P/1 – Então, pra começar, você pode me falar o seu nome completo, local e data de nascimento?
R – Lavínia Maria de Moura Ferreira. Eu nasci em Salvador, no dia 21 de março de 1961; eu sou de Áries.
P/1 – E qual é a sua formação educacional?
R – Eu me graduei em Economia, né? Sou economista pela Universidade Federal da Bahia.
P/1 – Sim. Qual foi o seu primeiro trabalho?
R – O meu primeiro trabalho foi o Dieese [Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos].
P/1 – O Dieese mesmo...
R – É. Antes do Dieese, eu havia feito estágio na área de Economia, pesquisas... Mas, antes mesmo de concluir a faculdade - no ano que eu concluí - fiz uma seleção do Dieese para técnico júnior, no escritório regional da Bahia. Eu participei dessa seleção: foram três colocados e eu fiquei em terceiro lugar. O primeiro e o segundo que foram chamados, na verdade, mas, não deram certo: um não aceitou e aí eu acabei ocupando a vaga. Isso foi em 1987.
P/1 – Faz então...
R – É..., ano que vem, eu faço 20 anos no Dieese.
P/1 – Tempo razoável, né?
R – É.
P/1 – Nesses primeiros estágios, nessa fase, antes de entrar no Dieese, já era alguma coisa relacionada ao movimento sindical, alguma coisa assim do gênero?
R – Não, esses estágios que eu fiz foram estágios no setor público, na área de pesquisa: produção de indicadores. Os estágios funcionavam muito bem também, como forma de aprendizado. Enfim, eu sempre trabalhei e... sempre, formalmente nunca, mas sempre eu estava fazendo alguma coisa. Então funcionava também como forma de ter algum tipo de rendimento. Mas, na verdade, a minha relação com o Dieese, começa porque eu sempre conhecia o Dieese da imprensa. Antes de entrar no Dieese, vi e disse: “Poxa, tá aí, é um lugar que eu gostaria de trabalhar”. E tinha uma certa atuação no...
Continuar leituraP/1 – Então, pra começar, você pode me falar o seu nome completo, local e data de nascimento?
R – Lavínia Maria de Moura Ferreira. Eu nasci em Salvador, no dia 21 de março de 1961; eu sou de Áries.
P/1 – E qual é a sua formação educacional?
R – Eu me graduei em Economia, né? Sou economista pela Universidade Federal da Bahia.
P/1 – Sim. Qual foi o seu primeiro trabalho?
R – O meu primeiro trabalho foi o Dieese [Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos].
P/1 – O Dieese mesmo...
R – É. Antes do Dieese, eu havia feito estágio na área de Economia, pesquisas... Mas, antes mesmo de concluir a faculdade - no ano que eu concluí - fiz uma seleção do Dieese para técnico júnior, no escritório regional da Bahia. Eu participei dessa seleção: foram três colocados e eu fiquei em terceiro lugar. O primeiro e o segundo que foram chamados, na verdade, mas, não deram certo: um não aceitou e aí eu acabei ocupando a vaga. Isso foi em 1987.
P/1 – Faz então...
R – É..., ano que vem, eu faço 20 anos no Dieese.
P/1 – Tempo razoável, né?
R – É.
P/1 – Nesses primeiros estágios, nessa fase, antes de entrar no Dieese, já era alguma coisa relacionada ao movimento sindical, alguma coisa assim do gênero?
R – Não, esses estágios que eu fiz foram estágios no setor público, na área de pesquisa: produção de indicadores. Os estágios funcionavam muito bem também, como forma de aprendizado. Enfim, eu sempre trabalhei e... sempre, formalmente nunca, mas sempre eu estava fazendo alguma coisa. Então funcionava também como forma de ter algum tipo de rendimento. Mas, na verdade, a minha relação com o Dieese, começa porque eu sempre conhecia o Dieese da imprensa. Antes de entrar no Dieese, vi e disse: “Poxa, tá aí, é um lugar que eu gostaria de trabalhar”. E tinha uma certa atuação no movimento estudantil, tinha contato com os sindicatos na Bahia, porque havia uma interface muito grande entre o movimento estudantil, movimento sindical... E isso eu tô falando o quê? Da década de 80, que foi um momento, digamos assim: década da fundação das centrais, retomada do movimento sindical... Retomada do movimento dos trabalhadores aqui de São Paulo, mas também acontecia muita coisa lá, regionalmente. Então, eu conheci, digamos assim, os sindicatos e conhecia já o Dieese. E, na verdade, quando eu fiz o teste pro Dieese foi muito no intuito que eu gostaria mesmo. Tanto é que naquele momento, eu não tinha procurado emprego em lugar nenhum, porque também, assim que fiz o teste do Dieese, eu fiz o teste pra seleção pro Mestrado da Economia. E fiz um ano de mestrado, mas depois ficou incompatível: trabalhar no Dieese e cursar o Mestrado, não consegui conciliar. Caso não houvesse sido selecionada no Dieese eu ia seguir o mestrado, então, foi uma escolha...
P/2 – Você estava na universidade ainda quando entrou no Dieese?
R – Não, não… Eu entrei como economista, já pra o cargo de supervisora. Foi uma trajetória até muito interessante, porque assim, eu entrei já para assumir o escritório da Bahia, embora recém-formada. Mas era um escritório que “tava” em construção - isso foi em 1987 e o escritório foi fundado em 1982. Houveram dois técnicos antes de mim, e houve um técnico que foi designado aqui em São Paulo pra substituir o que havia saído enquanto não selecionavam outro: colega Nelson Sato, que foi do Dieese - ele ficou um tempo na Bahia, lá em Salvador, e eu fui logo assumir o escritório. Eu fiquei 6 meses no escritório, mas, responsável pelo escritório regional. Mas aí um sindicato ficou interessado em abrir uma subseção, que é um tipo de trabalho que o Dieese faz que é específico para uma categoria, que foi a subseção dos petroleiros. Como eu tinha um certo contato com essa categoria, a gente tinha desenvolvido alguns trabalhos, eu passei um ano também - que foi o ano de 1988 - junto a esse sindicato e retornei para o escritório em 1989. Então, de 1989 até dois mil e... quatro..., até março de 2005, eu estava esse período todo, responsável pelo escritório, supervisora do escritório regional da Bahia. Então, a maior parte, digamos assim, da existência do escritório, que foi fundado em 1982, eu assumi como supervisora.
P/1 – Nesse primeiro momento então, você já ficou um pouco ali no escritório e foi para a subseção.
R – É, na verdade, eu fiquei com muito medo da responsabilidade, como recém-formada, de assumir o escritório [RISOS]. Quando surgiu a oportunidade da subseção, eu vi como um momento que eu deveria me qualificar melhor, para talvez, num outro momento, assumir o escritório. E foi bom isso, né? Hoje, por exemplo - isso no Dieese não acontece - nenhum técnico assume um escritório regional, nem assume recém-formado, nem sem antes ter passado por uma experiência.
P/2 – Dentro do Dieese?
R – No Dieese... Porque o Dieese cresceu, né? Diversificou muito sua atividade. Então, naquele momento, talvez fosse relativamente mais fácil diante das demandas e tudo o mais. Então, é como se fosse assim: Na verdade a gente se qualificava no próprio exercício do trabalho [RISOS]. Comigo foi um pouco isso o que aconteceu, todo o meu processo, digamos assim, de qualificação como economista mesmo, saindo recém-formada, se deu no Dieese. O Dieese foi pra mim, é, e continua sendo, aliás, uma grande escola de... Né? Porque, apesar de “tar” há 20 anos no Dieese, ter ficado muito tempo no escritório regional, eu fiz muita coisa no Dieese. Eu fiz muita coisa tanto de demandas nacionais, de trabalhos nacionais, inserida em projetos de pesquisa, e o Dieese tem uma forma de produção coletiva. Então, eu me insiro em várias atividades, mas eu posso dizer que eu fiz quase que todas as atividades que o Dieese... Muito embora, eu não tenha entrado como estudante; tem outros exemplos até interessantes de estudantes de Economia que entraram como [TOSSE] pesquisadores e... Na cesta básica por exemplo, fazendo coleta de preço e hoje são supervisores. Parece aquelas trajetórias de banco: de “boy” a gerente, algo assim. [TOSSE]
P/1 – E lá na subseção, como é que era o trabalho?
R – É... Eu fiquei um ano, foi meu segundo ano de trabalho no Dieese e era um trabalho de assessoria ao sindicato. Então, nós realizávamos estudos salariais, fazíamos palestras para a base durante as campanhas salariais... Fizemos uma pesquisa junto à categoria, participávamos das negociações... Era uma subseção do Sindicato de Petroleiros [PAUSA] e esse sindicato, naquela época, a negociação de petroleiro, ela acontecia com os sindicatos de petroleiros do país todo. Hoje, por exemplo, já existe a Federação Nacional dos Petroleiros, que é quem negocia por todos os funcionários da Petrobrás. Naquela época não, eram vários sindicatos e eu assessorava um deles, já cheguei a participar de negociações junto a Petrobrás. E fazíamos estudos, palestras, análise de conjuntura... Era esse o nosso trabalho: assessoria. Enquanto Dieese, de assessoria econômica.
P/2 – Lavínia, você falou que entrou no Dieese já na coordenação, né?
R – É. Como responsável pelo escritório, na supervisão lá.
P/1 – Você era nova, tinha acabado a universidade. Como que foi pra você? Como que era a situação? Conta um pouco...
R – Na verdade, um pouco assustadora. Muito embora o escritório fosse recém-criado, havíamos tido lá dois técnicos bastante preparados. A que me antecedeu - ela não saiu do Dieese; ela continuou no Dieese - só que ela foi trabalhar exatamente num sindicato também, mas preferiu o Sindicato dos Químicos e Petroquímicos. É um desafio, né? Uma responsabilidade muito grande; era um momento de uma efervescência sindical, final da década de 1980, nós tivemos aqueles planos econômicos todos. Por um lado, uma inflação muito alta e que demandava do Dieese uma intervenção e estudos o tempo todo. Nós acompanhamos, desde aquele momento, todas as edições dos planos econômicos e tínhamos que dar resposta. Mas o que ajudava muito, é que era um trabalho coletivo. Muito embora, eu estivesse lá na Bahia, mas o Dieese sempre trabalhou de forma coletiva. Os meios de comunicação ainda não eram tão desenvolvidos como hoje, que tem a internet que nos ajudam no trabalho coletivo. Mas, mesmo assim, a nossa concepção de trabalho coletivo já “tava” colocada. Antes de assumir o escritório, eu fiquei 15 dias num treinamento aqui em São Paulo. Então, eu peguei, digamos assim, a régua e o compasso [RISOS] pra poder dar início, mas, me assustou. E isso que me fez aceitar ficar um..., um tempo no sindicato, específico, porque as demandas eram menores, não tinha que atender a tanto sindicato, como se fosse um momento pra me preparar melhor, e foi importante esse momento até pra...
P/1 – E nessa época você vivia como? Você morava com os seus pais ainda, ou...
R – Não, já estava casada, já tinha dois filhos e tudo.
P/1 – Ah, é?
R – É. Já estava casada já. Quando eu entrei na faculdade eu já tava casada, já tinha um filho. Fiz tudo ao “memo” tempo, de uma vez [RISOS].
P/1 – E o cotidiano?
R – Não... isso... nesse ano, em que eu ainda estava nessa subseção, eu ainda fazia o mestrado. Na verdade, eu conciliava essas tarefas aí de mãe... Enfim..., já ter constituído uma família e ainda fazia o mestrado e eu trabalhava também: era meio período. Porque, na verdade, tinha um detalhe que era o seguinte: Os sindicatos..., só havia contratos parciais de trabalho, hoje já não existe mais isso no Dieese. Eu trabalhava um turno só, 4 horas. Eu passei a trabalhar período integral e isso não por opção minha, isso por dificuldade financeira do sindicato em arcar com uma jornada maior, que custaria mais. E, para mim, era até conveniente porque eu achei que poderia conciliar, naquele momento, também achei que poderia fazer o mestrado, mas... não foi possível, né? E aí, já em 1989, a pessoa que estava lá no escritório, que era o economista Nelson Sato (hoje em dia ele não está mais no Dieese), ele quis voltar pra São Paulo, ele não pretendia ficar lá mesmo o tempo todo. E aí, foi a possibilidade: O sindicato também não estava mais interessado na subseção e eu retornei pro escritório e assumi a supervisão e isso foi em 1989. Agora, o trabalho no Dieese é muito dinâmico porque na supervisão, porque o Dieese tem uma divisão do trabalho... Embora todo mundo, todos os técnicos do Dieese, os economistas, façam atividades bem diversificadas, mas, aqueles economistas que atuam junto ao sindicato têm uma rotina muito dinâmica, uma rotina de trabalho muito pouco estruturada, vamos dizer assim, por conta das demandas sindicais, diferente de quem, como eu agora, estou enfrentando uma experiência diferente já. Dois anos vai fazer em março, que eu estou coordenando um trabalho, um projeto. A gente tem um plano de trabalho, com prazos, com tudo. Então, assessorar... Assim, você chega no escritório, começa a trabalhar, responder às demandas daquele dia, o plano de trabalho que está ali colocado, fazer as atividades de gestão. Daqui a pouco você é demandado para ir a uma negociação, por exemplo, que foi agendada ali. Então, o nosso ritmo de trabalho, de quem assessora o movimento sindical, é um ritmo colado na dinâmica do movimento sindical. E essa assessoria envolve desde a preparação da negociação, construção dos indicadores... Preparação dos sindicatos pra sindicalistas pra negociar, fazer o treinamento da negociação e ir pra mesa mesmo, de negociação... Ajudar lá na construção do acordo coletivo. Então tudo é muito dinâmico: pode ter uma greve, pode não ter. Então, é um pouco assim, uma rotina muito dinâmica, vamos dizer. Aí, nesse período que vai da década de 1980 até metade dos anos de 1990, particularmente, foi um período de muita efervescência, os planos econômicos todos... Então, a dinâmica de trabalho do técnico do Dieese foi muito pautada por isso aí, né? [PAUSA]. Não sei se era isso que você queria saber da rotina. [RISOS] Não digo que seja um trabalho muito de escritório, de carteira ali, né? A gente trabalha muito indo lá no sindicato, às reuniões, fora as negociações. É um trabalho muito de estar ali colado junto aos sindicatos. E acho que isso é muito do que o técnico deve ser, né? Tá lá onde o movimento... não tem aquela história: todo artista deve ir aonde o povo está. Então, o técnico do Dieese também deve... e é onde o sindicato, que é o sócio do Dieese tá.
P/1 – E... Você podia falar pra mim sobre o Projeto de Qualificação Profissional?
R – Então, esse projeto... Veja só, eu sou economista de formação até... fevereiro, exatamente, de 2004. Comecei em março de... Até fevereiro de 2005. Comecei nesse projeto em março de 2005, foi quando eu deixei definitivamente o escritório; definitivamente assim: teve toda uma passagem do cargo pro colega, mas até então, as minhas atividades eram relacionadas com assessoria à negociação, palestras, pesquisa, né? O forte era isso. Tinha um trabalho muito forte na área de, do que a gente chama de Educação Sindical, fazendo cursos de Educação Sindical, nas temáticas aí ligadas ao Movimento Sindical, mas, particularmente, Seminários de Negociação Coletiva, de PLR [Programa de Participação nos Lucros e Resultados], e tudo o mais. Aí em março, começou a desenvolver um projeto novo. Enquanto economista... Muito embora seja um tema que faz parte da agenda do Dieese, do Movimento Sindical, há muito tempo. E aí o Dieese estabeleceu um convênio com o Ministério do Trabalho pra realizar um percurso formativo, que a gente chama de “kit”, e foi sobre negociação da qualificação profissional, ou formação profissional, que é outro nome que se dá pra qualificação profissional. Ou seja, tema para a preparação para o trabalho, que é um tema que o movimento sindical sempre esteve presente na agenda do sindicato. Na verdade, os sindicatos, quando surgem historicamente, tanto no mundo inteiro, quanto no Brasil, surge muito com essa função de uma preocupação com a formação profissional, sabe? Muito sindicatos têm escolas e tudo. Acontece que esse tema sempre esteve na agenda do movimento sindical, mas, de forma assim..., vamos dizer..., presente, mas, não com uma preocupação voltada como centro de sua ação sindical. No Brasil, por várias razões, não é o caso. Então, quando a gente começou a desenvolver esse projeto, o objetivo foi exatamente de que esse tema - que é a qualificação profissional - pudesse ser um tema tão central na agenda dos sindicatos, como é a temática do salário, da jornada de trabalho, por exemplo, pra citar dois temas fortes. Quando a gente fala salário, nós estamos falando tudo o que cerca a remuneração do trabalho que é; o salário, os benefícios, a PLR. Então, essas questões são as questões que são o centro da ação sindical da negociação coletiva, por exemplo. E, há um interesse, do Dieese, dos sindicatos, de desenvolverem projetos nessa área da qualificação profissional, principalmente da negociação da qualificação, que é, digamos assim, o objetivo desse projeto que eu estou coordenando. Então, nós estamos desenvolvendo isso desde março de 2005. Fizemos esse percurso formativo que é um seminário que capacita dirigentes para discutir essa temática, e aí, capacitar teoricamente sobre a importância da qualificação profissional do trabalhador. Porque o que o trabalhador tem que se preocupar e cobrar das empresas é que haja qualificação, e uma qualificação que interesse. Porque tem essas empresas, elas preparam seu trabalhador, mas do ponto de vista do interesse da empresa, certo? E há outras questões... A questão da escolaridade que perpassa esse tema. Escolaridade e qualificação profissional têm uma relação muito forte, no caso do Brasil, porque a escolaridade é baixa. Então, tá relacionado com esse tema da qualificação. Esse ano, nós estamos desenvolvendo, no âmbito desse projeto, uma experiência piloto de negociação da qualificação profissional que, de um lado envolve, lá na Bahia, lá em Salvador, a Federação dos Trabalhadores da Construção Civil e o Sindicato das Empresas da Construção Civil. Nós “tamos” ajudando, vamos dizer assim, assessorando; ajudando; promovendo esses dois segmentos a conversarem sobre esse tema; refletirem; buscarem pontos de convergência para que, juntos, se encaminhe um programa de qualificação profissional de forma consensuada. Fizemos uma atividade que foi bem legal. Realmente, apesar de as entidades, elas estão na mesa de negociação na disputa pelo salário. Mas, há possibilidade de você, nesse tema da qualificação, encontrar convergências. Por exemplo, a questão da baixa escolaridade do setor da construção civil é um dos temas que eles têm acordo no que se refere ao enfrentamento, né? Porque tem que enfrentar, pois é ruim para a empresa e ruim pro trabalhador. A questão da certificação nesse setor: o trabalhador, ele não é reconhecido pelo seu trabalho, a sua capacitação, vamos dizer: ele é pedreiro, mas ele não tem registro em sua carteira, nem é certificado enquanto tal. Então, é nesse contexto que se insere esse tema do trabalho que estamos realizando. Que é inserir no cotidiano do movimento sindical, das negociações coletivas, o tema da qualificação profissional.
P/1 – Então, olhando pra trás e vendo agora também esse projeto que você me explicou agora... O Dieese extrapolou o motivo original pelo que ele tem. Hoje, ele tem uma preocupação fundamental com a formação, então, é isso?
R – É... Interessante porque é isso, quando o Dieese foi fundado... O motivo da fundação era exatamente a necessidade de você - e isso está até na fala de um dos fundadores, o Tenorinho - de você calcular o objetivo concreto de fazer o cálculo do Índice do Custo de Vida, né? E o Dieese, hoje, tem uma agenda bastante ampla, que é a agenda do movimento sindical. Não foi o Dieese, que construiu essa agenda, foi o movimento sindical que ampliou sua temática e ela rebate no Dieese porque o departamento é um órgão do movimento sindical, então... E o Dieese se preparou... Nós podemos dizer assim que, institucionalmente, nós estamos preparados pra tá dando resposta do ponto de vista técnico a esses temas todos, não só técnico - na produção de estudos e pesquisa. Por exemplo, esse trabalho que eu estou envolvida, não é um trabalho meramente de pesquisa, mas, um trabalho de articulação dos atores sociais, no caso capital-trabalho pra conversarem em torno de uma temática de interesse comum, né? Então, hoje nós podemos dizer que ajudamos a promover o diálogo entre esses dois segmentos.
P/2 – Lavínia, então, eu tenho uma dúvida. Quando você fala em formação do Dieese, eu entendo a formação do Dieese como a formação de quadros, de sindicalista, uma formação mais ampla... E essa questão da qualificação profissional seria uma formação mais específica pro mercado de trabalho, né? Então, vocês estão trabalhando com esses dois tipos de...
R – Na verdade, o Dieese tem um setor que articulou o setor de educação do Dieese, de formação sindical, vamos dizer assim. Formação sindical na temática da negociação coletiva. Então, o Dieese prepara o dirigente pra toda essa temática da negociação coletiva. Então, hoje nós temos sistematizados, formatados, 18 “kits” como a gente chama. O nome não é apropriado porque “kit” é antiformação, o kit não dá aquela ideia de coisa padronizada. Mas foi um nome que ficou consagrado... São percursos formativos, é que são aquelas sacolinhas, não sei se vocês já chegaram a ver, de vários temas. Então, tem o curso de Negociação Coletiva, que é o curso mais antigo do Dieese, o departamento prepara os dirigentes para negociação, treina e capacita. Isso aí é a formação e preparação de dirigentes sindicais, que talvez toda essa nossa experiência vá desaguar - quem sabe, né? - num projeto, que a gente “tá chamando de Projeto Faculdade Dieese. E que tá lá, inclusive, na origem do Dieese, o departamento também vem dessa necessidade de ser isso. Agora, a qualificação profissional já é exatamente a coisa da preparação para o trabalho, né? Muito embora, tanto o Dieese quanto o movimento sindical tenham uma concepção de educação integral. Então, a preparação para o trabalho, a preparação para uma profissão, ela não pode estar isolada e pensando no trabalhador... A questão da escolaridade, a formação daquela pessoa enquanto cidadão. Então a formação, não pode estar compartimentada, ela tem essa visão. Agora, o projeto que estamos envolvidos é um projeto que envolve a qualificação, mas nós já descobrimos coisas..., por exemplo, nesse trabalho que a gente está executando junto à construção civil. Eles querem e vão optar por um programa e um projeto piloto de qualificação profissional para o setor que contemple, tanto a elevação da escolaridade, quanto a própria qualificação profissional, que a gente chama de currículo integrado. Que é uma coisa que contente as duas. Não dá pra você fazer qualificação apenas, sem pensar na questão da escolaridade, que é um problema, né? Um déficit que existe no setor. Então, na pesquisa que a gente fez lá pro estado, na Bahia, quase 50% não concluíram o ensino fundamental, que é o obrigatório: a oitava série. Então, é muito baixo no setor e a gente concebe e vê a qualificação profissional e até na origem do sindicato, né?
(FIM DA PRIMEIRA FAIXA DO PRIMEIRO CD)
R - Todas as escolas operárias - que existiam antes mesmo de o sindicato ser um órgão oficial - formavam o trabalhador para o mercado de trabalho, mas também formavam uma experiência histórica, experiência dos gráficos aqui em São Paulo Também tinha a escolaridade e a formação desse trabalhador enquanto tivesse uma consciência política e tal. Claro que os patrões diziam que formava pra fazer greve, né? Na verdade, as empresas acham que as experiências de formação profissional de sindicato são muito relacionadas [RISOS]... “É, tudo bem, vocês não qualificam, vocês preparam aí pra fazer greve”. Também, né? Não é que a greve seja o objetivo - mas para que o trabalhador tenha uma consciência de qual é o seu papel dentro do sistema em que vivemos e de como essa relação se dá. Então, é nessa concepção, né? Nesse sentido, é uma discussão do ponto de vista do trabalhador. Não pode ser uma coisa que contemple apenas as necessidades que o mercado tem, né?
P/1 – O Dieese, por ele ter se formado aqui em São Paulo, ele tá muito ligado ao eixo sul do País, e com os seus 25 anos, foram surgindo as outras subseções. No caso da Bahia e do Nordeste, em geral, que especificidades você poderia destacar pra gente?
R – É, isso é interessante porque, na verdade, o Dieese reflete muito a estrutura tanto social quanto econômica do País. Nós temos a economia concentrada no eixo sudeste; também as forças políticas sociais e o próprio movimento sindical. Se você olhar assim, o conjunto de sócios do Dieese, dos 400, grande parte desses sindicatos sócios do Dieese são daqui, até porque, a atividade econômica e industrial, basicamente está concentrada aqui. Mas, o crescimento do Dieese nos demais estados, não só em São Paulo, mas nos demais estados, tanto no Sudeste, quanto nos estados do Sul e, particularmente, no Nordeste, é que vão consolidando o Dieese como uma entidade nacional e que vem muito, e isso é importante dizer, que o Dieese cresce junto com o crescimento sindical. Assim, você pega meados da década de 1980, final da década de 80, começa os movimentos aqui, as greves no ABC... Também começa a acontecer nos outros estados, também, uma retomada do movimento sindical, uma retomada das ações sindicais, e aí, o Dieese surge como um suporte pra esse processo que “tava” acontecendo. Quer dizer, aqui em São Paulo ele é anterior a isso, porque ele é da década de 50, nasceu em 1955, né? Com aquele percurso e aquela necessidade naquele momento. Nos demais estados, ele surge justamente acompanhando essa trajetória, então acho que é nisso que tem essa especificidade. Mas ela não está fora da história do movimento sindical, se for ver a linha de tempo é bem parecida [RISOS] e os momentos de alto e baixo, inclusive. Os melhores momentos e os mais difíceis também que nós enfrentamos, principalmente na questão financeira e tudo. Mas, particularmente para os técnicos do Dieese, passa a ser um momento de formação. Por exemplo, pra mim que tive essa trajetória e muitos dos nossos técnicos e economistas em outros escritórios, também começaram: ou recém-formado, ou com pouca experiência, e foram aprendendo no Dieese. Então, quando pensa assim: “Eu saí da faculdade de economia, mas eu não sabia como se dava uma negociação coletiva e já fui pro Dieese pra assessorar o sindicato na mesa de negociação”, então, eu aprendi a negociar com o dirigente. É muito interessante isso, porque quando a gente ministra os cursos de negociação a gente fala: “Nós estamos aqui coordenando, colocando cada um pra trazer suas experiências e nós, o que a gente aprendeu hoje aqui foi com os próprios dirigentes”. No meu caso particular, que entrei em 1987, muitos desses dirigentes sindicais com quem eu tive contato e passei a trabalhar como técnica do Dieese “tão” em vários, né? Um deles, por exemplo, hoje, em 2007, vai ser o governador da Bahia, que é o Jaques Wagner. Ele era dirigente dos Químicos e Petroquímicos. Hoje, por exemplo, ao longo desses anos, tem uma geração de dirigentes que eu conheci e posso dizer que, quando eles entraram no movimento sindical eu já “tava” há um tempo no Dieese. Hoje, eles se referenciam a mim, como alguém que faz parte da sua trajetória enquanto dirigente sindical, mas, esses outros dirigentes, pra mim, foram meus professores - aquele time lá, o primeiro time que a gente pegou. Hoje já é outro time de dirigentes mais jovens. Ainda tem os mais antigos, da minha época, quando eu entrei. Mas grande parte deles, hoje em dia, ou são deputados, ou estão se dirigindo ao governo. Voltando, eu acho que o que tem de específico no crescimento do Dieese é que nos demais estados, ele acompanha justamente esse processo de crescimento do movimento sindical no País como um todo, né? No caso da Bahia - nos demais estados do Nordeste - você tem uma característica, digamos assim, de sindicatos muito próximo ao setor de serviços, à área rural. No caso da Bahia, a gente tem sindicatos de indústria fortes porque é o estado mais industrializado do Nordeste. Centrado na metalurgia, na petroquímica... Também teve um sindicato forte na área de bancários em todos os estados.
P/2 – Você tinha uma relação forte com São Paulo ou age de uma maneira mais independente?
R – Não, não. Nós, do Dieese, temos uma estrutura de gestão muito coletiva e com uma interface cada vez mais aprimorada, assim, do ponto de vista da gestão, mais recentemente. Ao mesmo tempo que o escritório tem a sua autonomia, nós, os economistas, trabalhamos dentro de um planejamento. E eu acho que é isso que confere muito, vamos dizer assim, a essa credibilidade, essa legitimidade que o Dieese tem. Podemos dizer assim: há uma identidade. Agora, por outro lado, eu percebo que isso é tranquilo quase que para todos. Falo por mim, falo por outros colegas, que essa identidade é muito forte entre o que a instituição pensa e entre o que o técnico pensa, né? Ou seja, o conflito é menor. Eu digo isso, porque, em outras instituições, às vezes, há conflitos entre aquela pessoa que fale em nome da instituição e o que a instituição defende... Isso não é o caso do Dieese, até porque, essa visão intersindical, que o Dieese tem, ela é muito absorvida pelos técnicos, né? Quem pensa diferente, acaba, de fato, tendo dificuldade de exercer seu trabalho. Ou seja, se você não compreende que o Dieese é um órgão plural, que o Dieese contempla visões diferentes do movimento sindical, que está relacionada com partidos diferentes dentro da estrutura político-partidária, não compreende isso e não exercita isso dessa forma, fica muito difícil, né? Então, o técnico tem que ter dessa pluralidade. E isso, às vezes aparece, já apareceu muito fortemente no passado em vários momentos, porque há divergências, pensamentos diferentes, vamos falar assim, do movimento sindical em relação a várias questões. Então, nós temos que saber lidar muito com essas, com essa pluralidade.
P/1 – Você falou de ser plural e, você começou a sua fala em cima do que a outra entrevistadora falou sobre a relação com São Paulo. E a relação com as outras seções do Nordeste, que estão espalhadas pelo Nordeste?
R – É, eu acho que falta um pouco ainda essa articulação regional. Assim, o escritório da Bahia tem buscado uma articulação maior, mas, nós estamos muito fracos ainda. E eu falo particularmente do Nordeste, porque no Sul, por exemplo, há articulação forte. No Sudeste nós temos o escritório de São Paulo, de Minas, do Rio de Janeiro, e eu acho que falta, né? Quando eu falo “articulação”, é a gente poder desenvolver projetos comuns. Nós agora estamos desenvolvendo um projeto de formação sindical e aí incorporamos colegas; dois colegas dos outros estados que estávamos ajudando também, tá sendo capacitado pra isso. Dentro da estrutura do Dieese, existe o Fórum de Supervisores. Existem vários grupos de trabalho no Dieese: você tem as instâncias diretivas que são Direção Técnica, com supervisores que compõem o fórum, que se reúnem periodicamente e existem os grupos de trabalho. E esses grupos de trabalho é uma coisa bacana, que eu acho que evoluiu muito nos últimos anos, e um exemplo disso é o fato de eu estar inserida nesse projeto, porque havia uma certa divisão do trabalho, onde grande parte da produção técnica emanava muito daqui de São Paulo. Por diversas razões históricas, não interessa a causa, né? Tem várias. E hoje, a produção técnica do Dieese está muito descentralizada. Você tem grupos de trabalho que pega técnicos do País todo. E isso é muito interessante: formulando, pensando..., bacana. Há necessidade mesmo de você ter os grandes quadros da instituição. Agora, isso tudo foi acontecendo com essa diversificação da temática do Dieese da sua produção, né? A partir de meados da década de 1990, os anos de 2000 também...
P/1 – E, dada a experiência da Bahia, do Dieese da Bahia, que trabalho você destacaria?
R – Olha só, os eixos de temática, os eixos de trabalho. Você tem os eixos temáticos do Dieese que é emprego, renda, negociação coletiva. E agora, vem um outro eixo que é a questão do desenvolvimento e da distribuição de renda. E esses eixos temáticos, esses temas, eles são trabalhados na forma de quê? Da pesquisa, da assessoria e da educação. O que eu posso dizer é assim, é que o grande forte nosso é a assessoria ao movimento sindical. O grande trabalho nosso é essa assessoria que se manifesta por meio da produção de estudos “específicos” para cada setor nas negociações coletivas. E isso é de quase todos os escritórios regionais. Agora, nós começamos um processo de investir nessa área de pesquisa: a pesquisa mais regional, vamos dizer assim. Mas ainda, não é muito desenvolvido. E, uma coisa que o escritório da Bahia se diferencia muito, é porque ele tem muitas atividades de educação sindical, que a gente chama, que são as atividades, os cursos que a gente faz. Ou por demanda do sindicato, né? Que demanda que a gente prepare, principalmente porque você tem uma geração de sindicalistas que, vamos dizer assim, eles entram no sindicato, mas, a carência de formação é muito grande. Diferentemente dos sindicalistas do passado, que eles eram formados nos seus partidos políticos, havia muitas greves. Não tem nada melhor pra formar um dirigente do que uma greve [RISOS]. Isso aqui não é frase minha não, é de um dirigente sindical. Ele diz assim, ó: “Joga ele aí numa greve que se sai um dirigente preparado”. Ele aí toma toda a consciência do que é ser trabalhador, operário, e você não tem mais essas grandes greves. Então, há necessidade de formação, e aí muitas vezes é a formação com noções de Economia, noções de Estatística, noções de Direito... Mesmo de legislação, né? É conhecimento desse tema todo, o que é a participação nos lucros e resultados; o que é emprego; desemprego; saber ler uma tabela; uma estatística. E o Dieese tem cursos que preparam pra tudo isso. E nós desenvolvemos muitas atividades de educação sindical. Inclusive, nesse ano, nós desenvolvemos um projeto de capacitação sindical que foi objeto de um convênio, porque o movimento sindical não tem recursos. Nós desenvolvemos uma atividade bem interessante, que é o seguinte: Nós formamos 120 dirigentes sindicais na área de negociação coletiva; fizemos um curso de negociação coletiva, poder aquisitivo do salário. A gente faz toda a discussão de distribuição de renda, como faz o cálculo do salário, o que é salário, o que é custo de vida, explicamos o que é ICV [índice do Custo de Vida]. Um curso de três dias, né? Também trabalhando a questão da concepção de educação baseada no “Método Paulo Freire” que é outra concepção que o Dieese desenvolveu, que é aquela coisa do sujeito-objeto, do diálogo que tem que ter, a relação entre o coordenador e os educandos, enfim... E, nesse curso, nós vamos formar 30 dirigentes sindicais para reproduzir os cursos, né? Nós vamos fazer isso em, no período de 20 a 24 de novembro. Dessa turma de 120, 30 foram selecionados porque se candidataram, porque tinham o perfil, porque gostam da área de formação, para que eles mesmo possam desenvolver, com a nossa ajuda, mas eles próprios desenvolverem os cursos, ou pra base, ou pra sua direção. É uma área muito forte. O Dieese tem isso como eixo temático. Nós particularmente acreditamos muito na formação sindical como um elemento, de crescimento do movimento sindical, de superação, né? Nas dificuldades que o movimento sindical enfrenta. Então, a gente pode dizer que essas são as... Os dois fortes, porque quando pensa assim, o Dieese como uma entidade de pesquisa, nós temos muito na nossa cabeça uma matriz de pesquisa de produção muito vinculada à questão da escrita, né? E a produção não necessariamente é só a produção escrita, né?
P/2 – Como são esses cursos na prática? Como que é? Tem algum caso que seja muito ilustrativo da relação, dos valores...
R – Então... O Dieese, historicamente, o curso mais famoso, vamos dizer assim, é o de negociação coletiva. Porque a negociação coletiva é a atividade mais importante do sindicato, né? O sindicato existe pra negociar e é necessário preparar e tal. Foi a partir do desenvolvimento desse curso, que ele foi sendo aprimorado ao longo dos anos, hoje faz parte de um percurso que a gente chama de percurso formativo, onde temos um material todo didático de orientação para o formador. Já conta as técnicas que ele pode aplicar, não como uma camisa de força, mas como um percurso de orientação. E tem um caderno participante, com todo material didático, e outro, tudo isso em CD e todos os recursos necessários. Então, um curso desse, como o de negociação coletiva, é realizado em 3 dias, mas também podemos fazer até em dois, conforme seja o que o sindicato mais necessita. Muitas vezes, o sindicato quer preparar uma direção nova que não conhece o que é uma mesa de negociação. A gente brinca que é o treino, vamos fazer o treino antes, aqui pode errar. A gente simula mesmo a mesa de negociação. Coloca os trabalhadores pra fazer papel de patrão, né? Eu, particularmente, embora seja economista, não seja da área de educação, até vejo, talvez, de eu ter feito Educação se não fosse economista. Teria feito Pedagogia, qualquer coisa na área de Educação, porque essa é uma das atividades que eu mais gosto. E a nossa concepção é de preparar o dirigente na concepção da autonomia, pra que ele possa, enquanto negociador, nesses cursos, desenvolver suas habilidades e tudo. Agora, essa concepção chega ao extremo na medida em que a gente o prepara também para que ele possa fazer também esses cursos, né? Junto aos seus dirigentes, ele mesmo ministrar, claro, tem que ter o perfil de formador. Então, são três dias que nós ficamos em regime de semi-internato, às vezes internato mesmo, trabalhando todo um percurso formativo em torno dos temas, de vários temas. O mais famoso é o de negociação coletiva. As empresas também fazem atividades participativas, mas participativa no sentido de que o conhecimento não está pronto. Então, cada seminário, cada curso desse, é um curso novo. O conhecimento você constrói junto, né? E daquilo sai um conhecimento novo, a partir do conhecimento de cada um. No curso, é importante que tenha um dirigente que tenha experiência na negociação para que possibilite a troca de experiências, e isso vale não só para o curso de negociação coletiva, mas sobre todos os temas. O que a gente fez sobre terceirização, foi um curso muito fantástico, porque esse é um tema que tem sido muito discutido pelos sindicatos e é muito uma visão que é provocada pelo próprio processo de terceirização, porque a terceirização provoca no processo de trabalho um processo muito interessante, porque ela cria um conflito entre o trabalhador da empresa principal e da empresa terceira, mas que, cujo conflito não é do trabalhador, é o conflito do próprio capital. E aí, ela divide a classe trabalhadora, porque o trabalhador da empresa principal passa a ver o trabalhador terceiro como outro. E nesse curso, a gente começa com essa visão mesmo, de que são dois, e não um só, pra chegar no final a construir um conceito de que é o conflito é do capital, não é do trabalho. Nós somos um só, trabalhadores, não interessa se terceirizado ou não terceirizado, então, é nessa perspectiva que se dá esses cursos. Não sei se era isso que você queria...
P/2 – É, mais ou menos isso. Você já teve alguma situação difícil? Assim, vocês ficam três dias convivendo assim, teve um momento difícil no passado?
R – Tem, tem vários... Conflitos que geram do próprio conceito de estar três dias juntos num semi-internato, da dificuldade mesmo que lá é superável, mas também, conflitos da própria convivência da pluralidade. Então, são cursos que são feitos ou por uma entidade ou por direções sindicais, desse modo, “cê” tem várias correntes de pensamento. Ou quando é feito pra mais de uma categoria, você tem todas as centrais ali e você tem que administrar as visões diferentes. Por exemplo, com relação à terceirização, a Força Sindical tem uma visão, a CUT [Central Única dos Trabalhadores] tem outra... E, no fundo a gente não trabalha pra que esse conflito não apareça, é óbvio que sim, porque não é nosso papel, digamos assim, enquanto coordenador, facilitar. A gente nem gosta que chame a gente de facilitador, acho esse termo horrível. Nós somos dificultadores na medida que você provoca, mas não pra criar confusão, mas para que o debate venha e que depois a gente possa dizer: “São pensamentos diferentes”. Também não é negar o conflito, não é negar a diferença de pensamento, não é buscar. Digamos que uma central pense que nem a outra, não vão pensar, é da natureza política. Então, a gente agora. Claro, que para o exercício de uma atividade dessa requer preparo, né? Que significa experiência, requer trabalho coletivo. Não dá pra uma pessoa só coordenar uma atividade dessa, né? A gente sempre faz em duplas ou com até mais de um, porque vamos estar sempre discutindo, e um ali ajudando o outro nessas situações. Então surge esse tipo de situação. Mas que eu, particularmente, considero essa situação como dentro do processo mesmo. Muita gente tem medo de enfrentar essas situações, eu particularmente não tenho não. Já tive experiência de trabalhar, porque isso, essa experiência ímpar que o Dieese proporciona pra gente. Acho que eu não tenho outra experiência de mercado de trabalho assim, profissionalmente falando, mas temos muitas relações institucionais, então, pela parceria e o projeto, a gente acaba sabendo como funciona as outras instituições, mas assim, a experiência de trabalhar no Dieese, é única em termos de aprendizado, de tudo. Eu mesmo, não tenho a menor vontade de sair do Dieese. Em 2004, eu estava meio cansada do que estava fazendo mesmo. Cansada não..., sabe assim quando as coisas superam, né? Tudo na vida. Às vezes o casamento se esgota, uma relação se esgota. Não é porque acabou, é porque... já deu, né? Então, um pouco foi isso que eu senti quando eu tive vontade de fazer uma outra coisa, mas dentro do Dieese. Eu não queria sair do Dieese. Eu olhava assim e ouvia, poxa, eu estava desde 1989, isso foi em 2004. Há quantos anos? 16? 15, né? Fazendo não só isso, porque eu fazia muitas outras coisas, mas eu percebia que eu não conseguia trazer mais nada de novo e nem estava recebendo nada de novo. E é muito interessante, porque foi uma transição muito tranquila, né? Não é fácil você ficar 14 anos, você praticamente constrói o escritório, é uma referência. como é que vai ser para o colega que vai entrar? Então, para o Ranieri - que é quem assume o escritório hoje - foi muito tranquila a transição. E hoje eu trabalho lá na outra salinha. Mas assim, eu olho para o Ranieri hoje em dia no escritório e digo: “Poxa, como o escritório está melhor sem mim, [RISOS] está muito melhor agora do que quando eu estava nele!”. Na verdade, isso significa o quê? Significa que no momento, as coisas realmente se esgotam e eu fico pensando que não deveria ter passado tanto tempo, né? E acho que é saudável, em qualquer relação de trabalho, você faz, amadurece e vai, mesmo dentro da mesma empresa, fazer outra coisa, né? A experiência de gestão pra mim, os desafios, porque ao longo desse período todo, eu acompanhei todas as crises no Dieese, as mudanças de gestão. Por exemplo, eu fui selecionada pelo Bareli, e ele foi uma figura fantástica na minha história profissional. Então, a saída do Bareli e depois o Serginho, e depois a saída do Sérgio Mendonça, e agora o Clemente. Não é fácil tudo isso. E eu estou muito contente com essa nova fase e devo continuar nesse projeto ainda ano que vem. É interessante porque eu tive que estudar muito, temos que estudar bastante no Dieese. Eu fico olhando outros trabalhadores, profissionais, advogados..., principalmente advogado, eu sempre falo que nos relacionamos muito com advogados. Outro profissional que nos relacionamos é o jornalista. A gente tem mais interface com os advogados, porque, por exemplo, nos processos trabalhistas que eles vão, eles pedem muito subsídios. Quando eu mudei pra coordenação desse projeto de qualificação - embora o eixo dele não seja qualificação, por exemplo, eu não vou montar cursos, não é a minha área, quem cuida disso é pedagogo e tudo - mas, o forte dele é negociação. Tive que estudar muito sobre educação, né? Pegar aí esse pessoal de Sociologia do Trabalho, que mexe com essa coisa de qualificação profissional, estudar muito essa coisa de competência... Vou continuar em 2007 desenvolvendo isso, pelo menos é isso que está no horizonte, depois, não sei, mas estou aí [RISOS].
P/1 – Você falou agora há pouco que você entrou no Dieese fazendo assim, e...
R – Foi, foi a minha escola de qualificação.
P/1 – E todo mundo que passou por aqui, foi meio dessa mesma forma, foi aprender fazendo...
R – Foi...É, foi...
P/1 – E quando a gente pensa esse formato do Dieese, a gente vê que ele meio que paira acima de muitas diferenças, por quê? Porque o movimento sindical é dinâmico, as pessoas são dinâmicas, as pessoas têm formas diferentes de ver e de se relacionar. E como é que você enxerga isso sendo que o movimento sindical é cada vez mais um caldeirão de diversidade? Assim..., como você enxerga isso? Como o Dieese atua com isso, trabalha com isso?
R – [PAUSA] Você fala na prática, né?
P/1 – Sim...
R – Porque tem toda a produção, né? A produção, ela contempla essa diversidade, diversos pontos de vista. Então, me lembro que na época que o tema privatização era um tema recorrente... Hoje não é, porque já privatizaram tudo, então ninguém mais discute. [RISOS]. Mas quando ainda não tinham privatizado era muito claro: Tinha uma parcela, um setor do movimento sindical que era a favor da privatização e outro setor que era contra. E, do ponto de vista da produção técnica, a relação com isso era uma relação muito de expressar todos os pontos de vista, de colocar a questão e mostrar os prós e os contras, sempre foi assim, né? Isso do plano de produção, de contemplar essa pluralidade nos trabalhos técnicos, nos estudos todos e tudo o mais. Até porque a nossa perspectiva aí é que muda um pouco, né? Nós não queremos ser dirigente sindical, eu não quero ser dirigente sindical. Não cabe a nós tomarmos decisões em relação à ação sindical. Então, por exemplo, em vários momentos estive colocada sob essa situação de “tar” numa negociação coletiva e dizerem: “E aí, a gente faz a greve ou não faz?”, “E a nossa postura é o quê?”, “É, vamos discutir, a gente vai ajudar, né?”, “Vamos olhar aqui os números, o que é que a gente pode conseguir”. E eles é que vão tomar a decisão, porque nós não somos o dirigente sindical. E nós temos essa clareza de saber quem é o protagonista e nem sempre é assim em relação a outras assessorias. Por exemplo, eu já vi muito advogado numa mesa de negociação, negociar em nome do sindicato! Ir lá, ficar! Nós não fazemos isso, nós ajudamos a construir o processo que é ter muita clareza de quem é o sujeito do processo e qual é o nosso papel nisso aí. E é por isso que a gente lida com tranquilidade nisso. Então eu acho que essa postura que é imprimida... Imprimida?
P/1 - Impressa...
R - Impressa. O técnico do Dieese, quando entra, ele vai se formando nesse processo. No treinamento isso é muito claro, né? Também não estou querendo desqualificar quem pensa de outra forma... Nos movimentos sindicais tem muito essa coisa do assessor político e... legítimo tudo isso, né? Mas é outro papel, não é o nosso. Então, poucos foram os técnicos que saíram do Dieese porque não se identificaram com essa proposta de trabalho. A maioria se identifica, porque quem não se identifica, de fato não consegue... A pessoa acaba se desqualificando junto ao movimento sindical, você entende? Hoje, por exemplo, você acha, como que seria possível a gente fazer um trabalho, esse que a gente fez agora...? Uma oficina onde nós reunimos a federação dos trabalhadores da área da construção civil, que engloba várias correntes políticas. Muito embora seja uma federação ligada à CUT, mas engloba várias correntes. Pra fazer uma discussão junto com o patronato e o Dieese quem “tava” promovendo isso. E às vezes é muito difícil pra gente optar, porque também nós somos cidadãos, por exemplo... Salvador é uma grande cidade, mas também é uma província, e as coisas acontecem tudo em determinados locais. Então, por exemplo, o técnico do Dieese que tá na linha de frente, é muito difícil conciliar uma militância político partidária. Eu, por exemplo, não tenho nenhuma militância político-partidária assim, de dia a dia; tenho uma opção política, hoje até ela é pública, né? Mas, durante muito tempo, ela não era assim tão expressa. Mas é muito difícil porque você tá na linha de frente de um partido, de uma militância, exercendo uma atividade no Dieese, cujo público também são... Isso um pouco te fragiliza, dependendo de onde você esteja. Com um supervisor, por exemplo, é muito difícil. Enfim, as coisas da política, vocês também sabem disso...
P/2 – Fica muito exposta...
R – É...
P/1 – É...
R –E te desqualifica. É uma opção que você faz, né? E acho que quase todo técnico do Dieese, né? Assim, por exemplo, o Bareli, agora é do PSDB [Partido da Social Democracia Brasileira], mas durante todo o tempo que “tava” no Dieese, o pessoal brincava e dizia... O pessoal do PT [Partido dos Trabalhadores] dizia que ele era PSDB e o pessoal do PSDB dizia que ele era PT. Isso depois do PSDB e PT, porque antes, quando não tinha esses partidos, só tinham os dois partidos e os outros estavam todos clandestinos, né? Era atribuído aos partidos clandestinos. Dizia... “Ah, o pessoal do Partidão diz que eu sou do coisa... O pessoal do outro diz que eu sou do Partidão”. [RISOS]. Bom, hoje a gente sabe que ele tá no PSDB, hoje tá claro, né?
P/1 – Nítido, né? E você falou que... Em dado momento da sua fala você diz que é meio complicado. Que o Dieese tem que tomar muito cuidado pra se articular com isso. Agora, trazendo esse problema das relações humanas pra dentro, como é essa articulação? Técnicos de um lado, sindicalistas do outro. Como é que é essa relação dentro do Dieese?
R – [SUSPIRO]. É... Claro, você tem assim... No campo estritamente das relações humanas, pessoais, né? A origem do dirigente sindical, a origem do técnico do Dieese não necessariamente é a mesma. Do ponto de vista de classe mesmo..., normalmente vem da classe média, o dirigente, uma parte... Temos técnicos também que têm a origem operária. O supervisor mesmo, que me substituiu, ele foi dirigente sindical. Ele tem uma história curiosa, porque ele foi dirigente do Petroquímico, daí ele fez Economia, deixou de trabalhar no Polo - uma grande empresa - e foi estudar, fazer mestrado e depois veio pro Dieese. Então tem essa origem e isso dá uma grande substância a ele como técnico, e tudo o mais... Porque aí por trás de todo o nosso trabalho, tem uma coisa que é o seguinte: Cada vez mais isso vem claro, os valores com que a gente trabalha dentro do Dieese, né? Do que a gente quer construir, que não é só a coisa da transformação, do empoderamento, do movimento sindical, cada vez mais, né? Porque é isso, o Dieese é um órgão técnico, mas ele não é neutro. Porque muita gente pensa, confunde técnico com neutralidade..., a gente trabalha muito com esses valores da transformação, não só apenas do lado político, mas... Acho que não estou conseguindo responder muito bem... Claro que, por exemplo, nos escritórios regionais o Dieese funciona dentro do sindicato, a gente tem uma convivência muito diária com o dirigente sindical, né? [PAUSA]. Tem muito assim do perfil do técnico. Eu adoro mesmo conviver com o movimento sindical. Tem uma geração mais nova que não tem muita “paciência” pra isso não. Eu gosto de ir pro bar, tomar cerveja com eles, vou pra assembleia... A minha geração no Dieese é essa geração de ir pra assembleia, depois tem um botequim, depois tem a conversa...
P/1 – Churrasco...
R – É... Churrasco não tem muito não [RISOS]. Foi uma brincadeirinha churrasco, mas enfim. Não sei se você pensou a mesma coisa que eu do churrasco, mas enfim... Não, né? [RISOS
P/1 – [GARGALHADAS]
R – Olha como é que fica essa parte aí [RISOS].
P/1 – [RISOS]
R – Mas assim, a gente tem uma geração de técnicos que foi formado... Tem um colega nosso, o Wilson, não sei se ele já deu entrevista aqui... Ele fez um desenho bacana, não sei se você resgatou isso com ele, isso era importante.
P/1 – Wilson Amorim?
R – Sim, já fez?
P/1 – Já
R - Ele divide em três gerações de técnicos do Dieese. Eu “tô” na segunda. Que tinha aquela geração que era dois, três: Bareli, a Inês, e..., depois tinha uma geração que cabia numa Kombi que era tudo sindicalista, vindo de partidos, de militantes... Tem uma outra geração, que é uma geração dos 30 anos, hoje, 20 anos. Dos 25 aos 30, 35, por aí, que já é uma geração, por exemplo, que não tem uma - por conta até mesmo do processo social -, que não tem uma interface política maior, de ter tido uma militância... É importante na formação do técnico do Dieese, o conhecimento do processo político sindical mesmo. Muitos desses técnicos começam a saber o que é sindicato, correntes políticas, questão de partido, depois que entrou no Dieese. Então o Dieese também cumpre essa parte de formação até mais política desse. Hoje, nós estamos num programa de estágio que contempla muito essa coisa, porque isso que a gente descobriu. Mesmo que não fique no Dieese, tá formando uma geração de economistas, de técnicos em geral, porque não é só economista que o Dieese contrata, pra estar nesse meio. Eu não sei se era isso que você queria saber, do ponto de vista das relações humanas. Você quer refazer a pergunta pra eu...?
P/1 – Não, contempla.
R – É isso, né?
P/1 - Era isso mesmo...
R – Nós vivemos muito a vida sindical. Quem está na linha de frente junto aos movimentos sindical, dentro do sindicato, na subseção, dentro dos escritórios - porque tem subseção e tem escritório. O escritório é pra todos os sindicatos, enquanto que a subseção são só pra aquele sindicato. Diferente, por exemplo, aqui do parque. A convivência sindical é menos, né? O Bareli até falava um pouco disso, que existia um pessoal do sindicato, cada vez mais busca essa integração, há uma recomendação para que os técnicos vivam mais a vida sindical, vá para eventos, congressos. Os técnicos nos escritórios têm essa relação mais íntima com o movimento sindical. Até porque o nosso trabalho é muito específico, o nosso trabalho de assessoria não é um trabalho frio, de você entregar um texto. Você produz um conhecimento técnico, vamos dizer assim, como que esse conhecimento técnico é apropriado pelo dirigente sindical? Ele não é apropriado pelo dirigente sindical a partir da leitura daquele texto que você fez. Os nossos textos são muito curtinhos justamente por isso. Muitas vezes, a forma de apropriação é uma conversa que você teve com ele, é uma palestra que você faz sobre aquele tema, é o curso... Então, a apropriação se dá muito mais por isso, porque o hábito de leitura... Do primeiro time lá, esses caras liam muito, tinham uma formação política muito forte, que vinha dos partidos políticos. Então, mesmo tendo dificuldade. Eu conheci uma dirigente lá da Força Sindical, ela se chama Nair Goulart, uma pessoa muito fantástica, ela foi dirigente aqui da Força Sindical e agora está lá em Salvador. Ela dizia: “Lavínia, eu só tenho até a quarta série, e eu já li todos os livros de Marx e tal”. Esse dirigente não tem mais, né? E ela sempre leu, ela vem de uma formação da tradição mesmo, dos partidos políticos... Quanto a esse novo dirigente, não... Então para que a gente possa estabelecer uma relação de assessoria a esse movimento, a gente tem que “tar” colado no movimento sindical. Acho que esse é o tema. A gente tem que “tar” vivendo o seu dia a dia. Não digo que todo técnico do Dieese vai tomar cachaça no botequim, tem muita gente, inclusive, que nem gosta muito de beber e não gosta de botequim. Mas eu digo assim, de “tar” participando dos seus eventos. Então, não é uma assessoria que você entrega: “Tá aqui o trabalho, aquele parecer que você pediu”, não é assim... Você não constrói, você constrói ali estando junto com ele, o que acaba sendo uma militância técnica, porque não deixa de ser... E pra isso, tem que ter muita identidade com o que você faz, porque esse é um trabalho que exige que você tenha essa... Nas empresas chamam de “vestir a camisa” - mas eu chamo de “identidade”...
P/1 – Então acaba sendo um trabalho de “formação”, e estou usando aqui entre aspas, devido a um próprio processo de despolitização que aconteceu dentro do movimento sindical. Não de despolitização, mas de que os sindicalistas mais jovens não tiveram essa vivência que os mais jovens tiveram...
R – É...
P/1 – Então o Diesse...
R – Hoje há necessidade. Sempre foi assim no nosso trabalho e hoje, cada vez mais, há necessidade de que eles se coloquem enquanto método de trabalho dessa forma, né? O nosso diretor técnico atual, o Clemente, brinca dizendo que o técnico do Dieese tem que ter um laptop e um celular, não tem que ter medo. E ele está certo, cada dia a gente está num sindicato, está em outro, e vai lá fazer..., e conectado. E com isso ele quer dizer que nós temos que estar lá, junto onde tá o movimento sindical. Então não é aquele trabalho que você prepara e manda por e-mail. Antigamente não se mandava por e-mail, o sindicato vinha pegar o estudo. Agora não basta isso, você tem que fazer, a produção tem que estar escrita. Mas o principal disso é a apropriação que o movimento sindical faz do nosso trabalho que não é pelo estudo técnico escrito... Não é assim que se faz, ele lê pouco. Tanto é que nós estamos, cada vez mais, melhorando a nossa forma de comunicação com o dirigente, né? Hoje a gente acha que a presença do técnico nas reuniões, nas atividades sindicais, é fundamental pra que esse processo de comunicação se dê. Não, não abstrai de forma nenhuma a presença do técnico lá...
P/1 – Tá... Mudando agora um pouquinho também: As mulheres sempre tiveram um papel muito importante na trajetória do Dieese. Logo das primeiras técnicas, foram as mulheres. Eu, conversando com a Claudia Fragoso outro dia, que cuida da parte administrativa, ela falou que inúmeras mulheres são, em maior número que os homens.
R - Me parece isso mesmo. Na hora que você falou eu fiquei fazendo mentalmente aqui uma conta.
P/1 – E realmente é um fato. Estão realmente em maior número que os homens. E pra você, como mulher, como é participar do Dieese?
R – Eu acho que assim... As questões são as mesmas que qualquer mulher enfrenta num mercado de trabalho, não vamos romantizar [RISOS]. O dirigente, porque ele é progressista, porque ele defende as liberdades, que ele... Que ele... Tem desde que tá trabalhando com um público que é majoritariamente masculino, a presença das mulheres nos sindicatos ainda não é... Vem aumentando, aumentando muito, né? Até porque as centrais têm políticas e os sindicatos também, mas ainda a presença das mulheres em termos de número é pequena ainda, né? Mas é muito expressiva em termos de ações. Hoje, todas as ações sindicais contemplam as questões de gênero e tudo o mais. Então, você trabalhando num público masculino, traz um desafio pra mulher do Dieese, a trabalhadora, economista ou..., no caso aí, cada interface que a gente tem com o movimento sindical, os desafios que toda mulher tá trabalhando... Você ter que se preparar mais porque a cobrança é maior, então você tem que estudar mais [RISOS]. Porque não botam muita fé de que você vai dar conta, né? Eu, no começo experimentei essa coisa por ser recém-formada. A Lucia, que me antecedeu, também. Agora eu digo a você, eu enfrentei problemas muito maiores dessa coisa da discriminação na relação com outras instituições, né? E com outras, com o próprio patronato, como eles são machistas, né? Muito mais do que o dirigente... Porque o dirigente sindical, você policia o tempo todo porque, como a participação das mulheres no sindicato vem aumentando... É esse desafio. Agora, a minha experiência pessoal é essa. Eu digo a você que eu nunca enfrentei nenhuma situação de discriminação concreta, que não pudesse ter sido superada, contornada e até trabalhada de uma forma muito mais educativa, pedagógica, do que achar que, “Ah, só porque eu sou mulher estão me discriminando...”. Essas situações mesmo, de assédio, ou de qualquer coisa, é muito enfrentada num plano de uma compreensão muito do que essa realidade do que é o dirigente, do trabalhador e ter clareza disso e... Não sei, que aí tem que ver se a situação das outras companheiras não “foram” diferente. Não sei também, porque a minha trajetória foi muita específica, particular, está muito ligada ao movimento e isso nos coloca numa situação toda mais...
P/2 – Mas você já sentiu no movimento, não uma situação concreta, mas você sentiu que houve algum conflito por você ser mulher, ou não?
R – De primeiro, de não botar muita fé.
P/2 – Alguma coisa que você não possa falar?
R – Não, não tem. Mas algumas situações assim, de sentir que havia uma certa descrença, talvez que eu pudesse dar conta daquele trabalho e, por sentir isso, me preparar melhor e mostrar que, não, é possível. Lá nos primórdios, eu enfrentei tudo isso, mesmo porque eu peguei um time do movimento sindical muito preparado, né. Começou um deles que foi coordenador do Dieese e outro que é o governador da Bahia, né? Vai assumir em janeiro o Governo do Estado. Mas assim, nada que possa, que tenha... não...
P/1 – Qual a maior contribuição do Dieese pro movimento sindical, na sua opinião?
R – Devia ter dito que tinha essa pergunta porque eu tinha preparado [RISOS].
[PAUSA]
P/1 – Primeira coisa que vier à mente.
R - O que veio... Porque acho que a maior contribuição - que ela é o mecanismo - é mostrar que é possível você construir pluralidade na diversidade. Então acho que esse pacto que é o Dieese. O Dieese é um pacto, né? Das centrais. Só existe porque as centrais têm esse acordo. Talvez seja o acordo mais concreto, né? Que as centrais conseguiram ter. E por conta disso, elas conseguiram construir muitas coisas. Então o Dieese tem uma contribuição concreta de que é possível construir na pluralidade, na diversidade, de um projeto... Eu não digo comum pra classe trabalhadora, porque não é comum e jamais vai ser, né? E é bom que seja. E isso não existe em outras experiências sindicais, nem na América Latina, nem em outros países, não existe... Então, nós temos toda essa pluralidade que são as centrais sindicais, e é possível construir e ter resultados concretos disso, né? Na discussão da reforma sindical, na discussão do salário-mínimo. E assim, desde as coisas grandes que é o salário-mínimo, como outras coisas menores que a gente faz junto. Por exemplo, você construir um processo de capacitação e formação sindical que envolva todas as centrais. Não é fácil porque você tem desde os comunistas marxistas e, desde dirigentes que... Pensam diferentes, tem outra visão de mundo e outro... E você construir um processo de construção do conhecimento e... Então eu acho que essa é a maior contribuição, acho que poderia resumir desse jeito mesmo: que é possível construir um projeto pra classe trabalhadora, tendo em vista essa pluralidade e essa diversidade. Acho que essa é a maior contribuição que o Dieese... Acho que todo mundo vai falar isso, porque o Dieese é isso. Essa pergunta é comum pra todos... [RISOS]
P/1 – Tem várias perguntas comuns [RISOS]...A sociedade se reconhece no Dieese?
R – Essa parte da sociedade, ela é muito curiosa porque tem uma parcela, pelo desconhecimento que vê o Dieese na mídia o tempo todo, acha que nós somos órgão do Governo. Acho tão engraçado. Hoje não acham mais, mas acham sim que somos um produto delas. Então, o Dieese... O movimento sindical fez com que o Dieese fosse conhecido por toda a sociedade. Então o que acontece, assim: Produtos que o Dieese tem, como a cesta básica que nós divulgamos nos estados... Essa coisa toda dos índices. Então, nós temos um serviço que inclusive não é financiado, né? Que ninguém paga... Ligam pro escritório pra saber qual é o índice de reajuste do aluguel, pra saber quanto custa cesta básica, quanto é, porque quer... Quando a gente tá falando em sociedade, nós estamos falando também que na sociedade você tem a classe trabalhadora que é a maioria, dentro dessa sociedade, em termos numéricos, né? Então, é uma outra dimensão que vai além da dimensão do trabalho, né? Das relações de trabalho... Então nós fomos convidados pelas associações de bairro para dar palestras sobre vários temas. Impressionante... Vários temas... Nós já fomos convidados por uma empresa de ônibus lá em Salvador, que chamou a gente pra fazer uma palestra pros trabalhadores dela, de como gastar seu dinheiro sem gerar dívidas. Aí, a primeira coisa que a gente falou era que isso era impossível com o salário que o trabalhador tinha, né? [RISOS] Sério! [RISOS] A visão da empresa era que o trabalhador administrava mal o seu salário e a gente não podia passar essa visão pro trabalhador, porque essa é a pior visão... Se você diz assim, você não sabe administrar seu salário, como administrar um salário desses? Não existe isso. Um trabalhador, ele tem dívida porque não sabe gastar. Mas aí a gente começou com isso, mas começou também a mostrar: “Olha, o orçamento é assim”, pegamos uma pesquisa com o índice do custo de vida e fomos mostrando, “você pode...”. E a outra coisa, você pode lutar pra aumentar o seu salário, é uma ação coletiva. Então, voltando à sociedade, acho que sim, entendeu? Sim, que demanda estudantes, muitos vão lá fazer pesquisa. A academia é muito interessante; como os nossos estudos são referenciados nos estudos acadêmicos. O Dieese tem essa coisa, né? Acaba sendo tanto essa coisa da legitimidade, da credibilidade que nós temos junto à sociedade, com as pesquisas, né?
(FIM DO PRIMEIRO CD)
R – Então, a demanda da sociedade, ela vem muito dos estudantes, né? Nossos estudos são muito utilizados nas pesquisas, os professores indicam o Dieese. Agora com o site ajudou muito. Como não tinha o site antes, grande parte era designada pra gente orientar, pra explicar as coisas, agora a gente manda pro site e já está tudo disponibilizado lá e ajuda muito. E essa coisa, meio que de utilidade pública, tanto é que o Dieese na Bahia, ele é de utilidade pública estadual e municipal. Chamamos assim porque ele fornecia os índices de aluguel que ligam pra lá quando tinham aqueles reajustes todos, de utilizar os dados da cesta básica, né? Então, a imprensa, assim, essa nossa inserção na imprensa fez com que a gente passasse a ser conhecido muito na sociedade; a sociedade vê o Dieese como esse instituto de credibilidade que ela pode recorrer, vamos dizer assim, para esse tipo de questão. E aí eu ia citando o caso de uma vez, num programa desses assim, bem popular, daqueles jornalistas que... Tem um jornalista lá que até bate na mesa, dá cartão vermelho, dá cartão verde... Daí, ele fez uma seguinte metáfora do Dieese: “Ah, o Dieese é aquela balança, que você tem certeza que tá ali, tarada, como ele disse, tá ali certa”. É isso, a sociedade nos vê assim. E nós não vamos reverter isso, né? Eu acho que isso que nos credencia muito em estar desenvolvendo outros projetos, convênios com governo em muitos escritórios regionais. A pesquisa da cesta básica é financiada em convênios. Esses mesmos estudos subsidiaram a discussão do salário-mínimo. O papel que o salário-mínimo tem no Brasil não é só apenas pra classe trabalhadora, mas ele, é um salário social, né? A importância dele dentro da Previdência e no Nordeste, que é uma região bastante pobre, é grande. E os estudos que o Dieese faz, se decidiu nessa discussão. Então vai para além, vamos dizer, dessa dimensão da pessoa enquanto trabalhador, entende? Mas também perpassa até a condição do ser humano enquanto trabalhador, porque a condição humana é muito maior que... O trabalho é estruturante na vida humana, mas, ela tem que ser maior que só o trabalho, né?
P/2 – ___?
R – Não? [RISOS].
P/2 - ____?
P/1 – E, você já está um tempo razoável dentro do Dieese e, com essa vivência toda que você teve, como você visualiza os desafios que o Dieese pode ter para o futuro? Que desafios o Dieese pode ter?
R – Um desafio grande pro Dieese é... O Dieese superar a questão da sua sustentabilidade, né? O Dieese tem que construir uma sustentabilidade financeira e uma estabilidade, né? Que lhe permita, vamos dizer assim, construir mais. Nós estamos pelo menos já há quase duas décadas, desde a década de 1990 e agora nos anos 2000, com um esforço muito grande em torno dessa sustentabilidade financeira, né? Então nós precisamos, internamente, montar... Que está relacionado com questão da gestão também, né? E um desafio que está muito colocado pra gente é o desafio de a gente reverter essa sustentabilidade, e ao mesmo tempo reverter num processo que é o seguinte: nós temos muitos projetos financiados com recurso público, extrassindical, fora a mensalidade que o Dieese paga e nós temos que fazer com que a contribuição pro sustento do Dieese venha, na sua totalidade, na sua grande maioria, dos sindicatos. Porque, se você perde a sustentação financeira, você perde a sua natureza constitutiva... Isso é muito mais para além de questão de receita e despesa, isso vai mesmo pra manter sua natureza constitutiva e sua identidade, né? Claro que se a gente passa a ser 80% financiado com recursos do movimento sindical - não que os recursos públicos não sejam recursos sindicais - mas os convênios que a gente tem no âmbito do Ministério do Trabalho são recursos do FAT [Fundo de Amparo ao Trabalhador], são recursos do trabalhador, né? E isso muda, né? Significa também a gente estar colado na força sindical. E o grande desafio que nós temos no movimento sindical é, primeiro, constatar que temos uma geração de dirigentes que precisa estar preparado e enfrentar a questão do desafio do emprego e da renda, né? Ou seja, de um lado reverter essa péssima distribuição de renda que a gente tem no país, através da ação sindical; não só ação sindical, é claro que é necessário políticas públicas. Mas o movimento sindical tem um papel importante nessa reversão da distribuição e na reversão do desemprego, né? E acho que o movimento sindical tem um papel importante e, se o movimento sindical tem, nós temos que estar colados também. Isso não só no nível da ação sindical, mas também no nível da discussão do movimento sindical enquanto ator importante nesse processo, vamos dizer assim, de mudança dessa situação.
P/1 – Agora, pra finalizar, o que você achou... Assim, o Dieese investe em todas essas frentes, esses projetos. O que você acha de ele estar investindo nesse Projeto de Memória?
R – [PAUSA] [SUSPIRO]. É... Faltava isso, né? Nós temos uma instituição de 50 anos no Brasil, e são poucas, né? Nacional. Não querendo ser megalomaníaca, mas um pouco sendo, duas, né? Petrobrás e Dieese nasceram no mesmo ano. A Petrobrás foi fundada em 1954 - acho que um ano mais velha que o Dieese - e aí a gente pensa, uma grande empresa que é a Petrobrás e o Dieese, com 50 anos. E aí eu penso assim, nas gerações futuras. Porque o Dieese faz 50 anos, vai fazer mais 50. Espero estar lá e bater na ____. Mas tem que cuidar pra tá, né? Pelo menos, já deixei de fumar, né? [RISOS]. Mas quero tá. Nos 60, acho que ainda vou estar. E é isso, para as gerações futuras, esse investimento é fundamental. Porque a memória do Dieese, você reconstruir a memória de uma instituição que nasceu em 1955, quando o País “tava” em 1955, no ano de mudança do modelo econômico, de exportador, de maturação, vamos dizer assim, foi um pouco antes. Então, a história do Dieese se confunde com a história do trabalho no Brasil. Então é uma história que não é só de uma instituição que faz 50 anos, mas de uma instituição que é da classe trabalhadora. Então, eu acho que grande parte da história da classe trabalhadora e dos sindicatos no Brasil está contida nessa história. Não é só ela, é muito maior do que isso, mas..., as histórias se confundem. E esse investimento é fantástico nesse sentido, né? Para as gerações futuras, para os próximos 50 anos, estar lá. Acho que todos os sindicatos deveriam investir um pouco nisso. Digo isso pelo seguinte: como houve essa mudança sindical – eu falo isso o tempo todo para os mais antigos - os trabalhadores, os dirigentes novos não conhecem a história do movimento sindical e, muitas vezes eles pensam que conquistas, e que chegamos a isso de uma forma tranquila. Não foi, né? Foi com muita luta, e as coisas que estão aí conquistadas... Você pega uma convenção coletiva dos trabalhadores que têm direito a um conjunto de benefícios e muitas vezes os trabalhador também, lá na empresa, pensa que é um benefício que a empresa concede, quando, na verdade, foi resultado da luta da classe trabalhadora. Então, o investimento nessa memória é importante nesse sentido, porque ele não é só um registro. Eu não penso como um registro que apenas vai ficar..., mas como um registro que vai ficar para a formação, por exemplo, dos novos técnicos. Daqui a 50 anos, talvez até menos, né? Técnicos que ainda vão nascer e que vão até ser futuros técnicos do Dieese, e se apropriar dessa memória é fundamental para sua formação e construção dessa identidade de técnico do departamento, né? Acho que é isso...
P/1 – Agora a última pergunta, mesmo [RISOS]. O que é que você achou de participar desse projeto de memória?
R – Ah, gostei muito. Primeiro, eu fiquei fazendo piadinha, né? Quando veio o convite, eu fui ler o que a Rosana..., e eu falei, “Rosana, o que foi que você falou que eu era?”. “Lavínia é uma técnica muito antiga do Dieese, e isso, e isso e isso”. E virei também pra Vera, que também foi entrevistada, que é das mais antigas... Eu falei, “Vera, se falaram que eu era muito antiga, o que foi que falaram de você? O que foi que botaram naquele perfil?”. Mas fiquei assim muito orgulhosa, porque..., acho que você poder, de um lado, estar trabalhando numa instituição que faz 50 anos é motivo de orgulho, você fazer parte da história dessa instituição e poder dar esse depoimento, né? Você ter ajudado a construir e “tar”... Vou continuar falando, mas eu vou chorar [RISOS]. Mas então, eu acho que poderia resumir assim: Que foi uma honra poder estar, digamos assim, registrando e tendo esse reconhecimento de ter ajudado a construir essa trajetória aí.
P/1 – “Tá certo”. É isso, muito obrigado, viu!
P/2 – Obrigada.
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