P/1 – Seu João Batista, primeiro, eu queria agradecer o senhor tirar um tempinho da sua tarde pra conversar com a gente. Pra gente começar a entrevista, queria que o senhor falasse pra gente seu nome completo, o local que o senhor nasceu, o nome da cidade, da aldeia do senhor e a data do nascimento do senhor. R – Eu nasci em Brejo dos Padres em 1937, dia 24 de junho. P/1 – E só fala o nome completo do senhor, pra gente deixar registrado, por favor. R – Pelo batismo é João Batista dos Santos. P/1 – Como… e tem um nome que não seja o de batismo? R – Não, isso aqui foi inventado aqui, chamam Joãozinho, é Joãozinho, né, Maria? Joãozinho. P/1 – E tinha um nome lá no Brejo dos Padres que era o nome do senhor lá no Brejo dos Padres? R – É, Brejo dos Padres. P/1 – E o senhor tinha um nome lá? R – Não. Só esse mesmo. Não, o nome lá era Joãozinho. P/1 – Joãozinho? R – Era, que eu era pequeno, então eles… a turma lá, minha família, me apelidaram por Joãozinho, que eu era pequeno mesmo naquele tempo. Hoje, é outra coisa. P/1 – Qual que era o nome dos pais do senhor? R – Severiano Rosa de Souza e Maria Santinha da Conceição. P/1 – E dos avós, o senhor…? R – Só sei o primeiro nome: Zé Romão Filho, Maria Leombina de Jesus, que é a minha avó de uma parte, da outra, do meu pai chamava de Rosa. P/1 – E seu João, como que era a história da sua família, como que os seus pais se conheceram, casaram? R – Ai é uma história engraçada mesmo, porque eu não alcancei, mas a minha mãe passava pra mim como foi a vida dela com o meu pai: Ela era solteira, depois, ele casou com outra, ficou viúvo e conheceu ela, era do mesmo bairro, né, tudo perto. Ai, começou conversar com ela, ai casou com ela. Ele casou, mas com seis meses de casado, ele já casou um pouco meio atrapalhado da cabeça, justamente que...
Continuar leituraP/1 – Seu João Batista, primeiro, eu queria agradecer o senhor tirar um tempinho da sua tarde pra conversar com a gente. Pra gente começar a entrevista, queria que o senhor falasse pra gente seu nome completo, o local que o senhor nasceu, o nome da cidade, da aldeia do senhor e a data do nascimento do senhor. R – Eu nasci em Brejo dos Padres em 1937, dia 24 de junho. P/1 – E só fala o nome completo do senhor, pra gente deixar registrado, por favor. R – Pelo batismo é João Batista dos Santos. P/1 – Como… e tem um nome que não seja o de batismo? R – Não, isso aqui foi inventado aqui, chamam Joãozinho, é Joãozinho, né, Maria? Joãozinho. P/1 – E tinha um nome lá no Brejo dos Padres que era o nome do senhor lá no Brejo dos Padres? R – É, Brejo dos Padres. P/1 – E o senhor tinha um nome lá? R – Não. Só esse mesmo. Não, o nome lá era Joãozinho. P/1 – Joãozinho? R – Era, que eu era pequeno, então eles… a turma lá, minha família, me apelidaram por Joãozinho, que eu era pequeno mesmo naquele tempo. Hoje, é outra coisa. P/1 – Qual que era o nome dos pais do senhor? R – Severiano Rosa de Souza e Maria Santinha da Conceição. P/1 – E dos avós, o senhor…? R – Só sei o primeiro nome: Zé Romão Filho, Maria Leombina de Jesus, que é a minha avó de uma parte, da outra, do meu pai chamava de Rosa. P/1 – E seu João, como que era a história da sua família, como que os seus pais se conheceram, casaram? R – Ai é uma história engraçada mesmo, porque eu não alcancei, mas a minha mãe passava pra mim como foi a vida dela com o meu pai: Ela era solteira, depois, ele casou com outra, ficou viúvo e conheceu ela, era do mesmo bairro, né, tudo perto. Ai, começou conversar com ela, ai casou com ela. Ele casou, mas com seis meses de casado, ele já casou um pouco meio atrapalhado da cabeça, justamente que ele foi… terminou assim: sem saber o que fazia na vida dele. Foi internado, teve no asilo, depois veio pro lugar, que foi pra Recife, veio de lá pro lugar dele, chegou… Como a cabeça tava fraca, ele ficou morando dentro do mato, debaixo de uma pedra, nós chamamos… Lá nós chamamos de oca, a parte da caverna que ele morava. Eu, pra ter o conhecimento, eu fui lá ver onde ele morava. Tinha aquela casa assim que era bem grande assim, ai tinha uma pedra no meio, ele fez a divisão, tinha um quarto e cozinha, ele mesmo cozinha, ele sozinho. Ele vivia assim, ai, deu pra trabalhar, foi um homem muito trabalhador, tinha um sítio, que justamente hoje é meu e lá, ele perdeu a vida, que foi uma cobra que picou ele, esse tal de cascavel, foi em 66, ai deixou tudo lá, hoje é meu. P/1 – E seu João, como que era a vida lá em Brejo dos Padres, era todo mundo Pankararu? Como que era a cidade, a vila? Conta um pouquinho pra gente. R – Não, cidade não existia. Eu vou falar bem na palavra mesmo bem grosseiro: nós fomos criados, eu gosto de falar isso, nós fomos criados como que no mato, mas é um mato que tinha muita gente, eu digo muita gente, assim, uma base de umas cem pessoas que morava lá, fazendo aquele tipo de vida e as casa era oca, já ouviu falar de oca? Casinha de palha, as camas eram feitas de vara, amarrava aqueles… Ia amarrando, para elas não sair, ai forrava com aquela… Pegavam folha de bananeira, faziam um colchão, que era… Eu vou contar uma história que era um tempo da pobreza mesmo, sabe, nós vivíamos desse jeito, morrer de fome, ninguém morria, mas… Eles faziam aquilo e foi vivendo assim. Não tinha emprego, os empregos eram roça, plantar feijão, milho, mandioca, vivia disso e cana, que foram aprendendo de outros de fora. De outros povoados. Bem, aí como o tempo foi passando, como hoje nós estamos numa vida boa, eu posso dizer assim, que eu nunca pensava em chegar nesse tempo, ia era cansar, era aquela pobreza e foi melhorando a situação e as turmas foram melhorando. Ai, foi renovando as casa dele e já foi feito de tijolo, já foi rebocando, aqueles que podiam mais já fazia uns pisos… Aqueles pisos de barro mesmo, não eram de louça não, era barro. E hoje, quem chega lá, não tem quem diga que… Dizer assim: “Aqui era uma aldeia”, que todo mundo tem de tudo o que eles querem, eles têm, de televisão, de aparelho, de tudo eles têm e andar de carro, que nós não sabíamos, tudo isso aconteceu comigo quando eu era mais jovem, com uns 10 anos, mais uns colega lá, os outros meus primos, rapaz tinha um carro – veja bem como a coisa era – ai apareceu o carro um dia, aquela montoeira de gente pensando que era outra coisa, nós hoje aqui vimos um cantor, aqui outro dia, né, vamos dizer assim, que é para você entender. Então vimos aquele carro, na hora que eles foi embora, nós saímos, aquele montoeira de rapaz, moleque, atrás vendo o rastro que achava que era uma coisa interessante, vendo aquele rastro do carro. Veja tanto como era o conhecimento naquele tempo. E ai foi tempo foi aparecendo escola, tudo, foi aparecendo escola, foram tirando os povos, ela mesma foi pra escola, mas dizem que não sei mais, foi até o quarto ano. Foi até o quarto ano. P/1 – Seu João, me conta um pouquinho dessa história da família do senhor ser da etnia Pankararu. Tinha algum costume, como que era? Todo mundo na vila era Pankararu? R – Humm, quer saber isso aí? Não, na minha família, do meu avô, ele… Por bem dizer, nós morávamos no mato assim, um terreno que tinha lá e ninguém via essas casa, porque era fora do roteiro de caminho, né? E ele criou essa família dele, foram sete filhos que ele criou, ele e a mulher são nove e a vida dele era a roça, roça e caçar. Quando não tinha dinheiro, ele ia pro mato caçar pra dar de comida à família. Eu tô contando uma história bem interessante. Então, eu ainda alcancei, assim como disse a menina, quando chegava a madrugada, assim, três horas da madrugada naquelas caça, chamava a mulher, ela ia fazer um fogo e ele ia preparar aquilo, ai eu levantava e ia apontar ele. Eu me lembro disso aí. Mas depois as coisas foram melhorando, já as pessoas foram esquecendo que é assim, aquela rotina de convivência. Para outros apareceram emprego, que nem principalmente, foi em 45, foi quando começou a usina… Uma usina em Paulo Afonso, que nem sabiam como era o nome de Paulo Afonso, depois que batizaram para o nome de Paulo Afonso. Era interessante as histórias. E foi onde que foi aquela usina foi… aquele serviço lá, foi chamando aqueles povos pra andar e os índio iam pra lá, iam pra lá trabalhar. Ai foi quando foi descoberto o que era o trabalho, como é que era quando tinha dinheiro, como compravam roupa, como é que era que se vestiam do modo que eles queriam, e por ai foi. E hoje, já não existe. Era interessante... P/1 – Conta um pouquinho pra mim, a infância do senhor, tinha alguma brincadeira que o senhor gostava de fazer? Qual que era, conta pra gente. R – Ah sim! Nossa brincadeira, assim, que nem esses meninos têm, que nem o tamanho dessa menina, nossa brincadeira era do índio, a brincadeira mesmo. P/1 – Como que era a brincadeira do índio? R – (risos) É cantar, é cantar aquelas cantigas, dançar, é uma coisa interessante. Daí, então, ai tem do índio mesmo lá tem de ano em ano, tem um mês que é um mês só de festa, ai aquela festa é interessante mesmo. E então, a turma dança quatro sábados e quatro domingos. Ai tem comida, tem… tem tudo. É uma coisa muito interessante, viu? Nós chamamos a Festa do Embu. Eu vou mostrar mais uma coisa pra você verem, que eu acho que se viu, não sei, mas eu vou mostrar agora. P/1 – Não, o senhor… se quiser, a gente pode mostrar depois, a gente termina e depois o senhor me mostra, vou até anotar aqui assim, pra gente continuar a entrevista. Mas conta pra mim então um pouquinho, como é que é essa Festa do Embu, o quê que tinha, o quê que acontecia na festa? R – Ah sim, pois é, isso mesmo. Posso continuar? P/1 – Pode, pode! R – Então, a festa é assim: quando chegava no mês de fevereiro, março, já entra o primeiro sábado do mês de março, já começa a festa até o final de março. É, é isso mesmo e quando termina, já termina, quer dizer, de sábado e domingo, eles precisam comer, tem comida. Aí vem aquelas pessoas fazer aquelas comidas pra eles, aqueles caboclo que estão em movimento de trabalho e aqueles que são de fora já vai preparado, só vai só assistir. Então, eles têm a comida. Quando eles terminam o fim do mês, que termina a festa deles, vem a Festa do Embu, que nós chama a Festa do Embu, vai gente lá pro mato, trazer aqueles balaio assim de frutas do Embu e ai vamos fazer a… Nós chamamos “embuzada”, é uma coisa interessante as palavras. Chama “embuzada”, faz aquele monte assim, vamos preparar com açúcar, coisa de coco, ai todo mundo vai provar daquela festa. Aí termina a festa, acabou a festa. R/2 – Tem a dança? R – Não, tem a dança, mas tudo isso ai que eu tô falando tá incluído a festa e tudo. Agora, depois, então tem na festa que termina, ai vão dançar uma dança do índio que é o homem e a mulher, tudo de par. É muito interessante, viu? Principalmente, aqui não, que eu não sei, eu tenho uma fita que você vê tudinho, que eu guardo tudo, que é uma lembrança, principalmente que eu queira mostrar, é uma lembrança das roupas que eles vestem lá, isso aí eu não deixo, onde eu ando, tem. Então, é muito interessante isso ai. P/1 – E como são as roupas? R – Eu posso mostrar? P/1 – Acho que era mais legal o senhor contar, o senhor pode mostrar no final da entrevista, mas é legal o senhor relatar pra gente conseguir usar o material. R – Não, mas eu mostrando a roupa, eu conto a história. P/1 – Tá bom, é que eu só não tenho como usar o senhor mostrando assim, mas a gente… a gente… pode mostrar, mostra, mostra, mostra. R/2 – Ele não vai usar. R – Não usa não, eu vou só mostrar. R/2 – Usa lá no terreiro, né? R – É. P/1 – Deixa eu ver. R – Olha, é isso aqui. P/1 – Aaaah… R – Entendeu? Isso aqui é somente pra nós relembrar, mas tem a roupa do homem mesmo, tamanho de eu, do outro. P/1 – O senhor não quer sentar um pouquinho? Pode sentar segurando, ai o senhor mostra pra gente até na câmera um pouquinho. R – Que tem… Essa roupa aqui é só uma lembrança pra nós, mas a roupa mesmo de vestir, que eles se veste é a mesma coisa daqui. P/1 – Aaaah… R – Ai eles veste, bem aqui assim, tem um olho, tem outro e vão dançar, que é a festa nossa do índio é com isso aqui lá. Hoje tá… De primeiro era pouco, hoje tem uma base de cento e pouco, dançando assim, do jeito que tá aqui, tem a fita. P/1 – E o senhor lembra como é que era pra fazer essas roupas? R – Olha, é meio difícil, que eu só brincava, nessa roupa eu dançava, eu era garoto, mas dançava, então tirava o sábado e o domingo, mas pra fazer... não. Pra fazer o colar, ah, pra fazer o colar, faz essas cordinhas, pega a fita, costura, ó aí, tá vendo, tem costura, mas tem uma coisa que eles botam aqui dentro pra fazer a cabeça. Ai faz a cabeça, aí costura, depois pega, junta tudo, enrola com isso aqui e aqui é o enfeite, que isso aqui sai, que é enfeite, ó, entendeu? Esse é o enfeite, então eles quando vão dançar, tem um chacoalho que nós… Lá nós chamamos Maracá, que bota na mão e sai dançando, entendeu? É uma coisa interessante, viu? P/1 – E teve alguma dessas festas que tenha sido mais especial, ou que tenha marcado mais? Tem algum ano? R – Não. É um tipo só, essa dança é uma dança… não tem nada de mais do que sabe e quem não sabe. Agora, os cantos sim, os cantos… cada canto tem um jeito de dançar, é muito interessante. P/1 – E como que as crianças aprendiam, quem que ensinava? R – Aaaah… desse tamanho já estão... R/2 – Desse tamanho já dança? R – Já dança. R/2 – Eles dançam em casa, no terreiro de casa. R – É, em casa eles brincam, ai quando vão ficando grande, já estão dançando, o tamanho desse menino que tá ai, esse que tá chegando ai, já dança, ai quando chega os grande, ai os grande vai ensinando e vai parte pro final. P/1 – E seu João, tinha alguma comida que era assim, a mais gostosa dessa época de infância que o senhor lembra? R – Não. A comida é um tipo só, é feijão, carne e na minha época já não tinha, mas hoje tem: arroz. É um tipo só e a comida é pra todos daquele tipo e outra coisa: os pratos não são pratos desses que nós comemos, o prato assim feito um prato de barro, aqueles assim, né, faz assim, ai enche de comida e enche de carne e dá pra pessoa comer. Principalmente, eles não gostam que joga fora, tem que aproveitar aquela comida todinha, que o que não come, eu tenho que comer, entendeu? É uma regraria tremenda isso ai. P/1 – E o senhor tinha irmãos, tem irmãos? R – Não. Eu sou o único filho. É, que nem eu te falei do meu pai quando casou, ficou seis meses, minha mãe ficou grávida e Deus aceitou ela me criar e tô aqui. Só que hoje eu sou sozinho de família, sou sozinho. Ela já morreu, minhas tias, meus avô, tudo já morreram tudo. Hoje, minha família é só nós aqui. E primo não se fala, porque primo não tá nem ai. P/1 – Quem eram as crianças que o senhor brincava nessa época? R – Meus primos. É primo, colega, nós juntávamos… que é tudo diferente, tudo diferente, nós chama de terreiro, não sabe? Não tem nada de… tudo é areia, ai vai dançar, ai bota um pra cantar, um mais sabe… um desses aí vai cantar, os outros vão dançar. É muito interessante essa… esse modo que eu tô lhe falando é muito interessante. Essa é a origem da aldeia, né? P/1 – E dessas cantorias assim, tem alguma música que o senhor lembra assim? R – Tem, tem... P/1 – O senhor canta pra gente? R – (risos) Você quer saber de tudo, hein menina! (risos) P/1 – (risos) Lógico R – Olha, eu tenho aqui uma… tá guardado, eu tenho muitas coisas dos índio, tá tudo guardado, é uma cabacinha, a gente chacoalha ela e dali tira a cantiga que vai cantar e do canto, de acordo com o canto, o cara tem que saber a pisada que vai combinar, que nem cantor mesmo. Então é assim menina, eu vou… só vou dar o começo. Tem vários tipos de canto, né? Vou começar por uma, que quando faz a festa, que nós chamamos Festa do Embu, é assim [cantando]: “É a Festa do Embu, é a Festa do Embu…”, eu já tô esquecendo. R/2 – Esse não é o canto. Ela tá falando do canto. R – É, eu esqueci, esse ai eu já esqueci, fala várias coisas de fruta, fala bastante, bastante, mas… agora, dos canto dos índios é assim [cantando]: “Eia, eia, eia, eia, eia…”, essa “eia” que tá assim é a pisada que a pessoa tem que pisar certo com aquele canto, entendeu agora? Tem mais, tem mais, mais e mais, ainda me lembro de um bocado, mas tô meio por fora (risos). P/1 – E conta pra mim uma pessoa que tenha sido muito marcante da infância do senhor assim, que o senhor tenha se inspirado, que tenha muita história que dividiu, pode ser um amigo, ou uma pessoa mais velha. R – Não, isso ai sempre é comum. Quando nós juntávamos aqui um bocado deles aqui em São Paulo, ai nós inventávamos e fazíamos um balde assim de erva-doce, fazia aquele balde de erva-doce, ai nós começava a cantar as mesmas cantigas de lá, que era fazendo a imitação, nós fazia, só que era meio prejudicado, né, aqui no mato era prejudicado, porque parece… Vocês não vão acreditar, onde nós estamos, nós temos outras pessoa que cuidam de nós, invisíveis, então quando nós fazia isso ai no mato, como chegou uma vez, o cara chegou e falou: “Olha, não cantem mais isso aqui, que isso aqui é na aldeia, não é aqui, aqui não é a aldeia, só mato”, ai o rapaz ficou injuriado. Então, a gente para com isso, que isso não pode. Eu ando por essas coisas daqui por uma lembrança, mostrar que nós somos daquele lugar, mas não para fazer os ritual de canto e essas coisas, que é muito ruim, inclusive para muita gente também e às vezes, a gente, como diz a linguagem ai, apanha sem vê, entendeu? Tem muita coisa, parece mentira. O que eu tô contando pra vocês, vocês podem não acreditar, mas é verdade isso aí. P/1 – Seu João, me conta uma história. E o senhor tem alguma história muito marcante dessa infância, que tenha acontecido, que tenha ficado com o senhor, assim? R – Menina, falando só de ter marcado, eu não me lembro muito bem, porque também nós não somos muito dessas coisa, né, o que eu guardo da minha infância mesmo é coisa, com 17 anos, eu já namorava, era com ela, só com ela, nós namoremos e casamento foi cinco anos, é, a infância minha foi essa e o resto é trabalho e ganhar dinheiro e fazer alguma coisa que a gente “pissui”. P/1 – E teve alguma molecagem que o senhor fez alguma vez que o seu pai tenha ficado bravo? R – Ah, isso ai era comum, eu apanhava quase todo dia. P/1 – O quê que o senhor fazia? R – Era meu avô, minha mãe… Não, que eu era perverso… Vou dizer assim uma palavra, eu era… Era demais. Hoje os meninos, hoje não faz isso, porque é andar só atrás de pipa, nós não. Eles mandavam eu ir cuidar de algum bicho, amarrar algum bicho, dar água, essas coisas, que todos nós criava, criação animal pra ajudar… Trabalhar, quando precisava e principalmente quando viajava naquele… nossos carro era cavalo, jegue. Eles mandavam eu ir cuidar da água, eu ia de lá, “desabarra” e ia encontrar meus parentes, brincar. Eu saia meio-dia pra ir dar água e chegava era de noite, era uma pisa, que nós apanhávamos, eu acho que não cresci de tanto apanhar, não vou mentir pra você, mas tô honrado com isso, que ainda hoje, a vista com a minha idade que eu tenho, eu tenho hora de dizer que eu ainda tenho ainda uma lembrança de meus pais, que me ensinaram, viu? Eles tinham uma… Hoje aqui… Nós pra irmos pra uma casa e entrar, nós pedimos licença, né? E lá, quando era pra assim, pra nós irmos pra uma casa pra comer, era um trabalho danado pra nós comer: “Ali, tá lá dentro” “Não, eu já comi”, não comia, que era os pais que ensinava: “Meus filho, quando vocês chegam numa casa, chamar pra comer, não vá não: ‘Eu tô com a barriga cheia’”. E essa foi a ruindade minha foi essa que eu aprendi foi isso. Ainda hoje, tem a casa de mercê aqui, eu não sei entrar, pra chegar e sentar pra comer, não. Entendeu? É criação que nós tínhamos. Eu hoje, com a minha idade, é de admirar, com 75 anos de idade, é de admirar isso ai, eu ainda guardo isso. Esses meninos ai, meus netos, bisnetos, ensina eles alguma coisa pra ver se eles pegam, mas não tem jeito, eu falo uma coisa, entra num ouvido e sai no outro. E naquele tempo, não, nós chorávamos, nós apanhávamos, nos escondíamos num canto de uma casa, as costas ficava todo cheia de lombo, da cinta, que era cipó, um cipó que tinha lá, mas nós temos a lembrança, influência deles, que Deus abençoe meu pai, minha mãe e meus avôs, minhas tia, porque todos eles me ensinaram isso ai. Pra eles era coisa boa e pra mim, era ruim. E hoje, eu tô regulando aquilo de bom, porque o que nós vemos hoje, não leva mal eu falar, o que nós vemos hoje é de doer, que hoje o que nós vê é tanta coisa, tanta coisa, que eu acho que até isso, eu tenho sono quando eu assisto. Nós não temos aquela… Eu tenho um filho honesto, porque eu digo assim, em respeito ao que ele tem, eu nunca pegava nada de ninguém, roubava nada, pegava, entrava numa casa de ninguém, foram criado todos desse jeito, quando foi de 50 pra cá, o bicho foi pegando e tá ai, como vocês mesmo sabem de muitas coisas, que a gente nem confia mais nas pessoas na rua. Ou eu tô falando errado? Vai aumentando, aumentando, aumentando e destruiu. Naquele tempo… Naquele tempo era uma coisa… até pra nós passar numa roça de outro: “Oh, fulano, eu vou passar aqui na sua roça”, por isso eu tenho essas histórias deles, todos avisavam, né, hoje não. P/1 – E seu João, conta um, pouquinho como que era: o senhor chegava a visitar as outras vilas? Tinha uma cidade mais próxima, que a família do senhor ia de vez em quando? Conta pra gente como é que eram os arredores da região. R – Ah sim! Nós íamos, é festa... Nós íamos pra festa e lá é um lugar, era aqui também, era muito católico, e tem aquelas festas que só eram católico e “em tal lugar tem uma festa”, é o que você falou mesmo, Santo André, Mauá, São Paulo, São Mateus, tudo tinha… “tem uma festa…” P/1 – Isso já aqui em São Paulo? R – Não, não… tô fazendo uma comparação. P/1 – Ah, tá. R/2 – Ela tá perguntando de lá Joãozinho… R – Pera ai! Então a gente ia pra aquelas festas, mas ir pra ficar zoando lá, não. R/2 – Marca um lugar, fala um lugar, que ela quer saber disso. R – Não, eu fiz uma comparação. R/2 – Tacaratu, Petrolândia R – E ela vai saber? R/2 – Mas tem que marcar o nome. R – Assim de festa mesmo de santo era Tacaratu, Petrolândia, era só essa nossa, dai já passa pra Bahia. Tem outra festa também lá chama Glória, hoje não existe mais essa Glória, tá debaixo d’água. Então, os povo saía tudo de tarde, se mandava pra aquelas festas, ia chegar no outro dia. Mas de festa de santo, né? Agora, de casamento, era quase todo mês tinha festa de casamento, que casava. Era muito bacana, já hoje é diferente, tudo, tudo. Nós fomos pra lá esse ano pra passar, esse ano, eu fico admirado como era, como é que ficou e admiro como era naquele tempo passado que nós tínhamos. Nós tínhamos uma vida muito bacana, de alegria. Hoje também tem, mas é diferente, bem diferente, ninguém quer andar de pé, quer andar só de carro, porque… Evoluiu o lugar? Evoluiu, dinheiro apareceu e vamos dizer ai empregado que hoje… no meu tempo não tinha emprego, quando eu saí de lá não tinha emprego, não tinha nada e hoje já tem, tem professor, tem rapaziada que estuda, já tem advogado, já tem outros que é de outros… Líderes de… Como é que chama? De polícia, tem até polícia, que não tinha naquele tempo. Polícia pra eles, sem entender… Um polícia prendeu um índio, chegava na divisa – que nós tem a divisa, tudo é marcado lá – chegava aqui: “Aqui é dele?” “Não é”, ele vinha até aqui, eles não passava, os meus tio foi uns que fazia briga aqui nessa cidade e corria e entrava ali, não ia preso, depois é que ia um policia ou um… Como é que diz? Um fiscal, uma coisa… Ia lá no centro que nós temos a aldeia, tem um posto, é que ia lá conversar com o chefe pra dar parte… você vê, até a linguagem já é diferente, dizia: “Tem uns índio seu daqui que aprontou lá na cidade, tal, isso aqui outro”, assim ele dava o detalhe dele, mandava chamar ele: “Por que você fez isso?” “Ah, assim…”, em vez de chamar chefe, era meu chefe, era o jeito mesmo de falar: “Ah, meu chefe, aconteceu, eu bebi, passou da conta”, ele tinha um porão assim, um porão, ia pra lá, ficava dois, três dias preso. Era uma regraria mesmo, hoje? É pancada mais pancada e corre e ninguém pega ninguém e fica por aqui mesmo. Mudou muito a nossa aldeia, mudou. As únicas aldeias que tiveram… Que eu acho que estão ainda bem reguladas, que não… São essas aqui do Xingu, essas dessas quebradas ai, é as únicas que tá ainda bom. Mas pra nós lá, misturou tudo. Valente, mais valente, entendeu? Mas emprego no nosso tempo, não, falando do meu tempo, do meu tempo de idade assim desse menino ai, meu avô… meu pai, não, não vou contar do meu pai, porque era já biruta, não sabia o que fazia, mas o meu avô, eu chamava “pai”, porque eu fui criado mais ele, na casa dele. Pra ir caçar era com flecha, fazia um monte de flecha e ia caçar. Ai, como eu era um cara… um menino mais esperto, eu dizia: “Pai, por que o senhor não mata com isso aqui” “Não, aqui é que nós mata não faz zoada e uma espingarda, ou outra coisa faz zoada e espanta o bicho”. Era desse jeito quando escapava. Hoje não, foi demais. P/1 – E seu João, o senhor falou do chefe, quem que era esse chefe? R – Menina, hoje… os chefes que tem hoje eu nem conheço P/1 – E naquela época, quem que…? R – Nós tínhamos um chefe que eu conheci chamado Agenor, é quem comandava nossa aldeia toda, que nossa aldeia é 35 quilômetros quadrados, é terra, né? Ele comandava tudo aquilo. Quando ele queria fazer uma justiça, mandava chamar, tinha os fiscais, que nós chamamos fiscal, que vivia lá, ele dizia: ‘Fulano, você vai em tal lugar”, que até ai tem as divisa de nome, de bar, lá é saco, ladeira, tapera, e vai por ai. Então, ele mandava a pessoa ir lá: “É pra você ir tal dia…”, que sempre lá era… a reunião era sempre na segunda-feira, “É pra segunda-feira você se achar lá no posto, que é intimação do chefe”, aí ia. E outro canto também quando era de segunda-feira, ficava assim de caboclo. Ai chegava lá: “Bom dia” “Bom dia”; “Meu chefe, vim atender seu chamado”; “Tá, nós vamos fazer isso assim, assim, assim. Trabalho de estrada, de tudo, nós vamos matar um boi, fazer isso ai, mata o boi pra nós comermos”, ai fazia no dia, juntava aquela turma lá, deixava tudo pronto, era assim. Mas hoje? Não é mais, aí acabou. P/1 – E como que era escolhido quem que era o chefe, era de família, como que funcionava isso? R – Não, o chefe tinha… Eles tinham as famílias deles. P/1 – Mas quem… Como que a aldeia escolhia quem que era o chefe? R – Aaah… Isso ai, ia escolher o chefe? P/1 – Isso R – Pra ter o conhecimento? P/1 – Isso R – É lá na Funai mesmo, que não era nem Funai, chamava Inspetoria, hoje é Funai, lá tem o… Nós não tem os governo aqui? Fazer uma comparação pra vocês entender, não tem um pra ser o prefeito, outro pra ser… Como é que chama? Esqueci agora. R/2 – Vereador R – Vereador? Mesmo assim era lá. Então, eles escolhiam aquele… aquela pessoa, eu falo assim, escolhia aquela pessoa que tinha capacidade, ia tomar conta daquela chefia, nós chamamos “chefe”, pra chefiar aquele povo ali. Eles escolhiam isso ai. Eles ficavam cinco anos, dez anos, depende, né? Até a minha idade que eu vim pra aqui, eu conheci três chefes, era Agenor, Sebastião e Coriolano. Ai depois, pra cá, tá empesteado de tanto chefe que eu nem sem mais como que é o nome deles, modo de falar, porque hoje… Naquele tempo, esses três chefes que nós… que eu vivia, eram trabalhador, dava serviço pros índio e criava boi pra trabalhar, engenho e casa de farinha. Não sei se você sabe o que é casa de farinha? Pra fazer aqueles… Tudo isso ai tinha e plantio de palha pra dar pro gado comer, quando o tempo tá bem seco, que lá não é tão favorável não, dava comida pros bicho comer. Depois que eu saí, de 55 pra cá, acabou tudo, tem um lugar que tem aquela casa de farinha e o engenho? Que moía um mês? Não tem nada. Acabou esses outros chefes mais novo foi acabando. Que nem hoje, nós estamos vendo o governo acabando com meio mundo ai. Tudo vai por medida de sabedoria, de interesse, entendeu? Naquele tempo, não. Era uma coisa rigorosa, muito bacana. P/1 – E seu João, o senhor falou dessa demarcação na terra assim, dessa divisão. Como que era a relação com quem não era da aldeia? R – Posseiro. Chamava posseiro e pra ele se apossear, trabalhar dentro da nossa área… Vamos falar assim: dentro de nossa aldeia, ele tinha que se cadastrar como índio, que muitos não queriam ser. Hoje, todo mundo quer ser índio lá (risos), por causa disso ai, porque quando era posseiro, tinha que pagar, plantava o feijão, o milho, e quando chegava na colha [colheita], tinha que levar aquela mercadoria lá pro chefe receber, ai era um monte de coisas. P/1 – Por quê que eles não queriam se cadastrar como índio? R – É, eu já te falei, nós não ficamos aqui tantos ano sem ninguém saber que nós era índio? Porque era discriminado. P/1 – E lá também? R – Não. Nós não somos discriminados… Lá nós não somos discriminados, somos discriminados quando nós saímos fora da aldeia, nós somos discriminado. Hoje, não, desculpa eu falar assim, hoje não, hoje tá tudo bem, mas de primeiro: “Aquele índio”, nós éramos uns bobocas, não sabíamos de nada. Quantas vezes eu chorei aqui? Quando os caras desfaziam de mim? P/1 – E seu João, eu vou querer saber um pouquinho mais dessa experiência do senhor, mas antes que queria perguntar: o senhor falou que namorava desde bem novinho. R – Exatamente. P/1 – Como que foi que o senhor conheceu a dona Maria Edivirgens, conta um pouco dessa história agora pra gente (risos) R – (risos) Eu morava numa… Detrás de uma serra e as casa lá quase ninguém sabia, essas casa tinha só um caminho, o caminho conhecia por causa de família, que o meu avô era muito conhecido, quando saía, conversava com as pessoas, né? Então, eu começava a ir pra um lugar que era onde ela morava mais afastada, tinha mais gente, tinha uma igreja, que até essa igreja eu me lembro quando ainda estavam fazendo. E lá botaram um santo e vamos rezar, e vamos rezar e eu ia pra lá, só que eu não entrava na igreja, ficava lá fora atrás das meninas, enchendo a paciência delas. Ai, foi quando eu conheci ela, conheci mais outras e fiquei namorando, namorava daqui, namorava de lá, quando foi… Aí já foi em 55, já namorei já fixo com ela, ai passamos cinco anos, que foi em 58, eu me casei. Tá vendo? Eu vim pra aqui, deixei ela lá, nós já namorava e só se comunicava por carta, telefone, nem sabia o quê que era isso. P/1 – E como que era essa comunicação por carta? R – Ia pelo correio. Os correios recebiam, já hoje nem isso tem, acho que nem existe mais, os correios só entregam agora pacote. Eu sei muita história. Ai, nós fazia as carta, mandava no correio, ela recebia. Foi desse, que lá era que nem mato, mas era “Brejo dos Padres, Pankararu”, ai aquela carta ia direto pra lá. Aí quando chegava lá, ai começava os desempregados a ficar: “Quem é fulano de tal? Quem é fulano de tal?”, porque lá era assim, anunciava todo mundo ali, e todo mundo conhecia. Já hoje, é no alto falante, tá vendo como que eram as coisas? “Tem carta do fulano, leve” e levava. Isso ai somando foi cinco anos que nós passamos sem comunicar com outras pessoas pra namorar, pra dizer… não, é aquilo mesmo, mesmo namorando, você fica ai. É a mesma coisa de um casamento, nós considerávamos como fosse um casamento, como hoje nós botamos uma aliança no dedo pra dizer: “Nós somos casado”, não é verdade, ou eu tô mentindo? Lá pra nós não tinha isso, não tinha, a palavra lá era… o que corria… de rigor pra nós era a palavra. P/1 – E como que foi a festa do casamento, assim? R – Ah, ai já foi no tempo bom, 58, já teve um caminhão pra carregar a gente, não tinha carro. E bicho pra matar, matava pra dar de comer a eles ou o mesmo número de gente, umas cento e tantas pessoas, ela fez um, eu não, não matei nada (risos), que eu tava aqui, que eu cheguei lá, com dois meses, casei, o quê que eu ia arrumar com dois meses? Ela ainda separava porco, galinha, peru, bode, sabe o que é, o bode? Tudo isso existia. Ai metia o pau, passamos um dia todo matando e fazendo comida, ai quando nós íamos casar, tinha o negócio… Pra casar, nós tínhamos o café, era que nem o almoço, de manhã, ai ia pra igreja. Quando chegava já de tarde: “Vamos almoçar”, ai depois de almoçar: “Vamos pra festa”, ai o cara já tava lá, só na hora do meu casamento, o cara tocou dois dias sanfona. Uma vida muito bacana! Hoje não, se não tiver um som, não presta. P/1 – E seu João, deixa eu perguntar: vocês estavam ali em Pernambuco na época, tinha contato com forró, com outras músicas? R – Tinha ô, lá o pau que quebra lá era isso ai! Só forró. P/1 – Forró? E o senhor dançava? R – (risos) Nós dançávamos que caía, de tanto dançar, era a noite todinha! No meu casamento, o tocador foi sexta-feira, que o casamento foi sábado, domingo, então ele foi sexta-feira de noite, já experimentou a sanfona, ela tinha um irmão que Deus o tenha, que era o que encaminhava eles, ai nós dançávamos até meia-noite, vamos dormir. De manhã, sábado, ficava por ali, iam descansar os tocadores, que não era de lá, era de fora. E ai, ia preparar as coisas pra… As mulheres, pra comer, de noite, forró: “Vamos dançar, vamos”, até o dia amanhecer, o dia amanhecia, nós… Tinha o negócio de tomar banho, a noiva vai pra um canto e o noivo vai pra outro, ai quando chegava, ia comer, que era o café, que era uns prato de farofa de carne e farofa de arroz. Não, eu tô contando o que foi passado, né? Então ai, então justo que nós ficamos, atrasamos o casamento, como nós fomo pra cidade pra casar, já foi atrasado, o padre já tava saindo pra outra cidade, lá, chegou lá, ele disse que não ia fazer o casamento, lá vai nós atrás, com o caminhão atrás dele pra onde ele ia pra casar. Quando eu vim… Isso foi de manhã, quando eu vim casar já era de noite… R/2 – Quatro horas... R – Quatro horas. R/2 – Que atrasou o horário, né? R – É, mas nós ficamos dançando o resto da noite até o dia amanhecer, sei que foi dois dias de dança, fora a raspada que o rapaz quis tocar pra nós sem pagar, sem nada, que tem esse negócio de dançar, tinha que pagar. E assim foi a nossa vida. Aí... P/1 – Seu… R – Acabou? P/1 – Não, pode continuar, pode continuar. R – Não, porque eu acho que já acabei a minha história. P/1 – Não, calma, tem bastante coisa. Eu queria saber do senhor: quando o senhor veio pra São Paulo a primeira vez, como que foi? Por quê que o senhor veio pra cá? R – Interessante. Agora chegou! É isso que eu ia puxar o assunto. Foi interessante. Nós, em 1955, poucos índios saía de lá da aldeia, bem pouco mesmo e quando saía tinha que ir lá no tal chefe pedir uma permissão, como eu tenho, eu tenho um papel, como é que chama? Documento, pedi a permissão pra viajar pra aqui, dai eles batiam lá na máquina, que era aquelas tal de máquina vai pra lá e vai pra cá e contava o tempo que eu tinha que ficar fora, tudo contado, se houvesse algum problema comigo aqui, eles lá resolvia. Hoje não é nada disso mais. Então, aí… Já foi tempo que foi 1955, nós viemos aqui… uma coisa sem saber pra onde nós íamos. P/1 – Quem que trouxe o senhor? R – Sim, é. Isso que eu ia contar. Naquele tempo não tinha nada de ônibus, não tinha nada. Os povos viajavam de trem e de navio. Passavam tantos e tantos nessas águas por aí, vamos dizer assim, o trem demorava, o navio demorava, de pé ninguém podia vim aqui, que não tinha estrada quase, as estradas de São Paulo, de lá que vinha pra aqui era só terra, isso eu conto tudinho que eu conheço. Ai foi tempo que foi aparecendo ônibus e a turma vinha, ai foi quando eu vim, falei pra vim, vim num caminhão chamado pau de arara, 35 homens dentro de um caminhão, nós vínhamos pra quê? Um lugar chamado lenheiro, que era cortar lenha, que eu não sabia de nada, ai eu fiquei aqui no lado da Serra do Mar, fiquei lá um ano e oito meses. Ai quando eu descobri que aqui era São Paulo, ai a coisa melhorou. Passava um avião, o patrão dizia: “Olha, ali é avião de guerra, não sai não, não saia daqui” e nós ficávamos, viu como é que era, que eu tô contando a história? A gente boba, gente que não tinha experiência, nem nada. “Ai, tá vendo aquele montueiro de homem? Não saiam daqui não, que aqueles são aviões de guerra e ai vão pra todos os outros lugar” e nós ficávamos. P/1 – E onde que o senhor dormia, como que era a casa? R – Não, nós tínhamos barraca, eles fizeram nós fazer aqueles acampamentos de telha, que eu nem sabia o quê que era, mas eles faziam e nós ficávamos e o quê que nós fazíamos? Cortava uns pau, fazia umas forquilha, botava umas travessa, passava umas vara, arrumava um capim bem macio que tinha lá, forrava e nós dormia naquilo. Que eles enganavam, não viu… Já ouviu falar da história do bobo? Somos nós naquele tempo, ninguém quer mais isso ai. Aí, nós fazíamos aquele capim, forrávamos, botávamos um pano, não era nem pano, saco de estopa, naquele tempo ainda existia saco de estopa, forrávamos, nós dormíamos e ia trabalhar no outro dia, cortar lenha, que era o… O meu emprego foi cortar lenha, que eu não conhecia outra coisa. Ai quando foi um dia, aconteceu que nós encontramos uns conhecido, eles: “Rapaz, vocês estão aqui?”; “É”, aquela alegria, né? Tinha amigo que eu dizia que era meu primo, porque fiquei tão alegre de encontrar eles: “Você é meu parente, você é meu parente”, que nada, nós não tínhamos, nada! Eu fiquei um ano e oito meses sem pegar em dinheiro, tá vendo? P/1 – Não era pago o trabalho? R – Descontava nas comidas, ele descontava nas comidas. Fazer o quê? Nós éramos bobos. Aí, foi que encontramos eles: “Rapaz, vocês querem sair daqui? Eu venho buscar vocês”, aí: “Pode vim”, ai no outro dia, eles chegaram, largamos tudo, saímos com a roupa no couro que nós tinha, roupa nós não tinha, ai, nos mandamos. Ai foi quando eu vim conhecer São Paulo. São Paulo. Em 80… 58, 59 até 60. Aí, fui trabalhar… Já arrumei serviço aqui naquele tempo era a Light, trabalhei seis anos, sai depois pra outros trabalhos e fiquei procurando serviço até que entrei em obras, que eu gostava muito, gostaria de trabalhar, mas nunca trabalhei em fábrica. A Avon aqui era uma caixinha de fósforo naquele tempo, hoje nem se parece do jeito que cresceu. E a minha vida era essa, ai quando foi um dia, eu me aborreci: “Vou arrumar qualquer tipo de serviço, não vou escolher não”, óh e fui no Brás, arrumei serviço de servente, de servente passei pra carpinteiro, dai vai, ai a coisa melhorou mais, já mandei chamar a mulher, que ela veio em 64. P/1 – Então, o senhor já tava casado, o senhor continuava trabalhando ainda…? R – Ah, tô contando, uai, eu casei em 58, em 59, com nove meses de casado, eu vim pra São Paulo e larguei ela lá, ai fui trabalhar, quando foi em… foi em 64, não foi mulher? Foi. Mandei chamar ela e até hoje, nós estamos aí, desenvolvemos nossa família, tão ai tudo casado, cada um tem sua casa, cada uma levou a sua vida, só o mais fraco é eu mesmo, menina, porque nunca me interessei. Índio… R/2 – Não tem estudo, né? R – Não tem estudo, mas o ganho, que é o ganho que faz a pessoa se formar, que ganha dinheiro, paga eu, com o negócio da minha vida de índio não me interessei tanta coisa, mas eu arrumei ai uma coisa… Tem essa casinha, que eu não tinha e já meus filhos têm casa, moram ai, tem uma casa grande ai na esquina é de uma filha, uma lá embaixo tem outra, lá em cima tem outro e eu sou… Tô vivendo de 60 e… Desde 65 comprei isso aqui, ainda hoje, tô. Só que aqui, eu posso falar, só a única coisa que eu tenho de dizer é que não vi o que eu vou dizer assim: não é nem porque os imposto que os governo só andam a fim de catar o dinheiro dos coitado, né, se eu não pagar o imposto, eles vem e toma, tá vendo? E lá onde eu moro, não toma. Tem duas casas lá, só faz: “Aqui é de João, aqui é de Edivirgens”, ninguém mexe. P/1 – E seu João, conta um pouquinho, esse que e o senhor trabalhava de… Quando o senhor trabalhava de lenheiro, quem que chamava os… Quem que recrutava os índios pra vim pra cá? Como que funcionava? Quem falava pra vocês? R – Ah sim! Eles já morreram, já morreram, chamavam… ele era de lá P/1 – É pessoas de lá que trazia vocês pra cá? R – É, eles vieram pra aqui, fizeram a vida deles, e arrumaram esse tal de lenheiro, que era de um português e ele ia lá buscar a gente pra trazer. Chegava lá mentindo, só trazia gente que nunca veio aqui, o que já veio aqui em São Paulo, que conhecia São Paulo, ele não aceitava, principalmente dois primos dela vieram escondido num caminhão, veio dois caminhão pau de arara, 35… É 35, o que eu vim, ainda hoje eu me lembro, era 35 e o outro era… Acho que era mais. Veio, colocaram dentro daquele mato e ficou aquele bocado de cabra lá dentro do mato, só era água e chuva que nós pisávamos. P/1 – E eu fiquei curiosa então pra saber dessa viagem de pau de arara, porque são muitos dias, como que foi essa viagem? R – Foi, gastamos 13 dias pra vim pra aqui (risos), é mentira, né, e hoje é 24 horas. P/1 – E como que vocês faziam pra… Paravam pra comer, como que era? R – Não, não, isso ai é… Eles viajavam, porque caminhão tem aquele pau de arara tem o lugar dele encostar, que era onde tem a… Já tinha muito restaurante nos caminho, não era que nem hoje não, mas já tinha aquelas casa no mato, encostado lá, ai comia naquela… Naquela… Como é que chama? No restaurante e pedia comida pra todos, pra dar de comer e ele pagava, o que foi buscar o povo, ele era pronto pra pagar isso ai, ai pagava. Depois, ele descontava, por isso que eu fiquei tanto tempo pra pagar a dívida minha aqui. Até que nós chegamos aí. Sabe onde era a rodoviária? Lá no Brás, ali, daquele lado, que hoje tem a ponte, é um viaduto. Aliás é onde chegava todos os nordestinos, de caminhão, carro pequeno, já ali… a gente chegava ali, modo de falar, já tinha aquelas pessoas lá esperando gente pra levar pra fazenda, pra levar pra outros canto, trabalhar em outros lugar e nós éramos brecados, porque nós vínhamos a punho daquele homem, os que chegava, que vinha à vontade deles mesmo, ia pra onde eles levava, nós não, nós não podíamos. Por isso que era a escravidão nossa, do índio era isso ai, que acabou com nós aqui, que o cara dizia: “Não, esse aqui não vai pra cá nenhum, não, é pra tal lugar”, ficava ali tudo quietinho. P/1 – E seu João, o senhor tinha… Pra sair da aldeia, o senhor teve que pedir autorização? R – Pedi, pedi P/1 – E eles davam autorização mesmo sabendo que aconteciam essas coisas? R – Sabiam. Não, não vai saber que nós íamos sofrer, ele só dava autorização pra nós virmos, agora o resto, era por conta nossa, entendeu? O resto era por conta nossa. Agora, se nós viéssemos pra São Paulo, chegássemos aqui, nós fossemos brigar, ou fazer qualquer coisa aí e a polícia viesse em cima da gente, como hoje é com os povos, só mostrar aquele papel: “Você quer saber quem sou eu? Olha aqui”, se ele não atendesse, ia lá no tal chefão dele e batia o telefone, pra lá, ou rádio, sei lá o que era, resolvia o problema. Naquele tempo, hoje, não. Hoje eu tenho esses documentos que lhe mostrei, é segurança pra nós viajar, só segurança, porque pra eles vim aqui socorrer nós é mentira. Aliás, segurança, eu viajo pro Norte agora, posso pegar um ônibus, não pago, ida e volta, não pago, isso ai, já é uma segurança e o resto é pra saber que é nós que tá naquele lugar. P/1 – E seu João, agora eu queria que o senhor me contasse como que o senhor veio parar aqui no Jardim Sônia Maria, por que aqui? R – Andei. Andei demais. Primeiro, nós fizemos o aposento, foi no alto da Serra do Mar, aquelas quebrada de Cubatão, naquele meio do mato, tinha lá um lugar chamado Fazenda, que até era daqueles… Até esqueci agora o nome deles. Depois, eu… Quando eu saí… Desagarrei dessa… Desse trabalho, fui pra Santos, ai fui morar lá num lugar chamado… Até esqueci, lá perto de São Vicente. Depois, eu fui arrumar serviço na Light, ai eles me trouxeram, não foi só eu, como teve mais, lá pra Cubatão, no Hotel Usina, tem um lugar chamado Fabril. Ficamos lá no alojamento e lá nós ia trabalhar, subia aquelas serras pra cá, vocês conhecem, né? Não veem aqueles canos? Então, ali tinha um trole, trólebus, não sei se ainda tem, que tá com muito tempo já, já foi muito tempo que eu saí de lá, então tinha um trole, esse trole carregava 35 pessoas no carro, depois houve um desastre com eles, por isso que eu nunca mais andei pra aqueles lados. Aí fiquei trabalhando na Light. Depois, quando eu saí deles, ai eu fui trabalhar… ai eu vim pra aqui, no Ana Maria, morei seis anos ai em Ana Maria, ali não tinha condução não, a condução que vinha de Santo André só vinha até… Não sei se vocês sabem, nós chamamos… Não tem aquela igreja evangélica, lá? Lá embaixo, perto do rio, que é grande? Mais pra cima, não tinha uma padaria? É a Padaria Piquenique, era, não sei agora também, que hoje fui de ônibus, tomei lá do trole. O ônibus só chegava até ali, dali o resto pra vim pra aqui, porque também não era muita gente naquele tempo, ai juntou um “sabidão”, fomos lá na prefeitura, era lá perto da Igreja do Carmo… Tá vendo o que eu tô contando? Fomo lá pedir a permissão pro prefeito, que eu não me lembro mais quem era ele, passar o ônibus pra aqui, pra… Em Ana Maria, que era lá no Piquenique, depois veio pra Ana Maria, onde tem aquele posto de gasolina, veio pra ali. Aí melhoraram as estradas, saiu asfalto tudo, ai veio de novo outro ônibus pra São Rafael, ai passava em São Rafael, peguei nele, descia e vinha pra aqui. Depois, arrumaram de novo um ônibus lá perto do Hospital de São Mateus, eu via lá, acho que tiraram, porque agora tá com… agora também não sei, eu conheço, mas não… vem de lá, passa em São Rafael e vem passando Santo André. Tudo foi assim, tudo cansado e nós ficamos aqui. Ai, eu morei seis anos em Ana Maria, deu na cabeça de comprar esse terreno. P/1 – O senhor lembra qual ano que foi que o senhor comprou? R – Se lembro? Tudo me lembro, e tenho guardado, eu tenho guardado ai. Foi em 60 e… 65 que eu comprei aqui. Em 66, eu passei pra aqui, porque eu pagava aluguel e nós pagávamos um dinheirão, trabalhava um mês pra pagar o aluguel, era mil… (risos). R/2 – Nem me lembro naquele tempo. R – Era um dinheirão, mas paguei. R/2 – Valia como mil hoje. R – Ainda hoje eu me lembro, esse terreno aqui custou mil, oitocentos e cinquenta e cinco, eu tenho tudo isso guardado. R/2 – Que hoje é um real e oitenta e cinco, né? R – E eu ainda atrasava pra pagar, passava dois meses, três meses, não tinha esse negócio de porque atrasou, tem que pagar juros, não, não tinha isso. Hoje, não, se atrasar um dia já paga juros, qualquer coisa, qualquer… é em loja, onde for, vocês sabem mais ou menos isso, essas história, naquele tempo, não. P/1 – E seu João, me conta uma coisa: como que era aqui, quando o senhor mudou pra cá? Como que era a sua rua, a Zequinha de Abreu? R – Quando eu vim pra aqui, nós compramos isso aqui, tinha uma casa ali. P/1 – Quem que morava naquela casa? R – Eles já morreram. Tem aquela casa ali, tinha outra aqui e outra ali e aqui era mato. Essa igreja aqui era mato, esse posto de saúde que tem ali, vocês devem ter passado lá, era tudo só mato, não tinha nada. Cheguei ai, comprei o terreno aqui, ai ajuntou 15, isso aqui tava loteado, essa quadra era 15 lotes que tinha, e aqui de trás ai onde tá a igreja era um buraco, que tinha ai pra fazer jardim, fazer praça. Mas como o movimento cresceu, os homens se ajuntaram com o padre pra deixar a igreja lá embaixo e trocar uma parte de lá, que lá é grande, trocar por aqui, esse pedaço de terra aí. Foi um sacrifício, que nós “bandemos” na prefeitura parece que umas três ou foi quatro vezes, ai foi que resolveram, ai montaram essa igreja ai. E eu, até hoje tô aqui, mas por que isso ai? Porque eu não gosto de dívida, eu tenho medo de divida, ai é pequeno? É, mas dá pra nós se criar. Nunca fui “zolhudo” com nada, na minha vida não, e nem tenho, eles tão aqui, ó ai, pagamos isso aqui, que nem eu falei pra você, se nós não pagarmos o imposto, não pagar os impostos, eles tomam da gente, chega um tempo ai, eles embargam ai, como tem muitos lugares, que eu já sei. Pra nós, não, é nosso, é nosso, aqui é fulano, acabou-se, não tem nada de imposto não, eu só respeito, então a nossa vida vai mudando e a gente vai aprendendo. Quem quer vai aprendendo mais coisas boas na vida e ensinando a família. Eu passei isso ai e hoje, tô aqui, não tô arrependido não, mas agora, todo ano nós vamos pra lá. P/1 – E seu João, o senhor lembra quando o senhor mudou pra cá, como que era pra comprar alimento, essas coisas, tinha vendinha? R – Tinha, não aqui, mas tinha fora. Nós tínhamos conhecimento, porque quando a pessoa é direita, ela é conhecida em qualquer lugar. Até no falar, a pessoa já conhece a pessoa. R/2 – Tinha a feira, né? R – É, tinha a feira, não tinha esses mercados, tinha era feira, nós comprava e vamos levando a vida. Depois, acabaram com as feiras, fomo pro mercado e no mercado, fomos comprando mercadoria e já pra passar o mês e hoje não, hoje o povo vai… Já vai nesses mercados, enormes, fico que nem uma coisa, só catando e botando lá pra ir pra casa. Era assim, nossa vida foi… Com muito sacrifício, nós levamos a vida, mas com honra, sem pegar nada de ninguém, nem também andar colado em ninguém, graças a Deus, não ensino isso pra minha família não e tenho fé em Deus que eles vão até acabar a vida deles assim, sem pegar em nada de ninguém. P/1 – E como… E a luz, o senhor lembra quando que chegou a luz no bairro? R – Lembro. A luz veio pra aqui foi… Acho que foi em 60… Se não me engano, agora não to bem lembrado, não sei se foi em... não, quando viemos já tinha luz ai. P/1 – Quando vocês mudaram pra cá já tinha luz? R – Já, já tinha luz. R/2 – Tinha na rua principal, né? R – Mas lá fora, nós não. Eu ainda fiquei morando aqui com… Sabe o que é lamparina? R/2 – Dois anos ou mais. R – Acho que dois anos, nós fazíamos um negócio de lata, enfiava o pano, jogava óleo e deixava o bicho pegar fogo até o dia amanhecer, quando era de manhã que o dia, na hora de acordar, tava com o nariz tudo (risos), era engraçado, menina, nós passávamos aqui, tudo preto. Era triste, hoje a vida tá normal, graças a Deus. P/1 – E seu João, o senhor falou… Mencionou que o senhor sofreu muita discriminação aqui em São Paulo, como que era isso, fala um pouquinho disso pra mim. R – A discriminação nossa era porque nós éramos índios bobos. Eles não falavam que nós éramos índios bobos, chamava os baianos bobos. Quantas pessoas morreram aqui… Não eu, mas quantas pessoas que diz que matavam paulista? Porque a mais discriminação nossa era os paulistas, que nós chegávamos aqui, tava trabalhando, às vezes se manifestavam: “Vocês vêm de lá…”, não sei o quê, eu não vou falar não, mas falava: “Vocês são bobos, são isso, aquilo outro”, comparação que nos era um bicho, ai a turma que se manifestava, danava a faca. Eu sei de muita história disso ai, agora mesmo, poucos anos ai, tem uma filha ai, uma neta, que hoje é professora, graças a Deus, tá ai dando aula aqui onde tem a igreja… A igreja aí mulher. R/2 – Santo André. R – Ela foi lá, eles discriminaram ela. Os colegas da escola discriminaram ela lá, que ela foi e falou: “Eu sou índia”, que ela é branca, ela é filha… O pai dela é italiano, era, ele morreu, ai: “Olha, fulano, diz que é índia, olha, olha” “Essa é pé de barro”, nisso, ela ficava chorando, porque chamavam ela de pé de barro. Ai quando foi uns três meses, ela não aguentou, falou com o professor, ai ele reuniu a turma lá: “Vocês sabem o quê que vocês estão falando? Chamar a moça pé de barro, vocês sabem o que significa?”; “Ah, diz que é índia. Índia é pé de barro”, que índio não usava sapato, não usava nada, né, nós lá era assim, ai ele foi explicar: “Ela tem mais qualidade do que essas pessoas que estão aqui”, e justamente, todas as prova dela lá, ela passava tudo em primeiro, que ela fazia tudo desenho da aldeia, dos índios, as história, a discriminação era isso ai. E a gente se ofende, então, nós, como morávamos aqui, nós não falávamos pra ninguém que nós éramos índios, porque nós ia ser discriminado. Ai depois desses dez anos, agora, mais ou menos dez, 15 anos, foi que veio aqui um senhor que veio procurando os índios, que nem você tá fazendo comigo aqui, procurando: “O que é que vocês iam fazer, do que é que vocês viviam”, mostrando de quem era os parentes, amigo, e vai que vai, que hoje todo mundo ai sabe, já sabe e foi… Se espalhou em todos canto, que hoje já se faz até as festa de índio também. Tá vendo como é que é? Aqui mesmo já fizeram festa. Não aqui embaixo, aquele outro, ele veio mostrar tudo dançante: “Que bicho é esse?”, quê que fala? Que eles vinham aqui no Real Parque… P/1 – Ah, isso que eu ia perguntar: se os senhores têm contato com os Pankararus do Real Parque? R – Não, nós tínhamos, mas devido as bravura que faz lá, eu me afasto, não desfaço de nenhum. R/2 – Tem um parente que mora lá, né? R – Nós temos parente, ela tem parente, tem sobrinho lá, mas nós não vamos. Eu andei lá parece que três anos que andei lá, foi quando pegaram fogo lá umas casas lá, pegou fogo, aí arrumamos aqui um carro com roupa e tudo, fomo levar lá, só. Mas nós não temos contato não, por causa disso, é porque é discriminação de briga, de matar, de isso e aquilo outro, nós não somos disso, nós fomos criados numa regule… Como é que fala meu Deus? Nós fomos criados… Minha família, não dou o direito de desfazer de ninguém aqui, nenhum, digo: “Oh, meus filhos, se você encontra o seu amigo, receba, trate bem, que assim nós vamos levando a vida” e eu não aceito nenhum ser recuso com ninguém e nós estamos ai. Nunca briguei, nunca soube que os meus filhos andasse brigando, nunca soube que andasse bebendo pra andar desacatando ninguém, vamos falar assim a palavra, sou sempre na base da honestidade, que fui criado desse jeito. Apanhei, como eu falo: “Oh, meus filhos, eu apanhei, mas vocês não, nós conversa” e hoje em dia, o que nós estamos vivendo, pais de família, tem seus filhos, é tudo na base da conversa, nada de pancada. Mas naquele tempo, era, entendeu? É assim. P/1 – E seu João, eu queria saber um pouquinho mais aqui da região, como que o senhor viu o asfalto chegar, o quê que foi mudando nesses anos todos, conta um pouquinho dessas mudanças. R – Tudo, tudo. Aqui nós, Sônia Maria foi aparecendo de pouco a pouco, cada eleição era uma coisa, aqui não foi nada criado assim: pra ir fazer, não, vamos dizer assim, foi nas eleições. Primeiro essas rua tudo era barro, só era barro, quando chovia, carro não andava. Aí começaram a botar piçarra, assim, sabe o que é piçarra? Aquele “xerém” de barro, ele sabe mais ou menos, que… Aí enchia a estrada ai, passava a máquina, ai quando secava, virava aquele torrão, ai os carros andavam. Isso na eleição. Na outra eleição… mas primeiro, que eu pulei, era as guia, botava as guia de lado, segundo, o piso; terceiro… Sempre nas eleições, nada de coisa, o asfalto, aquela, um asfalto grosso, umas pedra… árvore, também na eleição, plantar árvore ai, a luz, tudo, tudo isso aqui foi nas eleições e principalmente nós temos uma sede aqui que era naqueles tempos, era a força de fazer as coisas, fazer pedido era ai, aqui atrás, que é essa sede ai. Depois eu não sei como é que foi, que eu também nem ando lá, que eu fui sócio, tudo e depois larguei, e abandonaram aí. P/1 – Tinha evento na sede, a sede fazia… R – Tinha. P/1 – O quê que o… O senhor lembra o quê que eles faziam? R – Sempre eles faziam baile pra arrumar dinheiro e tinha um bar, que era esses rapazes que vendia bebida, cerveja, essas coisas. Hoje já não tem mais, acabaram. P/1 – E tinha alguma festa boa aqui no bairro? R – Sempre aqui as festa foi tranquila, ali mesmo eles fazia umas festa, festa de ano assim, entrava muita gente e depois foi parando, foi fazendo festa de casamento era lá, que aquele dinheirinho, que tudo… Sabe, corre dinheiro, nada é de graça, o que corre de graça só Deus lhe pague e mais nada, o resto é com dinheiro, né? Agora, acabaram, as festa de casamento, passaram pra aqui, pra igreja, pro salão, que tem esse salão aí, de vez em quando tem festa aí. Foi criando assim, isso tudo aqui foi criando assim, principalmente essa casa aqui tá na terra, vamos dizer assim, como é que eu quero dizer, era terra virgem, vamos dizer assim, aí veio um prefeito aí, acho que ele morreu, mataram ele, veio aí com um trator raparam lá tinha um morro, aqui tinha outro morro, enterraram tudo, nós ficamos enterrado aqui, nem água de esgoto não tem na rua aqui, quer dizer, afundaram ai, encheram e nossa casa ficou embaixo, não só a minha, como todas essas aqui, nossos esgoto é tudo pelo fundo. R/2 – Precisou aterrar tudo, né? R – É um metro e vinte de aterro que eles aterraram ai de terra, e nós ficamos aqui. E nós compramos terreno aqui já vem na guia mesmo, mas não, o prefeito veio ai… sabe: que quem pode mais derruba o pequeno. P/1 – E seu João, em 70 chegou o polo, o polo da petroquímica. Eu queria que o senhor falasse um pouquinho como que foi ver o polo crescendo, como que era. R – Ah, ali foi de 75 mesmo, não foi? Foi. De 75, ali era mato. Ali só era mato, ali tinha caça, cheguei até ir… andava com uns colegas ai atrás de tatu, aí eles chegaram e derrubaram tudo aquilo ali, o mato, derrubaram tudo, foram aterrando, aterrando e veio, encheram isso ai, parece que não sei quanto, sei que fizeram tudo aquilo ali, e hoje tá desse jeito ai. Eu vi isso ai, só que não vou dizer que trabalhei no começo, porque eu trabalhava numa firma em São Paulo, trabalhei oito anos, foi na data que eles tavam aqui, eu pra não sair de lá, preferi ficar lá, agora depois desses oito anos que eu saí, que foi em 77, foi que eu vim pra aqui e nunca mais eu andei pra aquele lado. P/1 – E o senhor trabalhou dentro do polo? R – Trabalhei. P/1 – Trabalhou? R – Trabalhei. P/1 – E como que era, conta um pouquinho? R – Não, não vou dizer tudo, porque eu trabalhava numa firma que era fazendo… Como é que fala isso? Alinhamento de colocar cano pra fazer essas coisas ai, só os clientes em dia que ficava lá dentro pra montagem e bomba de tudo, do óleo, de tudo. Nós como éramos os pequenos, íamos só… Só ia estendendo, fazendo as coisa lá e guarda e mais guarda atrás da gente. É rigoroso ali, eu trabalhei quatro vezes ali no polo, quatro vezes. Tem justamente essa… Essa fábrica que tem aqui embaixo era uma vila, eles indenizaram essa vila e montaram essa fábrica ai, é engraçado. P/1 – E seu João, nesses tempos assim de São Paulo, já com a dona Maria Edivirgens aqui, o senhor lembra a primeira vez que vocês voltaram pra lá? R – Ah, me lembro! Tudo o que você tá perguntando eu sei. Quando ela veio, nós fomos lá… Em 79, ela foi lá sozinha mais uns primos visitar lá os pais dela, e eu fiquei trabalhando numa fábrica aqui. Aí passou os tempos. Quando foi em 85, ai começamos nós dois e até hoje não paramos. Todo ano, sempre quando dá certo, nós vamos. Quando nós ganhamos um dinheirinho que dá pra nós ir, nós vamos, vamos todo ano. P/1 – Mas tem alguma época que vocês vão, algum mês específico? R – Tem P/1 – Qual? R – Sempre nós… Não agora, que lá está brabo, o calor tá demais, mas era em janeiro, nós ia por causa de uma festa que tem lá. R/2 – Janeiro ou junho, né? R – É. Nós íamos pra uma festa que é uma festa de uma santa. P/1 – Qual que é o nome? R – Nossa Senhora da Saúde. Aquilo bailava, vamos dizer assim, bailava toda a redondeza de cidade que iam pra lá, até daqui iam pra lá, gente, que aconteceu com nós também. E todo ano nós vamos. E quando não era em janeiro, era em junho, porque junho era o tempo da safra de lá, chove e ia plantar, eu até plantei feijão lá, nós temos terra lá e eu plantei, fiquei sete mês lá e plantamos tudo, mas foi… Pra mim, foi tudo perdido, porque o que eu plantei foi o que eu comia lá e o que eu trouxe um saco de feijão. E o resto, a turma lá deram conta. P/1 – E seu João, o senhor contou que duas casas lá? R – É, casinha, né, eu falo casa, mas é casinha. P/1 – Mas o senhor construiu durante esses anos? R – Construí. Construí, depois que saí de lá, de 84, eu comecei construir uma, só porque nós íamos pra lá, nós íamos só pra casa dos parente e andávamos com sacola pra cima e pra baixo com uma sacola, você ia pra casa da irmã dela, era sacola, se eu ia pra casa da minha mãe, era sacola, então entende a linguagem? Que nós tínhamos que andar com a sacola com a roupa da gente e nós vivíamos assim, desse jeito. Ai, quando foi 80, foi em 80, houve um probleminha lá com nós, por causa de uma terra, que ela tinha uma cunhada que tinha os olho maior do que ela, queria tomar terra nossa, que era dela, queria tomar, ai ela disse: “Aqui é meu!”, ai ela foi e deu parte, ai chegou a ir… né? Meu modo de falar. Ai esse chefe mandou chamar nós, era um lugarzinho bem longe, ai nós foi lá, chegamos lá, falamos com ele o que tinha acontecido, cobrou dela. Ela: “Olha, seu…”, como é que chamava? “Seu Pedro, eu não tô tomando nada de ninguém, o terreno aqui é meu, foi meu pai que me deu, ai começou a falar, ai depois, quando ela falou que terminou com ele, eu digo: “Chefe, eu posso lhe dar uma palavra?” “Sou o marido dela”, eu tinha um jeito de falar assim, né, que eu faço pose, ai: “Chefe, eu me casei em 58, nós não tinha nada na vida aqui, só tinha a vida. Então, surgiu pra eu ir pra São Paulo pra arrumar alguma coisa na vida, que aqui eu não tinha o que dar pra ela e nem pro filho que tenho. Eu fui pra lá, não roubei e nem sai correndo daqui”, ai falei com ele, ai então ai… “Não, seu João, não é isso, o senhor saiu daqui, deixou esses terreno, mas o senhor precisava pelo menos, fazer um…”, na linguagem: “Pelo menos fazer um rancho” uma casinha, “…pelo menos se o senhor fazer isso ai, o senhor pode passar duzentos anos, no seu andar, o senhor é dono”, eu fiquei calado. Ai, quando sai dali, botei na minha cabeça: “vou comprar… vou fazer uma casa”, mas como nós… O dinheiro era curto, só era pra nós passar uns tempo, eu voltei, trabalhei numa firma ai, ganhei um dinheiro, com dez mês voltei lá, já fui comprando todo material. Aí fizemos a casa, que essa casa… É pequena, menina, ela é oito por seis e a outra é… Parece que a outra é… Se eu não me engano, parece que é nove por oito, que é grande, essa outra é maior. Ai, nós fizemos aquilo, que era só nós que ia lá, meus filhos não conheciam nada e nós pensávamos que eles não iam, fizemos aquela casa. justamente, eu… É do tamanho dessa assim, e eu achava que era grande, pra nós dois, era grande, criatura, pesquisamos a família todinha, todinha conhece, até essa menina conhece. R/2 – Os pequenos conhecem, essa aqui é menor. R – Olha, é uma coisa que eu tenho orgulho na minha vida, foram todos, eu comprei… Tinha dois quartos, é, dois quartos, uma sala e a cozinha e aquilo empesteou de gente, fiquemos, ai comprei colchão, cama, rede, que lá é mais fácil e todos passaram, uns ficaram 15 dias, outros um mês e eu ficava. Depois, pra caso de questão de terra, porque lá é assim: se o terreno não tiver frutos de uma casa, o outro vem e faz. Ai, eu digo: “Nós temos aquele terreno lá, nós vamos comprar tijolo e vamos fazer uma casa” e foi o que aconteceu. De vez em quando, nós brigamos aqui nós dois, de vez em quando, que ela diz que eu fiz sem autorização. Eu mandei o rapaz fazer o tijolo que era daqueles blocos grandes, que rende e viajei, não deixei nada, não deixei dinheiro, ela ficou e ela fez um jeito que arrumou que levantou a casa, por isso que nós brigamos de vez em quando, porque eu não dei dinheiro no tempo e depois arrumei tudo, graças a Deus, tá tudo em dia lá fechado, já morou outras pessoa e agora tá fechada. Tá toda pronta, só chegar, entrar e… Com luz e com tudo. Todas as duas casas foi desse jeito, mas sempre batalhando, sempre com briguinha, sempre com briga. Não eu, mas os que tava lá querendo tomar. Mas: “Gente, isso aqui é nosso, isso aqui é meu, eu não quero nada de ninguém”, peguei, cerquei a casa lá com arame, mandei cercar, tá tudo bonitinho, tá tudo fechado e aqueles vizinhos por ali: “Gente, nós vamos viajar, eu não quero que ninguém brigue por nada, mas vê quem vai querer mexer aqui, vocês fala pra nós, não por fofoca, mas avisa”. Assim fizeram e até hoje tá lá. Tem televisão, tem fogão, cama, tem tudo, graças a Deus. Geladeira, tudo nós temos lá, tanque de lavar roupa, tudo nós temos, ai daqui, quando nós falamos: “Como é que tá lá? Tá tudo bem?”, a gente já entende o quê que é: “Tá tudo em ordem”, ai já sabe que tá tudo correndo bem. P/1 – E seu João… R – É respeito. P/1 – Quando vocês voltam pra lá, você tem contato assim ainda com essa coisa mais de cultura indígena, das raízes? R – Temos, nós não deixamos não, menina, o que nós esquecemos é aqui, o que nós esquecemos é aqui, lá não. Quando eu chego lá, eu já vou me preparando pra andar nas brincadeiras. É interessante, muito bom. P/1 – E o quê que o senhor mais gosta de fazer lá assim? R – De gostar, eu gosto de tudo, mas eu… Agora não, agora eu posso dizer que não dá mais, é trabalhar, trabalhar eu gosto, não gosto de brincadeira de… Andar fazendo coisas à toa, não. Comigo, não. Mas pra trabalhar, é comigo mesmo, eu arrumava gente pra trabalhar. Eu tenho um sitio… Não é só sitio, é mato, mas tem muita fruteira, tinha, que o meu pai deixou. Meu pai deixou esse sitio na base de uns cento e poucos pé de fruteira, de… Aqui nós hoje, a turma já conhece, chama pinha. Deixou 24 pés de cajueiros, que eu falo porque eu conto, tem 24 pés de cajueiros, deixou dez pés de mangueiras e fora as “frutera” nativa, que nós chamamos embu, que nós temos. Murici, que nós chamamos coqueiro, coquinho, tudo ele deixou, viu? Minha mãe foi pra lá e zelava, aí depois, ele morreu, ela morreu e eu tô aqui, deixei pra um primo, eu tenho ele por irmão, mas ele não tem eu por irmão, que foi a minha mãe que criou, mas eu considero, ele… Até agora, desde que nós saímos de lá, ele nunca telefonou pra mim e nós não vamos falar mal. E ai foi tempo que veio aquelas. Seja que vocês viram passar em televisão, que é triste: “É verdade aquilo ali?” “É verdade”, perto de nosso território e aquilo foi morrendo tudo, hoje se estiverem viva as mangueiras, que já tinha morrido umas quando eu andei lá, os cajueiros já tinha morrido uns três, só ficaram só as grades dos cajueiros, tem algumas coisinha pequena. P/1 – E seu João, eu queria perguntar para o senhor, o quê que o senhor mais gosta assim, o quê que é a coisa mais marcante pro senhor aqui do Sônia Maria? R – Aqui? P/1 – É R – Olha, na realidade, pra mim é tudo, modo de falar, que se eu for marcar de um por um, vai longe. Pra mim é tudo, a convivência, que nós também tratamos de viver com essa rapaziada, nunca tivemos mal interesse com ninguém, nunca brigamos com ninguém, já… E ninguém também com nós. Então isso ai já é uma grande coisa. E a vida nossa, que nós temos essa alegria, que nós vivemos, nunca brigamos, nunca achamos ninguém pra brigar. Quando nós queremos ir pra um canto, pra cidade, pra Mauá ou Santo André, ou São Paulo, a condução tá perto de casa, isso é que me importa. R/2 – Tem a igreja, né? R – Ah, a igreja é outra coisa. P/1 – E o senhor vai à igreja? R – Vou! P/1 – Qual igreja que o senhor vai? R – Essa aí da frente. A igreja católica, que desde quando eu nasci, nasci sabendo que era católico, essas coisa e até hoje, eu acho que eu vou morrer assim, não tem outra religião pra me tirar nesse sentido. Porque eu não vou todo dia, mas eu vou de oito em oito. Chego lá faço a minha obrigação, que tenho que fazer, escuto o padre falar umas palavra, porque no é… Ele transmite aquelas palavra porque Deus deixou, Deus permitiu. Em outra coisa, nós não vamos saber, né? E ela não se fala, ela é segunda-feira, sexta-feira, é direto na igreja. E tenho o maior prazer dela ir também, sabe? Só quero que saiba receber as palavras de lá e transmitir pra mim, que é pra eu ficar entendendo aquilo que eu não sei. Agora se vai pra lá, reza a oração, reza tudo, chega aqui chamando o outro das coisas, ai não tá certo não. É a mesma coisa de eu. Minha família, são… Hoje tem seis filhos, ninguém anda dizendo não, não vejo dizer assim: “Ana…”, com palavrão, não. É tudo… cada um tem o seu jeito e eu fico aqui só observando. Isso é muito importante, viu? Às vezes, aqui tinha festa, às vezes fazia as festa aqui, no Natal, eles iam beber pra lá, comer e eu ficava aqui só de escuta, que eu não bebo. Tenho 31 anos sem oferecer bebida, é, foi em 81, larguei de beber, que eu bebia e fumava, mas cigarro, né (risos), que não tem nem jeito de falar mais, então eu usava, depois larguei em 71, oh, em 81 e até hoje. E esse tipo eu dou pra meus filhos também, mesma coisa, nenhum deles aprendeu fumar. Beber, eles bebe uma cerveja, uma coisa, mas assim nas festas, em festa assim, quando tem uma festa, eles bebe, eu não ligo, mas se passar da medida, ai eu já… eu já mostro cara feia. É rapaz… não é que eu queira me exibir com vocês não, é o jeito mesmo e assim, nós estamos. P/1 – E seu João, o senhor lembra, desse seu tempo aqui no Sônia Maria, de alguma ação ou alguma coisa que o pessoal do polo tenha feito aqui com a comunidade? R – A única coisa que o polo tem feito que vem cobrança de lá é a… como é que fala? Não sei falar o nome direito, da poluição, da poluição fez muito, porque aqui era demais. Aqui tinha dia que cheio de espuma, hoje não tem. Agora, o que nós sentimos muito que eles estão passando sempre ai falando que vai acontecer é uma poluição que a gente… Arde o nariz da gente, isso ai… Até hoje mesmo passaram aqui falando, de vez em quando isso aqui fica ardendo, não é doença não, é dai, é uma química que fica rodando ai, isso eu reclamo, isso ai de vez em quando eles aparecem por aí falando, ai eu falo: “Corta isso, isso e isso” “É, nós vamos dar um jeito”, tal. Mas o resto, não tem o que falar, em teoria de trabalho é lá, não é aqui, mas podia ajudar nós, como agora acabar com essa poluição. E se tem outras coisas, eu não sei. P/1 – O quê que esse bairro significa para o senhor? R – Bom, esse bairro aqui, menina, significa porque os nossos aposentos são aqui, aqui é donde que eu vivo, tenho confiança, tudo que passa nesse mundo que nós estamos vendo ai, graças a Deus não tem o que dizer, porque nós tem confiança, nós sai aí de cabeça erguida, chega de cabeça erguida, vamos dizer assim, tudo iguais, não tem medo, não tem nada, nunca fui importunado por ninguém, mexer com a gente, né? Então, é um orgulho que eu tenho, conhecimento, todo mundo me conhece aqui, quem mora por aqui, passa, me cumprimenta e eu também e assim é uma vida. Se eu vivesse pegando emprestado, tomando o que é dos outro, ai é tristeza, mas não tenho, graças a Deus nada disso. O meu orgulho é: “Oi, seu João”, o outro: “Oi, seu João”, é esses que são vereador, nossa ai é de mão cheia, e eu fico orgulhoso com aquilo, só que eu não vou na onda deles não, porque eles vão mentir e eu não minto, como eu já falei mesmo pra eles na assembleia lá no… Como que chama? Na Prefeitura: “Em tudo eu apoio vocês ministros, considero muito vocês…”, nós temos um ai que nós votamos nele não é de agora, muitos anos já, “eu considero, mas com o modo de eu entrar aqui e dizer: “vou ver se arrumo aqui uma ‘beiradinha’ tô mentindo, porque não sei mentir”, é, não sei mentir mesmo, se eu mentir isso ai, todo mundo me conhece, sabe que eu tô mentindo. P/1 – E seu João, o senhor tem vontade de voltar para Brejo dos Padres? R – Tenho. Tenho muito e muito. P/1 – O quê que prende o senhor aqui? R – Minha família, minha família. Aqui é ai, o pai dela mora ai, nem foi casado, mora ai. Essa esquina ai é outra filha, tem aquela casona grande ali. P/1 – Conta um pouquinho dos seus filhos pra gente agora, seu João. R – Tem um que tá lá em cima, que mora também, tem o outro que mora lá embaixo, tem um sobrado, não pode destruir, pra eles me acompanhar, eles vão se achar bem com o emprego deles, tem um que tem 23 anos numa firma. O outro tá com 13. Eu vou destruir essa gente? Não. O caminho deles é… a fonte deles é aquela, trabalha, recebe e cuida da família. Se caso fosse andasse bebendo, ai é diferente, mas não, tem um que tá no Rio de Janeiro, foi acho que ontem, tá pra lá, comunica com a família, chega aqui: “’Bença, pai”, que nós tem essa… Eu até esqueci o jeito de nós criarmos, me obedecer. R/2 – É a tradição mesmo, né? R – É a tradição, é, tradição, é “bença”. Eu já fui também atacado com isso ai: “Ah, que “bença?” Não, nossa criação foi essa e então hoje eu já tô com essa idade, sei e respeito. Como é que eu vou ter um pai, chega aqui – modo de falar – “Oh, coroa?” “Oh, Veio?”, que jeito é esse? Ele é meu pai, eu tenho que respeitar o nome do meu pai, não é verdade? E hoje, é o que tá rodando nesse país nosso, meus filhos chegam aqui: “Bença pai”, se você chegar aqui e eles chegarem: “Bença pai” “Deus te auxilie filho”. Foi da minha criação e assim que nós vamos levando a vida, viu? P/1 – Seu João, agora pra gente encerrar, eu só queria fazer duas perguntas pro senhor: como que foi para o senhor contar a sua história, voltar lá atrás? R – Sim, você perguntou dos meus filhos, né? P/1 – É verdade, é verdade, desculpa seu João (risos) R – Eu não esqueci não. P/1 – É que o senhor começou a falar, achei que o senhor já tinha terminado. R – É que isso ai é muito interessante eu falar P/1 – Não, achei que o senhor já tinha terminado, mas pode continuar, fica à vontade. R – Minha família foi assim: se criaram, a dona dessa casa ai, com idade de 16 anos, já começou a trabalhar, trabalhou 22 anos numa fábrica, de lá, ela estudou mais, casou, ai o marido morreu, ela foi, se matriculou pra… de estudos de professora até hoje, ela é professora e a filha também se criou com nós, também foi estudar, hoje é professora também. Que orgulho eu tenho? Nunca, o que elas têm esconde de nós, chega aqui: “Mãe, o que a senhora quer? Eu vou lá na venda – que é a Baronesa lá embaixo, um mercadão… R/2 – Ela não tá perguntando… R – Não, espera ai, calma! Ai, ela vai: “Não, não quero nada”, ela faz as compra dela, chega aqui com alguma coisa aqui, sem nós pedir, isso pra mim é um orgulho, que é difícil um filho fazer isso com os pais, eu acho, minha opinião, ou não? É difícil, ela faz, por quê? A criação, nós criamos, não exigi, mas ela reconhece. Então, e trabalha, é trabalhadeira, tem a casa dela, tem tudo. O outro fez também a mesma coisa: com 17 anos começou a trabalhar, depois foi lá no Norte, casou com uma menina de lá, não quis casar com uma menina daqui, casou com de lá, tem seu sobrado, tem a sua vida pra família ficar à vontade, é um orgulho pra mim. Agora se eu soubesse que bebesse, andasse estragando, ai a coisa era mais ruim. Os outros é a mesma coisa, graças a Deus não tem o que dizer dos meus filhos, de nenhum, não tem. Então, é um orgulho pra um pai de família ter uma família desse jeito, não tô me exibindo pra vocês, tô falando a verdade, é orgulho, por quê? Já vem de pequeno, aquele estilo de criação. Nunca vi meus filhos andarem brincando na rua, bagunçando. Agora tem esses dois miudinhos que é terrível, chegam aqui: “Vô…”. Que eles me chamam “vô”, “vamos ali pra rua brincar comigo”, se eu disser que vou, eu vou, ele vai, se eu disser… Também não vão, tá vendo como é que é? E eu não tenho medo de eu dizer isso e eles sair pra um canto: “eles vão mexer no que é dos outro e pegar e quebrar”, não. Não admito isso, nós conversamos e vão se agradecer, não é bonito isso, ou não? P/1 – É bonito R – Expressa a luz que tá alumiando como eu não tô contando nada demais e nem mentira pra vocês. P/1 – Seu João, agora então perguntar pro senhor como é que foi para o senhor voltar lá atrás, contar a sua história, lembrar todas essas coisas? R – Já perdi o jeito de falar. Relembrar o quê? Eu já contei quando nós viemos de caminhão, viemos pra aqui, ficamos aí sofrendo que nem os “esmolé”, que isso ai, o que eu passei, eu tava alegre, que eu tava comendo, mas tava que nem os “esmolé” que não via dinheiro, um ano e oito meses sem ver um tostão no bolso é “esmolé”. Ai depois que eu sai de lá, ai a coisa melhorou, fui ganhando dinheiro, fui mandando dinheiro, não, era solteiro ainda, deixa eu ver? Era, era solteiro. Ai já arrumei dinheiro, fui pro Norte, cheguei lá, pedi a menina em casamento, já… parece que foi com 15 ou 22 dias, já viajei de novo e vim pra aqui e fui levando a vida. Com mais… Passou uns cinco anos, isso foi em 57 que eu fui, quando foi em 58 nós casamos e fomos devagarzinho, arrumando as coisa, compra uma coisinha, compra outra e o sofrimento nós passamos aqui, muita coisa que nem adianta contar isso, que faz vergonha, mas… nós já chegamos aqui em São Paulo com uma vida tão boa, que chegamos até a dormir numa caminha dessas de solteiro, eu e ela e dois filhos. Está vendo? E hoje, nós tem pra quem quiser dormir, ou deitar, ou comer, graças a Deus. Eu tenho esse orgulho, que se nós não trabalhasse, nós ficava baú… E assim, meus filhos são desse jeito, também, tudo têm a vida deles, chama: “Mãe, vamos comprar isso, modificado”, eu fico só olhando e me lembrando dos meu passado (risos). P/1 – E o quê que o senhor acha de ter essa sua história aparecendo numa exposição, que vai contar a história do bairro, o quê que o senhor acha dessa ideia? R – Menina, no modo de falar, desculpa falar assim: “menina”. P/1 – Não, fica à vontade. R – Que eu sempre tenho o meu jeito de falar, né? Olha, o que eu vejo e que eu não vejo, eu tenho o orgulho de amanhã ou depois, uma pessoa dizer: “Eu vi você em tal lugar, eu vi o seu retrato”, como eu tenho aqui. Aqui, a minha menina fez uma apresentação ai, encheu uma parede assim só de foto da turma de lá e eu tava lá olhando, daqui a pouco tava as lágrimas caindo, me lembrando de lá, porque é gostoso. Então, será eu também aqui com vocês, não tô mandando vocês fazerem, mas se fizerem uma apresentação, é um orgulho amanhã essa menina vai lá no lugar que tá, ou a mulher, ou outro, outro, ou eu mesmo ver: “Que bacana!”, porque isso ai eu já conheço de outros, já conheço. P/1 – Então em nome do nosso projeto e do Museu da Pessoa, agradeço muito o senhor ter contado a sua história pra gente, seu João. R – Não, eu tô te contando. E aqui nós tivemos uma apresentação das mesadas que os índios fazem, tudo aqueles prato: “E isso aqui o quê que é?” “É um prato” “Mas prato pra quê?” “É comida” “Ah, isso é comida?” “É, é comida” “Ai que bacana, ai…”, e veio gente que não era nada de índio, vinha aqui atrás de eu contar pra eles, era uma mulher, digo: “Dona, eu não posso fazer, a senhora não é índia. Se eu contar pra senhora, a senhora vai saber o que eu tô contando, mas não sabe o que significa, então não adianta eu contar pra senhora” “É, que é pra entregar pra minha filha, que ela vai fazer uma apresentação e eu achei muito bacana essa apresentação” “Pois é, então ela faça a apresentação dela de outro jeito, de mim ela não vai saber não, porque eu não vou falar”, eu tô adoçando água pros outro beber, não é verdade isso? Então, e ela não entende e eu tô falando pra vocês que entendem ou não entendem, mas eu tô explicando mais ou menos o significado que nós temos a vida nossa lá, quando nós chegamos lá, ninguém ignora: “Oh, vem aqui, ó o prato ai…” R/2 – Lá tá tudo civilizado agora, não tá mais… R – É bacana, muito bacana. Eu me sinto bem assim… R/2 – Agora quando nós chegamos lá assim bem arrumado, dá até vergonha, porque os índio lá tão bem alicerçado, né? R – Não, não é o caso que nós tamos falando, já progrediu tudo na vida? Já progrediu, eu já contei a historia pra vocês de pobreza… R/2 – Não paga luz, não paga água, não paga nada, o ganho é livre. R – É, e quando nós… não tinha nada disso R/2 – Agora tá bom R – Hoje é… é bacana! Ninguém tá mais morando em casa de palha, de taipa, ninguém tá morando. A mais fraca que tem é uma casinha de tijolo lá, é por isso que eu falo essas coisas assim. Carro? Como eu já lhe falei, que eu vi o cara sair com o carro e saímos atrás no rastro, que parecia uma coisa do outro mundo que nós víamos. Hoje tá assim de carro lá, tudo diferente, tudo diferente. Nossas condições quando ia os meus pais, não eu, os meus pais iam pra feira, era um jegue, burro e cavalo. Cavalo pra ir já montado e burro é pra carregar carga, ia pra feira, ficava o dia todo vendendo aquilo lá, vendia, comprava as coisa que precisava pra casa e voltava. Esse era o jeito. E hoje? Ninguém tem mais nada disso não, ninguém, tudo é na base do carro, moto, até os caras hoje de quem cria lá no mato, vai de moto, vaqueja o bicho lá no mato, tá vendo, como é que mudaram as coisas? Bem diferente da nossa… Bem diferente. Hoje, uma coisa que eu vou falar, mas não quero me exibir não, peço perdão, hoje nós viajávamos, primeiro nós tava viajando de ônibus, vamos pra lá de ônibus, é três dias de viagem, saía sexta, domingo é que nós chegava lá, as vezes de dia, por aí, nessa base, com as perna tudo amassada assim. Hoje, as meninas aqui já compra passagem de avião daqui. Olha, como é que as coisas doidas? Nós mesmos estamos viajando assim, desse jeito. Não tô me exibindo, avião de primeiro era só pros rico, o pobre também agora tá viajando, entende? E nós pedimos a Deus que nunca aconteça um desastre lá em cima, que senão, nego se esbagaça mesmo. P/1 – (risos) R – Eu falo errado? Não, é isso, já tá com quatro vezes que nós viajamos pra lá assim. R/2 – Chega no mesmo dia, né? R – No mesmo dia. Então, quatro vezes que nós viajamos pra lá assim. Por quê que eu não tenho orgulho na minha vida? De saúde, de trabalhar e arrumar com o que nós viajar. E de primeiro, nós íamos era naquela: “Nós vamos de ônibus porque nós não temos pra comer e vamos, chega lá, nós trabalha em alguma coisa”. Hoje já… a gente já vai tratando de longe, arrumando um pouquinho daqui, outro dali, quando chega no dia, tá firme! Na hora que chega lá, vai comprar uma banda de bode, comprar um par de bode, já procura essas coisa. Muito gostoso, se a gente viver numa vida assim. Mas não to falando, não tô me exibindo não, tô contando uma história que eu já passei na minha vida e peco a Deus que nunca venha a acontecer mais fraqueza na minha vida. Outra coisa que eu sito é essa doença minha, que eu peguei lá. Essa doença minha, eu tava pintando uma casa, a parede da casa e o sol tava quente, tava na base de uns 40, 40 e poucos graus, batia na parede assim e voltava aquela… Sentia aquele calor no rosto, ai quando foi de noite, começou a engrossar isso aqui: “Mulher, olha, meu braço tá com uma coceira, com um negócio que fica coçando, o quê que é isso?”, eu começava a fazer isso, “Ah isso é porque você tomou sol”, quando foi no outro dia que eu levantei, cadê a mão? Eu já não segurava mais nada e eu dormi e não vi isso, ai: “Eita e agora?”, Aí parei com o serviço que eu ia fazer, nós já íamos… isso foi no dia de terça-feira, sexta-feira eu viajei pra aqui e agora tio aqui, sofrendo, às vez durmo, outras vez, não durmo. Não vou descarregar em nada, nem doença, porque não durmo, porque fulano fala abusado e eu acho ruim, porque fulano falou errado e eu acho… não, não tenho que me importar, tô certo? E assim, nós vamos levando a vida até quando Deus quiser, seja Deus, abençoe a todos, que… Que dê muita saúde a todos vocês e a nós também manter a vida pra contar história. P/1 – Então, seu João, muito obrigada. E o senhor ainda vai ter muita história pra contar, ainda tem muita vida pela frente (risos). R – Se Deus quiser (O R/2 é possivelmente a esposa do entrevistado)
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