IDENTIFICAÇÃO Vera Lúcia Santana Melo de Castro, nascida em 26 de julho de 1955, em Natal, Rio Grande do Norte. PAIS Meu pai é Apolônio de Melo. Mãe: Maria Freire de Melo. De avó, eu só posso falar de uma. Eu lembro delas, mas presente só tive a Cândida Freire da Costa. O avô é Zeferino Freire. Esses são os avós maternos, os paternos sumiram no tempo. O meu pai já é falecido. Ele era comerciante. A minha mãe já é aposentada e era funcionária pública, trabalhava para o Município de Natal. Trabalhava na Câmara Municipal da Cidade de Natal. TRAJETÓRIA DA FAMÍLIA A minha família é originária da Paraíba. A base é Rio Tinto, uma cidade da Paraíba, no interior do estado. Na verdade, é uma região agreste, porque fica entre o sertão e o litoral. Ali se originou a família dos meus avós maternos, como lhe falei. A minha avó saiu dessa cidade de Rio Tinto e veio para Natal, ainda na época de pós-segunda guerra mundial, e lá se instalou porque ela fugia do casamento com o meu avô, que era o modelo, o protótipo do coronel – aquele homem branco do olho azul, que casa com uma cabocla. Ela, já rebelde, não agüenta a tirania daquela forma de ser dele e foge para o Rio Grande do Norte. Lá chegando, essa mulher – é engraçado isso, porque a gente tem que rever tudo mesmo, isso é psicanálise – sem condições nenhuma de tocar a vida, vai vender óleo, carvão e construir a vida ali nesse comércio. Ela começa a construir umas casinhas, que aluga. Vai construindo o patrimônio dela a duras penas, sozinha. FUGA DA MÃE Nisso, minha mãe, Maria Freire de Melo, chamada por esse meu avô de Maria Preta, claro, foge procurando a minha avó e vem para Natal. O desespero da minha avó foi tanto, que ela largou os filhos com o meu avô. Ele tinha uma forma assim: era aquele Senhor que tem terras, com valores totalmente machistas. Na cabeça dele, ele achava que podia tudo, inclusive...
Continuar leituraIDENTIFICAÇÃO Vera Lúcia Santana Melo de Castro, nascida em 26 de julho de 1955, em Natal, Rio Grande do Norte. PAIS Meu pai é Apolônio de Melo. Mãe: Maria Freire de Melo. De avó, eu só posso falar de uma. Eu lembro delas, mas presente só tive a Cândida Freire da Costa. O avô é Zeferino Freire. Esses são os avós maternos, os paternos sumiram no tempo. O meu pai já é falecido. Ele era comerciante. A minha mãe já é aposentada e era funcionária pública, trabalhava para o Município de Natal. Trabalhava na Câmara Municipal da Cidade de Natal. TRAJETÓRIA DA FAMÍLIA A minha família é originária da Paraíba. A base é Rio Tinto, uma cidade da Paraíba, no interior do estado. Na verdade, é uma região agreste, porque fica entre o sertão e o litoral. Ali se originou a família dos meus avós maternos, como lhe falei. A minha avó saiu dessa cidade de Rio Tinto e veio para Natal, ainda na época de pós-segunda guerra mundial, e lá se instalou porque ela fugia do casamento com o meu avô, que era o modelo, o protótipo do coronel – aquele homem branco do olho azul, que casa com uma cabocla. Ela, já rebelde, não agüenta a tirania daquela forma de ser dele e foge para o Rio Grande do Norte. Lá chegando, essa mulher – é engraçado isso, porque a gente tem que rever tudo mesmo, isso é psicanálise – sem condições nenhuma de tocar a vida, vai vender óleo, carvão e construir a vida ali nesse comércio. Ela começa a construir umas casinhas, que aluga. Vai construindo o patrimônio dela a duras penas, sozinha. FUGA DA MÃE Nisso, minha mãe, Maria Freire de Melo, chamada por esse meu avô de Maria Preta, claro, foge procurando a minha avó e vem para Natal. O desespero da minha avó foi tanto, que ela largou os filhos com o meu avô. Ele tinha uma forma assim: era aquele Senhor que tem terras, com valores totalmente machistas. Na cabeça dele, ele achava que podia tudo, inclusive ter outras mulheres, e prendia as filhas. As filhas não participavam de nada. Por exemplo, na festa de colheita, quando faziam um forró grande lá, era o único dia que a família podia participar até determinada hora. Isso é o que minha mãe me conta. Minha mãe sempre foi muito rebelde também. Ela tinha mais três irmãs. Então, quando a minha mãe foge e vem para Natal em busca da minha avó, ela não volta mais. Ela encontra o meu pai, se apaixona, casa e com meu pai tem duas filhas. A minha irmã, que se chama Luzia porque nasceu no dia de Santa Luzia, e eu, Vera Santana, porque nasci no dia 26 de julho, dia da padroeira de uma das cidades do Rio Grande do Norte, muito forte no imaginário da Igreja Católica, que está lá, muito forte na vida das pessoas. CASAMENTO DOS PAIS Minha mãe consegue encontrar minha avó e se casa assim que ela chega. Como estava afetivamente toda complicada, é evidente que o primeiro namoro resulta num casamento. Ela casou e, evidentemente, esse casamento não dá certo. Ela tem dois filhos. Meu pai é comerciante, mas não dava mesmo. Então, ela se separou. Eu lembro que eu tinha cinco anos de idade e minha irmã tinha dois. Na verdade, a presença do meu pai – ele já faleceu – é forte até um certo período da minha vida, mas depois se perde, porque ele teve um contato pequeno conosco. Ele se separou e, como a maioria dos casais brasileiros daquela época e do nordeste, quando separa da mulher, separa dos filhos também. Quer dizer, até hoje a gente ainda tem algum resquício disso na sociedade, mas naquela época, isso era muito forte. Então, o referencial que eu tinha do meu pai estava ali presente no meu sentimento, na minha cabeça. Foi isso. Depois que ela se separa, ela vai trabalhar para sustentar as duas filhas. Eu costumo dizer que venho de uma família de classe social arrojada, que foi o início dessa família lá com minha mãe. Depois ela passa por um período difícil, que é quando ela tem essas duas filhas para educar – e dar educação de qualidade significava que ela tinha que trabalhar também. PROSPERIDADE DA AVÓ Minha avó já tinha prosperado bastante, já tinha construído várias casinhas e alugado. Minha avó era uma mulher danada de guerreira e muito respeitada. Evidentemente que ela se aliou à Igreja Católica, à igrejinha que tem no bairro. E tinha respeito também porque ela era uma mulher sozinha naquela época e tinha um comércio, ela criou um comércio ali no bairro. Uma das pessoas que fundou o bairro de Petrópolis, no Alto do Juruá, em Natal, foi a minha avó. Porque só tinha dois vizinhos. Era ela e outra casinha, nessa parte. Minha avó ajudou a nos criar. Minha avó era a minha mãe. Na verdade ela cuidava das duas. A gente estudou na escola pública, eu e a minha irmã, sempre em escola pública. Inclusive, a escola pública era diferente da escola de hoje, era outra história. Então, eu sempre estudei em escola pública, eu e minha irmã. Eu fui criada pela minha avó e minha mãe trabalhava em hospital, trabalhava em cozinha, em enfermaria de hospital, essas coisas. Ela tinha muita dificuldade porque ela só tinha feito até a quarta série. Ela não podia estudar porque, inclusive, era uma das tiranias do meu avô. As filhas mulheres não podiam ir para a escola, não tinha como. E na cidade também não tinha como. Então, tinha essas dificuldades todas. Mas era mais pela forma dele de ser. BRINCADEIRAS DE INFÂNCIA Dessa época, é claro que eu não lembro de muita coisa. Quando a minha mãe chega, esse bairro já prosperou, já tem um grupo escolar na esquina, onde eu estudo, já tem Igreja, já tem tudo ali organizado. Eu estudava perto de casa. E a gente brincava na rua, porque também não tinha os equipamentos de hoje, contemporâneos. Já tinha um cinema na cidade e, vizinho à minha casa, morava um senhor que tomava conta desse cinema, o cinema Rio Grande. E ele trazia para casa pedaços de películas, das fitas. O filho dele pegava aquilo e emendava. A nossa casa era de telhado, então a gente fazia sessão de cinema com a lâmpada, com água dentro, a gente colocava um lençol branco e aquele foco de luz batia na lâmpada e a gente projetava os pedaços. Isso era uma brincadeira fascinante. Outra brincadeira que a gente tinha, porque tinha novela no rádio – meu Deus, como eu estou velha, o tempo passa, eu lembro das novelas de Jerônimo, moleque saci – era brincar muito de teatro. Sempre gostei disso. Sempre. Era teatro, era cinema. Eu nunca tinha ido ao cinema, mas ele fazia isso e dizia que era cinema. Eu não sabia que o danado podia fazer cinema. Era aquilo mesmo. E teve uma época que ele disse assim: “a gente vai cobrar para os meninos da rua virem assistir”. Tinha fila na casa de um amigo meu, depois a gente passou para a casa dele porque ele ficou especialista em colagem, junto com o Medeiros, que eu nem sei por onde anda. Eu sei que Duda, que era o meu amigo de infância, faleceu. Mas ele colava tudinho, sabe? Uma na outra e virou especialista nisso. E a gente fazia essas sessões na casa dele – passou a ser no quarto da casa dele, para desespero da família inteira. Era menino que não acabava mais para ver aquilo. Tinha também um grêmio recreativo, perto da Igreja. Porque a gente também brincava na Igreja Católica, era a diversão que tinha. Isso era antes da Jovem Guarda, eu estou bem lá atrás ainda. Nesse grêmio também passava uns filmes, levavam depois uma máquina, eu nem sabia o que era. Eu sei que a gente via que era preto-e-branco e tinha muito bang-bang. A gente ia lá assistir aquilo achando o máximo. E aquilo ia juntando na cabeça – o cinema das peliculaszinhas com aquilo, que era a mesma coisa. O teatro que a gente fazia, que eu nem sabia que era teatro, era porque a gente brincava imitando a novela do rádio. Também brincávamos na Igreja. Porque tinha o catecismo. Eu fiz catecismo na Igreja. FORMAÇÃO RELIGIOSA Tenho formação católica. Católica Apostólica Romana porque minha avó era beata da Igreja. Mas era uma beata diferente, porque dizem que ela era irreverente. E era mesmo, muito irreverente. Mas eu participei dessa história toda junto à Igreja, tinha aqueles rituais da Festa de Nossa Senhora de Lourdes, da procissão. Isso ficou muito presente. Acho linda a procissão até hoje. Acho que uma das manifestações mais bonitas que a Igreja católica tem é a procissão. Eu participava disso tudo. Na festa da padroeira tinha aqueles leilões – ainda tem, mas não daquela forma –, os anjos, a coroação de Nossa Senhora. Nós interagíamos, participávamos dos rituais litúrgicos da Igreja, que era colada na minha casa. Mas era tudo muito solto, as brincadeiras de rua eram por aí, sempre ligadas à arte, sem saber o que era, mas fazendo. ENSINO PRIMÁRIO Eu sou do tempo do admissão ao ginásio, quando a gente fazia a primeira, segunda, terceira e quarta série, depois ia para quinta e da quinta, tinha o concurso de admissão. Eu estudei em escola pública, na Escola Estadual Alberto Torres. Lembro de lá, claro, está lá até hoje. ENSINO SECUNDÁRIO Depois eu fui para outra escola pública que tem uma tradição enorme, Ateneu Norte-Riograndense, onde o Câmara Cascudo estudou, se não me falha a memória, e muitos homens ilustres do Rio Grande do Norte – homens e mulheres ilustres – estudaram. Era escola tradicional e, naquela época, era muito boa mesmo. Era ginásio. Sou aluna do Ateneu e tenho orgulho disso. Foi lá que eu comecei a entender um pouco o que era a sociedade. Foi lá que eu entrei em contato com o movimento estudantil, o Movimento de Ação Secundarista, que era um grupo de jovens que contestavam o sistema, educacional, inclusive. Foi lá também que eu comecei – pasmem – a jogar basquete. PROFESSORA DE ALFABETIZAÇÃO E foi lá também, numa Secretaria de Educação em frente, que eu soube que estavam listando quem queria dar aula de alfabetização. Eu tinha doze anos – isso hoje seria considerado uma infração, porque menor não pode trabalhar. Mas eu, que vinha de uma família precária, minha mãe trabalhando para educar duas filhas, fui correndo ser professora. Passei no teste e fui dar aula para adulto. Eu ganhava para dar as aulas. Ganhava muito pouco, era uma ajuda. Mas aquilo era fundamental para mim e para a minha irmã, porque eu, mocinha, me preocupava com tudo, com não ter dinheiro para comprar roupinhas, para comprar livros. Porque eu não tinha nada, não tinha esse acesso aos bens, à biblioteca. Queria comprar alguma coisa, ler, sempre tive muita curiosidade, queria ter os cadernos e os livros todos e não tinha. O pessoal lá no Ateneu, meus colegas, eram de todas as classes sociais. O Ateneu agregava todas as classes sociais, e tinha mais a classe “A” do que a “E”. Eu me considerava, naquela época, de uma família muito humilde, eu me considerava da classe “D”. Mas lidava com a “A”, interagia com a “A” e eles tinham acesso a todos os bens. Eu sentia isso, pelas histórias das famílias, porque me chamavam para estudar na casa de uma e de outra e eu não tinha aqueles livros. Então, eu disse: “tenho que fazer alguma coisa”. Foi quando apareceu a oportunidade de alfabetizar. Não lembro direito do nome da escola, não. Eu acho que é Escola Estadual Pedro Mendes Gouveia, onde eu dava as aulas, era próximo ao Ateneu. Era para alfabetizar adultos. Eles me chamavam de Dona Verinha. Traziam lanche para mim. Tinha um hotel tradicional lá em Natal, o Grande Hotel. Eu tinha um aluno que trabalhava na cozinha do Grande Hotel. Essa era a clientela, a classe. MÉTODO PAULO FREIRE Nessa época, já era o método Paulo Freire entrando no Rio Grande do Norte, disseminando essa idéia de que educação tinha que conter o contexto sócio-cultural. Para educar, esse contexto tinha que estar nos conteúdos programáticos de uma alfabetização. Eu comecei a aprender isso, mas sem ter o entendimento político. Evidente que depois esse programa acabou. Eu nunca tive clareza exatamente. Eu lembro das pessoas que participaram, mas os nomes se perderam. Esse período era o quê? 1967. O Paulo Freire eu não conhecia. Eu conheci o Paulo Freire depois. Mas o grupo que fazia o trabalho de alfabetização no Rio Grande do Norte era um grupo que tinha toda uma ligação com ele. Uma parte desse grupo, num período, sumiu e eu nunca mais vi. E, hoje, eu agradeço, porque o pouco do que eu tenho na linha de ação política, do que eu entendo do que é cidadania, do que é fazer um projeto educacional, se deve a um homem lá do Rio Grande do Norte, que coordenou esse Programa de Alfabetização de Adultos, chamado Deda – ele é conhecido assim, como Deda. É José Candido. O sobrenome eu não sei, mas ele é conhecido como Deda na área da educação. Porque ele viu a possibilidade que eu tinha de avançar e usou isso no sentido positivo num projeto tão político, forte, firme, de educação de qualidade, sabe? Essas capacitações de educação continuada que havia, de a gente ficar internada três dias discutindo a sociedade para alfabetizar, isso não existe mais. E nós ficávamos mesmo. HISTÓRIAS / CAUSOS / LEMBRANÇAS Tem uma coisa que eu lembro desse contexto: como a minha família era humilde, para completar a alimentação da casa a minha avó recebia uns alimentos da Aliança para o Progresso. Eu fico sempre pensando em que contexto eu estava naquela época. A Aliança para o Progresso estava ligada a um programa do Maine. Quem estava lá nos Estados Unidos era o Kennedy. Eu lembro de uma coisa assim... Acho que a Aliança para o Progresso é anterior. Claro, porque foi ele que criou. Ele foi ao Rio Grande do Norte, inclusive, foi a Natal. Também esteve lá. Mas eu me lembro dessa passagem da Aliança para o Progresso, que é antes. Eu me lembro também que todo mundo chorava porque o Kennedy tinha morrido, escutando rádio – acho que a televisão ainda não tinha chegado. E lembro também, estudando nessa Escola Estadual Aberto Torres, das tropas na curva da pista e a gente tendo que ir para casa porque era perigoso, tinha que ir embora. E eu perguntei: “por que a gente tem que ir embora?” Nós perguntávamos, não só eu. A professora dizia assim – porque era só uma professora para todas as disciplinas – “é por causa da revolução. Vocês vão para casa. É a revolução.” Mas não dizia o que era a revolução. E a gente ia para casa. Quando isso aconteceu, já tinha passado o ano de 1964. Eu estou lá em 1967 agora, quando eu estou dando aula. Isso que eu falei antes foi lá atrás, porque eu me lembro que é importante essa passagem da Aliança para o Progresso lá em Natal, que subsidiava, dava alimento. E a gente ficava muito contente. Quando Kennedy morreu, quando eu descobri que o Kennedy tinha morrido, minha família ficou muito triste, minha avó chorou e tudo porque não ia ter mais o óleo que vinha da Aliança para o Progresso, não ia ter mais o burgol, que era um trigo, que eles distribuíam lá para as famílias. Tinha essa história. Hoje, eu sei o que foi, mas naquela época, minha avó chorou muito com a morte de Kennedy. VOLTA AO PROJETO DE ALFABETIZAÇÃO Esse projeto de alfabetização de quando eu tinha 12 anos volta três anos depois. Então, no ginásio, eu continuei dando aula de alfabetização. Quem proporcionava esse programa de alfabetização para adultos era a Secretaria Municipal de Educação, que ainda era em frente ao Ateneu, essa escola onde eu estudava. Eu, precisando de dinheiro, fui dar aula. Eu devia ter o quê? Quatorze ou 15 anos, no máximo. [Essa outra etapa] foi muito próxima dessa primeira experiência que acabou e todo mundo sumiu. Só que nessa segunda vez eu ganhava direitinho porque eu assinei uns termos lá da Secretaria, era junto à Secretaria de Educação. A equipe que dava essa capacitação, essa formação para que nós fôssemos professores de alfabetização através do rádio, era uma equipe muito boa, que me ajudou a compreender o que era educação. Ali eu comecei a entender quem era o aluno, de onde ele vinha. Porque a metodologia de ensino era Paulo Freire, completamente Paulo Freire. Então, eu ia para escola dar aula e tinha o treinamento, a gente passava três dias se preparando. Era um curso de três dias com a equipe discutindo a realidade de Natal, a realidade do aluno. Paulo Freire é assim: você começava a aula com a figura de um sapato. Aí perguntava: “para que serve esse sapato? O que é o sapato? De onde vem? Você usa?” E começava a aula... Depois abordava o feijão, o arroz, tudo do universo do aluno. Muito interessante. OPÇÃO PROFISSIONAL Três anos depois, já terminando o ginásio, eu queria fazer arquitetura, mas o dinheiro não dava. Minha mãe dizia: “filho de gente pobre tem que fazer pedagógico”. Mas o meu sonho era fazer arquitetura. Porque as meninas lá do Ateneu que estudavam comigo – todo mundo de classe média alta – iam fazer medicina, arquitetura. Mas minha mãe dizia que eu tinha que fazer o pedagógico. Eu falava: “eu não quero fazer o pedagógico, eu quero fazer arquitetura.” Certamente eu tinha um talento para isso, hoje eu não sei, mas naquela época era uma vontade. Mas tinha também a necessidade: a necessidade era ser professora, porque era o mais lógico. E eu acabei indo fazer o pedagógico, que era equivalente ao Segundo Grau. Eu me separei de todo mundo e fui fazer o pedagógico numa outra escola, que eu esqueci o nome agora. Dei graças a Deus porque essa escola era colada com a casa de uma amiga minha que tinha todos os bens de consumo na parte literária. Eu comecei a ler Freud ali, porque na casa dela tinha tudo. Comecei a ler Manoel Bandeira, literatura, história, tudo na casa dela. O ambiente era outro, todo mundo lia, tinha livros à vontade e aquilo me ajudou muito a expandir minha cabeça. CONCURSO PÚBLICO Antes de eu terminar o ginásio, teve um programa que entrou no município através da Secretaria Municipal da Educação – eu não tinha nem 17 anos. Com 17 anos eu passei no concurso do Município e do Estado, primeiro o do Estado, para professor. Eu não estou fazendo as contas direito, mas eu sei que aos 17 anos eu fiz o concurso e já tinha terminado o Pedagógico. Com 18, eu estava dentro da universidade, fazendo o curso de Geografia. Então, como eu passei no concurso, fui para o Instituto Kennedy, que era o instituto de formação de professores, ocupar uma vaga que ninguém queria, que era dar aula para crianças com dificuldades mentais, com distúrbios emocionais. PRIMEIRA VIAGEM AO RIO DE JANEIRO E, assim, tive o primeiro contato com o Rio de Janeiro, porque eles me mandaram para cá, para a APAE da Tijuca, para fazer um curso e poder dar aula lá. Pronto, o contato com o Rio de Janeiro se abriu. Cheguei aqui, fiquei impressionadíssima com a cidade. O curso foi ótimo, mas fiquei achando que eu estava em outro planeta. Comecei a olhar Natal, de longe, e a perceber uma porção de coisas. OLIGARQUIAS DE NATAL O que acontecia politicamente na minha cidade, naquela época da minha infância? Tinha duas famílias. Ou você era “dinartista” ou você era “aluisista”. Ou seja, ou você era ligado ao senador Dinarte Maris, ou você era ligado ao governador Aloísio Alves. Eram duas famílias. Ou você tinha uma bandeira vermelha na porta, dizendo que você estava ligado politicamente a Dinarte Maris; ou você tinha uma bandeira verde, que significava que você era ligado a Aloísio Alves. Era declarado na porta. Todo mundo usava bandeira, galho verde, tudo que era vermelho ou tudo que era verde. Era assim o tempo todo e na época de eleição se acirrava. Eu me lembro que, desde o Grupo Escolar até o pedagógico, nós íamos buscar material para a escola – livro, caderno, borracha, pasta – na Lagoa Manoel Felipe, que era um espaço de lazer, onde muita gente ia buscar esse material que Aloísio Alves dava para as crianças pobres de natal. Eu me lembro que eu enfrentei várias filas, com minha mãe, para pegar aquele material e para poder estudar. Então, minha mãe tinha uma afeição danada por Aloísio Alves. Era aloisista. Mas, eu não entendia direito o que era aquilo: Aloísio, Dinarte. Eu cresci nessa história. Hoje, mudou, não é mais assim. O contexto político era isso, eram as oligarquias. Era a remanescência das oligarquias referendadas ali por dois expoentes, dois homens políticos: Aloísio Alves, que ainda é vivo, e Dinarte Maris. Então eu pensava sobre a minha formação política dentro do contexto político da cidade. Como que eu dava aula de alfabetização para adultos com a metodologia de Paulo Freire, estando inserida nesse contexto político, onde a população se organizava? As campanhas eram verdadeiras festas, uma coisa absolutamente forte lá em Natal. E isso não era só nos bairros pobres não. Era em todos os bairros, em todas as classes sociais. O movimento era grande. Vinham aqueles trio-elétricos, que não se chamavam trio-elétricos na época, falando: “lá vem as alas moças de Aloísio Alves” Que eram as meninas todas vestidas de verde, cantando num carro, num caminhão, com as bandeiras. E as outras: “lá vem as alas moças de Dinarte Maris” Era muito engraçado. VINDA PARA O RIO DE JANEIRO Então, com a vinda para o Rio, a minha cabeça muda. Aos 17 anos, eu comecei a olhar para Natal [de outra forma]. Eu vou dizer qual foi o meu sentimento quando eu cheguei no Rio: eu me senti tão livre Era um sentimento de liberdade. Era uma cidade grande, mas eu, no meio de uma multidão, me sentia livre. Eu nasci na praia, em Petrópolis, lá em Natal, colada na Praia dos Artistas – hoje é chamada assim, antes era Praia do Meio. E quem nasce no litoral, olhando para o mar, acho que tem sua visão muito ampliada, porque olha para a imensidão, para o infinito. Mas, mesmo assim, eu hoje percebo que o modelo social não possibilitava liberdade de pensamento. Se eu for olhar toda a história, minuciosamente, eu percebo isso. E, mais na frente, eu comprovo que era isso mesmo. Quando eu chego no Rio de Janeiro, sendo anônima, no meio da multidão, e com toda a autonomia para ir e vir que eu sentia, aquilo mudou. Eu comecei a olhar o Rio Grande do Norte de outra forma. Voltei para lá, dei aula durante dois anos às crianças com dificuldades e com distúrbios emocionais e depois pedi transferência para outra escola, porque era longe, porque não combinava com a faculdade que eu estava fazendo. Enfim, problemas mesmo estruturais, com a outra escola que eu assumi com o Município. ENSINO SUPERIOR Eu primeiro fiz licenciatura em Geografia. No meio da licenciatura, teve uma prova para quem queria entrar na licenciatura plena para História, e eu ingressei ali, dentro da universidade já, para o curso de História em licenciatura plena. Aí, vem esse período da universidade em que eu começo a freqüentar os ambientes em que se discutiam as coisas, a sociedade. Eu já tinha participado do movimento secundarista lá atrás, já tinha me juntado às pessoas que eram inquietas, já mocinha, com 15, 16 anos. E depois de moça feita, também fui fazer parte do cineclube da cidade, freqüentar esses ambientes, encontrei com meus pares e na universidade eles ficam muito mais claros. Depois vem o DCE, o movimento estudantil, os meninos que eram de esquerda. Mas eu não tinha tanta consciência daquilo, do que eram os partidos políticos, o PC do B. Hoje, eu sei. PERCEPÇÃO DA REALIDADE NA EDUCAÇÃO Em 1964, eu percebi a ditadura daquele jeito mais simples possível. Como eu dava aula de alfabetização para os meus alunos, eu já ia percebendo a sociedade, porque a aula era dada a partir da realidade – não tinha como não entrar no contexto. E nesses cursos, que eram dados para o que se chama hoje de “educação continuada”, eu era destacada de todos os demais professores, eles me colocaram até o apelido de pimentinha, porque eu questionava tudo. Eu era o diferencial de uma turma de 200 professores, eu estava lá presente, questionando tudo. E eles usavam aquilo porque sentiam que eu tinha possibilidade de avançar naquela idéia, que eu não sabia exatamente qual era a idéia, mas eu sabia que era por ali. Então, eu fui uma alfabetizadora respeitada, uma profissional respeitada. Só começo a ser desrespeitada quando eu entro no sistema, quando saio do Instituto Kennedy e vou dar aula no Alberto Torres, na escola onde inclusive eu tinha estudado em 1964. Aí, a direção começa a se inquietar porque dizem que eu não estou dando aula: “você está brincando em sala de aula.” Sabe por quê? Porque eu sempre utilizei a arte e a cultura para dar as minhas aulas. Então, eu dava aula diferente de todo mundo e eles achavam que eu não estava fazendo uma educação de qualidade. Isso não fica só lá atrás não, fica até pouco tempo também. E ainda está, porque a mentalidade é essa: educação de qualidade é uma educação fechada, onde a cultura do nosso povo não interage, não entra, não está nos conteúdos programáticos do sistema educacional de uma escola. Enfim, tem uma coisa de ser marginal dentro do sistema. Isso também me inquieta muito porque eu estava na faculdade, dentro da sala de aula, sendo desconsiderada pelos diretores, porque eu não era “uma profissional que estou dando aula correto”, porque eu tinha que seguir aquele sistema, porque eu tinha que ter aquele modelo, porque eu questionava o livro didático. Porque eu pedi também outro material para os meninos – eu criava textos em vez de usar o didático, eu usava o livro muito pouco. Porque o livro tinha o quê? “Ivo vê a uva, Ivo come a uva”, essas coisas assim, bem absurdas. Então um menino de Natal, que é um menino do litoral, de classe social baixa, diferenciada, com dificuldades enormes econômicas, vem para a sala de aula e vê um livro lá do Rio Grande do Sul, lá de Minas Gerais, com outro contexto. É claro que isso enriqueceria, mas se ele conhecesse pelo menos a realidade dele. E ele não conhecia a realidade dele porque essa realidade não era discutida em sala de aula, era negada. O sistema, ou seja, a direção dessa escola, os coordenadores “batiam” em mim [no sentido figurado], me questionavam porque eu dava aula de outra forma. Eu fazia teatro, eu fazia mamulengo, eu fazia boi de reis. Eu trazia essa riqueza de fora para dentro da sala de aula, a cultura lá de Natal, do Rio Grande do Norte. Nessa fase da Escola Alberto Torres, eu já estava na faculdade. E, na faculdade, os amigos do diretório já começam a ler Movimento, a circular com a Revista Movimento lá em Natal, e dentro da universidade, a participar das festas, a entrar no cineclube. LAZER Eu gostava de praia, de encontrar os amigos, de conversar sobre a vida na praia. Gostava de ir ao cinema, porque aí já tinha o cineclube. Eu era atuante, estava sempre discutindo aqueles filmes, que nem eram somente os filmes brasileiros, Cinema Novo, Glauber Rocha, eram também filmes franceses, cinema de arte. CINECLUBE Os fundadores do cineclube eram o Giovani e outros – François, que hoje dirige a Fundação José Augusto, na Secretaria de Cultura lá de Natal; Juliano Siqueira, que é deputado, foi vereador agora há pouco tempo pelo Pc do B; o pessoal do PCB. Essas pessoas eram da faculdade, eu tinha conhecido um grupo na Faculdade. Tinha o Mirabeau – agora veio uma porção de nomes na cabeça –, o Chico Miséria. Mirabeau foi presidente do Sindicato do Rio de Janeiro. Todo mundo veio embora. Ninguém ficou em Natal e era óbvio o porquê. Hoje, está todo mundo voltando. Acho que depois que passamos dos 40, temos uma tendência a voltar para a terra. Mirabeau voltou também. CONTESTAÇÃO DO SISTEMA Mas o que nós fazíamos? Nós éramos uma sociedade alternativa, na verdade. Nós combatíamos a sociedade, discutíamos sobre ela, éramos irreverentes e estávamos no movimento à margem da sociedade, criticando a sociedade. Então, evidentemente, que tinha épocas em que os meus amigos, os mais inquietos, sumiam. REPRESSÃO DA DITADURA Um dia, saindo da faculdade, fui subindo a ladeira da minha rua e, quando chego em casa, tudo meu estava revirado. Tudo. Tinha um homem lá da Secretaria de Segurança. Esse homem está no meu imaginário até hoje. É uma coisa que me incomoda muito falar porque eu... ah, eu não gosto de falar disso. Foi muito ruim essa parte, entendeu? Minha mãe pensava que me salvava e ele foi atrás da minha mãe, para poder chegar até a mim, para poder saber dos meus amigos da universidade, dessa turma, do que a gente fazia. Depois eu entendi, ele queria que eu falasse dos meus amigos. Imagina Um absurdo, primeiro, porque eu não me sentia infringindo nada no Brasil, fazendo alguma coisa errada para o Brasil. Eu questionava, como os meus amigos questionavam, aquele modelo que não possibilitava o crescimento das pessoas. E era através da arte, através da cultura, do cineclube, das discussões políticas, das festas, dos forrós em que a gente ia. Organizávamos aquele grupo para discutir o Brasil, tinha aqueles painéis do muro da arte que era feito na Praia do Meio, onde todos os artistas colocavam as suas obras, dos movimentos de mulheres que a gente já organizava naquela época – está vindo tudo, agora que bateu a emoção – e se discutia porque a mulher tinha que ser oprimida. Eu estava nesse movimento, nesse grupo das pessoas dessa época, de jovens de 18 a 25, 30 anos, que estava discutindo a sociedade em que a gente vivia. E era uma sociedade alternativa. Também vinham os grupos que moravam juntos e tal. Então, era esse o período. Eu, nessa época, estava morava com minha mãe e ela achava que ela estava me salvando. Eu morava com minha mãe, minha irmã e minha avó. E ela achava que me salvava porque o homem [da Secretaria de Segurança] deve ter feito miséria com a minha mãe, para eu chegar em casa e estar tudo meu devastado, tudo meu mexido. E ele disse: “se você não responder aqui, você vai comigo Você precisa me dizer.” Eram coisas que eu não podia dizer, porque eu não sabia nem o que dizer e nem iria dizer, nem ia delatar os meus amigos, de jeito nenhum Mas aquilo me mutilou. Para mim, foi a maior violência que eu sofri. Primeiro, porque eu fiquei com medo, porque o homem era enorme. Segundo, porque ele impôs mesmo todo o poder que ele tinha. E ele disse que muita gente já tinha desaparecido. Ele me coagiu. Parece um fantasma na minha vida. Eu tenho que tirar esse fantasma de dentro de mim. Porque ele ainda vem forte dentro da minha memória. Eu tive que pagar um preço muito grande. Minha mãe disse: “você só tem dois caminhos, ou você se afasta dos seus amigos, ou você vai sumir do mapa, porque esse povo tira do mapa” Eu disse: “mas minha mãe, você sabe o que está acontecendo?” Eu nunca conversei sobre isso com a minha mãe, depois do que aconteceu, porque eu não tive coragem. Eu acho que ela tentou me salvar e não conseguiu. Ela tinha medo. Detalhe: não se podia usar nada vermelho. Olha que coisa ridícula Mas nem adiantou, porque ele – o sistema – fez isso comigo, mas eu me segurei, não passei informações, não era do meu feitio, da minha conduta fazer isso, de jeito nenhum. E eu não tinha informações, eu nem sabia exatamente. Eu freqüentava os grupos, eu discutia, mas não tinha nada que nós estivéssemos tramando contra, ameaçando. Não, nós éramos inquietos e questionadores e nos juntávamos para discutir e fazer essas coisas todas que eu disse aqui. VOLTA AO RIO DE JANEIRO Bom, passando isso, que ficou muito forte em mim, quando eu terminei o curso de história, eu falei: “não dá Eu vou embora, eu vou para o Rio de Janeiro.” Nisso, os meus amigos já tinham vindo embora, o Juliano Siqueira já tinha vindo embora, a Katy já estava em São Paulo, Afonso nunca mais voltou para o Rio Grande do Norte. Esse Afonso, músico brilhante, inteligente demais, também saiu, ele tinha informações demais, era um intelectual e um músico muito bom lá do Rio Grande do Norte, que faz falta. Também tinha Lola, o irmão, era uma família musical, mas com muito conhecimento daquilo que faziam. Eles não voltaram mais. Esses meus amigos estão fora até hoje, porque foi nessa época: “se correr o bicho pega e se ficar o bicho come”, e não tinha como juntar cada um, era: “salve-se quem puder.” Então, eu também entrei nesse desassossego e acabei saindo de Natal, vim fazer o mestrado no IFCS – Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, no Rio de Janeiro, que também não foi mole. MESTRADO EM HISTÓRIA Então, vim fazer o Mestrado em História, que também não foi mole. Porque, chegando aqui no Rio, eu encontrei ainda uma direção complicada, o Manoel Maurício – todo mundo que faz História sabe – tinha acabado de passar por aqueles problemas todos. Aliás, ele era uma memória lá dentro do IFCS e a direção ainda era aquela antiga. Então, imagine o que eu encontro? Um grupo de profissionais que estavam também muito inquietos – porque o IFCS sempre foi um barril de idéias interessantes aqui no Rio de Janeiro e é até uma referência para o Brasil. Então, não adiantou correr muito. Mas eu tinha muitos pares aqui, um pessoal mais solto, mas podendo expor as idéias aqui. FUGA DE NATAL Eu vim para o Rio de Janeiro pensando em fugir de Natal, daquela opressão toda, porque eu me sentia oprimida dentro do sistema educacional. Eu não era nem dinartista nem aloisista, nem nada, eu era filha de uma mulher muito humilde que educou duas filhas e que disse: “tem que fazer o pedagógico para ser professora porque esse é o caminho”. Então eu não tinha muita opção. E eu, inquieta como estava, não ia ter mesmo. E depois desse histórico todo que eu te falei, eu só tinha uma saída: vir pra cá. Eu queria fugir. E o Mestrado era um caminho para essa fuga. Eu poderia pensar em outra coisa, mas eu tinha um interesse já pela história, já estava vivendo isso e gostava. Juntei a fome com a vontade de comer. Chegando aqui, fui aprovada nessa seleção que, aliás, eu critiquei muito porque achei obsoleta a forma da Universidade ingressar os seus alunos. Tinha que fazer prova oral, prova escrita, era tanta prova E eu nunca tinha lido Foucault, nunca tinha lido Lévi-Strauss lá na Faculdade. Eu fiquei foi muito aperreada com isso. RESIDÊNCIA UNIVERSITÁRIA FEMININA Mas passei. E olhe como é engraçado: quando chego aqui, lá vou eu procurar lugar para morar. E olhe onde vou cair: na Residência Universitária Feminina na Urca. Chego lá, a casa, que foi cedida por Pascoal Carlos Magno para estudantes, estava ameaçada. Aí, pronto, lá vou eu novamente A gente teve que se organizar, chamar os partidos políticos de esquerda para ajudar, para a gente não sair de lá. Então, quer dizer, se correr o bicho pega, se ficar o bicho come. Só que tinha uma diferença, aqui a gente ia à luta: “vamos acampar na Cinelândia. Vamos trazer todos os partidos, vamos fazer matéria no Jornal do Brasil.” Criamos várias comissões e a gente conseguiu segurar a casa, a Residência Universitária Feminina na Urca, com a mobilização política para que nós ficássemos lá. E conseguimos. Essa ação era articulada ao CEU, que era outra casa grande de estudantes na Avenida Rui Barbosa. Era articulada também à Casa de Estudantes do Brasil, em São Paulo – quer dizer, a gente tinha uma rede. Só que a gente não sabia que era rede. Mas todos nós estávamos articulados no campo das idéias e não tínhamos tanta clareza disso. E lá nessa casa, adivinhe onde eu fui parar? Fui coordenar a parte de cultura da casa. Então, era sempre esse o caminho: cultura e educação. Tinha estudantes de vários outros estados na casa. Da Bahia, de Sergipe, de São Paulo – de toda parte do Brasil havia alunos fazendo faculdade. BOLSA DE ESTUDOS - CAPES Eu tinha bolsa de mestrado. Quando eu terminei a faculdade, solicitei ao pró-reitor, Doutor Lauro Bezerra, que ainda está lá e hoje faz política partidária. Eu falei da necessidade que eu tinha, que eu precisava de uma bolsa. Então, vim com a licença dos meus salários – eles tiveram que me dar porque era um direito que eu tinha – e uma bolsa da Capes, que me ajudou a ficar aqui e estudar com tranqüilidade. Aí, já estava mais leve e eu fui entendendo o Rio de Janeiro, fui me apaixonando mais ainda pela cidade e, aí, casei. CASAMENTO Que parte difícil. Porque o meu casamento não deu certo. Foi tudo um fracasso Eu cheguei aqui com 19 ou 20 anos. No segundo ano de Mestrado, eu conheço o pai da minha filha. Ele é mineiro de Juiz de Fora. Não estava fazendo mestrado comigo, não tem nada a ver, ele não é da minha área. Ele trabalha na área de vendas, nada a ver nesse sentido. Eu estava aqui e ele era uma pessoa encantadora. Evidentemente, isso acaba dando em casamento. Eu nem sei como casei, na verdade. Sinceramente, até hoje, eu não sei como eu fiz isso. Porque, na verdade, a minha vocação não é para esse modelo de casamento, não era. Não era isso que eu queria, eu nem pensava. Mas às vezes a vida surpreende a gente, vem o sentimento e a gente até casa. E eu casei. Casei e, quando terminou o Mestrado, voltei para Natal. Ele foi comigo, mas aí eu já estava querendo que ele não fosse. Quanto tempo eu fiquei casada? Virgem Eu fiquei muito tempo: nove anos. Eu disse: “olhe, é melhor você ficar por aqui.” Mas ele disse: “não posso, eu não vou deixar você” e foi. Para ele foi um fracasso em Natal porque, profissionalmente, na área dele, não dava certo. E chegando lá também, eu com essa experiência do Mestrado, fui novamente para o embate. COORDENADORIA DE ATIVIDADES CULTURAIS – NATAL Fui à Secretaria de Educação, em Natal, e eles me colocaram na Coordenadoria de Atividades Culturais. Nessa época não havia Secretaria de Cultura, era Coordenadoria ligada a Educação e Cultura. O secretário, que me conhecia e me achava uma moça muito esforçada, disse: “tem o Projeto Pixinguinha que chegou. Eu acho que você poderia fazer isso.” Eu digo: “eu quero. Porque eu não estou fazendo nada aqui.” Eu, com Mestrado, com uma experiência enorme, querendo colaborar, querendo contribuir, mas não tinha espaço. Era uma estrutura meio complicada. E acabei coordenando o Projeto Pixinguinha, que foi uma experiência ótima. Eu já estava grávida da minha filha Janaína. Nesse projeto, tive a felicidade de fazer o trabalho com Braguinha – eu adorei, ele é a pura expressão da música brasileira –, Nara Leão, João do Vale, Elza Soares, Canhoto da Paraíba, Miúcha, um elenco bom mesmo, gente que fazia música brasileira e que ainda faz. Outros já foram para outra vida, como Nara e João do Vale. Então, foi muito interessante esse período que eu fiquei na Coordenadoria de Atividades Culturais, fazendo alguns eventos. Mas eu estava inquieta e disse para o meu companheiro [marido]: “você não está feliz aqui e eu também não estou, porque eu não consigo passar o sistema”. Eu não conseguia avançar muito. Era aquela mesma coisa que eu sentia, porque eu era muito diferente. Eu me sentia oprimida, sem liberdade de fazer aquilo que eu pensava. E mais inquieta porque o que eu aprendi eu não aplicava. Aí, disse: “vamos embora para o Rio de Janeiro?” Então, o que eu fiz? Teve um concurso literário. Eu disse: “eu vou me inscrever, para o Prefeito me conhecer. Eu vou passar nesse concurso, viu?” E fiz isso e, realmente, ganhei o concurso. No dia seguinte fui receber. CONCURSO LITERÁRIO Quem promovia o concurso era a Prefeitura de Natal. Eu não conhecia ninguém, eu trabalhava na Coordenadoria de Atividades Culturais e não tinha ligação política com nada. Eu estava lá, fazendo absolutamente nada que pudesse contribuir para a cidade de Natal, para uma política de cultura e de educação. Aí, fiz esse concurso, passei, marquei audiência com o Prefeito, porque foi ele quem entregou o prêmio na solenidade, para mim e para outros vencedores. Ele me conheceu ali. No dia seguinte eu estava marcando a conversa e disse: “Prefeito, eu preciso voltar para o Rio de Janeiro, porque o meu marido é de lá, veio para cá comigo, eu tenho uma filha, não dá para ficar aqui, eu quero ser cedida”. Ele respondeu: “mas você não pode ser cedida, eu não posso fazer isso.” Eu digo: “mas Prefeito, tente.” “Eu não posso.” E eu ganhei ele pela pressão, porque eu fiquei o tempo todo insistindo e ele disse: “está bom.” Eu não saí da sala enquanto ele não disse sim. E ele disse: “está bom. Eu vou fazer a sua solicitação e você vê quem lhe paga lá, porque a gente não pode pagar.” Eu disse: “está certo.” NOVA MUDANÇA PARA O RIO Eu não conhecia ninguém aqui [no Rio de Janeiro]. Cheguei no governo Brizola. Maria Yeda Linhares estava assumindo aqui a Secretaria de Educação no Município. Ela tinha sido professora do IFCS, não minha, mas eu a tinha visto por lá. Disse: “vou marcar com a professora Yeda”. Falei: “professora Yeda, a situação é essa, a minha família vai se desagregar, porque o meu marido não está bem lá, eu queria vir para cá e queria trabalhar aqui na Secretaria. A minha experiência é essa, eu trabalho desde os 12 anos de idade, comecei com a metodologia do Paulo Freire lá no Rio Grande do Norte”. PALCO SOBRE RODAS Então eu consegui uma vaga para trabalhar na Coordenadoria de Atividades Culturais, naquilo que eu já tinha ouvido falar, que era o “Palco sobre Rodas”, um projeto que tinha na Coordenadoria. Fui para o Palco sobre Rodas sem conhecer ninguém, naquela adaptação e tal, e deu certo. A coordenadora disse que o “Palco” ia ser na Comunidade da Maré e eu nunca tinha ido na Maré. Já tinha passado, mas entrado mesmo, não. E eu fui para a Maré sem carro, sem estrutura, sem nada. Comecei a levantar as benzedeiras, o povo todinho do Nordeste que morava lá. Fui na Universidade Federal do Rio de Janeiro, procurei o pessoal que trabalha com medicina alternativa, porque eu vi que tinha um número muito grande de pessoas que trabalhavam com raízes e com essas ervas medicinais e fizemos um contato com a Universidade. Na verdade, eu estou dizendo “eu”, porque foi como um teste para eu entrar. Disseram: “olha, tem a Comunidade da Maré, você vai dar conta? Será que você sabe mesmo?” Eu não sabia, mas eu queria ficar, então eu fui. Eu achava que eu não sabia, mas, na verdade, eu até sabia. E fui levantando todo o potencial do Complexo da Maré, todo mundo. Isso foi no primeiro governo Brizola. É o que marca, porque a efusividade era grande no Rio nesse período. Eu lembro disso. Aí, levanto o Palco sobre Rodas. Ali eu já senti que a ação da comunidade estava muito articulada com o que o palco levava. Nesse momento, o que chamou a atenção deles foi que eu descobri também os transformistas, que era aquele pessoal que cantava Maria Bethânia, os meninos que se vestiam de Maria Bethânia para ir cantar no palco, porque nunca foram chamados para se apresentar. No Palco sobre Rodas tinha apresentação das pessoas da Comunidade da Maré com os artistas já consagrados da mídia. Essa mistura era interessante porque era o novo e o que já estava na mídia – era o potencial cultural da comunidade com o potencial que já estava organizado, que já estava articulado na sociedade. Nós tínhamos, por exemplo, Carlinhos de Jesus e a Academia de Maria Antonieta – que ainda não estavam na mídia – que faziam o “Palco sobre Rodas”. Carlinhos fechava o show do dia, à noite. A gente tinha o dia inteiro de palco e uma semana articulando a ação. Eu dizia: “gente, o palco vai acontecer, mas como que a gente pode fazer um palco levando só o som, sem articular, só fazendo aquela reunião pró-forma com a Associação dos Moradores?” A gente precisava mexer nas comunidades. Eu acho que a minha participação nisso tudo foi a de contribuir nesse sentido, de começar a articular a comunidade, os valores culturais da comunidade – nessa época, eu nem tinha tanta consciência da importância disso, como hoje eu tenho. Mas eu sabia que era esse o caminho. E fui fazendo. E o pessoal da equipe foi vendo que era esse o caminho mesmo e foram abrindo para que essa ação fosse crescendo. PATROCÍNIO Na época quem patrocinava o Palco sobre Rodas era o antigo Banerj e Beth Lamosa. Ela ficou muito encantada com a forma de trabalho e foi abrindo espaço, porque ela percebeu que era esse o caminho e foi dando força para que isso acontecesse. Foi bacana. Isso pode parecer uma bobagem agora, mas é o início do entendimento de que não se pode haver um trabalho de cultura no Brasil se a gente não fizer essa pesquisa da área e articular isso a qualquer ação, seja educacional ou de produção cultural. Na história da produção cultural no Brasil, se a gente for analisar, a gente vê que tudo o que o artista quer é ter o reconhecimento. E ele não tem por quê? Porque isso não é trabalhado dentro do espaço social que ele vive. Então, nesse período, aqui no Rio de Janeiro, nós iniciamos isso, de fazer essa costura do saber comunitário com o saber que já estava estruturado e reconhecido na sociedade. RECONHECIMENTO DO ARTISTA Por exemplo, um show de Beth Carvalho. Beth Carvalho já era reconhecida como uma grande artista brasileira, maravilhosa. Mas tinha Zeca do Trombone, que morava em Padre Miguel e que não tinha esse reconhecimento. Através desse projeto, ele participava. Outra coisa que a gente discutia era por que Dona Ivone Lara podia ter cachê e por que Zeca, que não era reconhecido, não tinha. Não era uma janela aberta para os novos? Então, nós começamos a discutir que não poderia ser assim, que nós precisávamos pagar um cachê, era a valorização do artista, da arte, do que ele representava ali, do simbólico todo, porque tinha um significado enorme para todo o desenvolvimento dessa sociedade. FILHA A minha filha já tinha nascido [quando eu vim para o Rio], ela veio comigo também. Nasceu em Natal. Eu estava grávida durante o Projeto Pixinguinha, com um barrigão. Ela se chama Janaína. Eu quero fazer aqui um aparte, falar que eu tenho muito orgulho de dizer que esse nome foi sugestão do historiador Câmara Cascudo, porque eu fazia uma pesquisa com ele também em Natal. Como eu estava sem fazer nada, eu disse: “não posso ficar aqui. Vou ver Câmara Cascudo. Vou me sentar com ele e aprender um bocado de coisa.” Eu ia para casa dele e lá eu sentava. Eu tenho fotografias e tudo de Cascudo, eu com um barrigão e ele ao meu lado, sentado numa cadeira, me orientando em tudo o que eu precisava para aprender sobre a cultura brasileira e, sobretudo, a potiguar, do Rio Grande do Norte. Ele disse: “é menina ou menino?” Eu disse: “vai ser uma menina”. Ele: “mas que nome?” Eu disse: “olha, eu estou pensando se é Débora, se é Janaína...” E ele: “Janaína, Janaína Olhe, se você quiser, se você me permitir, eu posso ser padrinho honorário”. Acho que era honorário, porque não era de fato da Igreja. Não sei por que ele disse isso, mas ele me disse. E eu disse: “mas eu aceito isso, eu aceito”. Ele: “porque Janaína é a cura pela água. É tudo de bom Esse nome é um nome tão brasileiro Pense em colocar Janaína”. “Olhe, professor, sem dúvida, o nome vai ser Janaína, eu já aqui agradeço essa intenção de ser padrinho, de batizar a minha filha, seja de qualquer forma, da forma que for será bem-vinda. É uma honra para mim pelo o que o Senhor é, pelo que Senhor faz estudando a nossa cultura.” Eu até chorei nesse dia, porque eu não esperava essa história, esse carinho dele ali naquele momento em que a gente estava discutindo os encaminhamentos de uma pesquisa sobre a cultura brasileira. Isso é só um aparte do meu encontro com Cascudo. SECRETARIA DE CULTURA – RIO DE JANEIRO Então, quando vim para o Rio, eu estava na Secretaria Municipal de Educação. Depois, cria-se a Secretaria de Cultura no Brasil. Foi o momento em que, profissionalmente, eu avancei mais no campo das idéias, daquilo que eu acreditava que era preciso fazer no Brasil, porque encontrei os pares. Encontrei o Amir Haddad, encontrei a Maria Helena Cruz, encontrei os anônimos, que não estavam à frente de políticas, mas que ajudaram a construir políticas culturais aqui no Rio de Janeiro, na Cidade e no Estado. Participei também do Programa Especial de Educação. PROGRAMA DE ANIMAÇÃO CULTURAL – RIO DE JANEIRO Teve um período em que eu coordenei um Programa que foi idealizado pelo antropólogo Darcy Ribeiro: Programa de Animação Cultural de Itaperuna a Angra dos Reis. Isso me deu uma vivência muito grande e uma certeza de que é esse o caminho mesmo. O Programa de Animação Cultural era um programa em que o contexto sócio-cultural deveria ser inserido nos conteúdos programáticos das escolas de primeiro e segundo grau do Estado do Rio de Janeiro, de qualquer sistema educacional. Porque o menino que vai para a escola e mora na Avenida Brasil, por exemplo, leva uma mochila com vários livros didáticos. Mas o conteúdo da vida dele não está dentro daqueles livros. O Programa de Animação Cultural nada mais é do que inserir no aprendizado a vida desse menino, a cultura dessa Avenida Brasil, por exemplo, a história da Avenida Brasil – porquê, como foi fundada, como foi criada, quem vive, quem transita, o que se faz na Avenida Brasil, no entorno da Avenida Brasil. Isso era discutido dentro da sala de sula. E toda produção cultural que estava na Avenida Brasil era levada para a escola. E toda produção que os meninos faziam em relação à Avenida Brasil, era levada para a Avenida Brasil. Não tinha uma separação de escola e comunidade. A escola é a comunidade, ela está integrada. Dentro do sistema educacional, vai se pensando que cultura é a maneira de viver, de pensar de um povo. Cultura não é somente o produto cultural que a escola tradicional tende a vender, que é teatro, música, danças e artes plásticas. Não. Cultura é a forma de viver de uma população, de um povo, seja da forma que for essa expressão. Então, o Programa de Animação Cultural tinha exatamente como meta integrar esse conteúdo, quer dizer, a forma de viver da população dentro do conteúdo, do projeto político-pedagógico da escola. Esse foi um grande desafio criado por Darcy Ribeiro e acho que ainda é um desafio para o Brasil. Porque não dá mais para o Sistema Educacional ignorar a cultura do povo. Não dá mais para a educação ficar de um lado e a cultura de outro. Isso é uma esquizofrenia. É preciso juntar isso para que haja cidadania. Um povo que não se reconhece é um povo sem identidade. E a diversidade cultural do Brasil é muito rica para transformar tudo num país desenvolvido, num país próspero pela riqueza desse povo. Esse programa começou com o PDT implantando aqui, com Leonel Brizola. O programa só foi reprimido, só deixou de acontecer, se a memória não me falha, no governo Moreira Franco, porque me parece que todos os CIEPs e todas as escolas não trabalhavam mais nesse sentido. Antes, o programa era feito em todas as cidades, de Itaperuna a Angra dos Reis, em todos os municípios do Rio de Janeiro. Nós trabalhávamos com 1600 animadores culturais, que eram contratados, eram artistas, com produtores culturais contratados, com a consciência política do que é fazer um projeto educacional. Eles eram fomentadores de cultura dentro da escola. Eles faziam essa ponte escola/comunidade. É nisso que eu acho que o sistema educacional precisa avançar, nessa direção. Não pode haver educação sem a cultura do povo brasileiro inserida nela. CONTATO COM AMIR HADDAD E foi aí que eu tive o encontro com Amir Haddad, que é um homem de teatro, mas que eu digo que é um humanista, porque é um homem de pensamento largo sobre o ser humano. Ele nos ajudou em vários momentos. Eu diria que em 80 por cento dos momentos em que nós estivemos fazendo política cultural aqui no Rio de Janeiro, fazendo política educacional, o Amir esteve presente discutindo esse ir e vir da população, a forma e expressão do nosso povo carioca, esse mosaico cultural lindo que o Rio de Janeiro tem, que congrega todas as etnias, povos de vários países e de riqueza enorme. Eu acho que esse encontro com Amir expandiu muito o meu pensamento sobre o Brasil. Ele me ajudou a entender o Brasil. O Amir Haddad tem importância fundamental na minha vida. Ele também utilizava o teatro como veículo. Mas o Amir, durante esse período em que eu trabalhei aqui no Rio de Janeiro, esteve à frente da criação da Secretaria de Cultura, que Antonio Pedro dirigia. O Amir estava como Sub-Secretário e – eu acho que isso é histórico – nós fizemos uma discussão e uma ação política com os funcionários da Secretaria de Cultura, com o tema: como pensar cultura e como implementar uma linha de ação política com os fazedores de cultura do Rio de Janeiro, os produtores. Nós íamos para cada bairro, para cada lugar desses discutir o que era cultura, discutir como que eles pensavam fazer cultura, o que eles tinham de produto cultural, organizado ou não. Isso foi com o Amir dentro da Secretaria de Cultura, das secretarias de um modo geral, porque mais adiante, na Animação Cultural, o Amir teve um papel fundamental. ESTRUTURA DO PROJETO Nós tínhamos os coordenadores de área. Por exemplo: na região serrana tinha dois coordenadores de cultura e eles coordenavam os animadores de cultura de lá, que eram 250. Então, vinham os representantes, que eram os coordenadores, para cá para o Centro Administrativo, onde funcionava a Secretaria do Estado de Educação – parece que é assim o nome – na manhã de sexta-feira. Eles vinham de várias partes do Rio de Janeiro e nós discutíamos a questão administrativa: como estavam os números, o material para implementação da ação. Discutíamos na parte da manhã toda a infra-estrutura do projeto. Na parte da tarde, era uma reunião política mesmo. Então, o papel do Amir não era o teatro de rua, fazer ações dentro de teatro de rua e dentro da escola, não. Era pensar politicamente uma ação educacional que transformasse o Rio de Janeiro e essa parcela da população que não avança porque é oprimida, porque está na margem do poder econômico, porque é sub-utilizada. É isso aí, o Amir Haddad fez isso. E tem outros nomes também, como Maria Helena Cruz, que é uma educadora também concentrada naquilo que faz. Eu estou falando aqui de dois nomes, mas tem os anônimos, aqueles que estavam lá em Itaperuna, em Angra dos Reis etc. Sinceramente, dessas experiências todas, eu vou pegar [como as mais importantes] o programa de alfabetização que nós fizemos lá em Natal com a referência pedagógica do Paulo Freire, e vou pegar o Programa de Animação Cultural aqui mais na frente, com o Amir Haddad levantando, fazendo um trabalho político com esses coordenadores regionais, discutindo com profundidade o Brasil, o Rio de Janeiro, o contexto político e a ação pedagógica na escola e na comunidade. FESTA DO INTERIOR Nós fizemos a Festa do Interior como uma representação simbólica – mas de verdade – para mexer com as estruturas do governo. Olha só a ousadia Eles pensaram a cultura não como uma brincadeira, não como um entretenimento, mas como uma ferramenta de cidadania. Então nós fizemos essa Festa do Interior. Saímos rodando todas as cidades e levantando a produção cultural de cada cidade. Do “boi pintadinho” daqui, à “Festa do Divino”, das Quadrilhas da Baixada Fluminense, que são muito nordestinas, da forma de viver do povo de Friburgo que é totalmente européia. Em cada lugar desses, fomos levantando a produção daquela cidade. Então, a gente levantava a cultura sob o ponto de vista da agricultura até a produção, o produto cultural do teatro, da música. Levantávamos tudo. Fizemos isso em cada Município do Rio de Janeiro, depois fizemos as regionais, onde eles decidiam. Discutiam: “mas por que a cidade se chama Varre-e-Sai?” “Varre-e-Sai se chama assim porque as tropas passavam por ali, os cavalos...“ – quer dizer, era a história da cidade. “Por que Campos de Goytacazes se chama assim? Qual é a história? Como que você vai fazer um projeto educacional dentro do Campo de Goytacazes?” Qual é o sentido, se parte dos meninos das escolas públicas, que era o nosso objeto de trabalho, vinha dos filhos dos plantadores de cana-de-açúcar? Como é possível ignorar essa questão dos plantadores de cana-de-açúcar, do pai dele, da história da vida dele, e vou discutir outras questões se não primeiramente essa? Não é que não tenhamos a possibilidade, é para se discutir o mundo inteiro, porque, na verdade, tudo fica redondinho. A gente vem da África, vem da Península Ibérica, da Europa, está aqui o Índio, da América também agora. Enfim, Natal, por exemplo, tem uma passagem dos norte-americanos lá muito forte, com a Base, tem isso muito forte e que mexeu muito. EVENTO NA LAPA Isso é o Programa de Animação Cultural. Depois juntamos tudo e viemos para o Rio de Janeiro para os Arcos da Lapa. Uma outra figura também importante, que eu respeito muito, é Hermínio Belo de Carvalho. Hermínio chegou lá e, quando viu o evento, disse que era uma confusão enorme, boa, que os produtos agrícolas aqui, na feira, se juntavam aos cavalos, aos carros de boi de Minas Gerais, com a Escola de Samba, daqui do Rio de Janeiro, tudo junto. Isso tudo na Festa do Interior, uma produção que saiu sabe de onde? Das escolas públicas do Rio de Janeiro. Foi em parceria com as estruturas culturais, como Secretaria de Cultura, como Fundação RioArte ou outras secretarias afins. Mas de onde saiu? Das escolas. RETORNO A NATAL Fiquei 20 anos aqui no Rio. Retorno a Natal por questão pessoais, por causa da adolescência da minha Janaína. Eu tenho 32 anos de serviço público. Quero me aposentar e não tenho idade. Essa é uma tragédia, porque eu acho que a minha experiência dentro do governo já foi. O que eu quero fazer agora é isso que estamos fazendo: fazer parceria com o governo. É sair de dentro do Governo e fazer daqui para lá, e não de lá para cá. Porque a gente precisa mexer com essa estrutura governamental. Então voltei a Natal e apresentei o meu currículo. Eu tinha matrícula lá em Natal. Mas quando eu vim para cá [Rio], quem me pagava eram os governos do Rio. E quando entrava um governo da esquerda, eu mesma pegava as minhas coisas e ia para a escola, porque eles não iam me querer lá. Só me convidaram para dirigir, coordenar – a primeira função que eu tive aqui de direção foi na implementação, quando foi criada a Secretaria de Cultura, da ação comunitária da Secretaria de Cultura. Isso foi uma experiência. Eu disse: “eu nem sei fazer isso.” Mas topei e deu certo. Aprendi muito. Muito mesmo. Então, quando cheguei em Natal, eu me apresentei na Secretaria de origem, que era a de Educação. Lá, a secretária viu o meu currículo, a história toda daqui – eu sempre digo que Natal me deu a base e o Rio de Janeiro o compasso e aqui eu senti o reconhecimento, as afinidades, a liberdade de poder avançar mais politicamente e a entender o Rio Grande do Norte. Isso foi o melhor, porque eu, de fora, comecei a perceber como era lá dentro. E quando eu volto, volto com sentimento de cheiro de caju, de manga, de goiaba, de frutas de lá da época, de cajá e chego dizendo: “pronto. É agora. Agora, eu vou fazer tudo, porque eu estou pronta. Vou enfiar a cara aqui e vou fazer.” DEPARTAMENTO DE CULTURA – NATAL Apresento o meu currículo e a secretária de educação me convida para dirigir o Departamento de Cultura da Secretaria de Educação. Isso há pouco tempo, há seis anos atrás. Eu topo, de cara, é evidente que eu topo. Mas eu digo que foi o meu maior fracasso profissional, porque eu não conseguia avançar naquilo que eu achava que deveria ser uma política de cultura dentro da educação. A gente tem que conversar mais, ir para as bases e entender questões do tipo: como esse sistema educacional coloca o arte-educador, com apenas 50 minutos ali, uma vez por semana, com 50 alunos dentro de sala, para fazer o quê, como isso é trabalhado, a questão da história ser uma disciplina menos importante e também o poder político, a mentalidade que precisa avançar. Eu acho que nós professores – e numa secretaria, os técnicos são sempre mais professores – fomos educados para não pensar a cultura de uma forma antropológica, de uma forma ampla. E, se pensamos, também não conseguimos pôr em ação porque a estrutura do sistema educacional brasileiro já vem toda montada para as secretarias apenas incrementarem as ações, nas quais isso não está contemplado. Então, para você mexer nesse imaginário social e modificar é difícil. E isso não é uma vontade só minha, isso é processo, tempo e trabalho. Então, foi por isso que se deu o fracasso. BOI DE REIS Mas lá em Natal, eu reencontro uma figura importantíssima, que estava no meu imaginário enquanto criança, que eram as festas das quermesses que tinham na Igreja, nas quais havia o leilão e tinha sempre “Boi de Reis”. Eu não participava, eu via, porque o Boi de Reis se apresentava depois da Festa da Padroeira. E ainda tem algumas igrejas que chamam “Boi de Reis”. Agora mesmo, nessa igrejinha perto de casa – porque agora eu estou morando na casa em que nasci, só que ela está remodelada – está tendo a Festa da Padroeira, de Nossa Senhora de Lourdes. E no primeiro dia da festa, que eu já fui com o meu neto, estava lá o leilão, que eles mantiveram, e a apresentação do “Boi de Reis”, feita pelas crianças lá do bairro. Não tem o meu dedo aí não, um produtor de lá da área que fez. Mas o meu encontro, dentro desse fracasso todo, tem uma possibilidade ótima. Fui lembrando da minha infância e, lá no meu sentimento, tinha a figura do Mestre Manoel Marinheiro. MESTRE MANOEL MARINHEIRO O Mestre Manoel Marinheiro, que faz o Auto do Boi de Reis – tem vários Bois de Reis no Rio Grande do Norte – foi o mais procurado, o mais difundido e foi até citado por Câmara Cascudo em várias obras. Inclusive em vários documentários de Câmara Cascudo está lá o Manéu Marinheiro, como a gente chama, dando depoimento do Boi de Reis, gravado ali no Largo da Cruz da Cabocla, onde ele sempre morou, em Felipe Camarão. Então, ele morava lá em Felipe Camarão e nós fazíamos o trabalho nessa época, quando eu assumi a direção do Departamento de Cultura. Eu tinha que pensar as 60 escolas da rede e eu achava que era super fácil, porque se aqui no Rio eram mil e poucas, lá ia ser super fácil. Mas não foi. Mas aí encontro na comunidade de Felipe Camarão, colada à Escola Veríssimo de Melo, o Mestre Manoel Marinheiro com seu Boi de Reis, morando lá. Eu disse: “então vamos fazer uma oficina”. Falo com a Secretária, digo: “a gente tem que começar a fazer essas coisas, não dá mais...” Ela deu o aval e nós contratamos – a Secretaria de Educação, cujo Departamento de Cultura eu dirigia – o Manoel Marinheiro para fazer uma oficina na Escola Veríssimo de Melo, que era quase na rua dele, para ensinar os meninos a fazer Boi de Reis. Porque ele sempre teve um Boi de Reis com criança e outro com adulto. Ele pegava os meninos, chamava e criava o boi. Dava aula para os meninos sem investimento nenhum, sem dinheiro, sem apoio de nada e ele fazia o Boi de Reis Mirim. Então, foi só juntar a fome com a vontade de comer novamente e ele fez essa oficina que deu resultado. Foi lindo. Aí, fiquei pensando em Manoel e em Felipe Camarão. Porque Felipe Camarão é um bairro de 55 mil habitantes, onde o índice de qualidade de vida é muito baixo. Ninguém quer ser morador de Felipe Camarão, nem os meninos de Felipe Camarão querem ser de lá, porque se você perguntar: “mora aonde?” E responderem “Felipe Camarão”, pronto, já era excluído. Felipe Camarão só saía nas páginas policiais de todos os noticiários da cidade. O bairro era discriminado de norte a sul, de leste a oeste. E os equipamentos públicos não dão conta das necessidades do povo de Felipe Camarão. Tem muito assassinato. Muita morte. Claro que tem tráfico de drogas também, mas não é explícito. Tem muito roubo e muita morte. Por qualquer coisa, mata-se em Felipe Camarão. Por qualquer coisa desova-se lá. É assim. Ainda é, não mudou. Está no caminho. ONG TERRAMAR Então, o encontro com Manoel Marinheiro se dá nesse momento. Bom, com esse fracasso e pensando que eu não poderia ficar trabalhando dessa forma para avançar lá no Rio Grande do Norte, pensei em criar um outro trabalho. E aí, me junto a Eugênio Parcelle, que é um jornalista amigo da criança, conceituado, era jornalista lá do Diário de Natal, que queria criar uma ONG. Eu disse: “então, vamos.” Nos apresentaram, eu não o conhecia, mas entendendo que ele já tinha esse aval e já sabendo que ele era uma pessoa séria, eu digo: “vamos fazer.” Juntamos um grupo, chamamos um mestre de capoeira que eu conheci também na Secretaria de Educação, e compomos um grupo de oito pessoas, que depois ficou em quatro. Hoje nós somos um colegiado que é a Terramar, essa ONG. A base do nosso trabalho é cultura, educação e comunicação. Eugênio coordena a parte de comunicação. Hoje nós integramos a Rede Andi, que é a Agência Nacional de Direito da Infância. Fazemos vários trabalhos na área de comunicação: publicação de revistas, jornais, jornais nas escolas, jornais nas comunidades. Então, esse trabalho da área de comunicação é também o uso da comunicação como ferramenta de cidadania, até porque o nosso foco é trabalhar a infância e a adolescência de Natal, do Rio Grande do Norte e de qualquer parte do Brasil, se assim tivermos fôlego. A base desse trabalho é o Estatuto da Criança e do Adolescente. Eu conheci Eugênio e fizemos o primeiro projeto que foi a publicação numa revista de uma pesquisa no Rio Grande do Norte. Foi aí que nós fomos convidados para integrar a Rede Andi, porque o resultado dessa pesquisa sobre exploração sexual foi muito elogiado em todas as agências da Rede Andi e em outros meios. Fizemos um encontro também, um encontro sobre Responsabilidade Social e Cidadania e convidamos os empresários e Viviane Senna para ir a Natal. BUSCA POR UM PROJETO EDUCACIONAL Mas eu estava inquieta ali, porque essa área de comunicação ia avançando, mas eu pensava que deveríamos criar um projeto comunitário pelas necessidades que eu vi em toda a periferia de Natal e no sistema educacional em que eu acabava de passar, baseada nessa experiência toda ao longo da minha vida e na clareza de que, numa educação de qualidade, o sistema precisa avançar inclusive estruturalmente, criando escolas que atendam às necessidades dos alunos. Porque, numa periferia como Felipe Camarão, o que tem para o menino fazer? Ele só vai para a escola naquele horário e no outro período ele está ocioso, completamente disponível para o tráfico, para pedir esmola – como eles pedem muito, eles têm muito essa mania de pedir moeda na Rodoviária, no ponto de ônibus – e para fazer bobagem. Então sentamos, criamos o projeto, eu disse: “então vamos fazer aqui uma proposta educacional em que a cultura desses meninos seja respeitada e colocada em primeiro plano para, a partir daí, ampliar as idéias e o conhecimento vir se agregando a essas idéias”. Aí, lembrei do Mestre Manoel Marinheiro em Felipe Camarão. E lembrei de Felipe Camarão porque eu também tinha passado por lá. Eu disse: “Pronto. A gente tem a comunidade. Vamos começar com Felipe Camarão porque lá tem Mestre Manoel Marinheiro.” MAMULENGO E que admiração, quando vou lá na minha infância e lembro de Chico Daniel. Chico Daniel é o homem do João Redondo, segundo Ariano Suassuna – hoje o maior mamulengueiro vivo do nordeste chama-se Ariano Suassuna e do Brasil também –, ele diz isso textualmente e em cada palestra que ele faz. O João Redondo é um mamulengo, mas um mamulengo tradicional, que vem lá dos árabes, lá do início do teatro mundial, do início do que a gente tem historicamente como mundo. E Chico Daniel, homem do João Redondo, estava morando em Felipe Camarão. Eu disse: “Pronto. Nós temos dois ícones da cultura popular: Manoel Marinheiro, Mestre do Boi dos Reis, e Chico Daniel, o homem do João Redondo”, que também estava no meu imaginário, estava nas minhas lembranças, na minha história toda e eu achava lindo. A partir daí, fizemos a proposta para o projeto educacional. Fomos para a comunidade, passamos dois anos lá. Convidamos Viviane Senna para ir lá e ela foi. A primeira atividade que nós fizemos foi entrar em contato com as escolas locais e levantar toda a sua produção, desde o grupo de pagode que tinha ali até a banda de música da Escola Bradesco. Tudo que nós tínhamos dentro da Comunidade, nós levantamos e juntamos ao Boi de Reis, ao Mamulengo e ao discurso de Viviane Senna. Não tínhamos estrutura nem dinheiro nenhum. Eu fui para o Sebrae pedir ajuda e me disseram: “olhe, a gente tem uns cursos aqui sobre como captar, como pensar cultura”. Eu fui fazendo esses cursos para saber como eu administrava aquela idéia em termos de recursos para poder fazer a ação. E isso deu certo, porque o Sebrae foi um parceiro legal. Os cursos que eu fiz lá me ajudaram muito a vender essa idéia. Ainda pretendo que o Sebrae invista no sentido de transformar aquela história lá num pólo de desenvolvimento mesmo. Esse é um desafio. Mas voltando, criamos a proposta. PROJETO CONEXÃO FELIPE CAMARÃO O nome da proposta era Projeto Conexão Felipe Camarão. O que era o projeto? A partir da referência dos mestres da cultura, desenvolver uma ação educativa com jovens, adolescentes e crianças para a transformação do Bairro de Felipe Camarão. Esse é o objetivo. É focado em crianças, jovens e adolescentes, a partir dos dois anos – porque acaba que, no Boi de Reis, os meninos com dois anos, que são netos de Manoel, já estão dançando. Eles dançam desde que começam a andar, então, não dá para dizer que tem que ser de tal a tal idade. Também não mandamos meninos embora. Chegou – mesmo que não tenha roupa – fica, porque ou vai para lá ou vai para outras besteiras. Então, vão para ali, não é? Oficialmente, o projeto abrange crianças de sete a 22 anos. Mas os netos de Manoel, por exemplo, têm dois anos e estão lá, entendeu? E os vizinhos que chegam e querem entrar ninguém tira não. Não dá para tirar. Se você for lá, você vai ver como é a história. PRIMEIRA AÇÃO DO PROJETO Assim, nós criamos o projeto sem dinheiro, sem nada. Mas Viviane Senna topou ir lá e a gente fez esse Encontro de Responsabilidade Social, que a Terramar promoveu. Convidamos a Viviane Senna e ela foi. Então, nós montamos o evento e aí a mídia foi em cima – que era mesmo o que a gente queria, mostrar aquela história ali. E convidamos artistas da cidade para dar uma canja juntos, para levantar, os que estavam na mídia, os que não estavam, juntamos tudo. Aí, eu conheci Carlos Zens. O Carlos Zens é um instrumentista e compositor, um músico que tem um entendimento de Brasil. Quando eu vi que ele era muito respeitado no Rio Grande do Norte, eu lembrei de José Junior do Afro Reggae, que chamou Caetano. Caetano foi lá e o Afro Reggae começou a avançar. Aí, eu disse: “ah, já sei Vou convidar o Zens para ser padrinho porque em todo show que ele fizer, para onde ele for, ele vai falar daqui de Felipe Camarão.” E o Zens topou ser padrinho do projeto. Bom, aí já tinha uma pessoa de mídia daqui do Rio Grande do Norte respeitada junto [com o projeto]. Porque Manoel Marinheiro é um mestre, Patrimônio Imaterial hoje, mas naquela época, o Zens era maior do que ele. Mas não é, na verdade a gente sabe que não é, a gente pede a benção a Manéu. [O Zens é importante] para a mídia, para muitas mentalidades e para o Governo também. PRIMEIRO PATROCÍNIO PETROBRAS Então fizemos essa ação e, claro, de cara, nós vimos que o Mestre Manoel Marinheiro, com aquele legado todo, não tinha registro. Todo mundo, muitas instituições, televisões do Brasil, do mundo, de Londres, músicos do Brasil inteiro e de fora foram lá, conheceram Boi de Reis, gravaram e levaram. Mas Manéu não tinha nada. Aí, o que a gente fez? Tínhamos que registrar, era a primeira coisa, porque como a gente vai valorizar sem valorizar? Então, chegou [a oportunidade da] Petrobras, que foi assim: alguém chegou e disse: “olha, a Petrobras está patrocinando.” Eu falei: “o quê? Vamos agora” Sentamos e fomos escrever o Canta Meu Boi, que era uma parte do Projeto Conexão. Porque o Projeto Conexão é feito de vários núcleos e o Canta Meu Boi é o registro fonográfico do auto do Boi de Reis. Fizemos a proposta para a Petrobras, saímos correndo, o Correio estava fechando no dia, aquelas coisas. Depois de quatro meses, ligam da Petrobras, do Programa de Música, dizendo que o nosso projeto tinha sido aprovado. Entre trezentos e vinte e poucos projetos – aí vocês têm que bater com os números do site –, 12 foram classificados e Manéu Marinheiro ganhou. E quem estava junto? Radamés Gnattali, Mário de Andrade – o acervo de Mário de Andrade – os índios lá do Maranhão. Foi uma coisa linda. Quando a Petrobras ligou e disse que a gente tinha que vir ao Rio de Janeiro receber, a Terramar, juridicamente, era eu e o Eugênio. Eu disse: “puxa vida Mas o Mestre não pode ir?” Porque eu sabia o que aquilo poderia representar para ele. Eles disseram: “ele quer vir?” Eu disse: “quer.” Eu nem sabia, mas eu imaginava “E pode ir a caráter?” Disseram: “pode.” Responderam assim mesmo: “pode...” assim como quem não sabe se pode. Desliguei e disse: “Manéu, nós vamos fazer o seu CD. Agora você vai ser um homem conhecido no mundo inteiro. Prepare a sua mala porque a gente está indo para o Rio de Janeiro. Você topa?” Ele disse: “vou...” Bem natural, como se a aviação fosse a coisa mais comum na vida dele e ele já tivesse pego vários vôos na vida e que ali ia ser uma coisa boa. ENCONTRO COM IRMÃ DE CRIAÇÃO Ele disse: “mas eu posso pedir uma coisa a você?” Eu disse: “pode.” E ele: “eu quero encontrar a minha irmã de criação, Mizabel Pedroza”. Essa mulher vocês precisam conhecer, se não morreu. Eu disse: “Está bom.” Essa Mizabel eu já tinha conhecido porque ele pediu e eu a encontrei aqui no Rio de Janeiro. É uma mulher como Câmara Cascudo, maravilhosa, fantástica. Mizabel é escritora, pesquisadora da cultura brasileira, tão grande assim, na dimensão de Cascudo. A casa dela é uma loucura, aqui no Flamengo. Encontrei-a antes, porque ele pediu. É irmã de criação do mestre, porque ela o descobriu nas andanças dela pelo Brasil, escrevendo. Porque ela é de Natal. Aí, adotou, além de gostar do que ele fazia – que era o homem do Boi de Reis, a tradição dele já vem do pai, do bisavô, do tataravô –, ela puxou ele para perto dela e o tratava assim. Então, ele se sentia como da família Pedroza, lá de Natal. Porque a família Pedroza, na verdade, adotou ele. Mas o encontro dele e dela se deu num outro nível, no nível do entendimento de cultura, ela respeitando o que ele faz, fazendo roupa, costurando, pegando máquina e costurando roupa de Boi de Reis para ele, escrevendo a história de Manoel Marinheiro. É uma mulher fantástica. Ele então queria encontrá-la aqui no Rio. Eu disse: “está certo, a gente vai na casa de Mizabel”. CHEGADA DO MESTRE NO RIO DE JANEIRO O fim de semana [antes da viagem] foi talvez o mais inquieto da vida dele. Ele teimava em dizer que não, mas eu sabia que era porque as ligações não paravam lá em casa, da família inteira. Quando foi na segunda-feira, que chegamos no Aeroporto, estavam Chico Daniel, Cachorro, a família inteira, os netos, todos para deixar ele. Ele estava todo de roupa de linho, com chapéu... Ô, que saudade Que danado Para que foi morrer, não é? Ô, meu Deus do céu E entramos nesse avião. Eu tenho medo de avião, mas ele se sentia muito à vontade. Mas quando chegou no hotel, você não imagina. Ele disse: “eu vou ficar sozinho aqui?” Eu digo: “vai.” Eu me senti um pouco como quando eu vi “Buena Vista Social Club”. Eu chorei muito e eu me senti um pouco com aquele sentimento, não dele chegando lá nos Estados Unidos – como no Buena Vista Social Club – mas com aquela possibilidade de pegar aquela cultura, aqueles homens e propiciar a eles o que eles realmente merecem. Era muito pouco ainda, mas era um gesto. Na hora em que ele entrou no hotel, eu percebi que ele se sentiu muito importante de estar num espaço respeitado. Ele chega, segura a mala, naquele espaço ali, que mexe mesmo com uma pessoa simples. Eu senti que ele se sentia respeitado, desde a hora em que ele subiu nesse avião. CERIMÔNIA No dia seguinte, nós fizemos o encontro dele com Mizabel, que foi lindo, eu tenho fotografia disso lá em Natal: Mizabel em cadeira de rodas, doentíssima naquela ocasião – não sei como ela está hoje, porque o problema era grave – vai, ele pediu para ela ir e ela foi na cadeira de rodas mesmo, com o marido empurrando. Ela foi lá na sede da Petrobras. E o evento estava marcado. Lá chegando, todo mundo correndo e atendendo: “Mestre Manéu, quer alguma coisa?” “Eu quero botar a minha roupa”. Ele foi logo pedindo para botar a roupa dele. Levaram ele no banheiro, ele trocou de roupa e ele veio todo vestido a caráter. Só ele, não tinha mais nenhum. Era um diferencial tão grande no espaço que, claro, a mídia foi em cima dele. Ele foi matéria da revista Petrobras. E o Zens também veio. Eu convidei o Zens, porque ele não podia deixar de vir, até porque, no projeto, o Zens era o diretor musical. Foi o Zens que fez toda a transcrição, o trabalho de partitura, de registro das músicas em partituras. Então, viemos, foi lindo e aquilo marcou. O registro foi feito com o tempo que a Petrobras nos deu, antes até do tempo. O Benjamin Taub – que é um curador, não sei se da Petrobras, mas acho que sim porque ele encontrou comigo em São Paulo – disse para gente que o trabalho estava ótimo, que a gente trabalhou com pouco recurso. Nós fizemos três mil CD’s RESULTADOS DO REGISTRO O mestre chegou a ver o resultado em dezembro. O registro ficou pronto para o lançamento em dezembro, no Solar Belavista, que é um espaço respeitadíssimo. Ele que escolheu. Eu perguntei: “qual espaço você quer?” Ele disse o espaço em que ele queria fazer o lançamento. E “quem você quer que escreva sobre você?” Tudo foi combinando com ele, inclusive o próprio CD, porque o Nei Santana esteve lá e gravou, a pedido da Petrobras, para fazer o registro de tudo isso. E foi quando a Eliane Costa esteve em Natal e ficou encantada também – porque a gente fica mesmo. Eles me deram depois o CD e eu mostrei para ele: “sou eu não, quero não. Esse aqui não sou. Eu quero esse”, que era o que a gente gravou ao vivo. Então, ele foi muito ouvido. E, outra coisa: o dinheiro foi uma particularidade importante, porque a gente teve o cuidado – dentro desse parco recurso que a gente colocou, porque eu não sabia se R$ 41 mil era pouco para fazer três mil exemplares – para fazer tudo com as cores todas, com esse caderninho que tem. Não ia dar. A gente teve que fazer uma parceria com a RN Econômica, que é uma agência de publicidade do Rio Grande do Norte, para poder segurar. OUTRO PATROCINADOR Esse registro fonográfico foi o primeiro braço do projeto. Em seguida, nós mandamos o projeto para o BNDES, para um concurso chamado “Transformando com Arte”. Também ganhamos, foram 55 aprovados no Brasil. O Projeto Conexão Felipe Camarão ganha esse concurso e nós recebemos o patrocínio durante um ano para fazer o que a gente queria, que era a implantação de três núcleos. Um deles foi o núcleo de arte e cultura, que teve as oficinas de capoeira, de Boi de Reis – nós contratamos Manéu para dar aula de Boi de Reis, contratamos a mulher dele, que é galante do Boi de Reis, para dar aula de adereços e figurinos, de toda a indumentária do Boi – e outras oficinas. Então, fizemos várias oficinas. Eu acho que foram cinco, mas isso estava ligado ao núcleo de educação, tinha cinema na rua, naquela praça que eu te falei, naquele largo, onde ele sempre se apresentou, que está se transformando num pólo de cultura mesmo. É colado na casa dele. IMAGEM DA PETROBRAS Eu lembrei de outra coisa que eu queria dizer da Petrobras. Com o patrocínio do Canta Meu Boi, ainda deu para o mestre construir a casinha dele. Ele saiu da rua dele para a rua principal, que é a Rua Rainha do Mar. Ele tinha muito orgulho de dizer – não só porque é patrocínio, mas pelo que a Petrobras representa – que o projeto dele foi a Petrobras que patrocinou. Então, para tudo quanto era entrevista, ele mesmo já dizia com um grande orgulho, porque era aquela idéia da Petrobras, do petróleo nacional. Ele tinha isso. Ele incorporou isso também: ele juntava Petrobras e Brasil, que para ele era muito importante, ele tinha isso muito forte. FALECIMENTO DE MANOEL MARINHEIRO O mestre faleceu no dia cinco de fevereiro, dois meses depois do lançamento do CD. Mas chegou a abrir o Mercado Cultural de Salvador, que é um evento internacional, foi matéria da revista Isto É, foi Programa da GNT. Ele fez matéria também para o Jornal Nacional. E o Projeto já entrava junto aí. Ele morreu no ano passado [2004], com 73 anos idade, não era uma pessoa muito idosa. NOVO PATROCÍNIO PETROBRAS Mas, voltando ao Conexão, o projeto já estava lá e ganhou o patrocínio do BNDES e nós começamos a implantar as ações. Ficamos um ano com o patrocínio do BNDES. Aí o projeto avança e nós mandamos o Projeto para “Formação e Cidadania”, no ano passado, em 2004. Nisso, saiu a classificação e nós fomos classificados “a convite”. Nós fomos convidados pela Petrobras para o patrocínio, porque já estava acontecendo o Projeto. Mas evidentemente que não estávamos dando conta [por questão de verba]. A ação mesmo que a gente queria implementar e mais outras ainda não tinham acontecido. Então, nós fomos convidados para o “Formação e Cidadania”, o projeto foi para o Ministério da Cultura e considerado Patrimônio Imaterial. Já na época do CD, também o Manoel foi considerado Patrimônio Imaterial brasileiro pelo MINC, Ministério da Cultura. A Petrobras entra e é decisiva porque, com o patrocínio dela, nós avançamos em mais qualidade para o trabalho. OFICINAS Agora estamos fazendo a Lutheria Fábrica de Rabeca – que se chama Lutheria de Rabeca, é o nome que a gente dá –, os meninos fazem aula de rabeca, estão aprendendo. Nós estamos integrando 330 crianças, jovens e adolescentes, nessa classificação de seis a 22 anos. Os meninos estão aprendendo flauta, flauta pífaro – existe a flauta e existe o pífaro, que lá no nordeste é chamado de pifo. Então eles estão tocando pifo, estão tocando flauta e já tem menino que está tocando a flauta transversa – são os talentos que aparecem assim de repente que te deixam de “queixo caído”. Os meninos do Boi de Reis hoje têm o Boi de Reis Mirim todo organizado, bonito, para se apresentar em qualquer parte do Brasil. “Boi Mirim - Mestre Manoel Marinheiro”. Isa, a viúva do Mestre Manoel Marinheiro, dá aula e é a Petrobras quem paga toda essa estrutura. Tem a equipe dos meninos do Boi e quem chega e quer participar também pode. Tem 330 meninos inscritos, mas se chega um menino e quer fazer o Boi de Reis, ele faz. Ninguém manda menino para a casa. A capoeira tem 60 meninos e cada vez aumenta mais, ele escolhe a oficina que ele quer fazer. E quem dá aula de mamulengo, que é esse teatro do João Redondo, de Chico Daniel? É o filho de Chico, porque o sonho de Chico é ter um herdeiro, e o Josivan já dá aula. Então, nós contratamos Josivan que, para Chico, era melhor do que ele próprio. Mas Chico vive lá na oficina. Então, os meninos já sabem manipular o boneco, já fazem o teatrinho de boneco. Temos o seu Cícero, que é o Mestre Cícero da Rabeca, que está lá também. Falei em Chico Daniel, Manoel Marinheiro e esqueci o seu Cícero. O seu Cícero toca rabeca. Então, nessa Lutheria, por exemplo, como a gente vai fazer? O seu Cícero não dá mais aula. Aí nós contratamos, através do patrocínio, um rabequeiro que é noivo da filha de Manéu e dança no Boi de Reis também – ficou noivo na festa de lançamento de Manéu. Ele dá aula de rabeca para os meninos. Os meninos aprendem a tocar a rabeca, a musicalidade da rabeca. O outro ensina a fazer a rabeca. Outra turma aprende a tocar flauta naqueles três níveis que eu falei, as três aptidões, três tipos de musicalidade. O outro aprende capoeira, adereço e figurinos – são as máquinas que costuram todas as roupas que vão servir para o projeto como um todo. Tem um grupo aprendendo o Boi de Reis, percussão, construção de alfaias e aprendendo a tocar pandeiro. A gente está fazendo a construção de alfaias, mas estamos inserindo outros ritmos para que eles aprendam a tocar. Mas se você me perguntar: vai ter uma orquestra de rabeca lá? Por enquanto a gente ainda não sabe, não é esse o sentido. O sentido é que o menino aprenda aquela arte e aquela cultura, porque a arte é um produto da cultura, é uma parte dela e que ele entenda o contexto sócio-cultural dali. HISTÓRIA Então, o menino que está fazendo aquela oficina, que está fazendo o Bois de Reis, por exemplo, não vai aprender só a dançar e a cantar o Boi de Reis, ele vai aprender a história do Brasil. Fizemos várias parcerias e uma delas foi o Senai, que nos procurou, e criamos uma turma para fazer o início da revitalização desse Largo da Cruz da Cabocla, onde tem a Igrejinha em que Manéu sempre se apresentou. Hoje a Igrejinha está sendo restaurada e as casas pintadas, todas. Nós vamos agora conversar com o governador do estado, com a Governadora e o Prefeito para solicitar o que de direito a comunidade tem, a infraestrutura. AUTO-ESTIMA Como resultado desse trabalho, eu percebo a mudança na auto-estima do bairro. Além disso, Felipe Camarão deixa de sair nos cadernos policiais – quer dizer, ainda sai, mas passa a ser matéria de outros cadernos – para aparecer nos cadernos de cultura do Brasil inteiro e fora do Brasil também, porque nós tivemos umas matérias que foram feitas para fora do país. Nós levamos o resultado dessa mídia para dentro dessas oficinas e para dentro da comunidade. Porque nós temos também o cinema na rua, que é o momento em que nós juntamos essa comunidade para levarmos filmes brasileiros e até o resultado das imagens que nós fazemos dentro do projeto – várias atividades que nós fazemos ali, no Largo da Cabocla, que mostra o que aqueles meninos estão aprendendo, aquela cultura. E eles estão vendo na televisão que o Mestre Manoel Marinheiro é patrimônio. Então, a auto-estima da comunidade começa a ser mexida. Um menino que está dentro de Felipe Camarão não tem mais vergonha de estar em Felipe Camarão, porque aquela terra é a terra de Manoel Marinheiro, é a terra de Chico Daniel e do Mestre Cícero, que está lá. Eles têm orgulho de estar fazendo aquilo. Tudo isso a gente nota. A primeira mudança é a auto-estima, porque eles eram discriminados, quer dizer, não é que deixaram de ser discriminados, mas já mudou. Felipe Camarão não é mais aquilo, começa a ser conhecido por um outro lado. CONVITES Eles também recebem convites de várias instituições. Por exemplo, o projeto abriu um Congresso Internacional de Educação. Os meninos se apresentaram abrindo esse Congresso – os meninos do Boi de Reis, os meninos da flauta, as ações foram interagindo, os blocos. Na hora em que nós abrimos, pediram para o Grupo do Boi de Reis se apresentar. Aí eu disse: “mas nós não trabalhamos com cultura enquanto entretenimento, é um Congresso Internacional então, nós queremos uma parte para falar disso, dessa experiência que é rica e que é transformadora”. Porque é um projeto educacional que sai da sala de aula, que integra a escola – e é uma luta essa integração de escola. Hoje nós estamos lá com a Escola Estadual Clara Camarão fazendo seis oficinas dentro do espaço físico dela e tendo a primeira reunião – porque o ano letivo começou agora. No dia 22 aconteceu a primeira reunião pedagógica para sentar junto com os professores e entender a vida do menino que está no Boi de Reis, o rendimento, a avaliação dele dentro da sala de aula com o professor da série em que ele estuda, e nós vamos acompanhar. PROJETO MEMÓRIA PETROBRAS Eu quero agradecer à equipe do Museu da Pessoa por essa oportunidade de falar da minha história de vida que, na verdade, é a história de uma cidadã brasileira que vem aqui mostrar a sua trajetória com um sentimento enorme de Brasil, enorme de cidadania, enorme de querer transformar, ajudar e contribuir com essa sociedade brasileira que precisa ser uma verdadeira nação. Eu quero agradecer a cada um de vocês aqui. À Márcia, ao Eduardo, ao Roberto, ao outro Eduardo, a forma como vocês me receberam e mexeram com minhas lembranças. E quero agradecer também ao patrocinador, porque realmente sem o patrocínio da Petrobras eu não estaria aqui. A Petrobras também foi fundamental para que esse desenvolvimento dentro do bairro de Felipe Camarão acontecesse, tanto com o registro do auto do Boi de Reis, como com o Projeto Conexão Felipe Camarão que está possibilitando o avanço das crianças, dos jovens e dos adolescentes de Felipe Camarão, além das famílias. Porque a ação educativa que está acontecendo está mexendo não só com Felipe Camarão, mas com todo o entorno, desde os artesãos – porque nós fazemos feiras de artesanato lá no Largo – às atividades como a aquela na qual convidamos a cirandeira Lia de Itamaracá. Os meninos acompanharam Lia tocando percussão, dançando ciranda, a comunidade toda estava presente nas reuniões na Igrejinha para pensar como será esse Largo da Cabocla revitalizado. Quer dizer, por todo esse avanço, nós agradecemos e eu estou aqui sendo porta-voz da família do Mestre Manoel Marinheiro, do Mestre Cícero da rabeca, que vai ser contemplado agora – cada rabeca feita em Felipe Camarão tem um percentual que vai ser doado para o Mestre Cícero da rabeca. Nós colocamos Mestre Cícero em estúdio para gravar agora, sem um centavo, mas estamos procurando. Eu quero agradecer ao patrocinador, a Petrobras por essa possibilidade de desenvolvimento do bairro de Felipe Camarão. Quero agradecer em nome de toda a comunidade de Natal, de todos que fazem o Rio Grande do Norte, a vocês do Museu da Pessoa e a Petrobras, que é a patrocinadora, que me possibilita estar aqui falando em nome de todos.
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