P/1 – Eu queria que você começasse falando o seu nome completo, o local e data de nascimento.
R – Eu sou Ericson Crivelli, eu nasci 16 de novembro de 1958, na cidade de Bauru, no interior de São Paulo. No estado de São Paulo.
P/1 – Como você prefere que te chame? Crivelli? Ericson? Senhor? Você? Como?
R – [risos] Olha, eu não sei. Geralmente eu não faço essa exigência. Eu, aqui no DIEESE o pessoal me chama de Crivelli, né? No escritório chamam de Ericson, na universidade me chamam de Ericson. Acostumei viver, o escritório tem o meu nome, porque é Crivelli Advogados Associados. Então lá me chamam de Ericson, porque senão eu confundo um pouco a pessoa jurídica.
P/1 – Então eu vou chamar de Crivelli, está bom?
R – Está bom.
P/1 – Qual o nome dos seus pais?
R – Meu pai Evaldo Crivelli e minha mãe é Egle Jancolli Crivelli.
P/1 – O senhor lembra os seus avós?
R – Lembro.
P/1 – O que eles faziam? Como eles eram? Fala um pouco.
R – Olha, o pai do meu pai era italiano e casou com uma filha de italianos e brasileiros. Ele veio da Itália no começo do século. Trabalhou, acho que teve trabalho infantil também com lavoura, essas coisas. Depois acabou, já adulto, foi trabalhar no comércio. Foi pequeno comerciante a vida inteira, e enfim veio a falecer acho que em 1978, se eu não estou enganado da data. A minha avó eu convivi pouco, mãe do meu pai, porque ela faleceu em 1961, ou 1962 se eu não estiver errado, eu era muito pequeno. Era do lar, quer dizer, cuidava de casa, tinha uma e administrava uma pensão também que funcionava na casa do meu avô que era uma forma de suprir renda e coisa familiar. Cuidava da pequena pensão que ela tinha dentro de casa. E os pais da minha mãe, o meu avô nasceu em São Roque. Ah, a mãe do meu pai nasceu em Batatais. O pai da minha mãe nasceu em São Roque. Era filho de italianos. O meu bisavô veio da Itália. Ele...
Continuar leituraP/1 – Eu queria que você começasse falando o seu nome completo, o local e data de nascimento.
R – Eu sou Ericson Crivelli, eu nasci 16 de novembro de 1958, na cidade de Bauru, no interior de São Paulo. No estado de São Paulo.
P/1 – Como você prefere que te chame? Crivelli? Ericson? Senhor? Você? Como?
R – [risos] Olha, eu não sei. Geralmente eu não faço essa exigência. Eu, aqui no DIEESE o pessoal me chama de Crivelli, né? No escritório chamam de Ericson, na universidade me chamam de Ericson. Acostumei viver, o escritório tem o meu nome, porque é Crivelli Advogados Associados. Então lá me chamam de Ericson, porque senão eu confundo um pouco a pessoa jurídica.
P/1 – Então eu vou chamar de Crivelli, está bom?
R – Está bom.
P/1 – Qual o nome dos seus pais?
R – Meu pai Evaldo Crivelli e minha mãe é Egle Jancolli Crivelli.
P/1 – O senhor lembra os seus avós?
R – Lembro.
P/1 – O que eles faziam? Como eles eram? Fala um pouco.
R – Olha, o pai do meu pai era italiano e casou com uma filha de italianos e brasileiros. Ele veio da Itália no começo do século. Trabalhou, acho que teve trabalho infantil também com lavoura, essas coisas. Depois acabou, já adulto, foi trabalhar no comércio. Foi pequeno comerciante a vida inteira, e enfim veio a falecer acho que em 1978, se eu não estou enganado da data. A minha avó eu convivi pouco, mãe do meu pai, porque ela faleceu em 1961, ou 1962 se eu não estiver errado, eu era muito pequeno. Era do lar, quer dizer, cuidava de casa, tinha uma e administrava uma pensão também que funcionava na casa do meu avô que era uma forma de suprir renda e coisa familiar. Cuidava da pequena pensão que ela tinha dentro de casa. E os pais da minha mãe, o meu avô nasceu em São Roque. Ah, a mãe do meu pai nasceu em Batatais. O pai da minha mãe nasceu em São Roque. Era filho de italianos. O meu bisavô veio da Itália. Ele plantava vinho em São Roque. E enfim, quando morreu era assim pequeno, médio comerciante. O meu avô teve uma serralheria, que é uma coisa hoje que eu acho que nem existe mais. Ele trabalha, trabalhava com aquele trabalho artesanal de preparar ferros para janelas, portas, e coisa, aquelas trabalhadas, todas. Hoje é uma coisa mais, um ofício mais raro, né? Estudou no Dante Alighieri, e acho que fez também Liceu de Artes e Ofícios para aprender a fazer isso. A minha avó nasceu em Ribeirão Preto e foi operária na Alpargatas. Depois de uma certa fase em diante cuidava só de casa, do lar.
P/1 – E os seus pais?
R – Meu pai era professor de Desenho Técnico, era professor porque ele é aposentado. Está vivo, vive ainda. Professor de Desenho Técnico na Estrada Ferroviária Federal, Estrada de Ferro Federal, no ramal da Noroeste. No centro de formação lá. Foi político também, político local na cidade. Foi vereador, presidente da Câmara. Isso até 1964. 1964 teve uma fase mais complicada [risos], então ficou afastado, mas era ligado à oposição ao regime militar, essas coisas. Minha mãe é professora. Trabalhou durante um período, depois acabou se dedicando só a casa.
P/1 – Crivelli, qual que é a origem desse nome, desse seu sobrenome Crivelli?
R – Origem italiana, né? É, provavelmente da região, eu acho que é da, como é que chama aquela região onde fica Milão? É, eu não me lembro agora, mas é da Província de Mantova, algumas cidades do interior da Província de Mantova. O nome refere-se a uma profissão de pessoas que fabricavam peneiras. Que alguns nomes na virada da idade, sobretudo na Idade Média,no final da Idade Média, vamos dizer, você tinha nomes ligados aos ofícios. Crivello é o nome de uma grande peneira, então Crivelli deve ser plural de peneiras [risos], provavelmente porque algum antepassado, algum remoto, trabalhava com o ofício de fabricar peneiras. Peneirar trigo, essas coisas.
P/1 – E você tem mais irmãos?
R – Tenho mais dois irmãos.
P/1 – O que eles fazem?
R – Eles são arquitetos.
P/1 – Mais velhos?
R – São mais velhos. Eu sou o filho mais novo. Os dois são arquitetos e tem empresa, pequenas empresas de construção. Moram ainda no interior, em Bauru. Moram e trabalham em Bauru. Eu sou o único radicado fora de Bauru.
P/1 – Crivelli, eu queria que você falasse um pouco para a gente como que era a sua infância, a sua casa, suas brincadeiras. O bairro que você morava, enfim.
P/1 – Olha, eu tive uma, acho que uma excelente infância. Porque infância de classe média nós não tínhamos dificuldade, apesar de ser uma família de classe média período baixo, depois classe média oscilando economicamente. Mas, nós morávamos r sempre morávamos em casa grande, com quintal, com frutas, com bichos, enfim, essas coisas que acho que só quem é criado no interior tem essa oportunidade, né? Fui criado subindo em árvore, sempre. Brincando na terra. Eu acho que tive uma boa, uma excelente infância. E andando na rua com muita tranquilidade, coisa que hoje é impensável até nas cidades médias do interior. Acho que uma excelente infância. Nos anos 60,que são os anos de muita mudança. E, óbvio, na infância a gente ainda não tem muita condição de perceber essas mudanças todas, mas eu lembro que era uma época de rock, a época da ditadura, do iê-iê-iê. Das mudanças comportamentais. Enfim, eu não entendia muito as coisas mas via tudo com muito interesse, muita curiosidade. Depois, só com os anos, que a gente vai entendendo as coisas. Mas, eu achava, acho que, os anos 60 foram anos muito interessantes. Muito interessantes. Eu sinto até, assim, uma certa saudade daquela infância naquele período. Que era uma coisa, não sei, a infância é um período muito... até a adolescência, né? A adolescência eu acho que é um pouco mais complicado, mas é um período de muita descoberta. O mundo é um grande mistério, uma coisa assim. Acho muito interessante.
P/1 – Por que é que você acha que os anos 60 foram particularmente interessantes?
R – Por causa da criatividade, né? Música, eu não sei. Às vezes, eu lembro que, a impressão que eu tenho é, anos 60 e parte dos anos 70 de muita criatividade. Na música, no teatro. Quer dizer, eu como criança tinha mais acesso à música. E vejo que era, lembro, quer dizer, que era a variedade de, e de novidades que todo ano tinha festivais, por exemplo. No período da minha infância eram os festivais, grandes festivais de música. Isso, por exemplo, era uma coisa que mobilizava muito. A gente esperava ansiosos o novo festival, as músicas novas que tinham. E isso tudo, e claro, as músicas todas traziam uma série de conotações políticas ou comportamentais porque era um período de mais contestação. De criatividade e de contestação. Ou até músicas de conteúdo mais poético. Mas enfim, era um, comparado com as músicas que o meu pai ouvia [risos] que eram músicas dos anos 50, samba canções, boleros, etc e tal. Quer dizer, a memória que eu tenho dos anos 60 são, ano muito rico de produção musical. E de quebra de padrões anteriores. A sensação que eu tenho, de lá para cá, existe uma linha contínua de evolução. Mas é uma linha, não uma grande, um grande corte que foi a Bossa Nova, que foi o rock dos anos 60. O que foi a música popular brasileira, a música engajada. Aí mesmo não gostando, há pessoas que não gostam de música engajada, eu particularmente hoje vejo com uma certa restrição. [risos] Mas, isso tudo é uma quebra muito grande, até o padrão musical que a gente tinha até os anos 50. E eu lembro que eu via meu pai ouvindo músicas de padrão muito diferente do que é aquilo que a gente vivia. De lá para cá parece que assim, há uma linha contínua. Pode ser que eu esteja, de evolução sempre. Não que tenha ficado parado, mas acho que aquele, aquelas rupturas, sensação de constante ruptura das coisas, que eu acho que é um pouco dos anos 60.
P/1 – Hum, hum.
[pausa]
P/1 – Então, e como que você começou seus estudos?
R – De Direito.
P/1 – De escola normal.
R – Ah, de escola?
P/1 – É.
R – Eu estudava em colégio do estado. No primário eu estudei em uma escola particular, extremamente conservadora. Era uma escola até, acho que, relativamente cara. Não era a mais cara da minha cidade mas era uma escola muito conservadora. Eu mesmo pedi para sair da escola e ir estudar em uma escola do estado. Do lado do meu pai foi muito bom. Porque aquilo devia pesar, devia ser um peso no orçamento. E fui para o colégio do estado, onde eu tive a sensação de muito mais liberdade porque a escola que eu fiz primário é aquela escola que, eu acho que, hoje em dia não deve ser uma raridade. Você ficar de castigo atrás da porta, ficar horas depois do final do horário das aulas lá de castigo, fazendo tarefas de castigo, ficar lá fechado em uma sala [risos] de castigo sem falar com ninguém. E tinha esse tipo de disciplina assim. Não era raro a gente ser levado para a Diretoria segurado pela orelha. Atravessava assim, que era a coisa mais humilhante que tinha, você atravessar os corredores inteiros da escola, todo mundo vendo você sendo arrastado pela, com a orelha torcida. Então tinha uma disciplina muito rígida, e a escola do estado era muito mais liberal. Apesar do período do regime militar, mas dentro da escola a gente sentia, no ginásio, por exemplo, você não sentia tanto a presença do regime militar. A gente vai sentir quando começa a ficar um pouquinho mais velho, né? Mas é isso daí, eu fui estudar no colégio do estado. No colegial que eu comecei a participar, o que existia e era tolerado pelo regime militar eram os centros cívico, eu comecei a participar nos centros cívicos. E no centro cívico fui diretor do centro quando eu estava no colegial, por dois anos seguidos. E aí sim começamos a ter problema, a sentir o que era viver sob o regime militar. A gente não podia, nós não podíamos colocar críticas ao governo no boletim do centro cívico. E mesmo assim a gente tentava fazer. Nós tínhamos um mimeógrafo na sede do centro cívico. Rodávamos críticas e tinha um decreto. Decreto Lei 477, que eu acho que é uma coisa que, eu não sei nem se foi revogado, se caiu, se houve uma revogação formal. Mas, era um Decreto que proibia os estudantes de terem atividades políticas, falarem, discutirem política na sala de aula. Eu acho que eu estava no primeiro ano colegial, nós descobrimos esse Decreto fuçando lá nos livros da biblioteca. Fuçando nas coisas, descobrimos aquele Decreto, nós falamos: “Mas que absurdo, não pode falar de política.” Aí resolvemos fazer um boletim escrevendo várias coisas sobre o Decreto, criticando. Os boletins anteriores eram muito superficiais, muito tratando de, assim, escrevia poesias, falava da Semana Euclidiana. Que é uma coisa que, aqui em São Paulo é uma coisa não muito presente. Mas Semana Euclidiana é uma coisa que no interior é uma coisa que tem, por exemplo, que tem concurso para todo ano enviar alguém para a Semana Euclidiana. Vocês não devem nem conhecer isso, porque é uma coisa que até hoje existe, mas se perdeu um pouco, perdeu o ímpeto que tinha. Então assim, geralmente as matérias dos jornais eram muito superficiais, vamos dizer assim, meio bobinhas. Coisas de poesia de adolescentes. Aí nós descobrimos esse decreto e ficamos impressionados com aquilo. Escrevemos um boletim sobre o Decreto. E foi uma certa virada de consciência minha, como adolescente. E os outros também que estavam na mesma geração comigo nesse processo. Porque escrever um boletim com, quantos anos tinha na época? 14, 15 anos, 15 anos acho, fazendo críticas ao governo e as conseqüências que nós sofremos disso, de opressão, de ameaça. Ameaça de ser levado ao DOPS [Departamento de Ordem Política e Social], que a gente não sabia nem o que era. Ameaça de ser expulso da escola. Então aquilo foi um choque. E nós reagimos ao choque de forma crítica, não aceitando a limitação ou ficar revoltado com elas. Na verdade, a pressão toda teve o efeito de nos dar, de adquirir consciência repentinamente para a falta de liberdade. E eu digo assim, de certa maneira isso para mim foi um turnpoint, quer dizer, aquela coisa que vira a tua cabeça completamente. Eu era até então, um leitor do Estadão, eu lia o Estadão acho que desde os 12 anos de idade. Diariamente. Leitor dos editoriais do Estadão, e pensava como o Estadão, de forma, de pensamento liberal, etc. Então ali foi um choque de realidade. De dizer assim: “O mundo não é do jeito que a gente pensa. É difícil. Tem um regime que proíbe a gente de falar as coisas. Discutir.” E aí esse envolvimento vai em um crescendo. A gestão do ano seguinte continua, a gente continua tentando fazer boletim, fazer não sei o quê. Então foi uma série de conflitos até a saída da escola. Eu, nesse período, decidi fazer faculdade de Direito. E decidi fazer a Faculdade de Direito do Largo São Francisco. A Faculdade de Direito da USP [Universidade de São Paulo]. Um pouco com uma certa visão romântica, um misto de uma visão romântica do que é a Faculdade de Direito do Largo São Francisco, um lugar que estudou tanta gente. Lá tem uma coisa, é um certo mito, que cria um certo imaginário sobre ela e que dá um pouco para gastos mais variados no imaginário das pessoas. Porque tem desde a coisas dos artistas, dos poetas, ou os políticos da República Velha, ministros, como uma série de pessoas importantes para as artes no Brasil, que passaram pela Faculdade de Direito do Largo São Francisco. A quantidade de artistas, intelectuais que passaram por lá e não advogaram. Foram fazer qualquer outra coisa na vida [risos] e não viraram advogados. Então você tinha e fazia essa imagem, certa imagem também de contestação. Contestação porque contestou o regime da ditadura de Vargas. Os estudantes sempre se mobilizaram. Nos anos 60 se mobilizaram contra o regime militar também. Então queria estudar Direito, mas queria estudar Direito no Largo São Francisco. Aí no terceiro colegial houve uma mudança na época, o Paulo Egídio Martins era um governador do estado, o último, acho que, um dos últimos governadores do regime militar. Porque depois veio o Paulo Maluf. Ele tinha um secretário de Estado que chamava José Bonifácio Coutinho Nogueira. Conhecido, a gente chamava o Zé Bonifácio de Zé Bonitinho. Eu não sei por que é que eles chamavam Zé Bonitinho, mas enfim, e ele fez uma mudança. Resolveu fazer uma reforma no fim do segundo grau e desestruturou toda a estrutura de ensino. Isso nos anos 70. Então minha escola deixou de ter colegial. A minha escola deixando de ter colegial, eu tinha que estudar do outro lado da cidade. Aí eu resolvi abandonar a escola pública, fui fazer cursinho. E fazia cursinho e nem entrava nas aulas para o terceiro colegial. Apenas eu assinava a lista em uma escola particular dessas que você assina a lista só para dar presença mesmo e ia fazer prova. Fui fazer cursinho. E depois, no meio do ano, mudei para São Paulo. Vim fazer cursinho no Anglo em São Paulo, que foi fundamental para entrar na faculdade. Eu fiz três ou quatro meses no Anglo e entrei na USP, entrei na faculdade de Direito. Aí começou uma outra fase. E dei a sorte de entrar em um período rico da universidade. Porque olha, eu digo…
P/1 – Que época?
R – ...eu digo período rico porque assim, foi o ressurgimento do movimento estudantil em 1977. O movimento estudantil ressurgiu exatamente em 1976. E havia tido alguns conflitos no campus da USP [Universidade de São Paulo], tentativa de recriação do DCE [Diretório Central dos Estudantes], várias prisões. Em 1976, né? Houve uma greve na ECA [Escola de Comunicação e Artes], eu acho em 1976, que durou alguns dias. Mas em 1977 há definitivamente o ressurgimento do movimento estudantil, com mobilizações de massa. É um período muito rico de vivência universitária e onde todos os grupos de oposição ao regime militar se organizavam dentro da universidade, desde grupos de centro até a extrema esquerda. Então você tinha assim um leque de ofertas para você, como jovem, adolescente, se aproximar de ideias de esquerda, ideias de fundo de contestação ao regime político. De contestação à sociedade, à estrutura social. Muito rico para participação. Então eu acho que eu entrei na universidade em um momento muito feliz. E é nesse período que, a faculdade de Direito do Largo São Francisco tinha uma grande ebulição cultural também. Com dois grupos de teatro, cineclube, tinha, bom, a Academia de Letras, que tem até hoje e é uma coisa meia arcaica, mas tem uma Academia de Letras. Tinha grupos de discussão, grupos de estudo, eu mesmo participei de vários grupos de estudo, onde a gente estudava marxismo, estudava Direito crítico. Então, foi um período muito rico, eu às vezes costumava dizer o seguinte: o que menos se estudava na faculdade de Direito, era Direito. A gente estudava tanta coisa, [risos] lia tanta coisa, que o menos que estudava às vezes era Direito. Então foi um período muito rico de, vamos dizer, de me envolver em um período de grande ebulição cultural, política na universidade.
P/1 – Você participava do movimento estudantil?
R – Participei. Eu participei ativamente do movimento estudantil. Primeiro, no primeiro ano da faculdade muito cautelosamente. Depois assim, era um universo totalmente novo. Eu ia às manifestações, ia a todas as reuniões públicas que tinha, participava de passeatas. Mas olhava sempre com muita desconfiança das organizações todas de esquerda. Tinha uma quantidade enorme de organizações de esquerda, todas tentando nos captar, quer dizer, nos cooptar para os seus, para as suas ideias. E eu passei acho que o primeiro ano só naquelas, naqueles namoros muito superficiais. Conversa com gente do Partidão, conversa com gente do PC do B [Partido Comunista do Brasil], com gente da Ação Popular. Enfim, havia uma quantidade, os grupos todos trotskistas, vários grupos trotskistas. Tinham grupos mais de esquerda mais moderada, social democrata. Tinha grupos de centro. E na Faculdade de Direito, tinham grupos de direita também. É um detalhe que diferencia da experiência, eu acho, que no resto da USP, no resto da universidade, que tinham grupos de direita organizados. E nós podíamos viver com isso e confrontar inclusive a postura que eles tinham em relação às coisas toda, ao regime militar. A gente vivia sempre confrontado com a existência de direita e esquerda dentro da faculdade. E, enfim, para mim foi uma experiência muito rica. Eu aprendi muito nesse período. Acho que foi fundamental para a minha, para o meu sucesso profissional até, esse período. Por ter experimentado viver conflitos, viver confronto de ideias, viver esse período turbulento onde você tinha que se envolver no Centro Acadêmico, tinha que tomar decisões. Tinha, enfim, te obriga de certa maneira a passar por um processo vivencial que às vezes quem estuda em um período de absoluto tédio, em que nada acontece. Assim, processo de amadurecimento te obriga a dar resposta mais rápida para as coisas.
P/1 – Então, você falou que o que te despertou interesse por esse momento foi o jornal que você fazia no colegial, né?
R – Isso.
P/1 – Antes disso você não teve nada que tenha te despertado, assim, na sua família, seus pais?
R – É, o meu pai teve, o meu pai teve uma militância política, mas o meu pai foi militante do PTB [Partido Trabalhista Brasileiro]. E como militante do PTB também, vamos dizer, o PTB era uma coisa muito light. Muito assim voltado para o nacionalismo, para a temática da, isso um pouco perpassa a minha infância, a resistência à cultura importada. Eu acho que eu cresci um pouco no ambiente, quer dizer, recusar Coca-cola, recusar rock'n roll. Eu, por exemplo, só fui me entregar ao rock´n roll muitos anos depois, acredita? [risos] Porque meu pai tinha uma cultura muito nacionalista e tinha resistência. Acho que isso, naturalmente, influenciou também, meu interesse pela política. Ou meu interesse pelas coisas coletivas. Eu acho que de fato isso influenciou muito. Apesar de meu pai ter sido um estimulador a ler o Estadão. Mas isso, ele só fazia ler o Estadão porque também não tinha outra coisa para ler também.
P/1 – Ah, é, mais informativo.
R – Nos anos 70 você não tinha absolutamente alternativa nenhuma. A Folha de São Paulo era muito pior do que o Estadão nos anos 70. Do ponto de vista de autocensura, adesismo, enfim, em tudo o que havia de ruim. Então, acho, quer dizer, tive algum estímulo familiar também para isso.
P/1 – E, como foi, você entrou na Faculdade de Direito, você trabalhava essa época?
R – Olha, eu fazia estágio. Eu nunca, eu só fui ter um emprego, nesse aspecto, quer dizer, eu sou um, não sou um, não fui estudante pobre que tinha que trabalhar e ficar cumprindo jornada rígida, etc. Eu fiz estágio. Acho que eu só fui ter Carteira assinada quando estava no terceiro, ou quarto ano da faculdade. Em ter horário para cumprir, o cartão para bater, eu já estava bem mais avançado. Fiz estágio, sempre. A partir do segundo ano eu comecei a fazer estágio. Até porque tinha um pouco de necessidade financeira também. Para poder comprar livros, poder fazer coisas mais, enfim, para ter gastos com atividades culturais e coisa. Eu não tive dinheiro para isso. Então o estágio me supriu um pouco a necessidade. Mas também não tinha a necessidade de trabalho, de ter um emprego muito rígido para poder sobreviver. Eu tinha uma certa liberdade e fazia estágio. Trabalhei em vários lugares diferentes. Trabalhei em escritórios de empresas, trabalhei em órgãos públicos, fui estagiário da Secretaria da Promoção Social nos anos 70. Trabalhei na, fui estagiário da Sabesp [Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo]. Fui estagiário,não me recordo, tive um período muito curto, fui estagiário do Departamento de Estágio do Centro Acadêmico XI de Agosto. Que é um Departamento que existe até hoje, atende a população carente. E fui estagiário no sindicato. Que é o que de certa maneira depois acabou determinando a minha, o meu futuro profissional. Não determinando, mas influenciando de alguma forma os caminhos futuros. O último emprego que eu tive eu fiz estágio, fui estagiário do Sindicato dos Condutores de São Paulo. Havia uma nova Diretoria que havia ganho a eleição no Sindicato dos Condutores de São Paulo. Tinha um administrador, o presidente do sindicato era petista. Não, petista eu acho que é um pouco forçar a barra. Por que, que ano que era isso? Em 1980. O PT [Partido dos Trabalhadores] acho que estava se criando naquele período. Ele era simpatizante do que se chamava na época sindicalismo autêntico, o presidente do sindicato. E eu não consigo nem me lembrar do nome, recordar o nome dele. Mas ele era muito jovem para a época e era motorista, muito jovem para o perfil de dirigente sindical, e era motorista da Cometa. E ele fez uma composição com o Partidão e conseguiu ganhar a eleição. E tirar os herdeiros da intervenção. Porque o Sindicato dos Condutores de São Paulo, como a maior parte desses grandes sindicatos, sofreu intervenção no regime militar. Então ele contratou o administrador do Sindicato, que era militante da Ação Popular Marxista-Leninista, a APML. Eu tive um relacionamento muito próximo com a APML, não cheguei ser militante integralmente da organização. Mas eles tinham a base, o que eles chamavam de, como é que é o nome? Célula partidária paralela, onde participava os simpatizantes que não tinham acesso a toda estrutura da organização. Mas tinha acesso às discussões internas da organização. A APML era uma organização que tinha sido criada nos anos 60, né? E eu acabei não virando militante integralmente, porque quando eu estava para virar militante eu questionava uma série de coisas. E a organização também entrou em um processo de, logo em seguida, entrou em um processo de autodissolução. Tinha um certo ritual de passagem, um rito de passagem para você virar militante da organização. Vinha alguém do secretariado, fazia uma série de entrevistas. Vasculhava a vida pessoal. Porque na época havia a preocupação inclusive com relações com a polícia política, com o sistema de informação e espionagem do regime militar. Então eles vasculhavam a vida da gente, a vida familiar, os laços, as relações pessoais. E depois também havia uma longa conversa pessoal com alguém de, algum quadro de gente da organização, onde você fazia um, passava por um certo crivo de avaliação. Eu sempre tive muitas dúvidas com o marxismo-leninismo. Nunca tive, nunca fui absolutamente convencido. Então assim, eu tinha dúvidas que me impediam de me tornar militante integral. Eu nunca acreditei no partido único. Enfim, o regime socialista do leste europeu. Tinha uma certa, tinha uma série de críticas que me impedia de virar militante. Mas apesar disso a minha geração de pessoas ligadas a mim viraram, vários amigos viraram militantes. E eu era daquele circuito, conhecia quem eram os militantes, discutia política com eles constantemente. Porque eu tinha sido membro de uma célula partidária paralela da APML. E eles contrataram, o sindicato contratou o administrador que era ligado à organização. Que eu acho, se não me engano, é o Antonio, Antonio Sampaio Dória, o Dória. O Dória foi administrador, é uma pessoa que eu não vejo há muitos anos. Mas é uma pessoa que tem uma trajetória individual muito interessante. Um sujeito muito culto, muito inteligente, típico classe média intelectualizada e virou administrador de um sindicato de motorista de ônibus da noite para o dia. Então ele pediu para as células da organização arrumar pessoas na área jurídica para trabalhar no sindicato porque só tinha advogado do Partidão. Então ele queria por algumas outras pessoas para mesclar, para que tivesse outras opiniões. Porque essa área da advocacia trabalhista sempre foi dominada pelo Partido Comunista. Durante décadas e décadas.
P/1 – Ah, é?
R – É. A minha geração é que quebrou essa sequência de controle do Partido Comunista sobre a advocacia trabalhista. E aí eu fui ver, fui ser estagiário quase como pedido da célula do Largo de São Francisco com uma missão: “Vá trabalhar no sindicato, porque o Dória está lá. Precisa alguém que o ajude, etc e tal.” Fui trabalhar no sindicato nessas circunstâncias. Estava precisando de estágio também. Aí foi um período para mim interessante. Quer dizer, para um jovem de classe média conhecer, porque o problema é o seguinte: essa visão de um adolescente da classe média quando se envolve com a esquerda, lê texto, ouve falar de operário, é como se o operário fosse um ente mítico. Uma coisa fora da “ahh”. Aí quando, então assim, eu lembro que tinha um colega de faculdade que era militante, este é marxista até hoje inclusive, ele era militante também do movimento estudantil, e descobriu que tinha um aluno na nossa classe que era operário. Aquele dia, quando descobriu o sujeito operário, ele queria que esse sujeito dirigisse as assembleias, tivesse um papel fundamental dentro do movimento estudantil, e dentro do Largo São Francisco. E era um desastre. Porque o nosso, o operário que a gente tinha na sala de aula era um sujeito completamente alienado. Era uma ótima pessoa, ótimo ser humano, mas ele não tinha a menor consciência política de nada, não estava preocupado. Estava preocupado em ganhar um diploma de Direito para inclusive ascender socialmente, deixar a vida dura de operário. [risos]. O cara não suportava mais aquela vida. Então, eu acho que a gente tinha uma visão mítica do que era a vida do trabalhador, do operário. Então, trabalhar no sindicato foi um certo, um choque de realidade. De você olhar e ver como é que é a vida do operário. E que é uma vida muito difícil, né? E ser, depois com os anos que você vai amadurecendo, que você vai percebendo o que é que é, o que é a essência do ser humano, que é a visão política que o ser humano tem. A consciência política que o ser humano tem. São coisas hoje que eu trato com muita...você tem pessoas boas, más pessoas, isso não independe da posição política dela. Mas enfim, esse é um período de envolvimento com a militância política bem inocente, ingênua. Até por isso muito rica, do ponto de vista de você amadurecer, aprender, conhecer o mundo, sofrer com ele. As dores que o mundo traz,que a realidade traz para a gente.
P/1 – Crivelli, esse seu trabalho no sindicato então foi o primeiro contato que você teve com o mundo sindical?
R – Com o sindicato foi. Eu era estudante ainda.
P/1 – Não tinha tido nenhum contato antes.
R – Não, antes eu tive contato sempre com apoio. Apesar de estudantes nós dávamos apoio, por exemplo, às greves do ABC [Região do Grande ABC]. Porque isso era uma das tarefas, inclusive, que a organização dava para a gente. Que eu lembro quando o Lula fez aquela greve, se bem que esse período eu acho que eu já era estagiário do sindicato, nessas greves do ABC, tentávamos sempre de uma forma ou de outra apoiar. Arrecadar fundos, fazia material. Nós tínhamos vários jornais que faziam na faculdade em apoio. Mostrar as reivindicações do movimento operário. As críticas que o movimento operário fazia já ao regime militar, à falta de liberdade, à estrutura sindical, por exemplo. Enfim, era uma coisa que de certa maneira tinha um contato também com a nossa realidade de estudantes de Direito porque se mexia com a questão legal, com a questão da estrutura que o Estado, enfim, de controle sobre o movimento sindical. Esse foi o primeiro contato. Mas eu, apesar de ter esse envolvimento eu decidi não ser advogado trabalhista. [risos] Eu decidi fazer concurso público e fiz um quinto ano para ser da área de Direito político-administrativo para fazer concurso público. Parei de trabalhar em sindicato. Fiquei um pouco chocado. Eu queria fazer concurso público para arrumar emprego público para poder sobreviver e fazer pós-graduação. Fazer carreira universitária.
P/1 – Mas por que é que você ficou chocado?
R – Olha, primeiro pelas dificuldades, né? Ganha-se pouco, trabalha-se muito. As condições de trabalho são sempre ruins. Trabalhar em sindicato é uma, do ponto de vista de infra-estrutura, é muito difícil. É muito difícil. Então eu tendo aquele, aquela experiência que eu tive enriquecedora, calorosa, com a classe trabalhadora [risos] eu achei que, assim: “Olha, eu não dou para isso não. Vou fazer outra coisa na vida. Vou fazer um concurso público. Eu vou fazer carreira universitária.” E fiz, quinto ano para a área, focado para esse, com esse projeto. Mas só que a vida não anda em linha reta, né? Eu me formei, passei um período de desemprego muito grande. Que foi em 1982, que foi aquele período de depressão. O Delfim era ministro, os últimos anos do regime militar. A situação econômica era muito ruim. Mas era um desemprego altíssimo em 1982. E eu fiquei muito tempo desempregado. E onde é que eu fui arrumar emprego? Em sindicato. E aí assim, bem que por acidente, e por necessidade, eu voltei à área sindical, e dela nunca mais saí. Quer dizer, isso marcou a minha trajetória. Eu digo isso pelo seguinte: não faça uma visão, também uma leitura romântica assim “ah, eu projetei, eu era militante.” Eu era militante. E eu tinha, acreditava que tinha que haver profundas reformas sociais. E acabar com a desigualdade social, mas aquele meu primeiro movimento foi de fugir do confronto de advocacia sindical. Mas não, caí nela outra vez, e foi o único emprego que me apareceu. O primeiro emprego que me apareceu, no Sindicato dos Condutores do ABC. Eu já tinha trabalhado como estagiário no Sindicato dos Condutores de São Paulo e a Oposição Sindical ganhou no ABC, eu estava desempregado e aí o problema das relações interpessoais são determinantes também na sua trajetória profissional. A maior parte dos meus amigos eram militantes de esquerda. Trabalhavam em sindicatos ou tinham relações com o movimento social, os movimentos sociais ou o movimento popular. Então assim, eu bati as portas de empregos em vários lugares. Curiosamente os dois empregos que me apareceram, o primeiro apareceu no Sindicato dos Condutores do ABC, eu fui ser advogado lá. E, ao iniciar, ao receber a proposta para trabalhar, me apareceu uma proposta para trabalhar no Bradesco. Então eu tive que decidir entre ser advogado do Bradesco e ser advogado dos Condutores do ABC. E eu recusei ser advogado do Bradesco pelo motivo que era para eu trabalhar e cobrir o norte do Paraná inteiro. Eu tinha que deixar São Paulo, morar no interior do Paraná. Cobrir, fazer execução de dívidas de empréstimos no norte do Paraná. Óbvio que eu ia sentir um certo desconforto trabalhar para o banco. Mas assim também não achava, tinha um problema real que era o problema de sobrevivência. Tinha, sentia um certo desconforto. Mas desconforto maior era não ter onde morar, não ter dinheiro. [risos] Também tinha uma dose de pragmatismo que me movimentava para tomar decisões. Mas aí eu achei que trabalhar nos Condutores do ABC era a melhor alternativa. O salário era até um pouco melhor do que trabalhar no Bradesco. E eu não tinha experiência. Foi um desafio grande. Comecei a trabalhar no sindicato. E curiosamente depois, o meu maior sucesso profissional foi como advogado do Sindicato dos Bancários. Você vê, quase que eu virei advogado do Bradesco, no ápice eu adquiri maior notoriedade, minha maior oportunidade para notoriedade profissional, foi como advogado das negociações nacional dos Bancários. Advogado como assessor da Comissão de Bancários.
P/1 – Quando isso?
R – Em 1980... Final de 1988 eu fui contratado pelo Departamento Nacional de Bancários da CUT [Central Única dos Trabalhadores] para assessorar a Negociação Nacional de Bancários, que eu fiquei até 90 e, até final de 94. No meio dessa trajetória eu fiz várias coisas. E eu te digo seguinte: hoje eu sou sócio do escritório que tem meu nome, nós somos 30 e poucos advogados. E, para ter um escritório que cresceu com o movimento sindical, nasceu, e tem ainda a maior parte do seu foco profissional no movimento sindical, o meu escritório tem uma certa característica ímpar, vamos dizer assim. É difícil de você encontrar escritórios com esse porte, e hoje nós temos administração profissionalizada. Apesar das origens de esquerda da maior parte dos sócios, o escritório se transformou em uma empresa. Agora, eu digo o seguinte: isso, de certa maneira foi possível graças a uma rápida trajetória profissional pelo fato de eu trabalhar no movimento sindical. Se eu tivesse me transformado em advogado de empresa eu teria uma trajetória com segurança muito mais lenta profissional. Então apesar das dificuldades, apesar de ter suportado empregos em condições ruins, do ponto de vista de salário, de segurança pessoal. Porque ser advogado dos Condutores, por exemplo, nos anos 80 havia um problema de segurança pessoal. A maior parte das empresas do ABC, por exemplo, tinham uma atitude anti-sindical muito violenta. Tinham capangas, ameaçavam de morte. Os seguranças andavam armados. Você advogar para sindicato era correr os mesmos riscos que corriam os dirigentes sindicais que tentavam organizar sindicatos naquele período. Agora, tinha o seguinte, esse risco todo, ou as condições precárias de trabalho, enfim, tudo isso que era ganhar pouco do ponto de vista, até o salário podia ser um pouco mais vantajoso. Mas para quem estudou na USP, por exemplo, nos primeiros três, quatro anos de vida profissional eu já estava logo ganhando muito menos do que estavam os meus colegas de faculdade que tinham entrado para a área empresarial. Mas, em compensação, eu fui demandado a tomar decisões, a crescer profissionalmente com tal rapidez, que isso foi uma oportunidade inigualável. Por exemplo, em 1983, 83 para 84, eu mudei para Campinas. Eu fui fazer mestrado em Ciência Política na Unicamp [Universidade de Campinas] e mudei para lá. E eu fui tanto no ABC como em Campinas, depois de tantas experiências de greve, eu era obrigado com dois, três anos de formado a fazer sustentação oral nos tribunais - no Tribunal Regional do Trabalho - a ter que vir a uma audiência às 11 horas da manhã e fazer sustentação oral no Tribunal às cinco horas da tarde, para uma matéria de Direito Sindical e Coletivo que poucas pessoas conheciam no Brasil. Inclusive porque muitos anos de regime militar, era uma matéria que tinha ficado esquecida, dormindo, durante o período da ditadura. Então eu fui demandado a dar respostas profissionais que eu acho que me obrigou um crescimento profissional muito mais rápido. E ter uma visão, uma experiência, uma vivência profissional muito mais rápido do que aqueles que seguiram uma carreira de ascensão lenta e gradual. Então aquilo que aparentemente foi uma escolha de sobrevivência para mim foi decisivo para o crescimento profissional e reconhecimento profissional.
P/1 – Você acha que isso é uma regra? Que com todo mundo é assim ou…
R – Não, não.
P/1 – ...foi com você?
R – Eu acho que o momento da ditadura, o final da ditadura e início da democratização. Hoje ser advogado trabalhista é uma outra realidade. Sofre menos. O advogado tem menos, o mercado de trabalho é mais organizado. Os advogados são mais reconhecidos. Os escritórios têm uma estrutura de carreira. Os sindicatos são mais organizados também. Mas em compensação o mercado é ocupado por muitos advogados que já sabem fazer as coisas. É esse que é o problema. Quando termina o regime, quando começa a terminar o regime militar você tem poucos advogados nessa área trabalhista e sindical. Vários são da velha geração que sobreviveram ao regime militar. E a maioria, grande maioria deles ligados ao Partido Comunista. E o novo movimento Sindicalismo Autêntico, ele nasce descolado do Partido Comunista. É uma experiência política, tanto é que gerou a criação do PT [Partido dos Trabalhadores], a criação da CUT [Central Única dos Trabalhadores], descolado do Partido Comunista. Então assim, eu não entrei na grande instituição de carreira de esquerda [risos], a gente dizia isso com uma certa ironia. Mas você entrar no Partido Comunista até meado dos anos 60 era uma grande carreira política. O sujeito entrava no Partido Comunista, ele ia ter sindicato para trabalhar, ou ia ter determinados órgãos previamente que o partido controlava para trabalhar. O partido influenciava algumas administrações, os seus quadros eram dirigidos. Tanto é que os advogados trabalhistas mais antigos são todos, grandes escritórios trabalhistas, são todos ou foram um dia ligados ao Partido Comunista. Claro que o Partido Comunista,o que sobrou daquela trajetória do Partido é muito pouco, né? O que sobrou virou PPS [Partido Popular Socialista], que é um outro partido, uma outra história, um outro objetivo. Então do ponto de vista de evolução profissional os dirigentes sindicais autênticos, que nascem no ABC, Bancários de São Paulo, Bancários de Porto Alegre, daquilo que ficou conhecido como Sindicalismo Autêntico não confiavam no Partido Comunista. Portanto não confiavam nos advogados do Partido Comunista. [risos] Então assim, foi a grande oportunidade para a minha geração se projetar profissionalmente. E se projetar, no início dos anos 90 eu já tinha um certo nome nacional. Porque eu fui advogado de negociação nacional. Eu já tinha um escritório aberto. Porque aí começa também o lado da profissionalização minha. Eu decidi abrir um escritório porque cansado da dependência também como empregado do sindicato, montei meu próprio escritório. E tive que enfrentar uma resistência ideológica em relação a isso. Porque as lideranças sindicais dos anos 80 achavam que: “Isso não, você tem que ser, empregado do sindicato você tem que ser voltado para a vida do sindicato. Não pode ter sua empresa.” Tudo isso, teve um dirigente sindical que me disse que ter escritório de advocacia era privatizar a experiência do movimento sindical. “Você vai privatizar a experiência.” O que, de certa maneira, não deixa de estar errado, mas [risos] como a minha experiência sempre foi voltada para prestar serviço na área, eu acho, eu acho que eu ganhei mas o movimento sindical também ganhou com, tendo qualificação. Tendo advogados mais qualificados, né? Mas, me possibilitou, por exemplo, nos anos 90 abrir um escritório em Brasília, que eu assessorava a negociação do movimento sindical nacional dos Bancários. Eu fui adquirindo projeção profissional, me permitiu abrir um escritório em Brasília, depois em São Paulo, também. Meu primeiro escritório abri em Campinas. Comecei no interior, fiz uma trajetória, saí da capital fui para o interior. Fiz uma trajetória do interior para Brasília, de Brasília para São Paulo. Retornando a São Paulo finalmente. E depois virei advogado da CUT, enfim, DIEESE [Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos]. Acho que é um dos contratos mais importantes que eu tenho do ponto de vista de trajetória profissional, e também trajetória emocional. Que mais do que ganhar dinheiro com o DIEESE, ou ser advogado do DIEESE, é um problema de certa maneira. No DIEESE é um local onde eu tenho o espelho da minha trajetória pessoal, apesar de hoje ter uma visão muito mais flexível do que eu tinha. Não tenho uma visão, não acredito na revolução, enfim. [risos] Não acredito em uma série de coisas. Continuo acreditando na necessidade de distribuição de renda, de diminuição de desigualdade social. Mas o DIEESE acaba sendo um, para mim um certo local onde é um constante, uma ligação com uma trajetória minha de vida toda. Então para mim tem uma carga emocional importante, grande.
P/1 – Quando que você ouviu falar do DIEESE pela primeira vez?
R – Ah, eu, logo no primeiro sindicato que eu comecei a trabalhar em 1900 e como advogado, 1982, logo na primeira campanha salarial que eu tive que participar eu já conheci o DIEESE. Primeiro o DIEESE fazia aquilo, fazia os boletins periódicos. E tinha o problema do, já tinha, já dava assistência para vários sindicatos na negociação coletiva. E eu tomei conhecimento naquela época, do DIEESE. Em 1982. Mas só vim trabalhar com o DIEESE muitos anos depois.
P/1 – Na universidade não se falava?
R – Na universidade não. Eu nunca havia escutado falar. Veja, Faculdade de Direito do Largo São Francisco, é classe trabalhador, é um ente, um ente conceitual que só existe nos livros, entendeu? Nos livros de Direito de Trabalho. É uma faculdade que não mantém menor preocupação com o conflito social, nem com a existência de classes, nem de diferenças de classes. O Direito já é uma, o Direito já tem um grau de abstração muito grande da realidade, enfim. Há uma grande discussão que não cabe aqui me alongar muito, mas se tem, se Direito é uma ciência ou não. Enfim, o Direito já é uma grande abstração da realidade. A sensibilidade do Direito em relação à desigualdade social já é um problema grande. Hoje o Direito está todo perpassado por preocupações sociais. Nos anos 70, até os anos 70, a único parte do Direito que tinha sensibilidade social era o Direito do Trabalho, né? E Direito do Trabalho é uma parte pequena, era naquele período, e eu acho que de uma certa maneira continua sendo. Na Faculdade de Direito da USP, uma parte pequena da grade. No resto do curso não existe classes sociais. Existe o Direito dos iguais, [risos] daqueles que podem mais, entendeu? Em síntese, é isso.
P/1 – Então você conheceu o DIEESE só quando você trabalhou no sindicato?
R – Só quando eu comecei a trabalhar em sindicato. Eu não conhecia o DIEESE.
P/1 – E qual que era a visão?
R – Eu não tenho assim, recordação, por mais que eu force a memória, eu não tenho recordação da universidade de ter. Pode ser que me passou assim em algum momento da minha vida, mas não me chamou a atenção. E nem consegui aprender a importância dele. Não, eu, no sindicato eu vi o quanto importante era o, o quão importante o DIEESE para os sindicatos. Em termos de assessoramentos, de qualificar as informações. Porque veja um dirigente sindical hoje, é incomparável os quadros sindicais que existem hoje com os que existem antigamente. Mudou muito. Algumas coisas mudaram, eu acho que para pior, mas uma série de coisas mudaram para melhor. O nível de qualificação pessoal dos dirigentes sindicais melhorou muito. Um dirigente sindical nos anos 70, nos anos 80 era um dirigente sindical que tinha revolta em relação às péssimas condições de trabalho na empresa. As péssimas condições sociais. Mas, uma categoria como Metalúrgicos, ou Condutores, onde inclusive o grau de formação escolar individual era muito baixo, quer dizer, o grau de preparação individual desse dirigente sindical é muito precária. Então a visão que ele tem das instituições é tão precária quanto à visão que ele tem do mundo, pela pouca informação que ele tem de escolaridade formal, inclusive, né? O que eles têm, tinham, era grande disposição, um grande desejo, um desejo ardente de mudar as coisas, e fazer as coisas acontecerem, de mudar a realidade. Mas uma preparação muito precária para tudo. Porque esses dirigentes são dirigentes que nascem no período pós, durante o final do regime militar, que não são quadros de esquerda tradicionais. Porque como o regime militar quebrou a organização da esquerda, quer dizer, tinha antes de 64, pelo menos tinham quadros muito mais bem preparados. Mas os quadros que surgem, o ressurgimento do movimento sindical são quadros um ou outro que têm uma preparação política melhor, porque são base da igreja ou que conseguiram ser militantes de alguma organização de esquerda que sobreviveu durante o regime militar. Que a maioria foi absolutamente aniquilada, né? E, mas isso são exceções. Você contava no dedo. Eu lembro que quando eu era estudante, por exemplo, eu tomei conhecimento nominal, por algum dirigente da APML, de não mais que quatro ou cinco operários que eram envolvidos com a direção da organização. A organização era de gente de classe média intelectualizada, ligada à universidade. Então esses quadros dirigentes eram muito precariamente preparados, por isso que no DIEESE, com quadros técnicos bem preparados tecnicamente, sempre houve uma preocupação aqui com o nível de formação, de qualificação das pessoas. Eu percebia o quanto isso era importante para a sobrevivência do sindicato, para a atuação, para a qualificação da intervenção do dirigente sindical na negociação coletivo, enfim, no contato com as instituições, com o Ministério do Trabalho, com a Justiça do Trabalho. Mas muito importante. Sempre foi uma visão impactante, quer dizer, saber que tinha uma organização, uma ONG [Organização Não Governamental], que vivia financiada pelos sindicatos. Eu lembro que a minha reação foi uma reação extremamente de ânimos, assim: “Olha, eu vejo que as coisas são possíveis de se realizar. Como é que os sindicatos que sobreviveram ao regime militar conseguem manter uma organização dessa debaixo do regime militar? Independente, as coisas acontecendo, funcionando.” Eu acho esse período do DIEESE é um período heróico até. A sobrevivência do DIEESE no período do regime militar é heróico. Eu não sei se eu teria a disposição que essas pessoas tiveram para viver as condições que viveram, com perseguição política, com pressão política. É admirável isso.
P/1 – Aí você começou a trabalhar com o DIEESE quando?
R – Olha, o meu contato com o DIEESE foi o seguinte: eu era advogado do Departamento Nacional dos Bancários da CUT. E tinha um dirigente do Departamento Nacional dos Bancários da CUT, que é o João Vaccari Neto. Ele,na transição da saída do Barelli como diretor técnico, ele virou presidente, se não me engano naquele período, ele virou presidente do DIEESE. Ele era dirigente do Nacional dos Bancários da CUT e eu era advogado do Departamento. Então por uma série de problemas administrativos que ele tinha dentro do Departamento ele acabava me consultando informalmente. E aí eles precisaram fazer algumas alterações nesse período, acho que 90 para 91, de estatuto, e me pediu para fazer as mudanças. E eu fazia sempre as coisas de graça, porque o DIEESE dizia sempre com a sua situação financeira: “Ah, quebra o galho, faça isso, faça aquilo.” E eu fazia as coisas. Depois de acho que mais de ano fazendo coisas, quebrando o galho um dia eu falei para eles: “Escuta, não é melhor nós profissionalizarmos essa relação? [risos] Vocês me contratarem.” Ele falou: “Ah, no DIEESE nunca teve advogado, ou se teve ninguém lembra de ter tido. É uma coisa complicada. Precisa discutir com a Direção. Quem sabe um dia.” Eu sei que depois de um ano e meio eu fazendo assim, vários, pequenas coisas esparsas para o DIEESE, eles resolveram. Eles tinham um advogado que cuidava das ações. Quer dizer, tinha um advogado que cuidava de processos que tinham proposto contra o DIEESE. Mas eles não tinham nenhum que dava assessoria para a Direção do DIEESE. O advogado cuidava de processos, que é o Ari Castelo e é um advogado que eu acho também de origem do Partidão, advogado antigo, deve ter hoje perto dos seus 70 anos. O Ari Castelo era advogado para sindicatos e acho que foi militante, não tenho certeza, do Partidão. Ee cuidava de algumas ações que ex-empregados do DIEESE tinham proposto contra o DIEESE, mas eles não o usavam como consultor, como assessor da Direção do DIEESE. E aí eles resolveram me contratar para fazer isso. Ou seja, não me contrataram como pessoa física, contrataram o meu escritório para dar consultoria, mas eu era advogado do escritório que acompanhava o DIEESE. E aí foi um período muito interessante de contato com o DIEESE, porque é uma tentativa de organização administrativa e que de certa maneira foi exitosa até determinado limite, se conseguiu organizar muito. Nós fomos contratados para verificar todos os procedimentos administrativos internos. Fazer uma espécie de auditoria dentro do DIEESE administrativo. E, mas não se limitava a só isso. Quer dizer, todos os trabalhos inclusive que técnicos faziam de publicações, tudo que resvalava um pouco para a questão jurídica-legal-trabalhista, nós éramos consultado um pouco de tudo. Um leque bem variado. E para mim, do ponto de vista pessoal, foi um desafio. Porque eu digo isso com eles [risos] aqui o seguinte: “Que eu era advogado do sindicato, advogava para empregados. Aqui eu entrei e comecei a advogar para o DIEESE, e em diversos momentos passava a advogar como empregador, não mais como empregado.” Agora, o DIEESE tem uma administração, sempre teve uma administração muito diferenciada. Administração preocupada com os empregados, enfim, preocupada em organizar administrativamente a instituição, mas que olha os empregados não como empregador comum. Olha os empregados com respeito, entendendo os empregados como com direito à organização, com direito à opinião. Enfim, os empregados como um ente possível de ter opiniões próprias, de se manifestar, de discordar da Direção. De uma opinião que a Direção exerce. Isso é um desafio para eu passar a fazer uma advocacia que era uma advocacia no pólo oposto. Defendendo a instituição. Ainda que com essas considerações todas, mas que às vezes, em conflito com os empregados do DIEESE. Então foi uma nova experiência na minha vida muito rica nesse ponto.
P/1 – Deixa só eu colocar uma pergunta antes? É porque senão vai perder: é que você falou que você antes de ser contratado você fazia, quebrava vários galhos, assim. Por que é que você aceitava fazer esse tipo de coisa?
R – [risos] Porque era o DIEESE, né?
P/1 – De graça.
R – Então, era o DIEESE que tinha a organização de sindicatos, que a gente sabia que não tinha recursos para despender com consultores ou com advogados. E depois o seguinte, olha, quando eu comecei a trabalhar com o sindicato, trabalhar de graça para o movimento social e sindical era uma coisa, era um lugar comum. Eu trabalhei, fiz muito trabalho de graça. Muita coisa, porque assim, esses movimentos sociais não tinham a menor estrutura para nada. Então não era nem o primeiro, não foi nem o primeiro [risos], nem foi o último quem eu ajudei. A última instituição que eu ajudei sem ganhar nada, sem cobrar nada, porque eles não tinham dinheiro para pagar, queriam fazer uma série de coisas, precisavam organizar a instituição, então fui me envolvendo. Óbvio que depois de um determinado período eu também olhei o DIEESE, quando eu fui dizer para o Vaccari: “Olha, precisamos regularizar a minha relação com o DIEESE, então vou virar um prestador de serviço do DIEESE. Vocês me contratam.” Eu percebi também, como profissional, que o DIEESE era um local importante profissionalmente para mim. Porque era um local onde todas as correntes sindicais se encontravam. É um local, veja, o DIEESE é o único ponto de consenso permanente. Se há um ponto de consenso perene, se há um consenso perene no movimento sindical, é o DIEESE. Quer dizer, todas as correntes diferentes, as centrais sindicais que hoje existem - naquele período só existia a CUT, depois que foram se organizando todas as outras - era consenso. O DIEESE era um consenso e é um consenso hoje. Então eu também comecei perceber que o DIEESE era um local profissional interessante também. Você vivenciar, porque veja, eu comecei a trabalhar com sindicato do chamado Sindicalismo Autêntico, né? Que depois criaram o PT. Então eles olhavam o resto do movimento sindical e demonizava o resto do movimento sindical. Bom, primeiro que todo o resto era pelego. Os únicos combativos do bom sindicato eram ligados à corrente Autêntica do movimento sindical. O resto eram pelegos, enfim. Então assim, a visão que o movimento sindical ligado à CUT tinha nos anos 80, no início dos anos 80, até antes de criar. Porque eu comecei trabalhar com o movimento sindical quando eu era estagiário e eu ajudava o que era inclusive as oposições sindicais antes até de criar a CUT, quando eu era estagiário dos Condutores de São Paulo. Cheguei a trabalhar em eleição dos Metalúrgicos de São Paulo, por exemplo, como estudante quando era, no período que eu era militante do movimento estudantil, ajudando a fazer eleições sindicais. E naquela época a visão que o movimento sindical tinha dessas outras correntes todas, o Sindicalismo Autêntico, era extremamente um bando de pelegos. Enfim, o movimento sindical, a classe trabalhadora deve ser defendida autenticamente por nós. E o resto não tem, são contra os interesses da classe operária. São contra os interesses dos trabalhadores. Então, de certa maneira, o contato com o DIEESE para mim, serviu para abrir um pouco, abrir a minha mente no sentido: “Pô, tem gente que sofreu perseguição da ditadura. Tem gente que, [risos] não é porque ele não é do movimento sindical autêntico que ele não merece respeito, nem...” Mas isso, há, havia, e eu acho que de certa maneira para algumas correntes ainda há, um sectarismo achando-se dono, autoproclamados representantes da classe operária. Isso é um problema generalizado da esquerda marxista-leninista, ou trotskista, enfim. Se autoproclamam representantes. E, de certa maneira, o Sindicalismo Autêntico, que depois virou o PT, o PT de certa maneira tinha, quer dizer, tem esse defeito de nascimento. [risos] Se autoproclama representante da classe operária. Autoproclamar, né? Porque se a classe, nós vamos verificar na história, que a classe trabalhadora só foi votar maciçamente no PT [risos] décadas depois, né? Mas é, então isso era um problema para a esquerda, da esquerda que se considerava representante, então o resto não presta. O resto não representa. E a entrada no DIEESE, para mim, ali foi importante para isso também. Para eu conhecer o resto do universo do movimento sindical e sair do gueto profissional ao qual eu fui criado. Cresci profissionalmente. E isso é uma contribuição fundamental que o DIEESE deu para a minha vida. Saber o que é o resto do movimento sindical, que ele existe, que ele tem uma história própria também. Que ele tem trajetória, enfim, vários outros setores do movimento sindical sofreram problemas. Também tiveram papel importante de resistência. Também tiveram, quantos sindicatos afora, do Brasil afora, tinha dirigentes sindicais que não tinham uma visão política de transformação radical da sociedade, mas tinham uma visão de defesa dos direitos dos trabalhadores. De defender o sindicato. Defender aquele seu pequeno sindicato. De resistir à, nos períodos mais difíceis da ditadura manter a dignidade, de manter o sindicato aberto. De manter um mínimo de atividade. Um mínimo da assistência. Um mínimo de assistência política. Um mínimo inclusive de crítica política dentro do que conseguiram fazer no período de resistência. E eu conheci muita gente assim. Quer dizer, então isso foi uma, para mim foi uma abertura. Eu podia dizer, como eu tive aquele momento lá na adolescência, eu acho que ali é um momento também de mudança. Que eu, no início dos anos 90, eu estou com 30 e poucos anos. Para mim foi um processo de abertura. De entender que o Brasil é mais complexo do que a visão da esquerda petista, daquela esquerda petista dos anos 80. Então para mim foi muito importante entender o resto do país, entender o resto da esquerda, enfim. O DIEESE tem para mim essa abertura também. Conhecer o resto. Conhecer a história do movimento sindical. Quem é o dono do movimento sindical? Quantas pessoas que morreram, lutaram, cresceram, viveram, se dedicaram a vida? O movimento sindical no Brasil tem quantos anos? Tem 90 anos, 100 anos. Teve outras experiências de centrais sindicais. Não pode uma central só se considerar detentora da verdade nem da representação da história, entendeu? Isso acho que a convivência minha com o DIEESE me propiciou isso.
P/2 – É, Crivelli, aqui dentro do DIEESE uma palavra que sempre passou pelas entrevistas é negociação. A negociação coletiva ou seja mesmo a negociação dessas diversas correntes aqui dentro. Para você, advogado, que tem esse convite direto com as leis, como entra a palavra negociação na sua vivência no DIEESE?
R – Negociação para construir o consenso. Acho. Porque, por exemplo, eu já fazia negociação coletiva quando eu entrei no DIEESE. Então o embate com o empregador, eu já tinha tido essa experiência. Eu já tinha feito negociações de greves importantes quando eu entrei aqui: Bancários, Motoristas de Ônibus, Servidores Públicos. Já tinha tido uma experiência bem variada de negociação coletiva, uma experiência de negociação no conflito capital-trabalho. E acho que sempre fiz muito bem isso. Negociação coletiva aprendi a fazer. Fazia bem. Mas eu aprendi uma outra coisa aqui que é negociar o consenso político. Ou negociar dentro de, encontrar pontos de convergência dentro da divergência de visões políticas. Dentro do conflito de visões diferentes de como resolver as coisas. De como encaminhar as coisas. Então essa experiência que eu estava dizendo de outras visões do movimento sindical, o DIEESE é uma escola - desse ponto de vista - é uma escola de aprendizado da negociação para a construção de soluções consensuais. Às vezes isso acaba sendo um exagero no DIEESE, né? Porque se busca tanto o consenso, busca tanto o consenso, mas tanto o consenso que às vezes ele se esquece que determinadas coisas tem que se fazer por maioria. Não, nem tudo na vida se pode obter consenso. Mas, eu acho que o fato de algumas vezes aqui no DIEESE se exagerar na busca do consenso, isso de forma nenhuma diminui a riqueza dessa ideia de que você precisa negociar. A ideia da diferença, da alteridade. De que você precisa conviver com os diferentes e precisam conviver no mesmo espaço. Precisam compor. Precisam transigir. O DIEESE é muito rico em relação à isso. E eu acho que é uma experiência então como eu dizia na pergunta. Para mim a negociação é a negociação de como gerir um DIEESE. De como gerir o DIEESE atendendo essas divergências de interesse. De como dirigir o DIEESE enxergando o país com a diversidade que ele tem. Porque uma coisa é você atender um sindicato rural na Amazônia, atender um sindicato rural no Nordeste e atender um sindicato de classe média em São Paulo. Ou atender um sindicato de pequenos produtores no Rio Grande do Sul. Porque os sindicatos rurais no Rio Grande do Sul, por exemplo, eles têm a cara da economia familiar. Que é quase que a cara de pequena, da classe média baixa, que é uma outra cara de você, do sindicato operário, da indústria. Então essa diversidade toda, de que é o mundo do trabalho em um país com tanta diversidade regional, com tanta diversidade cultural, e com tanta diversidade de realidade socioeconômica, tudo isso passa dentro do DIEESE. As pessoas vêm para cá influenciados com as suas trajetórias pessoais, influenciados com as suas experiências e com as suas visões de mundo, e com suas origens pessoais. E aqui tem que negociar. Para a sobrevivência da entidade, para o futuro. Para os projetos que a entidade tem. Então para mim foi uma, é uma experiência muito rica. Eu acho que adquiri, eu acho que amadureci muito na convivência com o DIEESE. Me amadureceu muito a minha capacidade de tolerância. Eu acho que foi uma lição fundamental minha, pessoal. Não sei as outras pessoas, a de tolerância, entendeu? O que é que o DIEESE acrescentou na minha vida: tolerância. De entender que tem determinadas coisas que eu não consigo mudar e que eu tenho que ter uma paciência de Jó, e distinguir o que é que eu posso mudar do que é que eu não posso mudar. Aqui o DIEESE é esse exercício constante. Porque tudo que se muda precisa negociar. Às vezes a gente tem uma ansiedade - eu sou uma pessoa ansiosa - eu quero mudar, eu quero fazer coisas, quero sair mudando e não é possível fazer tudo isso. Quando você tem um convívio com tantas pessoas diferentes, você tem que negociar. Tem que negociar constantemente. Então aquilo que a gente aprende, e a vida é isso mesmo. Por exemplo, por isso que eu acho que para mim foi uma, um processo de maturidade. E acho que de completar uma outra fase de maturidade na vida. De enxergar a vida e o mundo com uma outra forma. Que a gente negocia em casa, no casamento, você negocia com filhos, negocia com parentes. Então assim, a vida no DIEESE, a convivência para mim no DIEESE foi essa tolerância. Tolerância em conviver com as diferenças. Tolerância em saber lidar com isso. E manejar com essas diferenças para fazer as coisas virarem realidade.
P/1 – Você consegue identificar um ponto de convergência entre essas realidades diversas que existem entre os sindicatos do Brasil, que faz com que eles consigam entrar em acordo?
R – Olha, o Brasil tem muita, tem muitos atrasos em uma série, o Brasil é atrasado em uma série de aspectos. Faz com que a realidade do mundo do trabalho seja muito conflituosa. Podia discutir se é possível não ser conflituoso o mundo do trabalho. Mas eu acho que aqui nós temos uma série de adicionais: a desigualdade social, a precariedade. Desde o Sindicato dos Servidores, que trabalham com aparelho do Estado empobrecido. Aparelho do Estado mal organizado, de baixa racionalidade. Crivado por interesses de clientelismo político, por máquina partidária, interesse privados de empresas do setor. E no meio de tudo isso você tem servidores públicos se organizando, querendo conquistar valorização profissional, querendo construir uma identidade própria com carreira, com opção de vida. É uma realidade de problemas. Você pula, salta para o setor rural também e é outro problema. Você tem o campo com baixa, com exceção de alguns estados do Sudeste, com baixa organização produtiva. Logo, com um grau de exploração enorme. O lucro, o resultado econômico passando pelo fator trabalho com um grau enorme de exploração do trabalho. Quer dizer, essas pessoas têm também um grau de conflito enorme. Para construir essas vigas, construir as suas identidades profissionais, as suas trajetórias profissionais dentro de uma realidade dessa. Você tem professor universitário dentro do DIEESE. Gente com trajetória intelectual, que trabalham, intelectuais inclusive que passaram pelo DIEESE. Pessoas que tiveram, que têm importância nas universidades brasileiras enquanto produção intelectual. Que é uma outra trajetória completamente diferente. O que eu acho, um dos fatores fundamentais, eu acho assim, se há alguma coisa que estabelece consenso entre as pessoas é democracia no mundo do trabalho. Acho que isso é uma coisa que une todos os sindicatos. Sejam eles filiados à CUT, sejam eles filiados à Força Sindical, sejam eles filiados à CGT [Comando Geral dos Trabalhadores], à CAT [Centro de Apoio ao Trabalhador], à CGTB [Central Geral dos trabalhadores do Brasil], tem a outra central nova, Conlutas, que está se filiando também à CUT, ao DIEESE. Tem essa outra central nova que é das Confederações. Democracia no mundo do trabalho. Óbvio que isso eu estou, é uma operação minha já intelectual para interpretar isso. Quer dizer, eles vêm, cada um vem um pouco com a sua visão, esses problemas. Mas entendem que o mundo do trabalho precisa ser tratado com mais dignidade e que o ator social precisa ser levado em consideração na formulação de políticas públicas. Que o ambiente de trabalho precisa ser um ambiente de maior equilíbrio, de maior respeito à dignidade da pessoa humana, respeito ao trabalhador individualmente. Quer dizer, eu acho, existem alguns consensos mínimos. Óbvio que como se faz isso, como é que isso é realidade na prática, aí é que moram as divergências. Moram as discordâncias todas. Mas eu acho democracia no local, democracia no mundo do trabalho, tido genericamente como dito hoje, eu acho que são os fatores de união dentro do DIEESE. E que isso é que faz um dirigente da CUT ter uma convivência democrática com um dirigente da CGT, ou com um dirigente de uma velha Confederação Nacional, Federação Nacional. Que a gente, chamava antigamente dos pelegos, etc e tal, pelegada. Quer dizer, como é que se convive democraticamente? Porque no fundo existe um consenso mínimo sobre isso. A divergência de como se faz isso, a melhor forma para se fazer isso aí. Aí é o mundo da política, o mundo do conflito e é o mundo da divergência. E é natural que as coisas sejam assim.
P/1 – É, e como que você avalia a relação entre a direção política e o corpo técnico aqui no DIEESE?
R – Bom, isso é um pouco complicado. Primeiro que eu não sei se vale, vale várias formas de enfoque diferentes para isso, né? Primeiro você tem um corpo técnico - isso está mudando um pouco - mas você tem um corpo técnico muito politizado. De classe média. De classe média intelectualizada. Óbvio que classe média intelectualizada é um pouco que também se auto considera com uma visão especial sobre o mundo, com uma preparação para analisar a realidade do mundo. A realidade do mundo do trabalho, o que lhe dá algum, um conhecimento especial a mais. Quer dizer, acho que isso, de certa maneira, faz com que os jovens técnicos que entram no DIEESE, entram em um processo, e eu que estou aqui desde 91, 15 anos, já deu para observar um pouco a trajetória disso. Eles entram muito donos da verdade, muito donos de si e vão amadurecendo nessa convivência dentro do DIEESE. Então você vê, é interessante isso, a trajetória pessoal. Agora, a maioria das pessoas - isso está se perdendo com o tempo - mas a maioria das pessoas, dos técnicos que entram aqui buscam esse compromisso que o DIEESE tem. De certa maneira, de mudar o mundo. Ou de melhorar esse mundo do trabalho. Agora, é um complicado, né? Porque a direção política tem uma experiência pessoal, tem uma visão específica das coisas que nem sempre é a mesma visão que o técnico tem. Agora, isso, eu acho, o que eu tenho visto nesses 15 anos é uma crescente profissionalização dos técnicos. E uma crescente profissionalização também dos dirigentes sindicais, respeitando o trabalho dos técnicos como um trabalho técnico. E que dentro da técnica e do conhecimento científico merece um tratamento específico com respeito, e tem viés de análise das coisas específico, específica. Que eles, eu acho, que eu tenho visto um crescimento do respeito. Porque, óbvio, a visão política e a visão ideológica, acho que predominava mais na visão dos dirigentes sindicais em relação aos técnicos. Mas isso, com o passar do tempo, acho que tem diminuído. Tem ganhado mais corpo uma visão mais profissional. E de certa maneira também, nos últimos anos, nos 20 anos de democracia, o movimento sindical também não é mais o único local onde um jovem que queira mudar a sociedade procura para trabalhar, né? Tem as ONGs, tem uma série de alternativas na sociedade. Então também hoje tem técnicos no DIEESE que não necessariamente vem para cá como portadores de uma visão particular de mudança de mundo. Ou com um desejo particular de influenciar na mudança das coisas. Isso faz com que venham para cá procurar uma carreira profissional. Eu acho que isso é o desafio que o DIEESE vai enfrentar nos próximos anos. Como ele ser fiel à sua trajetória, seu papel histórico, mas como também ele vai responder à essa necessidade que é muito humana das pessoas quererem construir o seu local de trabalho como opção pessoal de carreira. De construir uma vida profissional, um projeto profissional específico. Não levar a vida só, sempre no turbilhão dos acontecimentos sociais e políticos, como parte da minha geração acho que diziam isso. E a carreira profissional, os projetos pessoais, acabam sendo absolutamente secundarizados. Então, hoje, ou seja, porque o movimento sindical perde um pouco a importância que tinha na sociedade de 20 anos atrás, na transição democrática, na construção da democracia no Brasil, que dava uma visibilidade política e importância política e social para o movimento sindical maior. Eu acho que as pessoas vêm ao DIEESE trabalhar também por opção profissional. E o que é natural isso, que ocorra. E depois também nós estamos vivendo um período histórico de muito individualismo, né? Então por uma coisa e por outra, eu acho que a tendência [risos] é aumentar as pessoas que vêm em busca de uma carreira profissional. Isso é um desafio. Como é que você, guardar as tradições, preservar as boas tradições, e oferecer alternativa para as pessoas, para os técnicos. E oferecer para o movimento sindical assessoria que ele sempre deu, para o movimento sindical enquanto um instrumento de aprimorar a intervenção desses dirigentes sindicais na realidade social que eles vivem.
P/1 – Então, mudando um pouco assim de assunto. Em 1987 a Organização Internacional do Trabalho, propôs uma, a extinção da unidade sindical, é isso?
R – Não, é Convenção 87, é.
P/1 – É isso.
R – A Convenção 87 é de 1958, na verdade, não é de 1987. A Convenção, bom, mas é melhor você concluir a pergunta, né? A Convenção é de 58.
P/1 – Eu queria que você comentasse sobre isso um pouquinho.
R – Olha, isso é uma coisa complicada. Você está me fazendo uma pergunta bem delicada. E... [risos]
P/1 – Não, tudo bem, se você não quiser falar.
R – ...talvez a mais difícil de responder. Não, eu falo disso com maior tranquilidade. Mas é uma questão delicada. Porque esse Sindicalismo Autêntico, que eu falei, que me referi a você, por exemplo, ele nasceu em oposição à estrutura sindical. Em oposição à estrutura sindical, em oposição ao modelo sindical que nós temos no Brasil. Ao modelo corporativo. E a Convenção 87 praticamente proporia o desmonte de toda essa estrutura corporativa. Porque ela cria uma liberdade sindical plena. A liberdade sindical plena da Convenção 87 seria, resumindo para você, o seguinte: o trabalhador teria o direito de organizar o sindicato que lhe aprouvesse. Então, portanto, acabaria com os princípios básicos que nós temos hoje na estrutura sindical brasileira, que é a unicidade sindical. Agora, boa parte do sindicalismo brasileiro defende hoje a unicidade sindical. Inclusive na CUT, que é a central sindical que, quer dizer, nasceu crítica à estrutura sindical. Aliás eu sou consultor jurídico da CUT também, e posso fazer essa observação com maior tranqüilidade. Mas hoje eu acho que até a maior parte dos dirigentes da CUT defendem a unicidade sindical. Isso é um processo curioso. Porque eu acho, eu até escrevi já sobre isso, enfim, até a minha tese de mestrado um pouco cuidou desse assunto. Eu escrevi vários artigos, a mudança da estrutura sindical já ocupou parte das minhas preocupações intelectuais, o meu tempo...
(FIM DO CD 01)
R – Onde é que nós paramos mesmo?
P/2 – Você explicava sobre a Convenção 87, falando do…
R – É, eu acho, o problema do modelo corporativo no Brasil, eu acho que ele cria uma cultura corporativa, né? E ao criar uma cultura corporativa as pessoas se adaptam e acostumam a viver em um ambiente cujos referenciais são referenciais dentro dessa estrutura. Explico: hoje mudar a estrutura sindical, a discussão do fórum, inclusive, criado no primeiro mandato do Lula, foi muito rica para as pessoas que se envolveram nessa discussão. Eu estive muito ao largo dela, porque fui muito crítico em relação à ela, então guardei uma certa distância. Porque meu cliente CUT estava muito envolvido tanto no governo como na central sindical [risos] e eu era crítico ao projeto do governo, crítico ao projeto que eles estavam. Então eu guardei uma certa distância, porque enfim, não queria me envolver pessoalmente no fórum. Mas, as pessoas que se envolveram na discussão conseguiram perceber o tamanho do desafio que é mudar uma estrutura sindical. Porque a tendência das pessoas é não querer mudança profunda. Isso é uma tendência psicológica, normal. As ditaduras, inclusive, acabam sendo possíveis, se perpetuando, etc, porque no dia-a-dia as pessoas não gostam de ser desafiadas por grandes problemas. Ninguém gosta. Nem nas relações interpessoais, no casamento, não gosto todo dia de ficar discutindo a relação, né? [risos] Parece que é um termo muito comum às mulheres, mas ninguém consegue viver todo dia discutindo a relação. Todo dia vamos discutir a relação na hora do café da manhã.
P/1 – Negociação coletiva.
R – Então, você negociar 24 horas, né? É difícil isso. Quer dizer, a estrutura funcionando com todos os símbolos que ela tem, dá um conforto para as pessoas que participam ali. Que confortos são esses? De ter respostas prontas para uma série de coisas. Para a sobrevivência material, porque você tem a arrecadação financeira já resolvida na Lei, e facilitada através da contribuição sindical, que é compulsória, os trabalhadores recolhem. Você ter o grupo social que o sindicato representa pré-determinado na Lei. Você ter o problema de ser um sindicato ou mais de um sindicato resolvido, já estabelecido legalmente quem é, qual é o sindicato que representa aquele grupo social. Você ter todos os mecanismos, as regras de representação de solução de conflitos individuais e conflitos coletivos estabelecidos na Lei. Você ter toda uma estrutura de Judiciário pronta para resolver esses conflitos. Nós podemos discutir que eles não são eficazes, ou não são eficientes, eles não geram, isso é outra discussão. Mas esse universo é o que constrói o universo mental das pessoas que vivem dentro dos sindicatos no Brasil. Por isso acho que cria o que vários autores já usam, essa expressão de cultura corporativa. Então, quer dizer, se eu vivo em um ambiente, então a cultura corporativa de certa maneira, possibilita que ela se auto-renove. De que ela vá se perpetuando e facilitando a perpetuação do modelo. Então, logo, transformações profundas ameaçam a vida de todo mundo. Ameaçam a estabilidade. A liberdade sindical plena seria a desorganização desse universo, completa. De cabo a rabo. Então eu acho que hoje uma mudança profunda no Brasil é praticamente impossível. E veja, é compreensível que assim seja. Porque, onde que países que deixaram estruturas tão amarradas legalmente, como a brasileira, para estruturas completamente abertas? Eu escrevi um artigo há uns, acho que foi o último grande esforço que eu fiz sobre esse problema da transição de estrutura sindical. Que para mim como eu fiz mestrado em Ciência Política, um dos dilemas da Ciência Política era a coisa da transição. Como é que você faz a transição de estruturas, de sistemas. É uma discussão problemática, um desafio da Ciência Política. O Brasil não teve nenhuma transição política combinada com transição da estrutura sindical. Então assim, apesar de você ter tido Estado Novo em 1937 e ter acabado com Getúlio em 1946 com uma Constituinte, a estrutura sindical ficou intocável. Apesar de você ter tido 18 anos de regime liberal, até 1964, a estrutura permaneceu intocável. Veio a ditadura em 64 e não necessitou fazer quase, nem fez nenhuma alteração na estrutura sindical. Ela permaneceu intocável. Teve a Abertura Democrática, a estrutura permaneceu intocável. Então, veja, essa estrutura sindical nossa, ela é adaptável, ela é flexível, ela pode conviver com o regime democrático e pode conviver com o regime autoritário. Então isso já é um dado de realidade curioso: por que é que ela pode ser assim? Que precisou para o Estado Novo fazer pequenos ajustes para controlar os sindicatos, e precisou a ditadura militar fazer pequenos ajustes para controlar os sindicatos. Decretos, Portarias, sempre foi controlado. Eu acho que o grande desafio dessa estrutura, quer dizer, ela que é facilmente adaptável ao regime democrático, ao regime ditatorial, só começa a crescer esse desafio a partir da Constituinte de 1988. Onde se ampliou a liberdade política dos sindicatos e se limitou e proibiu a intervenção do Estado. Então veja, quando você proíbe a intervenção do Estado, o Estado já não pode, ele já não se adapta, quer dizer, se você tiver um ministro do Trabalho mais intervencionista, vamos supor, em um cenário absolutamente anti-sindical, né? O Alckmin, o presidente da Opus Dei, resolve interferir nos sindicatos, tá certo? Resolve a controlar, os sindicatos virou um antro de comunistas desestabilizando o país, ele não teria mecanismos legais eficazes como se tinha até 1988 para intervir nos sindicatos. Para controlar os sindicatos. E mais, os espaços de liberdade interna, corpus, os espaços de liberdade dentro dos sindicatos ampliaram depois de 1988. Me explico, até 1986, 87, havia uma Comissão de Enquadramento Sindical. Então todos os conflitos que haviam entre sindicatos, ou para a organização interna dos sindicatos, se resolviam nessa Comissão. De lá para cá, se resolve na Justiça. Ou seja, não se resolve, porque a Justiça demora, eu tenho casos no escritório de conflitos de representação entre sindicatos, demorou 12 anos, 14 anos. Então, uma Justiça que demora tanto assim é uma Justiça disfuncional.Você tem conflitos que não têm mecanismos de vazão de solução rápida. E esses conflitos vão se perpetuando, vêm se ampliando de 1988 para cá. E as mudanças que o capitalismo vem sofrendo só adicionam esses problemas. Vou ver se eu consigo explicar para vocês. Por exemplo, é do processo produtivo dos últimos 20 anos a grande ampliação das terceirizações. Ora, a terceirização é inimigo do sindicato de categoria profissional, sindicato único. Por quê? Porque a maior parte dos sindicatos que recebem os trabalhadores terceirizados já existiam antes da comissão, antes da Constituição de 88. E toda vez que um sindicato importante tem um setor terceirizado, aquele trabalhador sai da representação do sindicato. Então você tem sindicatos como por exemplo, no setor de Telecomunicações, que representavam um grande número de trabalhadores. Então você tinha estatal, empresas estatais telefônicas, e os sindicatos dos Telefônicos. Todos representados pelo Sindicato dos Telefônicos. O que você tem a partir dos anos 80? As terceirizações. Começam, mesmo as estatais, já começaram a terceirizar. “Bom, esse serviço de manutenção, de acompanhamento passa para fora, é mais barato fora da estatal.” E esses empregados deixam de ser representados pelo seu sindicato. Porque ao contratar uma empresa terceirizada os empregados das empresas terceirizadas vão pertencer à outra categoria profissional. Então o sindicato começa a perder trabalhadores na sua representação. Com o fim do monopólio estatal no setor telefônico, aí então a revolução foi completa. Porque hoje até loja de shopping vende telefone.” Então assim, o núcleo de Telefônicos virou uma coisa insignificante. Veja, há uma impossibilidade daquele sindicato antigo de buscar representação desses outros. Porque eles já têm direitos adquiridos sobre aquelas categorias anteriores. Esses conflitos vão parar na Justiça e eles ganham a representação. Então você tem o quê? O conflito de mudança de processo produtivo impossibilita o sindicato de ir se adaptando com as mudanças que o capitalismo vai apresentando. Essa estrutura sindical é uma estrutura engessada. Eu digo isso para reforçar a minha tese que eu acho que precisa ter mudança. O modelo precisa mudar. Agora, por outro lado, o modelo da Convenção 87 ele assusta os dirigentes sindicais porque é uma mudança radical. E ele tira algumas proteções que dão conforto para o dirigente sindical, que são as contribuições obrigatórias, financeiras. Sem você ter as facilidades materiais e financeiras que o modelo corporativo tem, isso dá muita segurança para o dirigente sindical. Eu digo, dizer para o dirigente sindical que: “Olha, você vai, agora a liberdade é plena, mas em compensação você só vai ter dinheiro se você representar realmente alguém, e você tem que ir buscar essa representação.” Seria decretar a morte de boa parte dos sindicatos que existem hoje. Ou que existem só como estrutura burocrática de carimbo, que não representam efetivamente os trabalhadores. Então, veja, isso tudo decretaria a morte. Bom, isso faz com que a Convenção 87 hoje pouquíssima gente defenda no movimento sindical, encontre poucos defensores. E digamos o seguinte, nós estamos, eu acho que com o fracasso do Fórum Nacional do Trabalho, e da tentativa de reforma do primeiro mandato do Lula, eu acho que essa estrutura sindical ganhou estabilidade por mais uns 20 anos.
P/1 – Essa estrutura antiga?
R – Essa, o modelo corporativo que nós temos hoje ganhou estabilidade por mais 20 anos. A estabilidade não é plena em função dessas disfuncionalidades que eu disse. Porque o dilema é insuperável. Porque se eu tenho problemas de representação de conflitos que se resolvem na Lei e se resolvem na Justiça, ou eu regulamento mais ou eu desregulamento. E eu desregulamentar é eu caminhar para a liberdade sindical plena. É pelo afastamento do Estado do processo. Ou então eu regulamento mais. Eu vou detalhar ao máximo como é que eu resolvo conflito. Ou seja, eu aumento a intervenção do Estado. Você vê, isto é um dilema quase que “Tupy or not Tupy”, né? [risos] Se você vai para um lado ou vai para o outro. Eu não sei. O Partidão no final dos anos de 1980, o Partidão sempre foi, defendeu a manutenção da estrutura sindical, defendia uma maior regulamentação. E queria de certa maneira embutir a representação plúrima, dentro dos sindicatos únicos. Fazer uma representação plúrima proporcional, para embutir dentro da estrutura sindical todas as correntes sindicais. Ah, essa discussão toda se travou no Fórum Nacional do Trabalho. Agora, é muito difícil você cortar da própria carne. E a própria CUT que nasceu crítica em relação à essa estrutura vivencia isso hoje. Estando no governo então, o dilema ficou maior ainda. Porque além de aceitar a realidade que a maior parte dos dirigentes não querem mais mudar a estrutura, aí tem o governo que precisa ter, ser eficaz, ter respostas eficazes, que eles apoiam o governo. Então é, eu acho, hoje é muito complicado mudar a estrutura sindical.
P/1 – É porque as relações de trabalho são atrasadas também, não é? Então você acha que os sindicatos acompanham isso? Acompanham as relações de trabalho, no fim das contas.
R – Eu acho que com muita dificuldade, né? Com muita dificuldade. Porque existe, eu acho, que um grande obstáculo aos sindicatos no Brasil é a falta de representação local de trabalho. Isto é um dilema quase que insuperável. Porque vocês vejam o que é que o Getúlio fez? Eu acho que o Getúlio é um dos maiores gênios políticos que o Brasil já teve. E não, isso não significa, não é um elogio necessariamente, é uma constatação. Ele construiu uma estrutura sindical que adiante direitos, regulamenta previamente o mercado de trabalho, cria as regras do jogo todo de solução de conflitos. Mas garante ao capital o predomínio no chão de fábrica. Ou seja, ele permite as relações empregador e empregado no Brasil uma continuidade sem rupturas, sem choques de mudança cultural violenta que todos os países capitalistas viveram. E, de certa maneira, se você cruzar isso com a coisa da cordialidade que o Sérgio Buarque de Holanda diz, eu acho que assim, foi o casamento perfeito. Porque você tem o empregador que aposta na pessoalidade, na relação pessoal com empregado, no incentivo pessoal. Não aceita entre empregado e ele um interlocutor que intermedeia essa, que faça a representação. Da mesma forma que a cultura política brasileira tem sempre, tradicionalmente uma dificuldade de reconhecer as representações políticas, quer dizer, a coisa baseada no clientelismo, baseada nas relações pessoais. O mesmo problema que os partidos políticos são frágeis, não têm uma estrutura, não tem um entranhamento na sociedade do ponto de vista de classes, de representação. Não significa que eles não representem ninguém. Eles representam. Mas aquilo que o Sérgio Buarque de Holanda vai falar lá no Raízes do Brasil, diz assim: “Nós temos dificuldades de representação. É coisa do homem cordial.” Não é um homem cordial simpático, nem afável, como o Alckmin falou essa bobagem na televisão agora antes de, na hora que ele reconheceu a derrota. É a coisa de não aceitar estruturas de representação, não aceitar estruturas formais regrando a relação entre as pessoas. A coisa da pessoalidade nas relações. Óbvio que a coisa da pessoalidade deu vazão para o autoritarismo, para relações pessoais autoritárias, para o mandonismo local, para o clientelismo. Para, enfim, para todos esses ismos ligados ao atraso da realidade brasileira. Que você vai ver no mundo do trabalho, isso então foi perfeito. Porque você criou toda uma estrutura que amorteceu o conflito, adiantou direitos, amorteceu e regulou o conflito. E para os empresários foi bom, porque regulou a relação do trabalho de certa forma, você organizou o mercado do trabalho rapidamente. Quer dizer, ter uma legislação trabalhista onde o fator trabalho passaria a ser elemento de conflito, inclusive intercapitalista. Porque o, a questão trabalho gera conflito inclusive entre os capitalistas, não é? Se você trata, se você paga muito mais para os seus empregados e eu não pago, eu entro com uma, em determinados setores - isso cabe, naturalmente, discussão, né? Estou dando uma certa vulgarização disso. Tem setores que isso não pesa, mas - em alguns setores o não respeito, a não aplicação da legislação trabalhista é uma vantagem competitiva relativa. Então isso gera conflito inclusive entre os patrões. Você tendo uma legislação trabalhista onde homogeniza já prematuramente o mercado de trabalho, de certa maneira foi uma vantagem para os empregadores no Brasil. Já está tudo organizado, apesar de todos reclamarem: “Ah, criou uma série de regras, de exigências, etc e tal.” Mas ao invés deles se conflitarem entre si, por disputa da mão-de-obra, eles, o Estado os organizou e os dirigiu em direção ao Estado. Aos trabalhadores criou direitos previamente, já de forma antecipou até alguns, que ainda não haviam sido reivindicados. Vários haviam sido reivindicados há décadas. Mas alguns ele antecipou. E só que acomodou todo mundo dentro da estrutura sindical, e deixou o local de trabalho imunizado ao conflito de representação política. Então a representação, esses dilemas de representação do homem cordial, o local de trabalho no Brasil ainda é o local do homem cordial. Das relações pessoais: “Como é que você me faz uma coisa dessas? Você reclama na reunião perante o chefe? Me coloca em questão, em cheque na frente do chefe. Como é que você questiona o nosso, a forma como nós tratamos os empregados?” Todos esses dilemas interpessoais do mundo do trabalho, acho que vestiu na cultura nacional, foi uma coisa. [risos] E é o padrão de relação autoritária que a gente tem ainda no mundo do trabalho. Quer dizer, ele é atrasado na medida que ele é ainda uma relação de trabalho muito perpassada pela pessoalidade. Pela não reconhecimento da representação, pelas regras. Então veja, ainda, você veja como o Sérgio Buarque de Holanda é um livro de 70 anos, já é velho, mas ele é atual até pelo mundo do trabalho ainda. Para muitas coisas ele está superado. Mas eu acho que para essas relações é uma, as relações são atrasadas ainda, autoritárias. E eu acho que são agravadas com o momento que a gente vive hoje. Que é o momento o quê? De retomada de um individualismo, retomada das idéias liberais, quebra do modelo fordista. A quebra do modelo fordista e esses novos modelos de produção reforçam o papel da individualidade. Reforçar o papel da individualidade busca na ancestralidade brasileira tudo o que há de, da pessoalidade, dessas relações. Porque assim, eu acho que nós não varremos o passado em forma tão radical para dizer: “Olha, tudo bem, agora podemos plantar cédulas do modelo kanban, células de produção. E tudo o que, esquece o Brasil do passado porque ele não existe mais.” Não ele sempre, está tudo aí. As relações, nós mudamos muito, a economia se urbanizou, com cultura urbana etc e tal, mas hoje a quebra do modelo fordista é, do ponto de vista dos sindicatos, péssima. E do ponto de vista das relações capital e trabalho acaba sendo muito ruim para o trabalhador. Porque a quebra do perfil coletivo do trabalhador, da identidade coletiva do trabalhador, dos laços de solidariedade. E é muito compreensível, quer dizer, você quebrando a linha de montagem, quebrando a ideia da linha de montagem, ela existiu até no setor de Serviço, você quebra as razões do porquê ser solidário coletivamente. Se eu não tenho razões para ser solidário coletivamente reforça as minhas opções individualistas. Então a quebra do modelo fordista entrega, acho que, para o Brasil uma retomada do individualismo, uma retomada, um reencontro com os dilemas anti-civilizatórios brasileiros. Com esses dilemas ancestrais e de pessoalidade, de autoritarismo no mundo do trabalho. Agora, isso tudo, fazendo um corte muito superficial. Que obviamente que o brasileiro, esse brasileiro que está trabalhando na planta da, você pega a planta da Volkswagen de Rezende, por exemplo, que é super moderna, não tem mais linha de montagem. É toda dividida, terceirizada, quarteirizada, quinterizada. É uma coisa fantástica. O homem que está trabalhando nessa empresa não é o mesmo homem dos anos de 1930. É um homem já de uma geração, segunda geração, ou terceira geração urbana. Já tem outras exigências culturais, tem outros dilemas, mas traz também heranças dessa coisa familiar. Dessas relações familiares. Dessa cordialidade autoritária, né? Impositiva, pessoal. Acho, então por isso para o mundo do trabalho é muito ruim isso tudo.
P/1 – Tá. Então eu vou mudar um pouco de assunto. Como que é assim o seu trabalho no DIEESE mesmo, então? Como que é essa assessoria jurídica?
R – Bom, o DIEESE como toda organização tem problemas administrativos. E eu dou assessoria tanto como eu falei [risos] horas atrás, aí eu falei sobre relação do DIEESE com os empregados. O DIEESE tem relação com outras, com empresas privadas. Com órgãos públicos, com contratos, com as instituições e os órgãos fiscalizadores do Estado. Todas essas relações que o DIEESE mantêm com a sociedade brasileira, ou internamente com seus empregados, gera um problema jurídico. Então esse é o trabalho do advogado. Eu um pouco faço, o meu escritório, né? Não só eu pessoalmente, faço um pouco de clínica geral. Eu sou mais focado para a questão relação capital-trabalho. Relação do DIEESE com seus empregados. Então atualmente, por exemplo, o DIEESE está negociando com uma comissão de empregados. E já não é a primeira experiência. Eu já tive outras, processos anteriores. Eu assessoro então do lado do DIEESE a parte jurídica. A redação das coisas que estão sendo negociadas. Quando um empregado do DIEESE tem uma reivindicação interna, a Direção consulta o advogado. Quando um empregado, enfim, causa algum problema disciplinar, ou se um coordenador do escritório precisa tomar alguma atitude é consultada a assessoria jurídica. Quando o DIEESE vai publicar um texto, às vezes, está preocupado se aquilo está de acordo com a legislação trabalhista ou não. Não do ponto de vista da relação com o empregado. Mas um texto que fala sobre negociação coletiva, sobre CLT, sobre Constituição. Um texto técnico que ele vai publicar, nós também somos consultados. Então vamos dizer assim, é um leque muito amplo e grande de, [risos] e diversificado de perguntas que nós podemos receber da Cláudia hoje, que é coordenadora administrativa. Antes tinha uma Superintendência Administrativa que era a Adelaide. Eu quando comecei a trabalhar com o DIEESE no início dos anos 90 era a Adelaide. E alguns anos atrás quem coordena essa área é a Cláudia. Tenho uma relação mais direta com ela. Uma relação direta com o diretor técnico. Com os outros coordenadores. E assim, às vezes até uma técnico quando está envolvido no trabalho que está fazendo para algum sindicato, para algum grupo de sindicatos às vezes ele tem alguma dúvida jurídica. Submetido a alguma: “Ah, porque a CLT está escrito isso, está dizendo, como é que é isso?” Então às vezes essa consulta também vem cair na minha mão também. Então…
P/1 – Mas você tem uma relação assim cotidiana com o DIEESE ou é eventual?
R – Não, eu não venho todos os dias. Eu sou um consultor externo do DIEESE. Eu praticamente todo dia eu troco um e-mail com alguém do DIEESE. E venho semanalmente ao DIEESE. Agora, há períodos em que eu não apareço aqui, por exemplo. Quando as coisas estão, ou quando o DIEESE está focado em alguma coisa muito específica, quando faz as assembleias nacionais, não sei o quê, eles estão muito focados em coisas administrativas eu passo semanas sem vir ao DIEESE. Mas em média eu venho toda semana. Às vezes eu passo duas, três semanas sem aparecer quando em momentos muito especiais que eles estão muito focados em algum assunto. Que esquecem, ou não precisam do advogado. O que é bom porque não estão precisando do advogado, né?
P/1 – É, claro.
R – Que não precisa de advogado. Eu sempre costumo dizer que advogado não é portador de boas notícias. Você só procura advogado quando você tem algum problema. Você demanda advogado quando você quer resolver algum problema.
P/2 – Aqui nessas entrevistas passaram dois grupos de pessoas que compõem o DIEESE. Passaram técnicos, passaram sindicalistas, e também passaram um terceiro grupo que são pessoas da área Administrativa. Pessoas que estão ali por trás e que fazem essa máquina atuar. Que eu acho que é mais ou menos onde você está. Como, fazendo parte desse grupo, como você vê a importância do seu ponto de vista do DIEESE para o movimento sindical?
R – Ah, crucial eu acho. Eu acho que o movimento sindical ter uma instituição que tem hoje o reconhecimento, a respeitabilidade que o DIEESE tem. Quer ver, você fala de DIEESE para um juiz, ele conhece, sabe quem é e respeita. Você fala para um funcionário de qualquer nível de poder, de prefeitura, de governo do estado sabe quem é e respeita. O DIEESE aparece no Jornal Nacional constantemente como referência de índice de desemprego, de inflação, enfim. E as universidades conhecem e usam o material de pesquisa do DIEESE. Então o DIEESE, digamos o seguinte, ele é o melhor instrumento que o movimento sindical tem de verbalização dos pontos de vista que os trabalhadores, enquanto sindicatos organizados têm sobre a sociedade brasileira. Sobre as instituições brasileiras. Sobre a realidade social que nós vivemos de desigualdade econômica. Todos os problemas do mundo do trabalho. É uma instituição respeitada, que é reconhecida e que consegue ter essa visibilidade política institucional. Eu não consigo imaginar o movimento sindical sem o DIEESE. Eu acho que seria muito problemático. Não ter nenhuma instituição, não, e inclusive constantemente. Porque os índices do DIEESE, inclusive não necessariamente, favorecem a esquerda ou a direita. Durante alguns governos mostrava índice de inflação alto ou de desemprego alto quando eram governos de centro-direita. Mas hoje no governo Lula, vários momentos mostrou índices desfavoráveis para o governo Lula. Isso só aumentou a respeitabilidade, a seriedade com que o DIEESE faz o seu trabalho técnico, só aumentou a respeitabilidade e o reconhecimento da sociedade e das instituições com o trabalho que o DIEESE faz. Então eu acho que o movimento sindical sem o DIEESE teria muitos problemas. Eu acho que seria difícil. Hoje o DIEESE dá um suporte, uma garantia e maior respeitabilidade quando ele se apresenta e usa dados do DIEESE, não é? Porque ou ele usa dados do DIEESE ou ele usa dados das instituições que foram feitas ou para servir as empresas ou que não tem as mesmas preocupações que o DIEESE tem. Que eles não iriam usar. Iriam usar o quê? Os seus próprios, a sua intuição? Então é, eu acho que é, do ponto de vista de interlocução institucional o DIEESE é fundamental. Eu acho que seria, ficaria completamente manco o DIEESE. O movimento sindical se não existisse o DIEESE. Eu acho que é impensável.
P/1 – Então, você falou que no seu trabalho aqui no DIEESE você assessora vários quadros. Tem algum caso que você possa falar para a gente que tenha, que seja curioso, sei lá, alguma coisa.
R – Olha, eu não vou... [risos]
P/1 – algum caso especial, que não seja também uma coisa, que você possa falar.
R – Olha, tem momentos, que nós já vivemos momentos muito difíceis no DIEESE. Muito difíceis. Nós tivemos pessoas que foram importantes dentro do DIEESE, que entraram processo contra o DIEESE. Porque saíram insatisfeitos. E então nós já tivemos momentos muito conflitivos, tanto do ponto de vista pessoal. Os dirigentes do DIEESE foram confrontados com ex, com amigos, ex-companheiros e colegas de trabalho questionando o DIEESE na Justiça. Eu, como advogado, fui confrontado também com a situação de ir enfrentar um juiz e o juiz dizer: “Mas, DIEESE está fazendo isso? O DIEESE.” E depois nós ganhamos na Justiça e o DIEESE acabou ganhando. Nós tivemos momentos muito tensos assim. Mas isso é próprio de uma instituição onde, veja, o DIEESE não tem uma racionalidade administrativa absolutamente enquadrável no mundo das organizações dentro de uma sociedade capitalista. Porque ele tem uma organização administrativa, mas ele é perpassado muito por essa preocupação de visão de mundo. Que os seus dirigentes sindicais têm e os seus coordenadores tem. Então, veja, o dirigente do DIEESE sofre muita dificuldade de viver esses papéis diferentes. De viver o papel do técnico que assessora o movimento sindical é diferente do administrador que deve administrar, e às vezes administrar em conflito com os interesses dos empregados, com conflito com os interesses dos técnicos. Isso é um grande desafio para quem trabalha na direção do DIEESE. Eu, inclusive, agora depois de muitos anos assessorando vivo com mais tranqüilidade.[risos] Porque eu já passei por tantas. Mas toda vez que chega algum coordenador novo, algum dirigente, diretor técnico novo e passa a viver esse problema, são desafios novos na vida deles que eu já passei. Eles são obrigados a viverem papéis, a exercer papéis aos quais eles não estão acostumados. Você sentar do outro lado da mesa e defender os interesses da organização, do DIEESE, às vezes contra os interesses dos empregados e trabalhadores. Então isso gerou vários momentos de conflito. E às vezes para mim até difíceis. Porque eu apresentar uma opinião que vai contra o interesse do empregado, hoje eu não tenho dificuldade em fazer isso. Mas eu sei que na maior parte das vezes, grande parte das vezes a minha opinião é a escora para a negativa futura daquela reivindicação do empregado, dizem: “Olha, nós não podemos conceder porque o advogado disse que não pode dar.” quer dizer, não é uma posição confortável essa. Não é uma posição confortável. Então isso, enfim. Mas tem muitas situações conflitivas, muitas.
P/1 – Como que é para você isso, você lida bem com esse tipo de situação?
R – Ah, hoje eu lido bem. Hoje eu estou mais maduro, lido bem. Não tenho mais problema. Eu sei o que é justo, o que é legítimo e o que é legal. Eu consigo dividir essas três categorias. Apesar de a Lei determinar, garantir determinados direitos não significa que naquele momento seja a coisa mais justa. E nem que seja legítimo aquilo que o empregado esteja pedindo. Porque você precisa pensar muitas vezes na sobrevivência da instituição em detrimento do interesse individual que está sendo reivindicado. Então isso você tem que equilibrar, você tem que olhar no horizonte e preservar a entidade. Porque também, então, e eu acho que a Direção do DIEESE teve coragem de tomar decisões difíceis em muitos momentos. Decisões em que não necessariamente foram ao encontro da Leido que a Lei dizia. [risos] Então teve um período em que os dirigentes, os coordenadores gerais tiveram que reduzir os seus salários para permitir a sobrevivência econômica do DIEESE. Isso é uma decisão difícil. Foi a decisão mais correta, legal? Não, não foi. Mas foi a decisão mais justa e correta do ponto de vista de sobrevivência da instituição. Prejudicaram os seus direitos individuais, seus interesses individuais para a sobrevivência da instituição. Depois, obviamente, a organização tenta recuperar esses prejuízos causados individualmente. Nem sempre com sucesso. Porque alguns conseguiram, que saíram, outros permanecem hoje, até hoje, com esses direitos para serem resgatados. É uma coisa conflitiva e é uma coisa dolorosa para as pessoas que estão, e que são obrigadas a tomar decisões desse tipo. Mas eu sempre cruzei aqui com pessoas corajosas. Tomaram decisões, tiveram coragem de cortar na própria carne para preservar o DIEESE. São coisas que você só vê aqui no DIEESE. Onde você vai encontrar uma situação dessa? Alguém aceitar reduzir o seu salário para salvar uma instituição?
P/1 – É. Você tem algum vínculo pessoal assim com o DIEESE, no sentido de ter amigos, de viver aqui?
R – Ah, tenho, eu fui construindo laços pessoais aqui, né? Esse coordenador, por exemplo, o diretor técnico, o Sergio Mendonça. Eu acabei construindo laços afetivos. Eu vejo pouco o Sergio. Mas são pessoas que você gosta e quando, cada vez que eu encontro com o Sérgio é como se eu tivesse encontrado o Sérgio na semana antes. E apesar de ter tido, durante anos de convivência com ele, teve momentos de conflito também. Mas a gente foi, eu construí laços de afetivos com as pessoas. O Wilson Amorim, por exemplo, que foi coordenador, é uma pessoa que eu quero muito bem pessoalmente. O Prado, por exemplo, convivi, uma pessoa que eu gosto muito. A própria Cláudia, que é coordenadora administrativa. Hoje eu tento o máximo estabelecer, manter uma relação profissional com ela, mas eu tenho um laço já assim, eu acho que em função dessas coisas todas. É impossível você não estabelecer laços afetivos. Eu não tenho uma relação fria como eu tenho com outros clientes. Eu inclusive podia não mais cuidar do DIEESE. Eu cuido do DIEESE, e tem muitos advogados no meu escritório que poderia colocar outros advogados para cuidar. Eu venho aqui, eu trabalho para o DIEESE porque me dá prazer. É uma coisa que me desafia. Me obriga a ser moderno, do ponto de vista de rever os meus conceitos e enfrentar situações novas. Como tomar atitudes que às vezes conflita conflitaria com uma visão socialista de defesa dos trabalhadores. E eu defender a instituição às vezes em detrimento dos seus empregados. E me obriga a pensar em enfrentar uma decisão dessa, pessoal. Mas, por outro lado, ela, como eu disse no começo, ela de certa maneira, é uma síntese da minha trajetória pessoal. Ela é uma instituição que demanda, que está confrontada com desafios do futuro, de sobrevivência. Mas que tem todo um passivo, um passado de história pessoal. Porque eu vejo assim, acho que tem uma certa, a identidade que tem com a minha história pessoal em movimento sindical, é por isso que eu mantenho o trabalho com o DIEESE. Que pessoalmente, assim, não haveria mais razão profissional ou econômica outra para eu manter, eu pessoalmente vir. Podia por um advogado mais novo, ou alguém, entendeu? Economicamente não teria razão para continuar vindo pessoalmente. Ou seja, a gente constrói com o DIEESE uma história de amor. É problema isso. [risos] E como toda história de amor tem os seus momentos de conflito, né? Tem hora que, às vezes tem hora que o que prevalece não é amor, é o conflito, mas enfim, é um. É uma, mas dá prazer. Me dá prazer trabalhar no DIEESE. Eu tenho, apesar de todas as, eu sou surpreendido. Eu falo para a Cláudia: “Pelo amor de Deus, vocês fazem isso? Como é que vocês, mas como é que vocês estão fazendo isso?” Assim, apesar de eu tomar várias surpresas [risos] sucessivamente, eu tomar choques com coisas que acontecem no DIEESE, eu não mantenho com eles uma relação fria. É sempre uma relação quente, né? Não é uma relação a frio. No trabalho aqui não mantenho uma relação fria. Então acho desafiadora. Eu acho bom. Afetivamente e emocionalmente me enriquece.
P/1 – Então você falou que tem uma dificuldade financeira, e as pessoas falam bastante isso, né? E, assim, com esse dado, e mais com a demanda de trabalho mesmo, qual que você acha que é a perspectiva do DIEESE agora para o futuro?
R – Olha, é difícil, né? O problema é que eu tenho hoje uma visão, primeiro que eu sou de fora do DIEESE, né? A minha relação, eu não vivo dentro da instituição todo dia. Mas eles têm, é difícil, uma entidade que trabalha com o movimento sindical tem muita dificuldade de interagir com o mercado sem romper com os seus princípios, sem romper com seus objetivos centrais de defender os interesses de trabalhadores organizados em sindicatos. Me explico, quer dizer, como é que eles podem, poderiam. Uma coisa desde o primeiro dia que eu pisei no DIEESE, eu vejo a quantidade produtos que o DIEESE tem que sejam vendáveis. Mas esse é um eterno problema dentro do DIEESE. O que, quem pode comprar o produto do DIEESE? O que é que pode ser vendido e para quem pode ser vendido? É um problema eterno que eles não conseguem resolver. Por mim, por meu gosto pessoal, às vezes, eu acabo falando assim: “Ah, mas porque vocês, mas qual problema de uma empresa comprar determinado?” “Ah, mas a empresa poderá usar em uma negociação contra o sindicato, ou contra os trabalhadores.” E eles têm razão. Em boa parte das idéias liberalizantes que eu tenho ou capitalistas que eu tenho eles sempre têm uma razão para pôr uma ponderação e dizer: “Não, olha, se for vender isso de tal forma...” [risos] Então eu acho interessante isso. Quer dizer, tudo que eu tenho, qualquer ideia que eu tenho de fora para dentro não significa que eles não tenham pensado nisso. Eles aqui dentro vivem esse dilema. E apesar deles estarem vivendo dentro de uma instituição eles conseguem ter uma visão aberta e estar se questionando. E eles dão respostas com razões razoáveis. Agora, eu acho que algum grau um pouco mais de interação com o mercado eles podiam ter. Vender um pouquinho. Eu falo assim: “Vocês podiam vender um pouquinho, parte da produção, arrecadar um pouquinho de dinheiro fora do movimento sindical não faria mal nenhum, um pouco pelo menos. [risos] Eu não sei, vender para universidade, pesquisas. Não precisa ser necessariamente para empresas, vender para outras instituições de pesquisa. Enfim, eu acho que isso é um dilema que eles não conseguiram resolver ainda. E, às vezes, eu acho que eles precisariam ser confrontados internamente com mais pessoas que tivessem visão de mercado. Agora, isso é problemático. Que todas as pessoas que vivem aí o mundo do management, do mercado etc e tal, são pessoas completamente, não conseguem entender a visão do DIEESE. Então não conseguem pensar uma solução mercadológica para o DIEESE, resguardando os valores do DIEESE. É o mesmo fator, empresa hoje tem os seus valores. Hoje é linguagem corrente na administração de empresas que as empresas precisam ter sua visão, precisam definir a sua missão, precisam definir os seus valores. Toda empresa que se preze hoje, organizada, tem lá os seus, quais são os valores da empresa? Não é? O DIEESE tem os seus valores também. E tem os valores específicos. Então eu acho o seguinte: o DIEESE precisaria encontrar um ponto de equilíbrio onde ele pudesse conviver com o mercado. Arrecadar dinheiro não necessariamente só de empresas, de universidades, de outras ONGs. Preservando os seus valores. Porque os seus valores é que lhe dão identidade, é que lhe dão razão de ser. Que conectam com sua história passada. Agora, é possível isso? É possível. Agora, toda organização é feito de gente de carne e osso, de pessoas. Então mudar uma organização é um processo lento e gradual. A Claudia, por exemplo, me contou que uma vez chamou um consultor desses externo, etc e tal, quando o consultor foi dar sugestões e palpites: “Pô, vocês estão, vocês arrecadam só isso? Bom, mas tem só isso? Mas vocês trabalham para sindicato? Mas sindicato não tem dinheiro para pagar, então para de trabalhar com sindicato.” Quer dizer, ele não, o consultor não olhou para os valores da organização. Os valores da organização, a essência é trabalhar, prestar serviço para o sindicato. Eu não acho impossível preservar valores, encontrar esse ponto de equilíbrio que é difícil, mas não é impossível. Agora, para isso você precisa pessoas, aí que é o problema que eu acho que as gerações que dirigem o DIEESE são muito focadas para o núcleo tradicional do DIEESE que é o núcleo que tem uma visão política, de assessorar os sindicatos, e de produzir produtos só para os sindicatos. Falando para eles: “Vocês deviam por uma geração mais nova aí, e pegar de fora, e monitorar e acompanhar essa geração que não está focada na realidade política nem na coisa, mas onde vocês serviriam de garantia da tradição dos valores para eles. E eles poderiam trazer para o DIEESE talvez uma vivência diferente. Ou formas mais novas de arrecadar dinheiro que não as tradicionais que o DIEESE opera. Não sei, mas é complicado. Porque tem o dirigente sindical que acompanha a Direção do DIEESE, e ele, esse dirigente também não enxerga o DIEESE de outra forma. É um pouco complicado, mas está em mudança. E a gente que acompanha o dia-a-dia de uma organização você olha de um mês para o outro, você se angustia porque não vê as coisas mudarem. [risos] Eu que sou um cara ansioso, como eu disse já atrás, você olha e fala: “Não mudou nada.” mas você olha em 15 anos mudou muito. O DIEESE tem hoje um grau de racionalidade muito maior de administração, de controles internos administrativos. O DIEESE do período anterior que todo mundo diz que já era mais organizado como era na fase ainda pré-regime militar, mas ele ganhou um grau de racionalidade e organização incomparável do que era no período anterior. No período dos anos, até final dos anos 80. Então olhando, se você se afasta, se distancia mais e olha o processo como um todo você vê que nós, o DIEESE já avançou muito. Hoje ele tem um grau de organização impensável 15 anos atrás. De preocupações, tem muita coisa para fazer, é óbvio. Então essas organizações, porque são constituídas de seres humanos, tem um processo de mudança lento, né? E como eu disse esse é um pouco a tolerância que a gente tem que ter com a realidade. A menos soluções revolucionárias só se fosse por no paredão, né? Então não tem. A organização tem que fazer por, lenta, gradual, eu acho que esse é o processo de mudança que o DIEESE tem vivido. Mas eu acho que tem, olhando, abstraindo isso, evoluiu muito. Eu acho.
P/1 – Agora eu vou voltar um pouco para questões mais pessoais, agora. Bom, você é casado?
R – Sou casado.
P/1 – Sua esposa também trabalha nesse meio, como é que é?
R – Minha esposa é advogada autoralista, não trabalha para sindicato. Trabalhou já, mas não trabalha. Ela mudou de área, desistiu do Direito do Trabalho e virou, ela gosta, é apaixonada por Direito Autoral e é autoralista. Mexe com Direito do Autor. Trabalha, defende escritores, enfim, ela inclusive é advogada, como é que ele chama o, aquele que mora no Capão Redondo o...?
P/2 – Ferréz?
R – O Ferréz. Ela é advogada do Ferréz, aí de vez em quando eu até provoco ela, eu falo: “Mas não é possível. Você vai para outra área e advoga para pobre que nem eu?” [risos]
P/1 – Sempre acabam caindo…
R – Eu falei: “Você tinha que achar um escritor, né?” Mas o Ferréz é uma grande pessoa, e com certeza é um grande escritor. E vai ser ainda um, vai ser um nome na literatura. E ela é apaixonada por direito autoral. Gosta disso, mexe com isso. Mas é um outro universo, né? É um outro universo profissional, um outro universo mental do Direito, de conhecimento do Direito, é outra realidade.
P/1 – E você tem filhos?
R – Não, nós não temos filhos não.
P/1 – Tá bom. Então só para começar a finalizar: o DIEESE, o que você acha do DIEESE estar fazendo esse projeto de memória agora, que chegou aos 50 anos?
R – Olha, eu acho interessante. Eu não entendo direito a proposta do Museu da Pessoa, né? Eu, quando me convidaram pela primeira vez eu falei: “Mas escuta, eu não sou muito, eu me considero [risos] ainda jovem para fazer depoimento em museu - eu falei - mas tudo bem, já que vocês insistem tanto.” Eu até fui muito resistente com a Cláudia. Falei: “Cláudia, pega gente mais velha, pega, mas eu? Vou falar o que lá no...” Mas eu acho muito interessante isso. Acho que é uma forma de preservar a história, preservar essas tradições que o DIEESE tem. E veja, eu acho que esse processo de evolução das gerações, eu acho que vai ser fundamental, inclusive para gerações que vêm vindo entender o porquê, como é que as pessoas reagiram. Por que é que as pessoas, todo mundo é fruto da sua experiência, da sua vivência pessoal. Hoje as pessoas reagem muito em função do que vivenciaram, das trajetórias pessoais. Eu acho que esse tipo de ideia de colher depoimento e tudo, é fundamental para as novas gerações entenderem como é que a gente pensa. Como é que forma uma cabeça de um cara como eu. Que estou com, vou fazer 48 anos, eu conto hoje quando dou aula para estudante que eu trabalhei só em sindicato, que fui militante na minha juventude e eles olham para mim como se não existe mais isso, você entendeu? Um cara que, é difícil hoje, inclusive, arrumar advogado trabalhista para fazer exclusivamente a área sindical. Então é, é a mesma coisa o DIEESE. O que é que é o DIEESE, a importância que ele tem dentro da sociedade. Eu acho que esse tipo de depoimento é interessante de colher esses fragmentos todos pessoais, que afinal de contas fazem a realidade que a gente vive. E constroem essa teia de relações interpessoais, essa intersubjetividade, né? É que a gente é muito positivista. Advogado principalmente vive no mundo da positividade. Mas essa teia de relações interpessoais que cria essa intersubjetividade é fundamental para entender o mundo que a gente vive, e que resistências tem para mudá-lo. Por exemplo, o que é que esgarça essa teia, o que é que permite a mudança, mas mantém e preserva laços. Isso é, dá sabedoria para as gerações que vêm, é fundamental. Se é que nós tivemos alguma, [risos] mas se tivemos a gente deixa alguma coisa para as gerações que vêm. Elas entenderem porque é que nós somos do jeito que somos, né?
P/1 – Hum, hum. Então, você agora com quase 48 anos como você falou, já tendo um sucesso na carreira e tal, o que é que você acha que você aprendeu que mais...
[pausa]
R – Eu acho que, assim para achar, eu sou mais duro para…
P/1 – Ah você não vê então…
R – Bom, eu também não tenho, veja, eu não tenho - diferente de alguns, de muitos dirigentes sindicais - eu não sofri na carne tantos problemas como eles sofreram, né? Quer dizer, o cara que é de classe média que nem eu tem uma vida muito mais protegida. Nasci, fui estudar na USP, enfim, eu não, é claro que eu sofri. Tomei trem de subúrbio para advogar. Tomei ônibus, ganhei mixaria. Peguei sindicato que não tinha dinheiro para pagar salário. Vivi de favor. Eu passei por todas as experiências, mas nada foi tão duro por tanto tempo como muita gente que eu conheci no movimento sindical.
P/1 – Claro.
R – É uma coisa, não dá para comparar, né, o grau de adversidade pessoal que alguns dirigentes sofreram do que a que eu tive, como classe média. Não tem nem comparação. Até posso dizer, não daria para eu chorar porque eu não sofri tanto assim [risos] ao ponto de…
P/2 – Pronto.
P/1 – Pronto? Então, qual que é as principais lições que você tirou da sua carreira?
R – Que eu aprendi com DIEESE, ou nessa fase de idade que eu estou?
P/1 – No geral, eu acho.
R – Olha, eu acho maturidade é uma coisa que depende de uma série de fatores. Eu acho que eu tive a sorte de poder vivenciar uma série de coisas que me permitiram ter maturidade para enfrentar problemas interpessoais, problemas profissionais, me relacionar com as pessoas, ter segurança pessoal para fazer, vencer, enfrentar desafios e novidades. Que eu acho que se eu não tivesse tido a trajetória pessoal eu não teria condições de ter assumido vários desafios pessoais. Eu lembro como eu, eu fui fazer um curso em 1988 na Itália, e eu lembro que eu contei no curso para professores italianos: “Ah, o que é que você faz?” “Ah, eu faço isso, isso, isso. Ah, e faço sustentação, cuido de processo de tribunal e faço sustentação oral no tribunal.” Eu tinha 26 para 27 anos. “Já faz sustentação oral no tribunal?” Isso na Europa é uma coisa para um advogado com muita experiência. Advogado já 40, mais de 40 ou 50 anos. No Brasil já não, é mais para gente de 26, 27 anos mas ainda não é para gente de 50 anos. [risos] Então eu digo assim: ter tido a trajetória pessoal e ter tido tantos desafios profissionais, e ser submetido a tomar tantas decisões técnicas, a estudar, me aprimorar. Porque eu não tinha uma geração, um advogado mais velho para quem você podia perguntar. Falar assim: “Como é que eu faço?” Porque quando você tem, isso é um conforto, né? Isso é um conforto você ter alguém mais velho que você pra poder virar e falar assim: “Como é que eu faço nessa greve hoje? Como é que eu me comporto? Quais são as questões técnicas mais importantes? Eu acho isso, o que é que você acha sobre isso?” Você ter alguém que seja o oráculo. Quando você tem continuidade de gerações que se sucedem. Como é você trabalhar em um grande escritório que tem gerações que se sucedem. Ou em uma empresa grande, que tem um jurídico grande. Que gerações se sucedem. Um grande sindicato que tem uma geração de advogados que se sucedem, como nos Metalúrgicos do ABC, Metalúrgicos de São Paulo. Eu acho assim, eu tive uma trajetória, trabalhei em categorias diferentes. E optei por ser advogado, de ter o meu escritório. Então eu fui submetido a tantas experiências diferentes que isso me permitiu um amadurecimento de, nas relações interpessoais, na segurança pessoal para dar respostas nas situações de desafio. E acho de me ajudar a construir uma empresa. Eu tenho um escritório com uma empresa que trabalham quase 100 pessoas. E, por fim, esse último desafio de você ser empresário também. De assumir a posição de ser um advogado, mas que já sou empresário. Porque tenho quase 100 pessoas que vivem por conta do empreendimento que eu tenho. Isso me dá também essa responsabilidade adicional, e faz-me ver as coisas com outra, também com outras preocupações. E isso eu acho que é fruto da trajetória pessoal que eu tive. Eu, recentemente, o meu último grande desafio, eu fui presidente de uma comissão na OEA, até o ano passado, da Organização dos Estados Americanos. E assim, e acho que foi um grande desafio, eu enfrentar reuniões internacionais, com representantes de governos de 34 países. E eu consegui, não que isso não me dê frio na barriga, não me dê ansiedade, não me dê tensão, mas consegui ter clareza das coisas que eu devia fazer. De projetar minha atividade dentro daquela organização, ir atrás de objetivos. Acho graças ao grau de maturidade profissional e de experiência que eu tive, e que a trajetória no movimento sindical me possibilitou isso. Eu tenho muitos amigos que passaram anos fazendo a mesma função, tudo bem, são muito bons naquilo que fazem. Mas o que os management aí chamam de capital relacional, experiência vivencial pessoal de conflitos, etc e tal, é muito baixa. O cara é focado naquele trabalho, ou o cara fez carreira a vida inteira de advogado, de juiz, ou ficou a vida inteira em uma instituição. Ou ficou, ele é muito bom naquilo que ele faz. Mas muita dificuldade em improvisar. De ir atrás de coisas novas, e buscar novos desafios. De se renovar. De fazer críticas. E hoje eu acho, eu enxergo assim, eu sou constantemente insatisfeito. E estou sempre me pondo desafios novos. De fazer coisas novas. E isso o movimento sindical me exigia muito, dar resposta. A falta de total estabilidade, de hoje estar calmo, amanhã uma greve. Hoje você entra no sindicato, amanhã é pancadaria. Um dia que você tem que ir na porta da delegacia tirar dirigente sindical, no outro dia você está no tribunal. Esse que fez parte da minha vida. Claro, meu dia-a-dia não é mais assim, né? Se fosse também eu já não estava aguentando mais. [risos] Porque ninguém faz 48 anos impunemente. Eu já não aguentaria mais viver o mesmo tipo de padrão de vida que eu tinha quando eu tinha 25 anos. Mas se eu não tivesse tido a trajetória que eu tive eu acho que eu não seria capaz de ter essa flexibilidade que eu tenho hoje profissionalmente. Que eu acho que é uma riqueza, para mim é uma riqueza profissional. Eu me orgulho dela. E o movimento sindical, e devo a maior parte dela ao movimento sindical. A vivência que eu tive, a oportunidade ímpar de ter vivido um período de história do movimento sindical, acho que não é, eu não posso recomendar para ninguém, porque isso é uma coisa pessoal. Depende das oportunidades, da chance que você tem. O Maquiavel tem uma frase que ele diz, não sei se você já ouviu falar nisso, que ele fala que: “Virtude e fortuna.” Fortuna é a ideia medieval da roda da fortuna. Quer dizer, é a sorte, a coisa, a roda está lá girando, parou. Se parou para acontecer alguma coisa e se você tem o que ele chamava de virtude, quer dizer, você está aparelhado. Você tem consciência do que você deve fazer, você tem condições técnicas de fazer, você faz da melhor forma possível. E você aproveita aquelas oportunidades, exaure a oportunidade no limite. Eu acho assim, eu tive muita sorte de ter vivenciado momentos muito bons. Alguma chance eu perdi na vida. Não por isso também que eu não sou convencido que fiz, eu aproveitei todas. Muitas passaram, o bonde passou e eu não vi. [risos] Não vi. Fui ver depois já tinha passado. Mas muitas eu aproveitei. E porque apareceram, porque passaram muitos bondes na minha trajetória pessoal. Já vivi um período histórico onde muitas oportunidades se apresentaram. Eu acho, eu sou grato. Eu sou um cara muito satisfeito com a vida que tive, com as oportunidades que tive. Sou feliz. Acho assim, sou muito satisfeito com as oportunidades que eu tive. Acho que a vida me deu várias oportunidades. Algumas eu tive que correr atrás. Suar muito a camisa. [risos] Mas assim, eu tive muitas chances de oportunidade. E o movimento sindical e o DIEESE fazem parte desse processo na minha vida. Então é isso. É um pouco isso.
P/1 – E o que é que você achou de ter contado para a gente um pouco da sua história?
R – Achei interessante, [risos] achei interessantíssimo. Gostei, vocês fizeram, fazem as coisas de forma muito tranquila. Eu vim um pouquinho receoso. Porque eu já assim, já tinha participado de gravação de programa de televisão, com jornalistas. E o pessoal é muito duro para essas coisas. Mas vocês foram muito afáveis, tranquilos.
P/1 – Obrigado.
R – E assim, gostei de falar da minha vida. Eu acho que eu nunca tive essa oportunidade. Eu nunca antes falei tanto da minha trajetória pessoal. E há inclusive, porque às vezes você tenta contar para alguém, as pessoas não têm paciência também para ouvir, né? Às vezes eu até tento contar para algum advogado mais novo do escritório e coisa, você começa a contar: “Olha, teve uma greve...” Porque começa a ficar aquela coisa de velho, né? Você quando começa a recordar muito, percebe que saudade é um pouco de, tem uma certa dose de velhice, né? Você começa a contar muito essa história o cara não tem muita paciência. “Ah, tá, é legal.” Mas, então assim, achei muita, achei uma experiência gostosa. Eu gostei de fazer isso.
P/1 – Tá bom.
R – Achei legal.
P/1 – Obrigada, é isso.
P/2 – Obrigado.
R – Não.
P/1 – Obrigado pelo elogio.
P/2 – Também, ninguém nunca elogia.
Recolher