P/1 – Rosa, para começar eu gostaria que você se apresentasse, dizendo seu nome completo, data e local de nascimento.
R - Meu nome é Rosa Maria Araújo Santos, minha data de nascimento... eu sou da cidade de São Paulo, da Brasilândia, Freguesia do Ó, como chamam, como chamava-se, antigamente, e a minha data de nascimento… eu nasci em mil, novecentos e... sou do dia sete de agosto de 1969, 52 anos já, 5.2. (risos).
P/1 – E qual o nome do seu pai?
R - Meu pai se chama Sebastião, já é um senhor de idade, já passou dos seu setenta e também tenho a minha mãe chamada Raimunda, que também já passou dos setenta, dois senhores de idade já.
P/1 - E onde eles nasceram?
R – Oh, o meu pai é da cidade de Pernambuco, pernambucano e a minha mãe é de Alagoas, alagoana, se casaram muito jovens e vieram para São Paulo, para tocar a vida, para sobreviver da vida do trabalho. Saíram do campo, da roça que, na época eles trabalhavam em cafezais, naquela época, aquele serviço diferenciado, sem carteira assinada, a escolaridade muito pouca, porque era tudo... nascia-se e crescia-se hoje em dia nas roças da lavoura. Aí eles vieram para São Paulo para tocar a vida e foi onde vieram os filhos. Eu tenho... sou, das mulheres, a mais velha, há uma mais nova do que eu, a Rosana, uma irmã e tenho mais dois irmãos, um mais velho e um mais jovem, o Roberto e o Rafael. Então no total somos quatro filhos desse casal: Raimunda e Sebastião.
P/1 – E você lembra? Eles já chegaram a te contar como foi essa vinda para cá?
R - Olha, a trajetória de vida deles, eles vieram naquela época que eles chamam de... como é que eles chamam? É um “dizerzinho”. Na boleia do caminhão do vizinho. Um vizinho veio para São Paulo para fazer uma carga, uma carga da carreta, aí eles vieram dentro dessa boleia de caminhão. Vieram com a cara e com a coragem, como dizer: apenas uma mala de roupa na mão e vieram para...
Continuar leituraP/1 – Rosa, para começar eu gostaria que você se apresentasse, dizendo seu nome completo, data e local de nascimento.
R - Meu nome é Rosa Maria Araújo Santos, minha data de nascimento... eu sou da cidade de São Paulo, da Brasilândia, Freguesia do Ó, como chamam, como chamava-se, antigamente, e a minha data de nascimento… eu nasci em mil, novecentos e... sou do dia sete de agosto de 1969, 52 anos já, 5.2. (risos).
P/1 – E qual o nome do seu pai?
R - Meu pai se chama Sebastião, já é um senhor de idade, já passou dos seu setenta e também tenho a minha mãe chamada Raimunda, que também já passou dos setenta, dois senhores de idade já.
P/1 - E onde eles nasceram?
R – Oh, o meu pai é da cidade de Pernambuco, pernambucano e a minha mãe é de Alagoas, alagoana, se casaram muito jovens e vieram para São Paulo, para tocar a vida, para sobreviver da vida do trabalho. Saíram do campo, da roça que, na época eles trabalhavam em cafezais, naquela época, aquele serviço diferenciado, sem carteira assinada, a escolaridade muito pouca, porque era tudo... nascia-se e crescia-se hoje em dia nas roças da lavoura. Aí eles vieram para São Paulo para tocar a vida e foi onde vieram os filhos. Eu tenho... sou, das mulheres, a mais velha, há uma mais nova do que eu, a Rosana, uma irmã e tenho mais dois irmãos, um mais velho e um mais jovem, o Roberto e o Rafael. Então no total somos quatro filhos desse casal: Raimunda e Sebastião.
P/1 – E você lembra? Eles já chegaram a te contar como foi essa vinda para cá?
R - Olha, a trajetória de vida deles, eles vieram naquela época que eles chamam de... como é que eles chamam? É um “dizerzinho”. Na boleia do caminhão do vizinho. Um vizinho veio para São Paulo para fazer uma carga, uma carga da carreta, aí eles vieram dentro dessa boleia de caminhão. Vieram com a cara e com a coragem, como dizer: apenas uma mala de roupa na mão e vieram para São Paulo tocar a vida e aqui tiveram as suas vidas, hoje tem sua própria casinha própria. Os filhos todos criados, todos estudados e cada um tocando as suas vidas.
P/1 - Eles foram para qual bairro?
R - Na época eles foram para Brasilândia, Freguesia do Ó, onde lá nasceram os filhos mais velhos.
P/1 - E você chegou a conhecer seus avós?
R - Não, só fotos bem antigas, já quase apagadas. Não, não cheguei a conhecê-los não. Nós, nenhum dos filhos dos meus pais chegou a conhecê-los, porque eles já tinham falecido. Já haviam falecido, tanto do meu pai, quanto da minha mãe, já são falecidos.
P/1 - E seus pais contaram um pouquinho da história deles ou não?
R – A história deles, que eles contam, que a minha mãe tem uma brincadeira que a gente achava engraçado, ela fala que ela estudou de meio-dia para tarde. Por que de meio-dia para tarde? Ela disse que foi de manhã e quando voltou, não voltou mais para escola, porque ela tinha que cuidar dos irmãos e do plantio de tomate. Eles viviam do plantio de tomate, da lavoura, era sobrevivência. Ela teve dezoito irmãos, era da época de muitos, muitos filhos. Então os mais velhos cuidavam dos mais novos que iam vindo, então não tinha... não é o teu tempo. A minha mãe conta que não é o tempo que não teve oportunidade de estudo, é que a vida era muito sofrida na lavoura, na roça. Então os dois eram da roça. Ele também, se eu não me engano, eram doze ou treze irmãos. Então viviam da roça, da lavoura e a minha mãe a mesma coisa. Então a história que eles contam, que ela estudou de meio-dia para tarde e não voltou mais, então ela disse que o pouquinho que ela aprendeu foi de meio-dia para tarde, é brincadeira que ela brinca com estudo.
P/2 – Sua mãe é de Pernambuco, pernambucana e seu pai é de Alagoas?
R – Não, meu pai é pernambucano e a minha mãe é alagoana.
P/2 – Como eles se conheceram?
R – Olha, eles se conheceram foi na época que eles se juntavam, na época com a... lá, há muito tempo, as lavouras tinham umas épocas que se juntavam, de regiões e vinham aquele monte de pessoas em cima das boleias dos caminhões, e iam se ajudar, as fazendas vizinhas, e nessa fazenda vizinha o meu pai ficou trabalhando, ele preferiu trabalhar. Os pais permitiam que ele trabalhasse porque precisava de poder financeiro, aquisitivo, de recurso de dinheiro, porque eles trabalhavam só para eles e vendiam para eles mesmos e sobreviviam da lavoura, todo plantio do tomate, do arroz, do feijão eram para eles próprios, para custeio de manter a família financeiramente. O que eles podiam vender, eles vendiam e o que não podia, ficava em casa. Então no caso do meu pai ele foi para essa fazenda próxima e a minha mãe trabalhava numa fazenda também, por isso que ela disse que ela só estudou de meio-dia para tarde, porque veio esse emprego dessa fazenda onde o meu pai estava e foi lá que eles se conheceram. Então ela não voltou mais para escola, porque ela precisava trabalhar na lavoura com os pais, de manhã, então não tinha como ir para escola e à tarde ir para essa fazenda de plantio também. E assim era a sobrevivência da época. Eles andavam tudo em boleias de caminhão e viviam do plantio da lavoura. Quem podia pagar, os filhos empregavam, os filhos eram empregados na lavoura, para as fazendas. E foi assim que eles foram criados. Aí veio a oportunidade que eles se casaram muito jovens, muito cedo e vieram fazer oportunidade de trabalho em São Paulo. Através de um conhecido que estava, na época, que o emprego era melhor, dizendo que São Paulo o emprego era melhor e eles vieram arriscar. E aqui tiveram os filhos e estão aí, ainda conosco, bem idosos, mas estão presentes.
P/1 – Como você descreveria seus pais? A personalidade deles, o jeitinho.
R - O jeitinho deles... ai, são dois idosos bem carinhosos (risos), são idosos carinhosos com os netos, com os bisnetos que já tem, já tem os netos, já tem os bisnetos, o total tem quinze netos e tem oito bisnetos. Dos filhos todos já são casados, todos já têm seus filhos. Inclusive eu já tenho uma netinha também, sou avó da Manoela, tem sete anos, da mais velha, da filha mais velha. Então, ah, são... olha, são, na visão de hoje, que se entende dos pais, dos sofrimentos que eles vieram da lavoura, da batalha que eles tiveram, sem poder ter um estudo, vir para São Paulo arriscar a vida, em um estado diferenciado, sem ter condições ainda, nem mal para: “Vamos morar onde? Vou comer onde? Vou trabalhar onde?” Vem com a cara e a coragem, com a mala nas costas e vem. Então são dois guerreiros, para mim são dois heróis. Vieram e provaram que é possível, lutaram muito para ter o que tem, hoje tem sua casa própria, tem seu terreninho, tiveram o carrinho. Então eles batalharam e mostraram que é possível, mas com muita luta e com muito trabalho. Então para mim são dois guerreiros, eles vieram e mostraram que é possível.
P/1 - E a relação de vocês ainda na sua infância, como era?
R - Com os meus pais? Ah, sempre afetuosa essa afinidade. Afinidade com meus pais, afetiva, é forte até hoje, porque aí vem a minha história, eu falo do meu pai porque eu não sou filha, eu sou a filha do coração. Eu não sou a filha do sangue, sou a filha adotiva. Então esse laço carinhoso é muito forte. Eu sou de uma mãe, mas não sou de um pai, então tem essa afinidade muito forte com ele. Então ele me tem como uma filha querida, que é a filha do coração, como ele chama, e ele é o meu pai do coração. Então é aquele que entrou comigo na igreja, é aquele que me fez... que cresci junto, que vi a história deles. Então para mim são os meus heróis, são os meus amores idosos. Principalmente depois da pandemia, esse período de pandemia, o cuidado que temos que ter no geral, com as pessoas e com eles tivemos que ter um cuidado maior devido ao período de pandemia. Então esse laço afetivo, por ser filha do coração, não ser filha do laço do sangue, se torna muito forte. Para mim eles são excepcionais, esse laço de amor, amor muito grande, essa aproximação que tem com os netos, com os filhos, com a família, aquela coisa que eles ensinaram para gente a importância da família, a importância de estar junto, a importância de estar sempre junto. Então os meus pais, até hoje, não depois do período da pandemia, que a gente teve que ter esse afastamento, mas o final de semana, duas vezes no mês é almoço em família, todos os filhos lá, todos os netos, todos os bisnetos pequenos, os que estão, que já nasceram, todos juntos, naquela mesa de almoço, junto com eles. Então, isso... a gente cresceu dessa forma, essa proximidade, dessa aproximação com os pais. Então elas são muito fortes na vida tanto nossa, como dos irmãos, que são os irmãos, mesmo não sendo esse laço de sangue, são laços do coração e também, para mim, é muito forte.
P/1 - Você conheceu seu pai biológico?
R – Não, não cheguei a conhecer, não cheguei a conhecer.
P/2 – Deixa eu voltar um pouquinho, só para eu entender: seus pais se conheceram lá e vieram para São Paulo juntos?
R – Isso.
P/2 – Mas aí a sua mãe já tinha você?
R - A minha mãe estava grávida.
P/2 – Ahh…
R – Ela estava grávida, estava grávida.
P/2 – Você é a mais velha?
R – Isso, eu sou a mais velha, ela estava grávida de mim. Estava grávida porque, até então, o meu pai faleceu de moto, ela ia casar com esse primeiro marido, esse primeiro rapaz e, com esse acidente de moto, acabou acontecendo e ela foi e engravidou. Então sou do coração do meu pai que me criou (risos), eu sou do coração dele, como diz ele: “Essa é do meu coração”. Então esse amor é muito forte, uns falam que não, que não é, mas ele é fato, é fato que eu sinto isso na pele, esse amor muito grande, um querer muito grande. Então ele fala: “Essa é minha filha do coração”. Então é o meu queridinho, (risos) os meus queridos, os meus queridos.
P/1 – E a relação com os seus irmãos, como é?
R – Temos uma relação muito boa. Tenho meus três irmãos que são do lado dos meus pais, são... nós somos todos próximos. Ele criou a gente com a importância da família, nós fomos criadas desse jeito, fomos criados dessa forma: família, a importância da família, a importância de estar junto, a importância de tentar se juntar, acho que aí a pandemia teve um outro formato de mentalidade para as pessoas. Vamos nos cuidar, mas não vamos esquecer da família. A gente se afastou por cuidar deles mais, são idosos, não está a família junto, porque não podemos aglomerar, temos que seguir regras, protocolo e etc., mas a gente vê que isso também acabou aproximando as pessoas, hoje através de vídeo no celular, ou as pessoas no computador, ou notebook, ou no tablet. Dessa forma as pessoas começaram a ter um outro olhar para o próximo e a família acho que muitos acabaram se aproximando, mas esse laço familiar meus pais já ensinaram à gente, da família estar junto, da família se juntar, da importância de estar junto e um cuidar do outro. Então isso foi o que meus pais sempre falaram: “A importância é um cuidar do outro, a gente tem que estar próximo um do outro, não é para estar distante, não temos que lembrar depois que o outro for. Não, você tem que estar com outro agora, é o hoje, o presente”. Então isso os meus pais até hoje falam a mesma coisa. Hoje, a gente, depois de dois anos, nós ficamos aí praticamente 2019 e 2020 quase sem vê-los, não podemos por causa disso, o último encontro que nós tivemos foi na ceia de Natal e na ceia do Ano Novo de 2019. Então passou 2020 sem estar junto e praticamente meados deste ano de 2021 também. Nós nos separamos, literalmente, mas tudo por vídeos, telefone, contato presencial distante podemos dizer, né, meu irmão chama: “Contato presencial, estamos aqui, abre aí a tela, vamos nos falar”. Então esse é o nosso presencial, que a gente foi dessa forma, de momento, mas sabendo a importância de não estar junto, porque não estar junto, porque foi onde eles mais sentiram, porque eles ensinaram a gente a estar junto, estar próximo, se juntar o máximo possível. Então isso aí é onde teve essa carência para eles, por serem de idade, foi muito grande. Então a gente tentou amenizar um pouco mais, tendo mais presença através de videochamada, desse tipo de aproximação, fora daquele foco de criação que eles nos criaram, que eles eram importantes: “Vocês têm que estar juntos, presente”, que é um irmão que tem contato com outro. Quando um tiver com um problema, é o outro que tem que acolher, é o outro que tem que cuidar do outro. Então essa foi a criação que eu tive, da aproximação da família, então todos os focos dos meus pais são: família, importância da família, todos os momentos é família. Então eu ouvi muito isso, a palavra ‘família, família’: “Vocês têm que estar juntos, vocês têm que estar próximos, tem que ver se o outro irmão está doente, porque ele está doente. Você tem que ir lá, o que você pode fazer, o que você pode cuidar do irmão. Então foi desta forma que a criação foi com meus pais: estar junto, um cuidando do outro, comemorativa até hoje, que ainda é muito forte, que a gente, no período da pandemia, não teve, foi no período que a gente viu que é importante os aniversários deles. A gente nem tanto, mas Natal, isso porque a minha mãe faz o período de... ela é do dia 23, em cima do Natal. Então já tinha o hábito de fazer o Natal já comemorando o aniversário dela, ela não gostava que fizesse separado, ela sempre gostou: “Não, faz junto, vamos gastar menos”. Então já era um hábito dela, então comemorava-se mais um ano de vida dela, que ela sempre faz no dia 23 e o Natal na sequência. Então aquela festa grande, única, que estava todos os filhos, os netos, os bisnetos, todo mundo junto naquela festa bonita, Natal também junto, aí vem o Ano Novo a mesma coisa, todo mundo junto, aí meu pai é de janeiro, dia seis de janeiro ele faz, fica mais velhinho, como diz ele: “Ficou mais um ano velhinho”, aí junta-se a família de novo. Então tem essas questões comemorativas bem forte, que é de aniversário dela, porque ela fazia no Natal, aí vinha Ano Novo, já em janeiro virava o ano, já se juntava de novo, com almoço de família de novo, pelo aniversário do meu pai. Acho que o que nos aproximava muito mais eram essas festas assim, comemorativas, além do hábito normal de fazer almoço em família, de estarmos juntos, a gente já tinha esse hábito.
P/2 – Mas quando vocês eram crianças, assim, antes de casar e de ter os filhos. Só vocês irmãos, pai e mãe...
R – Então, o que era? Bem, comida: macarrão, macarronada, (risos) a nossa infância era macarronada. Nós somos daquela época que o pessoal brincava bastante, que a gente não era... hoje é o pãozinho. Isso a gente nunca esquece. Inclusive, tem uns quinze dias que eu fui na casa dos meus pais, a gente lembrou. “Nossa, verdade, não é que era mesmo, não era pãozinho, era bisnaga”. E era uma briga, porque tinha o meio da bisnaga e tem os bicos da bisnaga, que a gente não sabia se era a ponta do começo ou era ponta do fim e era uma briga dos filhos: “Ah, não, eu quero essa aqui, essa parte. Não, quero outra”. Inclusive a gente lembrou dessa brincadeira. Então na época da bisnaga, que antigamente era ‘bisnagão’, chamava de ‘bisnagão’: “Eu quero, eu quero...”. A gente não ia comprar pãozinho: “Me dá duzentos gramas de pãozinho”. Não, era: “Me dá uma bisnaga, dá um bisnagão”. Que antigamente era isso, era aquela bisnaga de pão que se fazia e o lanche, chegava, já abria-se no meio, colocava um monte de folha de alface e um monte de tomate, aí já se cortava e cada um pegava o seu pedaço. Então era sempre superdivertido. E no domingo a macarronada da minha mãe, ela era campeã, a macarronada, era macarronada muito gostosa e macarronada com frango. Então é uma das coisas que a gente lembrava bem no domingo. Na semana era, talvez, agora é uma briga, quem ficava com a parte melhor do pão e também o final de semana era uma macarronada da minha mãe, com frango. Era uma das coisas que a gente lembrava bastante: “Olha, domingo!” Por quê? Macarronada com frango.
P/1 - Rosa, você sabe a história do seu nascimento? Como os seus pais escolheram o seu nome?
R – A minha mãe, no caso “Maria”, porque dela, tudo na família dela tinha Maria, ela já não ficou Maria. Então teve Rosa Maria eu e a minha irmã Rosana Aparecida. Por que Rosana Aparecida e por que Rosa Maria? Na família dela tinha muitas Marias e muitas Aparecidas. Então ela colocou as filhas com Aparecida, no caso a minha irmã e eu como Maria, mas no meu caso a minha mãe fala: no nascimento ela teve um problema de saúde na hora do parto e ela ficou cega por alguns dias, e ela, como devota,,ela é devota, na época era devota, hoje não mais, hoje ela é evangélica, hoje ela não é mais católica, hoje ela é evangélica, já há muitos anos. Mas na juventude, com os filhos, ela era católica e ela fez uma promessa, por ser católica, para Aparecida do Norte, que ela ia levar os meus cabelos, que ia deixar os cabelos crescerem e, quando fizesse sete anos, ela ia levar esses cabelos lá, nessa Aparecida do Norte. E essa promessa dela, ela a fez e ela melhorou com a visão, a visão dela foi voltando devagarzinho, depois do sétimo dia. Então ela esperou eu fazer sete anos, quando fizesse sete anos cortava os cabelos e ela cortou meus cabelos e levou para pagar a promessa dela. Então na época ela era devota, hoje não mais, hoje ela é evangélica, já faz muitos anos. No meu nascimento, o que foi marcante foi isso, esse probleminha de saúde que deu no parto e ela fez essa promessa lá, na hora do parto, e eu nasci e, no caso, ficou essa promessa ser paga quando eu fizesse sete anos de idade, levar os meus cabelos, tanto que fiquei [com o] cabelo Joãozinho, parecia um garotinho. Aí cortou meus cabelos bem baixinho e levou os cabelos para cumprir a promessa que ela havia prometido para, até então, na época que ela era católica, para Nossa Senhora.
P/1 - Você lembra desse dia, de ficar com medo?
R - Muito pouco. Sete anos, eu tenho vagas lembranças. Eu lembro que eu fui ao cabeleireiro, na época não era nem cabeleireiro, era barbeiro, barbearia, naquela época acho que era mais assim. Era raro ter salão de cabeleireiro, mas se eu não me engano acho que foi no barbeiro, a pessoa cortou bem baixinho, cortou tudo, foi cortando, cortando, cortando e levou todo o cabelo. Aí o rapaz pegou o cabelo, colocou no saquinho e isso foi na semana e no final de semana a gente foi para Aparecida do Norte, foi ela, meu pai e eu para, até então, pagar a promessa.
P/2 – E você lembra dessa viagem para Aparecida?
R – Fomos de ônibus, foi. Eu lembro que foi muito sacrifício que ela... eu lembro que, se não me engano, ela falou que pagou em três vezes essa viagem dela, de ônibus, para ir para lá. Essa promessa dela foi três... então ela pagou, fez uma prestaçãozinha para pagar essa tal viagem, para que eles fossem para Aparecida cumprir a promessa dela.
P/1 – Você lembra da casa que passou a sua infância? A rua?
R – Então, eu fui criada em uma rua de terra, fui criada em um bairro chamado, que antigamente chamava BNH, era de companhias. Fui criada numa casa de barro, uma parte de barro, uma parte alvenaria, porque eles fizeram a casa de alvenaria para as pessoas que trabalhavam nas obras dessa região. Aí, no caso, a minha mãe começou a trabalhar nessa obra também, ela fazia... ela era... trabalhava na parte de café, cuidava do café, dessa parte do refeitório, mas o trabalho dela era mais fazer café, porque eram muitos, muitos homens, trabalhavam na obra. Ela tinha que fazer várias garrafas de café. Ela foi contratada para isso. E todo mundo tinha direito de sair de um lugar. Os meus pais trabalhavam e moravam de aluguel. Então tiveram a oportunidade de ter essa casinha de alvenaria da empresa, até então contratada para fazer esse trabalho, que é o trabalho que ela exercia de cafeteira, fazia parte do café. E aí, só que para poder... como não podia mexer na estrutura, não podia fazer outra casa de alvenaria, ela achou legal, ela com meu pai, fazer uma casa de barro. Eles fizeram aquela coisa, amassar o barro no pé. Aí colocaram aquelas madeirinhas e fizeram de barro e lá ela fez mais dois cômodos, que era o quarto das meninas e o quarto dos meninos, para dividir e onde a casa de alvenaria tinha uma sala grande, onde eles fizeram a sala com a cozinha, junto e tinha um quarto separado, com banheiro. Nessa outra parte eles construíram outro banheirinho e fizeram mais dois quartos, para dividir os meninos das meninas, no caso os irmãos das irmãs. Essa foi a casa que eu lembro que eu morei até certo... até mais ou menos a idade de uns quatorze, quinze anos. Aí eles se mudaram para casa própria, nos treze anos, treze para quatorze já tinham casa própria. Hoje estão na região de Jundiaí, que tem a casa própria para o lado de lá.
P/1 - Você lembra dessa construção? Vocês ajudaram?
R – Ah, eu lembro que a gente amassou barro (risos) no pé, (risos) que para nós foi muito divertido, que meu pai jogou água num buraco, esse barro vermelho a gente pisava e para nós foi uma diversão. Eu lembro que a gente fez até escorregador, brincou muito, jogou lama, tudo para quanto é lugar, para nós era uma diversão, mas para os meus pais o intuito era fazer esses dois cômodos com banheirinho, para deixar mais reservado, o espaço das meninas e dos meninos, no caso dos irmãos.
P/1 - Quais eram as brincadeiras favoritas da época da sua infância?
R – Olha, eu, como tive irmãos homens, e por ser menina, eu brinquei com coisas quase, praticamente, de rapazes, de garotos: pipa, bolinha de gude, carrinho de rolimã, peão. Brincamos muito na época da escola. Eu lembro que tinha... a gente brincava de amarelinha, o rocambole retangular, a gente brincava de um pezinho só, outras brincadeiras, brincadeira também com “vai e vem”, depois de uns anos veio o “vai e vem”, a brincadeira de corda, bolinha de gude. Então podemos dizer que eu tive as duas infâncias. Boneca tive uma só na minha vida, isso eu lembro bem, uma única boneca, que era um bonecão grande e tinha até medo dele, quando ele olhava, eu cobria o rostinho dele, porque ele tinha uns ‘olhões’ muito grandes. Então (risos) eu só tive um brinquedo, isso e o resto com... tinha os irmãos e eu brincava mais com os irmãos. Então [era] carrinho de rolimã, tudo mais, pipa. Era apaixonada por pipa.
P/1 - Você lembra de alguma história marcante da infância?
R – Ah, dos irmãos? Olha, foi marcante da infância quando o meu pai, que é o do coração, que é o que me criou, ficou muito doente. Através dessa doença houve um ocorrido: ele vinha do trabalho e foi atropelado no ponto de ônibus, só que é um espaço da vida dele que ele não lembra mais, ele só lembra que saiu da empresa e foi para o ponto de ônibus. Então do espaço do ocorrido ele não sabe o que aconteceu com ele. É um espaço que está perdido na memória dele, ele não tem. Quando deu mais ou menos o horário de chegar em casa, que é o hábito, não é da época do telefone, não é a época do celular, hoje é tudo modernidade. Antigamente eram cartas, falava-se por cartas com as pessoas, dessa forma que se tinha esse contato com as pessoas, com a família, pelas cartas. Aí, já no caso do ocorrido com meu pai, a minha mãe esperou dar o horário, não tinha como entrar em contato com a empresa, porque a empresa fechava, aí no outro dia ela pediu para entrar mais tarde no trabalho, que ela precisava saber porque ele não veio para casa à noite, ele não chegou em casa, ele chegou... deu o horário dela sair para trabalhar às nove horas e ele não havia chegado em casa. A minha mãe entrou em desespero, por ela trabalhar na obra a empresa permitiu que ela fosse na empresa onde ele trabalhava. E lá deu que ele saiu no horário de sempre, bateu o cartão dele no horário de sempre, saiu no horário de sempre, mas ele tinha... ele desapareceu e a minha mãe o procurou em todos os lugares, nos hospitais, IML, deu parte na delegacia, ele ficou desaparecido quinze dias, sem ninguém saber dele. Até que acharam… Já até tinham enterrado por não ter documentos, como muitos hoje, até hoje se enterra quando não há informação de quem é a pessoa, não tem documento, então você é enterrado como indigente. É o que acontece com muitas pessoas atropeladas por aí, que até então foi o que se percebeu. E nesse hospital que ele estava internado, ele estava em coma. Ele estava sem documentos e irreconhecível até então, depois descobriu que um caminhão entrou no ponto de ônibus e matou duas pessoas e o deixou em coma, que ele saiu de lá já em coma, ele foi socorrido vivo, em coma e ele ficou quinze dias.
P/2 - E como a sua mãe conseguiu encontrá-lo?
R – Aí, nós tínhamos o Padre Ivo, que foi quem celebrou meu casamento. O Padre Ivo, uma pessoa de muito conhecimento, uma pessoa que tem contato de pessoas e foi quando ele se propôs a ajudar minha mãe, viu o desespero dela com três crianças, e uma outra pequenininha, aliás o meu irmão, o menor, tudo criança pequena, de certa forma, doze para treze anos, meu irmão dez, doze, treze, uma outra criança de cerca de nove meses, que é o mais novo, irmão mais novo, como fica com uma pessoa que desaparece, que não sabe onde está, se foi enterrado, se não foi, o que aconteceu. E esse Padre Ivo, esse senhor, já era um senhor de idade - hoje não está mais conosco - se propôs a ajudar minha mãe e ele foi a pessoa que foi com ela, andar por aí, em hospitais, aí foi quando ele teve a ideia: “Mas vocês não têm aqui?” Depois a gente ficou sabendo, depois a minha mãe contou para nós que ele pressionou o hospital, falou: “Olha, eu tenho o direito de visitar pessoas doentes, eu quero entrar no hospital, essa senhora...” - ele contando assim para a gente é tão... é como se a gente tivesse vivendo a história, ele contando - “... tem certeza que ele está em um hospital, ela sente que ele está no hospital e está vivo, ela sente. Então porque ela está sentindo, eu estou ajudando e eu quero ver quem são as pessoas no hospital e, se eu perceber alguma coisa, reconhecer, eu posso chamá-la para ela reconhecer”. E foi o que aconteceu. Aí uma senhora, uma outra senhora, contando a minha mãe e o Padre Ivo, que eles... uma senhora veio lá de dentro e falou: “Olha, nós temos uma pessoa aqui já tem mais de dez dias, dez, doze, treze dias que está em coma, será que não é a pessoa que vocês procuram? Olha, mas ele está tão inchado, que está irreconhecível, não tem como”. A minha mãe: “Eu tenho como descobrir se é ele, ele tem uma cicatriz, uma cicatriz e pela cicatriz eu vou saber se é”. E foi por essa cicatriz que ele tem embaixo e por essa cicatriz que ele tem no braço direito, uma cicatriz de nascença, de pular, ele foi pular um muro e rasgou. Tem uma cicatriz debaixo do braço, então podemos dizer que era uma forma de saber, se ele estava todo irreconhecível, aquela cicatriz devia estar lá ainda. Aí, foi, aí minha mãe entrou, aí quando levantaram o braço era ele, ele estava totalmente irreconhecível, porque ele ficou inchado, totalmente inchado, mas a cicatriz estava lá. Aí foi todo processo, aquela pessoa que estava em coma tantos dias já, cerca de doze, treze dias e ele ficou mais, ele fechou quinze dias em coma. Com dezesseis dias, o dia que ele acordou, ela estava do lado dele, todos os dias ela ia para aquele hospital e a esperança dela é que ele abrisse os olhinhos com ela presente com ele, lá do lado e foi o que aconteceu: no décimo quinto dia, no dia que ele abriu os olhos, ela estava do lado dele.
P/2 – Ele reconheceu?
R - Ele só abriu os olhos dele, a única coisa que ela lembra foram lágrimas, só. Ele não falava, ele ficou muito tempo sem falar, ele ainda ficou no hospital mais uns dias, acho que cerca de mais uns três, quatro dias, ele voltou para casa todo inchado, a gente não o reconheceu. Eu lembro que a gente ficou meio assim, assustado. “Quem é aquela pessoa?” Porque sabia que era ele, mas parecia que não era ele, que ele ficou inchado, ficou estranho, ficou diferente. Então ele demorou para voltar a falar, acho que para falar demorou coisa de quase trinta dias, ele ficou na cadeira de roda, não andava, não andava, o meu irmão é que dava banho nele, para minha mãe, enquanto trabalhava. Ela dava banho, a gente dava comida e a gente cuidava dele como se fosse uma criança. A igreja que doou uma cadeira de roda, que a gente não tinha condições de comprar e era assim que a gente cuidava dele. A minha mãe cuidava do que ela podia e a gente cuidava dele do jeito que a gente achava que era forma de cuidar. Empurrar comida na boca dele quando ele não queria, empurrava comida na boca e ele jogava, a gente empurrava de novo. Para dormir, dormia na marra, que ele não queria dormir, fazia birra. Então ele voltou, uma pessoa de idade, a se tornar criança. Então foi marcante esse acidente que aconteceu com ele, aconteceu um acidente muito sério, que ele ficou muitos dias para falar, para voltar a andar e muitos anos depois desse problema da saúde que houve do passado, com essa... com o que ocorreu no cérebro dele, hoje ele tem um probleminha de saúde, no cérebro. Ele tem uma pequena falhazinha lá, que de uns anos para cá descobriu. Hoje está tomando os remedinhos, está se cuidando tudo. Então uma coisa do passado, hoje, depois de muitos anos, afetou agora. O acidente afetou uma parte do cérebro dele, que tem uma falhinha ali. Mas está lá, firme e forte. Então esse foi um marcante da idade que ocorreu com ele quando a gente era jovem, era bem criança, foi esse acidente com ele, que a gente teve que cuidar dele, criança cuidando de um adulto que também era criança, é o que mais marcou na vida da gente.
P/1 – E, Rosa, ainda na sua infância, você pensava o que você queria fazer quando crescesse? Com o que você queria trabalhar? Tinha algum sonho?
R – O que eu queria ser! (risos) Olha, na época, acho que quando a gente é criança, a gente quer ser tudo. Aí eu falava que eu queria cuidar de pessoas. Não sei se é porque meus pais, pela idade, foram avançando e a gente, quando é criança... meu primeiro trabalho foi cuidar de criança. Então eu achava que eu queria ser professora. “Eu vou cuidar de criança, então quero ser professora”. Coloquei na cabeça, queria ser professora. Ah, isso foi por um tempo, mas não tem nada... nada partiu para isso. Não cuidei. Cuidei de filhos, cuidei de sobrinhos, cuidei de criança. Pelos pais serem católicos, na época. Hoje não são mais, nenhum dos dois, e a maioria da família é evangélica, hoje. A minha criação foi ensinar, mas a catequese, eu tinha proximidade na época das irmãs. Nós tínhamos a igreja, o Padre Ivo e nós tínhamos o convento, então praticamente a minha infância foi entre a igreja e o convento. Não para me tornar uma madre, qualquer coisa do entendimento, mas era da minha casa para a igreja, convento. Então a comunidade, os pais não tinham onde colocar, como hoje tem creches, esse tipo de local para as crianças, esse convento foi aberto para a comunidade, para os pais deixarem as crianças e lá eu cresci e, ao mesmo tempo, aprendi e ensinei. Então a catequese, a formação para fazer Primeira Comunhão, para fazer esse tipo de conhecimento, porque isso, porque aquilo, isso foi a minha infância. Então eu achava que eu ia ser professora, por causa disso, porque eu cresci no meio de criança, no meio dos filhos dos outros. Eu cresci no meio das crianças, ao mesmo tempo cuidando das crianças dos outros, cuidava dos irmãos e cuidava das outras crianças dos outros, também. Então essa foi a minha infância: de casa, escola, da escola para igreja católica, da igreja católica a gente ia para esse convento, convento de madres, para esse trabalho. E também, na infância, tinha até um espaço de um centro social de pessoas que faziam aquela grande... como dizem eles? Como eles diziam: “a sopa”. O dia da sopa. Então na segunda-feira, quarta-feira e sexta-feira, o dia da sopa. Então eu ia lá, a gente organizava as crianças, para as crianças receberem o pote de sopa, para levar para casa. As crianças almoçavam de um lado e depois, no final, já saíam com aquilo. Então a minha infância foi isso. Eu coloquei na cabeça que eu ia ser professora, mas não foi para essa vida que eu fui. Casei, aí vieram os filhos e o meu rumo de trabalho foi totalmente outro.
P/1 – Antes de começar essa parte de trabalho, eu queria saber qual a sua primeira lembrança da escola.
R – Da escola. Minha primeira lembrança da escola, pela vida difícil dos pais, daquela época, a vida muito difícil, aí eu lembro que era uma mochila, meus pais só tiveram dinheiro para comprar uma mochila. Então o que nós fazíamos? Nós entrávamos com... eu entrava com a mochila, com o material do meu irmão e o meu, na mesma mochila. Aí lá ele ficava com a mochila, para a gente não ter briga com a mochila. Então cada dia um ficava com a mochila. Aí eu pegava meus caderninhos, meus livrinhos, colocava no braço e ia para minha sala de aula e ele ia com mochila. Aí no outro dia era o meu dia de ficar com a mochila e ele ficar com os cadernos no braço, porque a outra minha irmã não estudava. Aí depois as coisas foram melhorando, foi tendo apoio das empresas que ajudavam as crianças a receberem material escolar, bem humilde, não era o de hoje. Hoje as empresas podem ajudar um pouco mais, tem essa outra visão social com os funcionários e com os filhos dos funcionários, mas naquela época era só um caderninho e uma caneta, mas como na época ainda não existia caneta, era um lápis, era o lápis, uma borracha e um caderno. Então o lápis, uma borracha e o caderno, esse foi o material escolar que os meus pais ganhavam. Eles só tinham dinheiro para comprar uma mochila. Aí quando veio a minha outra irmã, eram duas mochilas. Como tinha uma turma, uma de manhã e uma de tarde, a gente dividia as mochilas. Essa foi a infância do período escolar, que foi marcante: a mochila, que era uma mochila para dividir pros irmãos, porque não tinha dinheiro para comprar mais.
P/1 – E você lembra de algum professor que tenha te marcado?
R – Tenho, a professora chamada Maria Luiza, que é o nome da minha cunhada e não esqueço nunca, toda vez que eu falo o nome da minha cunhada e a gente está junto eu lembro dela. Ela sempre falava para gente a importância do ser humano, a importância das pessoas, ela tinha muita essa visão também, nesse sentido de mostrar, não é porque moramos em periferia, que moramos em locais humildes, bem humildes, que hoje são as comunidades, antigamente se falava lugares bem humildes, bem... situação difícil de vida, mas temos que ter bons cidadãos, boas pessoas de índoles e bom cidadãos. Então isso ela falava muito na aula dela: que as pessoas são importantes, não importa onde elas moram, o que importa é que nós temos que se criar, ser pessoas de respeito ao próximo e ser bons cidadãos. Então a aula dela era muito sobre isso, das pessoas, de você respeitar o próximo, respeitar as pessoas e somente se tornar bons cidadãos. Não é porque a marginalidade está na porta, que você tem que pular para lá, que ela sempre dizia: “É importante dizer não. O tanto que você vai ganhar a hora que você dizer ‘não’. Tudo está aí: o cigarro está aí, as drogas estão aí, está tudo aí na porta, está na porta da escola, porta da casa, na praça”. E hoje, no momento de hoje, bem mais... podemos dizer mais fácil o acesso para esse tipo de coisa. Antigamente era mais restrito aqui ou ali, não tinha muito isso, mas mesmo assim ela sempre dizia a importância de dizer ‘não’ e se tornar bons cidadãos. Essa era a professora Maria Luiza.
P/1 – E onde era essa escola?
R – Essa escola também ficava na Brasilândia, Escola Estadual de Arruda Penteado (risos). Eu só lembro até aí, Escola Estadual de Arruda Penteado, não lembro se tinha mais alguma coisa, até o Penteado eu recordo.
P/1 – E como vocês iam para a escola?
R – Ah, tudo a pé, tudo a pé. Nós morávamos tipo duas quadras depois da escola. Então era tudo próximo. Ônibus era muito difícil pegar, era quando a gente ia em algum lugar muito importante, que os pais tinham que levar, aí se pegava o ônibus, mas quase tudo era a pé, os mercados eram próximos. Na época não existia padaria, nessa época era mercado, a gente chamava ‘o mercadinho’, o mercadinho que tinha tudo, que fazia a bisnaga do pão, que tinha lá as coisas do mercadinho e ali que as pessoas iam se familiarizando a comprar, porque como se havia ainda... meus pais não tinham carro, então tinha dificuldade para ir para outro lugar e carregar os filhos. Mas a infância era mais ali mesmo, mercado ali, a escola ali, tudo bem próximo, à igreja no mesmo lugar, próximo, o espaço das madres, das católicas lá, que era o espaço para comunidade, que era o convento, próximo também. Foi tudo muito próximo, era um espaço para comunidade. Em vez de ficar para outros locais, você tinha outro espaço para você poder ir. Então essa foi uma infância aí que eu lembro bem, com os irmãos e a trajetória da infância com a escola, lembrar do professor, lembrar de um padre, um ocorrido na infância, são os momentos que foram marcantes.
P/1 – Rosa, como foi crescer e viver na Brasilândia?
R – Bem, na Brasilândia eu fiquei até o período que eu casei. A minha infância foi ali, até os... me casei muito cedo (risos), eu sou daquela época ainda que casa cedo. Hoje se espera um pouquinho mais, e tem outra realidade de convivência dois a dois, conjugal. Já na minha não, eu me casei com dezessete anos, vivi na Brasilândia até os meus dezessete. Quando eu me casei, eu já me mudei, eu fui morar em um bairro chamado [Jardim] Mitsutani. E lá eu fiquei apenas um ano, período de casada, aí depois nos mudamos, aí eu fui morar em um bairro chamado Dracena, que é do bairro do Butantã, porque meu esposo trabalhava mais próximo e para ele era melhor. Eu sou daquela [época] ainda que o marido precisava assinar para a esposa trabalhar. Então eu ainda era menor de idade, com dezessete anos, com dezesseis para dezessete quando eu me casei, foi quando ele foi assinar para eu trabalhar, meu primeiro emprego, foi na Abril Cultural, esse foi meu primeiro trabalho, meu primeiro emprego foi na Abril Cultural e lá eu fiquei sete anos, na Abril Cultural.
P/1 – Antes da Abril Cultural, eu queria saber como foi a juventude, como você se divertia, o que você gostava de fazer, antes de casar.
R - Antes de casar... bem, como se diz? A minha criação foi criada dentro da igreja, dentro do espaço das madres do convento. A gente não teve criação, assim, de dizer assim: viajou, não. Não viajávamos... a infância foi muito presente, mas com a família ali, eu sabia que os meu pais tinham os outros irmãos e precisava trabalhar, e eu, por ser a mais velha das mulheres, precisava dar um apoio e se tinha a igreja que ajudava, então a gente tinha o espaço da igreja. O que nós fazíamos na igreja? Lá na igreja tinha pessoas para orientação, nós fazíamos curso de tricô, costura. Depois da escola, todo mundo ia para escola, então no período da tarde ia para esse espaço da igreja, onde tinha pessoas lá para colocar as crianças para se ocuparem para os pais poderem trabalhar. Então essa foi minha infância e lá eu cresci e acabei ficando cuidando das outras crianças também. Então essa foi a trajetória que eu recordo bem, nesse período. Não tive aquela infância de viajar, não. Foi trabalho sempre, que tinha os meus pais, que tinha os menores e os menores precisavam de alguém para cuidar. Íamos todos, depois da escola, para esse espaço da igreja e onde praticamente eu me criei até eu me casar, ajudando na igreja a cuidar de outras crianças que vinham também nesse período, que precisavam ser cuidadas.
P/1 – Como você conheceu seu marido?
R – Então, o meu esposo a gente se conheceu na igreja (risos). Eu tinha onze anos de idade, aí estudamos juntos um período só de um curso, fizemos um curso na igreja, esse curso foi um ano e foi lá que a gente se conheceu, com onze anos de idade. Ele dizia para mim, quando eu fiz meus doze anos, que quando eu ficasse mais velha, ele ia casar comigo (risos). E casou (risos). E foi assim que a gente se conheceu. Então o meu esposo é o meu companheiro até hoje, nós temos 36 anos de casados.
P/1 – Você lembra do dia do seu casamento?
R - Lembro, lembro como se fosse hoje.
P/1 – Como foi?
R – Ah, deixa eu ver... nós nos conhecemos na igreja, quando éramos jovens, crianças ainda, dez, onze anos de idade. Ele é mais velho que eu, eu sou mais nova, temos uma diferença de sete anos de idade. Eu estou com 52, ele está com... vai fazer 59, nós temos esse espaço de idade, nós dois, e aí foi quando estávamos… então, em uma festa de quermesse, tinha muita quermesse naquela época: São João, São Pedro, se fazia muita quermesse, por quê? Para ajudar a comunidade, para manter as crianças na igreja, aqueles trabalhos sociais que a igreja fazia para as crianças não ficarem nas ruas, para os pais poderem trabalhar e a igreja poder dar um caminho para as crianças, precisava de ajuda, precisava de apoio, então precisava da parte financeira. Então se fazia muita quermesse, por isso que a gente fazia bordado, fazia costura, pintava panos de prato para, nesse período das festas juninas, as festas comemorativas da igreja, trazer a comunidade para comprar e esse dinheiro voltava para própria igreja, para manter as crianças no ano seguinte, com apoio. A igreja também ajudava as famílias carentes com... então, nesse período de festas, festas e festas, foi quando ele olhou para minha cara e falou assim: “Nós vamos casar, eu já fiz dezoito anos e nós vamos casar”. Aí eu falei para ele: “Não, minha mãe não vai deixar”. Ele falou assim: “Não, nós vamos casar, nós vamos casar, já fiz dezoito anos e nós vamos casar. Vou falar com seus pais, eu já falei duas vezes, agora vou falar de novo, que agora é sério, eu já fiz dezoito, vamos casar”. Aí ele chegou no meus pais, fomos lá e ele falou assim: “Eu vou casar com ela, eu falei que eu ia casar com ela e eu vou casar com ela”. E foi assim (risos). Meus pais ficaram meio surpresos: “Mas tem certeza? Vocês são muito jovens ainda, ela está com quinze” “Ah, então nós vamos noivar. Então vamos esperar fazer quantos, dezoito? Não, dezoito não, vamos noivar então”. Aí ele tinha... eu estava com os meus, ele já estava já passando dos dezoito. Aí nós noivamos, com meus quinze anos, noivei com os quinze e com dezesseis para dezessete, um ano e meio depois, aí os meus pais permitiram que a gente casasse. Aí, fomos viver a nossa vida, não... lá, que era próximo ao trabalho dele, no bairro chamado Mitsutani, na época, e depois a empresa mudou de lugar e ele acompanhou a empresa, porque ele é prestador de serviço, ele trabalha na área de segurança. Então naquela época acompanhava-se muito, onde a empresa ia, para ficar mais fácil, porque as empresas não arcavam com o transporte, na época. Então tinha essas dificuldades. Como só havia nós dois, aí casamos e fomos, aí fomos morar de aluguel, morei na primeira casa de aluguel, aí na segunda casa, do Jardim Dracena, do Butantã, foi onde eu engravidei da minha menina, da mais velha.
P/1 - Rosa, você casou antes de terminar a escola?
R - Eu casei estudando, eu ainda estava estudando, estava terminando praticamente, porque naquela época a gente tinha... a gente fazia até um período na escola municipal, só que, nessa época, era tudo junto. A gente começava lá da primeira série, a gente ia até... que naquela época a gente chamava de segundo grau. “Ah, eu fiz o terceiro grau, então estou formada”. Mas a gente não entendia, porque formatura para gente é faculdade, aí achava que a gente já se formava, aí depois que a gente foi entender. Não, não é bem assim. Faculdade é uma coisa e a escola é outra. Então eu fui nesse período até o terceiro ano do colegial que, na época, era colegial. Então eu fiz isso nessa mesma escola, escola do estado, que é Penteado de Arruda, que eu fiquei lá do meu primeiro, até o último. Aí eu fiquei casada já, o último ano foi quando eu casei, eu casei no último ano que eu fiquei no terceiro grau, chamava de colegial na época.
52:10 - 52:32
P/1 – E, seu primeiro trabalho na Abril Cultural…?
R – Isso, isso…
P/1 – Você começou a trabalhar logo depois da escola ou demorou um pouquinho?
R – Aí eu demorei cerca de uns oito meses para o meu primeiro emprego, porque meu primeiro emprego começou de manhã e eu terminei no período da tarde, eu fui lá no nosso bairro, tinha um pessoal fazendo uma... como que chama? Uma dedetização. E quem... para quem... eu recebi o rapaz que foi demonstrar esse produto para matar formiga, aí eu falei: “Formiga? Eu moro de aluguel, tem só essa plantinha, não tem quintal, aqui não tem espaço para...” “Não, não sei o que, não sei o quê”, mas eu entendi que, além de vender, ele precisava também falar sobre o trabalho. Aí fiquei ouvindo-o e como ele demorou muito, chegou uma pessoa e eu não lembro, na época, se era chefe, uma pessoa que o acompanhava, aí ficou lá do lado do rapaz, aí tá. Aí, eu falei: “Olha, como eu falei: eu não tenho planta, só tenho essa plantinha aqui e ela não tem formiga”. Aí o rapaz olhou assim para mim: “Você quer trabalhar?” Do nada. Falei: “Trabalhar? Não, eu sou casada, mas eu ainda não posso”.
54:09 - 54:54
P/1 – Você estava contando de dedetização, quando você começou…
R – Então, aí essa pessoa foi fazer uma demonstração do serviço da dedetização de matar formiga, aí veio um chefe dele, da equipe, e me ofereceu emprego e meu sonho era trabalhar. Tinha terminado o estudo no ano anterior e precisava trabalhar também, para poder ajudar o companheiro, ajudar o marido, arrumar trabalho. Aí falei assim: “Não, mas tem que conversar com ele, ainda não posso assinar” “Não, mas você é casada, casada já é emancipada”. Eu ouvi essa palavra e achei tão estranho: ‘emancipada’. “Ah, quer dizer que eu” - pensei comigo - “será que pode fazer o que quer agora, então? Está emancipada” porque até então, o marido tinha que assinar, agora estou emancipada, que nome estranho! Fiquei comigo, guardei para mim a forma que o rapaz colocou lá, que achei até engraçada, muito jovem, não tem muita experiência de vida, achei engraçado. “Olha, está aqui o endereço”, anotou em um papelzinho, rasgou lá o caderno: “Toma, vai lá”. Ele chegou em casa e falou: “E aí, você quer ir? Ah, vai, mas olha a condução, vai pegar o ônibus assim, assim, toma cuidado, presta atenção, você não pega muito ônibus. Aí tá sempre junto. Eu conheço mais São Paulo e você não conhece muito”. Falei: “Então está bom”. Aí peguei o ônibus, desci lá: “Não, vai agora para equipe, já vai para equipe agora, você vai aprender já, na rua, como é que funciona”. Aí a moça me deu uns produtinhos lá, me deu uns borrifadores, uma pastinha: “Você vai lendo na Kombi, tá? A Kombi lá, olha, você vai lendo isso aqui, o textinho, que é isso que você vai abordar a dona de casa, a pessoa que te atender na porta, está bom?” Eu falei: "Está bom, está bom". Fui com a cara e a coragem. Aí veio um senhor, atendi um senhor, aí não sei o quê: “Ah, não. Tem muita formiga, pode entrar. Olha aqui quanta formiga, quanta formiga, ah, eu não sei fazer” fishhhh “Está vendo, olha, mata mesmo”. Até eu tinha dúvida, né? (risos) Que eu não conhecia o produto ainda (risos). Será que mata, mesmo? (risos) Aí, a formiguinha, e eu pensei comigo: “Pecado, matei a formiga. Pecado, matou a formiguinha”, ainda eu fiquei pensando: “Olha lá a bichinha tem até filhotinho, matei a formiga”. Eu fiquei até emotiva, mas vai ter que trabalhar, o negócio está aqui, mata formiga. Aí fui lá, aí veio outra moça: “Olha, mata mesmo, senhor, viu? Ela não tem muita experiência e mata”. Aí fui matando as formigas e mata formiga e mata não sei o que, tem isso, tem aquilo, tem aquilo outro. “Ela não tem experiência. Agora você vai, mostra mais” “Tá, então tá: você quer não sei o quê” “Não, eu quero, eu quero isso, eu quero aquilo, quero não sei o quê. E entrega?” “Entrega”. Aí, o outro caminhão já tinha o produto para entregar, aí eu sei que o homem fez a notinha lá, uma notinha, antigamente era tudo na mão, preenchia os dados do moço, quantidade que ele queria e ele levou cinco galões. Cinco galõezinhos lá de dois litros. Aí foi em outra casa e já tinha uma senhora ‘curiando’ lá, varrendo lá: “O que você está vendendo aí?” “Ah, estou vendendo isso” “Tenho muita formiga, nossa, formiga e não sei mais o que, está comendo as minhas plantinhas, destruindo tudo, quero sim. Não, não precisa nem mostrar não, eu quero”. Sei que, nessa brincadeira, não sei como, se era como diz, sorte de principiante, primeiro dia e eu não observei que tinha alguém me observando, uma Kombi, que soltou uma turma também, só que vendendo livro. Aí foi bater livro no outro: “Não, não quero atender, não, não quero livro, não, eu não leio, não, aqui ninguém lê, não tem mais criança, não sei o que, não sei o que, não sei o quê”. E o produto de matar formiguinha estava vendendo. Eu observei que os livros não estavam saindo, mas o da formiguinha estava indo. E vendi para esse senhor, vendi para essa senhora, dobrei a esquina, me lembro como se fosse hoje, tinha um cachorro grande, cachorro de bravo não tinha era nada, faltou subir em cima de mim o cachorro da mulher, não esqueço até hoje, o cachorro grande e bonito, fiquei apaixonada pelo cachorro da senhora e a senhora também comprou, através dela veio mais duas pessoas comprou também e, do nada, do nada, a Kombi, vendi todo o material da Kombi. Então, aí, assim, como sorte de principiante, eu arrumei cinco compradores para empresa e praticamente vendi tudo que tinha na Kombi, sorte de principiante e na última casa de uma quadra foi soltado uma outra turminha de livro, vendendo livros, na época era até o Monteiro Lobato, na época do Monteiro Lobato, a coleção vendendo Monteiro Lobato. E um rapaz dessa equipe me abordou na outra casa e falou assim: “Olha, eu vi que você vende bem, você vende bastante produto, você não quer ter experiência de vender livro?” Eu falei: “Não, eu entrei aqui hoje, entrei hoje, entrei agora de manhã”. Falou: “Não, mas essa empresa registra carteira?” Eu falei: “Não, é só contrato, não tem direitos trabalhistas, não tem”. Ele: “Não, mas nessa empresa tem, você tem o salário, uma comissão pelo que você vender de livros, você tem benefício, tem isso, tem aquilo”. Aí eu me encantei. É um lugar que só me dava o que eu vendesse, se eu vendesse eu ganhava, se eu não vendesse eu não ganhava nada. Então por isso que eu também achei que podia ser sorte de principiante, o dia foi muito bom, vendi, mas fiquei pensando: “E se eu não vender nada no outro dia”? Aí, novamente perguntei para o meu esposo, conversamos de noite: “E aí, o que você acha?” Ele falou: “Ah, você acha que é legal vai, é uma oportunidade, você não tem... nunca trabalhou registrada, nem nada, é oportunidade, já que o outro, se você não vender... e se você não vender nada? Ficar uma semana sem vender nada, com três dias que você não vender, não fizer a porcentagem que eles querem da comissão, você vai ser dispensada e esse, pelo menos, você tem registrado, o que você acha? Quer ir? Aí, eu te explico como é que você faz para chegar lá”. Que ele trabalhava de dia, não podia me levar. Me explicou e tal. Fui e lembro como se fosse hoje, iniciei segunda-feira, na terça-feira eu entrei nessa empresa, foi na Abril Cultural, para vender livros e vendi muito, minha estrelinha estava sempre lá, entre os cinco mais vendidos, vendi muito livro, na época Agatha Christie, Sheldon e mais outros livros de coleções, Monteiro Lobato e outros que tinham naquela época. Então nosso trabalho era vender livros, esse era o trabalho, que a gente fazia setores, e vendia-se livro. Então essa foi a minha infância e meu primeiro emprego foi nesse formato: uma empresa de dedetização que durou um dia e nesse um dia um convite, no mesmo dia entrei nessa empresa, que eu fiquei sete anos.
P/1 – E como funcionava seu trabalho, era sempre andando?
R - Era assim: todos iam até a empresa, na época era na Vila Madalena. Não sou da central, que a central era na Paulista, na [Alameda] Ministro Rocha Azevedo. Lá eu assinei minha carteira, lá eu dei baixa na minha carteira e eu acho que só trabalhei nessa, na Paulista, lá na Ministro Rocha Azevedo, na Abril Cultural, se eu trabalhei seis meses ou sete meses, foi muito. Como eu vendia muito, eles não queriam me deixar presa, eles achavam melhor soltar na rua: “Não, solta na rua, que na rua ela vende, presa ela não vende, então solta na rua”. E eu saía e era aquela que animava a equipe. Porque se tem um fazendo, vendendo, anima os outros. Se todo mundo não vende, fica todo mundo meio ‘cabisbaixo’, meio triste, porque se não fecha a cota também, uma empresa não vai só ficar pagando o salário se você não tem cota para cumprir, então você tem que cumprir a cota. Você tinha a cota e a meta ali dentro do mês e eu vendia livros. Aí a gente, onde tinha prédios, falava com o porteiro, pedia autorização e ele permitia a gente entrar para bater nos apartamentos, mas desde que autorizasse a gente a fazer venda. Então praticamente eu vendia livros por telefone, ligava: “Olha, livro assim, assim, assim, livro assim, assim, a senhora vai se tornar sócia, a senhora tem tantos benefícios de livros, de grau, de tipo de aventura, ficção, infantil, coleção de livros”. Então vendia por telefone às vezes, muitas vezes vendia por telefone: “Espera aí, que eu estou descendo”. Vendia já por telefone lá, o seu peixe, vendia os livros lá por telefone (risos), a mulher já vinha, assinava e se tornava sócia e você já ganhava sua comissão. Aí ia somando lá a comissão, porque aquele recibinho que a pessoa assinava, aí era mais um sócio que a Abril Cultural tinha, que ele ia se tornar sócio de comprar livros por telefone, ou pela pessoa representante do bairro, que ganhava para isso. É como a Abril... como a Avon hoje. Tem as clientes Avon que vão e compram os produtos. Nesse mesmo sentido. Então nessa mesma forma de trabalho, que era esse meu primeiro trabalho, que era campo, a rua. Ia-se na Vila Madalena, onde tinha um prédio, onde todo mundo se reunia, tirava-se dúvidas para onde a gente ia, naquele bairro: “Ah, qual é a sua dúvida? Você tem dúvida do quê? Olha, seu trabalho vai ser dessa forma”. Então a gente mudava um pouco também a forma de trabalhar, porque às vezes você ia em espaço que só tinha empresas, onde havia só indústria, onde havia só prédios. Então você tinha que mudar a forma de estratégia. Essa estratégia a gente já tinha quando você ia para rua. Ia com Kombi, aí chegava na Kombi, soltava todo mundo ali, aí tinha uns pontos de encontros na hora do almoço, pegava todo mundo, levava para almoçar e depois trazia de volta e cumpria o horário de trabalho à tarde, do mesmo jeito. Essa forma. “Ah, choveu? Não dá para fazer aqui, tem que ir para o shopping”, aí ia fazer venda no shopping, nas lojas. “Ah, está muito sol, não tem como, está insuportável, o sol está muito quente, não dá. Ah, vamos arrumar um outro espaço”. Tipo uma galeria, algo do tipo, para fazer venda de livro. Então ia-se para vários locais e a gente, conforme o itinerário, vinha, de trabalho, a gente se organizava de acordo e assim a gente ia se ajustando e sempre no intuito: vender livros. O intuito era vender livros e fazer sócios, fazer livro e sócios, já tinha que sair com essa mentalidade: “Eu vou para rua para fazer livros... para fazer sócio para empresa e vender livros”. Então já tinha que sair com essa mentalidade, com esse foco já, é foco na mente já, que é vender e fazer sócios para empresa, para Abril Cultural. E nesse período aí eu fiquei sete anos, mas na empresa mesmo, na Paulista, se eu fiquei cerca de sete, oito meses foi muito, não fiquei muito tempo lá, não porque, como eu vendia muito, eu ficava meio agitada, e ficava muito parada lá dentro. Parada aqui, a gente ficava só separando livros, organizando livros que vinham para poder ter saída, arrumando as caixas, para poder... das pessoas que tinham comprado. Então eu não gostava muito, não, gostava de ir para rua. Acho que é por isso que eu me dou bem na cooperativa hoje, esse trabalho da rua, em contato com as pessoas. Então eu tinha esse jeito e contato com as pessoas, então podemos dizer que o meu foco foi vender livros e vendi bastante, ganhei muitas medalhas, ganhava prêmios pela quantidade livro que você vendia, nesse período aí de medalhas, pelo que você tinha feito no decorrer daquele mês. Aí tinha as festas, as comemorações, troféuzinhos para incentivar a você ter um gás para o mês seguinte. Então através das medalhinhas, dos prêmios, de tudo. Tanto que eu trabalhei grávida na sexta-feira e ganhei no sábado (risos), normal, como se nada estivesse acontecendo e aquele pique do dia a dia para lá e para cá, e lógico, aí já era mais lento, era mais devagar, porque o peso já estava um pouquinho mais diferenciado, por causa do peso da gravidez, mas não tive aquela coisa que o pessoal chama da preguiça, não, isso eu não conheço, não tive a preguicinha da gravidez, não. Então tive força de vontade e trabalhei normal, aí a minha menina nasceu e continuei no ramo do trabalho.
P/1 – Você lembra de algum livro marcante, para você?
R – Monteiro Lobato. Todos nós ganhamos, no final do ano, quem teve a maior pontuação foi premiado pelo dono da empresa, na época, por um grande diretor, ele me deu um troféu e me deu essa coleção. Nossa, para mim foi marcante ganhar a coleção do Monteiro Lobato, ela passou de geração, eu li todos os livros com a minha mais velha, li para minha do meio, li para minha caçula e hoje esses livros estão na casa da minha filha mais velha, para minha neta. Então isso é uma relíquia familiar, então é a coleção Monteiro Lobato, eu tenho paixão por aqueles livros e é o que ficou na minha memória, foi esse livro marcante que eu ganhei desse grande diretor aí, da Abril Cultural, que ele não era uma pessoa muito de se mostrar para os funcionários, isso era uma coisa muito rara, era mais para os diretores, para os grandes. Mas a gente, assim, em vista, era tão pequenininho, trabalhava na rua com as pessoas, contato com as pessoas e ele se propôs, nesse dia, a gente nem esperava, chegou assim no final do ano, na festa de final de ano com um troféuzinho e os livros. Então, para mim, foi o máximo esses livros, os livros do Monteiro Lobato.
P/1 – Como foi a gravidez, sua primeira gravidez, se tornar mãe, esse momento?
R – Mãe... ah, para mim foi tudo bem surpresa, porque eu nem sabia que estava grávida (risos). Não sabia, porque era muito magrinha. Muito magrinha, não observei esse processo da gravidez, quando eu descobri, eu já estava entrando no segundo mês. Esse processo de um mês para o outro, aquela coisa da mulher, não teve o sinal dizendo: “Acabou aqui e vem uma gravidez”. Não, estava tudo normal, no segundo que a mulher percebe: “Opa, tem algo diferente”. Aí eu fui ao médico e descobri que estava grávida, já no segundo mês de gravidez. Foi quando a empresa soube e aí teve certos cuidados. Aqui, em tal lugar, ela não vai mais, tal lugar ela não pode muito. Então teve um certo cuidado, nesse período da gravidez. Mas tive uma gravidez tranquila, não tive problemas na gravidez, em si. Não fui uma pessoa que teve problema, que teve que descansar o período da gravidez, não, tanto que eu trabalhei sexta-feira, normal. Eu lembro que nós tivemos um jantar, que tínhamos isso também na empresa, os que vendiam mais, no decorrer do mês, às vezes não era prêmio, não era medalha, não era ganhar alguma coisa, era uma churrascaria, juntava todo mundo. Aí eu lembro como se fosse hoje. Uma sexta-feira, todo mundo lá junto, eu lembro que eu comia e andava umas dez vezes, comia um pouquinho e andava, comia um pouquinho e andava. Já estava meio anormal aquela semana. E ‘tá’, ‘tá’, aí eu falei: “Meninas, eu tô tão cansada” “Rosa, você não cansa, não reclama de cansaço”. Eu falei: “Não, mas hoje eu tô me sentindo cansada. Sabe que eu tô me sentindo cansada? Eu tô entrando na...”, porque até então faltavam ainda duas semanas que eu ia me afastar, mas não deu tempo. Eu trabalhei na sexta-feira, fui nessa churrascaria com a galera toda, todo mundo se divertiu, todo mundo riu, brincou e tudo mais. Eu lembro que eu comia uma coisinha e andava, comia uma coisinha e andava (risos). E no sábado, no período da noite meu esposo ia trabalhar, eu falei: “Você não vai trabalhar, não, não tô legal, não”. Aí foi quando já foi a hora, na época ainda não tínhamos carro, não havia carro ainda, não tinha carro. A vizinha tinha um carro e ele chamou a vizinha, me acompanhou. Foi quando a minha menina nasceu, no Hospital Guarujá, em São Paulo, que eles chamam de Hospital Jaraguá, Guarujá, São Paulo. É bem antigo. E o nosso convênio era lá na época e foi onde ela nasceu. Mas tive uma gravidez boa, não tive problema com a gravidez, em si, de ter que me afastar antes, essa coisa toda, não. Foi uma gravidez tranquila, tanto que eu trabalhei na sexta-feira e ganhei no sábado, tudo muito rápido.
P/1 - Como foi ganhar a Priscila?
R – Como foi ganhar a Priscila, a mais velha? Olha, foi coisa nova, se tornar mãe, ter aquilo que a minha mãe, é importante, sempre dizia: a família, dos filhos, da presença, de estar junto, de cuidar dos filhos, aquilo que uma professora sempre dizia: “Vamos criar bons cidadãos, vamos criar boas pessoas, vamos se tornar boas pessoas”. Então foi nesse intuito que teve um pouco de susto: como criar uma criança? Se tem que trabalhar, como vou trabalhar com uma criança, como vou fazer agora, se tem que trabalhar? Aí foi quando a minha irmã mais nova, a caçula, que somos duas mulheres e dois homens, veio me ajudar, me apoiar. E ela ficava comigo para cuidar da minha menina. Aí como tinha uma tia que morava próxima, uma tia próxima, tia madrinha, podemos dizer, não tia de sangue. A chamava de tia, mas era madrinha. Então ela morava, a nossa casa era bem pequenininha, então não tinha espaço para minha irmã dormir. Então ela ficava com a minha menina nessa casa da minha madrinha, que depois se tornou comadre para poder cuidar da minha menina, para eu poder trabalhar. Então praticamente ela me ajudou na criação da minha mais velha, nesse período aí de uns bons anos, me apoiou, me ajudou bastante nesse período aí, para poder voltar a trabalhar. Porque hoje, a maioria das mães, se não tem com quem deixar os filhos, tem que deixar o emprego. Então na época eu tive apoio da minha irmã mais velha... mais nova, nesse sentido de me ajudar. E eu, por ser a irmã mais velha, ela foi bem solidária, ela ainda não tinha família, nem nada, não tinha filhos, nem nada, então ela pode me auxiliar bastante. Então foi esse período aí.
P/1 – Quando você voltou a trabalhar, você voltou para a Abril ou foi para outra…?
R - Voltei para a Abril Cultural. Lá eu fiquei um bom tempo, fiquei sete anos, fiquei um bom tempo. Ainda o mesmo trabalho, na rua, vendendo livros, tomando chuva, cachorro, (risos) tudo aquilo que é loucura para quem trabalha na rua, em vários aspectos de trabalho da rua. Aí depois veio a minha do meio. Aí depois que nasceu a minha do meio, eu já me envolvi com o meu trabalho de órgão público. Fui trabalhar para projetos sociais, de órgãos públicos. Trabalhei para algumas cidades e aí depois fiquei em Itapevi. Aí fui convidada a trabalhar em vários trabalhos sociais. Na entrega de leite, foi um trabalho que eu fiz, na entrega de leite, na entrega de cestas básicas, sempre trabalho mais voluntário. Porque, como já havia duas meninas, eu não tinha muito tempo para trabalhar, aí eu me afastei do trabalho. E nesse período, até, a minha do meio cresceu um pouquinho mais, para eu poder voltar para o campo de trabalho, eu fiz alguns trabalhos sociais. Trabalhei na parte social de entrega de leite da prefeitura, na parte social de entrega de cestas básicas, de fazer também outros tipos de trabalhos sociais com a comunidade, então me envolvi nessa parte. Até que um dia tive um trabalho em que eu fui convidada para trabalhar num cargo um pouco mais de responsabilidade, no próprio órgão público. Naquela época todas as secretarias eram juntas ainda, não eram separadas. Então na época Engenharia, CDHU e Meio Ambiente eram uma coisa só, era uma única secretaria, com um único secretário, mas ele respondia por todas as secretarias. E hoje não, hoje são todas separadas, cada uma com seus secretários. E, naquela época... será que pode enxugar?
P/1 – Pode!
R – Pode, né? Aí a... deu um branco agora... então, a prefeitura, naquela época houve um convite, nós estávamos com aquela época da pandemia muito forte, mas não a pandemia de agora. A pandemia que foi muito séria aqui na nossa cidade, que foi... como podemos dizer? Da dengue. Aqui na cidade a gente chamava de “pandemia”, mas da dengue. Ela tomou conta da cidade, então teve que chamar várias pessoas para ser contratadas, na parte da Saúde. Tinha que fazer a provinha, tudo direitinho, aí eu fiz a prova e passei na prova. Mas não como funcionária pública, assim como contratada, por 24 meses, para fazer trabalho na parte da Saúde. Saímos em equipe com a prefeitura, na época com a Kombi da prefeitura e onde os meninos levantavam os bueiros e a gente tirava tipo uma conchinha, as águas e colocava nos vidrinhos. Todo mundo muito bem equipado, uniformizado. É por isso que hoje lembra muito, quando vê a loucura da pandemia, isso me lembra muito a época, porque a gente estava com aquela roupa, com máscara, com óculos, então lembrou muito aquele período. Que ficou muito séria, tanto que teve até uns produtos que tinha que abrir os apartamentos, jogar lá e as pessoas ficarem quarenta minutos, não podia ficar cachorro, pessoas e animais no mesmo espaço, para matar. Tomou conta da cidade, em algumas áreas, principalmente nas áreas da comunidade, que tudo é mais exposto, as galerias tudo abertas, então tem esse contato da água muito próximo à comunidade. Então nessas áreas foi onde a gente mais ficou, para poder fazer tipo uns relatórios, ficava a menina fazendo relatório e a gente puxando essas ‘aguinhas’, colocando os vidrinhos, para saber como é que estava o grau de dengue na cidade, que tinha muita gente doente, muita gente. E nesse período desse contrato, eu fiquei um ano, um ano. Quando entrou o segundo ano para fechar esse contrato, eu peguei dengue. Aí eu me afastei, precisei ser afastada. Quando foi o período que fiz o exame, que podia voltar para concluir o contrato, aí foi quando a secretaria não me permitiu, a Saúde, falou: “Não, você vai pra qualquer secretaria, você não pode ficar com a gente, não, que é perigoso você pegar dengue de novo, na rua. Seu contato é muito próximo, mesmo se todos muito bem equipados, mas vai ficar um local ou outro exposto e você pode ser picada de novo e pegar dengue, é perigoso. Porque tem a hemorrágica, que é a mais preocupante”. Aí fiquei: “Então tá”. Aí: “Não, vai para casa, depois a gente decide para onde você vai”. Eu fui, era uma segunda-feira, terça-feira, conclui a semana em casa, voltei de novo para a secretaria, na semana seguinte. “Não, você não pode ficar aqui, a ordem é...”. Aí foi quando chegou uma moça, essa moça faleceu de Covid, era da prefeitura, uma pessoa muito bacana, muito triste, o ano passado fiquei sabendo que, no final do ano, ela acabou falecendo de Covid, pegou e não escapou. Uma coisa que lembrou muito, lembrei bastante, foi quando isso ocorreu com ela, do falecimento dela, por causa da Covid, o que aconteceu com ela. Aí o que aconteceu com ela, o falecimento, o Covid e eu lembrei do passado, que ela entrou nessa secretaria que eu estava, falou: “Olha, eu tô precisando de alguém. Você se incomoda de trabalhar na Secretaria de Meio Ambiente, SDU Engenharia, para fazer café?” Eu falei: “Não, de jeito nenhum, eu preciso trabalhar e eu sei que, se eu não concluir o contrato, eu não tenho salário no mês e eu preciso voltar a trabalhar. E eu tenho duas crianças, preciso ajudar o marido e a gente está construindo… a gente precisa. Então não dá, eu estou pagando um terreninho, preciso muito voltar a trabalhar, não importa onde” “Ah, então tá bom, eu tenho vários locais, você pode ir?” “Para onde você quiser que eu vá” “Ah, então tá bom, então eu vou combinar com você”. Aí a secretaria a autorizou a conversar comigo, nós fomos descendo. Tem a outra secretaria ali embaixo, tinha um espaço de sala e conversamos. “Primeiramente, você vai trabalhar no cemitério da cidade”. Aí na hora me deu um susto, tinha um pouco de receio e hoje, graças a Deus, não tenho mais problema. Mas tinha um pouco de receio da questão de trabalhar no cemitério. “Você vai lá pra trabalhar, para ajudar. Você trabalha, você entende de datilografia?” Na época não tinha computador. “Sim, sei sim. Trabalhei um tempo, conheço um pouquinho, porque eu fiquei seis meses para oito meses na Abril Cultural, na época, na empresa e na empresa eu tive que aprender e lá eu aprendi. Não fiz curso não, eu aprendi na raça, porque eu precisava, mas acho que o pouco que eu sei acho que dá para fazer lá” “Ah, então tá bom, então você vai lá para fazer”. E eu fui para lá e lá fiquei um ano. O meu contrato acabou, entrou o ano seguinte e eu continuei, fiquei um ano. Aí foi quando eu achei que ia ser dispensada. “Não, agora vamos fazer outro contrato para você, de mais dois anos. Você vai sair daqui e você vai para uma outra secretaria, trabalhar na parte de vistoria da prefeitura. Tudo bem para você?” Eu falei: “Tudo bem. Para mim, trabalhar não importa onde, vamos que vamos”. E para mim foi muito bom, foi uma experiência de vida. Então eu saí de uma coisa que era dedetização, fui para a Abril Cultural. Internamente aprendi uma coisa que, no futuro, acabou me ajudando, que foi datilografar. Aí fui para a rua vender livros, que isso acaba ajudando hoje o processo de uma cooperativa, o contato com as pessoas, como destrinchar isso, esse contato olho no olho, como isso é importante. E nesse trabalho lá eu fiquei mais um tempo, aí foi quando, no ano de 2000, veio a história de fechar o lixão da cidade. O nosso lixão da cidade tinha 25 anos, foi um dos maiores da cidade de Itapevi e lá o Ministério Público exigiu da prefeitura um funcionário que não fosse concursado, para acompanhar. Então, podemos dizer: a Rosa estava no local certo, na hora certa e tudo casou, as informações. E, nessa brincadeira, eu fiquei dois anos dentro do lixão da cidade, fazendo o meu trabalho, respondendo para a secretaria, na época SDU, Engenharia e Meio Ambiente, junto com as meninas que, na época, era Promoção Social e hoje é Assistência Social. E nós fomos fazer esse trabalho a campo, saber de onde eram as pessoas, quem eram as pessoas e de onde todos eram. Que, na época, foi mais ou menos cerca de…
1:22:39 - 1:22:53
P/1 – Como foi esse trabalho no lixão? Qual era sua função?
R – Então, aí depois que eu tive esse trabalho da parte da Saúde, do período da dengue, da época da cidade, aí veio o convite, depois que eu tive o processo da dengue, que passou, eu fui fazer esse trabalho internamente, com a parte de cafezinho, fui fazer cafezinho. Aí depois do cafezinho, veio o convite pra trabalhar na parte... que antes dessa história tem a parte também do computador, que para mim ainda era um bichinho de sete cabeças. Aí eu fui trabalhar e conhecer o que era um computador. Já tinha um pouquinho, já sabia um pouquinho o que um fazia, outro fazia, outro fazia, porque na Abril Cultural já tinha uma, duas pessoas que tinham computador e eu era curiosa, esse era um hábito meu, ser curiosa para o aprendizado. Eu tinha curiosidade por aprender. Então eu via lá as pessoas mexendo no computador, achava interessante, já chamava o rato do mouse: “Que rato? É um rato? Ah, é um mouse, um rato. Interessante”. Então, um pouquinho aqui, um pouquinho ali, isso tudo serviu para o futuro, quando eu fui para a prefeitura fazer esse trabalho. Trabalhei, saí do cemitério, do cemitério fui fazer esse trabalho, ajudando a senhora do café, que é uma senhora muito idosa e estava para aposentar e não tinha ninguém para apoiá-la até o retorno da moça voltar. E essa moça hoje é a sogra da minha filha mais velha. Essa senhora que estava de férias, eu fui, então saí daqui e fui trabalhar lá, que é a Dona Maria, que é a sogra da minha menina hoje. Que, por incrível que pareça, quando... vamos voltar, né? Porque é muita coisa, depois eu falo da filha e dessa senhora que eu fui fazer cafezinho, fiquei um mês ajudando essa senhora que estava para aposentar e a moça que estava de férias, que no futuro se tornou da família, que é hoje a sogra da minha filha mais velha, Priscila. Então, nesses trinta dias, foi quando apareceu a oportunidade de ficar internamente dentro da prefeitura, trabalhando na parte de Engenharia, que já se falava muito em fechar o lixão da cidade, esse que durou 25 anos. Aí, conversa daqui, conversa dali, foi quando eu fui a campo, mesmo. Aí foi quando eu fui, trabalhei interno e foi mais, praticamente, externo. Aí foi quando eu fiquei o período do lixão, fazendo o cadastramento para saber de onde as pessoas eram. Aí se descobriu que daquelas quase... então, no período do cadastramento do lixão, foi identificada de onde eram todas aquelas pessoas. Que tínhamos três turnos: tinha uma turma da manhã, uma turma da tarde e a turma da noite. À noite havia mais pessoas, que muitos trabalhavam e iam para o lixão na parte da noite, trabalhar lá também, para tirar os seus resíduos, que na época eles chamavam de “muamba”. Resíduo reciclável na época do lixão era “muamba”, não era resíduo material reciclável, que hoje tem essa linguagem, por ser cooperativa. Antigamente era assim: “Eu junto, eu vendo, é meu”. Na cooperativa não: “Eu vou buscar, eu vou triar, eu vou compactar, eu vou vender e é nosso”. Então foi uma linguagem de conhecimento que veio no futuro, no fechamento do lixão. Nós iniciamos, na época, a CMR Itapevi, a cooperativa, com noventa pessoas. Mas foi uma época de conhecer ainda como iniciar a cooperativa. Então, nós fomos nas cooperativas que hoje fazem parte da Rede Verde Sustentável, que onde a CMR também faz parte. A Viva Bem de São Paulo, fomos conhecer. Fomos conhecer a outra cooperativa, a de Embu das Artes, a Coopermap, saber como era esse mundo da reciclagem, que já são cooperativas mais antigas. A Coopermap tem mais de trinta anos de vida, de Cnpj. A Viva Bem deve, se não está chegando, mais ou menos ou até passando de trinta anos, são as mais antigas do estado de São Paulo. Então aqui a prefeitura colocava as pessoas nos ônibus…
1:27:16 - 1:27:37
P/2 – Rosa, você falou que tinham os horários lá na cooperativa. Quem determinava os horários que as pessoas iam de manhã, tarde e à noite? Eles mesmos?
R – Então, lá no caso eram eles mesmos, porque o lixão era de céu aberto, podemos dizer. Aberto, exposto ao céu, exposto a tudo, ele não tinha barreiras, portões. Eles eram abertos, os lixões da cidade de Itapevi, que foi o que durou 25 anos. Então alguns cooperados da cooperativa hoje, da CMR, fazem parte desse lixão, tem o lixão na vida deles, porque eles trabalhavam lá, eles iam lá catar os materiais reciclados que os caminhões descarregavam. Quando os caminhões descarregavam o material, eles chamavam Itapevi com... era o aterro sanitário, que para eles era o aterro, aterro sanitário, hoje é um local particular, que nós temos um na cidade, depois que fechou o lixão. Então eles tinham vários nomes que eles davam para o aterro sanitário, mas não, era lixão mesmo. Onde tinha cachorro, cavalo, as pessoas moravam naquelas lonas pretas. Sim, eles moravam ali dentro, então uns já tinham residência. E outros já vinham só para trabalhar. Então esse trabalho, nesse período que eles ficavam, eles separavam os seus resíduos. Aí vinham os caminhões para os “aparistas”, que eles chamam, os atravessadores, eles vendiam os materiais deles para os ferros velhos. Então: “Eu junto, é meu, é meu, é meu”. Numa cooperativa não é assim, é um outro tipo de pensamento. Esse período que eles ficaram lá, eles vinham a hora que eles queriam, a prefeitura não proibia, porque tudo era descartado lá. Tudo era lá. Lá eles diziam que era o mais rico da cidade, porque todas, o Alphaville descarregava em Itapevi. Santana de Parnaíba vinha para Itapevi. Cotia vinha para Itapevi. São Paulo vinha para Itapevi. Tudo despejava aqui. Naquela época nós tínhamos, mais ou menos, da própria cidade e de fora, uma média de setenta a oitenta caminhões por dia, que circulavam dentro da cidade, para levar para essa área, é uma área muito grande. Hoje, se for casa popular, acho que cabem umas duas mil casas populares. Foi um dos maiores da cidade e tudo clandestinamente, então tudo era lá, tudo se jogava lá. Era onde eles iam, eles viam que lá era possível ter uma quantidade melhor de material e poder fazer venda de resíduo, de material, que chamava, na época, de “muamba”. Não chamavam de “material reciclado”, chamavam de “muamba”. Então nesse período de cadastrar de onde era, foi quando veio a lei que os lixões iam fechar mesmo, de fato, em 1988 para 1989. Ia fechar, ia fechar, ia fechar, ia fechar. Aí foi quando, naquela época, além do cadastramento, descobriu de onde o povo era. Aqui da cidade devia ter umas trezentas, só. Aí como a gente diz para uma pessoa que está no local, que para ele é o sustento, o emprego, que é a visão que ele tem, que vai fechar e ele vai ficar sem nada? Aí foi quando a gente começou a ter essa aula na prefeitura: “Ó, vai lá e diz para ele brigar pelo direito dele, na cidade dele. Vai fechar, tem que tirar esse povo de lá, você tem que ser mais firme”. Aí a gente começou a ser um pouco mais firme com eles: “Ó, você vai para Santana de Parnaíba e exige o seu direito, vai montar cooperativa lá. Vá lá e brigue com o seu prefeito”. A gente começou a mandar as pessoas e isso aconteceu. Tanto que tem pessoas daqui que tem cooperativa, tem a Cooperativa Avemare, que veio do lixão da cidade de Itapevi. Cotia a mesma coisa, Osasco, São Paulo, Embu, Taboão. Então foram cooperativas que nasceram, mas com pessoas que tinham a sua trajetória na cidade de Itapevi. E quando a gente sabia que eles eram de lá: “Vai para lá brigar por seu direito, vai exigir o seu direito lá. O lixão vai fechar, vocês não vão poder mais ficar aqui”. Aí foi quando, no ano de 2000, o lixão desativou de vez, ele foi lacrado. Lacraram tudo ao redor, colocaram polícia e guarda, para ninguém entrar mais, nem clandestinamente, nem as pessoas mais. Porque, se não tem material, as pessoas não vão. Enquanto estava indo na madrugada, na calada da noite e jogava lá, eles corriam lá e sabiam, porque os caminhões faziam barulho na madrugada, então eles corriam lá. E a prefeitura não conseguia mais segurar as pessoas, aí foi quando, então, barrou. A prefeitura, junto com a polícia, na época, com a guarda: “Não entra mais, não entra”, para poder fechar de vez. Porque tinha que fazer a parte também ambiental do espaço, até a questão do chorume, do gás, que tinha que começar a fazer esse trabalho. Que, na época, tanto o Ministério Público exigindo, quanto também a Cetesb, pressionando o prefeito. Que, na época, era uma mulher, pressionando a prefeita 24 horas, que tinha que fechar, que tinha que fechar e ia fechar. Aí foi quando, então, veio a questão da cooperativa. Mas como você monta uma cooperativa com noventa pessoas sem nada, só com a cara e a coragem? Com a barriga vazia, sem salário, sem emprego, sem material? Não é assim. Aí as pessoas foram se dispersando. Dispersa hoje, dispersa, dispersa, dispersa, só ficou mesmo aqueles que, com a cara e a coragem, quiseram ficar mesmo. Na época ainda pela prefeitura, eu tinha o meu salário pela prefeitura, fazendo meu trabalho pela prefeitura. Aí foi quando, no ano que a cooperativa ia nascer, em 2003, o meu contrato acabou. Aí foi quando a prefeita, na época, falou: “Olha, se você sair, abandonar, vai virar pó, porque essas pessoas só enxergam você aqui dentro, eles não enxergam a nós, a prefeitura. Porque você está desde o começo, você foi lá, você conversou com essas pessoas, você ficou dois anos dentro do lixão, eles te conhecem”. É tanto que me conhecem, que estão até hoje alguns comigo aí ainda, me conhecem desde a época do lixão, fazendo trabalho pela prefeitura. Então através do cadastramento, conhecer quem é, quem é da família, quantos filhos tinha. Aí foi quando foi apoiar, de que forma que a prefeitura apoiou? Naquela época teve o tal do leite, ganha leite, a cesta básica, colocar os filhos nos programas sociais que tinha, Jovem Aprendiz, jovem outras coisas que havia, na época. Foi a forma de ter uma renda para ajudar essas famílias, até a transição da cooperativa nascer de vez e de fato. Mas é aquela coisa: cara e coragem não seguram pessoas. Aí foi quando eu falei: “Gente, não tem como”. Aí foi quando, em 2003, um galpão como este que estamos hoje, sem nada dentro, um olhando para a cara do outro, com a marmita na mão, ia esquentar onde? Ia trabalhar de que forma? E na época meu contrato já tinha acabado, já fazia uma semana, estava como a prefeita havia pedido: “Não os abandona, você vai ser a ponte entre a prefeitura e eles. Eles não têm estrutura para vir à prefeitura e exigir nada, cobrar nada e você sabe como nasceu a cooperativa, você sabe como tudo isso aconteceu, você vai ser a pessoa certa. Você não pode abandonar”. Então podemos dizer: eu peguei para mim, né? Aí vem a fé, aí vem a minha religião, pedi para Deus: “Senhor, será que é isso mesmo?”.
P/2 – O espaço do galpão foi a prefeitura que cedeu?
R – Também. A cooperativa, depois, teve o TAC, Termo de Ajustamento de Conduta. Então a cooperativa não é que a prefeitura ajuda porque ela é boazinha não, ela ajuda porque tem uma lei que a obriga. Aqui tem um TAC e ele é por tempo indeterminado. O nosso TAC não tem tipo: cancelamento e encerramento e a prefeitura acaba. Não é assim, não. Aqui tem um TAC por tempo indeterminado, enquanto um cooperado disser que ele é cooperado, a prefeitura tem que cumprir o TAC. Todo ano, não no período do Covid, eu recebo o pessoal do Ministério Público, eu respondo pela prefeitura, de certa forma, pela cooperativa, se eles estão cumprindo o que diz o TAC. O TAC está lá de que forma? Ele foi acionado pela juíza, na época, dando poder à cooperativa sobreviver com apoio da prefeitura, com caminhão, água, luz e aluguel. Então são quatro coisas que a prefeitura tem obrigação de fazer para a cooperativa devido ao TAC, que é por tempo indeterminado. Enquanto a cooperativa existir, ela pode brigar por esse direito, isso é tudo documentado, tudo direitinho. Então a prefeitura sabe, ela não faz porque tem uma bondade do outro lado, por um órgão. Não, ela faz porque existe uma parceria, tem um comprometimento. Lógico que todo comprometimento, todo documento, tudo que é documentado tem também uma responsabilidade. Uma prefeitura não vai apoiar uma cooperativa que ninguém quer nada com nada, não vai também apoiar uma cooperativa que todo mundo faz o que quer. Não. E que é toda bagunçada e não tem nenhuma documentação jurídica. Também não é assim. Nós somos parceiros, mas com compromisso e responsabilidade, a prefeitura faz a parte dela. Mas, para ela manter a parte dela, ela quer que a cooperativa tenha avanço. Se ela não consegue manter mais que 22 pessoas, que é o que tem hoje, está ótimo. Mas o que ela faz para manter esses 22? O que ela cresceu? O que ela fez para avançar, para manter esse 22 dentro da realidade que vivemos hoje, dentro da lei de trabalho? Porque a cooperativa não é mais da época. Na época era cooperativa de produção. Mas aí a lei entendeu: “Ué, mas produzir o quê? A cooperativa não produz nada, ela não só coleta, prensa, vende e compacta? Então tem que tirar”. Aí veio a Lei 12.690, que é de 2012, dizendo para que as cooperativas mudassem a palavra “produção” para “trabalho”, porque nós fazemos apenas função de trabalho. Nós fazemos o trabalho. É o trabalho do coletar, o trabalho do triar, é o trabalho de armazenar, é o trabalho do vender, é o administrativo, é trabalho. Então nós estamos dentro da linguagem da nova lei, estamos dentro da lei de trabalho, que é a 12.690. Então foi mudando, foi se adequando ao que vem nos critérios da lei. Então lógico que eu entendo, o grupo entende, a cooperativa entende, as pessoas que fazem parte do grupo da CMR Itapevi entendem que para a prefeitura manter a parceria dela, nós temos que fazer a nossa parte. Uma prefeitura não vai investir, manter um caminhão numa cooperativa que todo mundo fica parado, olhando um para a cara do outro e que ninguém vai fazer a sua obrigação. Sua obrigação não é coletar? Então tem que coletar.
P/2 – Mas e a parte burocrática, Rosa? O que vocês precisam fazer de parte burocrática __________?
R – Então, hoje a Cooperativa tem que estar redondinha. Documentada, com contabilidade. Hoje as cooperativas têm que ter contador, Inss, todos os cooperados têm que ter acima de dezoito anos. Temos que cumprir a lei de trabalho, que estamos na Lei 12.690, que é a lei de cooperativismo, que é a 12.690. Ata, estatuto, todas as certidões, todas redondas. Hoje a gente faz emissão de MTR. O que é MTR? Manifesto de Transporte de Resíduos. As empresas mandam para as cooperativas e nós temos que ter cadastro, para fazer para os compradores. Então as empresas também não estão doando mais resíduos, se a cooperativa não estiver redondinha. Ela tem que ter ata, tem que ter estatuto ou já tem que fazer emissão do MTR, de transporte de resíduos, Manifesto de Transporte de Resíduos, que são os não rejeitos e não perigosos. Porque nós temos que estar nessa linguagem. Com cadastro na Cetesb, todas as certidões redondinhas. Temos que provar, por A mais B, que a cooperativa só recebe resíduo reciclável. Por isso que existe o MTR. Então tem todo esse trajeto administrativo, que isso não é só importante para a prefeitura, é para os parceiros. Como hoje a CMR Itapevi faz parte da Rede Verde Sustentável. Tô na gestão, como presidente, tanto da CMR Itapevi, quanto da Rede Verde Sustentável. Hoje temos sete grupos, estamos com mais de trezentos cooperados nessa rede, estamos com um projeto com a Avipec. Temos a Boomera, parceria com a Tetra Pak. Temos parceria com várias empresas, vários projetos e o que a gente entende é o profissionalismo, temos que ter isso, é o profissionalismo do trabalho administrativo. Então vem uma empresa que quer fazer a doação do material, primeiro ela quer saber: “Você tem toda a documentação?” “Não, não tenho” “Então como eu vou fazer isso? Como eu vou prestar conta, se eu tenho que fazer uma devolutiva para a minha empresa, na parte social? Não, eu estou doando porque eu sou boazinha? Não, estou doando para uma cooperativa”. É o que eu faço hoje, eu vou lá falar do nosso trabalho. Hoje eu dou palestra, eu falo do nosso trabalho, como funciona a cooperativa, como funciona a rede, como é o dia a dia de um cooperado. Isso eles veem num Datashow, como eles vêm presencialmente na cooperativa e vêem isso também. Eles vêm conhecer, ver como funciona isso, de fato. O nosso trabalho, o nosso dia a dia, o crescimento da cooperativa. Hoje uma cooperativa que, lá no passado não tinha nem um caminhão, o caminhão demorou para vir, mas foi uma briga. Não é porque o TAC dizia que tinha, que tinha. Não, não é assim. Colocou todo mundo no galpão que não tinha nem um esquentador de marmita. Eu falei: “Gente, olha, vamos todo mundo pra casa? Vamos pra casa, eu tenho que voltar na prefeitura. Aqui precisa de um fogão, precisa de uma geladeira, precisa de um gás. Vai esquentar comida como? Mas eu sei que vai ser uma luta, mas eu vou lá”. Fui lá na Secretaria da Assistência, na época ainda era Promoção, falei com a secretária, uma pessoa muito do povo, a forma de tratar as pessoas: “Olha, eu quero isso aqui. Anotei, está aqui, ó. Não tem computador, não tem nada, anotei no papel todas essas coisas aqui” “Como vocês precisam?!” “Preciso! Eu tô com 36 pessoas lá que chegaram um olhando para a cara do outro e vai esquentar comida onde, na mão? Ou melhor: eu vou pegá-los e trazer aqui para a senhora, posso colocar no esquentador de vocês aqui, 36 marmitas?” Ela olhou para a minha cara e falou assim: “Não, você não pode trazer, não são funcionários públicos” “Então, eu preciso de ajuda. Preciso de um fogão, preciso de uma geladeira, preciso disso” “Não, mas não tem” “Tem, tem, almoxarifado. Lá tem tudo que eu preciso. Eu quero que a senhora autorize. E eu não saio daqui, não arredo o pé, enquanto a senhora não autorizar. A senhora disse que não estaria presente? A senhora, lá no testemunho, no dia da inauguração, o que foi que a senhora falou? Que contem comigo, conte com a minha secretaria, eu vou ajudar no que for possível. Pois agora estou aqui, se eu estou aqui é porque eu preciso dessa ajuda. E essa ajuda é o que vai fazer o primeiro passo daquela cooperativa, com aquelas pessoas, porque as pessoas já chegaram desmotivadas e vão continuar desmotivadas e eu tenho que fazer o ânimo daquele povo. Como eu vou partir para algum lugar? Nós vamos partir para onde? É um olhando para a cara do outro, naquela tristeza, com a marmita fria na mão e isso não é vida de ser humano. Já saíram do sofrimento do lixão e vieram para um galpão, um olhando para a cara do outro? Não, não é assim, não é desse jeito”. Aí ela olhou bem para minha cara: “Espera só um pouquinho”. Chamou não sei quem lá: “Faz isso, isso, isso, isso, isso, isso, pega o carro, a coloca no carro e manda ela ir buscar o que ela está precisando no almoxarifado”. E lá eu trouxe um fogão com duas bocas que funcionava, que tinham tirado sei lá da onde. Mas não importa, funcionavam as duas bocas. A geladeira colocamos uma fita de borracha, porque a porta estava meio ruinzinha, mas foi a nossa primeira geladeira. Então foi a primeira geladeira desse jeito, veio esse fogãozinho com duas bocas, a outra secretaria doou o ‘bujão’ de gás. Doou, nem vendeu. Porque ia comprar com o quê? Se não tinha nem salário. Nem recebia salário, ia me vender com o quê? Não, era para doar mesmo. Aí colocou “doação do ‘bujão’ do gás”. Aí doou a geladeira, doou isso, aí tinha uma prateleira: “Não, essa prateleira não pode doar, mas... faz aí e eu assino, assino como responsável”. Essa prateleira de ferro ficou com a gente acho que até uns quinze anos atrás. Para mudança, a que veio como doação, jogou numa caçamba. Durante quinze anos eu fiquei assinando todo ano a responsabilidade dessa prateleira de madeira, uma parte de madeira e uma parte de ferro, que foi a única coisa que a gente tinha para colocar os livros, as pastas, para dizer que a gente tinha um escritório. Era um cantinho assim, bem pequenininho, que ficava no canto assim, uma mesinha, que quem doou acho que foi até uma empresa que jogou no lixo e os meninos trouxeram. Aí ali virou o escritório. A cadeira também foi de outra empresa, que não tinha nem as costas, só tinha um assento, mas não tem problema, começamos ali, esse foi o nosso começo. E o trabalho das meninas, a gente ia fazer o quê? Não tinha o que fazer. Aí um condomínio: “Não, nós vamos ajudar”. Aí nasceu os três condomínios na nossa vida, que estão até hoje: Nova São Paulo, Refúgio dos Pinheiros e Vila Verde. Esses são nossos três pioneiros. Vai fazer dezoito anos que estão com a gente, vai fazer dezoito anos a Cooperativa, esses três condomínios. “Pode vir buscar material” Aí busca material como, na cabeça? Aí fui na prefeitura: “Agora eu quero caminhão. Tem três condomínios que vão doar” “Não, não tem caminhão” “Tem, o TAC diz que tem caminhão. O TAC diz que tem. Tem o telefone aqui também que está dizendo que eu posso ligar no Ministério Público, quando a cooperativa precisar de caminhão”, se não visse o caminhão. “Mas, Rosa...” “Não. Aqui está dizendo que tem caminhão e eu quero o caminhão. Eu vim aqui buscar o caminhão para a cooperativa. Aqui diz que tem e tem que ter, então eu vou buscar o caminhão”. E esse caminhão, com essa pessoa, até ele aposentar, ficou com a gente quinze anos, o mesmo motorista, quinze anos. Na nossa mudança para cá ele aposentou, aí ele saiu da empresa, que é a empresa prestadora de serviço, que hoje é uma outra empresa. Antigamente era uma, agora é uma outra. E ele ficou com a gente quinze anos, esse mesmo motorista. Aposentou, ele dizia que ele era um cooperado sem camisa. Então, na época, quando foi a vinda dos condomínios, precisava de caminhão, precisava de apoio. Aí foi quando eu fiquei sabendo, por um funcionário da prefeitura, que trabalhei muito com ele na época da gestão, na época da vistoria, no período que eu trabalhei na gestão, na época, na parte de iluminação pública. Nesse período que eu fiquei, uma coisa que ajudou muito e ajuda hoje a cooperativa foram bons amigos. Eu fiquei uma trajetória na prefeitura, em todas as secretarias, são funcionários públicos até hoje, muitos se aposentaram, muitos não estão mais na prefeitura, mas eu fiz grandes amigos e grandes amigas. Então, essa porta aberta - que, mesmo que mude de prefeitura, mude de prefeitos - para a cooperativa, através da minha pessoa, é um avanço que a gente teve, é uma porta que ajuda bastante. Então esse contato olho no olho, passar dificuldade, passar os problemas, o outro lado tem esse olhar para a cooperativa, a gente entendeu como é bom ter e fazer amigos. Principalmente na parte de órgãos públicos, que tem essa barreira com os funcionários, eu não tive. Então o período que eu fiquei, com a amizade que eu fiz, isso ajudou bastante nesse período da transição de formalizar a cooperativa. Aí foi quando veio o caminhão, o caminhão só vinha exclusivamente para fazer o condomínio. Ele vinha fazer o condomínio e ia embora, depois ia fazer outro condomínio e ia embora, outro condomínio e ia embora. Era o máximo que a gente estava conseguindo, porque a cooperativa ainda não tinha material. Aí foi quando eu juntei aquele grupo todo e falei: “Pessoal, nós vamos fazer quinze dias que estamos aqui, agora já tem uma semana que a prefeitura só manda caminhão para pontos específicos, que são os três condomínios. Gente, vamos criar coragem? Vamos todo mundo aqui criar coragem? Gente, nós temos um ferro velho do lado, que o cara diz que doa lá umas madeiras, tem umas madeiras, tem tanta coisa em casa. Vamos montar um carrinho, vamos nos virar, vamos dar um jeito, vamos tocar essa cooperativa. Vamos mostrar para a prefeitura que não é só um caminhão para fazer exclusivamente um condomínio que a gente precisa, a gente precisa um caminhão que fique todos os dias e que seja de segunda-feira a sexta-feira, que entre um horário e saia em X horário. Mas para fazer isso, precisa mostrar para a prefeitura. A gente não pode ficar dependendo de três condomínios. Três condomínios, gente, não vai pagar mais nem o suor do nosso rosto, de sair de casa. Em vez da gente ter motivação, a gente vai ter desmotivação, porque a gente não está indo para lugar nenhum. Vamos arregaçar a manga, vamos todo mundo!” Aí olhou um para a cara do outro: “Ah, então eu vou”. Aí um traz uma madeira não sei de onde, busca não sei o que de onde, busca uma lata de ferro, abre-se as latas de ferro e cria-se carrinho. Aí criou os três carrinhos e foram para rua. E outra coisa, eu falei: “Gente, nós temos tanta residência próximas ao galpão, vamos bater nas portas, vamos falar da cooperativa, vamos falar para juntar material, que a gente vai passar”. E foi assim que a gente começou: com três carrinhos, bate na porta de um, na porta do outro, aí as senhoras começaram a saber quem éramos nós, naquela época, coisa de dezoito anos atrás, quase. Saber de onde a gente estava, o que a gente queria e o que a gente precisava. E quanto apoio a gente estava necessitando naquele momento, querendo iniciar a cooperativa, de fato. E foi dessa forma que a gente foi à frente, com os carrinhos, batendo nas portas, juntar o material. Aí os meninos iam com material na casa dessas senhoras e pegava material, colocava no carrinho e trazia para a cooperativa. Aí vem um pouco hoje, um pouco amanhã, começamos a mostrar nossa cara aqui, mostrar ali, aí vinha uma lojinha, vinha um comércio, começou a juntar também. Aí começou mais gente juntar, aí falei: “Gente, vamos começar a fazer diferente para esse caminhão poder ficar mais tempo aqui com a gente. Vamos fazer bairro, vamos fazer um bairro próximo da gente, vamos bater porta a porta, para esse povo juntar, a gente vai, pega material, joga tudo num ponto estratégico, ele vai e pega. Aí esse caminhão vai ficar mais tempo para a gente. Vamos fazer uma tentativa?” “Vamos!” Aí todo mundo: “Vamos, é possível, vamos, vamos sim.” Aí fomos de novo, com a cara e a coragem, num bairro próximo, aí com a coragem, além dos carrinhos, além daquelas pessoas que já estavam juntando, aí fomos para um bairro chamado São Carlos, que é próximo da gente, que dava condições das meninas transitarem, não era muito cansativo, que também tinha essa questão do cansativo para elas. Porque tudo tinha que ser a pé, não tinha condições de pagar um ônibus. Como que ia pagar um ônibus? Não tinha dinheiro nem para comer. Como diziam as meninas: “A gente não tem dinheiro nem para comer, não tem dinheiro para o pãozinho, vamos a pé, com a cara e a coragem”. Aí algumas senhoras doavam uns sacos, uns sacos de rações, aí nós começamos a juntar sacos de rações. Aí esses sacos de rações começaram a servir para as donas de casa, ganhavam de uma e ajudava a outra. “A senhora junta aqueles sacos que a gente pega, junta nesse saco que a gente pega, só para juntar numa caixa de papelão. A senhora pode colocar aqui, pode colocar ali”. Então fomos dando ideias. E foi assim que... aí, esse caminhão: “Não, agora nós temos, olha. Nós já temos aqui, eu fiz o cadastro aqui, tá vendo? Essa é a dona fulana, essa é a dona não sei do que, essa não sei quem”. Aí como nós decidimos fazer, então? Além do bairro e as meninas, que tinham aquela dificuldade, que não tinham nem dinheiro para comprar um pãozinho, aí as meninas falaram assim: “Não, então vamos fazer assim: uma turminha vai de manhã, volta para almoçar, aí vai estar todo mundo cansado, aí vai outra turminha”. E a gente fez o rodízio. Fizemos esse trabalho um dia, dois dias, uma semana. Aí foi quando eu fui na prefeitura: “Ó, nós fizemos aqui em uma semana...”, naquela época a gente nem entendia direito o que era educação ambiental. A gente veio a conhecer essa palavra mais forte hoje. Mas naquela época nós falamos: “Nós fizemos um contato com as donas de casa e elas vão juntar material. Tá aqui o endereço X, o endereço A” “Ah, mas não tem como o caminhão passar, não fazemos”. Não, vamos fazer diferente: nós iremos nesse espaço pegar o material, colocar num espaço único e o caminhão tem que passar” “Não, mas...” “Vai, vai sim, porque agora tem material”. E aí juntávamos tudo e deixávamos na praça. Aí o caminhão ia lá, pegava todo material e despejava na cooperativa. Então, além dos três condomínios, mais aquelas residências com os carrinhos, a gente tinha aquele bairro, que as donas de casa começaram aderir também à ideia. E essa ideia que acabou juntando a gente: “Opa, vai dar certo, a ideia vai dar certo e vai, possivelmente, aumentar o material”. Aí foi quando o caminhão veio também para aquele trabalho, então toda semana a gente fazia aquele bairro. O caminhão não vinha só para três condomínios, ele vinha para aquele bairro. Aí qual foi a outra luta grande? Empresa. E eu entendia que a gente tinha essa visão das outras cooperativas, que a gente ouviu muito elas falarem, que o que mantém a cooperativa são empresas. Cooperativa mantém qualidade e quantidade de material. Tudo ajuda, mas isso é um dos pontos mais fortes que tem na cooperativa. Eu falei: “Será que é verdade? Eu vou bater nas empresas”. Aí bati numa empresa, não fui recebida, um não hoje. “Ah, está dando não hoje, daqui dois dias volto de novo. Ah, não hoje, volto de novo”. Eu fiquei numa empresa um mês, um mês. Era um “não” hoje, com dois dias volto de novo. Até que um dia uma dessas pessoas, que foi um dos diretores, hoje temos a aproximação dessa empresa. Depois que a cooperativa fez quatro meses de vida, eu fiquei um mês nessa empresa. Eu era funcionária da rua, todo dia eu estava lá batendo cartão. Eu falei: “Essa é a empresa que vai ser a primeira da cooperativa. Se todos os propósitos...” - aí vem a fé, que é importante – “... me mandaram para cá e é ela, é essa a primeira empresa que vai nascer para a cooperativa, essa vai fazer a diferença, essa vai fazer a diferença”. Então foi persistência, persistência, e hoje, amanhã. Até que um desses diretores: “O que tanto a senhora faz aí?” Até que educadamente ele me chamou de “senhora”: “Que tanto a senhora faz aí? Por que está aí todos os dias? Você está procurando emprego? É emprego?” Acho que ele ficou curioso. Eu falei: “Não, eu não tô aqui por emprego. Eu, hoje, trabalho numa cooperativa de reciclagem, represento hoje uma cooperativa...” - que, naquela época, tinha 35, 36 pessoas – “... e essas 36 pessoas, a gente vive da doação de resíduo reciclável. E aqui é uma empresa, eu sei que gera papelão, gera-se um monte de coisa e eu tô aqui nesse fim, para essa finalidade, é para fazer uma parceria de coleta” “Mas vocês têm caminhão para coletar?” Falei: “Temos uma parceria com a prefeitura” “Ah, mas vocês têm galpão?” “Tenho a parceria com a prefeitura. E temos pessoas que precisam de material, sem material a gente não sobrevive. E não tem salário” “Tá, na volta a gente se fala, eu vou para uma reunião”. Aí esse homem saiu, com o carrão dele. Aí fiquei mais um tempinho, veio uma chuva forte e fui embora. Aí com dois dias, voltei de novo, todo mundo me via lá, todo mundo entrava, saía e me via lá, olhava para a minha cara: “Que tanto essa mulher aparece aqui, direto. A cada dois dias já está na porta, a cada dois dias está na porta, cada dois dias está na porta. Será que é emprego? Será que ela está tão insistente porque ela precisa de emprego e ver se alguém dá oportunidade?” Era o que cada um pensava. Mas o único que parou foi esse diretor. E tempo vai, tempo vai, nesse mês dessa insistência nessa empresa, a cooperativa, depois de três meses de trabalho com muito suor, o material deu 99 reais. Como você segura com 99 reais, pessoas, que uns… porque faziam uns biquinhos fora da cooperativa, que senão também passavam necessidade, porque via que a cooperativa não tinha resíduo, então não tinha ainda o que a gente tem hoje, que é regimento interno, regras. Isso a gente colocou depois, com o tempo, mas no começo ainda não tinha isso, só tinha ata, estatuto, mas não tinha regimento interno, não tinha regras de horário de entrada, de horário de almoço, as regras vieram de acordo com o que as coisas foram caminhando. Mas o intuito, no começo, era para arrumar parceria com material, para todo mundo sobreviver no final do mês, isso era o foco na cabeça, isso é o que a gente tinha na mente, não tinha outro. A única forma que a gente tem aqui, então, é partir para essa empresa e é ela que vai abrir as portas para a gente. Aí quando o grupo recebeu esse valor, que o menor salário foi 22 reais e o maior salário foi 99 reais, o povo dispersou. De 33 caiu para, se não me engano, não me falha a memória, quatorze pessoas. No outro dia ninguém apareceu, sumiu. “Como vou trabalhar num local em que eu vou trabalhar três meses, para ganhar nem cem reais? Como é que eu vou explicar para a esposa com água, gás, comida, aluguel, que eu ganhei 33 reais? 99 reais, depois de três meses de trabalho? Como explico isso?” Também até no meu caso foi difícil explicar isso, né? Meu marido perguntou: “E o seu salário?” Eu falei: “É esse aqui” “Você tem certeza que é esse aqui?” Eu falei: “Absoluta” “Mas três meses de trabalho é isso?” “Sim, é isso aqui”. A minha fé era, no momento, a minha direção. A minha direção da minha fé diz que é lá e é lá que eu tenho que ficar, é lá que eu vou ficar e é lá que eu vou voltar amanhã. Como muitos dispersaram pelo caminho, que não voltaram tem dois dias, pode ser que volte, pode ser que não volte, mas eu vou voltar. Como voltei ontem, hoje e eu volto amanhã”. Aí ele falou: “Tá bom, se você acha que é importante, é o que você acredita, então vai. Tem certeza?” Eu falei: “Tenho”. Falou: “Então vai”. Só isso que ele me disse, vai a primeira vez, vai a segunda vez e estou até hoje, quase dezoito anos. E naquela época teve esse processo de conhecimento, como você explicar três meses de trabalho para receber 99 reais e como explicar para um chefe de família, para uma esposa, para um marido, que seja, que você recebeu 23 reais, sua menor hora de trabalho, depois de três meses? Como explica isso? Aí foi quando eu coloquei na cabeça: “Não, é a empresa, aquela empresa vai fazer a diferença”. E dito e feito. Quando fez quarenta dias, depois desse primeiro diretor, outro diretor parou, naquela mesma semana, na segunda-feira eu falei com um rapaz chamado Elói, dessa empresa. Essa empresa está bem próxima da gente, aqui. Essa empresa, esse rapaz falou para mim: “Eu já sei que você precisa de material reciclável, não é? O que a gente puder te ajudar, vamos te ajudar, porque você fica todo dia aqui na empresa a cada dois dias, três dias e isso não é bom para a empresa”. Eu falei: “Não, mas eu não vou sair daqui, que a rua é pública, a calçada é pública, até vocês doarem material para a cooperativa. Vocês são uma empresa farmacêutica, que todas vêm e desmatam uma grande área” e além do mais eu sabia com quem eu estava falando, né? Eu sabia o que estava dizendo, porque eu trabalhei onde vinha a documentação do Meio Ambiente para a empresa e prefeitura, então eu sabia o que eu estava dizendo, sabia até onde eu podia ir. “Então a empresa é isso, é isso, é isso e vocês têm um ato social muito grande com a empresa. Se vocês fazem um trabalho tão bonito e legal com a prefeitura, por que não fazer com a cooperativa também, de doar resíduo? Não precisa de muito material, mas o pouco que vocês puderem ajudar, vocês vão ver a diferença que vai ser para famílias que trabalham lá dentro, para aquelas pessoas que estão lá dentro. Vocês vão ver o bem que vocês vão fazer”. E eu não sabia que, nas minhas costas, tinha outra pessoa ouvindo. Aí a pessoa só fez assim, lembro como se fosse hoje, bateu nesse ombro aqui direito, olhou para mim e falou assim: “Olha, não volta aqui manhã não, volta na quarta-feira. Vou marcar pra você às dez horas da manhã. Você responde mesmo por essa cooperativa?” Eu falei: “Respondo por ela. Juridicamente e judicialmente eu respondo por ela. Sou a primeira pessoa, sou a presidente dela”, na época. “Então tá bom, então você venha na reunião. Vamos fazer uma reunião, então”. E essa empresa é parceira até hoje. O que eu entendi é que, nessa caminhada da gente, de cooperativa, é persistência. É focar em alguma coisa, ver que é importante para o coletivo, que é importante para o grupo e você ir em frente. Não tem outro caminho. É a mesma coisa: muitos ‘nãos’ no condomínio recebemos, muitos ‘não’ em outras empresas recebemos, muitos ‘não’ em vários locais recebemos. Mas recebe um ‘não’ hoje, daqui dois dias você volta, quem sabe você recebe o sim? O ‘não’ já temos, o ‘não’ a gente já tem na vida da gente, então vou buscar o sim. Esse é o objetivo da cooperativa: geração de emprego, renda e sustentabilidade. Mas é foco e persistência. E foi assim que, aos poucos, a gente foi mostrando o trabalho da cooperativa, uma cooperativa que com um caminhão da empresa que presta serviço com a prefeitura, que não chegava a trinta toneladas, hoje, com a parceria em rede com a Avipec e da logística reversa, com mais dois caminhões, estamos chegando a cem toneladas. Então provamos que é possível, mas com muito trabalho. É a galera, é o grupinho no foco único, é trabalho. É com responsabilidade, ter uma cooperativa redondinha, com documentação, todos estão registrados no eSocial, todas as exigências que a lei cobra, nos exige, em todos os aspectos, você tem que se adequar. Esse ano estourou o MTR, Manifesto de Transporte de Resíduos, tem que fazer cadastro, tem. É difícil, ai, meu Deus do céu! Como é difícil fazer esse cadastro. É um cadastro que não teve informativo, não tem informação, manda-se e-mail para receber resposta só Deus sabe quando e já tem mais de mil perguntas para depois, que nem a primeira foi respondida. Então foi na cara e na coragem, na raça, que a gente foi aprendendo as coisas. E sempre importante: é no coletivo. A gente não vê outra forma de trabalho nesse mundo de cooperativa: no coletivo, pensar, seguir em frente no que você acredita, no propósito para o grupo. É assim que se vai caminhando, vai vencendo aí, cada dia, as barreiras e a gente vai seguindo. Você sabe que não é fácil. Então todos os parceiros que a cooperativa, nesses anos hoje, para chegar em cem toneladas, o tanto de compromisso e responsabilidade, prestação de conta de relatório, de tudo ela tem que fazer. É para a prefeitura, para os projetos, é para os parceiros, é para os apoiadores. E ela tem que estar sempre redondinha. Cooperativa redondinha, cooperativa documentada, que está com tudo, em todos os aspectos, com a sua documentação em dia, os projetos, hoje tem o Funasa, que abriu espaço para as cooperativas. Nós temos também projetos parlamentares, que a cooperativa já está com um projeto para encaminhar, para ver se gera a possibilidade de vir um novo caminhão, que a gente quer avançar um pouco mais na cidade. Os três que estão aí não dão mais, não tem como fazer mais nada, os daí já estão sobrecarregados, não tem mais como trabalhar, não tem mais espaço para eles, no decorrer do dia de trabalho, que é das oito às dezessete horas na rua, com hora de intervalo e de almoço. Então para crescer um pouco mais, a cooperativa precisa de um novo veículo. Então, o intuito do novo projeto é a vinda de um novo caminhão e provar para a prefeitura a importância dela ainda manter a parceria através do TAC, manter um caminhão por conta deles, de responsabilidade. E a cooperativa, com os que vêm chegando, consegue manter financeiramente, porque a gente sabe: o custo-benefício de manter caminhão não é fácil, mas a gente sabe que, se você tem uma grande demanda de material e o que busca vale a pena, ele consegue manter. Então o material tem que pagar o caminhão. Você não consegue simplesmente mandar um caminhão para a rua, porque você tem aí o custo operacional do caminhão, você tem aí as demandas que tem que cumprir, de despesa, de combustível que tem que pagar. Você tem tudo do caminhão, tem depreciação do veículo, então você precisa ter parceiros e os parceiros hoje são os materiais. Então tem que buscar o material para poder pagar a conta. Como eu disse: a gente já vive no vermelho. Nesse período da pandemia a gente viu a dificuldade que é provar para a prefeitura que é possível a cooperativa ficar aberta, provar para a prefeitura que a gente não pegou Covid. Provar para Vigilância Sanitária, com a pressão que a gente teve, mostrar que é possível todo mundo se cuidar, manter os protocolos, cuidar todo mundo da saúde, um cuidar do outro. Como diz: “Vai para casa”, é para casa. Não é dizer “para a casa” e ir por aí, para você não trazer Covid para quem está aqui dentro e levar Covid para a sua família. Então esse trabalho até a gente teve que ter um com o outro, é um cuida do outro. Não é só a gente cuidar da família, mas tem a família da cooperativa. Porque, se você vai para um local indevido, que tenha aglomeração, você pega Covid e você é assintomático, tranquilo, você não tem problema. E quem estiver no galpão e não for assintomático? Já pensou acontecer algo, uma fatalidade? Olha só a sua consciência! Então vamos ter consciência antes de acontecer. Todo esse trajeto do período da pandemia, a pressão, o problema que tivemos, além da falta de material, não poder coletar. Porque nós fomos proibidos de coletar. Tem local de condomínio que só faltou a gente colocar uma outra roupa espacial e só ficar com os olhos para fora, para entrar em condomínio. Então a gente passou por vários períodos bem difíceis para trabalhar em condomínio, coletar em condomínio. A pressão para entrar na empresa é muito grande. Toda aquela pressão alarmante que tivemos no período da pandemia, isso tudo faz parte da gente.
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Então aí nesse período da pandemia ainda a pressão normal que tivemos dos parceiros, dos apoiadores e não abandonamos ninguém, como de certa forma também não fomos abandonados. Além da pressão com a Vigilância, com a prefeitura, provar que é possível todo mundo se cuidar, cumprir os protocolos da higienização 24 horas, do galpão, da higienização do refeitório, dos banheiros, do cuidado com as máscaras, que chegou até o absurdo. Eu cheguei a receber uma ligação de uma máscara com respirador, direita e esquerda, cem reais. Eu falei: “É dez?”, ele: “Não, é cem”, eu falei: “Absurdo. A gente não tem estrutura. Se a gente consegue pagar dez reais, vinte reais numa máscara, vai pagar cem? Então tem ouro nessa máscara”. A gente passou por várias coisas, pessoas de certa forma até explorado as cooperativas, nesse sentido das máscaras, das luvas. De certa forma foi até uma cobrança de um lado, mas nós estamos sendo explorados de certa forma, de outro. As pessoas querendo se aproveitar da situação que estávamos vivendo, desse período que estamos passando ainda, da pandemia, mas com uma pressão muito forte no começo. Então a gente teve que provar por A mais B que é possível não se contaminar, trabalhar, trazer resíduo, manter as pessoas e ainda passar por esse momento que não é fácil, que ainda estamos passando. Ainda estamos vivendo. Mas existe a possibilidade, todo mundo fazendo a sua parte, a gente passa por esse momento complicado. Então provamos e estamos aí ainda trabalhando e é tanto que a cooperativa, nos seus primeiros meses de pandemia, deu uma queda muito grande, chegamos já a ter dez toneladas, só, de resíduos, foi um choque. Porque se não tinha onde coletar, como iríamos fazer? Aí foi quando o telefone, é ligar para um para ir: “Não, a cooperativa está aberta e nós precisamos trabalhar, precisamos coletar material”. Aí liga nos condomínios: “Não, nós estamos aqui” “Mas vocês vão cumprir?” “Vamos cumprir. O que vocês pedirem, a gente vai buscar condições para gente se organizar, para os caminhões entrarem de novo nos condomínios. E o que vocês exigirem e as empresas, vamos fazer a mesma coisa”. Aí foi quando começou soltar, de certa forma, esse espaço para a gente, de voltar de novo a trabalhar, a pressão diminuiu. Aí viu que a gente estava cumprindo, estava fazendo tudo certinho, então as empresas já começaram a nos ajudar novamente, com resíduo. Aí vieram os apoiadores, os projetos, os parceiros também com cestas básicas, ajudando a gente também com álcool gel, com produto de limpeza para manter a higienização, com máscara e luvas, que tinha que trocar a cada instante. Tinha que trocar muito constantemente. Tanto que os meninos do caminhão chegaram a trocar, num dia, 25 máscaras. Então, sabe? As vezes que eles esqueciam, colocava a mão, aí a mão já estava: “Não, não, a luva, a luva, esqueci de tirar a luva, botei a mão”. Então era uma loucura tão grande. Mas a gente mostrou que é possível. Com certos cuidados, cumprindo os protocolos, a gente passou por aquele período bem complicado. Estamos na transição da saída aí, esperamos que em breve tudo se acabe logo, mas a gente sabe que os cuidados são importantes, ainda, ter.
P/1 – Rosa, como é o dia a dia do cooperado? Quais são os ciclos que os materiais recicláveis passam, nas mãos deles?
R – Então, o nosso processo do dia a dia. O horário da cooperativa é às oito da manhã. Aquela questão que não tinha no passado, que a gente chama de “regras”. O que são as “regras”? A regra hoje é o regimento interno, ele é como se fosse uma, podemos dizer, a nossa Bíblia interna, como as meninas chamam, as evangélicas, no galpão. Chamam como se fosse uma Bíblia de regras e normas que temos que cumprir. Então essas regras chamam-se regimento interno: temos horário para o almoço, horário para a entrada, horário para a saída. Não se faz o que a gente quer. Não, a gente faz o que a gente quer lá na nossa casa, que é a nossa casa, nossa residência. Aqui não, aqui é local de trabalho, a gente tem que ter um compromisso e responsabilidade um com o outro e com os parceiros, os doadores, apoiadores, o que seja, e projetos etc. Então, hoje, o foco: chegou o pessoal da cooperativa às oito da manhã, ali todo mundo já sabe o que tem que coletar, porque nosso roteiro é sempre feito no decorrer da semana. Então toda sexta-feira já sabe da semana seguinte, porque a gente já tem aquele procedimento. Tem uma empresa que é na segunda-feira, quarta-feira e sexta-feira, então o caminhão já sabe que é segunda-feira, quarta-feira e sexta-feira. À tarde, depois do almoço, que ele chega, ele não faz outra coisa de manhã, ele vai para o condomínio. Esse condomínio é segunda-feira, quarta-feira e sexta-feira. Então só um caminhão já faz aquele roteiro de sempre, que ele tem uma empresa de manhã, ela, por ser muito grande, gera muito resíduo, que é essa nossa pioneira, desde quando a cooperativa nasceu, três meses depois ela entrou como parceira. Só essa empresa gera vinte toneladas de resíduo, que ela doa, por mês, para a cooperativa. É um dos maiores fortes da parte social que a empresa tem. Tudo o que é reciclável, eles mandam para a cooperativa. Nos períodos da pandemia teve uma grande queda, mas está voltando de novo e esperamos voltar a ter as vinte toneladas que a gente recebia na época. Assim esperamos. Dentro do decorrer de um mês, de novo. Mas deu uma queda grande, hoje está na média de cinco, seis toneladas/mês, mas esperamos ainda voltar nisso que era antes da pandemia, que vinha bastante. Tá todo mundo ainda, tantas empresas também se organizando, para poder também, financeiramente, manter a própria empresa. Então a gente sabe que é um processo lento que a gente vai ter que acompanhar, isso pode demorar um pouco mais. Mas o nosso processo é esse. Aí tem outro caminhão. O outro caminhão nós temos espaços dos condomínios. Ele faz condomínio, ele faz lojas e faz algumas empresas. O outro condomínio faz o quê? Condomínio, empresas. E nós temos também um projeto com o Instituto Eurofarma, com as escolas, que viraram PEV. Nós temos cinquenta escolas dentro do projeto. A comunidade leva até as escolas. Então esse projeto do Instituto Eurofarma, ainda não há coleta seletiva na cidade, então tinha a ideia, mas não tinha como colocar em prática. A gente sabe que tem que ter a troca. O que é a troca? É isso aqui, né? É a troca das coisas, dos objetos. Sem a troca fica difícil ter essa troca. Então a gente observou que precisava de uma parceria financeira. Aí veio o projeto, casou a ideia e o projeto foi avante, então, nessa ideia. A comunidade leva até as escolas e todo esse resíduo vem para a cooperativa. Tem um caminhão exclusivo, que na época antes da pandemia, era só das escolas, que nós estamos falando de cinquenta, então eram dez escolas por dia. E não é num local só. A cidade tem doze bairros e essas escolas estão distribuídas. Então na logística que a gente tem que fazer nosso roteiro, a logística que a gente fez é: as proximidades das escolas. Então as proximidades ficam para segundas-feiras, terças-feiras, quartas-feiras, quintas-feiras e sextas-feiras. Até voltarmos ao normal, tem um caminhão que agora está fazendo uma outra coisa que, no período, não tinha. Nós temos parceria com outros locais, que estão suprindo esse espaço. Então a gente espera que, quando voltar tudo, até as escolas e tudo voltar ao normal, há necessidade de um outro projeto, a vinda de um novo caminhão, para o crescimento de quantidade de material da cooperativa.
P/1 – E esse material chegando aqui, como é o processo?
R - É o processo dele. Depois que vem para cá com o caminhão, nós temos três portas. Nós temos uma porta que a gente deu o nome de “acesso”. Por que acesso? Lá fica o material do plástico. Por ele ser muito volumoso, a gente agora não deixa mais na mesa de esteira. Aí quando o galpão está muito cheio, fica no acesso, para ficar mais fácil o processo. Aí tudo que vem em bag vai para a segunda porta, que já vem ‘embegado’ e às vezes tem que ‘embegar’, que é material de condomínio. Nós fazemos hoje o que a gente não fazia no passado. No passado nós passávamos em pontos estratégicos, que a comunidade do condomínio levava naquele único local. Hoje a gente não, hoje a gente faz o nosso porta a porta. O nosso porta a porta hoje leva o circular dentro do condomínio e esse circular dentro do condomínio acaba nos ajudando também no crescimento de volume de resíduos, porque as pessoas entendem que eu levo o material naquele local; agora, se coloco na minha porta, a quantidade de material é maior. Devido à quantidade de material, então aí o material chega lá, temos três portas do galpão, todas elas são de entradas e saídas. Só que nós temos uma que é para carga e descarga, onde fica a prensa. Qual foi a logística que a gente entendeu que é importante? Tudo o que é de empresa privada vai direto para acesso às prensas, o que a gente chama já de material de qualidade, material que vai direto para a boca do moinho, que a gente chama. No caso, direto para a prensa, ele vai compactar. Já vai o papelão lá, já vai plástico lá, tudo que já está triado, praticamente já quase separado pela empresa, já vai direto para aquele espaço. O que vem não triado, que 90% são os condomínios, é na porta do meio. Aí qual é o processo? Descarregou, ‘embegou’, separou na mesa de triagem, ele vai para o processo da prensa. A prensa vai fazer o quê? A compactação, que são os fardos. Aquilo a gente ganha na logística, na organização e na venda, porque uma empresa que compra o material solto, a cooperativa vende solto, vou dar um exemplo: custa um centavo. Se você vende fardado, custa dez e, se você vende em rede, ele custa trinta. Então nós temos três logísticas diferentes, então a cooperativa não vende nada solto, ela vende tudo compactado e prensado, na prensa. Só que hoje a gente vende em rede e vender em rede agrega valor e agregar valor aumenta o ganho do cooperado, porque você vende com mais volume, de quantidade. E como funciona a rede? A rede é essa parceria da venda coletiva. Nós temos uma rede, a Rede Verde Sustentável, onde a CMR está inserida nessa rede, através de projetos e apoiadores também. O intuito da rede é o quê? É o crescimento do coletivo, dos grupos que fazem parte da rede, através dos projetos, onde através dos projetos conseguimos quinze caminhões, que estão distribuídos dentro dos grupos. O crescimento é aquilo que a gente mostrou: vindo o caminhão, a gente consegue avançar. Avançar o quê? Avançar dentro da cadeia da reciclagem, trazer mais resíduos. Então, você consegue, hoje, cumprir as despesas financeiras e manter os cooperados. Mas para que mantenha mais cooperados, a mais do que o que você tem hoje, é necessário ter mais material. Porque não adianta você ter números e você não cumprir a lei, porque nenhum trabalhador pode receber menos que um salário-mínimo, isso é lei. Então todos têm que ter. Tem que ter Previdência Social, tem o direito dentro da cadeia da reciclagem, que é de cooperativismo, tem que cumprir lei. Então tem que ter resíduo. Hoje o cooperado se torna, de certa forma, até caro para a cooperativa, porque já entra com despesa. E no passado não, é a cara e a coragem e juntava todo mundo, ia que ia. Hoje não, hoje as coisas são mais diferentes, você tem que seguir algumas regrinhas contábeis, conforme a orientação da Contabilidade, para hoje inserir um cooperado ou uma cooperada na cooperativa. Então esse processo em rede, na forma de agregar valor, é dessa forma. A gente viu que vender papelão em rede é bom, compensa, porque uma indústria não vai vir aqui buscar dez, doze toneladas da CMR Itapevi, ela não vem. Agora, se a rede faz um contrato onde eu mando duzentas toneladas, você agrega valor, porque em vez de ele pagar os dez centavos, ele vai pagar cinquenta. Porque nós estamos falando de volume, a indústria quer volume, ela quer qualidade e volume. Se você tem essas duas coisas, você barganha, que a gente fala: “Brigar pelos números”. A cooperativa vive de centavos, mas os centavos é que fazem a diferença. Hoje a gente vende alguns materiais em rede, nem tudo, não vendemos 100%, mas hoje já estamos conseguindo chegar em 40% dos resíduos que as cooperativas que fazem parte da Rede Verde, vendem coletivamente, para agregar valor e ter um aumento no ganho do cooperado no final do mês. A gente viu que vender em rede vale a pena e isso também faz parte do nosso projeto, porque os caminhões vieram nesse sentido: para aumentar a quantidade de cooperados, desde que a cooperativa tenha estrutura de resíduo de material. Conseguir manter os caminhões, porque não adianta pedir caminhão se você não consegue mantê-lo. Então, antes de fazer, a gente chama de ‘lição de casa’, antes da CMR pedir caminhão… eu provei que com dois caminhões a cooperativa ia crescer, eu fiz a ‘lição de casa’. Fomos bater na porta de quem? De mais empresas, mais condomínios, bairros, mais comércios, novos projetos com espaço. Naquela época, as escolas, só tínhamos 25 e eu provei para o projeto da Eurofarma a possibilidade do instituto aumentar mais 25 escolas. Eu já sabia onde as escolas estavam, fizemos primeiro nossa ‘lição de casa’. A ‘lição de casa’: as escolas estão aqui, elas vão dar o resultado aqui e nós vamos ter o caminhão aqui. “Mas vocês não têm caminhão” “Vamos ter caminhão” “Então tá”. Então as coisas foram se juntando, mas primeiro a gente foi atrás dos parceiros, não era simplesmente trazer um caminhão e depois prestar conta com o caminhão parado. Isso não é prestação de conta, porque eles vêm fazer, depois, a vistoria. Tá valendo a pena manter o caminhão? Tá valendo a pena. Mas para manter o caminhão precisa ter parceiros. Através do parceiro, vão ser quem? Os projetos, através de projetos vêm os parceiros, dos parceiros vêm os resíduos. Uma coisa vai casando a outra. Então a gente provou que para manter caminhão, precisa de material, mas a ‘lição de casa’ a gente teve que fazer antes: buscar os parceiros antes, buscar os parceiros com resíduos, para depois, na vinda dos caminhões, eles já chegarem hoje para coletar amanhã.
P/1 – Rosa, tem alguma história que tenha te marcado, de alguma cooperada, de algum cooperado?
R – Olha, o que marcou na cooperativa foi o período da pandemia. Muitos conseguiram se aposentar. Nós temos uma cooperada chamada Dona Madalena, ela já aposentou, ela aposentou em 2017, pela idade, está com sessenta e poucos anos e já não estava aguentando mais. Tinha já um problema de saúde. E uma história dela, isso eu gosto de contar, porque ela tinha um prazer, quando ela estava no galpão, de contar a história dela. Ela formou a filha dela, que hoje é funcionária pública da cidade Itapevi, como professora, isso ela tem o maior orgulho. No período dela, o que ela mostrou nas duas vivências da vida dela? Que ela criou dois filhos do lixão, do resíduo, manteve dois filhos. Hoje o filho dela, que ela pôde dar o cursinho para esse filho mais velho, lá no Senai, pagou cursinho, fez vários cursinhos e hoje ele tem sua própria oficina mecânica. Então ele é patrão de si mesmo. Isso para ela é um orgulho, porque foi de lá que ela pagou o cursinho dele, foi de lá que ela conseguiu dar um bom exemplo para que o filho tivesse uma profissão. E de lá da cooperativa ela formou a filha dela, que é a realização dela. A filha dela se formou professora através da reciclagem, no período do lixão e pela cooperativa. Então ela tem uma filha formada. Tanto que a filha dela hoje faz parte dessa escola, hoje faz parte do projeto que a gente coleta e a filha dela fala do trabalho da cooperativa numa grandeza muito grande. E isso é bom e faz bem para a gente, de mostrar que tem uma filha de uma ex-catadora, que já aposentou e que tem essa vivência na alma, do trabalho da mãe no lixão, depois da mãe para uma cooperativa e o que ela tem hoje, da formação da faculdade, foi do resíduo catado, com caminhão ou sem caminhão, que seja, ela conseguiu formar os filhos. Um não chegou a fazer faculdade, mas tem seu próprio trabalho e a outra é concursada da prefeitura, da cidade. Isso para ela é uma das coisas marcantes, que ela tinha sempre um prazer, falar: “Olha, dê um testemunho”. Dona Madalena já falava disso: “Pois eu vou dar o testemunho. É o meu testemunho dos meus filhos. Eu consegui dar estudo, dar uma faculdade para a minha filha caçula e hoje ela é professora daquilo que as pessoas dizem que é lixo. Não, é sobrevivência, é trabalho, é digno”. Ela falava isso com tanto amor e até hoje, vira e mexe, ela liga pra gente e fala: “Tô com saudade, tô com saudade”. Então isso é marcante, saber que ela tem esse intuito. Ah, e eu tô no ramo da cooperativa, na vida da cooperativa, não era catadora. Entrou na minha vida esse mundo da reciclagem, então me tornei uma catadora, isso eu tenho orgulho de dizer: “Me tornei uma”. Na época ainda ajudava na base, tinha tempo para isso, hoje não tenho tempo para isso mais, o administrar é muito grande. Ele toma todo o nosso tempo que, para a cooperativa crescer no patamar que está hoje, precisa de alguém para administrar e correr atrás. De juntar: “Vamos fazer Educação Ambiental, vamos ensinar”. Inclusive a menina que eu tô ensinando na cooperativa não está, ela pegou os dias dela, que na cooperativa a gente não diz férias, a gente chama de “descanso remunerado”. Nós trabalhamos para que você fique em casa e descanse, então é “descanso remunerado”, dentro da linguagem da cooperativa não é férias, é “descanso remunerado”, então ela está pegando “descanso remunerado”. Ela está aprendendo o ofício do administrar, porque eu falo que a gente tem um legado, a cooperativa é o nosso legado e tem que alguém dar sequência ao legado, dar sequência à cooperativa. Seguir, caminhar com ela, para os que vão ficar. A gente… é uma trajetória da vida da gente, então é uma história. É isso que eu falo: “Gente, a vivência da cooperativa, do lixão para hoje, o tanto que a gente cresceu, é contar a importância que é o nosso trabalho. A importância da gente ter parceiro e da cooperativa ter seu compromisso e responsabilidade no administrativo dela, mas é a base. A base tem que estar resistente, tem que estar sólida, que são vocês aqui embaixo, na base, são vocês que descarregam, vocês que prensam, vocês que compactam, vocês que triam. A gente faz o outro lado, nós duas, mas a base é importante para a cooperativa. São as pessoas que estão no dia a dia que vão fazer esse material, cada um para o seu canto, cada um fazer o que tem que fazer.
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P/1 – Rosa, como você percebe que os setores enxergam o trabalho de vocês? Você acha que, de uns tempos pra cá, houve uma mudança nesse entendimento, da importância da reciclagem?
R - Melhorou muito. Tem uma outra visão. A gente entendeu, hoje em dia, além da rede, que tem vários projetos dentro da logística reversa, vinda de caminhão, mostrando a responsabilidade e comprometimento na coleta, trazer o resíduo, prestar conta, a gente viu o tanto que a gente avançou e o tanto que a gente tem um outro olhar aí fora. A gente para com as pessoas e as pessoas para a cooperativa. Quando entra um novo cooperado na cooperativa, eu falo: “Ó, você tem que amar esse brasão aqui ó, você tem que amar esse símbolo. Se você amar esse símbolo e você vestir, de fato, essa camiseta, você vai ver a importância que você tem para ela e a importância que ela tem para você”. Porque a gente sabe que não é fácil. É trabalho vir para a cooperativa, é trabalho do dia a dia, é triar. A gente sabe que ainda há muitas leis que nos dão direito de receber pelo serviço prestado. Muitas leis que dão direito a várias coisas de benefícios financeiros, as cooperativas têm direito. Mas sabe que muitas coisas estão guardadas nas gavetas. A gente sabe que é uma luta muito grande essa gaveta ser aberta para as coisas [serem] colocadas em prática. Eu falo, ainda digo e repito: para cooperativa avançar dentro da cadeia da reciclagem, com os parceiros, é a parte dela fazer bem aqui, para mostrar a importância daqui e ela falar: “Não, aqui sim, olha: a gente trabalha com compromisso, responsabilidade”. Você tem que ter um outro olhar, diferenciado, a empresa tem que ter um olhar diferenciado. Então quando a gente vai lá fazer uma palestra, a gente vai lá falar da cooperativa, do trabalho, mostrar a gente nas fotos. Aí você vê depois que eles entraram lá na página da Rede e depois que eles entraram na página da CMR, nós temos o site. A CMR tem site, a CMR tem a página do Facebook, você os vê entrando, aí você fala: “Olha lá uma sementinha”. É uma semente, a gente planta a semente para mais tarde a gente colher uma grande área, com bastante flores. É nesse sentido. Então está mostrando que estão vendo as cooperativas, o nosso trabalho, as pessoas, os cooperados e as cooperadas, com outro olhar. Estão despertando. E lógico que a gente entende que tem muitas questões aí de outros lados, que têm outra visão, mas a gente entende também que está tendo uma mudança, um olhar especial, de certa forma, de algumas empresas, de alguns condomínios, quando ele coloca lá um banner na portaria e diz: “Nós somos parceiros da CMR Itapevi”. Então, isso, para nós, é um orgulho, a gente vê que está tendo diferença, que nós estamos fazendo a diferença. E você vê lá, numa empresa parceira, que ela coloca lá dentro da empresa: “Olha, a CMR Itapevi é uma parceira. Vamos colocar o material organizado para que seja mais rápido o trabalho do pessoal lá na cooperativa?” Isso estar exposto lá numa cozinha e você chega lá, fica: “Puxa, que bacana, que diferença”. Então a gente está vendo que está tendo esse despertar das empresas, com esse olhar.
P/1 – O que falta para que tenha mais esse despertar da população?
R – Aí, no caso, hoje é mais o Poder Público. O Poder Público. As coisas caminharem, porque hoje a gente tem, nós estamos falando de parceiro, o parceiro olhar para nós. Mas as cooperativas ainda precisam avançar muito, mas para avançar muito a gente sabe que tem uma coisa que eu falo como se fosse uma brincadeira, mas que também é, de certa forma, os cuidados que temos que ter. A cooperativa não tem que fazer política, nós temos é que dialogar com a política. É dialogar, é estar dentro dos direitos que nós temos dentro da cidade. Exigir os direitos dentro daquilo que nós temos, é saber fazer a diferença. Não é fazer política, isso não, é conversar sobre política, porque a gente tem que ter esse diferencial, porque se a gente não tem esse diferencial, misturam as coisas. E uma cooperativa não, ela não tem que vestir a camisa na parte que seja de uma política. Não, nós temos que ser parceiros, nós estamos aqui numa parceria, onde nós temos comprometimento com a cooperativa de um lado, o órgão público federal, estadual ou municipal, mas a gente sabe que tem muita coisa que não avança. Nós temos ainda a lei que diz que é importante ter ainda a coleta seletiva e isso ainda não avançou na cidade. Isso aqui ainda vai ser uma luta muito grande, que a gente não sabe quando isso pode acontecer. Mas a gente está sempre falando sobre o mesmo assunto, de ter uma coleta seletiva, a cooperativa receber pelos serviços prestados. Paga-se a uma empresa privada para fazer o serviço e por que não pagam a cooperativa também? Não estamos fazendo a mesma coisa? Não estamos fazendo o nosso trabalho, do mesmo jeito? Por que não recebemos também? E outras coisas que a gente sabe, que dentro da lei de resíduos sólidos, que temos direitos, mas a gente sabe que não avança e que muitas coisas ainda são guardadas dentro da gaveta. A gente sabe que ainda é uma barreira muito grande, que a gente ainda vai precisar avançar nessa parte. Que ainda, como diz, muitas reuniões, muitos encontros e hoje existe, onde as cooperativas se unem, se juntam, para brigarem, de certa forma, pelos direitos. Para onde a gente vai, se a gente sabe que tem direito? Então vamos se juntar. Hoje é igual o caso da Rede. A Rede hoje tem parceria com o projeto da logística reversa, porque elas não querem fazer com cooperativas individuais, elas querem fazer com a Rede, porque uma rede são vários grupos e são várias pessoas. Então aí, quando eles vêm fazer um contrato, eles vêm assim: “Olha, vamos fazer um contrato com a Rede, fazer uma parceria. Mas o que vocês precisam?” Aí a gente já fez a nossa ‘lição de casa’: “Precisamos de caminhão, precisamos disso, precisamos de equipamentos, equipamentos modernos, para o pessoal sofrer menos para carregar e descarregar. Então precisa de empilhadeira, precisa de curso de formação para empilhador”. São coisas que a gente está conseguindo, com as parcerias, com os projetos, com os parceiros. A parceria também com a Tetra Pak, fizemos o curso lá, o “Cuidando do Futuro”, um projeto muito bacana. O que foi esse projeto? Esse projeto, qual foi a visão do Cuidando do Futuro? O que a gente teve com esse projeto? A gente viu a importância, porque todos que estavam nesse curso faziam parte da Rede Verde. Então o convite, eles não sabiam. Quando chegamos lá no primeiro dia do curso: “Oi meninas, oi meninas!” “Vocês se conhecem?” “Sim, nós fazemos parte da Rede Verde” “Vocês todas aqui que estão comigo fazem parte, os sete grupos convidados fazem parte da Rede Verde?” Eu falei: “Fazem parte da Rede Verde Sustentável”. Então, foi muito bom, podíamos dizer, falamos a mesma língua. Sabíamos lá quem nós éramos, então foi muito mais fácil, foi um curso muito gostoso. Além de ter uma pessoa do administrativo, teve mais duas pessoas da base, foi umas duas meninas aqui da CMR, então todo mundo levou o total de três pessoas, de cada cooperativa. Então foi um curso muito gratificante, foi uma delícia fazer o curso. Aí falou muito da logística, da importância do outro, da entrada do novo, como você deve acolher um novo cooperado, da importância de acolher, como acolher um novo cooperado que chega. Que eu falei da importância dele sentir a camisa de fato, vestir essa camisa e ir para a base, um ajudar o outro. E como ele vai saber separar aquilo, se o outro não ensinar, que está lá faz tempo? Não. Então, você tem que acolher quem chega. Aí tiveram até as nossas aulas dos cursos, tiveram algumas formações, tudo baseado naquilo que a gente já faz hoje, que é o trabalho em rede, a importância da parceria, do compromisso de uma cooperativa estar redonda, documentada. A visão que se tem lá fora para fazer um projeto para uma empresa grande. Porque uma empresa grande quer documento. Como ela vai doar material se ela não sabe para onde vai? Vai para onde? Quem são? Então tudo isso a gente foi aprendendo já na vida, no dia a dia do trabalho. Tudo isso foi passado para a gente no decorrer desse curso. Foi um curso muito gostoso, inclusive teve até foto dele lá na página, no site. Para nós foi um aprendizado muito bom. Da vivência que a gente vivia no nosso dia a dia, foi uma troca de experiência muito boa. Então o projeto Cuidando do Futuro, para nós, foi muito bacana. E a gente, além dos grupos da rede, já estávamos lá, foi mais fácil o nosso diálogo, porque a gente já se conhecia. E coisas novas também que a gente aprendeu. E muitas outras coisas, de importância, também falou muito dos direitos das cooperativas, até onde a gente consegue avançar, de cobrar os direitos, da posição que a gente tem que ter para cobrar o que nos cabe ainda, de direito. Então foi muito bom. Da base do cooperado, da organização que ele tem, lá no material, a importância da chegada de um novo, como ele também tem que ser... então, esse curso fez, para nós, uma grande diferença. Além de já fazermos parte da rede, estávamos todas juntas ali. Desse aconchego, aconchego de estar todo mundo junto, a importância de estar junto. E a força que a gente tem, porque um só brigando, uma cooperativa só brigando por um direito, talvez ela não seja ouvida. Mas aí você leva um grupo de trezentas, quatrocentas pessoas, faz uma grande diferença. O som do pedido vai se tornar maior, então a gente vai ser ouvido. Então essa forma de parceria, de apoio, de curso, de formação, então o curso Cuidando do Futuro veio para isso. Ele veio para poder deixar a gente com uma visão maior do que a gente já acredita, já acreditava e já acredita, que é a importância do coletivo. A força vem daí. É igual a base: um só, como vai triar sozinho cem toneladas? Precisa de mais pessoas, mas tem que ter logística. Igual as meninas falam: “Nossa, eu arrasto um bag” - a menina nova, que entrou tem um ano - “Vamos arrastar aquele bag”, eu falo: “Não é a forma, é a forma que você pega”. Eu brinquei com ela hoje: “E aí, tem peso?” “Não, não tem peso, é uma pena”. Então vai trabalhando e vai entendendo que você não tem que pegar e botar o peso. Não, é o jeito. É o jeito de puxar o bag, é o jeito de amarrar o bag, é a forma descarregar, a forma de carregar. Então esse jeito você vai pegando no dia a dia do trabalho. Isso tudo a gente teve mais vivência no curso, no decorrer do curso. Do administrativo, a importância do coletivo, do trabalho em si, de fazer parceria, de fazer apoio. O aconchego de quem chega. Arrumar a logística, a forma de trabalho para um galpão com espaço físico para receber pessoas, de organização de galpão. Então foi um curso que de tudo a gente aprendeu um pouco, então foi um curso muito bom.
P/1 – E, Rose, pensando em toda essa trajetória nessa área de reciclagem, quais foram os maiores aprendizados que você leva para a sua vida, trabalhando com toda essa rede?
R – Olha, no caso da Rede Verde, a importância que a gente tem hoje é a forma de trazer o coletivo para junto, trazer as pessoas para perto. Igual quando a gente faz as reuniões hoje, tudo à distância, porque ainda precisamos, tudo online, a gente viu hoje a proximidade das pessoas. A gente tem que se tornar forte. Igual você vai um só, não, você tem que estar junto. Junto você mostra sua força. Então essa importância hoje na Rede é isso, é a base. É através da Rede fortalecer a base, que hoje são as cooperativas. E dali acho que a gente consegue mostrar a importância que a gente tem - para o órgão público federal, estadual e municipal - para o coletivo, que é essa forma da gente mostrar que nós somos, que temos responsabilidade, que é o primeiro passo, que é importante, além da responsabilidade e que é possível, sim, com comprometimento, que a cooperativa se torne forte. E aí é a forma da gente mostrar para os parceiros e para todo mundo que a cooperativa pode, assim, avançar, tanto numa rede, como numa cooperativa individual.
P/1 – E antes de você começar a trabalhar com reciclagem, como você enxergava essa área e agora, como você enxerga? Mudou alguma coisa?
R – Ah, mudou, porque a primeira vez que eu fui no lixão, eu fui com uma bota, que eu aterrei e o pé ficou para cima e a bota ficou em pé lá, estatelada dentro do barro e veio um senhor com a enxada e o outro com o facão. Eu fiquei parada, olhando para a cara dos dois. Inclusive esses dois, um ficou na cooperativa até 2019, também aposentou, que é um dos nossos mais velhos e outro ficou uns anos e logo saiu, não faz parte do quadro, como cooperado. E um veio com a foice e o outro com uma enxada e olhou para a minha cara. Eu achei que, porque na semana anterior nós tínhamos falado que a prefeitura ia fechar e que eles não iam poder entrar mais. Então só tinha o senhor da van, da Kombi da prefeitura e eu, ali com a perna para cima e a bota de lama até em cima. Fiquei meio assustada, meio apavorada e falei: “Eu vim aqui para ajudar, eu não vim aqui para atrapalhar ninguém, nem tirar nada de vocês”. Aí eu vi que logo o pessoal chegou, inclusive essa senhora Dona Madalena falou: “Pessoal, vamos ajudá-la. Ela já veio aqui faz duas semanas, já é a terceira semana que ela vem. Se ela está aqui, é porque ela precisa vir trabalhar, então nós temos que ajudá-la”. Sei que foi lá, um tirou a bota, raspou a lama, me ajudaram, desci, sentei numa lata. “Ah, você quer um banco?” Falei: “Não, aquela lata está boa”. Sentei na lata, tomei água nem sei de onde que eu tomei água, só sei que tomei uma água lá, não sei se era água da chuva, de onde era a água, sei que ela estava branca, eu tomei, não fiquei doente, então a água estava boa. Tomei água, conversei olho no olho com aquele pessoal todo, essa Dona Madalena e muitos que ainda estão aí na cooperativa, são os mais antigos. Sócios fundadores, dos 22 nós temos oito que são ainda sócios fundadores desde a época do lixão, são os mais antigos, desde a fundação da cooperativa, em 2003. É mostrar a importância do trabalho que tinha que ser realizado, porque tinha um órgão maior, uma Cetesb, o Ministério Público que precisava fechar o lixão e não tinha o que fazer, a prefeitura tinha que cumprir. Então era uma realidade de vivência, que eu tô tirando o pão de cada dia daquelas pessoas e fechando o lixão. Eles não estavam vendo a prefeitura, estavam me vendo ali e aquelas outras duas meninas estagiárias, mais perdidas do que eu. E aquelas pessoas todas daquele jeito, naquela agressividade grande e que você está tirando meu pão de cada dia. De certa forma, arrumei outra estratégia, que estou aqui de bem, mas tem que cumprir, vai ser cumprido e vocês precisam nos ajudar, não tem o que fazer. Então foi uma vivência meio assustadora, de ir lá ver cavalo, ver cachorro, ver urubu, ver pessoas morando. E entrei até num barraquinho de uma lá, de madeira, depois entrei numa lona que tinha cama, três crianças pequenininhas e um fogão de lenha com carvão lá, esquentando as crianças, que estava meio frio. Então é uma realidade que se falava em televisão, que eu achava que aquilo era meio fantasioso e não, eu aí vi aquilo na pele. Falei: “Meu Deus, existe mesmo, é fato. Essas coisas existem mesmo e é verdadeiro”. Então foi um susto aquela vivência de ver o lixão, de fechar, iniciar a cooperativa, com a realidade que tem hoje. Hoje nós estamos num patamar de trabalho avançado, então provamos, nesses dezoito anos quase, de trabalho, o tanto que a cooperativa avançou e o tanto que é possível avançar. Mas tudo mostrando a questão do trabalho.
P/1 – Como você vê o impacto do trabalho de vocês na sociedade e no meio ambiente?
R - Para a sociedade nós temos hoje trezentas residências doadoras, que é nosso trajeto de coleta. Quando elas ligaram aqui, eram elas ligando em que sentido? A gente entende o trabalho que a gente tem e o valor. Quando uma dessas senhoras mandam para a cooperativa, por conta própria, um monte de paninho de prato, dizendo: “Muito obrigado”. E ela manda um para cada um. A gente vê que o nosso trabalho é reconhecido, ele está sendo reconhecido. Não naquele patamar de 100%, mas o pouquinho que a gente está aí semeando, plantando, a gente está vendo a diferença, nessa gentileza dessas pessoas. E também o Whatsapp: “Muito obrigado! Obrigado por ter vindo! Olha, os meninos são muito bem atenciosos! Olha, agradeço!” Doação voluntária direta no galpão, nós temos mais de quarenta carros por semana, que vem trazer o resíduo diretamente. Da hora que ele chega até a hora que eles vão embora, é: “Muito obrigado, o trabalho de vocês é extraordinário!” Então a gente sente a importância que é a gente estar fazendo o nosso trabalho. Então a comunidade, através da residência, nesse trajeto da coleta do condomínio, da coleta da empresa, a gente faz as residências e das pessoas que vêm trazer, a gente vê a importância que tem. Quer dizer que a gente está semeando essa semente e ela está, de certa forma, já dando alguns frutos. De ver umas pessoas de uma gentileza, de fazer uns paninhos de prato e dar muito obrigado para pessoas que só vão coletar, que ela nunca viu a gente do outro lado. Ela sabe que existe, mas só conhece os meninos que vão lá na casinha delas, senhorinhas. Então só o gesto da gentileza, a gente sabe que a gente está fazendo um bom trabalho, que a gente está sendo bem-visto por essas pessoas. E a mesma coisa as pessoas, quando vêm trazer material. E quando uma empresa, que a gente vai lá fazer um trabalho, falar da cooperativa, te agradece da hora que você chega, até a hora que você vai embora. Então a gente sabe que está sendo um plantar de semente que está surgindo efeito, que está surgindo efeito e que está fazendo a diferença, que está mostrando para as pessoas o trabalho, passo a passo, o tanto que a gente, devagarzinho, está crescendo. Então ele é um trabalho como se fosse de formiguinha. Hoje, amanhã. É igual quando fazemos educação ambiental num condomínio. Hoje a gente faz tudo online, hoje a gente faz educação ambiental online. Hoje a gente manda panfleto online e o condomínio dispara. Mas quando era o olho no olho, o contato do olho no olho no condomínio era, para nós, bem mais fácil, porque: “Olha, eu tenho esse aqui, pode ir? Eu tenho isso aqui, pode ir?” Mesmo ela tendo panfleto na mão, ela ainda te pergunta: “Posso mandar? Ai, eu lavo de que jeito? Se eu lavar assim é melhor? Não vai dar barata lá na cooperativa, no galpão de vocês? É melhor para as meninas, por causa do mau cheiro do leite azedo?” Então são uns gestos, uns cuidados da educação ambiental, do trazer na cooperativa, do buscar na porta, que a gente está vendo que a gente está fazendo um pouquinho de diferença no nosso trabalho.
P/1 – E no meio ambiente, o impacto?
R - O impacto, para o meio ambiente, é grandioso. Ele é grandioso. Hoje, mesmo a cooperativa chegando a essas cem toneladas, então na questão do meio ambiente, só o fato da gente, hoje, saber da importância que tem a cooperativa no trabalho, do processo dela, essa grandiosidade que é o nosso trabalho, em si, o bem que nós estamos fazendo. Hoje nós estamos fazendo trabalho com parcerias com condomínios, empresas, projetos, apoiadores, então as pessoas, só o fato delas lembrarem, pedir para coletar na residência, ou trazer diretamente na cooperativa, é esse processo dessa parceria grande. E na questão do meio ambiente? Sim, nós fazemos um processo de um trabalho de super importância. Hoje nós fazemos a nossa coleta com responsabilidade, que isso é importante, com um parceiro, do compromisso de horário. Para o meio ambiente é grandioso, são menos toneladas de material que vem hoje para a cooperativa, essas cem toneladas. Então essas cem toneladas que vêm hoje para a cooperativa, são menos cem toneladas, que são aterradas. E hoje vindo cem toneladas para a cooperativa, ela gera emprego, renda e sustentabilidade. Então ela mantém 22 pessoas, que tiram a sobrevivência do resíduo reciclável, da doação do resíduo. Então a importância que a gente vê do meio ambiente é isso, que nós somos tão importantes quanto o trabalho de terceiros, pessoas. É um trabalho também, o nosso, que a gente sente que só o fato de as pessoas também demonstrarem isso para nós, no dia a dia de trabalho, reconhecer, então a gente se sente importante, que estamos fazendo um bom trabalho para o meio ambiente. Então são menos cem toneladas que estão indo para o aterro sanitário. Mais nesses tantos anos, todos os resíduos que vieram e mantiveram os cooperados, lá dentro do aterro sanitário esse resíduo, que seria aterrado, hoje ele vem para a cooperativa e mantém as pessoas. Se lá dentro do aterro tem uma outra realidade, que é aterrar, a cooperativa faz o quê? O processo inverso. Ela vai gerar emprego, renda e sustentabilidade, através da coleta seletiva. E esse material, para o meio ambiente, é grandioso. Ao invés de ser aterrado, ele vem para a cooperativa. E nós estamos fazendo um trabalho muito bom, nós estamos limpando o planeta. Muitos resíduos que ficariam em tudo quanto é lugar, já não ficam mais. Hoje a gente faz educação ambiental, então a gente está tendo, de uma certa forma, a conscientização das pessoas. Se hoje a gente faz educação ambiental com parceria com projetos nas escolas, nos condomínios e nas empresas e a gente faz parceria com os projetos também, são formas de mostrar, através do meio ambiente, para quem está do lado de lá, que é o Poder Público, que a cooperativa também está fazendo o seu papel e está fazendo muito bem-feito. Por isso a importância de ter um olhar no futuro, para receber os direitos que cabem às cooperativas e não só para uma empresa privada, que tem direitos trabalhistas. E uma cooperativa que não tem, mas ela tem também os seus direitos de, no futuro, recebê-los. Então esse é o intuito que a gente tem desse trabalho, então o meio ambiente é muito importante. Hoje nós fazemos o quê? Uma limpeza em vários locais, tínhamos locais que tudo era jogado lá. Hoje a gente criou PEV. Então nós temos áreas onde todo mundo jogava tudo perto do rio, então nós criamos PEV de coleta, nós criamos espaço com PEV de coleta. Fizemos com educação ambiental com as pessoas, na comunidade próxima, para não jogar mais lá. Falei: “Deixa o seu reciclável aqui. O seu sofá pode ser feito, outro trabalho, têm pessoas que fazem trabalho com artesanato, pode reaproveitar esse material. Então não jogue lá, a consequência é muito séria. Aí vem o desmatamento, vêm as queimadas, vem a água, quando chove, volta tudo para dentro da casa da gente. Então é a gente que vai pagar as consequências. A gente... é a troca. Você agride lá e volta de volta para a gente. Por que a gente não faz a nossa parte?” A gente tem pontos de coleta em locais que tinham esse problema sério. Então fizemos a educação ambiental, criamos ponto de coleta e a comunidade leva tudo para lá, agora. De certa forma a gente está fazendo o quê para o meio ambiente? Está cuidando do meio ambiente. Então se a comunidade não jogasse mais no rio, tudo ela jogava no rio, hoje ela não joga mais. Então através do nosso trabalho, bem lentamente, de pouquinho em pouquinho, mostramos para ela a importância dela levar para aquele espaço e não jogar lá. Através do meio ambiente estamos cuidando do meio ambiente também, mostrando para a comunidade a importância da responsabilidade do entorno, que ela tem que ter. Então é um papel junto, é um papel que não é separado. Tanto o nosso trabalho de coleta seletiva, quanto o meio ambiente, eles estão juntos. Se a gente fizer um bom trabalho, mostrar um bom trabalho, vem os parceiros, vem os apoiadores. A mesma coisa para o meio ambiente: a gente cuida do planeta, limpa o planeta e a gente vai poder cuidar de tudo. Mais tarde a gente vai ficar sem água, não vai ter mais floresta, os rios vão se acabar, porque está todo mundo contaminando, joga-se tudo enquanto é lugar. Se a gente faz nosso trabalho de educação ambiental em espaços e locais estratégicos, que a gente está observando, essa é a linha de pensamento que a gente teve aqui na cidade e está dando certo: criar pontos de coleta em espaços que a comunidade joga tudo no rio. Então a gente está limpando o rio, agora não está mais contaminado, está limpando uma parte. A gente está tentando, aos pouquinhos, fazer isso, com a educação ambiental de conscientização. Então, de certa forma, a gente está cuidando do meio ambiente, fazendo o nosso papel também, porque a gente sabe que não é fácil a conscientização, das pessoas enxergarem a importância de não jogar lá e sim no local correto.
P/1 – Que mensagem você deixaria para as pessoas que não trabalham e não têm nenhuma relação com essas questões da reciclagem?
R – Olha, no caso das cooperativas, de uns anos para cá nunca cresceram tanto quanto agora. Nós chamamos o catador de puxador de carroça, porque são os avulsos, os catadores avulsos, que hoje sobrevivem da reciclagem, depois da pandemia, desemprego e muitas outras pessoas foram também sobreviver de alguma forma, então viram na reciclagem a forma de sobrevivência. No caso de hoje muitas pessoas estão batendo nas portas da cooperativa, para emprego. Nós chegamos a receber, no período da pandemia, parece brincadeira, dois currículos, foi até engraçado, acho que ainda o tenho guardado aí, de um rapaz que se formou em Direito e um rapaz que se formou em Engenharia. Se formou, mas não tinha emprego e precisava trabalhar. Ele bateu na porta da cooperativa. Então eu falei: “Gente, olha que coisa incrível! Uma pessoa formada, que se formou em Direito e um engenheiro batendo numa cooperativa para trabalhar, porque precisa trabalhar, precisa sobreviver, precisa ter uma renda, para se manter e manter a família”. Então, de certa forma, é forma de conceitos. De “cooperativa é isso, cooperativa é aquilo”. Não, as pessoas mudaram muito. Tanto que as pessoas estão batendo nas cooperativas para arrumar emprego. E tem muitas cooperativas se formando, se formalizando, para se tornar. Inclusive a Rede, hoje, eu, Rosa como pessoa, tô ajudando uma cooperativa a nascer de novo, que eles nasceram, documentaram, mas não conseguiram sobreviver no período de pandemia. E eles eram da região de Francisco Morato, é uma cooperativa que está começando de novo e nós estamos aí, ajudando-os, para que eles, com informação, com a realidade de hoje, possam passar por esse momento também. É uma cooperativa que está lá, juntou as pessoas e estão novamente pensando em retomar o período de pandemia, que ficaram fechado. E agora precisam de ajuda para ver como eles vão seguir a partir da frente, com tantas mudanças de lei, MTR e outras coisas que vieram no período de pandemia, para eles poderem se ajustar. E não é só lá. Tem uma em Osasco também, que está pensando, que em Osasco são três, tem uma quarta que está pensando em voltar. Tem cooperativas em Jandira, Carapicuíba e outras da região do interior de São Paulo também, que estão pedindo ajuda para a Rede, para a gente ir lá, conversar, para ver como está o mundo, que ficou parado o deles, que eles deram início, mas não conseguiram sobreviver, porque mal começaram a engatinhar, como se diz, e já veio pandemia e tiveram que fechar. Então esse é um processo que ainda vai precisar de um pouquinho mais de tempo. Então é isso: a gente está aí, vendo que tem cooperativas retomando, muitos que fecharam em período de pandemia estão pedindo ajuda, pedindo apoio, como reintegrar de novo as pessoas e outras que não têm nada a ver com a reciclagem, estão se juntando e se formalizando. Tem uma aqui para o lado da região de São Roque, que estão lá, pessoas que não têm nada a ver com reciclagem, não são de lixões, não são nada e estão se juntando, uma comunidade, para formalizar uma cooperativa de reciclagem. Então ela está novamente. A gente achava que estava quase parando, não, ela voltou agora, com todo vapor. Depois da pandemia estão retomando algumas e outras se formalizando.
P/1 – Quais são os seus maiores sonhos, pensando na cooperativa e na sua vida pessoal?
R - A vida pessoal é muito urbana. Em que sentido? Também, com muito orgulho, formei duas meninas, podemos dizer que da vida da reciclagem, porque eu tô na reciclagem há dezoito. Se eu tenho a minha mais velha de 33, a minha do meio 26 e a minha caçula com 22, então a trajetória da vida delas, da renda familiar da mãe foi através da reciclagem, daqui da cooperativa, do trabalho em si, do dia a dia. Então formei duas e estou formando a mais nova no ano que vem, está fazendo Direito. Todas bolsistas, como dizem elas: “Com muito orgulho”. Todas bolsistas. Então estão lá na caminhada das suas vidas, elas não tem nada a ver com reciclagem. Elas falam que o mundo da reciclagem, ela falam para mim: “Mãe, você vive o mundo da reciclagem, esse seu mundo é muito grande, vocês conhecem, nós somos as espectadoras”. Elas falam que elas são espectadoras. Aprenderam, porque sabem o que é separar em casa para trazer para a cooperativa, conhecem, porque eu falo muito sobre o assunto, nesses anos todos, mas elas falam que são as espectadoras do outro lado, que a vivência somos nós, na base, todos os dias. Então elas falam que é o mundo que só a gente conhece de fato, que quem está do lado de lá são as observadoras e, ao mesmo tempo, espectadoras, é o que elas falam para mim. Então saber que elas veem a importância da reciclagem, importância do meu trabalho, a importância da cooperativa. Inclusive teve uma matéria no trabalho da minha do meio, que eu fui lá falar da cooperativa na tese do TCC dela, então foi gratificante. Ela sentiu todo o orgulho, então ela falou: “Eu vou apresentar a minha mãe, que trabalha na administração da cooperativa. O trabalho que ela teve, da trajetória, do sofrimento, para quem não tinha um salário, não tinha um real. E hoje o avanço que essa cooperativa teve e o avanço que ela tem até o momento de hoje”. Então foi gostoso, foram uns quarenta minutos que eu falei, que todo mundo gostou e ficou admirado de saber que existem cooperativas que estão com uma outra realidade, que não estão naquele sofrimento, daquele caminhar de dez, quinze anos, que ainda está engatinhando. Então a Cooperativa passou um pouquinho mais do que engatinhar. Para o crescimento da cooperativa hoje é a gente ser visto pelo Poder Público, é receber, de fato, o que nos cabe de direito. Porque não adianta você ter hoje 22 e você somar cinquenta, se você não tem resíduo. Então você precisa ter resíduo. Uma das coisas que eu cobro muito na prefeitura, do município: tantas empresas vêm para cá, tantas indústrias, tantos comércios desmatam, plantam-se umas árvores, porque está dentro da lei, mas cadê a parte da cooperativa, de receber pelo menos dez, doze ou que seja 15% do resíduo reciclável? Aí a cooperativa vai chegar no patamar que ela precisa, que é gerar emprego, renda e sustentabilidade. Mas para que ela cresça isso, ela precisa de resíduos, não é fazer bonito para tirar foto. Não, é fazer bonito num todo. É saber que as pessoas estão trabalhando dignamente, que conseguimos manter as pessoas e ter isso, de fato, na vida da gente. É conseguir que a prefeitura, que o governo do estado, federal, municipal tenham uma outra visão com as cooperativas, vejam a importância que ela tem para o meio ambiente, a importância que ela tem na geração de emprego, renda e sustentabilidade. E receber o que lhe cabe por direito, que as leis de fato saiam da gaveta e que venham a ser cumpridas, que se crie coleta seletiva, mas com trabalho envolvendo a cooperativa e não a deixando para escanteio, com uma empresa privada fazendo tudo. E sim a gente estar inserido dentro do contrato, inserido dentro da realidade, porque quem sabe o que é reciclável é o nosso dia a dia, são as pessoas, os cooperados, os catadores. A gente sabe, de fato. Uma empresa comum vai jogar tudo lá, de qualquer jeito. Não, se a gente faz um trabalho de educação ambiental, é de formiguinha: “Aqui e aqui, esse aqui quantos anos vai demorar, esse quantos anos vai demorar?” Então esse é o nosso trabalho e seria muito bom se eles tivessem essa visão, do Poder Público e de direitos que nos cabem para o crescimento sustentável da cooperativa. E num todo, porque não adianta gerar empregos e não ter condições de manter os cooperados, então você precisa das duas coisas. E que venha mais apoio, a gente sabe que tem muitas empresas hoje em dia que vende tudo e também não se doa nada. Que tenha uma lei mais impactante, mais forte dentro da cidade, que exija esse direito da cooperativa de receber resíduo da empresa privada. A empresa privada vende, vende, vende tudo, não fica nada para doação. Então que tenha pelo menos uma lei que a obrigue, de certa forma, dentro de uma lei, de vir resíduo para a cooperativa de fato e que a gente sabe que não chega. Dando exemplos, nós temos vários grandes atacadões e mercados da cidade que não se doam nada, eles vendem tudo. Então vem para cá, faz uma grande área, constrói, gera resíduo, mas não doa nada, vende-se tudo. Acho que essa é uma das coisas que seria superimportante: o Poder Público dar direito ao que cabe de direito às cooperativas, já que a gente está fazendo nosso trabalho, cuidamos do meio ambiente, estamos fazendo um trabalho que está aí, na visão, para que todos vejam. E também esse trabalho das grandes empresas privadas e dos grandes mercados terem um outro olhar para as cooperativas, já que a gente está fazendo nosso trabalho, ter essa parceria de fato, não é simplesmente pegar todos os resíduos, venderem tudo e não ficar nada para doação voluntária, também. Já seria um grande avanço para o crescimento também da cooperativa, nessa parte.
P/1 – As últimas três perguntas. Queria saber qual é a importância da reciclagem, da cooperativa na sua vida, na sua história?
R – Olha, a importância da cooperativa, hoje ela faz parte da minha vida. Eu falo: “Eu não era catadora, eu me tornei catadora”. Hoje eu falo que eu visto a camisa, com orgulho. No que o vestir a camisa? Vestir a camisa no orgulho é nesses aspectos, ela faz parte da vida da gente. Porque hoje nem tanto, antigamente eu até sonhava com resíduo correndo atrás de mim (risos). Hoje já é o contrário, hoje eu já penso: “Opa, qual o parceiro que a gente vai fazer amanhã? Qual será o doador que vai vir, de parceiro?” Então você já pensa dessa forma: parceiro, apoiador, trazer resíduo. E antigamente não, a gente sonhava com material correndo atrás da gente. A gente correndo atrás do material, vinham aquelas coisas meio bagunçadas na mente. Mas ela faz parte da vida. Da hora que a gente acorda até a hora que a gente sai do galpão, do trabalho, do dia a dia, daquela correria louca, do trabalho em si, ele faz parte da vida, então faz parte da minha vida, em todos os aspectos, o trabalho da coleta seletiva da cooperativa.
P/1 – Você gostaria de acrescentar alguma coisa, contar alguma história que não tenha contado, de algum momento ou deixar alguma mensagem?
R – Olha, a mensagem que eu vou deixar, que é dessa nossa sobrevivência, da vivência das cooperativas. Ainda precisamos do Poder Público, das grandes empresas, que as grandes indústrias tenham um olhar com uma realidade mais forte com as cooperativas do Brasil. Porque muitas coisas chegam lá, mas não chegam até nós, muitas coisas ficam pelo caminho. Muitas coisas não chegam para a gente, na realidade. Ela chega e fica sempre pelo caminho, está sempre ficando pelo caminho, sempre ficando pelo caminho. Então seria a importância de entender que as coisas têm que chegar até a gente para que a cooperativa possa ter seu avanço. E a forma do seu avanço é que será dessa forma. O avanço dela, para o crescimento dela, é necessário as empresas e o Poder Público terem um outro olhar. É um olhar de ver que a cooperativa está fazendo um bom trabalho, ela faz o trabalho dela na questão do meio ambiente, tem muitos apoiadores, têm muitos parceiros, mas precisa ter esse outro olhar das grandes empresas, das grandes indústrias, que geram resíduos e nem esse resíduo chega até a cooperativa. Então as coisas ficam pelo caminho e não chegam até nós. Seria a importância do crescimento da cooperativa sustentável, do coletivo, que as grandes empresas e nosso Poder Público tivessem uma outra visão, para que as coisas pudessem avançar e crescer dentro da cadeia da reciclagem, para o crescimento sustentável da cooperativa. Todas seria o ideal, mas falando da CMR Itapevi num todo, hoje, já que a represento hoje aqui, com essa camiseta, que além da gente sentir o respeito pela camiseta, o peso que ela tem, no sentido da importância que ela tem para a vida da gente, no nosso cotidiano do nosso trabalho, para o crescimento sustentável da cooperativa e dos cooperados.
P/1 – Como foi, para você, contar um pouquinho da sua história aqui, pensando desde a sua família, dos seus pais, no nordeste, na roça, fazendo toda essa viagem, como foi?
R – Olha, foi muito bom. É muito bom falar do passado, que é da nossa vivência da família, dos irmãos, no tempo de escola, na trajetória do casamento, dos filhos, do primeiro trabalho. E o hoje, como a gente está hoje. É uma trajetória de vida, de lembrança, de recordar a nossa vida. E isso é tão gratificante, principalmente hoje, por estar representando uma cooperativa de reciclagem, estar dentro de uma rede, no geral é uma coisa tão grandiosa saber que vocês que estão aqui, estão do lado de lá e eu do lado de cá, mostrar que esse avanço a gente teve. A gente teve essa semente que plantamos e por isso estamos aqui hoje. E por isso estou aqui hoje falando do trabalho, falando da gente, falando da importância, é gratificante. É sem palavras, é gratificante falar da gente. Além de falar de mim, como eu, Rosa, eu falar da minha vida pessoal, falar dos meus momentos de lembrança, do meu momento de vivência e falar da cooperativa, da nossa trajetória, do primeiro material, de onde a gente nasceu, como chegou hoje, como estamos. Isso é gratificante, de falar da importância que tem da vida pessoal e da vida profissional, o tanto que a gente avançou, no coletivo, numa cooperativa de reciclagem. E mostrar hoje, através da filmagem, desse depoimento, o tanto que a gente cresceu e por isso que eu estou falando aqui hoje do nosso trabalho, da coleta seletiva da CMR Itapevi. Isso é gratificante, isso não tem palavras de agradecimentos, além da lembrança, do recordar. E hoje, que estamos no nosso trabalho, do dia a dia.
P/1 – Rosa, eu também não tenho palavras para te agradecer por toda essa disponibilidade, tempo, dedicação e por todas essas histórias. Muito, muito obrigada, mesmo!
R - Em nome da CMR Itapevi, em nome dos cooperados e cooperadas da CMR Itapevi, o meu muito obrigado! E estamos aqui para outras oportunidades, falar do nosso trabalho e da importância do coletivo, do crescimento sustentável da cooperativa.
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