Meu pai é maranhense. Eu sei que ele trabalhava e teve um
filho. Ele falou pra família que ia vir ao Rio comprar uma sanfona, com 21
anos, depois ele ia voltar. E ele veio conhecer o Rio de Janeiro, e não voltou
até hoje. Na realidade ele acabou comprando uma guitarra. E a sanfona de botão,
que era o sonho dele, comprou deve ter um ano mais ou menos. Ele tem um grupo
de pé de serra, mas ele tocou mais de 20 anos na noite. Eu lembro que eu já era
novinho, mas meu pai sempre chegava e fazia o assovio de madrugada. A gente
ficava esperando, que só dormia depois que ele contasse as histórias.
Eu gostava de jogar bola de gude, mas quando eu fui chegando
a 11, 12 anos, eu não tinha essa aptidão, esse brilho nos olhos pela pipa, por
bola de gude. Eu brincava, mas eu gostava de arte, eu gostava de coisas
diferentes. Eu gostava de ver aqueles músicos, ficava imaginando show, palco. Meu
irmão mais velho tocava num grupo de pagode, que fazia várias apresentações
pequenas. Eu ficava louco pra ir aos ensaios, tinha 11 anos. Eu carregava
vários instrumentos pesados, montava o palco, não ganhava nada.
O primeiro curso que eu fiz foi em Quintino, de cavaquinho. Mas
era longe pra caramba. Comecei a fazer violão na Mangueira, a aprender um
pouquinho, parei. Paguei umas aulas de baixo, parei. Só tinha aquela noçãozinha
básica, aí parava. Todo sábado eu ia lá para o meu pai, ele mora no Jardim
América. Tinha uma bateria e meu pai ficava fazendo um som. Eu falei: “Me
ensina?”. Meu pai me deu a primeira instrução pra tocar.
Eu sempre ia final de semana lá para o meu pai, mas não
gostava de lá. Era um mundo diferente pra mim, ver arma, escutar tiro, eu
achava meio complicado. Meu pai comprou um terreno, enorme, mas sempre tava
trabalhando em São Gonçalo. Não ficava muito lá, então os vizinhos falaram que
nego queria invadir. Meu pai falou: “Bicho, vocês têm que vir cá cuidar do que
é de vocês”. Meu pai construiu, na realidade, um...
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Meu pai é maranhense. Eu sei que ele trabalhava e teve um
filho. Ele falou pra família que ia vir ao Rio comprar uma sanfona, com 21
anos, depois ele ia voltar. E ele veio conhecer o Rio de Janeiro, e não voltou
até hoje. Na realidade ele acabou comprando uma guitarra. E a sanfona de botão,
que era o sonho dele, comprou deve ter um ano mais ou menos. Ele tem um grupo
de pé de serra, mas ele tocou mais de 20 anos na noite. Eu lembro que eu já era
novinho, mas meu pai sempre chegava e fazia o assovio de madrugada. A gente
ficava esperando, que só dormia depois que ele contasse as histórias.
Eu gostava de jogar bola de gude, mas quando eu fui chegando
a 11, 12 anos, eu não tinha essa aptidão, esse brilho nos olhos pela pipa, por
bola de gude. Eu brincava, mas eu gostava de arte, eu gostava de coisas
diferentes. Eu gostava de ver aqueles músicos, ficava imaginando show, palco. Meu
irmão mais velho tocava num grupo de pagode, que fazia várias apresentações
pequenas. Eu ficava louco pra ir aos ensaios, tinha 11 anos. Eu carregava
vários instrumentos pesados, montava o palco, não ganhava nada.
O primeiro curso que eu fiz foi em Quintino, de cavaquinho. Mas
era longe pra caramba. Comecei a fazer violão na Mangueira, a aprender um
pouquinho, parei. Paguei umas aulas de baixo, parei. Só tinha aquela noçãozinha
básica, aí parava. Todo sábado eu ia lá para o meu pai, ele mora no Jardim
América. Tinha uma bateria e meu pai ficava fazendo um som. Eu falei: “Me
ensina?”. Meu pai me deu a primeira instrução pra tocar.
Eu sempre ia final de semana lá para o meu pai, mas não
gostava de lá. Era um mundo diferente pra mim, ver arma, escutar tiro, eu
achava meio complicado. Meu pai comprou um terreno, enorme, mas sempre tava
trabalhando em São Gonçalo. Não ficava muito lá, então os vizinhos falaram que
nego queria invadir. Meu pai falou: “Bicho, vocês têm que vir cá cuidar do que
é de vocês”. Meu pai construiu, na realidade, um barraquinho, uma quitinete,
quarto, sala banheiro, três cômodos.
Dormi lá de sexta pra sábado. E nessa eu to dormindo, eu
tinha 17 anos, e escutando um barulho diferente. Nunca tinha visto aquilo. O
barulho foi chegando mais perto, eu saí no portão e fiquei esperando passar. Quando
passou era o bloco do Afro Reggae. Uma porção de jovens. Eu admirado, fiquei
deslumbrado com aquilo. Depois passaram três semanas, começou a ter oficina de
percussão. Passei a morar no meu pai pra olhar o terreno, e estudando em
Belford Roxo. E de tarde eu ficava lá, e quando tinha oficina eu ficava
assistindo. Sei que passaram um três meses, eu cheguei num cara e falei: “Posso
participar desse grupo aí?”. Com aquela vergonha. Ele: “Vem amanhã”. Não me deu
chance de primeira. No outro dia ele me deu uma caixa de guerra pra tocar. Aí
ele me deu repinique. Passaram uns três meses, eu me tornei mestre do grupo. A
minha história começou aí. Me botaram esse apelido de Nelly. Todo jovem quando
faz oficina do Afro Reggae fica meio bobo. Meu pai gostava de música, eu tinha
aquilo dentro de mim, mas não aflorava aquela história de expressar. Eu via os
outros fazerem. Então quando eu peguei, significou uma verdade absoluta. Eu me
sinto livre fazendo música.
Meu pai conseguiu comprar um som muito legal. E eu queimei
esse som. Meu pai ficou triste pra caraca. Eu falei: “Pô, bicho, eu vou arrumar
um trabalho!” E foi então que eu tive a ideia de ser de uma banda do Afro
Reggae que se chamava Afro Lata. Uma banda que é uma vitrine. E todo mundo
queria entrar no Afro Lata e é uma banda difícil de as pessoas entrarem. Aí
comecei a participar do grupo, e minha primeira viagem foi pra São Paulo. Era
bolsa e remunerado. Eu tava “amarradaço” com aquilo tudo, era fantástico,
independente de dinheiro ou não. Eu fui fazendo vários shows, fui crescendo
dentro do grupo, dentro da história. Conheci a Inglaterra, aí conheci o mundo.
Deixe-me falar agora uma coisa muito importante, que foi
coisa de Deus. Eu não sou ator, nunca fiz nada. Tenho esse lado da arte dentro
de mim, porque eu já vim com essa bagagem. Então pra arte eu não fico com
vergonha, eu chego e faço as coisas. E o Tião, na realidade, é o Nelly, sou eu.
O Tião sou eu. A única diferença do Tião e Nelly é que eu não tenho uma Kombi. O
Tião dentro da história é um cara do bem, é “amigaço” de todo mundo. Se a
pessoa precisar dele ele vai estar ali à disposição e é o Nelly também.
Não vou mentir, eu gosto também do style. Eu gosto de me
vestir bem, eu gosto de chegar a um lugar e falar eu to aqui. Bota um bonezinho
de lado, às vezes bota uma touca, bota uma roupa. Eu costumo usar preto, o
prata também, porque me dá uma visualização legal, me divulga.
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