista aqui pra deixar o senhor em paz, pro senhor descansar, tá bom? Obrigado, viu?
R - (risos) De nada.
P/1 - O senhor fala seu nome completo, por gentileza.
R - Ovídio Gonçalves Aragão.
P/1 - Tá bom. Qual a sua data de nascimento e onde o senhor nasceu, seu Ovídio?
R - 1931.
P/1 - Isso. E onde o senhor nasceu? Aqui em Paracatu mesmo?
R - Paracatu.
P/1 - Tá bom. Então o senhor diz pra mim o nome dos seus pais, por gentileza.
R - Francisco José de Oliveira.
P/1 - E a sua mãe, você sabe o nome?
R - Augustina Gonçalves de Aragão.
P/1 - Tudo bem. O senhor lembra com o que o seu pai trabalhava, sua mãe?
R - Ó, de serviço ruim nós fazia tudo. (risos)
P/1 - Sim. (risos) Mas você lembra o que é que ele fazia especificamente? Uma lembrança de trabalho que ele tenha feito.
R - Ele tocava lavoura, era vaqueiro, mexia com carro de boi. Tudo, ele fazia.
P/1 - E a sua mãe?
R - Minha mãe fazia a mesma coisa, tirava óleo de coco, pegava o coco, quebrava e tirava o óleo. Acabava na roça plantando, tudo ela fazia. Só serviço ruim.
P/1 - E o senhor lembra dos seus avós, os por parte de pai ou parte de mãe? O senhor chegou a conhecer a eles?
R - Não.
P/1 - Nenhum? Nem por parte de pai e nem por parte de mãe?
R - Não.
P/1 - Não? Tá bom, não tem problema. E o senhor lembra de alguma coisa da sua infância, seu Inácio?
R - Uai, que eu tinha três anos quando eu perdi meu pai, né? Meu pai morreu, eu tava com três anos. Nós morava na roça, meu pai era vaqueiro e tocava lavoura, aí adoeceu de uma hora pra outra lá e faleceu. Eu tava com três anos, quase não conhecia ele direito, nem deu, só quando ele já tava ruim mesmo. (Como eu lembro?). E aí nós ficou trabalhando. Quando ele morreu era justamente na semana que ele ia colher a roça. Se você há de ver que roça que tava no plano de colher: era milho, feijão, era tudo. Aí ele faleceu. Aí foi minha mãe colher, dar conta de colher. Ela dava dois dias dela pro dia do homem pra ajudar a colher. E ela colheu tudo. Era quatro filho. Naquele tempo, não tinha aposentadoria, não tinha nada disso, né? Então era o serviço dela mesmo. Ela fazia de tudo, tinha dia que ela ficava a semana tocando sal pra dar ao gado, que primeiro o sal era grosso, né? Nós tudo pequeno. Depois que nós foi crescendo, quando eu comecei mesmo tomar conta de olhar gado, de pastorar gado, eu ficava o dia inteirinho lá na fazenda. Podia chover, podia vir tempestade e tudo e eu tava lá. Vinha tempestade e eu segurava em um pau lá. (risos)
P/1 - E o senhor tinha irmãos nessa época já?
R - Tinha, mas tinha, tava mais pequena ainda. O mais velho dos homens era eu, né?
P/1 - Ah, o senhor era o mais velho?
R - É, dos homens era eu. E aí, nós foi levando a vida. Quando eu peguei 6 anos, nós passou lá pra fazenda, o patrão falou: “Agora vocês vão morar mais perto de mim pra mim ajudar a sua mãe a criar vocês, não sei como é que é.” Ele queria um serviço nosso, né?” Aí nós fomos lá pra cima e deixou a roça. Colheu mantimento, deixou lá na casa fechada, a gente roubou à vontade. Aí, fomos levando a vida assim. E eu trabalhei 15 anos nessa fazenda sem receber um centavo. Porque de primeiro, serviço de menino não valia nada. Você trabalhava com o menino aí, o menino trabalhava pra você, você não dava nem 100 réis. Eu trabalhei 15 anos, quando venceu os 15 anos, eu falei pra minha mulher: “A gente vai mudar daqui, porque eu preciso sair pra trabalhar, pra mim ganhar dinheiro.” Eu trabalhava de dia e noite, eu dormia 12 horas da noite, que ficava mais a mulher do patrão, né? Ele largou a mulher dele, arrumou uma outra e nós tinha que ficar com ela até 12 horas da noite pra esperar ele vim. Tava bebendo pinga, bebia... Saía pra beber pinga todo dia no boteco, chegava em casa às 12 horas, aí era quando eu ia embora pra dormir. 4 horas eu levantava pra prender o gado. 4 horas da madrugada.
P/1 - Sim!
P/3 - Só voltando um pouquinho, seu Inácio. O senhor falou que a sua mãe tirava o óleo. Você pode contar como era?
R - Tirava o óleo do coco de indaiá. Não é da Bahia, não. Ela quebrava o coco, torrava ele, catava bem catadinho, tirava tudo, tudo arrumadinho, aí torrava ele. Depois dele torrado, socava até ficar muidinho. Batia do pilão assim, subia e descia. Depois punha água na panela pra ferver. E aí, ela ia fervendo até secar a água. A hora que secava a água, você descia a panela e punha dum lado assim. E a água separava o óleo por cima. Ela pegava a colher, enfiava lá no óleo e jogava no fogo. Se pegasse fogo, tava bom e se apagasse o fogo, tinha água. Você precisava de ver o óleo que ela tirava, não é esses óleo que a gente vê hoje, não.
P/3 - E ela vendia?
R - Vendia, mas era baratinho. Naquela época, tudo era baratinho. O óleo dela era dessa cor aí, precisava de ver. Ela tirava era muito. Tinha dia que nós levantava pra ir trabalhar 4 horas da madrugada e ela já tinha tirado 6 litros de óleo, já tava tudo engarrafado. Tudo que ela socava no braço, tudo. Não é porque era minha mãe não, mas ela trabalhou pra criar nós, viu?
P/3 - O senhor falou que trabalhava com gado, o senhor falou que tinha tempestade e tinha que se agarrar, mas que idade o senhor tinha?
R - Não... Eu comecei com seis anos. Aí, eu já fiquei pastorando, eu pegava vaca e pastorava, soltava o gado. De primeiro, não tinha pau,o pasto era muito véio. Soltava as vacas, empurrava até como daqui na rodoviária, deixava lá e voltava, soltava o bezerro pra cá. Aí eu ficava pastorando até minha mãe me encontrar, até 2 horas da tarde. E aí agora, quando 2 horas a vaca começava a berrar e eu ia lá e buscava o bezerro. Todo dia era assim.
P/2 - E quando vinha tempestade, seu Inácio, como o senhor fazia?
R - Segurava num pau lá pra não cair, né? Debaixo de chuva, podia chover pedra, era sol e eu lá.
P/3 - Aconteceu alguma vez, alguma coisa muito difícil? Teve algum dia que aconteceu alguma coisa?
P/1 - Alguma lembrança que o senhor tenha de alguma situação de tempestade.
R - Não! E eu era igual um coco, não sentia nada. Por isso, eu falo: na idade que eu tô hoje, trabalhar do jeito que eu comecei a trabalhar, novo demais da conta, muito novo mesmo, não era nem pra mim tá vivo até hoje. Era pra eu ter morrido há muitos anos.
P/1 - E me diz, o senhor, nessa época, tava morando onde?
R - Morava era lá em casa com a minha mãe, ela que tratava de nós. Minha mãe não deu nós.Porque primeiro era assim: se o pai morresse, a mãe dava um bocado dos filhos pros padrinhos. A minha mãe não deu pra ninguém, ela criou nós até....
P/2 - Conta pra nós também, seu Inácio, quando o senhor ficava lá na casa, o senhor mais a irmã, a tia Benta, fazendo companhia enquanto o outro senhor ia beber pinga nos bares.
R - É, todo dia. Todo dia cedo eu pegava o cavalo pra ele, mas não dava nem conta de arriar, porque eu era pequeno demais e os cavalos eram tudo grande. Depois que eu fui crescendo mais um pouquinho, eu punho um arreio na cabeça pra poder pular na cacunda do cavalo. Arriava pra ele já amarrado, aí quando ele almoçava bastante, agora ele não tava no cavalo, ia pro boteco. O boteco era mais ou menos como daqui até a prefeitura. Chegava, amarrava o cavalo no pau e ficava a noite inteirinha lá bebendo, até 12 horas da noite. E nós lá, olhando porque a mulher tinha medo.
P/2 - E como que era pro senhor comer lá? O senhor ficava até sem comer, né?
R - A comida? Nada! Ela não dava nós de comer, não. Nós ia comer lá em casa. Ela brigava com o marido direto. Nossa senhora, não dava não! Era desse jeito e sem ganhar uma prata. Quando eu peguei 15 anos, eu falei: “Nós vai embora daqui” e foi embora. Aí agora eu já passei, saí pra trabalhar. A primeira vez que eu saí pra trabalhar no serviço comum, nós foi no mutirão. Meu tio levou eu, né? Toda vida eu fui gordo, sabe? Tinha tamanho, mas chegou lá, o dono falou assim: “O menino vai ganhar conta e vai ganhar do mesmo preço dos homens. Não tem pensão não, ele não pode ganhar, ele é menino.” Porque se visse menino, ninguém dava nada. Não pode não. “O preço é assim, se você não quiser, então vai embora. Não vai trabalhar não. Aí eu dou um serviço pra você”, “Não tem problema não, eu vou trabalhar perto dele” e aí era mutirão, trabalhava na época correndo, né?
P/2 - Capinando, né, seu Inácio?
R - Capinando. Aí ele pegou perto de mim, né? Quando eu mandava enxada lá pra pegar, dava uma buscada e eu batia a minha. Quando eu puxava, tava pronto, ele virava pra cima, eu mais ele. Até furou o leite. Quando furou o leite, ele falou assim: “De fato, você vai ___ (10:29) mesmo, mas quando for amanhã - que nós ia voltar no outro dia -, amanhã não vou dar você a tarefa do homem. Pode medir, eu não vou mandar você medir agora porque agora já tá tarde, mas amanhã cedo, depois do meio dia.” No outro dia, eu voltei, né? Quando chegamos lá: hoje, vou mandar você pra ver se você tira pra mim do homem, pode medir. Aí me deu 40 passos, mas como tava ____ (10:57) lá no meio do arroz, né? O mar não tava bom e o arroz assim. E me deu 40 passos. Aí (esfravejou?) tudo, ainda picou assim a roda toda pra ficar dividido certinho e eu abaixei a enxada. Aí veio o almoço e eu almocei. Todo mundo. Os outros não tava, tavam trabalhando outros dias. Eu tava trabalhando todo dia. Que tava só eu, pra testar, né? Mas, como eu, desde pequenininho, era acostumado com o serviço, eu pegava. Porque se eu não fosse, não dava conta, né? Aí almocei, fiz um “quilozinho”, um pouquinho, saí: “Não, faz quilo”, “Não, já fiz quilo”. Tá bom. Comi um pouquinho também, tomei baixada a enxada. Foi 12 horas, a merenda chegou, eu já tava sentado. Quem tirava a tarefa. Aí agora trabalhava pra todo mundo. O preço era o mesmo preço que o homem ganhava, eu ganhava. Falei: “Não, se quiser medir, pode medir.”
P/1 - E me conta, só voltando um pouquinho, pra depois a gente falar da idade adulta: na infância, o senhor tá contando que trabalhava muito já, desde o começo, 6 anos de idade. O senhor não tinha nenhum tempo pra brincar? Não tem nenhuma lembrança de brincadeira? Nada?
R - Eu não brinquei.
P/1 - Nada? Sempre trabalhou?
R - Nós não podia de jeito nenhum. A mãe saía pra trabalhar nós tudo pequeno, aí nós ficávamos tudo na tia. Não brincava. Não tinha brinquedo.
P/3 - Não se divertia de jeito nenhum? Nenhuma diversão?
R - Não. A diversão nossa era trabalhar. Quando nós começou a trabalhar, aí minha mãe buscava coco direto pra poder tirar o óleo, né? Nós começou a buscar coco, trazendo 20, 24 cocos. Cada um tinha um saquinho pra carregar, era um tanto de saquinho assim, pegava e mandava quando carregar mais. Nós foi carregando em pouquinho e pouquinho, chegava, tumultuava lá e pelava pra roer pra depois partir, depois que secava. E nós trabalhando. O serviço nosso, era isso. Nós quatro, nós não brincou nem meia hora não. Quando nós não tava trabalhando, nós tava olhando uma pessoa fazer um trem aqui.
P/1 - E quando o senhor conseguia descansar? Tinha alguma festa, alguma coisa que saía dessa vida de trabalho? Ou não, era trabalho, assim, o tempo todo?
R - Na época, nós mais novo, não tinha esse negócio de festa não.
P/1 - Nem de religião? Nem da igreja? Nada, nada?
R - Não, nessa época, nem igreja lá perto tinha. Nós morava em um lugar que quase não tinha movimento, né? Tanto que eu não estudei, não fui na escola nem pra olhar.
P/1 - E o lugar que o senhor morava lá, era uma roça mesmo?
P/3 - Era bem afastado.
R - Era fazenda, na ‘borraria’, sô. E o bonito não era isso, não: quando eu tava com a idade de 5, 6 anos, pegava o gado todo de pé e era um gado batedor pra danado, mas eu era esperto igual uma pulga. Não, a vaca vinha em mim, mas não arrumava nada comigo não. (risos)
P/1 - E esse lugar onde ficava a fazenda que o senhor tá contando, é aqui em Paracatu mesmo?
R - É em Paracatu. É aqui no ribeirão. Tinha um lugar perto que tinha um ribeirão. Eu fui nascido e criado lá. Na roça mesmo. Então nós fazia de tudo. Depois que eu cresci mais, aí agora eu passei a tocar da roça também, o que não é pouco.
P/1 - Conta pra mim como é que foi, por favor.
R - Aí nós trabalhava pros outros, depois que nós arrumava a roça nossa. E aí já era eu, meu irmão. Nós pegava na folia e ia tocando a roça. E quando nós terminava o serviço nosso, aí ia trabalhar pros outros.
P/2 - E aí, nessa época, tinha as festas, né?
R - Nós ia tomando “empreito”. Aí agora já tinha as festas. Nós trabalhava muito, mas quando era da época de farrear, nós fazia, que nós já mandava em nós, né? Que quando nós era menino, nós não andava em nós. Não podia ir em festa. Porque minha mãe não ia, só se nós fossemos mais a minha mãe, né? Mas menino pequeno assim, indo em festa pra quê? Agora, depois que nós ‘pegou’ rapaz, o negócio, nós ia mesmo.
P/1 - Não, mas conta pra gente como eram essas festas? Porque demorou muito tempo pro senhor começar a ir em festa, porque o senhor tava contando que na infância só trabalhou. Aí veio essa época. Como é que foi?
R - Nós já ia em festa, já foi assim mais ou menos uns 16 anos acima e aí eu já ia?
P/1 - E como é que era? Conta pra gente, por favor.
R - Ia, farreava, dançava bastante. Ainda, no outro dia, nós morria de trabalhar. Tinha dia que nós chegava 4 horas da madrugada. Nós só deitava, levantava e ia trabalhar com sono.
P/2 - Então, juntava o senhor mais o irmão, ajudavam o vizinho a plantar uma roça e depois o vizinho dava uma festa, o senhor ia. Aí só podia ir na festa quem trabalhou. Como é que era?
R - Ah, aí era traição. Uns fala que é traição, outros que é mutirão. Quem trabalhava, dançava, quem não trabalhava, não dançava. Era tucano, era chamado tucano. Tinha lugar, assim, que se você pagasse, você dançava, se você não pagasse, você não dançava. Tinha lugar que ele dava a você de tudo, pra comer e beber, mas dançar não. Às vezes arrancava o dinheiro pra pagar, aí falou: “Não, nós queria o serviço, o dinheiro, nós tem.” Você não veio trabalhar…
P/3 - Qual era o serviço?
R - Era qualquer serviço. Era uma roçada, era numa capina, era numa quebra de milho, era uma colheita de arroz. Tudo isso nós fazia.
P/1 - Então a gente vai voltar a falar o que a gente tava falando antes de começar a chover, seu Inácio. A gente tava falando das festas: a gente queria saber como é que eram as festas lá, naquela época? Como é que acontecia a festa?
R - A gente falava que ia fazer a festa e fazia, chamava a turma e…
P/1 - Aí chamava onde? Que lugar que vocês faziam essa festa?
R - Arrumava uma casa e fazia.
P/2 - Pai, conta pra eles o seguinte: aquela parte lá que o senhor trabalhava no mutirão, aí não tinha ninguém pensando em festa, ninguém tava imaginando em fazer festa, aí o senhor trabalhava e, de repente, você cismava: “Não, vamos fazer uma festa hoje”. E aí vocês já iam lá, já arrumava um terreno, socavam ali, fazia barraca. Como é que é?
R - Fazia na hora. Fazia barraca, aplanava o terreno.
P/1 - Aí, nisso, o senhor tava trabalhando com o que na época?
R - Você ia conforme o serviço na fazenda, qualquer serviço. Roçando, capinando, fazer um buraco, uma cerca de arame. Era assim.
P/1 - E como é que surgiu essa ideia de fazer festa?
R - Ah, mas é porque dava vontade de dançar.
P/1 - Ah, então conta como é que era isso. Dava uma vontade de dançar e aí?
R - Fazia a festa.
P/3 - Mas de dar vontade até a hora da festa, o que vocês tinham que fazer?
R - Aí tinha que esperar as moças chegar, né? Chamavam as meninas e as meninas chegavam. Comprar bebida, comprar comida também, que não podia ficar com fome, e dançar.
P/3 - O que é que tinha a ver o chão? Eu não entendi a parte do chão.
R - Ah, tinha que planar, quebrar um galho, né? Que fazia, qualquer, um mato aí. Só planar o chão, que sai a mesma coisa.
P/2 - Planava o chão, socava…
R - É, a mesma coisa.
P/2 - Mas aí nessa festa, quem ia? Só quem trabalhou?
R - Ah, não. O cara, não é que não podia ir, mas tinha lugar que tinha que pagar pra dançar. E não trabalhou, era tucano.
P/2 - Ah, quem não trabalhou na festa era chamado de tucano.
R - Tucano.
P/2 - Aí eles tinham que pagar.
R - Eles tinham que pagar. Agora tinha outro lugar que não cobrava, não.
P/3 - Por que tucano? Tinha algum motivo?
R - Ah, porque ia aproveitar, né? Porque não trabalhou, né?
P/1 - Mas aí pagava pra fazer parte da festa?
R - Tinha lugar que o povo não cobrava não, mas também não deixava dançar.
P/3 - E esses que não cobrava, a pessoa poderia ir comer, beber, tudo, só não podia dançar.
R - Mas não podia dançar.
P/1 - E o que vocês dançavam na festa?
R - Ih, tudo quanto era tipo de dança.
P/1 - Tem algum tipo de música que vocês gostavam de escutar?
R - Mais era forró, né?
P/1 - E como era isso aí? Quem que tocava esse forró lá? Como é que vocês chamavam o povo pra tocar lá?
R - Ah, chamava os tocador, né?
P/2 - Sanfona, violão…
R - É, isso, pro lados, quase todo mundo tocava, quase todo mundo era tocador.
P/1 - Então é assim: chamava pra tocar, chamava o povo pra festa, aplanava o chão, começava a tocar e começou a festa.
R - É, a festa.
P/2 - Até que horas ia essa festa?
R - Ah, depende do modo que a festa tivesse: se tivesse ruim, parava, né?
P/2 - Parava cedo.
R - É, se tivesse boa, ia até o amanhecer. Tinha festa que a gente ficava até almoçar.
P/3 - E o senhor era "pé-de-valsa''?
R - É, era tudo que é tipo de festa, de dança.
P/1 - O senhor falou que chamava as mulheres pra festa. E como eram as mulheres, nessa época?
R - Não, se dançasse, podia ser qualquer uma.
P/1 - É, e paquerava muito?
R - Ixi, tinha umas que dava a franga, né? Chamava pra dançar e não ia.
P/1 - E o senhor gostava de dançar?
R - Ixi, gosto até hoje. Se eu for na festa, eu danço.
P/2 - ...Até antes da pandemia, você tava dançando, né?
R - ...Se eu for na festa, eu danço.
P/2 - Até antes da pandemia tava dançando forró.
R - E é bom pra saúde, né? Dançar é bom demais.
P/2 - Namorava muito, seu Inácio?
R - Ixi, era Senhora Abadia!
P/2 - É verdade que o senhor tinha até duas, três namoradas?
R - Ah, bom! Toda festa que ia, arranjava uma, duas. Depende do querer.
P/1- Ixi! Mas era tudo ao mesmo tempo? Três namoradas ao mesmo tempo? Ou não, era numa festa uma, outra em outra festa?
R - Não podia ser tudo junto. Dava briga, né?
P/2 - Mas já aconteceu de uma ficar sabendo da outra...
R - Já.
P/1 - E aí, o que é que teve?
R - Uai, ficava sozinho, né? Você tinha três, mas, na verdade, você não tinha nenhuma. Dava…
P/1 - O senhor não lembra de nenhuma história que você fala: “Nossa, aquele dia aconteceu tal coisa”.
R - Não. Era muita festa, né?
P/2 - Mas com o senhor já aconteceu de estar com duas namoradas, de repente, uma ficou sabendo?
R - Já aconteceu. E eu não ligava com isso. Se eu tivesse uma namorada e achasse um jeito de namorar outra, eu namorava.
P/1 - E o que que acontecia quando uma descobria da outra?
R - Aí tudo brigava.
P/1 - E o que o senhor fazia quando elas brigavam?
R - Brigavam, deixava elas brigando e ia embora. (risos)
P/1 - E isso, que idade o senhor tinha nessa época, mais ou menos?
R - Ah, mais de 18 anos. Aí o caboclo tava , né?
P/1 - Mas o senhor era um rapaz novo, naquela época.
R - Ixi _____. Comecei desde pequeno. Comecei a dançar desde 15 anos... Dançava mesmo.
P/2 - E essas festas de folia que o senhor ia? O senhor ficava lá uma semana, duas semanas acompanhando a folia.
R - É. Aí conforme o tanto…
P/2 - Todo dia festa, forró?
R - É, tinha dia que tinha, outro dia não tinha não. Tinha casa que não dava festa.
P/2 - Aí lá o senhor almoçava, jantava e tava na festa…
R - É, tinha tudo.
P/3 - Como que era essa festa de folia?
R - Girar com santo, a bandeira, todo mundo com instrumento, caixa, tudo…
P/2 - No caso, era a Folia do Divino que o senhor falava, né?
R - É, só da Abadia? também. E nós fazia.
P/2 - Como é que era? O senhor almoçava onde? Cada dia numa casa?
R - Tinha os pousos. Você saía pedindo pouso.
P/3 - Mas o senhor fazia parte? Porque tem uma parte da organização, depois tem um carrega a bandeira…
R - É, tem desse. É só ida…
P/3 - Como que é? Para o senhor explicar pra nós.
R - Quando se ia sair com a folia, pedia os pousos antes. Tinha pouso que você pedia, você pousava aqui hoje. Aí agora o pouso, ia ficar pedindo pro outro ano.
P/1 - Mas era de cidade em cidade que o senhor fazia isso?
R - Não.
P/1 - Na comunidade mesmo.
R - Às vezes nós saía lá do Ribeirão e vinha pousar aqui na cidade. E vem girando pro caminho aí…
P/1 - Carregando a bandeira?
R - É, pousando num lugar, pousando no outro, até chegar o dia da festa.
P/2 - Aí em algum desses lugares que o senhor pousava, tinha festa?
R - Tinha lugar que não dava, não.
P/2 - Ah, mas outros lugares tinha festa e amanhecia o dia.
R - É. Conforme fosse que a pessoa tivesse.
P/2 - Amanhecia o dia, tinha janta, tinha o café da manhã? Como é que era?
R - Tinha tudo. Café da manhã, depois o almoço. O pouso era assim.
P/2 - E muitas das vezes, você dançava até na hora do almoço.
R - Dependia. Enquanto não pudesse comer, nós tava dançando, dependia das damas querer, né? Era bom demais!
P/1 - E de comer, o que que tinha de bom nessa época?
R - Bom, isso aí não era todo pouso que tinha, o comer era bom. Tinha pouso também que você topava comer ruim.
P/1 - Mas que comidas que eram essas? O que é que tinha?
R - No caso, tinha comida... Quanto mais boa, melhor. Tinha de tudo.
P/2 - Mas o que tinha de comida? Que era arroz, feijão…
R - Tudo. Tinha de tudo: carne, se tivesse de peixe. Agora tinha lugar que não tinha. Não tinha ‘mistura’. Nós pousou numa casa uma vez, que teve feijão com arroz e abóbora. Nós pousou numa casa atrás, no pouso, que tinha de tudo: tinha carne de porco, tinha carne de gado, tinha frango, tinha peixe. Tinha tudo com fartura. No outro pouso, quando eu cheguei, desarriou, aí o dono da casa veio falar comigo assim - o dono da folia - falou: “Já já a comida sai, a mulher tá picando abóbora”, mas eu achei que era uma brincadeira. Achei que ele tava brincando. Aí, quando foi na hora que foi comer, falou: “Ó, chama os seus folião que a comida tá pronta, tá na mesa”. Aí nós desceu pra casa dele, tava numa casa grande, tinha um corredor, nós desceu e quando eu cheguei, em cima que eu olhei, tava a mesa lá: feijão, arroz, abóbora madurinha e um litro de pimenta.
P/2 - E aí sempre tinha uma pinguinha também, né?
R - Um litro de pinga.
P/2 - Esse não faltava.
R - E nós fomos obrigados a entrar pra nós comer e entrar nessa pinga também. É, ué, fazer o quê? Nós tava girando, não conseguia voltar pra dentro de casa. Tanto que o povo do pouso que nós foi, que tinha de tudo, aí eu chamei eles pra ir pra nós e vou no ocês. Aí eles foi: foi pai, filho, as meninas, tudo foi. Quando chegou lá na hora, nós chegou pra jantar, eu chamei eles: “Agora vocês vão jantar mais nós”. Aí se “empiredou” tudo, foi todo mundo. Quando chegou lá assim, que era embaixo da varanda, a mesa. Quando eles chegou assim e olhou, você só via a gente afastado pra trás. Foi todo mundo embora. No outro dia, eu topei o ____ pra comer: “Fiquei com dó “docêis”, cheio do que tá doida. Lá em casa quando é que foi, como é que foi bom, agora, no outro dia, vocês comeram abóbora com feijão e pimenta”, “Feijão não, e pimenta eu não comi, não. Não gosto de Pimenta”.
P/1 - Mas e aí, como é que fazia? Comia comida que eles ofereciam e aí algum lugar tinha festa e alguns outros lugares não tinha festa? Aí, quando não tinha, você já ia embora?
R - Não, aí nós pousava, né?
P/1 - E quando tinha festa…
R - Esquecia a casa na cabeça e pousava no mato, qualquer lugar servia pra pousar.
P/2 - Você já ia de cavalo?
R - E aí todo mundo ia a cavalo. Era assim, né? Agora mesmo, lá no ribeirão, da onde eu fui nascido e criado, saíam pro Rio. Eles iam 30 dias. Sai do ribeirão lá, passa aqui, gira isso aqui, depois bota, entrega também, né?
P/2 - Passava no Machadinho também, né?
R - Claro, Machadinho era um pouso certo.
P/2 - Machadinho, você ia em que local lá?
R - Na casa de Zeu, só na casa de Zeu.
P/2 - Do Zeu Araújo, né?
R - Era um festão doido.
P/3 - Seu Inácio, a gente não conhece... Eu não conheço a Folia do Divino, né?
R - Não conhece, não?
P/1 - Conta pra gente.
P/3 - É por isso que eu tô perguntando, assim: se tem reza, sabe como é que é, como é que junta. Se o Senhor pudesse contar um pouco mais.
R - Tem de tudo. A pessoa chega, faz a entrega. Ficamos fazendo entrega, aí depois que canta, que pede o “agasalho”. Aí, pede um pouso. Quando terminou, quem ficar lá, vai todo mundo jantar. Depois da janta, tem um bendito.
P/2 - ...Uma oração.
R - ...Pra saldar a mesa, pra agradecer a mesa. Aí vai todo mundo e reza o bendito. Depois do bendito, tem a reza do altar: todo mundo rezando. Terminou a reza do altar: a catira. Não sabe como a folia lá do ribeirão pra cá pros outros no beira da praia, nós dançou 8 catira sem sair da sala. Nós molhou a roupa da cabeça até no sapato. Suor. 8 catira.
P/2 - Na beira da praia que o senhor fala, é aqui em Rosa, né?
R - É, saindo lá pro Machadinho.
P/2 - Pro Machadinho.
R - Quando vem lá, você tá doido. Dançava catira: “Não, tá boa demais”, dançava outra. Quando eu contei oito catira assim... Mas nós dançou. Pediu, você tem que dançar, não tem (dia?), tem que dançar.
P/1 - E conta pra gente o que que é a catira, porque tem gente que não sabe o que é. Como é a catira?
R - Sapatear. É bonita a catira.
P/1 - Ah, é uma dança. Catira é uma dança?
R - É, uma dança. Sapatear é bom demais. Vixe, Nossa Senhora da Abadia! Mas não é todo mundo que sabe dançar.
P/2 - E ali acompanha o toque da viola, violão.
R - É, tem que ser, já faz os folião, a turma certa, né? “Nós vamos dançar a catira?”, “Vamos, todo mundo, vamos embora”.
P/3 - Seu Inácio, quem é que pede os folião? Eles pedem e a gente dança?
R - É.
P/3 - Quem pede?
R - O dono da casa. Agora esse véio pintou demais com nós, sô! Nossa Senhora da Abadia! Nós terminou cansado.
P/3 - E é um grupo só que dança?
R - É, uma turma só.
P/3 - E o senhor fazia parte?
R - Eu era dono da folia, né? Era dono da bandeira, eu que saía com a bandeira.
P/3 - É escolhido como o dono da bandeira?
R - O dono da bandeira, falavam que era o mais sério, o dono da folia.
P/3 - Mas como é que o senhor virou o dono da folia?
R - Porque foi eu que saí com o Santo. E eu tava com a bandeira. Isso aí manda nos folião tudo. Depois do ___ , é o guia. O guia é o que canta primeiro.
P/2 - Então um ano antes de iniciar a folia, o Senhor já falou: “Ó, no ano que vem eu vou sair com a folia, vou sair com o santo”?
R - É... Não, na hora de sondar pra sair, já pede o pouso. O carro chega perto do pouso e fica marcado pro outro ano. Que ele só sai daí de ano em ano, né? Aí já fica marcado. Que muitos pediram. Se não desse, nós pedia mais pra frente. Se tiver, ia conforme os dias que ia girar. Mas é bom, as pessoas acompanham a folia, toda folia que tiver, eu não perde não.
P/2 - Essa Folia que o senhor teve, que o senhor dançou 8 catiras aqui no Machadinho…
R - Essa é a folia de São Bom Jesus.
P/2 - E aí depois tem o forró?
R - Ixi, até amanhecer o dia. Mas, também, de madrugada teve uma briga que eu vou contar pra vocês.
P/3 - Pode contar.
R - Desgraceira que você não imagina!
P/2 - Como é que foi essa briga?
P/1 - Pois é, como é que foi?
R - Não fiquei sabendo como é que foi, que eu tava tão cansado e com sono, que nós tinha dançado no Machadinho e não dormiu nada. E o folião é assim: se eu não dormir de noite, de dia ele não pode dormir. Dava que você amanhece um dia cedo, beija a bandeira e agora você não pode dormir de jeito nenhum. Tu tem que trabalhar, né? E nós dançou lá até amanhecer o dia. Quando chegou aí, nós dançou essas oito catiras, depois nós ‘traçou’ na dança. Quando foi 4 horas, eu falei: “Não, não aguento mais não”. Peguei o... Somente peguei o cochinil e o baixeiro e sai beirando a seca por causa que lá fora tinha um monte de pedra, dessas ‘tapiocando’. Joguei o cochinil lá e deitei. No outro dia, amanheci com ‘sinal’ das pedras assim nas costelas. Não, foi deitando e dormindo, e o povo brigou lá na rota de ribeirão, na distância, e eu tava deitado com aquela coisa ali, ó, e a briga foi aqui.
P/1 - Foi perto assim?
R - Não, mas foi briga que precisava de ver. E eu não ouvi nada, não vi nada. Quando eu acordei, o dia tava começando a amanhecer, vem chegando um cara: “Seu Inácio, você viu a bagaceira?”, “Eu não vi nada”, “E você dormiu aqui, foi... A briga passou aqui beirando você”. Mas não tem nada pra gente, as pessoas que têm festa, você sair da folia, a pessoa que tem festa, ninguém liga com você. Você pode girar aonde for, ninguém mexe com você.
P/1 - E deixa eu te perguntar uma coisa, seu Ovídio: que o nome do senhor de batismo, o nome de registro é Ovídio, mas todo mundo chama o senhor como o senhor Inácio.
R - É, porque ficou sendo um apelido, né? Quem nasce, é apelido... Não, é nome. Mas pra mim ficou sendo apelido, que eu tenho 2 nomes.
P/3 - Quem colocou esse nome de Inácio?
R - É o nome, quando a gente nasce... Quem nasce no dia primeiro de fevereiro, traz o nome de Inácio.
P/2 - Ah tá. Mas o Ovídio, então, de onde saiu?
R - O Ovídio foi o povo... A madrinha que pôs, né?
P/2 - A madrinha que colocou.
R - Que era pra pôr... Trocou por, mas minha mãe não queria que trocasse meu nome. Mas todo mundo ficou me chamando de Inácio.
P/1 - E desde quando chamam o senhor de Inácio?
R - Até hoje ainda tem gente que chama, aqui mesmo agora o povo já mudou, já não chamam mais, eu sou Inácio.
P/2 - Então, praticamente, desde quando o senhor registrou o nome de Ovídio, ninguém chama mais de Ovídio. É só Inácio.
R - Mas é ruim de chamar. Só os padrinhos que chamava eu pelo nome.
P/2 - Isso é por causa do dia que o senhor nasceu, que era o dia do Santo Inácio.
R - Agora não sei, acho que não, mas trazia o nome. Se você nascesse no dia primeiro de fevereiro, era Inácio. Se fosse no dia 2, era Demóstio. Hoje acabou isso, né?
P/2 - Aí o senhor nasceu dia primeiro, aí ninguém concordou em chamar Ovídio? É Inácio.
R - É que tinha um “blocozinho” assim ó, parecendo uma “folhinha”, ficava todos os dia…
P/3 - Ainda tem hoje, né?
R - Eu acho que ainda tem.
P/2 - É, ainda hoje tem.
P/3 - É que hoje pouca gente faz, mas antigamente era muito.
R - É, o povo acompanhava.
P/3 - Muito isso.
P/1 - E aí ficou sendo Inácio desde criança.
R - Ficou o nome de nenhum jeito. Do jeito que minha mãe quis. Mas a mãe tava certa, ela mandava. (risos)
P/3 - A gente tava aqui pensando seu Inácio, como é que o senhor conheceu... Porque o senhor era muito namorador, pelo jeito.
R - Sim…
P/3 - Tava contando que tem duas, três namoradas nos bailes lá, nas festas.
R - Não rejeitava o batidão.
P/3 - E como foi o dia que o senhor conheceu a sua esposa?
R - Nessa época, já tava mais velho. Eu tava com 30, com 28 anos. Eu falei: “Se eu fizer os 30, eu não caso, não quero casar mais”. Aí arrumei ela e casei.
P/1 - E onde você conheceu ela? Como foi?
R - Aqui em Paracatu.
P/2 - Fala pra nós, seu Inácio, foi lá na região bem próximo do Machadinho, ali da praia do macaco…
R - Não foi na praia do macaco.
P/1 - ...Naquelas festas. Como é que foi?
R - Na casa do tio dela. A gente começou a dançar, aí começa a namorar tudo firme. Mas eu não ligava, não. Se quisesse terminar comigo, eu achava bom. Tinha outra na frente. Não me preocupava com isso. (risos)
P/3 - Mas teve alguma diferença aí, porque com ela o senhor…
P/1 - Porque o senhor com ela, casou.
R - Mas aquilo já era, como diz, foi a sorte, porque eu namorei foram muitas.
P/2 - É que o senhor tinha falado: “Chegou nos 30 anos, não vou casar”.
R - Eu falei: “Até 30. Se chegou nos 30...”
P/2 - Aí quando o senhor conheceu, tinha 29, né?
R - Tinha 29. E agora, eu tô casado.
P/3 - Seu Inácio, posso te perguntar uma coisa?
R - Nunca namorava com de casar não. E eu ia namorando. A primeira coisa que o pai falava, era que desde de eu com a idade de 15 anos, não falo brincadeira, o pai já tocava em assunto de casamento. E nem lá na casa eu voltava. E, às vezes, eu namorava com uma menina numa festa, no outro dia o pai já tava tocando no casamento. Namorada que você arrumava em festa, ficava com a ressaca. Acabava a ressaca, acabou. Era muito difícil namorar com uma menina numa festa e casar com aquela menina. Era muito difícil.
P/3 - E é por isso que eu perguntei.
R - Tava aqui na farra, quando podia era tudo de graça. Eu não comia. Depois: “Ah, você não foi lá em casa, sei lá o quê”. Tava... Não queria casar. Tava, foi na festa.
P/3 - Seu Inácio, qual o nome da sua esposa?
R - Sandra. Era pra ser Isabel. É outra que tem dois nomes.
P/3 - E como é que virou Sandra?
R - Ela tem dois nomes. Depois botou Sandra.
P/1 - E o senhor sabe por que que ficou Isabel... Por que Sandra?
R - Não. Mas era um apelido também que põe. Pôs o apelido, é o nome dela.
P/3 - Quando o senhor casou com ela, ela morava aonde, seu Inácio?
R - Ela morava aqui na cidade. E eu morava lá na…
P/2 - Ela morava nessa região aqui.
R - ...No ribeirão. Depois que eu mudei pra cá.
P/3 - Mas ela morava já na cidade ou na comunidade? Na roça? Como que fala?
R - É aqui mesmo, na casa que ela morava.
P/2 - Ela morava na região ali da praia do macaco. Inclusive, essa região faz parte da região do Machadinho.
R - É, saindo pro Machadinho. Pai dela morava ali.
P/1 - E aí o senhor casou e foi morar onde? Logo casou e foi pra onde?
R - Nessa dita rua aqui, morava ali embaixo.
P/3 - Aqui mesmo.
R - É. Um pouco pra cada canto.
P/2 - Não pai, o senhor chegou a morar uns tempo lá junto com eles, lá com vó.
R - Não! Depois que eu mudei pra lá.
P/2 - Ah, depois foi pra lá.
R - Eu morava ali na casa alugada. Depois eu mudei pra lá, fiz um barraco. Não deu certo. Voltei pra cá pra rua do mesmo jeito.
P/1 - Mas essa casa era sua na época?
R - Não. Ainda não tinha essa casa aqui.
P/2 - Ele tinha alugado.
R - E eu morava lá embaixo numa casa alugada, pra cada_____. Quando eu casei, tava morando nessa casa. E aí, morei mais uns tempos depois e comprei essa casa aqui. Na mesma rua.
P/3 - Você teve filho, seu Inácio? Quer dizer, parece que um tá aqui, né? (risos) Quantos filhos o senhor teve?
R - 4, né? 2 casal.
P/3 - E o senhor lembra quando nasceu o seu primeiro filho, o senhor lembra? Como foi a sua sensação?
R - Bom, acho bom demais: o primeiro, né? Nós tudo é assim: minha mãe teve dois casal; minha irmã, dois casal; e eu, dois casal.
P/3 - E aí, depois teve os netos.
R - Agora só tem três netos.
P/2 - Tem mais, pai. Tem os de Nilda. Uns cinco netos.
P/3 - Tem o Mateus.
P/2 - Fala o nome deles aí, seu Inácio.
R - Mateus, Tiago e Isabela.
P/2 - E os de Nilda? Fala.
R - De Nilda, é Pedro, Pedrinho, e Manu. Essa foi a menina minha pegou pra criar, não é filho dela não. Pegou tudo os dois.
P/2 - Adotivos.
P/3 - O senhor tava falando do seu trabalho, que o senhor trabalhou de tudo. Na época que o senhor era criança, depois também jovenzinho, o senhor trabalhava muito. E depois, como foi indo o seu trabalho?
R - Tinha que trabalhar pra ajudar minha mãe. Porque ela sofreu muito pra criar nós. Que era 4. Era pesado. Não tinha negócio de pensão, não tinha negócio de aposentadoria, não tinha nada. Mas Deus criou, né?
P/3- E depois, quais foram os trabalhos que o senhor fez, seu Inácio?
R - Aí eu mexia mais era com gado. Por muitos anos. Aprendi a mexer com gado e gostei por muito. Tanto que de ter mexido com gado, de todo tipo que você pensar, eu sei mexer. E eu conheço até a vaca que vai parir macho e que vai parir fêmea.
P/3 - Nossa!
R - Conheço.
P/3 - Como que o senhor sabe que vai nascer?
R - Eu fui pra uma fazenda daqui, de um fiscal, e tinha pouco gado. Não era muito não. Aí peguei ___ com o gado, gostou do modo de eu brincar com o gado. Não sou de bater, de criação. Não bato. Gado que eu quis, ficaram tudo mansinho comigo. Aí, tinha duas vacas ‘mojando’, começou a ‘mojar”. Era Fazenda, a vaca mais velha. Depois tinha Beleza e... Na... Fazenda, Beleza e Paciência. Ele perguntou assim - E eu tava com um ano que eu tava lá - perguntou: “Eu vou dar a você uma bezerra. Qual é a vaca que você quer? Você quer de Fazenda, ou de Paciência, ou de Beleza?”. Aí eu vou pras vacas assim: “Porque não... Eu quero de Fazenda”. E ele falou assim: “Por quê?”, “Porque só ela vai parir macho”. Falou assim: “Ó, você pode escolher a vaca aí, se parir macho, eu troco com você. Dou a você outra bezerra”. Eu falei: “Não, eu vou tirar a que vai parir filho, que é só uma vai parir filho. É só a Fazenda”. Foi batata. Depois, ele ficou encantado com esse negócio, contava pra um, contava pra outro. Segundo, pegou tipo de um “amojo" do boi, da vaca, né? A vaca que vai parir o macho, o “amojo” dela vai pro lado do umbigo da vaca, pra frente, né? E a vaca que vai parir fêmea, o “amojo” mais pra trás.
P/3 - Entendi. Sempre é assim, seu Inácio?
R - É que tem um posto e eu chego na…
P/2 - O senhor fala, no caso, o peito da vaca, que vai pra frente?
R - É, tem... Começa enchendo assim…
P/2 - Para frente, né?
R - É. E depois vai coisando. Porque tem vaca que _____ até o umbigo, que fica uma abóbora depois. E eu falo... Tinha um homem aqui embaixo, o Elizeu, que tava com uma vaca gorda... Acho que ele matou essa vaca, eu não sei. A vaca passou com aquele barrigão, com aquele peitasso, né? Pra ___ Elizeu. E eu sei qual é essa... “Vai parir é macho, você sabe?”, “Eu sei, posso até apostar com você. Eu aposto”, “Ah não, não vou apostar, mas vai parir fêmea”, “Vai parir é macho!”. Passado alguns dias, a vaca pariu. Quando passou aqui: “E aí Inácio, você ficou sabendo, né? Foi macho”. (risos) Eu sei, não adianta. Mexia com gado desde menino, sô.
P/3 - Conta mais coisas assim, seu Inácio.
R - As coisas mais, até pra mim, eu achei mais difícil, foi isso. Porque tem gente que duvida comigo. Falava: “duvido”. Então vamos apostar, ué! Vamos apostar, mas depois eles cai fora. Aí, eu fui mexendo com gado. Levantava cedo, de madrugada, pegava o rádio, punha lá em cima da cerca, ligava no mais alto, escuta música. Aí o gado acostuma. Tinha vaca que eu punha o rádio... Era no giral que eu punha, a vaca doente. Tinha vaca que eu punha no curral, ia direto lá pra, ficava na ____ . Aí eu tirava leite dela, tudo era lá. Foi indo. Aí quando chegou o dia da vacina, o patrão meu saiu daqui pra ir pra lá. Chegou lá, não tava com 8 dias que ia vacinar e aí chamou uns 4 homens no ribeirão pra ajudar. O gado dele era pouco, não era muito. Aí ele falou: “Ó, chamei o povo pra ajudar você”, “Chamou pra quê?”, “Não, aqui se não chamar, não vacina". Tem que ficar gente no curral, na cerca, pro gado não sair, pra pular a cerca. Eu pensei assim. Chegou o dia da vacina, quando de tarde, fiquei - era fiscal - trabalhando. Aí chegou lá de noite: “Ô, Inácio, tu já vacina pra não vacinar amanhã. Então eu já chamei a turma, pra vim...Vai vim 4, chamei 4, com o senhor aqui, 5". E ele não tinha medo de gado. O bichinho tinha um medo danado. Aí, quando nasceu o dia, eu levantei de madrugada, levantei mais cedo um pouco. Falei: “Eu vou levantar de madrugada pra poder tirar o leite e mandar o vaqueiro levar o leite, o empregado”. E no outro outro dia que a vaca amanheceu, tirei o leite, pus lá nas latas e mandei um menino derramar o leite no povo. E aí ele foi acordando. Quando ele acordou, chegou na janela: “Óia, Inácio, já mandou o leite?”, “Já. O senhor pode levantar pra arrumar a vacina, aqui, pra nós vacinar”, “Não, vamos esperar o povo chegar”. Aí eu falei: “Não, vamos vacinando. Nós vamos começar agora, a hora que chegar, nós tá a vacinar”. Aí ele levantou e veio empurrando com a vacina. Sabe como é que é? É tipo de um revólver.
P/1 - É uma pistola assim.
R - Eu nunca tinha vacinado o gado. Aí eu peguei, ele arrumou pra mim. Enche, dá pra aplicar em 5, né? Aí ele encheu lá e eu peguei: “Ó, vou começar com as vaca parida, que já tá aqui”, aí vacinei as vaca parida. Tinha umas que eu vacinava sem nem pôr corda no pescoço, outras punha o laço e jogava no chão e já vacinava ela. Chegava na outra, a mesma coisa. Quando terminou, eu fui lá no pasto e peguei o resto do gado, um solteiro, e tinha um boião alto, peguei tudo e pus no curral... Vacinou, não vacinou. E eu laçava um e dava a ele pra segurar pro lado de fora do curral. Ele tinha medo demais de gado, sô. Eu dava o laço pro lado de fora e ele ficava segurando lá e eu vacinava. Até (que) eu vacinei tudo: “Ó, deixei o boi pro derradeiro”, “Tô com medo desse boi”. Falei: “Não tem perigo, não”, “Vamos deixar o posto chegar”. Falei: “Não, vamos vacinar ele”. Acabei de vacinar os outros e peguei o boi mais ______, um boião alto, novo, chifrão. Tinha dois chifre grosso e curto. Era boi novo. Aí o macho... Eu passei o laço nele e ele ficou quietinho. Aí depois, eu fui chamando ele, puxando ele com o laço até no mourão. Ele chegou encostar a cabeça, a testa assim no mourão. Aí, eu peguei e dei um laço pro ____ segurar. E pro lado de fora tinha um ranchinho que eu fiz, pra modo de dizer, pra bezerro dormir, de chuva, e tinha a ponta dos cabo que ficava assim. E ele ficou justamente desse lado. E o ___: “Olha Inácio, eu tô com medo desse boi machucar você”. Falei: “Não tem perigo, pode deixar”. “Ó, você dá duas doses no boi”. Eu falei: “Tá”. _____ puxei uma, tornei puxar outra, aí tremeu assim, mas ficou quietinho. Eu peguei o arreador e fui lá na argola do laço pra mim tirar, que a gente enfia no arreador. Sabe como é que é?
P/1 - Sim, e puxa o laço.
R - É. Pra você não pegar na argola, porque se você pegar com força no arreio, machuca sua mão. Aí eu peguei e fui enfiar o arreador assim no coisa e dei uma encostada lá. Falei: “Ó, já que o boi tá quietinho aí, você pode afrouxar o laço”, aí afrouxou. Quando foi pra mim levar o coiso, quando fui levando na mão, ele pulou em riba de mim. Quando ele pulou em mim, passei assim e puxei o laço. (risos) Enfiei a mão na argola.
P/1 - Mas chegou a te machucar?
R - Nada! Não pegou em mim. Só tem que ele pulou, né? Ele veio em mim e eu neguei? assim e puxei o laço da cabeça dele. Na mesma hora, foi chegando a turma pra vacinar, e eu já tinha soltado o gado, fui acabando de tirar o dele: “Vacinar só o teu gado”. Tava chovendo e o curral tava com lama, aí quando você abre a porteira, o gado sai, mesma coisa de um tiro. Quando o povo chegou, não tinha um arreio. O cabra chegou: “Uai até nós ia vir pra vacinar, não tem um arreio aqui”. Eu falei: “Não, depois nós busca pra vocês”. Aí ele falou: _____, “Nós já vacinou tudo”, “Ah, mas não é possível! Vacinou tudo sozinho”. Foi sozinho, porque eu posso dizer que não ajudei em nada, porque se o gado tá pro lado de fora, né? O gado virou uma cera, que você tinha que tá empurrando a vaca assim pra você passar.
P/1 - Mas esse gado que o senhor conseguiu dominar, eles pareciam mais manso porque o senhor já tinha uma relação com eles, né? O senhor já conhecia.
R - Não conhecia. Eles não. O gado que eu fui pra ser vaqueiro, não conheci o gado. É por causa que eu já tinha o costume de saber mexer com gado. Você tem que saber. E outra coisa, o rádio ajuda muito.
P/3 - O rádio?
R - É. Se é uma fazenda que quase não vai gente, você pode ligar o rádio que o gado acostuma, por causa de música, por causa de conversa. Fica mansinho. Agora, aonde quase não vai gente, quando chega uma pessoa e o gado fica doido. É, ué, não tem como um rádio ____ . Para você tirar o leite.
P/1 - E quando o gado é bravo, como é que você amansa?
R - É desse jeito. Amansa também. E quanto mais a vaca ficar mansinha, mais leite dá. Ela não esconde nada. Tava indo em muitas fazendas e teve essa fazenda que eu deixei o gado manso.
P/3 - Seu Inácio, essa ideia do rádio, o senhor aprendeu com alguém?
R - Não. É porque eles gostam também da música, sô. Bem esquisito. Onde tem gado que chega na beira e fica assim, ó.
P/2 - Mas ninguém ensinou o senhor?
R - Não, ninguém ensinou. Mas por causa que eu sempre, eu gosto de tirar o leite no curral, e eu vi o modo como o gado ficava…
P/1 - O senhor mesmo levava o rádio pra você escutar?
R - É, eu tinha o rádio pra mim. Eu ligava lá. A primeira vez que tentei fazer assim, porque depois custou muito a ter rádio. Depois que passou o tempo... TV não tinha, né? (risos) Aí passou, eu comprei o rádio e eu levava lá pra o curral. A primeira vez que eu ligava, o gado ficava ficava ouvindo assim. Logo depois, virava uma cena. Tinha gado que chegava a encostar no rádio. Tudo manso. O povo e o patrão ficou besta com o negócio: “Inácio, você amansou o gado”, e eu amansei sem dar um patorote?, um arreio. Não batia.
P/3 - Seu Inácio, teve algum algum boi, alguma vaca especial, assim, que o senhor teve um carinho, ou o boi ou a vaca fazia alguma coisa assim com o senhor, diferente?
P/1 - Senhor lembra alguma recordação de algum deles?
R - Não, não fazia.
P/3 - Todos eram iguais?
R - É, não tem nenhum especial.
R - Tinha umas que estranhava, né? Conforme o curral, você chegar assim, o gado estranha. Então você tem que saber como é que mexe. Porque a pessoa acha que o negócio é meter o porrete. Não é assim.
P/2 - Mas durante esses anos que o senhor trabalhou na fazenda, alguma dessas fazendas tinha alguma vaca ali que o senhor gostava mais? O senhor tinha mais coisa com ela.
R - Tem! A gente acostuma com gado, sô. Outra coisa, “novilha”, se a “novilha” pariu, você vai buscar ela pra esgotar. Se ela for uma “novilha” que bate, você não pode bater nela. Se você pega ela, amarra ela no pau pra meter o cacete, bater nela, ela ‘enjeita’ o bezerro. E teve uma lá na fazenda de Terezona, que foi o vaqueiro lá e pegou um gado na (meia?).
P/2 - Lá no Machadinho?
R - É. Pegou um gado na meia, rapidinho uma (nuvia?) lá. Ficou prenha e a (nuvia?) era muito braba, né? Eu fui buscar lá no pasto, cheguei lá, ela tava parindo. Encostei o cavalo, ela tava de um lado e do outro, depois foi saindo com bezerro e eu fico mexendo com ela até outro dia no curral. Chegou no curral, eu prendi ela. Quando eu prendi, chegou gente lá: “Ah, pode deixar que eu vou esgotar pra você”, “Não. Deixa o menino esgotar. Eu que tenho que esgotar. Vocês não vai me esgotar todo dia pra mim, né?”. E eu: “Não, deixa aí”. O cara foi mexer na vaca, pegou, bateu, pegou meteu o cacete na vaca e a vaca ‘enjeitou’ o bezerro.
P/3 - E aí não tem como mamar?
R - De jeito nenhum! Não adiantava botar o bezerro no peito dela, que ela metia o pé.
P/1 - E fazia como pra resolver isso?
R - Não tem... E aí acabou. Se ela ‘enjeitou’, acabou.
P/2 - E aí como é que alimentava, tinha que dar o leite pra ele separado?
R - Ah, não, o bezerro morreu. Eu comecei a dar na mamadeira, mas depois num…
P/1 - Ele também rejeitava a mamadeira?
R - É. Não mamava…
P/2 - Não é a mesma coisa, né?
R - É. Tem que ser a mãe dele. Não é ‘papo’, não. Mas, é tanto que eu não tenho medo de vaca batedeira, pode ser a vaca batedeira que for, não tenho medo. Tenho medo é de cachorro. Sem brincadeira. Sabe por quê? Eu vou na casa de uma pessoa, se tem um cachorro, vem pra me morder e eu não deixo, eu bato mesmo, sabe? E a vaca, não. Se a vaca vier em mim, eu não deixo ela bater em mim e eu bato nela. Tem um jeito de você mexer, não é meter o porrete, você derruba a (rerra?) no chão. Tem vaqueiro que é assim: derruba lá no chão, a vaca cai, mete o pau. Não, sô! Se fazer desse jeito, costuma até matar a vaca. A vaca “pisteia” (57:30). A vaca apanha tanto que ela não engorda mais nunca. Eu não bato.
P/1 - E aí perde a vaca também, né?
R - Perde. E eu bato de jeito nenhum. Uma que eu tenho dó. Tenho. Amanso o animal mesmo. Tinha _______não batia, nem ‘esporava’. Tem umas que amansava. Não gostava de bater.
P/1 - E o senhor tinha contado desse tal de cachorro que o senhor falou: “Não, não gosto. Eu tenho essa questão com cachorro”. O senhor teve alguma história com cachorro, que o senhor teve que bater, teve que brigar, teve que fugir?
R - Não! Tem cachorro que se vier bater em mim, eu passo na porrada.
P/1 - Mas teve alguma história assim?
R - Tem! Eu batia.
P/2 - Já aconteceu com o senhor?
R - Já! Se viesse pra bater em mim, eu batia no cachorro. Meu Deus, eu ia deixar ele me morder? Podia, sei lá, tá junto com dono. Aqui mesmo, em Orlando, eu fui olhar um serviço lá e ele tava tirando leite, e o cachorro veio com tudo em mim. E aí eu fui, pulei em ‘riba’ de uma caixa d'água alta: fiquei lá. E o cachorro tava rodeando, latindo, e eu ele lá tirando leite... Tirando o leite bem a fresco. O pessoal “ Vamos ralhar”, “Não ralha com esse cachorro, porque eu tenho que descer daqui.” E ele: “Ele não morde” Eu falei: “Não! Eu vou descer daqui, se vim em mim, eu meto o pau”. Aí, ele acabou de tirar o leite, o cachorro veio: “Não. Sai!”, foi tirando o cachorro pra rua. “Eu vou deixar o cachorro meter o...”, “Não deixa, você já sabe que eu tranço, mas eu tranço ele mais o dono do cachorro”. Não deixo me morder. Você pode ter carrão e eu subo, daí eu não vou.
P/2 - Seu Inácio, em relação à região ali do Machadinho, como é que era ali aquela convivência com o pessoal lá?
R - Então, lá, de bondade, tinha mais, não? Tanto que quando era dia do pouso lá, Paracatu, ia quase todo mundo lá.
P/2 - Na fazenda de quem? Elizeu Araújo?
R - Do Elizeu. Matava vaca, pintada o ____, muita coisa, muita gente. Isso aí era uma festa “paulada”. Tinha festa era todo ano. Chegasse o ano pra poder ir na festa. Não tinha mais ___ de ser ruim, Todo mundo bem. Fui dando muitas festas, não tinha briga, não tinha nada.
P/2 - Inclusive, o senhor morou…
R - O Elizeu com todos os casos, esse negócio, ele vendeu lá. Eu não sei. Acho que ele até apaixonou, morreu. Eu acho que foi. Ele gostava de lá demais, sô.
P/3 - Quem morreu?
R - O Elizeu, que era o dono da fazenda.
P/2 - O dono da fazenda lá do Machadinho.
P/1 - O dono da fazenda do Machadinho. É, ele faleceu. Parece que se apaixonou. Não sei.
P/2 - Aí quando o senhor morava lá na fazenda da Terezona, que também é no Machadinho, o senhor morou muitos anos…
R - Bandeirinha, né?
P/2 - É. E aí o senhor continuava a ir nas festas do mesmo jeito?
R - Ia. Era bom demais, sô. Lá era uma beleza.
P/2 - Tinha amizade com muita gente na região…
R - Quando o Elizeu comprou lá, era uma tapera. Vixe, eu lembro demais!
P/3 - Você lembra quando ele comprou? Conta um pouco.
R - Lá era como uma tapera, não sei nem quem era o dono. Ele comprou, depois pôs o gado, limpou tudo e ficou bom demais. Agora, pra a gente ver um lagão daqueles, eu acho que ele deve ter se apaixonado. Sei não. Morreu em ano de pôr água lá.
P/2 - Ele casou e comprou aquele local? Como é que foi?
R - Não sei como foi o negócio. Quando fiquei sabendo, ele já tinha comprado lá.
P/3 - Seu Inácio, o senhor conhecia lá antes dele comprar fazenda?
R - Conhecia, porque esse era o caminho que nós ia pra cá. Nós morava no ribeirão. O ribeirão é um arraialzinho, daqui-lá tem duas "égua". Quando nós ia pra lá, nós passava por dentro da fazenda. Só ___ que era. Era uma casa velha, tapera comum, não tinha ninguém. Inclusive, quando nós fomos lá, quem ficou lá e começou a tomar conta lá foi um primo meu, o Nelsinho. O Elizeu também não tinha nada, porque quando ele mudou, comprou uma vaca pro vaqueiro tomar leite. Ia pro _______lá. Tinha gado toda vida. Acho que se apaixonou, não sei. Porque ele teve que vender. Hoje é assim, imagina morando no que é da gente? E lá era dele, ele vendia o que ele quisesse. Ele pegou e vendeu.
P/1 - Mas, como assim? Me conta mais um pouquinho. Como é que tá o Machadinho hoje? Ele existe ainda, ele não existe?
R - Ele existe só o nome. Lá agora é água.
P/1 - Essa região que o senhor tava contando agora é tudo água?
R - Não é tudo tudo ainda. Porque a água vai aumentando, né? Mas era o Machadinho mesmo. As fazenda do Elizeu é tudo água.
P/3 - Água de onde?
R - Da firma aí, vai tudo pra pra lá.
P/2 - A barragem?
R - O rejeito. Jogou o rejeito todo pra lá. Tirou da outra barragem que era da lagoa e passou pra essa nova. Nós foi lá outro dia. Agora, essa barragem vai arrebentar.
P/3 - Por que o senhor acha?
R - Vai. Do jeito que eles tava fazendo o aterro lá. Falei com um engenheiro, ele falou assim: “Se essa barragem arrebentar, quando é que você acha que ela vai arrebentar?”, “Vai arrebentar lá pra Santa Rita”. Eles fazendo um aterro encostando numa Serra de pedra, sô, encostando a terra, o trator vindo com a terra. Se esse Luiz, a água vai ficar batendo... Se a terra sai da pedra, a água desce. Por que tinha que fazer na serra? Já que ia tocar na serra, tinha que cortar mais ou menos uns três metros pra dentro da Serra pra poder encaixar lá, pra não ir embora. Vai com um engenheiro lá. Mas, Vai fazendo daquele jeito? Ele falou: “É”, “Falta ter um engenheiro mesmo”. Vai arrebentar.
P/1 - Que a água tá invadindo, cada vez mais ela tá avançando?
R - Tá subindo. Agora tava chegando terra, ainda tá até hoje chegando terra na barragem lá pra suspender, mas não resolve. Igual essa barragem aí que arrebentou lá no matinho. Aquela barragem arrebentou por quê? Foi barragem que o trator fez um buraco, sô. Você vem com o trator, vai afundando, fazendo aquele buraco, arredondando, depois que joga o rejeito dentro, o dia que essa água bater nessa terra vai aguentar? Engenheiro ainda fala que aguenta.
P/3 - Seu Inácio, só voltando: quando esse Elizeu comprou a fazenda de terra ali, a comunidade não tava lá? Não tinha pessoas morando lá?
R - Só tinha um homem que morava lá, um tal de... Tinha um velho que morava num pedacinho mais pra cá. E esse pedacinho, diz ele que era dele. Só tinha ele, mais ninguém. Só as casa velha.
P/3 - E o pessoal que morava perto, que era do Machadinho, aumentou o número de pessoas pra trabalhar na fazenda ou ficou igual?
R - Não, ficou do mesmo jeito que tava. O povo morava nas beiras. Não aumentou ninguém.
P/2 - Na verdade, seu Inácio, ela tá falando o seguinte: como a fazenda de Elizeu Araújo foi crescendo, foi aumentando, então deu oportunidade também de serviço pra as pessoas, e aí, nesse meio tempo, foi formando outras comunidades próximas com mais pessoas morando lá perto.
R - Não! Não mudou mais ninguém pra lá. Era o povo que morava lá, que na época tinha gente que morava, mas não tinha nada. E as casinhas lá eram, que não tinham uma vaca, depois tinha umas, duas, três lá. Na Rosa, né?
P/2 - Aí o senhor falou que Elizeu comprou, né?
R - Comprou. Agora eu não sei de quem que ele comprou, que nós passava lá, nós só via lá tapera. Depois ele disse: “Ó, eu comprei aqui”. Nós passamos lá e tava falando que comprado. Agora, de quem é, eu não sei.
P/3 - E depois que ele saiu de lá, que agora tem essa água toda, como é que ficou aquele pessoal que morava lá da época, continua todo mundo lá ou saiu?
R - Eu acho que não. Não tenho certeza, mas acho que os outros tudo também já vendeu. As capina deve ter comprado. Tinha um tal de Oscar que morava lá, não sei se ele vendeu. Até pouco tempo, ele não tinha vendido. Eles morava pra lá do Machadinho. Ele morava na beira da Bandeirinha, que é um rio que tem lá, e ele falou comigo que não tinha vendido ainda: “Ah, não vou vender, porque isso aqui é meu, não sei como é que é”, “Ó, é seu, mas vou contar pra você: ou você vende ou a água cobre você aí”. Porque ali não tem... Começou essa firma aí, só Deus, sô. Essa firma aí deu um prejuízo que vocês não querem nem saber.
P/1 - Aí, no final, acabou saindo todo mundo de lá…
R - Não…
P/1 - ...Que não dava pra morar lá, por causa dessa água?
R - Não dá! A água vem chegando e você vai ficar? Não pode. Essa firma aqui mesmo, as casas racha tudo. Aqui casa racha encostada no pilar. Aqui o muro meu já partiu assim até embaixo.
P/3 - Onde é que é?
R - Nas bomba. Solta bomba lá, a casa, até vazia... Se tiver aqui na mesa, conforme ela cai no chão, na parte de um eira de um armário. Você... O trem vai tremer tudo. Vai fazer uma coisa lá, vai resolver? Resolve nada! Mesma coisa esse terreno aí ó: ou o cara vende ou ele fica sem nada. Que eles falam: “Eu vou comprar” e vai cortando, vai cortando a roda sua. A mesma coisa aí no morro aí. Que bom que vai sair tudo, vai ficar todo mundo saindo daí. Que já teve gente que falava que não ia sair e não ia dar um preço. O senhor não pega, agora eles: “Calma”. Depois, vai cortando. Teve gente que foi cortando, por fim, ficou num tijuco de terra, um barrancão assim. Cortada a roda toda. E foi lá pra vender e eles: “Não compro. Não tô precisando”. Eu tava lá e escutei a menina falar assim: “Nós não tá comprando terra, que nós tem demais pra trabalhar”. Então o cara fica imprensado. Daí essas casa lá, ele deu aquele preço, pode comprar. Não nega, que depois você vai ter que vender mais barato. Acontece com todo mundo lá. Então eles tão tudo vendendo. E aqui tem ouro mesmo. Paracatu, tudo tem ouro. É a cidade mais rica do Brasil, passou até no jornal. Vocês não pegou? Eles fizeram pesquisa aqui e o cara falou que até no ___ . Tem muito. “Ah, não, tem pouquinho!”, eles vai falar? E tudo tem ouro. Agora, nós podemos tirar esse ouro? Não pode.
P/3 - Por que não?
R - Nós não tem a máquina pra tirar o ouro. Nós tá pisado na riba da riqueza e tá pobre.
P/3 - Isso que eu ia perguntar, que é a última pergunta: há tempos, quando o senhor trabalhava com gado e tudo, já se sabia que tinha ouro?
R - Já! Sabia toda a vida, desde que eu conheci Paracatu. Conheci Paracatu, eu era menino, e eu sabia que tudo isso aí era ouro, tanto que eu sabia (de pai?) aqui era cheio, isso daí até hoje, cheio de gente. O povo era pobre que não tinha ___, em riba da riqueza. Não tirava um ouro, sô. Se bem que o ouro era barato nessa época, não era caro. Mas o tantinho que tirava, já tava bom. O povo morreu e não tinha nada.
P/3 - O senhor tá falando que não porque não tinha as máquinas?
R - Não tinha nada, mas podia tirar. Inclusive, teve aqui um garimpo que eles compravam o material. Punha com bomba, põe aqueles jato. Tirou ouro pra danar aí, mas depois eles embargou.
P/3 - O Estado embargou?
R - Embargou. Por quê? Porque a firma ia entrar aí. Quem é que embarga a firma? Só Deus, né? Ou então quem tá com prejuízo, que fique! E vai falar com eles: “Ah, essa casa aí não foi bem coisada, você não mandou olhar o terreno, não sei como é que é”, então fica por isso.
P/3 - O senhor conheceu alguém que fazia esse garimpo mais caseiro?
R - Ali na beira da praia tinha muita gente, muito amigo meu que garimpava em caixotinho.
P/3 - E aí embargaram?
R - Embargou tudo. A polícia deu num cara aí com um caixotinho tirando ouro e foi pra cadeia. Não pode tirar.
P/1 - Aí a gente vai terminar a entrevista. A gente gostou muito das informações que o senhor passou!
R - Ah, eu não sei falar direito…
P/1 - Imagina, o senhor falou muito bem! A gente aprendeu muito com o senhor. Acabou de aprender muita coisa. A gente gostou muito da entrevista.
P/3 - Essa história que o senhor contou, tanto essa última agora, que entendi bastante coisa sobre a região, o ouro, tudo isso, e a história do gado, pra mim é muito útil.
P/1 - Do gado! É sim.
P/3 - Nunca mais eu vou esquecer dessa história. (risos)
P/1 - Muito! O senhor acabou de ensinar a gente.
R - Não, mas o gado é bem... Dá medo.
P/3 - Muito obrigada!
P/1 - Muito obrigado, seu Inácio!
R - E eu, pra mim não tem vaca brava. Como amanso ela sem bater nela. Não bato nela. Conforme elas avançavam em mim, eu bato nelas, dou um murro na boca dela. Quando eu mexia com gado, isso aqui em mim, eu podia bater em pedra que não doía. Quando eu batia em boca de vaca, _____, a vaca minha, que vem pra morder a veia da gente. É, ué. Daí a vaca, ela vem... Você tá tirando leite, ela vem, se você deixar, morde sua orelha. E eu metia a mão na boca dela. (risos)
P/1 - Tá vendo como a gente aprende bastante! Mas, obrigado, seu Inácio…
R - Não, mas é mesmo!
P/1 - ...A gente vai terminar a entrevista aqui pra deixar o senhor em paz, pro senhor descansar, tá bom? Obrigado, viu?
R - (risos) De nada.
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