P/1 _ Solange, pra começar eu gostaria que você dissesse seu nome completo, local e data de nascimento.
R _ Meu nome é Solange Sanches, eu nasci em São Paulo, em 18 de agosto de 1956.
P/1 _ Qual que é a sua formação?
R _ Eu sou socióloga e tenho especialização em Economia e Gestão das Relações do Trabalho.
P/1 _ Qual foi o seu primeiro trabalho?
R_ Olha, foi um trabalho como recepcionista numa empresa de importação e exportação de produtos químicos, em 1976.
P/1 _ E depois, como é que você chegou até o DIEESE?
R_ Olha, uma amiga minha, chamada Rita, trabalhava no DIEESE já nessa época e nós, em 1977 eu entrei na universidade, Rita estudava lá, e o DIEESE estava precisando de pessoas para ajudar num trabalho porque ia ter o 1º Congresso da Mulher Metalúrgica...
P/1 _ 1978?
R_ Isso, em 1978, foi em janeiro de 1978. O DIEESE estava precisando de uns estagiários pra ajudar na preparação de alguns dos dados para o Congresso. E aí, a Rita, essa minha amiga, chamou eu e a Vera, que trabalha até hoje aqui, pra trabalhar. E foi assim que nós começamos a trabalhar no DIEESE. Foi um trabalho de distribuição salarial. Nosso trabalho, da Rita, da Vera [Vera Gebrin] e o meu, era riscar as guias de contribuição sindical, separar homens e mulheres para depois poder fazer a distribuição. Que é aquela coisa assim das empresas e da categoria, quantos ganhavam até um salário, quantos são homens, quantos são mulheres, as faixas salariais e tal. E depois que acabou esse trabalho, o pessoal precisava de alguém para ajudar a tabular os dados, eles já tinham feito a pesquisa básica, e tabular os dados da cesta básica em São Bernardo do Campo, porque teve uma pesquisa de cesta básica lá durante uns anos. E aí eu fiquei pra fazer essa tabulação e Vera, que tinha entrado comigo, foi contratada como pesquisadora desse.... Aí eu fiquei mais uns dois ou três meses, não me lembro muito bem, pra fazer a...
Continuar leituraP/1 _ Solange, pra começar eu gostaria que você dissesse seu nome completo, local e data de nascimento.
R _ Meu nome é Solange Sanches, eu nasci em São Paulo, em 18 de agosto de 1956.
P/1 _ Qual que é a sua formação?
R _ Eu sou socióloga e tenho especialização em Economia e Gestão das Relações do Trabalho.
P/1 _ Qual foi o seu primeiro trabalho?
R_ Olha, foi um trabalho como recepcionista numa empresa de importação e exportação de produtos químicos, em 1976.
P/1 _ E depois, como é que você chegou até o DIEESE?
R_ Olha, uma amiga minha, chamada Rita, trabalhava no DIEESE já nessa época e nós, em 1977 eu entrei na universidade, Rita estudava lá, e o DIEESE estava precisando de pessoas para ajudar num trabalho porque ia ter o 1º Congresso da Mulher Metalúrgica...
P/1 _ 1978?
R_ Isso, em 1978, foi em janeiro de 1978. O DIEESE estava precisando de uns estagiários pra ajudar na preparação de alguns dos dados para o Congresso. E aí, a Rita, essa minha amiga, chamou eu e a Vera, que trabalha até hoje aqui, pra trabalhar. E foi assim que nós começamos a trabalhar no DIEESE. Foi um trabalho de distribuição salarial. Nosso trabalho, da Rita, da Vera [Vera Gebrin] e o meu, era riscar as guias de contribuição sindical, separar homens e mulheres para depois poder fazer a distribuição. Que é aquela coisa assim das empresas e da categoria, quantos ganhavam até um salário, quantos são homens, quantos são mulheres, as faixas salariais e tal. E depois que acabou esse trabalho, o pessoal precisava de alguém para ajudar a tabular os dados, eles já tinham feito a pesquisa básica, e tabular os dados da cesta básica em São Bernardo do Campo, porque teve uma pesquisa de cesta básica lá durante uns anos. E aí eu fiquei pra fazer essa tabulação e Vera, que tinha entrado comigo, foi contratada como pesquisadora desse.... Aí eu fiquei mais uns dois ou três meses, não me lembro muito bem, pra fazer a tabulação dos dados que tinha sido feito com as categorias ali de São Bernardo, e depois eu fui implantar a pesquisa de preços, que é, você ir pela primeira vez nos estabelecimentos explicar, “olha, a partir de agora vai vim e tal”. Esse foi o meu primeiro, meus dois primeiros trabalhos no DIEESE.
P/1 _ Só voltando um pouquinho. Antes de você ter esse contato com o DIEESE, você tinha uma idéia o que era o DIEESE?
R_ Não, zero.
P/1_ Nunca tinha ouvido falar?
R_ Não. Era o lugar onde trabalhava a minha colega Rita. E era uma coisa assim de sindicatos, ponto.
P/1 _ E qual foi a sua impressão, o primeiro contato, assim, quando você foi ao DIEESE era ali nas Carmelitas?
R _ Isso...
P/1 _ E qual foi a sua impressão?
R _ Ah, eu gostei. Era um pessoal legal, assim, era, tinha aquela coisa, trabalhava com sindicatos, isso naquela época, não sei se hoje tem tanto apelo. Mas, naquele momento, pra nós, era o máximo trabalhar com os sindicatos e tal. Era um ambiente de trabalho muito legal, mesmo porque você via ali aquelas figuras importantes, o Barelli [Walter Barelli], ali, passando por ali, conversando com você, estavam lá os dirigentes sindicais, entrando e saindo, então, nossa, eu achei o máximo. E a idéia de ir trabalhar, ajudando os sindicatos e tudo, era uma coisa assim espetacular. Eu gostei muito, e por isso que quando o pessoal ofereceu esse outro trabalho, aí eu fui. Ainda era 1977 e os Metalúrgicos já era um sindicato importante. Então, eu gostava mais ainda, porque eu ia no sindicato conversar com os dirigentes, eles me ensinavam a ir pros lugares, no ABC em São Bernardo e tal.... Encontrei com o Lula algumas vezes, nessa época. Então, aí tudo o que eu queria era trabalhar no DIEESE, mas eu só fui ser contratada bastante tempo depois. Eu fiz outras pesquisas, teve uma pesquisa com os trabalhadores na construção civil, que a gente ficou no Sindicato, um tempo, da Construção Civil de São Paulo, entrevistando os trabalhadores da construção civil, foi uma coisa muito interessante, um trabalho bárbaro. Porque era uma história de vida, profissional, dos trabalhadores da construção civil. Muito legal. E depois, em 82, eu fui contratada como pesquisadora de campo da pesquisa, da PPVE, da Pesquisa de Padrão de Vida e Emprego, que o DIEESE estava fazendo e que é uma pesquisa básica pro cálculo do índice de custo de vida. Então eu fui ser pesquisadora de campo, como eu morava no Jabaquara, eu sempre morei lá, essa área de Diadema, São Bernardo, foi a área que eu fiz a pesquisa de campo na época. Depois eu fui trabalhar na crítica, na pesquisa e fiquei. Pronto, vinte e três anos. [risos]
P/1 _ Deixa eu só voltar um pouco porque você falou trabalho de campo. Nesse trabalho com a construção civil também teve um trabalho de campo?
Mistura de vozes
R _ Legal você perguntar. Posso ir contando tudo assim que lembro, vou falando que nem matraca mesmo? Essa pesquisa era bárbara. porque a gente ficava na porta do Sindicato da Construção Civil, que era ali, na Baixada do Glicério, e entrevistava o pessoal que vinha até o sindicato. E a pesquisa era essa história de vida e alguns dados de nutrição, de condições de vida. Eu tenho, naquela época estava tendo a construção do metrô de São Paulo e o que mais acontecia era que o pessoal... o Metrô mandava embora, as empresas que estavam construindo o metrô, mandavam embora e mandavam sem pagar um tostão e mandavam falar: “Vai lá no sindicato”. Eles até davam, assim, o endereço do sindicato para os trabalhadores. “Vá lá no sindicato”. Aí, o sindicato acolhia, acolhia, anotava ali a queixa, a primeira audiência na Justiça do Trabalho sempre sai muito rápido, sai super-rápido, assim coisa de um mês, sei lá, muito pouco tempo, saia a primeira audiência só que a segunda, sabe Deus quando e o trabalhador saía sem nada. Isso foi assim muito recorrente nessa pesquisa e eu me lembro de um rapaz, nunca me esqueci desse menino, primeiro por causa do nome dele, se chamava Sinhozinho,e era um moço, de uns vinte e poucos anos, bonito, com olhos verdes, assim, bonito, bonito, E ele estava indo no sindicato tratar justamente por essa coisa de ter sido mandado embora do metrô sem receber nada. Eu entrevistei e tinha essa parte da condição de vida da pessoa. Aí digo, “bom, e onde você mora?” Ele falou, “não moro em lugar nenhum não, dona por que eu morava no acampamento”... do metrô. Bom, e aí tinha umas perguntas de alimentação, “o que você tomou de café da manhã?” “Nada não.” Até que era normal a pessoa não tomar café da manhã. “E almoço?” Ele falou, “Ainda não almocei não”. Isso eram umas cinco horas da tarde e o rapaz não tinha comido nada. Ele ficou com vergonha e falou pra mim assim, “Ah, moça, pra dizer a verdade...” “E ontem?” “Pra dizer a verdade, nem ontem.”. Então, era um mocinho que estava há dois dias sem comer porque tinha sido mandado embora sem nada e não tinha onde ficar. E sabe aquela coisa, foi uma cena, foi um negócio tão terrível que a gente ficou assim, tinha eu mais duas, três colegas, que estavam lá fazendo a entrevista. Sabe quando você quer dizer “Olha, quer um dinheiro pra comer alguma coisa?” mas você não tem coragem porque você não quer ofender a pessoa. Eu nunca mais me esqueci dele porque era, eu era mocinha, e é uma experiência de você encontrar com a injustiça, assim, na sua cara. Um rapaz, trabalhador, demitido sem mais, nem menos e há dois dias sem comer, sem ter pra onde ir. Eu tenho essa história comigo, olha, sei lá, faz trinta anos, quase, porque nunca mais me esqueci dele, foi uma coisa que me marcou muito. E depois fazendo a PPVE, eu também era pesquisadora de campo, pesquisadora de rua. E, a PPVE como é uma pesquisa de emprego, de padrão de vida, pra fazer o Índice do Custo de Vida você precisa saber tudo que a família recebe e tudo o que ela gasta, pra poder ponderar, calcular os pesos que as coisas têm no orçamento das famílias. Então, agora você já pode fazer de um jeito um pouco mais compactado, mas, na época, a gente ficava um mês, você dava uma caderneta pra família preencher e tinha uma quantidade incalculável com todos os seus gastos, da família, umas cadernetas individuais, que todo mundo maior de dez anos ganhava pra preencher o seu gasto pessoal e milhares de questionários, Então, toda a coisa da ocupação das pessoas, ou da inatividade, e aí toda a parte de gasto que você puder imaginar, móvel, tudo o que você puder imaginar, educação, vestuário, saúde, transporte, tudo. Então, a gente brincava muito que a gente quase ia morar na casa das pessoas. Você ficava lá, futricando na vida das criaturas o mês inteiro. E as pessoas, e é muito interessante porque as pessoas têm uma paciência enorme de fazer uma pesquisa dessas, que é um verdadeiro porre. Você anotar tudo, muita gente adorava, achava bárbaro e você passava a conhecer, as famílias e as pessoas. E você vê também de tudo. Ali, na região de Diadema, São Bernardo, são regiões pobres, e você via assim famílias de classe média, aquela coisa, entrevistei muitos metalúrgicos, o pessoal que trabalhava lá nas fábricas, que era de fato, na época, o pessoal que tinha melhor condição, você via pela casa, tudo. Muitas vezes famílias em que o pai era metalúrgico e o filho também era, aquela coisa da profissão, e muita gente miseravelmente pobre e analfabeta. Por exemplo, teve um casal, esqueci os nomes deles, mas era um casal de velhinhos, quando eu entrei na casa assim, me embrulhou o estômago, porque era uma casa pobre, não muito limpa e você via com cheiro de doença e o velhinho estava deitado na cama, ele ficava na cama e a senhora fazia lá o que dava pra fazer. E eles toparam fazer a pesquisa, sabe aquela coisa que você faz, eu já nem queria mais, já rezando pra eles dizerem não, não pelo amor de Deus. E ela topou. E agora, e aí, enfim, primeiro eles tinham lá uma aposentadoria miserável e tudo o que eles ganhavam era doação, praticamente tudo o que entrava ali. E eu tinha que ir, eles não sabiam escrever direito, como é que ia anotar, e eu ia lá, dia sim, dia não, na casa deles pra saber o que tinha gastado, o que tinha acontecido não-sei-o-que, e foi uma coisa, também, porque eu não podia fazer nada, porque você não pode interferir na pesquisa. E ter assim passado esse mês com esse casal, tão pobrezinho, com uma situação de vida tremenda. Então tinha essa coisa, o trabalho do DIEESE acho que sempre teve isso, de muito rico. A gente sempre aprendeu muito, aprendi muita coisa de técnica de pesquisa, de método de pesquisa e tudo, mas sempre teve esse lado humano, de você lidar com os trabalhadores, de você estar ali junto, de você conhecer, que é uma coisa que não tem, é inestimável. Porque você sente que está fazendo alguma coisa importante e sabe que pra essas pessoas essas coisas são importantes também.
P/1 _ Como que eram selecionadas as famílias?
R _ Ah, isso é sorteio. Amostra estatística. É um sorteio, tem procedimentos estatísticos. Você mapeia. Antes de ir o pesquisador, vai o pessoal que mapeia os quarteirões. Vai lá, casa por casa, tem o número x, número y, prédio com tantos apartamentos, uma casa aqui, outra casa no fundo, não-sei-o-que, pra poder fazer o sorteio. E aí é amostral, aleatório, então você vai parar, ali ....
P/1 _ Deixa eu aproveitar que você começou a contar da sua..., aliás, deixa eu voltar só uma coisa em relação ao Congresso das Mulheres, que você disse. E você disse que estava indo no Sindicato dos Metalúrgicos. Como que era essa situação, você, era 1977, mulher, congresso, aliás, Sindicato dos Metalúrgicos abrange uma categoria quase 80% masculina, não é isso? Pelo menos naquela época devia ser isso...
R _ Era até mais...
P/1 _ Mais, E lá eram muitos metalúrgicos e como é que era essa relação, assim, mulher ....
R _ Ah, não, eles eram muito bonzinhos comigo. Eu era uma mocinha e eles me davam toda força. Eram muito legais. Neste momento não tinha, assim, nada que você pudesse perceber, entendeu, ao contrário, tinha um tratamento muito, até paternal. Chegava lá, não sabia onde era, o pessoal , se tinha todo o trabalho, explicava, não-sei-o-quê, muito... Essa coisa de gênero aparece muito mais tarde, pelo menos pra mim. Agora, era muito bacana ter ajudado no Congresso das Mulheres Metalúrgicas...
P/1 _ E como foi, teve um trabalho com as metalúrgicas, pesquisa?
R _ Não, a gente estava ali só fazendo aquele trabalho de estagiário mesmo, então eu me lembro vagamente de um congresso, pra te dizer a verdade agora já não sei mais se é esse, acho que não foi o primeiro, acho que foi o terceiro ou quarto que eu fui , muito tempo depois. Eu acho que eu nem fui no congresso. Ou se fui, fui um dia, fiquei lá saracoteando e fui embora. A gente não teve uma participação nos trabalhos, no congresso, nada. Inclusive porque eu acho que não era nem muito seguro, ainda.
P/1 – Então, vamos aproveitar agora, então, que você tinha falado dessa pesquisa e como é que foi essa sua trajetória no DIEESE?
R _ Eu fui trabalhar na crítica da PPVE, na crítica dos dados. Aí a gente ficou lá, o pessoal todo que tava lá, nos ficamos lá... acabando a pesquisa, processando os dados e montando a estrutura do novo Índice do Custo de Vida. E quando foi para implementar o novo Índice do Custo de Vida eu fui trabalhar no Índice. Trabalhei alguns anos, eu ainda era auxiliar técnica, nessa época a gente era tudo auxiliar técnico, depois, aí que eu não me lembro, se eu virei técnica ou estava no Índice ainda, ou se eu já estava na Carmelitas, no Atendimento. Mas aí, alguns anos depois eu virei técnica, foi em 1976, não 1986, que eu virei técnica do DIEESE, em 1986 e eu acho que, eu não tenho certeza, eu acho que eu estava no Índice ainda, ou estava saindo, foi bem aí. E ai a gente veio, eu trabalhei pouquíssimo tempo nas Carmelitas, porque o Índice do Custo de Vida funcionava, a PPVE e depois a montagem do Índice foi feito no Sindicato dos Químicos, lá na Tamandaré, funcionou sempre lá. Então, a gente trabalhava lá nos Químicos, Depois, quando foi para começar o Índice, um pouquinho antes de começar o Índice, nós viemos aqui para o Parque da Água Branca. A equipe do Índice do Custo de Vida foi a primeira a vir pra cá, pro Parque. Até quando nós chegamos no prédio, nós que limpamos, porque não tinha nada. A gente que veio, limpou, montou, fizemos tudo. Ficávamos sozinhos e depois vieram vindo outras pessoas. Então eu fiquei esses anos no Índice aí eu saí para trabalhar no Atendimento Sindical, das Carmelitas, fiquei alguns meses lá e ai veio todo mundo pras Carmelitas, acho que era 89, não sei. Não, não foi assim, foi que nós viemos, eu a Vera, nós fomos fazer uma pesquisa chamada “A Participação dos Trabalhadores nas Empresas Estatais”, 88/89. Percorremos o Brasil, éramos eu e ela, uma pesquisa coordenada pela Annez Andraus Troyano, entrevistando as empresas estatais, porque era na época dos diretores representantes, que estava começando a coisa dos diretores representantes e tal, então a gente, foi uma pesquisa muito legal, em que a gente olhava todas as formas de participação dos trabalhadores na empresa. Desde CIPA até o diretor-representante. Tudo o que havia, comissão de fábrica, fábrica não, de empresa, e aí a gente veio aqui para o Parque. E fazíamos aquele trabalho também de atendimento do DIEESE sindical, tal, teve uma época que o Barelli tinha me designado para atender os professores, eu atendi uma época o pessoal do Sindicato dos Professores, tinha uma época que ele tinha lá dividido alguns sindicatos pra cada um...
P/1 _ Assessoria?
R _ É, pra ter alguém encarregado de prestar um pouco mais de atenção, mais diretamente, eu fiquei uma época com os professores... Bom, aí veio todo mundo pra cá, né?
P/1 – Deixa eu só fazer um corte. Você estava trabalhando com o ICV, você falou 86/87, aproximadamente. Então, você chegou a pegar os planos econômicos?
R _ Ah, sim.
P/1 _ E como é que foi esse impacto, porque foi exatamente nessa época é que tinha aquele negócio do Sarney, do fiscal do Sarney, do congelamento...
R _ Era uma maratona porque toda vez que aparecia um plano a gente tinha que mobilizar a equipe toda. Primeiro correr atrás dos decretos, das coisas que tivesse, estudar aquilo tudo ali, montar o trabalho, falar com os escritórios. Então, era muito freqüente a gente varar a noite. Não era comunicação tão rápida que nem hoje. Isso era uma vantagem e uma desvantagem, tá certo? Porque você tinha pelo menos um dia para fazer as coisas, não era que nem agora que sai e dali a meia hora já tem o troço na Internet. Você tinha algum tempo pra fazer. Então, eu acho que isso já foi. Nos últimos planos a gente tinha uma...Mesmo na década de 90, quando ainda tem os planos a gente tinha um esquema montado. As pessoas já estavam até mais ou menos dividida. Tinha a turma que falava com os escritórios. Tinha a turma que ia ler e escrever, tinha a turma... Cada um tinha, como um time de futebol, cada um tinha a sua posição. A minha sempre foi ajudar ler e escrever os trabalhos,. Freqüentemente a gente ficava até as madrugadas para acabar o trabalho e depois, no outro dia, sempre tinha as reuniões com os sindicatos para explicar as... Fora o atendimento depois. Era hábito, a gente soltava o trabalho, mandava por fax, correio, sei lá eu se tinha fax, telex, sei lá, telex sei lá o que era ou punha no correio e aí chamava uma reunião e vinha todo mundo para você explicar o plano. E depois, continuava aquela maratona. Muito tempo depois, na época da URV [Unidade Real de Valor] , eu era supervisora da equipe de atendimento. Isso foi a década de 80. Então, 90 tem essa mudança, que sai a equipe o Barelli e outro pessoal assume e então eles me chamaram para ser supervisora da equipe de atendimento do Escritório Nacional e, aí era muito engraçado, aí começa a questão de gênero, viu? Porque era assim: eu sou socióloga e eu era, você quer ver, cinco ou seis meninos entre os economistas e os auxiliares técnicos. Eu era a única mulher da equipe, naquele momento, depois teve momentos em que tinha outras mulheres, mas teve momentos em que eu era a única Naquele momento, depois tinha outras mulheres. Então, era muito gozado, ninguém tinha a menor dúvida de que tinha que conversar com os meninos. Eu tinha uma política de trabalho que era assim: a gente nunca ia fazer reunião com o sindicato, quando o pessoal vinha, com uma pessoa só, porque como a gente era atendimento, então, você ia para sindicato pra assembléia, pra isso, pra aquilo, se o sindicato ligasse sempre tinha que ter alguém que estivesse sabendo o que estava rolando, pra poder atender. Então a gente sempre ia de dois. Era inacreditável, sentava eu, quando tava eu e um dos meninos, dos economistas, e então o pessoal falava sempre com os meninos. Até um dia em que eu perdi a paciência. Tinha um rapazinho que era auxiliar técnico. Ele tinha assim uns dezoito anos, menininho, e não tinha mais ninguém e eu falei “Vamos lá”. Sentamos e aí o dirigente sindical pediu, queria isso, queria aquilo, falando com ele, e aí virou pra mim e disse assim “Então, eu preciso desse trabalho, você pode fazer?” Aí eu subi nas tamancas. “Escuta aqui meu amigo. Te ocorre que este garoto seja o responsável?” Aí o cara falou assim... “Você sabe, a responsável sou eu.” Aí o cara arregalou o olho, “Desculpe, companheira, não sei o que”. E assim, eu atendia o telefone, porque tinha o Silvestre [José Silvestre], o Marcelo Terrazas. “O Marcelo taí?” “Não”. “Quem tá falando? E a secretária dele?” “Não, é a chefe”. Então, às vezes eu fazia essa malcriação. As coisas de gênero você começa a se dar conta nestas horas.
P/1 _ Esse recorte na pesquisa, gênero, raça, ele pinta quando?
R _ Eu sempre estive muito ligada com a área de pesquisa do DIEESE. Apesar de ter trabalhado no Custo de Vida. No Custo de Vida era pesquisa, no Atendimento, foi a PPVE que deu origem à PED [Pesquisa de Emprego e Desemprego], então, a PPVE foi o primeiro grande ensaio. A PPVE 81, 82 e 83 foi o primeiro grande ensaio da PED. Deixa eu botar as coisas em ordem aqui. Eu fiz muitas pesquisas no DIEESE, várias mesmo, menores. A coisa de gênero... Bom, aí tem que, bom ai a gente varou a década de 90 e a um certo momento, o DIEESE achou que tinha que ter uma equipe especializada em projetos porque já tinha a questão do padrão, da mudança do padrão de financiamento do DIEESE, é um momento em que os sindicatos estão começando a ter problemas já muito graves, meados da década de 90, e cai muito a arrecadação sindical e aí o DIEESE começa a se lançar nessa coisa, já tinha alguma coisa, mas ficou muito claro que você tinha que trabalhar com o objetivo de levantar recursos para o DIEESE. Aí, se formou uma equipe especialista nisso. Éramos eu e a Rosana [Rosana Freitas], trabalhando junto com o Prado [Antonio Prado] que era o coordenador da Produção Técnica. Então, nós, a Suzanna [Suzanna Sochaczewski] tinha ficado um pouco com essa tarefa da Secretaria de Projetos, mas ela também tinha muita coisa e na verdade a Secretaria montou mesmo quando foi a Rosana pra lá. E éramos assim duas especialidades, como se diz, complementares. Porque eu tinha bastante formação técnica, de pesquisa, e a Rosana, uma formação mais administrativa, de gestão. E, então, era uma dobradinha. Eu pensava no planejamento e ela pensava toda questão de custos, essas coisas, além de termos feito muita coisa. Nós fizemos os Relatórios de Atividades do DIEESE. Foi nossa atribuição durante muitos anos, nós fizemos o Anuário dos Trabalhadores, que era assim, a menina dos meus olhos, as coisas que eu mais amava, a Biblioteca, o Anuário, então desde o primeiro, o primeiro foi eu, ela, o Prado, o Mário Salerno trabalhou também, que fizemos.
P/1 _ O primeiro foi quando?
R_ Em 1993. Bom, aí eu já tinha saído um pouco dessa área mais sindical. Eu fui negociadora sindical durante muitos anos, também participava das mesas, tal....
P/1 _ Você já viveu alguma situação, desafio, uma situação que te marcou?
R _ Então, falando de gênero, olha que legal. Teve uma época que eu negociei muito pros vidreiros de São Paulo [Sindicato dos vidreiros] e eram aquelas grandes empresas, Santa Marina e tal, e tinha um, não lembro qual era o cargo dele, do patronal, mas ele era da Santa Marina. O nome dele era Rizzo. Ele era, não sei se ele era diretor, mas ele era um cargo muito alto na Santa Marina e ele que negociava, e me lembro uma vez que ele falou assim, eu sentei lá na mesa com o pessoal, pra ajudar na coisa salarial, que era esse o nosso papel, aí eu fui falar qualquer coisa e as pessoas me interromperam, e aí o cara falou assim: “Deixa a menina do DIEESE falar.” “Ah! Desgraçado!” [sussurando] Mas, uma outra vez ele falou assim, “Uma flor para enfeitar a nossa mesa”. Que ótima maneira de desmerecer. É a “menina”, é a “flor”, não é uma negociadora que está aqui. Então, era muito duro. Já era duro você negociar e sendo mulher sempre tinha... E teve um outro lance muito gozado, que aí foi a nosso favor. Era uma negociação do pessoal das bebidas [Sindicato das Bebidas] e não sei porque cargas d’água só tinha eu de mulher dos dois lados. Nesse dos vidreiros também, geralmente era eu, só., porque vidreiro também é uma categoria que não tem mulher e do lado patronal é que não tinha mesmo. Mas nessa das bebidas não tinha nenhuma mulher em nenhum dos lados, só tinha eu ali e tinha uma reivindicação, o negócio de amamentação, de creche. Eu sei que os caras perderam a história da creche e tinha a história da amamentação, de ampliar quinze minutos, meia hora, eu lá sei o número direito, o horário da amamentação. E os meninos já estavam preocupados, do sindicato, já perderam a creche e as meninas, as mulheres quando a gente sair vão pegar no nosso pé. “Solange, não pode defender o negócio da amamentação, você que é mulher?” Não estava nem um pouco preparada para isso, mas vamos. Ai eu sei que os caras “Bom aí, os caras, “não, pra quê, não sei o quê, de jeito nenhum, porque, pra que, qual a necessidade, já tem meia hora, mais uma hora, mais do que isso não é necessário, blá,blá,blá.” Aí, eu me enchi e falei: “Vocês vão me dar licença: vou fazer uma pergunta aqui. Qual dos senhores já amamentou?” Aí aquele constrangimento na mesa, ninguém. Aí eu falei. “Bom, eu já. Então eu posso fazer, algum dos senhores já observou alguma criança sendo amamentada?” “Mas que é isso? Que argumentação é essa que a senhora vai fazer?” “Eu vou fazer sim: os bebês, se os senhores tiveram já oportunidade de notar, são pessoas que você não pode dizer “Mame agora que mamãe tem que ir embora trabalhar”. É necessário tempo...” E saiu menina, os caras ficaram tão constrangidos com a história de amamentar que saiu. Eles estenderam a coisa no ano seguinte. Depois negociei muito tempo pra a Valisére, na Valisére, lá com as meninas da Valisére. Aí era inacreditável porque... sabe que na Valisére é trabalho por produção, e era na época que eles estavam fazendo a coisa de grupos de produção. Estava ganhando peso esse negócio. Então era um inferno porque se a mulher tivesse que sair para levar o filho no hospital, fazer uma consulta, tudo bem, pode levar, mas tem que voltar. Seu filho está doente, alguém te liga, você pega vai lá pega o menino, leva no hospital e depois joga em qualquer mato e volta para trabalhar. As meninas se sentiam muito pressionadas porque? porque você perde produção. Durante, foram uns dois ou três anos, nós brigamos muito com essa coisa e não levamos, viu? Com essa coisa de não ter que voltar ao trabalho depois de ter levado o filho no médico. Elas conseguiram, mas anos depois.
P/1 _ Mesmo com atestado?
R _ Mesmo com atestado. Tinha de voltar porque, como é que era a história? Era uma história de descontos, que eu não lembro mais direito. Para você não perder a produção, eu acho, era uma coisa assim. O atestado tornava a falta justificada, porque é isso, o atestado não abona, não te dá o dia, ele justifica a tua falta, o que quer dizer que você só perde o dia ou o período. Não o dia e o fim de semana. Então, o lance de voltar era para não perder o fim de semana, posso estar errada, mas era talvez alguma coisa com relação à produção. E foram, eram quebra-paus homéricos, mas não adiantou nada. Pelo menos nos dois anos que eu me lembro, que a gente bateu boca em relação a isso e não tinha negócio. Então o lance era assim mesmo. Teu seu filho está doente, entendeu, vai lá no médico, dá remédio, tranca em casa e diz “mãe já volta meu filho, ‘agüenta a mão aí”. Então, eram coisas assim desafiadoras. Muito desafiadoras E a coisa de gênero no DIEESE sempre teve, não é? Porque, o Primeiro Congresso da Mulher Metalúrgica, em mil novecentos. No final da década de 80, acho que foi , em 1989, a Vera lembra isso bem. A gente já tinha feito um trabalho que foi a Vera que fez de cláusulas de acordos coletivos para a mulher para o Conselho Estadual das Mulheres, daqui de São Paulo. A PED sempre teve sexo, a única pesquisa dessas mensais, que sempre teve, cor e sexo, desde o começo, sempre coletou esse dado, as outras, a PME vieram incorporar depois, mas a PED sempre teve. Mas, de fato, o DIEESE não tinha uma atuação mais estruturada nessa coisa de gênero, apesar de a gente estar ali, nessa, sabe assim, sempre com esse tema colocado da alguma maneira. Isso começa em... 94? Acho que é 94, não, acho que foi 94/95, a gente fez o primeiro projeto com fundo da igualdade de gênero da Agência Canadense de Desenvolvimento Internacional. E foi muito interessante, porque eu trabalhava na Secretaria de Projetos nesta época, a Vera estava no Banco de Dados e o Prado era o coordenador de Produção Técnica e o Clemente (Clemente Ganz Lúcio), coordenador de Educação, e quando surgiu essa oportunidade de mandar um projeto pro fundo de gênero, eu nunca me esqueço. Que foi assim: o Clemente sugeriu fazer um levantamento dos acordos e convenções que era uma, que era da coordenação do Prado, e o Prado pensou em fazer, montar, um Seminário de Negociação Coletiva para as mulheres, que era da área do Clemente. Então a gente juntou, um teve a idéia da área do outro, foi muito bacana. E aí a gente fez esse projeto, e apresentou, e eles financiaram, que era desenvolver um seminário de negociação coletiva, voltado especificamente para a negociação das cláusulas de gênero e fazer esse levantamento dos acordos e convenções coletivas na questão do gênero. O DIEESE já tinha feito, muitos anos antes, o acordo padrão, quando a gente deu um outro nome, que era na verdade as melhores cláusulas, se eu não estou enganada é de 91, e aí dessa história do acordo padrão que surgiu essa idéia de ver o que tinha sobre mulheres. Então, aí trabalhamos eu ,a Vera, a Rosana, a Valéria, fazendo o trabalho e montando o seminário, com a coordenação do Prado. Aí a gente chamou as centrais sindicais todas para trabalhar. Isso era um momento muito interessante, na verdade, do trabalho das mulheres nas centrais sindicais porque você tinha duas mulheres espetaculares, a Luci Paulino, dos metalúrgicos de São Paulo [do ABC], na CUT, Secretária da Mulher, na CUT, e a Nair Goulart, na Força Sindical. E eu acho, assim, acho que é muito bom contar isso, que isso fique gravado. Eu tenho uma admiração enorme pelas duas e pela coragem que essas mulheres tiveram, porque elas entenderam de uma maneira que eu acho que depois as outras viram, mas elas tiveram o mérito de dar o passo, de entender a importância das centrais sindicais trabalharem juntas neste tema e das mulheres todas se reforçarem mutuamente. Porque, independente das divergências políticas entre as centrais, de pontos de vista, a questão de gênero, lastimavelmente, era bastante semelhante em todas. Como continua sendo até hoje. Elas tomaram assim, tiveram um movimento de trabalho conjunto, sempre com muito respeito pela diferença de posição e mesmo divergência que havia entre as duas, mas elas começaram a trabalhar conjuntamente. Por exemplo, esse projeto do DIEESE elas deram total apoio, foi um apoio muito grande, da Luci, da Nair, das outras, da Lea que era, nesse momento, secretária da Mulher da CGT. O primeiro projeto foram as três: CUT, CGT e Força. A Leia também é uma mulher muito sensata e se trabalhava todo mundo muito bem. Ah, eu quero contar. O Seminário foi bárbaro, porque nós chamamos, tudo aquilo que você fazia, como seminário de negociação coletiva pra todo mundo, nós fizemos especificamente para as mulheres. Então, era discutir as cláusulas, montar um acordo, destrinchar os argumentos em favor e contra, pensar estratégia da negociação, pensar a tática, fazer a simulação de mesa da discussão das cláusulas. Então, foi super-bacana, super-bacana. E aí saiu, e também validar o, eu tô vendo o mapa ali, o trabalho dos acordos e convenções coletivas tinha uma metodologia de agrupamento das cláusulas que a gente discutiu com elas, trabalhou e aí o trabalho saiu assim, um agrupamento específico ali, discutido com elas todas. E esse foi um trabalho maravilhoso e foi um sucesso espetacular, espetacular porque não existia...
P/1 _ Esse mapa é o de gênero?
R _ Não, o mapa é depois. É resultado disso, é desdobramento disto. As cláusulas, os acordos e convenções coletivos foi um sucesso fantástico, porque não existia um trabalho assim. Depois nós ficamos sabendo, que nem no Brasil, nem em lugar nenhum do mundo. Foi o primeiro que foi feito. Tanto que o pessoal da Europa, quando soube, o pessoal das Comissiones Obreras, de várias, ficou encantado quando viu...
P/1 _ Outras centrais sindicais?
R _ Outras centrais sindicais. Porque não tinha. Ninguém tinha feito isso. O DIEESE foi o primeiro mesmo. E desta experiência, que foi super bem sucedida, pras meninas das centrais, eu diria que foi um momento muito importante da luta política delas, entre outros, não foi único, claro, mas foi um momento importante na luta política delas pelo reconhecimento dentro dos sindicatos, dentro das centrais. Isso deu-lhes um fôlego, deu uma repercussão espetacular, saiu na imprensa, sabe aqueles “balaco baco” todo. Isso foi uma coisa que ajudou a fortalecer politicamente o pessoal dentro das suas entidades. E aí, quando acabou, a gente. “Bom, e agora?” A gente podia apresentar um novo projeto pro fundo de gênero. E aí que, foi uma idéia do Prado, e que elas acharam bárbaro fazer esse, porque o DIEESE sempre tinha trabalhado com a coisa planejamento estratégico, situacional, do Matus [Carlos Matus]. Então...
P/1 _ O que é esse planejamento estratégico?
R _ É uma ferramenta, na verdade o Carlos Matus, que era um chileno, ele desenvolveu essa forma de planejamento pensando em governos, mas, no fim, isso fez muito sucesso no Brasil na área sindical. Muita gente ainda usa e é uma maneira de você planejar, mas é um planejamento dinâmico, não é aquele tipo de planejamento estático que se faz, que você bota as coisas só em linha, implica em você discutir causas, conseqüências, vetores, é um método até bastante sofisticado. Hoje o pessoal trabalha muito com o ZOPE [Z Object Publishing Environment], que eu não sei o que quer dizer a sigla, mas é um método de planejamento estratégico, de PES - Planejamento Estratégico Situacional. E aí a gente pensou... e o Prado deu essa idéia, vamos fazer um planejamento estratégico das questões de gênero, pensando quais são os temas, o quê que precisa e tal. E aí, qual foi o lance: a gente propôs para o Fundo de Gênero que sempre, que foi quem apoiou isso. Esse projeto, que foi fazer um Seminário de Planejamento Estratégico e essa publicação, o Mapa das Questões de Gênero. Então, a gente, o seminário foi assim o ponto final, mas a gente montou toda a metodologia de trabalho junto com as centrais, em várias discussões e tal e todo mundo colocando, um levantamento de problemas, a discussão dos problemas até culminar no seminário. Depois, fizemos o mapa e aí a gente validou o mapa com elas também e quando o pessoal, neste momento, do Centro de Solidariedade, aqui da AFL-CIO, era um momento da mudança política na AFL-CIO, então o Centro de Solidariedade aqui, que tinham a Carolyn que sempre foi uma grande parceira....
P/1 _ Qual era o nome?
R _ Carolyn Kazdin. Ela era a pessoa responsável, ela se interessou muito, e ela traduziu para o inglês o outro trabalho. Ele financiaram a tradução das Cláusulas para o inglês e a gente começou... E ia ter o Congresso das Mulheres da CIOLS [Confederação Internacional das Organizações dos Sindicatos Livres], que foi no Rio de Janeiro, eu sei lá eu que ano, pra te dizer a verdade, mas isso não é difícil a gente lembrar, foi quando, e aí a gente começou a pensar que seria uma excelente ocasião para lançar o Mapa no Congresso da CIOLS. O pessoal lá do Canadá, do Canadian Labour Congress, as mulheres lá da CLC financiaram a tradução do mapa para inglês e para espanhol. Foi um negócio assim dez, porque nós fomos para o Congresso da CIOLS com esse mapa em português, inglês e espanhol , todas as centrais brasileiras. Então, foi um lance assim, este Mapa até hoje as meninas usam, porque ele é de fato um planejamento. Ele tem lá os problemas, as causas, os indicadores, as ações sugeridas, então, ele é muito atual, até hoje. E esse foi assim, eu acho que foi um marco no movimento sindical de mulheres. Pelo empenho que as centrais sindicais colocaram nele, pela enorme repercussão que ele teve, nacional e internacional. Eu lembro que o pessoal das centrais, da AFL-CIO, da CLC e das nossas daqui mandou e-mail pro mundo inteiro oferecendo o Mapa e chegou pedidos assim, entendeu, da Ásia, da África. Até que, foi muito gozado, chegou um dia um fax de um lugar chamado “Latvia”. O que é a “Latvia”? É um tal de corre-corre, daqui ninguém sabia, botamos num envelope, no endereço que estava ali, bom, Deus é pai e vai chegar. Tempos depois, a gente ficou sabendo que era a Letônia, que é o nome em letão, certo? Então, foi assim, um enorme, espetacular sucesso. Outra vez, era um trabalho que nunca tinha sido feito. Esta idéia desse tipo, e isso, eu acho que... E foi muito interessante porque já tinha muita gente trabalhando na área de gênero quando a gente pensou lá na frente no primeiro projeto...
P/1 _ Muita gente de outros...?
R _ Sim, porque você tinha todas as outras ONGs. Feministas, as próprias entidades das centrais e a gente tinha a preocupação de dizer “Olha, nós não vamos entrar nesse debate, nós não vamos disputar espaço com ninguém. A idéia é contribuir, e a gente precisa ter muito claro o que é que o DIEESE vai fazer nisso. Qual é o papel do DIEESE nesse debate?” E aí a gente foi formulando aos poucos e eu acho que terminou ficando uma formulação muito bonita, que é o que está na introdução do, das Cláusulas, do Trabalho de Pesquisa do DIEESE, nas Cláusulas, está na Introdução dos Mapas das Questões de Gênero , que era uma formulação de como a negociação coletiva era um espaço fundamental na luta pela igualdade de gênero. Então nós fizemos todo uma formulação da importância da negociação , da importância da participação das mulheres, que eu acho que a gente ajudou nesse sentido e que esse era o nosso espaço, trabalho, que nos não íamos discutir os outros temas ligados à questão de gênero, como a coisa da divisão de tarefas, como a coisa da subjetividade, como outras coisas, porque o nosso âmbito era o âmbito de trabalho, e dentro do trabalho, condições de trabalho e negociação coletiva.
P/1 _ A questão da ferramenta, né?
R _ Que era o nosso mandato. Eu acho que foi muito legal isso. E aí, também, essa visão muito clara de espaço possibilitou à gente trabalhar muito bem com as outras instituições todas do movimento sindical, as ONGs todas, que também trabalhavam nessa área, das mulheres, sem ter nenhum conflito de espaços, de debate. Bom, isso era a questão de gênero. E aí continuamos fazendo coisas e tal. E aí a gente inventou de fazer todo dia 8 de março, que se faz até hoje, aquela publicação comemorativa que sempre tem um estudo específico. A gente começou nessa época lá atrás a fazer e o bacana do DIEESE , eu acho que é isso, o DIEESE não abandona as coisas, alguém faz, o outro pega e vai fazendo. Quer dizer, nunca nós deixamos de fazer nada. A gente sempre foi acrescentando coisas, do que os outros tinham começado e quem vem em seguida continua. Acho que essa é uma característica que dá uma solidez para o trabalho do DIEESE muito importante. Bom, aí estávamos nessa história de fazer trabalho de mulheres e não sei o quê, foi quando o pessoal do INSPIR convidou a gente pra um seminário...
P/1 – INSPIR?!
R _ Instituto Intersindical Interamericano Pela Igualdade Racial, que é um instituto onde estão as centrais, eu não sei quantas estão agora, pelo menos as três, CUT, Força e CGT, a AFL-CIO e a COSATO que é a central sindical sul-africana, e a CIOLS. Não, mentira, a COSATO não está na INSPIR, é a CIOLS, me confundi. É a AFL-CIO, a CIOLS e as centrais brasileiras, por isso que ele é interamericano. Não tem nada de COSATO, eu que inventei aqui. Então, o pessoal estava fazendo um seminário pra discutir a questão racial, lá no Sindicato dos Bancários, a turma da CNB, e o INSPIR e a pessoa era a Neide Fonseca, que sempre esteve aí nessa questão. E aí a Neide intimou a gente para ir participar desse seminário e discutir as coisas do quesito cor, pesquisa que tem, não tem, a coisa de observação, auto-declaração da questão racial e tal. O DIEESE já tinha feito alguns debates lá nos metalúrgicos, uma vez que a turma estava lá debatendo a coisa de cor, como classificar e tal, que eu saiba, depois não andou muito mais porque é uma questão difícil. Aí fomos nesse seminário. E nesse seminário surgiu a questão de que o movimento sindical precisava ter as informações sobre a questão racial e a, o INSPIR fez um desafio para o DIEESE: Como é que o DIEESE podia ajudar o movimento sindical nessa questão racial. E aí que surgiu as idéias, essa fase foi um momento assim espetacular, espetacular, aí, eu sempre falo muito do Prado, porque ele era o nosso coordenador. Ele teve a idéia de pegar a PED, e processar os dados de todas as PEDs pra ver a questão racial e propôs isso pro INSPIR. O pessoal do Centro de Solidariedade entrou, se propôs a financiar. O pessoal adorou a idéia da gente fazer um estudo com base na PED e o Centro de Solidariedade e o, o INSPIR não tinha um tostão, coitado, mas o Centro de Solidariedade tinha um pouquinho. Só que o trabalho que nós começamos a sonhar em fazer era maior do que qualquer recurso que eles tivessem. Mas, aí, a direção do DIEESE resolveu que não, que ia bancar, vamos fazer o trabalho como ele tem que ser feito. E nós começamos a trabalhar. Então , foi muito legal montar o trabalho. Também eu acho que aí a gênese, não só do trabalho, do DIEESE não só questão racial, mas é um momento fundamental na constituição da equipe nacional das PEDs. Foi a primeira vez que se fez um trabalho todas as PEDs juntas no DIEESE. Por incrível que pareça a gente nunca tinha sido feito, até aquele momento. Foi pensado em conjunto, todo mundo, e a gente achou que já que era pra fazer um trabalho sobre a questão racial, então que nós tínhamos que fazer uma coisa científica. Pegar uma por uma das formulações do preconceito e ver se elas se sustentavam de alguma maneira. Então aquela coisa assim: os negros trabalham menos, os negros trabalham menos horas, os negros têm menor escolaridade... Então nós fomos assim, um por um. E a história da feitura desse trabalho é uma coisa muito interessante. Eu até escrevi, o INSPIR fez agora dez anos e a gente lá da OIT apoiou o livro comemorativo deles dos dez anos e eles pediram para eu escrever um artigo e eu contei a história, essa que estou contando agora pra vocês. Eu contei nesse artigo que está nesse livro do INSPIR. Porque foi uma coisa, óbvio, ninguém ali era, todo mundo sabia muito bem e estava convencido da existência do preconceito racial no Brasil. Não era a questão de ser convencido do, mas, ninguém esperava, mesmo porque não existiam, os dados que a gente começou a receber das regiões metropolitanas. Porque a gente fez ali o plano tabular, todo mundo processou as mesmas coisas, igualzinho, nas capitais, para você poder comparar e os dados começaram a chegar. E tinha uma equipe aqui em São Paulo e o combinado era o que todo mundo processava seus dados, fazia a análise da sua região e a gente aqui em São Paulo, analisava São Paulo e montava tudo. Então estava eu, a Vera [Vera Gebrin], a Marise Hoffman e a Rosana [Rosana Freitas] fechando esse trabalho aqui. A Patrícia [Patrícia Lino Costa] ajudou, em vários momentos, bom, ai chegou assim. O primeiro que saiu foi São Paulo, que era mais rápida de processamento. E aí era desastrosos os dados. Tudo que você olhava, na população negra era pior, tudo, tudo, tudo. Bom, São Paulo é 30% da população e tal, esse negócio europeu, que seja um preconceito assim. Aí começaram a chegar. Chegou Porto Alegre, a mesma coisa, parecia copiado um dado do outro. Minas Gerais foi um susto, porque você tem 60% de negros em Belo Horizonte. Alguém imaginava? Nunca. Pô é tudo isso? Desastrosa a situação. E a nossa grande esperança era quando chegasse Salvador. Salvador tem que dar uma guinada nesse quadro. Aí chegou Recife, desastrosos e quando chegou Salvador foi uma coisa, porque era pior, pior. Toda a reflexão sociológica dizia o contrário. Dizia que Salvador, como a maioria da população era negra, o preconceito tendia a ser menor. E o dado que nós achamos era o contrário. Era muito pior, era de longe o pior de todas. Onde tinha 60, onde tinha 30, onde tinha 10, onde tinha 80 era pior. Então aquilo foi, e era pior mas era tudo igual, porque do Oiapoque ao Chuí a mesma discriminação, em todos os quesitos, não tinha assim um ponto em que você dissesse assim, aqui isso equilibra, não, aqui é sempre pior. E eu até contei nesse artigo que pra gente que trabalhou foi um impacto muito forte, porque você sabe que existe mas ninguém tinha a dimensão, do tamanho da coisa e de como ela era entranhada e como ela podia ser terrível. No caso de Salvador, você tem uma elite branca desse “tamanhinho”, entendeu, subjugar todos os outros, 80%, exercer seu poder de dinheiro e político e de mando. Isso foi uma experiência pessoal que contei pra todo mundo que trabalhou, pra todo mundo do DIEESE. Esse trabalho marcou época. Foi um trabalho fundamental nessa discussão. Porque ele foi o primeiro a sair com dados nacionais, eram as regiões metropolitanas, mas eram dados nacionais provando. Não é só uma questão de achismo, ou de sentimento subjetivo das pessoas, tem o dado aqui. E teve um impacto tremendo, a gente foi divulgado no Ministério do Trabalho, tava lá o Netinho, tinha o pessoal do Movimento Negro, foi uma coisa assim, teve muita repercussão e até hoje, o pessoal do Movimento Negro fala desse trabalho. Eu lembro que uma vez ligou, olha aí de novo, um menino lá de São Bernardo e falou assim comigo “Puxa, eu queria agradecer muito o DIEESE, porque fazia muitos anos que a gente precisava ter um trabalho independente mostrando isso”. Anos depois, eu acho que dois ou três anos depois, que o IBGE fez um trabalho. Mas o do DIESE fez primeiro. E aí o INSPIR fez um trabalho muito bacana que foram cartilhinhas do trabalho e também o DIEESE passou a fazer todo dia 20 de novembro uma divulgação especial sobre a questão racial. E aí continua o trabalho, se fez muita coisa. Teve um outro projeto com o Fundo de Gênero, que a gente fez alguns boletins, um deles é sobre as mulheres negras, Agora, na OIT, e o projeto que eu estava trabalhando na OIT era um projeto sobre gênero raça, pobreza e emprego. E então a gente fez junto com o DIEESE. A gente contratou, a OIT contratou o DIEESE pra fazer um estudo sobre as trabalhadoras domésticas, porque aí de fato está a síntese da questão racial no Rio de Janeiro e no Brasil. É a maior ocupação feminina, majoritariamente negra, e a pior valorizada dentre todas. É um trabalho muito bonito também que a gente fez no ano passado.
P/1 – Então, quando você foi para a OIT você saiu do DIEESE. Como foi essa saída do DIEESE?
R _ Bom, é que no meio disso tudo, eu virei coordenadora de pesquisa do DIEESE. Fui para a Direção Técnica e fui coordenadora de pesquisa do DIEESE. Bom, aí, quando eu estava na coordenação nós fizemos o livro, o Prado já tinha começado, “A Situação do Trabalho no Brasil”, eu acabei, que foi um livro também que foi muito importante, trabalhou uma equipe enorme do DIEESE, e a idéia não se pode, por falta de recursos e vários outros problemas, a idéia era fazer de tempos em tempos, de dois em dois anos, três em três anos, mas o DIEESE ainda não conseguiu, infelizmente, não está abandonado o projeto, pelo que eu sei, mas não conseguiu fazer de novo. Foi uma experiência espetacular A Situação do Trabalho, também financiado pelo pessoal americano e inspirado num livro que o Economic Policy Institute [EPI], dos Estados Unidos, faz que se chama The State of Work in América. Porque lá nos Estados Unidos, o governo sempre apresenta um livro chamado “O Estado da Nação”, The State of the Nation, e esse pessoal do EPI que é ligado à AFL-CIO, inventou o “The State of Work in AMÉRICA” e quando a gente viu o livro achou bárbaro. O Prado tinha ido lá no evento deles e trouxe esse livro desses e falamos “precisamos fazer um desses” e aí o pessoal topou financiar, porque claro, era um negócio super-bacana a gente fazer o mesmo livro que eles faziam ali e aí então a gente começou a fazer, aí o Prado saiu do DIEESE, eu fui ser Diretora de Pesquisa, Coordenadora de Pesquisa, perdão, Coordenadora de Pesquisa e a gente continuou esse trabalho e o meu trabalho fundamental na coordenação de pesquisa, eu acho que foi, alguns deles, eu acho que teve essa questão do livro, da situação do trabalho....
P/1 _ A Situação do Trabalho no Brasil?
R – A Situação do Trabalho no Brasil. A gente começou um trabalho muito importante de articulação nacional das PEDs. A gente começou a montar a equipe nacional das PEDs e começou a trabalhar a organização das bases de dados pra ter a base de dados todas homogeneizadas, dicionarizadas, para poder divulgar isso e começamos a montar, mesmo, um núcleo de trabalho específico chamado PEDs. Que mais que a gente fez? Ah, fizemos uma segunda edição das Cláusulas e Acordos Coletivos. Fizemos uma montanha de outras coisas, mas eu acho que, e a reestruturação da Secretaria de Projetos. Eu acho que foram as coisas importantes que eu fiz quando estava na Direção Técnica. Esta é a sua vida! Aí entra um momento terrível, do problema financeiro muito grave, do DIEESE , foi uma época terrível, eu acho que não tem coisa pior do que você ter que fazer uma lista de demissão e nós tivemos que demitir muitas pessoas...
P/1 – Que ano foi isso?
R _ Eu apaguei da cabeça.
P/1 _ Foi na mudança ...para o Clemente?
R – 2003.
P/1 – 2003?
R _ Foi em 2002,... Em 2002 foi um momento muito difícil, particularmente para quem estava na direção e teve que tomar essa decisão. Para o bem ou para o mal, aquela direção, naquele momento, tomou a decisão de só fazer isso em último caso. Foi 2003, não foi em 2002.
P/1 – Foi 2003, quando o Clemente assumiu.
R _ Claro, 2003, com o novo governo, a gente empurrou, inclusive, esperando que, com a mudança de governo, talvez a gente tivesse um apoio maior, como de fato ele veio, tempos depois. Uma coisa que talvez você não saiba, é que nessa mudança, nas mudanças de governo é muito difícil você ter uma ação muito rápida, porque as pessoas estão chegando ali também. Então, enfim não teve jeito, teve que demitir. E aí, eu saí, eu fiquei em 2003 no DIEESE, exatamente, eu saí em 2004, eu fiquei 2003 inteirinho no DIEESE, inclusive ajudei muito, fui muito para Brasília negociar alguns projetos lá com o novo Ministério do Trabalho, e teria ficado mesmo, na verdade até porque quando o Clemente assumiu a direção me convidou pra ficar na, onde estava, para ficar por lá mesmo, mas aí eu tive uma questão pessoal, porque o Prado já tinha ido pra Brasília, um ano antes, em 2003, e aí era uma coisa assim, entre o DIEESE e a minha família, porque ele estava lá, nós aqui, aquela confusão. Aí eu resolvi que, então.. eu nem fiquei com o Clemente como diretor porque eles assumiu em, mentira fiquei sim, eu fui pra Brasília trabalhando pelo DIEESE. Eu resolvi que não ia assumir a Direção de Pesquisa, a Coordenação de Pesquisa, mas eu ia fiquei como coordenadora nacional das PEDs a partir de Brasília, eu fui pra lá, porque a nossa colega que trabalhava lá na PED de Brasília, a Graça [[Maria da Graça Ohana Pinto], tinha voltado para o Ministério da Saúde, porque ela era uma funcionária licenciada, ficou licenciada muitos anos e aí ela tinha que voltar, então ela voltou e eu fui tomar conta das PED de Brasília e também continuava coordenando as PEDs a partir de lá. E eu fiquei, janeiro, fevereiro março e abril, quatro meses, e foi nesse ínterim que eu cheguei em Brasília que a OIT me convidou, já tinha feito um convite em 2003 e aí em 2004 me convidaram para coordenar esse projeto que é foi um projeto muito grande de gênero, raça, pobreza e emprego, no qual participaram 10 ministérios, e mais sindicatos e mais as confederações patronais, por causa do tripartismo lá da OIT. E aí eu achei que enfim talvez fosse o momento de pensar uma coisa nova e fui para a OIT. Mas eu estou licenciada do DIEESE, sou funcionária licenciada e a gente não perde o vínculo. Você não trabalha no DIEESE “impunemente”, você continua sendo do DIEESE pro resto de sua vida, esteja aqui ou não [risos]. Então, eu ainda sou do DIEESE de alguma maneira.
P/1 _ Interessante, você foi colocando um monte de coisa que a gente estava prevendo no roteiro e saiu sozinha, assim [risos]. Bom, você colocou, o que a gente queria colocar é que o DIEESE é muito importante para o movimento sindical e isso você situou, e uma das coisas que a gente coloca aqui é como você coloca a importância do DIEESE para a sociedade?
R _ Ah, olha, sair do DIEESE também te dá uma outra perspectiva, que é assim: eu sempre achei que o DIEESE era importante, socialmente porque primeiro por ser a voz técnica dos trabalhadores e isso não é uma coisa que a gente possa diminuir. Por quê? Porque, talvez muitas pessoas tenham falado disso, mas eu gostaria de deixar minha opinião. O fato dos trabalhadores terem a sua própria entidade que pode trabalhar as questões da ciência, digamos assim, e as questões mais intrincadas ou mesmo as mais simples da economia, e, da organização do trabalho pra eles, é fundamental pra você, é uma das ações fundamentais para você conquistar e manter o seu espaço político no debate da sociedade. Então, quer dizer, existe toda uma coisa da organização do trabalhadores e da pressão que se faz, mas existe também todo um espaço de diálogo, e de diálogo aonde os trabalhadores, muitas vezes como você está falando, de gente que não domina esse discurso competente da economia. Então é bom que você tenha uma instituição que produza o dado, fale por você e entre nesse terreno pra você ser reconhecido também por esses que estão nesse terreno e também como sujeito político, como ator social relevante. Essa foi a importância que eu sempre vi do DIEESE. Além dela, tem uma coisa de controle social, por exemplo, a discussão toda da PED, acho que muita gente já falou disso, não preciso contar toda a história. Falaram? Da briga com o governo Fernando Henrique da PED? Ninguém falou? Não acredito.
P/1 _ Eu acho que até falou, mas seria interessante o olhar.
R _ Foi uma coisa absolutamente absurda, inacreditável, porque lá pelas tantas com o pretexto de gastar melhor o dinheiro público e não fazer trabalho dobrado, o governo Fernando Henrique houve por bem entender que deveria acabar com a PED em favor da PME, da pesquisa feita pelo IBGE. E seguiram uma estratégia que foi, do meu ponto de vista, muito obscurantista, porque eles partiram para uma estratégia de desacreditar a PED, porque a PED tinha uma metodologia, e tem, uma metodologia absolutamente diferenciada, até da OIT, inclusive. A OIT tem lá suas determinações quanto a como pesquisar desemprego esse negócio todo, mas a OIT é uma instituição muito grande, e você não move a OIT assim, “Olha, eu mudei de idéia”. E aí, uma instituição internacional muda de idéia junto, não é assim que funciona. E a OIT dá diretrizes para a comparabilidade internacional, ela não manda, “você tem que fazer assim”. Ela diz, “Olha, se fizer assim, a gente compara com tudo”. E ela tem seus próprios conceitos. E eles resolveram pegar as recomendações da OIT, e fora o fato de que aquele era um momento de escalada das taxas de desemprego bastante constrangedoras, e dizer que aquela metodologia era uma metodologia absurda, desacreditar a metodologia da PED em favor da PME. O que acho um obscurantismo de todas as formas, primeiro porque você não acaba com a informação, segundo porque não tinha nada que opor uma à outra, apesar de que naquele momento a PME era de fato uma pesquisa ruim, não era boa. Depois melhorou muito, mas fizeram tudo errado também, porque eles quebraram a série da PME. Então, não existe mais uma pesquisa do desemprego do IBGE que tem uma série. Eles quebraram a série histórica e começaram a partir de 2000. O que é uma insanidade do ponto de vista de pesquisa. E se deram mal, porque eles tentaram, eles fizeram seminários, foi uma coisa terrível, tinha um grupo de discussão e não conseguiram desacreditar a metodologia da PED. Em suma, porque é uma metodologia muito melhor, tanto é melhor que muitas das coisas que a PED fazia a PME nova incorporou, por exemplo, algumas questões quanto ao trabalho, quanto ao desemprego oculto pelo desalento, que outras instituições a nível mundial já estavam trabalhando com isso também, a própria OIT, o desemprego oculto pelo trabalho precário não, mas a gente poderia dizer assim, em linhas gerais, que a PME quando mudou, caminhou em direção à PED. Embora, claro, isso é um aperfeiçoamento natural em toda pesquisa. Por que eu comecei a falar disso? Por que eu estava falando disso, eu já esqueci....
P/1 – Você estava falando sobre a importância do DIEESE para a sociedade....
R – Ah, é. Por isso é que eu entrei nessa história. Então, por que que a PED é importante? Porque no momento que você tinha a PED, e aquela PME, que não era uma boa pesquisa, esta que existe hoje eu gostaria que ela fosse diferente, mais parecida com a PED, enfim, mas ela é muito melhor. Mas, você tinha uma instituição independente fazendo um trabalho que permitia comparar com os dados oficiais. Isso não é pouca coisa, isso não é dispensável numa sociedade. Por quê? Porque você tem uma instituição que controla a outra, nem o DIEESE pode fazer bobagem, tá certo? Nunca pode, na verdade, e esse sempre foi o grande esforço do DIEESE. Não errar porque você não, se o DIEESE erra, não é o DIEESE que se desmoraliza, você desmoraliza os trabalhadores. Então, o esforço sempre...
P/1 _ Continuação do depoimento de Solange Sanches. Solange, você estava falando da importância do DIEESE para a sociedade, não é isso?
R _ Isso.
P/1 – Você quer complementar?
R _ Eu estava falando, eu tinha falado da questão a voz do DIEESE. É uma coisa importante de ser a voz dos trabalhadores, a coisa do controle social e hoje, eu já tinha uma certa consciência disso quando eu estava dentro do DIEESE, mas hoje eu tenho muito mais claro, da importância que é uma produção contínua de informação. Por quê? Porque você tem pouquíssimas entidades nesse país que fazem isso. Esse exemplo que eu citei da PME, que de repente aparece lá um bando de gente e muda uma metodologia e quebra uma série histórica, isso é uma perda pro país inestimável. Você não tem como medir a perda que isso significa e o DIEESE sempre foi um produtor de informação, muito consciencioso, por tudo que eu já falei pra vocês. Porque o DIEESE sempre teve a consciência muito clara da importância política da informação que estava dando, do peso que isso tinha politicamente para os trabalhadores e, por isso mesmo, quer dizer, o dado, a informação no DIEESE sempre foi tratada com muita seriedade. Mas com muita seriedade mesmo. Quer dizer, o DIEESE nunca fez uma coisa como essa, quebrar uma série e jogar um trabalho no lixo, entendeu? Porque o DIEESE entende perfeitamente a importância de você ter uma história, de você ter uma informação confiável, conhecida. E eu acho que o DIEESE tem mais uma outra coisa que é fundamental e que vista de fora é mais fundamental ainda, o grande esforço que sempre se fez, acho que outras pessoas já devem ter falado disso, era, é falar simples e claro. Transmitir de uma maneira simples e clara, desmistificar, e isso pra democracia da informação também é inestimável. Por quê? Porque é você levar a informação sobre a própria vida das pessoas de uma maneira que as pessoas possam se apropriar dela. É criar alguma autonomia das pessoas em relação a esse conhecimento científico e em relação a uma melhor compreensão da realidade que nós estamos vivendo. Então, eu acho que esse papel do DIEESE, que também é difícil você medir, mas é uma coisa que tem que ser dito. Quer dizer, uma instituição que ao longo de 50 anos disseminou um conhecimento do que é um Índice de Custo de Vida, como é que você faz, o que ele quer dizer, qual é o impacto, na coisa dos planos econômicos que a gente estava falando. A preocupação que você tinha não era só de escrever, mas era de escrever de uma maneira que qualquer um pudesse entender. Então, a gente sempre dizia, “Olha, a gente precisa pensar nas categorias as mais simples de todas. A gente precisa pensar no pessoal da construção civil lendo um trabalho desse. Ele tem que ser feito de maneira que as pessoas entendam". E por outro lado, você tem um debate, que aí é um outro debate e esse é um papel importante do DIEESE também, que é o debate com as comunidades científicas, com a comunidades acadêmicas, de legitimar esse conhecimento produzido e apresentado dessa forma. E por isso, você tem que ter, você tem que ser metodologicamente excelente e operacionalmente excelente também. Por quê? Porque a sua informação tem que ser boa do começo ao fim para que a outra comunidade respeite o peso de seu trabalho. Como acontece de verdade, o DIEESE é uma entidade muitíssimo respeitada. No entanto, para vocês verem, demorou muitos e muitos anos para o CNPq [Conselho Nacional de Pesquisas] reconhecer o DIEESE como um produtor de informação. O Prado pode dizer isso pra vocês, se vocês lembrarem de perguntar, porque eu não lembro das datas direito, mas a primeira vez que nós mandamos um pedido para o CNPq para integrar a rede de produtores científicos do CNPq, o CNPq recusou dizendo que o DIEESE não era produtor de ciência. Eu acho que foi em 80, qualquer coisa, ou 90, 93, qualquer coisa assim. No entanto, depois, o próprio CNPq não só reconheceu a importância do DIEESE como financiou projetos enormes, os três grandes projetos do CNPq, aliás foi uma das coisas que eu fiz também, continuei quando eu estava na coordenação, os grandes projetos de Emprego e Desenvolvimento Tecnológico. Um financiamento muito específico, foi muito importante para o trabalho do DIEESE, mas levou muito tempo para o DIEESE ser reconhecido como uma entidade científica. E muitos espaços acadêmicos, ainda hoje, ainda tem essa visão elitista de que o DIEESE não é uma entidade científica, e é obvio que é. Não só por exemplo pela, pelos grandes desenvolvimentos metodológicos que o DIEESE fez, a PED, os Bancos de Dados do DIEESE, de Acordos e Convenções Coletivas, de greves, isso tudo são metodologias desenvolvidas pela própria instituição, elas não existiam antes. Ninguém tinha uma metodologia. Tinha um trabalho inicial em relação aos acordos e convenções coletivas que o Ministério do Trabalho fazia, me esqueci o nome do sistema do Ministério do Trabalho, mas o do DIEESE hoje é um avanço incomensurável, tanto que o próprio Ministério do Trabalho, hoje, adotou e o DIEESE está lá disponibilizando seu banco, ampliando seu banco, pro Ministério do Trabalho utilizar. Então quer dizer, Eu acho, isso é, pro exemplo, quando você fala do DIEESE fora do Brasil, o movimento sindical do mundo inteiro fica encantado. Porque é de fato um feito brasileiro, porque aonde existem institutos de produção técnica do movimento sindical são ligados a uma central, na melhor das hipóteses. Ou nos países da Europa, em que você tem aquela quantidade incalculável de recursos públicos colocado pra, que eu acho justo, gostaria que no Brasil fosse assim, que tivesse recurso público para os sindicatos e pro DIEESE, acho que seria justo e correto porque é uma entidade que presta, tem um papel social muito importante, acho que nessa coisa da disseminação da informação, o serviço público que o DIEESE presta divulgando seus dados pra sociedade inteira é uma coisa também inestimável. Porque não divulga só para o movimento sindical, divulga para a sociedade toda, são dados públicos, sempre, 90% do que é produzido, então eu acharia muito justo. Quer dizer, o movimento sindical brasileiro tem uma experiência que é única, não só de sustentação de uma instituição desse tipo, que por si só já é espetacular, porque sustentou com seu próprio dinheiro, tá certo? Por mais que, óbvio, nesses últimos tempos tenha essa coisa também do recurso público entrando na composição do orçamento do DIEESE, mas eu acho que o movimento sindical brasileiro dá uma demonstração de maturidade política, de capacidade de diálogo interno com a criação e a manutenção do DIEESE nesses anos todos, que também não tem paralelo, porque com tudo o que, todo mundo discorda de todo mundo, aqui dentro as pessoas sempre trabalharam juntas e nunca, que eu me lembre, as divergências, pode ter tido um pequeno acontecimento aqui, outro ali, mas as divergências políticas do movimento sindical nunca vieram aqui para dentro, e ninguém nunca tentou interferir no trabalho técnico que o DIEESE faz, que é uma outra coisa espetacular. Acho que isso é um grande feito do movimento sindical brasileiro, um grande feito. E ter mantido, de ter tido a visão lá na frente, há cinqüenta anos atrás, uma visão espetacular de futuro, de construir uma coisa desse tipo. Ter mantido com tudo o que aconteceu nesses cinqüenta anos, com ditadura, com, como é que se fala, com o vendaval neoliberal que varreu a década de 90. Todas as instituições, se vocês lembrarem, todas as grandes instituições da sociedade que tiveram um papel muito importante na época da ditadura praticamente sumiram ou tiveram problemas graves na década de 90. Lembra do papel que tinha a OAB [Ordem dos Advogados do Brasil] no combate à ditadura e outras que tais? A única que o neoliberalismo não conseguiu atingir, a não ser na coisa financeira, foi o DIEESE. E, por exemplo, eu falei do Fernando Henrique, eu não posso admitir, por que ele uma vez sugeriu que o DIEESE manipulava dados. De um homem, com uma história como ele, ter permitido a perseguição que foi à PED, ter sugerido, foi na época dessa coisa da PED, que o DIEESE manipulava dados, eu acho uma coisa inominável, uma instituição da seriedade que é o DIEESE e que só depõe contra quem faz isso. Não depõe contra o DIEESE. E então, quer dizer, e contudo o DIEESE saiu inteiro, a credibilidade do DIEESE não se perdeu, com todos esses ataques que vieram de todos os lados. Não foi só, enfim, do governo. Todo mundo que apoiou a visão neoliberal de mundo atacou o DIEESE. Mas como dizia Mario Quintana, não é isso?, “Eles passarão e eu passarinho”. O DIEESE continua e vai continuar. E é isso, quer dizer, a gente tem muito orgulho de tudo que fez aqui, de tudo que vem sendo feito aqui. A gente estava falando, estava falando ali pro Marcelo, esta é de fato a vida da gente. Sempre foi. De todo mundo que trabalhou aqui. Pouco tempo, muito tempo e é assim, cria um vínculo. As pessoas que estão aqui, mais ou menos, têm um compromisso, acho que até muito mais do que a média dos outros lugares. Porque o DIEESE é uma entidade pobre, que exige sacrifício, então as pessoas que trabalham aqui são espetacularmente dedicadas ao seu trabalho, a essa coisa toda que a gente estava falando. Porque você sabe que mesmo que você esteja ali preenchendo uma fichinha só, esse é um trabalho que tem uma importância e que vai ser bem usado. E eu acho que é essa consciência dessa importância, o fato do DIEESE ter sido sempre uma instituição de vanguarda, o DIEESE sempre tentou, pode ter conseguido em graus diferentes, em diferentes momentos, mas o DIEESE sempre tentou ser uma instituição democrática, pra dentro. Antes de começar toda essa conversa, de gestão participativa, o DIEESE sempre foi participativo, mesmo porque em casa de pobre não dá pra você dividir tão bem as tarefas assim, todo mundo tem que ajudar em tudo. Então, era participativo por convicção e por falta de condições de ser diferente. A gente escrevia o trabalho, tirava xerox e ia entregar. E todo mundo sempre fez isso. Mesmo o pessoal administrativo, quando pegava fogo nesse negócio aí de plano, o pessoal ficava junto também para ajudar. Datilografando, digitando, até a madrugada. Eu acho que é muito bom que se esteja fazendo esse trabalho da memória do DIEESE. Isso é uma coisa, é uma coisa da história brasileira que é rica, que é inigualável, sabe, e que a gente sente orgulho de verdade de ter participado dela. E não se livra mais, que eu já brinquei. Até hoje eu continuo ligada ao DIEESE. Faz três anos que trabalho fora, na OIT, que de alguma maneira continua tendo relação com o nosso trabalho aqui, porque é o trabalho e a OIT sempre gostou de trabalhar com o DIEESE, sempre prezou muito o DIEESE, é uma entidade muitíssimo respeitada dentro da OIT. Eu tive a oportunidade, agora que estou lá dentro, de conhecer o respeito que as pessoas têm pelo DIEESE. Então, para mim, pessoalmente muito bom porque podia continuar trabalhando com os colegas, não me afastar completamente. E quando você sai daqui, quando você me perguntou da importância, essa instituição assim sólida, com essa credibilidade, essa produção de informações, não tem mais em nenhum outro lugar. Essa institucionalidade do DIEESE, em que as pessoas trabalham não pra si, mas para uma instituição, não existe com esta força em nenhum outro lugar, só no DIEESE.
P/1 _ Como você vê o DIEESE no futuro?
R – Olha, eu acho que o futuro, eu acho que vai ser interessante viver os próximos anos, sabe? Eu estou muito confiante pelo que vai vir, pelo seguinte, a gente que viveu a década de 80, foi uma coisa de você reorganizar o movimento sindical, voltar a ter negociação coletiva, reorganizar aquela coisa toda. Aí veio aquele vendaval de 90, derrubando tudo. Aquela coisa de que o trabalho não era mais central na vida das pessoas, de que o trabalho assalariado ia acabar, que todo mundo, aquele monte de bobagens. Que todo mundo ia ser patrão de si próprio, trabalhar por conta própria, ter vinte e sete profissões ao longo da vida, mudar de profissão a cada seis meses, aquele monte de bobagem. Que na verdade servia para encobrir uma desestruturação e um ataque frontal aos direitos dos trabalhadores, esse era o objetivo, aos direitos do trabalho e de organização que faziam parte da estratégia liberal. O que eu acho interessante, desse momento que a gente está vivendo agora, aqui no Brasil, particularmente, porque nos últimos três anos o que que aconteceu? Você voltou a ter o crescimento do trabalho formal, não é gozado? Não tinha acabado? Não ia ser tudo para sempre informal? Por que que voltou a ter crescimento do trabalho formal no país? Bom, primeiro porque a economia cresceu um pouquinho, o governo voltou a exercer a fiscalização do trabalho, que tinha sido abandonada, e talvez, politicamente, o fato de você ter um governo ligado aos sindicatos tenha de alguma maneira despertado a vontade das empresas, dos indivíduos, de regularizarem sua situação de trabalho. Então, é uma primeira inversão naquilo que parecia ser uma trajetória muito definida de retrocesso de direitos e tudo. Aí, se inverte, a economia também não cresceu tanto assim. Cresceu, enfim, depois de muito tempo crescendo um ano sim, quatro não, você teve aí dois ou três anos direto de crescimento, é uma coisa boa, a renda começou a subir, do trabalho. Você voltou a ter criação de emprego formal num número significativo, subiu a renda, as negociações coletivas, como o DIEESE mesmo mostrou, foram as mais bem sucedidas dos últimos tempos e isso tem um significado. Qual que é ele para o mundo do trabalho a gente não sabe muito bem. Eu acho que a gente vai viver pra ver uma outra recomposição desse mundo, que vai ser diferente daquela anterior, mas certamente não isso que foi propagandeado na década de 90. É uma outra coisa. E eu vejo, francamente, nessa nova coisa como os sindicatos deixam de ter espaço. Acho que isso é, acho curioso pensar isso. Me pergunto muito se isso não é também não é um reflexo, tal como o emprego sem carteira, não é também um reflexo de toda essa idéia liberal. Penso assim que você estava substituindo o Estado e a organização dos trabalhadores por movimentos autônomos e fragmentados, dos quais as ONGs são assim talvez a expressão mais organizada da fragmentação. No entanto, elas são o exemplo clássico da fragmentação e também de como os indivíduos que querem de alguma maneira contribuir socialmente e precisam trabalhar, se lançam na criação de ONGs. É um duplo movimento. Não é só um movimento de lutar por causas, mas é também um movimento de auto-emprego da classe média que foi muito atingida pela crise da década de 90. E apoiada pelo desmonte do Estado e pela contestação às organizações representativas. Quando esse cenário muda, as coisas não mudam? Mudam. Não sei dizer para o que exatamente. Agora, uma organização representativa não é a mesma coisa que uma ONG, justamente por ser representativa e a ONG se representa a si própria, por mais que ela fale de interesses que existem na sociedade, mas que são difusos. Então, eu acho que a gente vai ter aí no futuro um híbrido dessas organizações. Mas, se você começa a ter de novo um movimento positivo no mercado de trabalho e se os sindicatos fizerem a sua lição de reflexão em relação às mulheres, em relação a como incorporar os que estão fora das suas categorias, em relação à sua própria representatividade, eu não vejo porque que você deveria criar outra coisa para os trabalhadores. Isso funciona perfeitamente, sempre funcionou, é bom, e eu não acho que o DIEESE precisa ser nada mais do que ele já é. Ele é importante assim. O DIEESE sempre foi uma organização dos trabalhadores e que prestou um enorme serviço social. Eu acho que está ótimo, eu acho o contrário. Não é o DIEESE que tem que fazer alguma coisa a mais por esse país, eu diria que é esse país que tem que fazer pelo DIEESE. Então, eu sou, é minha opinião, eu sou francamente favorável a que exista uma dotação de recurso público para a manutenção desta instituição. Não precisa ser para manter tudo, mas para dar para ela a estabilidade que ela precisa pra continuar prestando o serviço relevante que ela vem prestando. Eu não, eu não vejo a menor necessidade de dizer, “olha, no futuro o DIEESE precisa fazer isso ou aquilo”. O DIEESE, a gente que está dentro não vê muito, mas quando você está fora você vê a plasticidade que o DIEESE tem. Dois minutos alguém já tem uma idéia, já vai lá e faz, inventa um troço e as vezes faz coisas que o movimento sindical vai levar um tempão pra poder aproveitar. Para se preparar para aproveitar aquilo que a moçada que taí já pensou. Então, eu acho que é isso, o DIEESE tem que continuar sendo aquilo que ele é, tem que produzir informação, é importante no país você ter informação independente, é crucial, porque as instituições públicas estão sujeitas a várias questões e você tem que ter o controle social dessas instituições, não de dentro, mas de fora, você tem que ter o seu espelho ali que diz “Pô, eu disse que o desemprego era seis e você diz que é dezessete. Como é isso?” E não acho que os trabalhadores vão deixar de precisar, entendeu, de uma instituição que faça essa assessoria que o DIEESE faz. Não tão cedo. Eu não vejo, não sei fazer nenhuma grande idéia biruta, acho que isso que o DIEESE faz está ótimo.
P/1 _ Quais as principais lições que você tirou para a sua carreira nessa passagem pelo DIEESE?
R _ Não foi, a primeira que, não foi uma passagem, eu sou o que sou por causa do DIEESE. A pessoa que eu sou, o ser humano que eu sou, a profissional que eu sou, você falou que as pessoas se emocionam e agora eu vou me emocionar porque é isso. Eu aprendi muito, muito, em todos os âmbitos da minha vida. Eu aprendi como profissional. Tudo o que eu sei aprendi aqui. Fazer cálculos, pesquisar, escrever, debater, eu aprendi a melhor de todas as políticas aqui, que de uma maneira muito forte construiu a minha visão de mundo. Que é uma política que sabe muito bem qual é o seu lado. O DIEESE não tem nenhuma dúvida de que lado está. Ele está do lado dos trabalhadores. Mas que nem por isso é sectária ou deixa de conversar com quem quer que seja. Então, é uma política de diálogo, sem que você abdique daquilo que você acredita e da posição que você tem. É uma coisa de você ser sério nas questões que são sérias para esse país, é aquilo que eu estava falando, o que concerne aos trabalhadores é uma coisa muito importante que você tem que tratar com seriedade e ser sério, que também é uma lição de vida, com a coisa pública. O DIEESE é uma instituição pública. As pessoas no DIEESE não levam um lápis para casa, as pessoas, pelo contrário, o DIEESE já ficou sem pagar salário e todo mundo trabalhava como se nada fosse, nunca, entendeu, as pessoas disseram assim “Ah, o DIEESE atrasou o salário e eu não vou trabalhar mais.” Nunca. Isso do DIEESE ser democrático internamente, as pessoas discutem, debatem, ficam bravas, todo mundo fica amigo, entendeu, e continua todo mundo trabalhando. Isso de você não destruir o trabalho anterior, ao contrário, pegar o que já foi feito aperfeiçoar, ir adiante com ele e fazer mais coisas além das outras. Isso molda, isso ajuda a gente a construir o caráter, é uma lição de caráter importante, de amizade, de companheirismo. Quando a gente fala de solidariedade sindical, sempre se falou muito da solidariedade entre os trabalhadores, você a aprende na prática. Você vive isso, porque você não é um militante que está lá na porta da fábrica ou fazendo greve, mas as pessoas estão trabalhando até de madrugada para o trabalho chegar aonde ele tem que chegar. Trabalhando sem salário pra isso. Durante muito tempo, as pessoas do DIEESE sacrificaram a possibilidade de se manifestar a sua posição política pessoal em nome da unidade sindical do DIEESE. Então, assim, quer dizer, o que eu sou hoje, eu aprendi aqui. Não é que é importante na minha carreira, é importante na minha vida. É a minha vida. A minha vida foi isso, é isso que eu sou e que eu aprendi aqui.
P/1 _ O que você achou de participar desse projeto “Memória DIEESE”?
R _ Ah, bárbaro, porque, é o que eu já falei. Essa é uma coisa, eu acho, uma história tão luminosa da história brasileira, que ela precisa ser conhecida, precisa ser preservada, precisa ser contada... Eu acho fundamental isso. E acho muito bonito essa maneira como ele tem sido feito, ouvindo todas as pessoas que participaram da história do DIEESE, os dirigentes sindicais, os funcionários, as pessoas que passaram por perto, eu acho que isso é muito rico, porque aí é possível mostrar essa história do ponto de vista de todos e mostrar como ela é rica. Porque, certamente, os dirigentes sindicais vão falar das questões todas políticas e tudo o que isso significou. O pessoal que trabalha vai contar a história sobre o que é trabalhar e ter vivido isso. As pessoas eventualmente que passaram por perto podem dizer, “Essa instituição foi uma instituição importante para mim em tais e tais momentos”, não é? Eu acho um trabalho maravilhoso. Eu fico muito feliz de estar sendo feito.
P/1 – Obrigada.
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