P/1 – Marcos, pra começar, eu queria que você contasse seu nome, a data de nascimento e a cidade onde você nasceu, um pouquinho do começo.
R – Meu nome é Marcos Antonio Gomes de Carvalho, eu nasci em Canguaritamba, uma cidadezinha no estado do Rio Grande do Norte, aos 11 de novembro de 1954.
P/1 – E qual o nome de seus pais?
R – Meu pai chamava-se José de Carvalho Silva, minha mãe Mariana Ivonete Gomes.
P/1- E o que eles faziam?
R – Meu pai era herdeiro de um engenho e depois perdeu tudo por política, não é, e virou funcionário público na área da arrecadação fiscal, minha mãe era beata de igreja, e meu pai se engraçou da minha mãe, que já era casada e tinha uma outra família, e tirou por tirar minha mãe lá da igreja, e nós fomos ai sendo a segunda família do meu pai. Minha mãe depois fez um concurso pra funcionário público para ser tabeliã da cidadezinha.
P/1 – Canguaritamba?
R – Canguaritamba.
P/1 – E eles se conheceram lá, então?
R- Sim, minha mãe tinha origem em outra cidade vizinha, mas já morava com a tia em Canguaritamba, e daí, chegou eu nesse mundo de Deus, (risos) uma situação um pouco adversa, né, porque meu pai na época tinha dinheiro, e tudo podia, e podia mesmo, e até de encontro aos valores, assim de, constituir uma segunda família, e enfim, nós vivemos a vida inteira em harmonia com essa situação.
P/1 – E você chegou a conhecer o engenho?
R – Eu cheguei a conhecer o engenho muito pouco, já fui conhecer depois de grande, não é, porque como nós éramos, assim, a segunda família, a minha mãe com todo orgulho era a outra, e a gente não tinha muito acesso a essa parte da vida da outra do meu pai.
P/1 – E você tem irmãos?
R – Nós somos cinco irmãos, e nasceram sete e dois morreram, porque era na época que se morria muito, né, a mortalidade infantil era incrível, então, por melhor que fosse a situação, ainda e morreram dois, ficamos cinco, dois homens, três homens e duas mulheres.
P/1 – E vocês cresceram lá em Tanguaritanga?
R – Até os cinco anos de idade eu vivi em Canguaritamba, e depois o meu pai resolveu nos levar pra capital, para ter uma condição melhor de estudo, assim era o que passava para gente, e eu não quis vir, eu fiquei ainda um tempo, não lembro exatamente, mas eu acredito que uns dois anos com uma segunda mãe que era uma avó, que não era avó, mas que me viu nascer e me pegou da mão da parteira, e me teve a vida inteira muito carinho, e eu fiquei na cidadezinha, e foi lá mesmo que eu aprendi a escrever, e aprendi muita coisa da vida, porque nessa idade até sete anos, é uma idade muito importante.
P/- E como é que era você lembra? Em Tanguaritanga?
P/1- Era uma cidade pequena, como toda cidade do interior, tinha lá a igreja, a escolinha, a delegacia, e eu lembro muito pouco porque, eu quando sai de lá, tinha menos que sete anos, oito anos, oito anos por ai, de 64, oito anos de idade.
P/1- Mas você lembra-se de alguma coisa que você gostava de comer, com sua segunda mãe, com sua mãe?
R – Ah, ela fazia uma comidinha gostosa, fava, ela chamava de raposa de fava, ela amassava a fava, fava, nossa, é um tipo de feijão, então, ela amassava, assim, com a mão, e amassava e misturava com a carnezinha, a mistura, não é, e me dava aquele bolinho, a raposa, e isso é o que me vem na memória das delicias que eu saboreava das mãos da minha avozinha.
P/1- E quando você foi pra Natal, como é que foi, seus pais já estavam lá?
R – Já, ai a minha mãe, todo mundo em Natal, e minha mãe, manda o menino, e manda o menino, e eu fui a pulso, porque eu não queria ir, né, eu tinha uma afinidade com a avozinha, e fui, e enfim, como lá eu terminei de me criar.
P/1- Em Tanguaritanga, você morava na cidade?
R – Em Tanguaritanga sim, eu morava na cidade, em Natal também já fomos morar lá no bairro, no mesmo bairro que até hoje moro, que é o bairro do Alecrim.
P/1 – É uma casa? E como é essa casa?
R – É uma casa simples, né, é uma casa simples.
P/1 – E a sua casa da infância você lembra, se lá tinha quintal?
R – A casa da infância, eu voltei outros dias depois, e sonhava muito com meus irmãos, vamos comprar essa casa de volta, vamos comprar essa casa de volta, porque trazia muitas recordações do tempo, tinha um sítio em torno da casa, cajueiro, eu lembro de um cajueiro formidável, que eu acredito que, aos cinco anos, o meu presente, o meu bolo foi ter encontrado um caju enorme, todo inteirinho sem estar mordido dos pássaros, né, bicada dos pássaros, nem de morcego, e aquele caju, eu lembro que foi uma alegria muito grande para mim, que não tinha bolos pra comem orar aniversários, e aquele caju nós fatiamos, e ali fizemos a brincadeira no dia do meu aniversario, e eu fiquei muito satisfeito, porque foi um grande presente pra mim, aquele caju.
P/1- Tinha outras frutas também?
R – Tinha jaqueira, tinha pitombeira, tinha mangueira, tinha varias frutas, frutas que normalmente sustentam o nordestino.
P/1 – E como é que era, você dividia o quarto com seus irmãos, sua mãe ficava em casa?
R – Minha mãe ali sempre em casa, e eu dividia sim, quartos com meus irmãos, dormíamos em rede, e tinha o quarto das crianças, não era, é uma casa que tem o quarto de cada um, ou pelo menos, o dos homens e das mulheres, na minha infância todo mundo alinhado ali juntinho.
P/1- Vocês iam começar a ir pra escola, você aprendeu a ler e escrever em Canguaritamba? Mas em Natal, você começou a ir pra escola?
R- Em Natal sim, eu graças a Deus, eu tive sempre muita vontade de estudar, porque já foi uma anunciação da minha avozinha, ela me levava na escola, ela me tomava a lição, ela me orientava, então, eu acredito que foi um grande impulso para mim gostar de aprender, né, gostar de estudar, eu ia para a escola, dava duas lições, tinha que dar uma lição, uma pagina dum livrinho, ela me preparava tanto que eu dava as duas, aquela leitura meia decorada, daquela cartilha, daí pra frente, Natal, eu tomei gosto pelo estudo, e teve uma época que a situação nossa era difícil, eu sou filho de escola pública, com dificuldade, teve uma fase brava, tinha fase que a alimentação da manhã, ia ser a merenda da escola, e eu sempre gostei e fui estudando, e graças a Deus, cheguei até uma faculdade, e fiz um curso superior, e estou aprendendo, já estou querendo estudar mais, tinha uma promessa,ai, dum mestrado, alguma coisa, não sei como vou fazer com o meu tempo parar.
P/1- Você é o irmão mais novo, do meio?
R – Eu sou o irmão do meio.
P/1- E quando vocês iam para escola, quando vocês eram pequenos, vocês iam juntos, lá em Natal, como era isso, vocês acordavam?
R- Nós geralmente, um estudava numa escola, o outro estudava noutra, raramente foi o ano que estudou os dois na mesma escola, mas era uma escola diferente.
P/1- Por quê?
R- Porque era conveniência, às vezes da série, a questão de vaga, ia ficando tudo, mas tinha as escolas todas próximas.
P/1- E sua mãe levavam vocês pra escola, ou iam sozinhos?
R- Não, lá no interior, lá na cidadezinha onde minha avó, ás vezes, eu estava manhoso demais para ir, ela ia me deixar, levava até no braço, e eu já na cidade, na capital, ai nós já estávamos também, já crescidos, né, em torno de dez anos, de treze, quatorze, ai já íamos aos deslocando para a escola.
P/1 – E, às vezes, para almoçar, assim, depois que voltavam da escola, sua mãe fazia o almoço?
R- Ai sim, na volta, mas lá em casa a gente sempre tinha uma coisa, nunca reunia formalmente na hora da refeição, todo mundo não, um chegava mais antecipado, almoçava, outro chegava depois, já almoçava, ficava sempre flexível, minha mãe que sofria bastante, pra dar conta da refeição, desencontradas, cada um.
P/1 – Seus pais mudaram pra Natal, por causa do trabalho?
R – É, eles nos trouxe pra Natal, porque como eu falei, quer nos dar uma educação melhor, quer dar uma educação melhor, ai trouxe pra Natal, pra Capital.
P/1- Chegou em Natal, ele trabalhou?
R – Ele trabalhou, trabalhava na arrecadação, porque ele, na arrecadação fiscal, ele andava pelos estados e regiões, para desenvolver esse trabalho, e nós como éramos de família dividida, meu pai tinha uma outra casa e a minha mãe era a, nós éramos a segunda família, nós não tivemos a presença do pai muito constante, ele passava três dias lá, três dias cá, viajava pra essas cidades.
P/1- Sua mãe que ficava mais.
R – Minha mãe que foi mais presente na minha vida.
P/1- E ela teve muitos amigos, lá em Natal?
R – Sim, minha mãe como eu falei, no momento difícil de sua vida, assim, ela costurava, chama na minha cidade, costurar pra fora, costurar pra fora era fazer costura sobre medidas para as pessoas, e eu até ajudava, a máquina não tinha motor, e ás vezes, ela cansava o pé, de pedalar aquela maquina, e eu ficava ali fazendo o movimento do pedal para a costura seguir.
P/1- Já dava uma ajuda?
R – Já dava uma ajuda, sentado embaixo, sentado perto dos pés dela.
P/1- Você brincava muito com seus irmãos?
R – Nós tivemos uma infância de brincadeira, sim, nós andávamos, nós íamos para o rio, Rio Potandí, nós jogávamos bola na rua, tinha campo, tinha espaço, não é mais como hoje, com a urbanização, ai foram destruindo todos aqueles espaços que nós tínhamos, nós tínhamos vários campos de futebol, em torno da casa do bairro, a rua não era pavimentada, era areia, na frente de casa mesmo se fazia, improvisada um campo de futebol, hoje a gente pra jogar futebol tem que pagar, alugar, escolinha, colocar os filhos numa escolinha de futebol, mas naquele tempo era bem melhor.
P/1- Não tinha prédios também, né?
R- É, não tinha prédios, era uma casa até afastado da outra, aquele bairro que eu moro hoje, ele se urbanizar, ao longo desse tempo, de uma forma até brutal, eu continuo morando na rua que sempre m orei, moro a mais de quarenta anos nessa rua.
P/1- Como chama?
R – Rua dos Canídeos, é o nome de uma tribo de índio da nossa região, e eu fiquei, ficou essa rua até hoje, e sem coragem de largar aquele ambiente, que foi me acostumando, com assim, com essa parafernália toda da urbanização, uma conveniência, hoje nós estendemos o braço e já tem um supermercado pra que a gente compre alguma coisa, estende outro braço tem uma farmácia, e ai mais do lado, a feira, a escola, o posto de saúde, é tudo muito próximo, mas ficou muito desumana, agitação, muitos carros, um lugar movimentado,um lugar municipais, era o trânsito, a poluição sonora, é a falta de espaço com os meninos, meu filho hoje fica numa calçada onde os carros tão passando a três metros de distância, quanto a velocidade, como a gente se preocupa mas não pode deixar preso dentro de casa, tem a violência urbana que chegou, ninguém pode dormir com a porta aberta como se fazia, na época chegava em casa e ficava até a madrugada dormindo no vento, na brisa da calçada, hoje a gente vai chegando em casa fica preocupado, com o que pode estar esperando na entrada de casa. É uma coisa _________, essa realidade da urbanização.
P/1- Quando o senhor era novo, você já via assim, na rua lá em Natal, lá na sua cidade de infância você já via festas populares, aulas de capoeira, o que você via assim?
R- É, olha uma das coisas que me encanto quando, é quando começou época de carnaval, passava as escolas de samba, tribos indígenas, isso, isso me cantava né, certa vez eu falei pra minha mãe, minha mãe eu quero um dia ficar dentro de um tambor desses, com eles batendo comigo dentro e, interessante, foi uma primeira impressão, primeira vontade que eu tive quando vi uma charanga de samba passar com aquela batucada toda, foi dizer isso, e quero ficar dentro de um tambor desses para eles baterem comigo dentro, até que, no ano vi passar também junto com o pessoal da escola de samba, um pessoal com _________ de capoeira, e eu fui, sabia que era brincadeira de jogar com as pernas e tudo mais, uma luta ai, fiquei com muita vontade de aprender, e pedi, depois eu fui, tive amizade com o rapaz do amigo da escola, filho do Mestre da escola de samba e pedi para que se ele pudesse me ensinar, porque eu gostaria de aprender a capoeira, e ele Fernando Geles, ele ah ensinou, ele ia lá pra casa, pro quintal lá de casa, embaixo de uma mangueira e ali nós, ele ficava passando os passos,os gingados e outra hora também eu ia para casa dele, ai fui entrando no terreno da escola de samba, também se aproximava o carnaval, vinha os ensaios e dentro desse fundamento de ensaio também, ele vivia me passando as ________ de capoeira e de lá pra cá eu não abandonei mas a capoeira.
P/1- Você tinha quantos anos mais ou menos?
R – Eu tinha já 13, 14 anos.
P/1- Deve ter sido bacana ter visto vários berimbaus, né, assim, brincando?
R – Era sim os berimbaus, mas o legal mesmo foi que eu entrei na capoeira e depois que entrei, aí não consegui me afastar mais, comecei a me dedicar, a entender como poderia fazer o berimbau, a cuidar do berimbau, que o pessoal já não cuidava muito, pegava de qualquer jeito pra tocar na hora que se reunia, e eu comecei a me preocupar de fazer o berimbau, de consertar, de melhorar.
P/1- Isso na Angola, já?
R – Isso não, nós não sabíamos ainda, nem que capoeira era, a origem dessa capoeira era mais até da regional, porque Natal tem um porto e uma escola de aprendiz de marinheiro, e muita gente de Salvador, do Rio de Janeiro, e que conhecia a capoeira e gostava de samba, e nessa escola deixou uma semente de capoeira, e é até mais da linhagem da capoeira regional, a Angola, eu fui tendo os primeiros contatos através de um livro, um disco do Mestre Caiçara, um vinil, um disco LP do Mestre Caiçara, e com isso, tinha também o vinil do Mestre Bimba, ai ali a gente ia exercitando os toques e tentando entender que diferença tinha essa, só depois de cinco anos de capoeira, é que eu comecei a viajar para Salvador, no sentido de encontrar respostas para muitas coisas que eu gostaria de saber sobre a capoeira, e como Salvador, a Bahia é um celeiro de grandes Mestres de capoeira, é lá que surge o movimento da capoeiragem que saiu para os Estados e para o mundo, então, eu comecei a viajar pra Salvador, para conhecer o Mestre de Capoeira, e ai foi que me, deu de encontro com uma figura fantástica na capoeiragem, e como ser humano, conheci já cego, já no final da vida, já não jogava mais capoeira, mas que trouxe a luz, o caminho, pra vida e pra capoeira, eu conheci um Mestre Pastinha, Vicente Ferreira Pastinha, então, isso para mim é de um tamanho incrível, para a vida e para capoeira.
P/1- Conta para a gente, como foi esse encontro?
R – Nos primeiros anos que eu fui, eu já tinha um disco que também apareceu de um Mestre Pastinha, um disco feito em 69, onde ele relata, fala da experiência dele de capoeira, e eu achava que ele já tinha morrido, achava que já tinha morrido, e nessas idas para Salvador, eu conheci o Mestre Camafeu de Oxossi, conheci os primeiros Mestres, depois os Mestres Caiçara, e quando eu perguntava sobre o Pastinha, eles diziam, ah o Pastinha acabou, e quando eles diziam, o Mestre Pastinha acabou, eu achava que era no sentido de ter morrido, ter morrido, mas eu, acabou, que pena, mas eu continuei, continuei andando, conhecendo Mestres, e foi outro ano, e só em 75, 76, 75, 76 é que, eu sempre fui uma pessoa que deu muito valor as pessoas que andam na rua, sarjeta, que por acaso, esta numa situação social de decadência, porque independente dos aspectos que elas tenham, elas tem uma lição de vida e tem uma história para contar, e ás vezes, tem uma cultura enorme para passar, e veja bem como as coisas acontecem, não é? Eu vinha no Penhorinho, subindo a ladeira e vinha descendo um bêbado meio que cambaleando, e eu se pondo na frente dele, de repente eu pergunto, e o Mestre Pastinha? E eu não sei por que perguntei, eu só perguntei, e o Mestre Pastinha? E ele parou, deu aquela sobriedade e disse no meu olho, o senhor vai aqui no 14, e ai, nossa, (risos ) e eu me arrepiei e sempre choro quando lembro disso, (choro ), desculpa, e ai ele, o senhor vai ai no 14, e nós, eu subi e ele desceu, e eu fui direto no 14, quero número 14, da Rua Alfredo Brito, e chegando lá tinha uma loja de artesanato na frente, com um a arcada de um casarão, na sala de entrada e tinha improvisado, pregado nas paredes, artesanato, bolsa, sandália, cintos e couro, e eu, bom é 14. E eu fui entrando, e quando mais adentro eu percebi que no fundo, tinha uma porta que se abria, e uma vida de casas, de quartos, que moravam pessoas humildes, e logo nos primeiros quartos, que era um quarto embaixo de um teto de madeira que era a parte de cima do sobrado, e ai já estava aquele velhinho lá, de cabeça branca, num banquinho tosco de madeira antiga, velha, envelhecido, do tempo e uma baiana na mesa ao lado, mexendo uma massa de acarajé, e eu falei, bom dia! Eu sou do Rio Grande do Norte, e eu estou procurando conhecer o Mestre Pastinha, e ela responde assim, atende dessa forma, a já chegou mais um aproveitador para usar, usufruir, roubar o que o Pastinha conhece, depois sai por ai, faz disco, faz livro, diz que é capoeira, e que aprendeu com Mestre Pastinha, e o Mestre Pastinha continua aqui na miséria, esse homem esta cego, na miséria, abandonado, eu que o sustento em cima de um tabuleiro de acarajé, ai ela falou uns cinco minutos, e eu querendo falar, mas eu disse, a senhora, qualquer coisa, mas ela não me deixava falar, e xingava filho de uma, e etc, e porque vem aqui, filma, explora, faz reportagem, e vai embora e Pastinha continua aqui na miséria e tal e eu fiquei pasmo, e ela diz, para falar com, ela chamava-se Dona Nice, Nice Romelia, ela passou a viver com Mestre Pastinha, depois que o Mestre começou a cegar, ele chegou de glaucoma e catarata, então, ela tinha banca de acarajé embaixo da academia, que é o Centro Esportivo de Capoeira, que ele fundou, desde muito tempo, no primeiro andar e que esse, enfim, quando começou a ficar cego, ele cegou, ela passou a conviver e a cuidar dele, e cuidava também de uma forma muito forte, e ela vira depois de ter falado muito, e diz, para falar com Mestre Pastinha é cem cruzeiro a hora, diante daquela revolta que ela tinha, que muita gente procurava e não deixava provavelmente o suficiente para o sustento mais digno do Mestre, e eu falo, e ai não me controlei e cai em pranto, né, eu cai em pranto, soluçando mesmo diante de ter, era uma pessoa que eu já tinha uma referência muito forte por um disco que eu tinha gravado, que ele gravou ali, a voz, a mensagem, o canto, conselho da capoeira, que ainda hoje é uma coisa atual e serve para os capoeiristas da atualidade ouvir, né, e eu disse, eu fiquei pasmo, cem cruzeiro a hora para falar com Mestre Pastinha, e eu não aguentei, soluçar e disse, olha senhora eu tenho dinheiro para pagar o preço que a senhora esta cobrando, para o Mestre me falar durante cinco horas, depois eu vou para casa a pé, de carona, e rogo para voltar - “tá bom” - e eu faço qualquer coisa, mas não é isso que eu quero não, eu queria só conhecer o Mestre Pastinha, e estou vendo que é ele que está aqui, isso entre choro eu falando, e ela quase, ela só se assustou, só parou quando ela me viu descontroladamente chorando, soluçando forte mesmo, aí ela se assusta e me permitiu que eu desse a __________ e ele bate na ,ele fala para ela, “tá bom”, ela quer voltar a falar e ele fala, 'tá bom” e foi um “tá bom” só e ela calou e ele bateu no banco e falou, sente aqui e aí eu sentei, e ela um silêncio profundo, incrível como um “tá bom”, ele tinha uma história de falar “tá bom”, e ela calou e ele me perguntou de onde eu vim, sou de Natal, Rio Grande do Norte, o senhor conhece? Não, eu não conheço mas passei perto e o senhor gosta de capoeira? Eu falei gosto, faço, fazem cinco anos e estou aqui na Bahia procurando respostas para algumas coisas que eu quero ter da capoeira e daí para frente, ele falou bastante, e falei eu preciso pagar? Ele falou não senhor, o senhor não vai pagar nada, o senhor não vai pagar por nada e ela ficou calada, a Dona Nice, e eu fiquei, Meu Deus, foi um momento muito especial para minha vida, foi um momento muito especial e eu fiquei depois, por algum tempo, perguntei para ele, eu posso voltar? Porque eu tinha que perguntar isso, eu estava louco para continuar aquele contato, aquele encontro com ele, e aí ele disse assim, o senhor vem quando o senhor quiser, o senhor vem quando o senhor quiser, aí eu fui no outro dia, voltei, ela me recebe da mesma forma, com muito impacto - “já voltou? Olha aí, veio explorar o sossego do Mestre sossegado, descansando”, eu disse “calma, minha senhora, calma, eu só vim dar uma passadinha aqui para olhar para ele, só vim olhar, não vou falar nada, não vou falar nada, não quero ouvir nada, eu quero só ficar aqui um pouquinho”, mas ela, “ta bom de novo,ele falou ta bom”, ela calava e depois eu comecei a entender aquela receptividade que eu tive, porque aquele desaforo todo da parte dela, e entendi que muitos passaram por ali e isso de certa forma, tanto cansava, incomodava, como também havia uma exploração de quem ia buscar alguma coisa pra que, conhecimento de um Mestre, que estava numa situação cega, na miséria, e para ganhar dinheiro, para ganhar a vida, que naquela época já começavam alguns a ganhar dinheiro com capoeira e ele, ela se viu assim, numa missão de protegê-lo, tanto que, num determinado momento desses encontros com Mestre Pastinha, eu falo, pergunto para ele, Mestre, eu não lhe vi jogar, eu quero entender como é esse traçado do jogo, porque eu preciso ver isso também, me dê o nome de uma pessoa que conviveu com o senhor, então ele me deu, ele disse imediatamente, ele me disse, “o senhor procura Gildo Alfinete, na ______Angélica, que é uma avenida próximo lá do pelourinho, em Salvador”, eu não contei história, eu fui direto para me encontrar com o Mestre Gildo Alfinete, que era a pessoa que Mestre Pastinha estava me indicando para entender esse jogo e me falar mais algumas coisas da capoeira Angola, da capoeira que ele guardou, da capoeira que ele foi titulado por Jorge Amado e por tantos outros, guardião da capoeira Angola, e eu estar naquele tempo, num manancial de riqueza dessa cultura, corri ao encontro do Mestre Gildo Alfinete, lá na Joana Angélica e me informaram, aqui numa casa lotérica, numa lanchonete que tem aqui do lado, chamei pelo Mestre e ele desceu, e eu disse, “Mestre Gildo Alfinete?” Ele disse “sou eu”, eu disse, “eu estou vindo aqui a mando do Mestre Pastinha”, olha a emoção que eu estou sentindo, é a emoção de eu ter dito isso e ele ter desmanchado em pranto, em choro, e disse assim, “o que? O velho lembrou de mim?” “Ele que me mandou aqui”, “você esteve lá?” “Mas eu não vou mais lá, aquela mulher já isolou todo mundo, bota todo mundo pra correr, xinga todo mundo”, ai eu fui entender que, não foi só comigo, muita gente dali de Salvador, do convívio dele, como foi o Mestre Gildo Alfinete, que conviveu a vida inteira com Mestre Pastinha, tinha ele como um pai, também tinha se afastado de lá, “e você como conseguiu falar com, e aquela mulher?” Eu disse, “ela me xingou muito, mas eu fiquei por”, e ele “ta bom, pra ela calar e daí, ele mandou me procurar?” Emocionado, com a satisfação de ter aquela lembrança por parte do Mestre, “se ele mandou me procurar”, ele ficou vaidoso com aquilo, ele ficou vaidoso com aquilo, eu disse “mandou sim, quando eu perguntei que precisava conhecer alguém para me dar uma traçado de jogo, porque eu estava conhecendo ele e já cego, e ele disse, procure Gildo Alfinete, na Joana Angélica”, aí ele, “não é possível, aquele velho, fala aquele velho”, (risos ), então foi uma coisa muito forte, tanto quanto eu encontrei o Mestre Pastinha, consegui essa aproximação com ele, como, quando ele me manda atrás do Mestre Gildo e a emoção é desse tamanho, e aí depois eu fui entendendo, o Mestre Gildo tem hoje, da certidão de nascimento até o atestado de óbito do Mestre Pastinha, bengalas, panos, poesias, desenhos, manuscritos, instrumentos, registros da Academia, de todos que passaram pela academia, pelo Centro Esportivo de Capoeira Angola, o CECA, criado na década de 40, o Mestre Pastinha foi o primeiro a sair do Brasil, para mostrar a capoeira lá no Exterior, na África, __________festival de _________1966, e o Mestre Gildo foi um dos que acompanharam o Mestre Pastinha, e aí ele me recebeu até hoje, como um irmão, como um irmão, me levou pra cada dele e disse assim, vou lhe ensinar umas malvadezas, ele disse, eu estou afastado, ele falou, não tenho mais nada com capoeira, muita gente aí faz essas besteiras aí e tal e diz que é capoeira, e eu me afastei do Mestre porque aquela mulher não quer ninguém do lado dele, se afastou muita gente, médicos que iam lá para dar uma assistência para o Pastinha, que ele tinha muitos amigos, ninguém vai mais lá porque ela fica desaforando todo mundo, mas eu vou lhe ensinar algumas malvadezas, aí me levou para casa dele e me mostrou tudo que tinha do Mestre Pastinha e me mostrou umas malvadezas, como ele dizia, né, e daí foi um encontro formidável, falar de minha pessoa, eu não posso falar de mim, sem falar do Mestre Pastinha, sem falar dessas coisas que Deus me deu, que Deus me deu, eu tenho uma referência muito grande de meus país, da minha família, mas nenhuma pessoa me influenciou na vida, o quanto Mestre Pastinha, e olhe que eu convivi muito pouco, tive bons professores, nas escolas por onde eu passei, meus pais, muitos amigos, muitas pessoas mais velhas me aconselharam no momento difícil da vida, mas o encontro com Mestre Pastinha, não foi só pela capoeira,não, foi pela vida, foi pela vida.
P/1- Quantos anos você tinha?
R – Eu tinha 20, 75,75 me ajudo, eu sou de 50, eu tinha 24 anos, né? 75, 21 anos.
P/1- Qual era as dúvidas que você estava levando, que te fez ir até Salvador, sabe?
R- É energia pura, né, porque quando a gente entra na capoeira, entra numa arte, numa cultura dessas que recebe de forma de oralidade, e, tudo é energia, né, e a gente sempre tem uma referência que a Bahia é o centro da capoeiragem, os capoeiristas de nome na história estão naquela região, o Mestre Pastinha, o Mestre Bimba, Camafeu de Oxossi, Mestre Caiçara, Mestre Valdemar do Berimbau, Mestre Paulo dos Anjos, Gato, Canjiquinha, e tantos outros, e daí fui ao encontro desses Mestres para entender mais, pra se fundamentar, porque na vida dessa cultura dita popular, não é? A gente tem que procurar mesmo os Mestres para ter orientação, quem não teve a sorte de nascer ao lado de um Mestre e receber dele essas informações, tem mesmo que ir buscá-los onde quer que sejam, porque senão não compreendem, a resposta que eu queria, era resposta de compreensão, mesmo da essência, do por que, de como fazer, de como proceder, de como tratar, da ritualística, né, da religiosidade que tem, que permeia, todas essas informações da capoeira, é um centro também de religiosidade, né, é um centro de religiosidade.
P/1 – E como é que tava o seu grupo lá em Natal, antes de você ir pra Salvador?
R – Antes de ir pra Salvador eu peguei lá na escola de samba e permaneci com a rapaziada na escola de samba e saindo, brincando de ala de capoeira no carnaval, mas ai eu sentia necessidade de fazer de uma forma mais constante todo dia teria que ser dia de capoeira e comecei a juntar no quintal, no terreiro, os amigos que tavam se oferecendo, me procurando pra ir tomando a ola comigo, né, eu fui um autodidata na capoeiragem e fui aprendendo, ensinando e aprendendo com ele, ensinando e aprendendo ao mesmo tempo com eles, com os que eu ensinava, ai formei um grupo de capoeira, Filhos de Zumbi, Filhos de Zumbi, e fui, quando eu fui pra Salvador, pra Bahia, eu disse, olha eu vou atrás de mais informação de capoeira, eu quero mais, eu quero conhecer alguns Mestres e preciso ir pra Salvador pra conhecer mais da capoeiragem e quando eu fui eu chego em Salvador e com esses encontros do Mestre Pastinha, num determinado momento ele me diz, um dos anos a seguinte ele me diz, o senhor por que não leva um certificado meu, pra ser classificado pra poder classificar, o senhor falar que não tinha mais nada da academia, mais eu tenho, eu disse procura os impressos ai, e me concedeu um certificado que pra mim é mais valioso que o certificado que eu tenho da universidade, nem de longe se aproxima e carteira da academia com carimbo dele em cima da fotografia, assinou, mesmo cego, Vicente Ferreira Pastinha e eu fiquei, é, deslumbrado, meu Deus, guardei com tanto cuidado, traga a maquina pra fazer a fotografia por que ele não me deixava registrar nada, nem fotografar, nem gravar e nesse momento ele me oferece o certificado, manda levar as maquinas pra fazer as fotografias, veste seu paletó branco, de linho branco, ta, e me permite fazer a foto ao lado dele, fiz quatro fotos com o Mestre Pastinha, isso pra mim já começava a ser respostas pra muita coisa, eu fui tendo resposta desde o primeiro momento quando encontrei, quando o vi pela primeira vez, eu já fui tendo resposta pra vida, fui tendo resposta pra muita coisa que eu não compreendia, eu não tive mais dúvida que existe uma energia superior suprema que é Deus e ele fazia o tempo todo essa, essa relação da capoeira com Deus, então ele começava assim, num determinado momento, o Mestre Pastinha me perguntou, “o senhor sabe que é o maior capoeirista?” E eu fiquei sem jeito pra resposta, eu disse, “é o senhor?” E ele disse “não, o maior capoeirista é Deus” e eu fiquei muito tempo refletindo sobre isso e acho a minha interpretação dentro da ________ que quando o capoeirista é imagem e semelhança do ser supremo, de harmonia, de verdade, de justiça que se chama Deus de qualquer forma que se conceda, Ele é o maior capoeirista e ele ainda cantava assim no seu registro fonográfico, ele cantava (tocando berimbau e cantando), então ele tinha sempre essa relação com Deus, maior é Deus, pequeno sou eu, o que eu tenho foi Deus que me deu, o que eu tenho foi Deus que me deu, na roda da capoeira, grande pequeno sou eu, era duma humildade incrível e diz se fazer respeitado então na capoeiragem e eu diante de uma grandeza, de um manancial, de uma riqueza enorme dessa, até hoje cada momento que eu relembro é um ganho que eu tenho na minha vida, é um ganho que eu tenho, depois do Mestre Pastinha, transformou mesmo, ai não tem mais jeito, ai é capoeira, capoeira, e eu queria fazer, é, em curso na universidade, de engenharia, eu escolhi Educação Física por ser mais na área de ajudar alguma coisa e pra colocar a capoeira por essas escolas, né, eu tenho trabalho no Rio Grande do Norte com a capoeira nas escolas, e a muito custo com a discriminação, que a capoeira sempre foi muito descriminada, perseguida, proibida, todos aqueles que fossem pegos praticando em praça pública Exercício de Destreza Corporal, conhecido por Capoeiragem, seria preso, em prisão celular, de dois a seis meses, código penal brasileiro de 1830, 1889, e que por reincidência cometeu o mesmo delito, o mesmo crime será deportado para o presídio da Ilha Grande, era um presídio cruel, né, nacional, se jogava pra ali tudo que fosse mal pra sociedade e os capoeiristas tinham esse estigma, né, de porque veio a libertação, não foi preparado uma sociedade pra acolher esse africano, o escravo agora liberto e virou desocupação, e ele, o sistema, os mais poderosos usavam os capoeiristas pra malta, serviço de “capa-doço “, né, comprometer, forçar uma pessoa a votar, a cobrar, então o capoeirista foi utilizado na sociedade pra fins maldosos e terminou virando a capoeira um campo na sociedade e o capoeirista um marginal, perseguido, condenado, mas a capoeira foi resistindo, resistindo, e como forma de resistência cultural esta até hoje pelo mundo a fora, não é bom, abriu a porta das escolas e ai tudo vira uma beleza, é cultura brasileira, é festa, é tradição e permeia hoje pelas escolas do mundo inteiro, né, mas porque resistiu a tudo isso, a muita perseguição e eu na minha época que eu comecei fazer capoeira e saia com o berimbau, minha mãe, depois tinha um gravador que gravava algumas coisas e ia treinar, às vezes não levava o berimbau, levava o gravador, uma fitazinha gravada e minha mãe dizia, meu filho, eu acho tão bom quando você sai com esse gravador, ai eu disse, minha mãe, por quê? É porque ai ninguém sabe o que vai dentro, porque era feio e era perigoso sai com o berimbau porque ia fazer a capoeira né, coisa de negro, coisa de malandro e enfim, e as escolas por onde eu passei, as portas fechadas foram muitas, eu comecei a ensinar a Educação Física no ensino público e quando eu me propus a ensinar capoeira e fazer uma experiência com capoeira, sem cobrar nada, sem colocar na minha carga horária, e era uma coisa voluntaria, a resposta foi que eu não pode, por que eu não posso? Eu sou professor da escola. Não, porque nós só trabalhamos com esporte olímpico, voleibol, basquetebol.
P/2 – E quando era isso?
R – Isso foi em 1977, 1977, o meu coordenador de área de esportes só pode trabalhar com esporte olímpico.
P/1 – O seu Marcos, pra gente aproveitar enquanto ta chovendo um pouquinho, me fala uma coisa, como você foi convidado como Mestre da capoeira, assim, pra entrar como o Mestre Griô.
R – Bom, a cultura desse país sofre um momento de revolução, de revolução, a idéia dos pontos de cultura, a idéia dos Mestres de valorização da cultura popular dos Griôs, e é um momento muito importante e nós fizemos uma proposta de ponto de cultura que foi aprovado e dentro desses pontos de cultura, o ministério da cultura, veio a ação Griô, e a capoeira começa a participar de uma forma mais digna, de uma forma mais consolidada dentro do movimento social, em busca de contribuir para a educação com uma expressão cultural de identidade, de raiz, não é, de brasilidade e que foi, e a minha participação como Mestre de capoeira, dentro dessas atividades do ponto de cultura tem me dado muita satisfação, porque a gente percebe que o valor desse trabalho que sempre foi feito pelos Mestres de capoeira, construindo o país com seus saberes, com sua cultura, com seus conhecimentos, com seus ensinamentos, não é, vem agora pra dentro de uma formalidade e de um reconhecimento muito grande, então, a oportunidade de participar desse trabalho ponto de cultura, Ação Griô, tem sido de grande satisfação.
P/1 – Conta pra gente, por que do nome do ponto de cultura lá de Natal?
R – De Conexão Felipe Camarão, é, o ponto de cultura Felipe Camarão, ele tem um nascimento em torno de dois Mestres de cultura popular que tem uma comunidade que chama-se de Felipe Camarão e onde o índice de desenvolvimento humano é baixíssimo, a criminalidade altíssima, prostituição infantil, é, drogas, gravidez precoce, todos os males desses dentro de uma comunidade que só era vista até então nas paginas policiais, então nós fomos querendo fazer uma ação social, de uma forma de instituição civil organizada e criamos uma ONG e fomos pra Felipe Camarão e já tínhamos conhecimento, já, conhecíamos o Mestre Manuel Marinheiro do Boi de Reis, e o Mestre Chico Daniel do Momolengo, do Teatro de Bonecos, que chama Momolengo, e fomos criar junto com eles uma forma que essa cultura fosse conhecida por Felipe Camarão, que era muito mais conhecida fora de Felipe Camarão, fora da comunidade, ai veio o nome de, tornar com essas, fazer com esses dois Mestres uma conexão com a comunidade, então Conexão Felipe Camarão, uma conexão de cultura, de vida, de sabedoria, que vi desses dois Mestres conhecido nacionalmente pelo seu trabalho por arte mas que não eram reconhecidos, nem vistos pela sua comunidade e ai foi surgindo a proposta do ponto de cultura Conexão Felipe Camarão e o Boi de Reis também vai agregando outras manifestações culturais da comunidade e que tem aceitação desses jovens, como a capoeira, percussão, a partir daí se cria uma luteria de rabeca porque a rabeca é um referencial dentro do Boi de Reis e precisava-se repassar, construir, se difundir a pratica da execução musical que vinha do Boi de Reis, ai os meninos hoje tão fazendo rebeca, outros tão tocando, outros tão aprendendo flauta por que muita gente através da flauta faz um link com a cultura indígena que é importante também na ancestralidade daquela comunidade que houve tribos indígenas antes naquela comunidade e que tudo isso tinha se perdido através do tempo e o projeto Conexão, o nome vem disso ai, a intenção de fazer uma conexão dos Mestres com os jovens através dessa cultura que eles fizeram a vida inteira.
P/1 – E fala pra mim, o que que você acha que é importante nessa tradição oral que esta sendo passada, que ta sendo trabalhada?
R – O importante é essa forma como se da impulso, a velocidade, a transmissão desse saber, através duma modernidade, de uma nova tecnologia, de uma nova metodologia, que não só a oralidade, que não só a oralidade, hoje a oralidade não começa a ser só oralidade por que a gente já pega todas as informações que vêm de um mestre joga em rede, na internet, como é a idéia dos pontos de cultura e vai ser democratizado essas informações, não é, vai ser oferecida mais rápido e mais facilmente para todos os acessos as informações, então a oralidade teve uma importância muito grande até agora, o que deve-se ter cuidado é com a entrada de novas tecnologias e novas formas de transmissão desses conhecimentos não se iniba, não vêm inibir a oralidade porque é na oralidade, é na presença do mestre como eu relatei que realmente a gente vai sentir a essência do fazer daquela formula, é, vendo e olhando, é nesse contato corpo a corpo com os mestres que a gente entende melhor, não vai ser através do livro nem de uma tecnologia moderna também só.
P/1 – Vamos esperar só.
R - (tocando berimbau)
P/1- A gente estava falando de tradição oral, né?
R - A tradição oral, esse momento da cultura popular é muito importante, os pontos de cultura, a ação Griô, né, e eu dizia a utilização de novas tecnologias, de uma sistematização para levar adiante a transmissão oral, não é, porque ai, a gente vai utilizar de varias formas de conhecimentos também, conhecimentos acadêmicos, para que essa tradição de já melhor passada para as outras gerações, agora eu vinha refletindo alguns momentos sobre isso e me tocou um medo, porque o medo é de que, quando se avançar tanto na inclusão de novas tecnologias, para transmitir dos conhecimentos da oralidade, e eles comecem a perder a ciência, e é lógico também que perde a essência, né, pela própria oralidade, essas informações perdem a essências, porque o Mestre passa para um discípulo, aquele vai passar para o outro, e as informações vão perdendo a sua essência, a sua fundamentação, sua verdade, nessa corrente, então, quem, esta lá no final da linha, já começa a ter essa informação distorcida, né, è aquela brincadeira do telefone que vai passando de pessoa para pessoa, já ouviu falar? Eu lhe dou um recado, e diz assim, olha você diga para a pessoa tal que isso vai acontecer de tal forma, a tal hora, que ela precisa de roupa azul, que é para poder combinar com o dia que vai ser de sol, e você passa de uma pessoa, passa para outra pessoa, daqui a dez pessoas que vai receber essa mensagem, vai estar tudo trocado, disse olha ás dez horas o dia esta escuro, e a cor preta do vestido, começa a distorcer tudo, porque a informação, a oralidade, ela perde também sua essência, quando ela vai passando de um para o outro, e é até normal, porque também perde pelo movimento, pelo talão de mudança que sofre a cultura, com as épocas, com os novos tempos, novas gerações, o medo que eu venho sentindo é que o Mestre e onde esta mais verdadeira essas informações, não fique também muito, termina-se sendo mais excluído do processo, porque tem novas tecnologias e pessoas que entendem uma mitologia mais sofisticada para transmitir esse saber, aí eu vejo um pouco cautela nisso, ta certo? Tipo assim, os Mestres, os Griôs, e os aprendizes de Griôs, e se coloca ao foco, muito forte nos aprendizes de Griôs, eles são animadores culturais, são formidáveis, a proposta é formidável, a proposta é tornar o jovem um elemento que vai conduzir a sabedoria dos Mestres, é formidável a idéia, o risco é que quando forem se, acontecendo mais Griôs, e os Mestres fiquem um pouco mais excluídos do processo, e eu acho que até numa situação que não pode se reverter, porque já os Mestres já não vão atender a uma demanda tão grande de pessoas que querem essa informação, mas não ha mal nisso, não ha mal nisso não.
P/1- Porque dai ele pode ficar um pouco mais afastado, né?
R- Ele mais afastado do, isso é uma volta, porque é uma volta e cai na mesma ponta da roda que começou, que girava, né, os Mestres estavam esquecidos, desvalorizados, eles agora tem um valor, ressaltados, camados, acamados e valorizados, mas aí vão sendo formando um valor também na corrente da transmissão através de outras pessoas, e aí vai embora o conhecimento dele e ele vai ficar aqui, não é?
P/1- Tem um cuidado com respeito à ancestralidade, né?
R- É um cuidado com respeito à ancestralidade.
P/1- E me conta uma coisa, Mestre, como você passa o seu conhecimento para os mais jovens?
R - Olha, esse mesmo problema, o que que acontece na capoeira? Eu estou aqui, eu recebo do, o Mestre Pastinha recebeu de Benedito, um negro africano, ex escravo, com oito anos de idade diz para o Mestre Pastinha, que viu o Mestre Pastinha apanhar de um garoto, lá embaixo, de cima de um sobrado, aí chamou e disse, olha você não pode com aquele garoto, porque ele é mais esperto que você, invés de você empinar picula, raia, jogar picula, empinar raia, você vem pra aqui pra gente fuzuar, que eu vou lhe ensinar a fuzuar, era uma brincadeira diante da capoeira, para ele ficar mais destro, mais esperto e tal, e ai com oito anos, o Mestre Pastinha foi ao Benedito e ensinou umas coisas, dai o Mestre já deu uma lição no menino, o Pastinha já pegou o menino e lá vem o menino com a mãe, aí a mãe do menino disse, você tem relato, ele contando essa história, a mãe do menino disse, olha lá aquele garoto, olha agora que você vai ver, não agora você vai ver como que você vai apanhar, a própria mãe aí, aí o menino vai e cata ele de uma lado, ele sai pelo outro, mostra para um lado, ele vai, já não era mais aquele garoto fácil de ser, dai ele da uma lição no menino, né, e ele conta a história, e isto, você me perguntava, como que eu passo? aí eu recebo do Mestre Pastinha, eu fiquei satisfeito por ter ido, por ter conhecido o Mestre Pastinha, porque se eu ficasse na distancia, eu não teria entendido muita coisa, eu tinha um disco gravado com a voz dele, capoeirista não deve provocar, capoeirista não deve fazer perto das coisas,no meu tempo eu era capoeirista e contava as histórias, maior é Deus, e vai, ai foi diferente quando eu conheci o Mestre, ai não precisou mais ele falar, só a presença do Mestre já traz para a gente uma energia e uma compreensão daquilo que o Mestre ensina, daquilo que o Mestre faz, aí você começa a ouvir na voz, uma atitude diante daquilo que ele faz, então essa relação direta com o Mestre é muito importante, eu quando eu recebo esse pouco que eu sei de capoeira, o pouco que eu aprendi com o Mestre Pastinha, ensino para um aluno, e o aluno se torna um professor, e vai abrindo outros núcleos de capoeira, é assim que funciona nas comunidades, então, quando eu me aproximo, ai o aluno dele já esta dando aula, aluno do meu aluno, eu já tenho netos e bisnetos de capoeira, ta certo? Eu tenho netos e bisnetos de capoeira, e quando eu visito as comunidades, quando eu recebo do Mestre e passo para os alunos, os alunos, eu já tenho esses bisnetos de capoeira, e que eu chego nas comunidades, quando eles estão dando aula, que me aproximo da criança que esta ali recebendo aquele conhecimento, eu já vejo que esta tudo torto, mas o que foi que houve?Aí chama o, puxa rapaz, você não esta vendo isso? Olha aí, eles estão descarreirando nesse toque, os meninos não estão indo ao pé do berimbau para fazer a ritualística, reverência ao berimbau, cumprimentar o colega, eles não se abraçam quando termina o jogo, não é? Eles estão alucinados, eletrizados pelo esse jeito louco dessa geração, que esta aí, internet da vida, dos games, dos jogos das lan houses, não sei de que das quantas, da violência urbana, e esta, quando eu vejo a violência urbana esta instalada dentro da roda da capoeira, mas eu digo, mas se a gente já tem que controlar essa situação, mas Mestre é porque, então vamos, quer dizer, esse desdobramento da transmissão oral, ele corre o risco de se perder, a esse, é preciso se descobrir também uma forma de inserir aos registros, como esse, como talvez no pouco que eu conheço, eu esteja deixando uma contribuição muito pequena, para que se entenda essas relações do Mestre, aquele que foi buscar nas origens, que também, foi que todo mundo, tudo se transforma, né? O tempo vai mudando vai se transformando, mas a gente deve ter esse cuidado de ver a essência, o que, ás vezes, a modernidade, a gente vem tratando, modernidade e tradição, uma modernidade e a tradição, o que é modernidade hoje pode ser a tradição de amanhã, daqui a 300 anos, olha, a tradição é que se sente o mestre e que se faça um registro de vídeo de um Mestre, para ele dar a sua história de vida, e ficar aí para as outras gerações absorver, isso é tradicional dentro dessa cultura, não é? Uma coisa que vocês estão trazendo agora, como um momento de modernidade e isso depois a tradição, o Mestre Pastinha colocou dentro da capoeira dele, uma roupa, a calça preta e a camisa amarela, que era do time que ele torcia, time do coração, que era o time do Ipiranga, e até então, se sabia que o capoeirista, se houvesse que ser uma roupa que caracterizasse o capoeirista, era um terno de linho branco, um chapéu de pano amar, um chinelo de chadim que chamava, uma coisa assim, a calça larga, de boca larga que saia por ali e tal, e branco, de branco, que jogava não se sujava e tal, e ainda hoje é tradicionalmente na capoeira essa forma de jogar de roupa branca, de não se sujar, de não deixar o chapéu cair, de ser cordial com o colega, impecável no tratamento do corpo, mas a tradição e a modernidade, a tradição oral.
P/1 – 15 segundinhos.
R – Nós falávamos na tradição oral, falávamos no valor que ela tem, eu vou aproveitar para cantar uma ladainha que fala justamente desses valores e da chegada desses valores aos mais jovens. (toca o berimbau, e o Marcos vai cantar), Quilombola quer justiça, Quilombola quer justiça e os direitos iguais, da o vôo da liberdade, lá no campo da paz, seus avós e bisavós já padeceram demais, O quilombo goleiro quer cantar nesse local, falando de amor e paz e justiça social, sem amor não ha justiça, sem paz o amor padece pra fortalecer os três, a capoeira aparece, o Mestre de fundamento usa a capoeira Angola para melhorar a vida dos alunos na escola, neutralizando os conflitos que tem na sociedade, abre bem os olhos dos jovens e mostrando a realidade, que o amor é a arma de luta de lutar pela liberdade, amar é ________viva meu Deus, e viva meu Deus camarada. (parou de cantar), E são essas coisa que a escola da capoeira, através da oralidade se manteve viva e traz como uma forte contribuição, sempre deu essa contribuição para a sociedade Brasileira, sempre deu, __________, proibida, quase extinta, violentada mesmo nesse processo que é, por qual passou o povo brasileiro, a formação do povo brasileiro, ela tem construindo, construindo, construiu até guerreiros pra ir para guerra do Paraguai, imagine isso, então os capoeiristas que foram enviados para a guerra do Paraguai, se destacaram por atos de bravuras e voltaram pra receber alforria, porque tinha se destacado no combate lá, na guerra, mas não é pela guerra mais é pela paz que a capoeira deve entrar na sociedade e é pela paz, é como, é como cultura de paz, ela deve ser implantada disseminada entre os jovens, e a gente vê que a capoeira tem muito praia, pra isso, a capoeira cooperação, é solidariedade, é respeito, é amizade, camaradagem, é ritualístico que é fé, compleição, a capoeira angola dizia ao mestre pastinha, é infinita, olha só o que ele dizia, capoeira angola é infinita, é tudo que a boca come, capoeira angola é capoeira mãe, se o principio não tem método, seu fim é inconcebível ao mais sagro capoeirista, é mandinga de escravo em ânsia de liberdade, então nesse aspecto de que ela foi formada, essa ânsia de liberdade, de uma fome espontânea, se matização sem método, nós chegamos a conceber hoje que o fim é inconcebível, a gente ________ tem fim, ela tem volta, ela é como uma roda, ela vai girando e vai voltando as origens, vai voltando as origens que é pra não se perder.
P/1- É, só voltando um pouquinho assim no, na sua família, conta um pouquinho que sua esposa, seus filhos, como é que é?
R- Ah, hoje eu sou casado, tenho uma esposa maravilhosa, entendo que a família é a célula principal do ser humano e tenho dois filhos, são capoeirista porque querem ser capoeirista, não que eu tenha obrigado, eles caminharam pela capoeira, opção deles e nem chamam, não gostam de chamar, não gostam de forçar que eles aprendem capoeira, e que seja natural, né, que seja mais pro meu exemplo, se agrada, eles seguem e graças a Deus eles estão vindo ai, faz capoeira.
P/1- Qual que é o nome deles?
R- Eu, é o Marcos Antônio, Marquinhos e o João de Deus, João de Deus já ta dando aula de capoeira, já me substitui, precisa aprender muita coisa também, que hoje estou aprendendo, né, imagina ele mais dez.
P/1- E sua esposa, o nome dela?
R- Minha esposa, Cilene, Cilene Ferreira de Carvalho.
P/1- Hum, fala uma coisa além do ponto de cultura, do trabalho que você esta fazendo na escola e o que mais você anda fazendo lá em Natal? Você tem uma escola também?
R- É, não, eu não tenho uma escola de capoeirão como chama academia, eu tenho um grupo que, mas que se discadersou o trabalho a partir das escolas públicas e de projetos sociais, onde esses meninos e essa garotada que vão se formando professor de capoeira, vão multiplicando esse saber e vão dentro de suas comunidades participando de projetos sociais, do voluntariado e ai enfim, é, eu sou professor da rede pública, estadual e municipal e também particular.
P/1- De Educação Física?
R- De educação física, mas eu mexo graças a Deus mais com educação física, eu mexo com educação física brasileira, o esporte de identidade cultural, nacional, que é a capoeiragem, que é o jogo da capoeira, então é com o jogo da capoeira que eu atendo todas as necessidades na área de educação física, é que demorou muito, porque a educação física no Brasil sempre foi uma grande importação de valores e de cultura, de formação de métodos estrangeiros que vinham da França, da Áustria enfim, e, e a capoeira sempre foi a verdadeira ginástica nacional, ______, não é, porque temos que elogiar com _______a peteca do Índio, coisa maravilhosa que a cavalhada vaquejada, e jogos populares, as danças de roda, tanta coisa que, é uma riqueza enorme nesse país, nessa cultura pra se tornar recreação e educação física do povo brasileiro, mas...
P/1- Mas que bacana essa idéia de mudar a Educação Física, né? Mudar ela de como ela é dada, geralmente para colocar a coisa brasileira mesmo, né?
R – É, mas ainda não está como devia ser porque há uns conceitos formados, os professores ainda estudam muito a questão técnica dos esportes formais, dos esportes que tem nível, dos esportes olímpicos como falava no começo da conversa, eu tentava colocar capoeira na escola e o coordenador de educação física disse, não, não pode, por quê? Porque não é esporte olímpico, e nós só podemos trabalhar na escola com esporte olímpico, eu sai chorando e disse para ele, então eu vou esperar que ela seja esporte olímpico um dia para poder trabalhar na escola, e aí caminhei por conta própria de forma clandestina, de forma clandestina nas escolas, assim que ela entrou, na clandestinidade, pela comunidade, os meninos vão ali e jogam uma capoeira acolá, aí o professor não entende nada daquilo, né, não sabe que exercício usa, vai, vai, vai, vai tomando conta, ai hoje quando um grupo grande, olha, a gente quer botar capoeira aqui na escola, e a escola, no mínimo a escola já da um espaço ali, costumo até dizer que na maioria dos casos, ela usa o espaço da escola, mas não esta na escola, porque ela não interage com tudo que ela tem para dar na formação da cidadania, na formação integral da criança, do jovem, do adolescente, ela não, em muitos casos, as experiências também que estão acontecendo maravilhosamente, respeitosamente, e essa capoeira pode contribuir da melhor forma possível, não é? Porque é tão rica, é dança, é luta, é brincadeira, é jogo de corpo, é teatro, são verdadeiros palcos livre de teatro de forma de expressão ou de, com gestos corporais, você vai ter que responder as perguntas que eu lhe fizer, e eu respondi as que você me faz, com gestos de entra, de sai, de sobe, desce, joga o braço, sai para o lado, sai para outro, e eu ia interpretando, que papel você esta fazendo? Tá maldoso, tá maldicioso, quer me pegar aqui ou ali, esta me mandando eu ir para um canto que não devo ir, olha, ta me armando armadilha, e nessa linguagem, esse é um verdadeiro teatro, não é? É arte plástica, é teatro, é poesia, é música, a musicalidade da capoeira, a escola da música da capoeira fez surgir os melhores percussionistas do mundo, que são os brasileiros, Nana Vasconcelos, Bino Nascimento, Papete, e vários outros aí, que fizeram do berimbau o seu instrumento para percorrer o mundo, viagem nas Américas, na Europa, tocando com orquestra sinfônica, fica com um berimbau na mão,berimbau da capoeira, da escola da capoeira, então, é música pura, interessante, a gente tem que valorizar isso aí.
P/1- Mas Marcos, essa diversidade toda, sabe, do Brasil, a gente esta aqui no encontro da Ação Griô, que é, junta três estados, Alagoas, Rio Grande do Norte e Pernambuco, como que o senhor se sente participando desse encontro, assim, desse caldo todo?
R – Formidável, é um aprendizado incrível, a gente percebe cada vez mais, que a gente tem mais que receber do que aprender, do que ensinar, tem muito mais que aprender do que ensinar, o que a gente ensina é muito pouco, o que a gente esta aprendendo na vida é bem mais, a gente não consegue ensinar, enfim, educar aprendendo com quem a gente educa, a gente não tem a pretensão, as vezes, de educar, né, alguém, mas na verdade a gente se educa enquanto educa, é uma troca, e aqui é um momento especial, é um momento que se discute e se preocupa com essas questões, e tenta se encontrar numa metodologia, como falei, que de velocidade a transmissão oral, unida a velocidade com respeito, com respeito a quem de direito de fato, não de direito que nunca teve mesmo, o Mestre da _________ oral, foi de fato, o grande mantenedor dessa, de viva essa cultura brasileira, mas nunca foi tão respeitado quanto agora, nunca foi tão respeitado quanto agora, e eu fico, e volto a falar daquele medo que eu falava anterior, eu volto a dizer que tenho um medo em que isso não vai embora o conhecimento desses mestres, na mão de Griões e de aprendiz de griões e tudo mais, e que os mestres fiquem novamente caindo no esquecimento, né, e que não seja também motivados a surgimento de outros mestres, tão rápido quanto rápido vai ser o crescimento e o aparecimento de pessoas que vão intermediar essa transmissão, não é, porque a urbanização nos centros urbanos, o mestre já n ao atende todos, os mestres já são poucos pra demanda que tem, que consome sua arte, não é verdade? Os mestres de cultura popular já começou ser pouco, antigamente tinha um lugarzinho e tinha um mestre ali, curandeiro, um mestre alfaiate e até um mestre carpinteiro, um mestre capoeirão, enfim, mas agora ha uma necessidade, ha um crescimento populacional maior e o surgimento de n ovos mestres, me parece que fica muito pouco na dimensão do crescimento da demanda, que esses mestres teriam para deixar sua contribuição, né, como é que pode fazer surgir um mestre? A gente aprende na capoeira que é a vida que faz um mestre, não um diploma de doutor, é a vida que faz o mestre, e parece ser um processo tão natural o surgimento dessas pessoas, desses mestres, que façam por paixão alguma arte, vem com _____________________, que é mais demorado o surgimento deles, né, é bem mais rápido do surgimento do mestre acadêmico, então você faz uma graduação e mais dois anos, você é mestre, né, é doutor naquele conhecimento, é mais rápido, vai, a universidade vai botando produção em série, os mestres do conhecimento acadêmico, produção em série, ah se pudesse ser produção em série também, os mestres do conhecimento popular, aí já é uma grande desvantagem _______, o que permeia mais nas pessoas, é o conhecimento acadêmico ou o que vem dos mestres, de formação acadêmica ou dos mestres de cultura popular? É bem mais nos ________, que são maiores, que dominam mais as tecnologias, nas formas de transmitir e são mais valorizados, porque comercialmente, mas as coisas acontecem e estão acontecendo, então, essa oportunidade de estar aqui no Encontro Ação Griô, nessa proposta metodológica, junto aos pontos de cultura, junto com essa grande tecido cultural da iniciativa do Ministério da Cultura e desse governo, porque nunca governo nenhum, chegou nem de perto a se preocupar com as coisas do povo, a valorização dessa cultura, quem se preocupava era os mestres do conhecimento acadêmico, de formação acadêmica, que procuravam os mestres de sabedoria popular, os mestres da oralidade para tirar dele algumas contribuições para suas teses, para suas pesquisas, para seus laboratórios de medicinas, né, convencional, iam buscar no popular a receita certa para já entrar para o laboratório, saber qual erva vai prestar pra que, daí a industria registrava um patente de uma erva tal, o tal, e daí você não poder mais nem usar o chá, porque já vai ser patenteado pela uma indústria que, os mestres do conhecimento científico, acadêmico, né, buscaram lá no, porque no científico não seria nada se não fosse o conhecimento popular, eles tem mesmo é que devolver pra camada, pro popular, pra esses núcleos de informações que ele tirou, alguma coisa que ele pudesse ter melhorado por sua ciência, e realmente melhorar mesmo, né, porque ás vezes, ele pega um, uma matéria que é para remédio e termina achando melhor fazer daquilo um concentrado para envenenar, não é assim? Em vez de usar como remédio, porque tem, no popular tem, dizem que remédio demais é veneno e veneno pouco é remédio, né, então, ás vezes, as pesquisas científicas traz um conhecimento popular, uma forma de matar, mais do que dar vida.
P/1– Seu Marcos, a gente vai chegando ao fim, né, eu queria que você ficasse à vontade para falar mais um pouco dessa história, alguma coisa que você queira, né, fica à vontade, e queria que depois você dissesse um pouco também, o que você achou dessa experiência de estar contando um pouquinho da sua historia para o museu, ta?
R- Eu vou começar pela experiência e depois.
P/1 – Fica à vontade, se quiser cantar.
R - Vou entrar pela despedida, né, ( risos ), então é formidável, viu? Isso aqui é o verdadeiro divã de psicanálise, a gente, há um retrospecto na vida da gente, e de uma forma digna porque a gente sabe que esta fazendo uma retrospectiva e esta deixando alguma semente, para que alguém tome como exemplo, tenha, tome como lição de vida, não é, encontre uma informação, siga adiante pela vida, e a gente aqui sente dessa forma, isso é a sensação que eu estou tendo, sabe, é uma situação de permanência, de imortalidade, né, a gente sente mais imortal, porque é mais um registro com uma intenção forte de preservação da memória mesmo, desse povo todo, e que a gente sente de uma importância incrível, eu vou sair daqui renovado e, e fico mesmo lisonjeado, encabulado, porque vocês ficam querendo tirar da gente o que a gente tem,porque depois a gente vai achando que esta tendo coisa demais, ai a gente se acha, sabe? Grande, mas aí pra se lembrar do canto do mestre, grande e pequeno sou eu, e caminhar, né, e para encerrar o que eu poderia dizer?Cantar?
P/1- Fala alguma coisa, assim, tipo sobre teus sonhos, o que você pensa agora para frente?
R – O grande sonho da minha vida é, é ver o mundo de paz, de paz, os dias que estou aqui junto com essa natureza, a gente vê como a gente ainda tem, como a gente ainda tem paz, e que a natureza sofra menos com as nossas agressões, né, mas vamos nos corrigindo, e o homem pode viver melhor se entender melhor a natureza, e a minha esperança é que realmente isso só _____________ necessidade e que já é, e que as pessoas venham por esse mundo de Deus, com mais harmonia, mais compreensão, mais paz mesmo, e vocês estejam todos com Deus, e Deus proteja todos nós, nas suas varias formas de entendimento, que seja as forças da natureza, dos Orixás, dos Santos, dos Devotos, dos Beatos, dos Curandeiros, as Almas, de qualquer forma que seja, que canais de Deus em nós, e que nós mesmos compreenda esses, sejamos mais um canal para expressar o Criador, né, Criatura e Criador, sejam a essência da criação mesmo, essa relação, que eu vou encerrar tocando um pouquinho (canto) Adeus, Adeus, boa viagem vou embora, boa viagem e vou com Deus, boa viagem Nossa Senhora,boa viagem, boa viagem eu vou me embora, boa viagem eu vou com Deus, boa viagem Nossa Senhora, boa viagem,Adeus.
P/1- Só uma última perguntinha curiosa, o que significa os anéis?
R – Ha uma simbologia, um som na capoeira, você vê que tudo que vem da cultura popular _________ uma ritualística, né, eu gosto muito de simbologia e sou de certa forma esotérico, eu pertenço a um grupo de estudos, chama-se Círculos Esotéricos da comunhão do Pensamento, e acredito que o pensamento é uma grande ferramenta para que a gente se encontre mais espiritualidade, mais compreensão de si mesmo e da natureza e esses anéis é um símbolo de Salomão, uma estrela de seis pontas que simbolizam o equilíbrio, diz que o que esta embaixo é como que esta em cima, o triangulo que aponta para cima é um triangulo que representa o corpo espiritual, o energia mais ________, o que aponta para baixo é o que é mais terra, mais matéria, e que eles entrelaçados, eles simbolizam um equilíbrio do corpo físico e do corpo espiritual, isso é basicamente essa simbologia, aí falam que é uma grande proteção, o símbolo de Salomão, a estrela de seis pontas, porque essa proteção? Porque quando a gente esta nesse equilíbrio de energias, a gente esta protegido, só isso já é uma proteção, e se quiser desdobrar essa proteção por mais algumas compreensões e que o símbolo vai se desdobrando na sua apresentação, a outra estrela, dizem que seria o protetor dos capoeiristas, o sino de Salomão ele permeia no candomblé, na Umbanda, e muito ritualística da estrela, então muita gente usa esse, essa grama como um pingente, ás vezes, não compreende bem o que representa, é tão comum, não é? O pentagrama, esse símbolo, ele representa, é uma estrela de cinco pontas e representa o homem, nessa forma o homem com suas faculdades morais, intelectuais do bem, do bem, das forças do bem, ele de ponta cabeça ele seria a representação do homem com suas faculdades morais distorcidas e desviadas, e de uma forma mais satânica, vamos dizer, mais uma forma mais redivisada do homem, ele de ponta invertida e se usa os rituais para um tratamento de sua forma, ele em sua posição mais de cabeça, então a cada cabeça, braço, perna tem umas representações de um magnético, de força, de atração, harmonia, vontade, e aí vai, eu gosto de simbologia por isso eu uso.
P/1- E o chapéu?
R – O chapéu é uma proteção mesmo assim, tradicionalmente na cultura do Brasil, da capoeiragem, protege do sol, não é, protege do sol, e o chapéu de certa forma guarda, guarda, tem uma simbologia também, a cabeça da gente, então você fica aqui meio que protegido, que guardado, então você põe o chapéu aqui, você se guarda, protege, hoje com os raios solares ai esta trazendo câncer de pele, tudo também é útil, né, é pratico, a utilização do chapéu, eu uso chapéu, sempre gostei de chapéu, é mas, eu sempre tive medo porque eu percebia, ele também aquece muito a raiz do cabelo, aí cai, aí eu uso mais eventualmente, né, não uso muito constante.
P/1- Outra coisa que eu vejo sempre com você é o seu berimbau.
R – O berimbau é minha ferramenta de trabalho, né, você vê que eu vim para a entrevista, eu não consegui me desligar, digo eu posso usar o berimbau, porque a gente toca o berimbau as coisa espairece, durante muito tempo na minha vida eu começava o dia tocando berimbau e jogando capoeira religiosamente, de manhã cedo pegava o berimbau, da o toque, porque quando a gente toca o berimbau, a gente vai tentando encontrar uma vibração nesse toque, numa determinada situações que a gente se encontra, como é na capoeira, quando toca Angola (começa a tocar o berimbau enquanto ele vai falando ), o jogo é lento, manhoso, quanto ao _________ grande,o _________ é mais forte, mais ativo, bem mais para a luta, e aí tem outro, quando toca a ulna (fica tocando o berimbau por um tempo ), ai o jogo é informado, de veste, onde eles te respeitam mais, tocam e conduz de uma forma mais minuciosa, mais ritualizada, e o berimbau tem isso, né,a gente com o berimbau, hoje, antigamente os capoeiristas estavam armados para as horas de necessidade de confusão,porque aqui eles usavam, desmontavam o berimbau, encaixava aqui uma foice, e aí ia manejar, mais hoje já não precisa, esse pontiagudo aqui, antigamente ele era pontiagudo mesmo, porque também servia de arma, aí hoje já é um ____________, não precisa mais, paz mesmo, a gente tem que buscar a paz, né, aí o berimbau da, ferramenta de trabalho, e expressa através do ________, o berimbau, o mestre controla de certa forma as pessoas com quem eles estão trabalhando n a roda de capoeira, aí eu sempre que, o motivo que me trouxe estar aqui como mestre de cultura popular dentro do Movimento Ação Griô, foi por ser mestre de capoeira, então o berimbau não pode se afastar de mim.
P/1- Você que fez esse?
R- É, eu que faço meus berimbaus, eu confecciono, o berimbau, o caxixe, esse foi um amigo que faz, ele tem mais tempo, então eu já estou comprando mais direto pra ele, e é muito bem feito, o caxixe, mas o berimbau eu faço questão, ás vezes, eu deixo os meninos fazendo, mas eu quero pegar, eu fico deixa eu ver o tempo todo, sentindo aonde, como é que ele vai ficar no final, né, porque é importante demais o berimbau, a gente diz que o berimbau é o grande mestre da roda de capoeira, ele recebe a energia, do que eu costumo dizer, que nós não fazemos a capoeira, a capoeira existe já, e nós só somos canais de fazer essa capoeira acontecer, e ela chega até nós através de que é, da facilidade de vir através da música que o berimbau traz, então o tocador de berimbau, se ele é de fundamento, se ele conhece, ele com certeza, ele vai facilitar essa sintonia de quem joga com a capoeira que é uma, que é maior que a gente, nós somos só uma forma de expressar a capoeira, da capoeira se fazer, se materializar, mas a capoeira já existe e independente de nós, e o berimbau tem essa importância, ás vezes, eu saio com o berimbau nem uso, nem usei, mas eu saio com o berimbau.
P/1- A gente do Museu da Pessoa gostaria de agradecer muito, foi um grande prazer ter escutado um pouquinho da sua história, e que a Ação Griô, que os Mestres, que os pontos de cultura sejam sempre respeitados e que continuar o trabalho.
R- Muito obrigado, viu? Eu que agradeço a vocês pela oportunidade, vocês me fizeram muito bem, aquilo que eu falei, é uma terapia, eu estou fortalecido pela minha caminhada pela vida, muito obrigado e que Deus abençoe a todos vocês.
P/1- Obrigada.
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