ENTRE CAVALOS E BANHADOS
Ademir Feijó Dutra, nascido no dia 22 de abril de 1958, em Bagé, cresceu numa chácara na área rural da cidade. Até os quatorze anos, enquanto morava com os avós, Onecimo Furtado Dutra e Doralice de Oliveira Dutra,
Ademir dividia o seu dia entre o estudo e o trabalho. Pela manhã, pegava o leite de vaca nos tambos (local onde era retirado o leite da vaca) e levava para vender na cidade. Por volta do meio dia, ele voltava para casa, almoçava e ia para a escola.
Durante algum tempo, ele percorria à cavalo doze quilômetros até a escola, mas depois, quando mudou-se para um local mais próximo de onde estudava, Ademir passou a ir andando. A distância que o separava do estudo reduziu para quatro quilômetros, porém, para alcançar o destino, ele e os amigos que o acompanhavam no trajeto precisavam atravessar banhados, sangas, e tomar cuidado para não serem surpreendidos pelos animais que pastavam por lá.
A escola ficava próximo ao Forte de Santa Tecla, fundado em 1774, em Bagé, às margens do Rio Negro, e conhecido por ficar próximo à localidade onde ocorreu a degola de cerca de 300 homens durante a Revolução Federalista, em 28 de Novembro de 1893.
AOS DEZESSETE
Durante a infância e adolescência, Ademir seguia a mesma rotina na localidade onde morava. Porém, aos dezessete anos, chegou o momento que muitos jovens enfrentam nessa época: o momento de escolher a carreira. Ele queria cursar Medicina, entretanto, devido às condições financeiras da família, não pôde realizar este desejo.
Ademir tinha um amigo que era enfermeiro (hoje em dia, chamado de técnico de enfermagem) e que trabalhava num hospital em Bagé. Ademir não pensou duas vezes, e pediu ao amigo que conseguisse uma vaga para ele. Uma das freiras que gerenciava o hospital pediu para ele escrever uma composição — nome dado a uma redação escrita, naquele momento. Logo em seguida, o jovem recebeu um jaleco da freira e começou a trabalhar, no mesmo...
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ENTRE CAVALOS E BANHADOS
Ademir Feijó Dutra, nascido no dia 22 de abril de 1958, em Bagé, cresceu numa chácara na área rural da cidade. Até os quatorze anos, enquanto morava com os avós, Onecimo Furtado Dutra e Doralice de Oliveira Dutra,
Ademir dividia o seu dia entre o estudo e o trabalho. Pela manhã, pegava o leite de vaca nos tambos (local onde era retirado o leite da vaca) e levava para vender na cidade. Por volta do meio dia, ele voltava para casa, almoçava e ia para a escola.
Durante algum tempo, ele percorria à cavalo doze quilômetros até a escola, mas depois, quando mudou-se para um local mais próximo de onde estudava, Ademir passou a ir andando. A distância que o separava do estudo reduziu para quatro quilômetros, porém, para alcançar o destino, ele e os amigos que o acompanhavam no trajeto precisavam atravessar banhados, sangas, e tomar cuidado para não serem surpreendidos pelos animais que pastavam por lá.
A escola ficava próximo ao Forte de Santa Tecla, fundado em 1774, em Bagé, às margens do Rio Negro, e conhecido por ficar próximo à localidade onde ocorreu a degola de cerca de 300 homens durante a Revolução Federalista, em 28 de Novembro de 1893.
AOS DEZESSETE
Durante a infância e adolescência, Ademir seguia a mesma rotina na localidade onde morava. Porém, aos dezessete anos, chegou o momento que muitos jovens enfrentam nessa época: o momento de escolher a carreira. Ele queria cursar Medicina, entretanto, devido às condições financeiras da família, não pôde realizar este desejo.
Ademir tinha um amigo que era enfermeiro (hoje em dia, chamado de técnico de enfermagem) e que trabalhava num hospital em Bagé. Ademir não pensou duas vezes, e pediu ao amigo que conseguisse uma vaga para ele. Uma das freiras que gerenciava o hospital pediu para ele escrever uma composição — nome dado a uma redação escrita, naquele momento. Logo em seguida, o jovem recebeu um jaleco da freira e começou a trabalhar, no mesmo dia. Ademir gostou do trabalho e decidiu fazer o curso de Técnico em Enfermagem.
Uma de suas tarefas no hospital era encaminhar os pacientes para fazer o raio-x. De tanto vivenciar a cena, o garoto interessou-se pelos aparelhos de radiologia, e perguntou ao médico que coordenava o lugar se haveria a possibilidade de ele trabalhar ali. O homem disse que sim, porém, ele teria apenas 30 dias para aprender a lidar com os instrumentos de trabalho. Após o período estabelecido, ele conseguiu o emprego. Mas, passados oito anos, Ademir resolveu ir embora e morar em Porto Alegre, em busca de mais oportunidades na sua área, já aos 25 anos de idade, onde morou com sua irmã.
ESCALA EM MONTENEGRO
“Chorei, chorei toda a viagem”. Com estas palavras, Ademir define o momento da sua partida de sua cidade natal. O rumo, antes de ir para Porto Alegre, seriam nove meses em Montenegro, cidade da região metropolitana da capital gaúcha.
Assim como fizera em Bagé, Ademir trabalhou em um hospital em Montenegro, porém, de uma forma um tanto diferente. Ele morava no hospital — e isso não diz respeito a alguma expressão denominando o tempo no trabalho. Ele realmente morava lá. O hospital abrigava algumas pessoas que trabalhavam no mesmo, em uma área que estava supostamente em obras, mas com plenas condições de moradia. Ademir dividia o quarto com um amigo, e exalta que, mesmo na condição de obra, o local era bem servido e aconchegante. Eram praticamente pacientes. Tinha cama, e tudo era arrumado para eles.
Uma experiência dessas soa como algo engraçado para Ademir. Mas para ele, foi “muito boa”. “Era engraçado, pois, eu vivia no trabalho né. Eu acordava no trabalho, dormia no trabalho. Minha vida era o trabalho.” Havia diversão fora do hospital, porém, grande parte da sua vida era ali.
Passados nove meses, por questões profissionais, Ademir foi embora para Porto Alegre. Não havia mais campo para ele em Montenegro.
“O QUE MAIS ME EMOCIONA...”
O destino após Montenegro foi o Hospital de Pronto Socorro de Porto Alegre, referência internacional em atendimento ao pós-traumatizado, feridos e queimados. Antes, locais como a ortopedia Carlos Barbosa, e o Hospital de Clínicas de Porto Alegre, durante 11 anos, foram alguns dos seus empregos. Na capital gaúcha, Ademir fez o curso técnico em Radiologia, para aperfeiçoar sua prática e possuir o diploma, apesar de já atuar na área.
Em sua rotina da radiologia, ele já acompanhou vários casos de emergência. Durante os anos que trabalhou lá, ele presenciou centenas de histórias impressionantes de pacientes machucados, os motivos, as consequências. Até mesmo quando uma colega de trabalho caiu em cima de uma cerca, dentro da própria casa, foi ele quem teve de fazer o raio-x, mas com muito cuidado, para que o procedimento não comprometesse ainda mais a situação da moça. Acidentes como este fazem parte do dia-a-dia de Ademir, mas casos como o dos irmãos gêmeos que brigaram entre si e esfaquearam-se são os que mais o comovem, que mais o marcam. Estes casos são os que espelham as atrocidades que o ser humano é capaz de fazer contra a própria espécie e, inclusive, com sua própria família.
Mesmo com algumas histórias tristes, acontecimentos trágicos e até mesmo inacreditáveis, Ademir consegue lidar com a vida dentro do hospital e trata as pessoas com satisfação. Ele, assim como outras pessoas que ali trabalham, ajuda pacientes em situações, muitas vezes, delicadas. E isso é feito com vontade, pois, ele acha gratificante.
Apesar de sempre ter o sonho da área da medicina, Ademir não imaginava o desenrolar de sua história, desde os campos de Bagé, com suas dificuldades, e nem com a necessidade de morar no próprio emprego, vivendo em uma cidade longe de sua família. Uma história como esta nos mostra a realidade de algumas das pessoas que garantem sua vida ajudando a salvar a vida de outras pessoas. Nem sempre é a mesma história, nem sempre é da mesma maneira, pois, cada um tem sua história, e esta, é a do Ademir, que vai dos leites do campo, aos leitos do hospital.
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