Depoimento de José Sidnei Colombo Martini
Entrevistado por Lucas Torigoe
São Paulo, 17 de novembro de 2015
Realização Museu da Pessoa
HQI_HV02_José Sidnei Colombo Martini
Transcrito por Mariana Wolff
MW Transcrições
P/1 – Bom dia, Sidnei, tudo bem?
R – Bom dia, Lucas.
P/1 – O senhor pode me dizer o seu nome completo, local e data de nascimento, por favor?
R – José Sidnei Colombo Martini, nasci em São Paulo, no bairro do Ipiranga em 3 de março de 1947.
P/1 – O senhor fala o nome do seu pai inteiro e data de nascimento?
R – Meu pai, Carlos Colombo Martini. Minha mãe, Edwiges Miranda Martini.
P/1 – O seu pai nasceu onde?
R – Meu pai nasceu em Rio Claro, aqui no Estado de São Paulo.
P/1 – E a família do seu pai fazia o quê? Era de Rio Claro, ou não?
R – Não, a minha origem é uma origem de imigrantes. Do lado do meu pai, imigrantes italianos, que vieram pra cá para o Brasil e como todo imigrante, acabou se estabelecendo em ocupações no interior do Estado de São Paulo e lá em Rio Claro, na região, cidades ao redor de Rio Claro. Então, meus avós paternos haviam se estabelecido e se encontraram, formaram uma família. Meu pai então, nasceu na cidade de Rio Claro.
P/1 – E o senhor sabe da onde que a sua família veio da Itália e o que eles virem fazer aqui? O senhor já falou um pouco, mas…
R – Sim, meu avô paterno veio da cidade de Adria, que fica no Vêneto, na região próxima a Veneza. Vieram para cá para o Brasil, as circunstâncias de vida na Europa na época não eram muito boas e o Brasil apresentava uma atratividade. Vieram para cá então para o Brasil e ele tinha como profissão trabalhar com construção. Ele era um obreiro, trabalhava em obras. Não era um engenheiro, não, não tinha carreira universitária, mas era um empreiteiro, vamos dizer assim. Meu avô paterno, durante uma fase da vida, trabalhou na construção do Edifício Martinelli, aqui no centro de São Paulo, já na fase paulista, porque iniciaram lá em Rio Claro. Bem, vieram, uma família como toda família da época, razoavelmente numerosa, meu pai foi o caçula de cinco filhos que já nasceu e logo depois, veio para São Paulo e fez a vida, cresceu aqui em São Paulo, né? Meu pai seguiu o caminho da escola de Contabilidade, mas interrompeu os estudos no nível médio de um curso de Contabilidade e depois, abraçou a carreira de gráfico. Ele trabalhou com indústria gráfica até o fim da vida, teve uma ascensão natural dentro da carreira, primeiro, como profissional, como oficial da profissão, depois, galgando posições de chefia que a maturidade normalmente traz como oportunidade. Quando faleceu, ele já era diretor de uma indústria gráfica e muito orgulhoso de ter acompanhado uma evolução tecnológica que nesse segmento também aconteceu, desde o papel e a impressão dos anos de 1940 até os anos de 1990, evoluiu muito, máquinas, equipamentos, tintas, fotografia, então ele tinha muito orgulho da profissão.
P/1 – E a sua mãe, então, qual é a história da família dela?
R – Minha mãe também tem origem parte italiana, parte portuguesa. Meu avô materno veio como imigrante português, minha avó materna veio como imigrante italiana e aqui, se estabeleceram, uma história semelhante, mas na região de Itapira, uma cidade que fica próxima, depois de Campinas, mas num município limítrofe com o Estado de Minas Gerais. Lá se estabeleceram e o avô da minha mãe veio com a profissão de ferreiro, dominava as técnicas do ferro, então, aros de rodas de carroças, ferraduras e a evolução das carroças fez com que um dia chegasse o automóvel e naturalmente, ele e os integrantes da família, os filhos costumavam trabalhar com os pares, acabaram indo para o ramo automobilístico. Então, quando chegaram os primeiros automóveis na região, eles se ocuparam do assunto e a família depois evoluiu dentro do ramo automobilístico: em manutenção, em comercialização na automobilística.
P/1 – E você sabe a história de como seus pais se conheceram?
R – Eles se conheceram aqui no bairro do Ipiranga, minha mãe jovem ainda, trabalhava numa empresa que produzia linhas, linhas para tecido, linhas para cozer e o meu pai já trabalhava na indústria gráfica, mas morava na região. Bem, se encontraram ali, namoraram e um dia, decidiram se casar e foram morar numa primeira casa no próprio bairro do Ipiranga, a casa onde eu nasci.
P/1 – E quando você nasceu, você tem algum irmão?
R – Eu sou o primogênito de quatro filhos, três moças que me sucederam. Eu nasci em 1947, logo após o término da Segunda Grande Guerra. Um momento em que mesmo o Brasil, São Paulo estando longe dos campos de batalha, mas o clima da guerra era um clima que tomou conta do mundo como um todo e as consequências disso, portanto, era um momento de economia complexa, faltavam alguns alimentos, farinha, por exemplo, para fazer pão era algo racionado, tinham longas filas para poder adquirir uma cota de farinha que era distribuído. Os registros históricos mostram uma época difícil, uma época sem muita perspectiva, tendo, praticamente, tudo que reconstruir, até porque mesmo sendo 1947, a dependência do exterior a que o Brasil tinha, própria São Paulo tinha era significativa. E a economia paulista lastreada na mão-de-obra migrante, praticamente, todas as pessoas que moravam aqui com exceção das famílias de 400 anos, todos os que moravam eram imigrantes, tinham raízes ainda na Europa e significativamente na Europa e lógico que o que acontecia lá refletia muito que diretamente aqui, né? Eu nasci de uma forma bastante humilde, eu venho de uma linhagem de família operária, o meu primeiro berço foi um caixote de laranja revestido de pano que a minha mãe revestiu. Esse foi o meu berço. Quando os meus pais se casaram, o primeiro fogão que eles tiveram era uma lata de 20 litros, dessas de tinta, com uma grelha em cima. A casa primeira, onde eu nasci, era um quarto de alvenaria e a cozinha ficava até um pouco distante e feita em madeira. Isso no meio do bairro do Ipiranga. Mas muita coisa mudou de lá para cá para melhor, em termos de qualidade de vida, né? Mas essa foi a realidade. Meu pai, na época, era gráfico, como eu disse e trabalhava com corte de papel, com guilhotina e a minha mãe se dedicou o tempo todo a cuidar dos afazeres da casa porque assim era o hábito da ocasião. Ela deixou o emprego que tinha nessa fábrica de linhas e se dedicou depois a cuidar da casa, a minha chegada, depois, a das irmãs.
P/1 – E o que mais o seu pai e a sua mãe contaram desse período em que você nasceu, em que você estava nascendo e quais eram os costumes da sua família nessa época?
R – Eu disse que nasci no bairro do Ipiranga. Essa casa onde nós ficamos era uma casa onde os meus pais se estabeleceram logo depois do casamento, era uma casa muito limitada e a medida em que ele conseguiu progredir um pouco, mudou-se para o bairro de São Caetano. E lá, estabelecemos residência, eu me lembro bastante bem da casa, era uma casa típica com uma sala grande, com porta para rua diretamente, uma cozinha acoplada, mas a casa não tinha banheiro, o banheiro ficava no fundo do quintal, então, o hábito na ocasião, o saneamento na ocasião era esse, né? E o meu pai continuou trabalhando nessa indústria gráfica, minha mãe cuidando da casa, até quando eu tinha três anos de idade, veio a minha segunda irmã, a primeira das três meninas, o segundo filho do casal, já no bairro de São Caetano. Mas nesse período, até os três anos de idade, eu tive um primeiro acidente sério na vida, no dia 15 de novembro. E o irmão mais velho do meu pai, como eu disse, eram cinco, o mais velho tinha uma escola, uma escola no bairro do Ipiranga e no dia 15 de novembro era uma data que normalmente se celebrava a República e nas escolas, tinha-se o hábito de ter desfile das crianças, com a fanfarra e etc. E com três anos, os meus pais entenderam que seria interessante me levar para ver e fui, só que antes disso tudo acontecer, um primo mais velho, brincando comigo no quintal da escola, saiu correndo e pulou um buraco que existia e eu fui pular também, só que eu cai dentro, só que nesse buraco era onde se queimava o lixo da escola, papel, e havia sido feita uma faxina na vésper, preparando a escola para o dia importante e tinham brasas lá, ainda. Eu caí e me queimei, as pernas todas e as mãos com uma queimadura muito grave, uma queimadura de terceiro grau, que comprometeu um pouco a parte muscular e teve depois, todo um processo de recuperação, que tomou praticamente um ano. Bom, eu imagino para os pais com um filho de três anos de idade, um acidente desse tipo, lógico que deve ter sido um momento muito difícil para a vida deles, né? Passado um pouco mais de um ano, portanto, tendo me recuperado dessa queimadura e aprendido a andar por uma segunda vez, porque houve um comprometimento muscular, eu já com quatro anos de idade, começa uma febre e essa febre começa a puxar a cabeça para trás e o médico que me atendia lá em São Caetano do Sul diagnosticou inicialmente como uma caxumba ou um sarampo, uma doença infantil, mas o quadro evoluiu e paralisou um braço e paralisou uma perna. Aí, eu fui trazido para o Hospital das Clínicas aqui em São Paulo e eu estava dentro de um quadro de poliomielite, mas uma poliomielite muito forte, que me tomou todos os movimentos, me tomou a voz, me tomou o movimento dos olhos e eu fui entregue como um caso bastante grave, um caso de estudo no Hospital das Clinicas. Fui submetido a um processo de radioterapia, um processo experimental, na época, buscando uma recuperação que, felizmente, acabou acontecendo. A voz voltou e eu me lembro, essa cena ficou muito marcada, eu estava numa maca, num corredor do pronto-socorro do Hospital das Clínicas, que já naquela época, estava lotado, não tinham leitos, mas era um caso grave e de repente, a voz voltou. Eu chamei por tia, como eu me referia às enfermeiras, às pessoas que atendiam e eu me lembro que aquilo fez um sucesso muito grande, porque como era um caso muito crítico, praticamente desenganado, aquela manifestação foi como que um alento, algo de bom que estava acontecendo, uma recuperação estava ali se manifestando. E aí, vieram os médicos, eu me lembro de muitos médicos jovens, os residentes que normalmente atendem os prontos-socorros e aí, começou um processo de recuperação, primeiro a voz, movimento dos olhos, depois um movimento, depois outro, outro, até que novamente, eu tive que aprender a andar pela terceira vez na vida e as sequelas da poliomielite eu carrego durante a vida toda, porque a poliomielite é um processo interessante, é viral, como uma gripe, um vírus que você contrai, só que ele acaba se alojando no cerebelo, na parte posterior do crânio e é exatamente onde ficam os neurônios que compõem o cerne, a parte central de composição dos estímulos que acabam fazendo com que cada músculo se contraia, enfim, que os movimentos aconteçam. E esse vírus mata essas células, rompe as conexões dessa rede, uma rede neural, de neurônios e com isso, então, os estímulos iniciais não ocorrem, então, o braço, a perna não reagem, apesar de existir os músculos, apesar de existir o membro completo, mas não tem o estímulo elétrico para que o musculo reaja. Bem, não havendo estimulo, não havendo esforço muscular, os ossos não se desenvolvem na mesma forma que um osso que é solicitário, aí começam as atrofias. Com isso, uma perna esquerda ficou cinco centímetros menos do que a direita e com isso, alguns movimentos, o movimento de mão direita ficou prejudicado, movimento de braço esquerdo ficou prejudicado, uma perna muito forte, outra perna muito atrofiada e isso com a fisioterapia, com o tratamento normal para se poder viver, a solicitação normal do corpo, as coisas foram se compensando, mas ao final, acabou me limitando muito pouco naquilo que eu desejei fazer na vida até agora.
P/1 – Mas nessa época ainda como é que isso pesou ou não na infância, na questão de brincadeiras e de fazer amigos?
R – Aí começa uma história que é muito interessante. A vida das pessoas em sociedade é regrada pelos hábitos da época, né? As crianças, na época, brincavam na rua. As ruas eram muito tranquilas, os automóveis eram muito poucos, principalmente nos bairros, e toda atividade de criança requer, usa, aquele vigor todo para correr, eu logicamente tinha muita dificuldade, eu passei um período que mal ficava em pé sozinho, depois, os passos eram dados devagar, as quedas eram muito frequentes, eu vivia com o joelho muito machucado por estar caindo. Quando eu comecei a estudar com sete anos de idade, para frequentar a escola, me lembro muitas vezes de ter sido carregado para escola, porque o local onde eu morava não tinha asfalto, isso era… só tinha no centro da cidade asfalto, né? Então, era barro, era ruim o caminho, me lembro de minha mãe me carregando para ir à escola que não ficava muito próxima de casa, não. Era a primeira escola, a mais próxima, mas ficava um equivalente hoje, vamos dizer, aí uns dez quarteirões de distância e era uma escola, não era uma escola pública e eu me lembro o esforço dos meus pais para poderem me manter nessa escola por questão de proximidade, porque a primeira escola pública ficava bem mais distante. E eu comecei, aí, a sentir as diferenças não da exclusão, mas da dificuldade de poder participar e ter uma atividade como os demais tinham, correr como os demais. Eu me lembro daquela rejeição infantil, que é natural, ela é mais instintiva do que consciente para a brincadeira você quer os fortes, você quer… ou se você quer dificultar algo para alguém, dificulta para o mais fraco, que ele reage menos. Então, eu experimentei esses aspectos da convivência infantil, mas logo em seguida, veio a consciência da rejeição, sem a conotação ruim, pejorativa da rejeição. A rejeição pela diferença, natural diferença por ter essas limitações. Bom, foi assim na escola primária, eu me lembro de alguns colegas quando queriam fazer a chacota, me chamavam de manquinho, porque eu mancava realmente. Aquilo num primeiro momento doía, mas eu tive uma felicidade muito grande que os meus pais, apesar de não terem tido uma oportunidade de uma universidade ou algo assim, mas eles tinham uma percepção da vida muito bem equilibrada e souberam durante esse tempo todo me mostrar uma forma de superação e s superação foi ao invés de revolta, foi tentar formas de cativar as pessoas, de conquistar o meu espaço e assim, eu fui aprendendo a superar fazer de limão, uma limonada e tomar como um desafio para conquistar pessoas que, num primeiro momento, pudessem ser ou agressivas ou indiferentes em relação ao meu convívio, né? Bem, isso foi no que se chamava na época de primário, nos quatro primeiros anos do atual primeiro grau e depois, essa escola não tinha, não prosseguia, parava no quarto ano e aí, a escola mais próxima era uma escola estadual bem mais distante, mas era uma escola pública e havia um exame que chamava-se na época, exame de admissão, admissão ao ginásio. E eu me lembro que a concorrência para entrar nessa escola pública na época era de 20 candidatos por vaga, é uma concorrência muito parecida com os cursos mais procurados que existem hoje nos vestibulares, né, que nós estamos acostumados a ver. Foi uma batalha, mas eu estava bem preparado e consegui uma vaga então nesse colégio, chamava-se Colégio Estadual Doutor Otávio Mendes, fica lá no Alto de Santana, bem próximo a caixa d’água, uma região bem alta. Que saudades de dá, uma época em que a escola pública, um colégio público tinha uma piscina para as aulas de Educação Física, uma piscina semiolímpica, com aulas, com competições numa escola pública. Muitos colegas que frequentaram essa escola fizeram carreiras brilhantes em todas as áreas, da Medicina, Engenharia, no Cinema, era um colégio fantástico! Pena que no passar do tempo, dadas as circunstâncias pelas quais a sociedade passou, a escola pública veio enfrentando dificuldades outras que não dão a ela mais a possibilidade de ser como no passado foi, aí um desafio para se reconquistar. Mas ao longo dessa fase do ginásio, vem juventude e é a época do início do relacionamento rapazes e moças, bailinhos, né? E eu me lembro que nas práticas esportivas, lógico, meus colegas que eram jogadores de basquete, jogadores de futebol de salão arrebatavam os corações das moças, né? E eu tinha que ocupar o meu espaço e no esporte, nessa época, eu me lembro de ser disputado no par ou ímpar e quem perdia ficava comigo. Então, era uma forma não de rejeição, mas lógico de escolha e que eu também tinha que me acostumar. Fui muito técnico de jogo escolar, massagista do colégio em jogos, não jogos oficiais, ou seja, uma forma de dar uma incumbência, mas para ficar sentadinho aí de lado, não amolar muito o pessoal jogando. Mas tinham os bailinhos e nos bailinhos, eu gostava de dançar também, os bailinhos eram feitos sábados à tarde nas garagens, ou até nas salas das casas das pessoas, não existia essa infraestrutura que se tem hoje, casas de diversão, não. Nada disso. Fazia nas casas das famílias e aí, começava sempre por volta de umas três da tarde e ia até umas sete horas da noite e ponto final. E eu me lembro que nesses bailinhos, às vezes, e toda mãe levava a filha, acompanhava a filha e eu ia e na hora que tocava as músicas românticas da época, todo mundo levantava e cada um procurava tirar a garota que tivesse interessado ou enfim, tirar para dançar. E muitas vezes, eu sobrava nessa e o que me restava? As mães das garotas que ficavam sentadas e eu ficava conversando com elas e talvez, por ter desenvolvido uma prática de comunicação para compensar o que eu não tinha pelo físico, eu acho que eu impressionava algumas mães, impressionava bem e eu sentia isso na segunda-feira seguinte, quando as meninas vinham e comentavam que as mães tinham comentado com elas que tinham falado comigo. Eu descobri uma estratégia, então, de poder tentar encantar as mocas através das mães, né? Mas foi uma estratégia, lógico, de momento durante essa fase. Bem, depois, veio a fase da preparação para o vestibular. Eu me sentia muito bem com a parte mais matemática das coisas, escolhi o ramo da Engenharia, já nessa época, você fazia uma diferenciação em preparação para a escola, para a universidade na Engenharia e a escola para o lado da Medicina, para o lado de Humanas. Humanas tinha o Clássico, para as áreas médicas, tinha uma preparação voltada especificamente para médicas e uma preparação para Exatas, né? Bem, eu fiz para Exatas. Eu confesso que eu fiquei muito em dúvida nesse momento se iria para o lado da Medicina ou para o lado de Exatas, porque o meu convívio com os médicos, com hospitais foi bastante intenso, não só nessa fase aí, durante os quatro anos de idade, mas depois, eu tive várias cirurgias corretivas que me levaram ao hospital e por volta dos 11 anos, fiquei internado, processo de recuperação pós-cirúrgico, ortopédico é sempre algo demorado e isso me fez ter um convívio muito agradável com os médicos, com o mundo da Medicina. E sempre tive muita vontade de participar desse mundo. Não me imaginava como um médico, mas se fosse como médico, algo me dizia que eu devia ir para a cirurgia e aí, me faltavam as habilidades manuais. Foi um sonho que eu não abandonei de completo. Eu achava que um dia, eu voltaria a ter espaço dentro da Medicina e acabei tendo, mais adiante, eu menciono. Bem, me preparei para Engenharia e fui fazer o vestibular. Para isso, me preparei num cursinho, mas a família não tinha muitos recursos e eu consegui fazer cursinho, porque eu consegui uma vaga premium num concurso e foi mais do que um cursinho que eu consegui, mas acabei fazendo o Cursinho Universitário. E no vestibular, eu só prestei duas escolas públicas também, porque não dava para pagar a faculdade, foi no ITA e foi na Politécnica. E o meu vestibular foi no ano de 1965. Em 1964, o país tinha passado por uma comoção, uma revolução e essa revolução de 64 fez com que a escola ITA, que é uma escola militar, tivesse momentos de uma certa dificuldade, muitos professores estavam deixando a escola e eu cheguei a me matricular na escola, no ITA, passei pelo trote, mas quando saiu o resultado aqui da Universidade de São Paulo, na escola Politécnica, que eu também tinha sido aprovado, acabei optando por aqui mais por essas circunstâncias de não ter segurança do que aconteceria lá pelo ITA. O ITA era uma escola, cujo vestibular dava aí um volume de candidatos por vaga muito alto, algo como 100 candidatos por vaga. A Politécnica era também muito solicitada e eu entrei numa boa colocação aqui na Politécnica, vim fazer o meu curso de Engenharia, né, que entrava-se para fazer Engenharia.
P/1 – Geral?
R – Geral e depois, com as notas que se obtinha nos dois primeiros anos, você então escolhia a especialidade dentro da Engenharia.
P/1 – Antes da gente passar para essa parte da faculdade, queria voltar só para alguns aspectos da sua vida dos anos 50, ainda. Primeira coisa que eu queria perguntar é como que era São Paulo nessa época? Você falou que tinha chão de barro na sua rua. Como é que era isso? Como é que era o centro? Como é que funcionava a cidade?
R – Eu me lembro, parece um cartão postal, mas eu me lembro o Vale do Anhangabaú, os carros ainda podiam estacionar na rua principal do Vale do Anhangabaú, por exemplo, Viaduto Santa Efigênia podia estacionar, eram poucos os carros que existiam em São Paulo. Congestionamento, não se tinha esse conceito de congestionamento, tudo fluía. As ruas eram relativamente largas para o volume de carros da época, de tal forma que o trânsito no era um obstáculo. O deslocamento de um ponto a outro da cidade era muito previsível, na família, tinha um tio da minha mãe que trabalhava com automóveis, etc., e que sempre tinha um carro à disposição e muitas das vezes, utilizávamos esse veículo pra algum deslocamento dentro da cidade. Mas o resto todo era feito pelo transporte público, que tinha no centro da cidade, os bondes, aqui chamados, os carros elétricos, bondes, cujo nome é uma forma interessante, bonde, a origem da palavra é inglesa e a tradução é ação. Quando a Light veio aqui para o Brasil para instalar sistema elétrico para luz, iluminação e para forca, para ação elétrica, carros elétricos, ela vendeu ações, ações para fazer o sistema de transporte público elétrico e como os ingleses chamavam as ações de bonde, o nome de bonde ficou associado ao carro elétrico de transporte público, que só é chamado de bonde aqui. Você vai para o exterior, você fala bonde, o pessoal pensa em ação. Então, o bonde era muito frequente no centro da cidade, era o transporte público. Depois, vieram os ônibus, mas o principal era o carro elétrico, o bonde, né? A cidade vivia o que era importante na cidade, acontecia no centro, na região central. Os bairros eram menos povoados, evidentemente, a população era muito menos aqui na Capital, onde eu vivia, as ruas eram muito tranquilas, os carros passavam de quando em vez, tanto que era saudável, as crianças brincavam na rua como se fosse o quintal da casa. O comércio era interessante, os bairros tinham armazéns que eram pequenas vendas, que tinham de tudo, um pouco e ali, se faziam as compras. Era hábito a população consumir com uma caderneta, que era um caderninho, onde o dono do armazém marcava nesse caderninho o que as pessoas levavam e uma vez por mês, na época do salário, que recebiam o salário, ia pagar a conta do armazém, aí levava o caderninho e o dono do armazém fazia a soma de tudo que tinha levado durante o mês e cobrava. Se o dinheiro era suficiente, pagava tudo, se não era suficiente, deixava um pouco para o outro mês. Era uma maneira bastante informal, mas que abastecia as pessoas, como um todo. Existiam os vendedores ambulantes, alguns vendedores que andavam pela rua com alguma cantoria oferecendo roupas, por exemplo, tinham os mascates que passavam vendendo roupas, vendiam óculos, vendiam o que dava para carregar e a prestação, depois ele passava no mês seguinte e no mês seguinte para cobrar, alguns pagavam, outros não, a inadimplência eu acho que existia, eu digo isso porque na minha casa nunca gostaram desse sistema de prestação, preferiam poupar antes e comprar à vista, esse ficar devendo não era tido como um hábito saudável na época, mas tinham coisas interessantes, o padeiro, ele passava com uma carroça com um cavalo e uma carroça e a parte de trás da carroça abria como se fosse um baú e ali dentro, você escolhia o pão que você queria e pagava para o padeiro. O lixeiro, igualmente, era uma carroça puxada por dois animais, por dois cavalos e o coletor de lixo subia na carroça, avançava dez metros, parava na porta de uma casa, tirava as latas de lixo, subia na carroça e andava mais um pouco. É como era o sistema de coleta de lixo da época. Água, quando tinha água encanada, ou seja, quando tinha tubulação de água, ela não era frequente, não eram em todos os lugares que a água era abastecida de maneira continua, não, era sujeita à disponibilidade de água, então, os sistemas de tratamento não eram suficientes para abastecer a expansão da rede que se manifestava na época. Energia elétrica, ela já existia aqui dentro de São Paulo, ela foi rapidamente se expandindo, existia e eu acho que era o serviço público de melhor qualidade que você tinha na época, entendendo que não existia o serviço telefônico, telefonia, às vezes, no bairro tinha um telefone que ficava num armazém, num bar, algo assim e as pessoas faziam fila para usar o telefone. Eu me lembro de ficar muitos minutos, 15 minutos, 20 minutos com o telefone no ouvido esperando uma linha e quando caía linha, você discava e rezava para não dar ocupado, porque se tivesse ocupado para pegar próxima linha você ia ficar mais uns 15 minutos. Então, o serviço público de comunicações era muito precário. É difícil imaginar hoje como é que se podia viver sem a comunicação, até porque muitas pessoas não tinham, a grande maioria das pessoas não tinha telefone. Então, para você falar com um parente no interior, você precisava mandar uma mensagem que ele tal dia, tal hora estivesse próximo a um aparelho telefônico para o qual você tentaria fazer uma conexão telefônica. Eu me lembro que eu tinha um tio que morava numa cidade, em Mogi Mirim, o número telefônico dele era 26. Imagina hoje, os telefones têm aí, nove dígitos! Na época, eram dois dígitos. Eram o suficiente para aquela cidade. Para se ter uma ideia do que em 60 anos evoluiu em termos de tecnologia de qualidade, de prestação de serviço público!
P/1 – Como é que vocês marcavam alguma coisa com alguém nessa época?
R – Normalmente, se marcava indo até a casa da pessoa e marcando. A forma mais rápida era você se deslocar e ir até a casa da pessoa. Eu me lembro que quando a minha bisavó materna faleceu, eles moravam na Lapa e um filho dele, tio de minha mãe, de madrugada, veio até em casa para avisar do falecimento da bisavó. Não veio de carro, veio com transporte público quando funcionou, porque durante a madrugada, o transporte público, na alta madrugada, duas, três horas não funcionava, começava a funcionar quatro e meia da manhã, que era para a população que ia trabalhar poder tomar ônibus e poder, às seis horas, estar no emprego, né? Então ele veio nos primeiros ônibus lá para poder avisar. Então, marcava assim, você ia na casa de um familiar e aí marcava: “Vamos almoçar no primeiro domingo do mês que vem na casa do outro tio”, e ficava combinado. A rede de comunicação, quer dizer, um indo na casa do outro e combinando. Tinha o Correios que também funcionava, mas para as coisas familiares assim, era mais no tête-à-tête, mais presencialmente que as coisas aconteciam.
P/1 – E aí, a iluminação pública era eficiente?
R – Não existia. Ela só existia no centro da cidade, nos bairros, você não tinha iluminação. Eu me lembro bem da onda de expansão do processo de iluminação, foi para as principais ruas de cada bairro, depois, foi se capilarizando, né? E uma característica interessante, a iluminação sempre foi algo que se apoiou nos postes existentes, então, era onde tinha um poste, você punha lá uma lâmpada ligada ao poste e a iluminação que se tinha era o que resultava, quer dizer, a iluminação não foi projetada pra um nível de intensidade luminosa necessária para atender necessidades das pessoas. A iluminação foi sendo colocada como sendo algo para melhorar a escuridão completa e interessante, não tanto por questões de segurança física, essa segurança que hoje aflige as pessoas, por questão de olhar o caminho mesmo, de você não cair no buraco, de não torcer o pé, alguma coisa assim, poder se deslocar. É interessante esse aspecto da segurança, pessoas fazendo mal às pessoas não era alguma coisa que afligia o cidadão na época. Ele se deslocava sozinho, na época em que eu fazia cursinho, eu fiz à noite, eu voltava às 11 e meia, meia-noite pra casa e eu me lembro que eu andava um longo trecho a pé sem ninguém, praticamente, eu na rua, eu ouvia o eco dos meus próprios passos e não me dava a sensação de poder estar inseguro, algo poder acontecer, não, até porque era raro acontecer, é uma outra época, essa agressividade, esse temor de pessoas são coisas de 50 anos, não mais do que meio do século. A maldade sempre existiu, é bíblico os assaltantes nas estradas, etc. e tal, assim, filmes de faroeste tinham lá os assaltos, a carruagem, sempre teve isso, mas não com essa frequência, não com essa sensação de que algo de mal possa ocorrer, deixando os nervos à flor da pele como nas cidades hoje, praticamente, as pessoas vivem, né?
P/1 – Isso, então, afetou o papel da iluminação pública, né?
R – A iluminação começou iluminando os caminhos por uma questão de se ver onde se pisa, mas hoje, a iluminação já é uma necessidade para que se aumente a percepção de segurança. E lógico, não só percepção, imagino que quem deseja fazer uma maldade, praticar um assalto ou qualquer que seja, quanto menos iluminado for o ambiente, mais acho que se sente seguro em fazer uma maldade qualquer. Se bem que hoje é relativo porque as coisas estão de tal forma, que já é irrelevante, né, acontece maldade de dia, de noite. Nessa época, eu me lembro que quando se falava em ladrão, era uma pessoa que furtava, a diferença entre furto e roubo é que furto é quando você subtrai alguma coisa ou roubo, quando você força e tira de alguém, não é? Os malfeitores eram aqueles que entravam incólumes, entravam escondidos, entravam nas casas das pessoas e levavam alguma coisa que você sentia falta depois. Você se sentia furtado. Então, lógico que um ambiente mal iluminado favorecia esse tipo de ação. Então, quanto mais você iluminasse, o risco você ia afastando, reduzindo esse risco, né? Isso se vinculou à iluminação. Mais ainda, até os dias de hoje, na Universidade de São Paulo, houve um caso clássico há uns cinco, seis anos atrás, de um aluno que faleceu reagindo a um assalto no estacionamento da Faculdade de Economia e o ambiente não era muito iluminado, árvores e etc. que tinham ao redor, ele estava num ambiente de uma certa penumbra, o que logicamente, para um ataque físico dá mais conforto para quem queira provocar esse ataque, esse assalto e aí, uma reação a essa circunstância acabou fazendo com que esse aluno perdesse a vida. Mas hoje, a iluminação tem como um dos papéis preponderantes, principalmente, em regiões menos populosas é criar uma condição de menor risco pela existência da iluminação, né, pela presença da luz.
P/1 – E na época que o senhor cresceu, a presença de rádio e TV era grande já?
R – O rádio tinha uma penetração muito grande, o rádio. Todas as pessoas ouviam rádio. O futebol era radiado. Era comum, aos domingos, depois do almoço, por o rádio no meio da mesa da sala e ficava lá, o pai, os tios que tinham vindo almoçar em casa ouvindo o jogo. A radionovela que era comum diariamente em capítulos, era novela feita no rádio, onde a imaginação das pessoas era estimulada pela sonoplastia pelos efeitos sonoros, pelo argumento, pela trama que estava se desenrolando, mas era o rádio. A televisão não existia, a televisão veio aí pelos 1950 e poucos, branco e preto. E ela trouxe uma mudança de comportamento na vida das pessoas, porque o rádio, ele solicitava somente o ouvido e as pessoas tinham o que fazer enquanto ouviam o rádio. A televisão solicita os olhos e o ouvido e a essa altura, ela limita, ela impõe uma atenção que tenha que ser dada a ela muito diferente do que a atenção exigida pelo rádio. A informação que vinha pelo rádio vem pela televisão de uma forma mais rica com as imagens, uma imagem vale mais do que mil palavras, é muito bom, só que para você ver essa imagem, você tem que parar o que está fazendo. Você pode dirigir um automóvel ouvindo rádio, mas não dá para dirigir vendo um programa de televisão. Então, eu acho que a presença e a chegada da televisão acabou sugando ou convergindo para ela um tempo muito importante das pessoas, subtraindo esse tempo de atividades que, praticamente, desapareceram do convívio humano, era muito comum a convivência das pessoas com os vizinhos, o conversar na calçada, noite de verão, todo mundo jantava e o jantar se dava ali, entre seis e sete horas da noite. E depois saía para as varandas ou para o portão para ver quem passava e ali, se conversava e ali, existia uma vida social que não existe mais. Hoje mora-se em prédios, em apartamentos e muitas vezes, você não conhece a pessoa da porta ao lado, né? Ele pode estar vivendo lá há muitos anos, assim como você. Então, a televisão criou nesse meio século, 60 anos de televisão, ela criou, ela foi um sorvedouro na atenção de pessoas com todos os seus reflexos, com todos os benefícios, mas com todos os seus reflexos de subtração de tempo que eram dedicados a todas as áreas, até para fazer mais devagar as coisas, se pensar enquanto se faziam coisas de uma maneira mais manual. Você preparava o alimento, isso investia tempo, hoje você compra alimento pronto e não gasta tempo nenhum, praticamente, né? Então, tudo que era a dedicação às pessoas, às coisas ao seu redor foi se concentrando no consumo industrializado para poder esse tempo dedicar à televisão. Antigamente, você ia ao cinema. A única coisa que te roubava o tempo de maneira integral era o cinema, você ia lá, assistia a um filme e naquelas duas horas, ninguém falava nada, ficava ouvindo, quieto, um ambiente escuro por conta da imagem e aquilo era um acontecimento onde você dedicava duas horas para não fazer outra coisa, que não cinema. Só que a televisão veio com esse mesmo conceito de tomar o tempo, você não faz outra coisa, às vezes, você põe a televisão rodando e põe o celular o ouvido e está falando com alguém, então você está vendo e ao mesmo tempo, falando, mas você está com o tempo consumido, porque você está diante da televisão. É diferente de você estar com o celular, com a auricular e mexendo, fazendo outras coisas. Na verdade, você está compartilhando um tempo que já está bloqueado, sugado pela televisão.
P/1 – E você ia muito ao cinema nessa época? Você gostava?
R – Cinema era praticamente obrigatório no final de semana,
P/1 – Ah é?
R – É. Tinham sessões especiais de cinema à tarde, que se chamavam de matinês. Tinham sessões de manhã no domingo, alguns cinemas no centro da cidade passavam desenho animado. Então, crianças de primeira infância que podiam, iam assistir o Tom e Jerry, o Gato Félix, os primeiros desenhos, antes do Walt Disney ainda nos cinemas do centro da cidade. Depois, tinha a matinê que era o cinema no domingo depois do almoço e aí, já tinham seriados, tinham filmes de cowboy e tinham os filmes que já se produziam na época, lógico, filmes para uma população juvenil, as películas cinematográficas, elas não eram tão picantes, elas eram, praticamente, de propósito geral. Elas começaram a ter a liberdade que a arte permitiu à indústria cinematográfica para filmes explorando temas mais específicos foi ao longo desses 50 anos, os temas eram mais gerais. O romantismo aparecia, era interessante, como um estímulo ao sentimento mais comum e permitido da época. Algumas coisas não eram permitidas e tão pouco de bom tom. Foi durante esse período que o primeiro beijo aconteceu no cinema, isso foi um burburinho no mundo. “Imagina, olha, em público, um beijo…”, coisas da evolução que estão aí registradas na história do cinema, mas era o evento social mais comum era ir ao cinema e depois do cinema, passar na sorveteria e tomar um sorvete e as pessoas se encontravam um pouco e o que acontecia um pouco da vida social fora de casa. Não tinha balada, não tinha casa de show, não tinha shows de música, quando acontecia um show era no cinema, que no lugar da tela subia a tela e ali, tinha um palco e ali era um auditório e se apresentava algum show, mas era muito raro.
P/1 – E algum filme te marcou nessa época, que você se lembra?
R – Marcou. Teve um, e eu acho que eu assisti quando eu tinha uns 12 anos, chamava-se “Férias de Amor”, bonito, né? Foi a primeira vez que um filme de cinema me tocou, uma história de uma mocinha que se apaixonou por um rapaz, eram jovens, tal e aquela paixão, depois ela teve que ir embora, o distanciamento, tal e aquilo me marcou bastante sob o ponto de vista romântico. Teve um outro filme, esse me marcou assim, no sentimento mesmo, assim, de ver as coisas da natureza. Era um filme que se passava na Índia e tinha uma jovenzinha, filha de um marajá, que por questões políticas, etc., ele morreu. Ele morreu e foi incinerado, uma maneira de se fazer um funeral hindu e eu me lembro que aquilo era num entardecer e a fotografia do filme era muito bonita, porque pegava o entardecer, aquele céu vermelho e o sentimento daquela criança, de ver um pai partindo, lógico, você transporta aquilo tudo para dentro da sua própria vida e mexe com os sentimentos. Esses dois filmes me marcaram muito. Lógico que se deixar a memória buscar, vem vários capítulos de seriados, de filmes de cowboys, mas esses dois filmes foram muito marcantes.
P/1 – E no rádio, você acompanhava o futebol também? Você era fã disso, não?
R – Eu não gostava muito e eu explico o porquê, porque o futebol tirava a atenção que eu poderia estar recebendo do meu pai. Meu pai trabalhava de segunda à sábado. Sábado era dia de trabalho normal. Eu me lembro da época em que o meu pai começou a trabalhar meio dia no sábado. Foi fantástico, quanta coisa mais que dava para fazer. A convivência com o pai, ele saía, você não estava acordado. Ele chegava, você estava acordado, nós jantávamos juntos todo dia, mas depois de um dia de trabalho e etc., então a participação… meu pai ainda participou bastante da minha vida escolar, ele gostava muito de Matemática, então, ele me observava no que eu fazia de Matemática e me dava lição adicional ainda em casa como uma maneira de reforçar a atenção nos estudos, né? Mas o mexer, por exemplo, na horta que se tinha, todo mundo tinha uma pequena horta em casa, plantava uns pés de couve, um almeirão, uma alface. Fazer coisas com o pai, serrar madeira... o domingo era o dia. O domingo tinha na parte da manhã a missa, que já consumia uma boa parte do tempo, praticamente, a manhã toda, você tinha que se deslocar a pé, tinha que voltar a pé. Aí, tinha o almoço, normalmente, você ia almoçar na casa de um familiar ou um familiar vinha almoçar em casa. A família se frequentava bastante. E tinha o depois do almoço e o pai ficava ouvindo o rádio para ouvir o bendito do Palmeiras, que era o time que ele torcia e ele ficava lá ligado no tal do Palmeiras e eu querendo brincar, querendo interagir mais, então, eu não gostava muito do rádio por esse assunto, aí. Mas foi assim.
P/1 – E em geral, como é que era o humor do seu pai e da sua mãe, como é que eles tratavam vocês? Como é que era…
R – Muito bem. Aí vem uma fase muito interessante, querida. Eu fui o primogênito e com esses acidentes todos, primeiro a queimadura, depois a poliomielite, lógico que eu sempre fui um motivo de atenção, de carinho, mas de preocupação. Então, eu via que eles tinham uma atenção muito grande comigo, um carinho especial, mas sem paternalismo. Olha, tudo que eu fiz na vida eu devo a essa atitude natural deles, porque não foi uma atitude projetada, não foi com apoio de psicólogos que eles tomaram, fizeram assim porque entenderam que era o melhor. Eles nunca me tentaram proteger de maneira a não enfrentar os problemas que eu teria que enfrentar ao longo da vida. Eu levei bronca sim, e muito, eu fui exigido na disciplina e muito. Hoje não é permitido, é um pecado em você falar em dar palmadas em criança, mas na época, eu e as minhas irmãs fomos criados sim, levando uns petelecos nas pernas e forte. E as minhas pernas eram atrofiadas, mas não é por isso que eu não levava. Então, me deram um tratamento de uma pessoa normal, como se não tivesse tido os problemas que eu tive. Me solicitaram em tudo o que era comum numa família que educava o filho, esse conceito da educação, uma família educando, eles foram muito rigorosos nesse sentido. E solicitaram de uma maneira que me permitiu encarar a vida como ela é, dentro desse meu processo de convivência com a poliomielite, com as sequelas da pólio, eu vi pessoas que tiveram a tal da poliomielite, mas ficaram com sequelas menores, um braço ou uma perna, etc., que ficaram naquilo que estavam na época, protegidos pela família, protegidos pela sociedade e ficaram travados dentro de uma cadeira de rodas e ali ficou a vida e passaram a vida simplesmente contemplando o que se passava. Eu acho que essa atitude de ter que enfrentar as coisas do jeito que elas são, que não dá para fazer do jeito que os outros fazem, procure uma maneira diferente de fazer, mas procurem e sem entregar a solução pronta, quer dizer, estimulando ao desafio. Isso foi o que me deu condições de poder fazer uma carreira ao longo da minha vida pessoal, profissional, social, como eu consegui fazer. Então, essa capacidade de não se penalizar, de não dar de graça algo que tem que ser conquistado, eu acho que foi um traço pedagógico, uma maneira de educação e eu devo muito, se não fosse isso, eu não teria chegado até aqui. E olha, eu faço uma comparação aos tempos modernos, aos dias de hoje, as crianças na sua maioria hoje não têm poliomielite porque a vacina já existe hoje, na minha época não existia, mas hoje a vacina já existe, no entanto, por conta do trabalho materno, porque hoje mulher também tem que ir ao trabalho e não mais por uma questão de desejo da mulher e etc., é que hoje, para manter uma família uma pessoa só ganhando, jovens, às vezes, é muito pouco para poder manter, é preciso que os dois trabalhem. Os filhos estão sendo terceirizados para escolas ou babás. E aí, na hora em que os pais têm que conviver, parece que é uma espécie de uma culpa generalizada, de entender que o relacionamento com os filhos é de compensá-los de alguma forma por essa ausência compulsória, até. E essa compensação é permitir tudo. Isso tudo acobertado até por linhas filosóficas de dizer: “Não, as crianças têm que ter… fazer tudo que tiverem vontade para poderem expressar a maneira como são, os seus reais anseios”, só que isso leva a uma incoerência social, porque à medida em que cada um faz tudo o que quer, começam a existir as áreas de conflito. Algumas coisas você tem que parar onde começam as coisas dos outros para poder conviver bem, senão, é só confusão. Então, e voltando a origem, eu tive uma felicidade muito grande de não somente os pais, os meus colegas durante a fase de ginásio, eu me lembro nas aulas de Educação Física, a gente ia para a tal da piscina e que o pessoal exigia que eu fizesse o que os outros estavam fazendo e levava bronca por não estar conseguindo, quer dizer, diante de um tombo, me ajudavam a levantar, mas: “Pô, volta outra vez e tenta superar a dificuldade”, eu acho que isso foi uma conduta que eu fui muito feliz em poder conviver com pessoas que tiveram essa conduta ao longo da minha vida me estimulando a superação da dificuldade e não me dando ou me suprimindo a necessidade de enfrentar a dificuldade que tem que ser enfrentada, todo mundo tem.
P/1 – E você teve algum professor que te marcou nas escolas antes do vestibular?
R – Olha, todos os professores, de uma maneira geral, acabaram eu acho que marcando, porque eu consigo me lembrar de praticamente todos. Pela forma como se dedicaram, não necessariamente da maneira pessoal como se dedicou. Eu tive uma professora que essa me deu uma atenção muito especial, mas não uma atenção assim, de penalização, eu acho que ela até me solicitou ou me deu distinção dentro do grupo, dentro da classe por uma questão de compensação, acho que ela entendeu que isso eu gostava e na época, me fazia bem. Era uma professora de desenho na época do ginásio, e que era comum, professor entrava em sala de aula, os alunos se levantavam, aí o professor punha as coisas na sua mesa e dizia: “Pode sentar” e todo mundo sentava e a primeira coisa que a professora fazia era fazer a chamada, verificar aluno a aluno quem estava presente e essa professora me chamava e me delegava essa tarefa, era eu quem cantava nominalmente o nome de cada aluno e era marcado na caderneta da professora e essa tarefa então, ela me destinou um ou dois anos que ela foi minha professora de Desenho. Então, marcou, dona Geralda, marcou bem, era muito brava, muito rigorosa, mas ela foi muito generosa, muito bondosa comigo. Agora, cada professor se distinguiu por aspectos como pessoa, como profissional, pela cultura, pelo conhecimento, pela maneira, pelo trato. Eu tenho uma visão de professor dessa época pré-universitária muito positiva, os professores eram pessoas admiradas, eram pessoas que pelo valor, por aquilo que faziam, pela maneira de ser, pela forma como se relacionavam, tinham uma autoridade não imposta, uma autoridade que se conferia, que se consentia nessa autoridade pelo respeito ao conhecimento e à maneira como atuavam diante daquele grupo de 30, 40 alunos que compunham uma classe. Admirável, assim, se for pegar aspectos da vida humana, eu acho que eu saberia contar uma história de cada um deles por aquilo que marcaram. Tem uma coisa e isso não foi professor, isso foi quase uma piada, uma professora de Português, um dia saindo dessa escola, desse ginásio, eu tinha que tomar um ônibus elétrico que passava na porta do ginásio para fazer uma parte do caminho de retorno para casa. Havia o passe escolar, um pedacinho de papel que você comprava mais barato para pagar o ônibus. Eu me lembro que eu subi no ônibus, essa professora subiu também e eu peguei dois passes e dei para o cobrador e nós tínhamos acabado de ter uma aula de Português e eu tinha aprendido uns vocábulos novos e eu disse para o cobrador, com a professora do meu lado: “Por favor, cobre a minha passagem e dessa efêmera”, o cobrador pegou os dois bilhetes, lá. Na aula seguinte, ela explicou que efêmera é passageira, mas não é passageira de ônibus, é passageira, assim, o tempo passa, né? E eu querendo usar o que eu tinha acabado de aprender, usei de maneira não apropriada.
P/1 – E aí, depois, quando você entrou na Poli, como é que foi lá? Como é que era a USP na época?
R – A Poli estava no momento de vir para a Cidade Universitária. A Politécnica foi fundada em 1893 por Paula Souza, que era um político aqui de São Paulo, mas muito impressionado com a necessidade de Engenharia para que São Paulo, que estava se desenvolvendo na indústria pudesse ter o recurso necessário para poder se desenvolver. Os engenheiros que se tinha eram todos engenheiros importados, eram todos que se formavam lá fora ou pessoas estrangeiros que vinham para cá, ou filhos de famílias locais que podiam mandar seus filhos para o exterior para poderem estudar. E sentiu-se que era precisão, então, ter escolas de Engenharia, de Direito, as coisas necessárias para a vida de uma cidade que estava se desenvolvendo em grande velocidade. Então, Paula Souza montou esse projeto de Lei, era um político, conseguiu aprovar na Assembleia que se criasse uma escola de Engenharia, Escola Politécnica aqui e ela foi formada e se instalou lá na região da rua Três Rios, na região da Praça Coronel Fernando Prestes, próxima a estação da Luz e ali foram construídos prédios para alojar a Politécnica. Hoje, tem uma Fatec naqueles prédios, prédios bonitos que ficam dentro dessa praça. Mas a escola foi crescendo pela necessidade da sociedade e pela diversificação do conhecimento na área de Engenharia. Na época, se formava engenheiros, depois se abriu em engenheiros civis, que mexiam com construção e etc., e engenheiros eletromecânicos, que mexiam com eletricidade e mecânica conjuntamente. Depois, isso abriu em eletricistas e mecânicos e depois, se abriu novamente em outras especialidades, porque o conhecimento cresce de uma maneira tão rápida, que não dá para num tempo de cinco anos você poder dar aos alunos o trato ao conhecimento existente se não for escolhendo especialidades. Assim começou a Politécnica. Eu, quando entrei, fiz o vestibular ainda nos prédios lá no centro da cidade, mas a escola já estava se mudando aqui para a Cidade Universitária. A Cidade Universitária também como uma cidade, tinha alguns prédios construídos, muito menos do que tem hoje, muito menos. Avenidas projetadas sem asfalto. Os ônibus que levavam as pessoas para lá, porque isso era um canto da cidade, Escola Politécnica, esta área que eram os baixios do Rio Pinheiros, esta era a área que no passado, quando o rio Pinheiros alagava, cobria aquela área toda de água, era um grande reservatório de água, aquilo foi aterrado, etc., essa conquista de terrenos que as cidades foram fazendo em relação aos rios criaram aquele espaço. Não tinham árvores, as árvores estavam sendo plantadas, era um grande desertão e alguns prédios. Bem, foi para aÍ que eu vim e comecei os estudos em 1966, em janeiro de 66. O vestibular foi em 1965, 1966 era o primeiro ano.
P/1 – Desculpas. Antes de começar, esqueci de perguntar uma coisa que é a respeito de 64, como é que foi isso para você e para a sua família? Como é que foi o clima?
R – Em 1964 eu EStava no segundo ano do chamado colegial, hoje seria o sexto ano do primeiro grau, né? Não, sexto não, já seriam oito… era segundo ano do segundo grau. Eu estava vivendo mais lá na região da zona norte da cidade e fisicamente, eu não participava desses grandes movimentos. No colégio se falavam, professores falavam, alguns colegas que moravam mais na região central falavam, mas eram mais notícias que vinham pelos jornais, pelo rádio, pela televisão que já existia. Mas a lembrança que eu tenho eram de tempos agitados, política agitada, mas que não chegou a interferir na vida da família, porque o meu pai era um profissional mais operacional, então o emprego dele se manteve durante esse tempo todo, então, não houve assim, um grande impacto. Eu fui sentir as consequências dessa revolução já nos anos 68, a crise de 68 eu estava na universidade, eu tive aulas que foram suspensas por medidas de segurança. Eu me lembro que era uma manhã de um dia, veio alguém de lá da escola e disse: “Vai todo mundo para casa e cuidado na hora de sair, porque está havendo troca de tiros entre policiais e alunos com rojão que moravam no CRUSP”, e a saída da Cidade Universitária fazia que se passasse por uma avenida que dava para ver os movimentos, então, aquilo que os filmes retratam hoje, as reportagens da época, eu tive chance de ver lá dentro. Tive professores que foram capturados durante a madrugada e levados e soltos aí ao longo das estradas, quer dizer, eu assisti mais. Como a minha condição física não permitia participar de grandes movimentações, porque se tivesse que correr, eu não ia correr, mesmo, eu fiquei um pouco fora desse movimento. Acompanhava nomes de pessoas que hoje militam na política, existiam dentro da universidade naquela época, da universidade, eu não convivia diretamente com esse pessoal do centro da política, mas eu me lembro que, com frequência, nós tínhamos assembleias e o pessoal do grêmio se manifestando e tirando posições e decidindo apoio. As passeatas, alguns colegas voltavam machucados das passeatas, alguns. Teve um traumatismo craniano, lá, uma cacetada na cabeça, mas sobreviveu, se formou. Então, vivi mas não vivi no centro e não tive uma posição ativa dentro dessa época.
P/1 – Mas interferia nas aulas, interferia na USP também?
R – Nas aulas pela interrupção, pelo clima também, esse clima de insegurança, quando acontece alguma coisa é muito próprio… como nos dias em que estamos vivendo hoje. Na sexta-feira, um acontecimento na França comove o mundo como um todo. Naquela época, quer dizer, essa situação dessa revolução que ano acontecia só no Brasil, acontecia também nos países ao redor, parece que cria um clima, um ambiente de insegurança, você não sabe bem para que lado vão as coisas, por mais que você tenha uma posição, uma ideologia ou uma posição política, isso tudo são desejos. Mas a consequência no que vai resultar aquilo tudo, ninguém tem segurança e isso faz com que os nervos fiquem um pouco à flor da pele, fique um pouco difícil você ter planos de futuro muito claros, sabe, é fácil para os jovens que talvez não tenham ainda uma percepção dessa insegurança e que conseguem ser arrojados e manter os seus sonhos e entender que o caminho vai estar livre e o que não tiver livre, ele vai fazer ficar livre para tocar a vida para frente. Para os mais adultos, para aqueles que já têm responsabilidades pelos filhos e etc., eu sinto que esse clima de insegurança paralisa, sabe, tira a vontade de fazer planos, todo mundo deixa para decidir amanhã, não faz hoje, não decide hoje, cria uma paralisia, uma letargia social, eu sentia isso na época. Mas foi interessante, porque logo depois do vestibular, eu tinha que me manter, eu morava na zona norte para vir para cá assistir aula e voltar para a zona norte, tinham alguns ônibus que eu tinha que tomar, etc., sempre com alguma dificuldade, mas que dava para tomar, mas aí, no primeiro ano de faculdade, já mais no final do ano, meu pai conseguiu comprar um carrinho usado e me dar para eu me deslocar, para ir e voltar para a casa, mas junto com o carro, ele me deu as despesas do carro. E aí, eu comecei a trazer colegas que moravam lá na região e dividia os gastos do carro com eles para poder manter o tal do carro e dar aula particular, porque eles ajudavam manter, mas um carro sempre tem uma ou outra despesa e eu precisava dar aula particular enquanto isso acontecia e dava. E foi o que me manteve aí ao longo da vida escolar.
P/1 – E o que te levou a escolher Engenharia Elétrica?
R – Pois é, no bairro onde eu morava tinha um amigo, hoje é meu cunhado, até, acabou se casando com uma irmã minha e ele tem um irmão que era tido como a referência ali no bairro, era um sujeito estudioso, um sujeito bem sucedido profissionalmente, quer dizer, ele tinha boas notas, etc., e era tido como uma referência e ele tinha feito Politécnica, ele tinha feito Elétrica e tinha ido para o lado da Eletrônica, porque na época, você falava engenheiro eletrônico era o suprassumo, era como se falar astronauta hoje, um negócio assim, para muito poucos, muito difícil! E isso acabou me desafiando e eu acabei tendo esse desejo, até porque eu já percebia que atrás da eletricidade, atrás da eletrônica viriam coisas que ainda não se percebia, não se falava em computação na época, mas a eletrônica dava… talvez, aqueles filmes de ficção científica, Flash Gordon, em que você via alguns aparatos eletrônicos misteriosos que causavam alguns efeitos, né, levitação, andar pelo espaço e aparentemente, era tudo eletrônica. Então, aquilo, na verdade, era uma espécie de uma janela para um sonho, uma janela tecnológica para o sonho. E eu abracei com vontade e fui querendo fazer Engenharia Elétrica no final do segundo ano da faculdade, tinha nota suficiente para escolher, eu escolhi Elétrica. Depois um ano adiante, tinha que escolher a modalidades de eletricidade, a Eletrotécnica ou a Eletrônica, que na época, era fácil de definir, tudo que está da tomada elétrica para trás é Eletrotécnica e tudo que estava da tomada elétrica para frente era da Eletrônica. E eu, então, abracei a Eletrônica. Mas quando eu estava no quarto ano de Engenharia, nós começamos a mexer com os computadores. Um professor líder do nosso grupo, nessa época, conseguiu trazer para a universidade um primeiro computador para pesquisa. A universidade já tinha nessa época um computador onde os alunos praticavam linguagens de programação, era um computador ainda das primeiras séries de computadores fabricados, mas o nosso laboratório ganhou um computador para a gente mexer com as entranhas do computador, abrir esse computador e nós começamos a trabalhar com ele. Eu virei o administrador desse computador e acabei ganhando intimidade com computadores dentro da Eletrônica, que aí, a Eletrônica já se mostrava com características de subdivisão, tinha comunicações, tinha a parte de controles de automatismos, tinha essa computação que estava chegando e tinha um outro ramo de componentes eletrônicos que começava a chegar a miniaturização de componentes eletrônicos, os circuitos integrados. Então, no meio dessa diversificação que estava aparecendo, eu me concentrei na computação, tanto e que estagiei como estagiário desse centro de processamento, desse laboratório de sistemas digitais e ao me formar, eu recebi um convite da Escola de Engenharia Mauá para ir auxiliar a implantar o primeiro computador na Escola de Engenharia Mauá e dar aulas de linguagens de programação para os alunos de Engenharia no ano de 1971. E assim foi. Então, fui para lá, mas comecei a pós-graduação imediatamente e a pós-graduação dentro da área de Computação. Durante a época da pós-graduação, um professor americano que foi convidado para vir para cá para ensinar projetos de computadores desafiou um grupo de alunos da pós-graduação: “Vamos fazer um computador?” “Vamos fazer um computador, vamos fazer um foguete, uma astronave, o que mais?”, ele falou: “Não, vamos fazer um computador?”, e aceitamos o desafio. E com recursos pagos que se tinham, eram muito poucos, mas o diretor da escola bancou e conseguiu recursos para a gente, nós fizemos um primeiro computador brasileiro e esse computador tem o nome de Patinho Feio, porque, simultaneamente, a Unicamp também quis fazer um computador e conseguiu um projeto com a Marinha e o hino da Marinha fala “Em qual cisne branco que em noite de lua…”, e deram o nome do projeto de Cisne Branco. Como o nosso aqui tinha mais dificuldade, nós demos o nome de Patinho Feio nesse projeto. E o nosso projeto se concluiu, foi capa da Veja na época, teve uma repercussão muito grande e que depois, nos deu a possibilidade de desenvolver um projeto de computador que foi industrializado, o primeiro computador brasileiro industrializado saiu daqui desse grupo do qual eu participava. E com isso, criou-se a modalidade de Engenharia Elétrica-Eletrônica Computação. Hoje, curso de Engenharia de Computação, que tem um departamento próprio para isso, departamento do qual eu faço parte.
P/1 – E nessa época, você falou computador… o que vocês tinham de expectativa para a vida das pessoas com o computador, com as descobertas que isso…
R – Olha, o computador se mostrava na época como sendo algo que fazia contas muito rápido e o que se sentia? Eu fui dos primeiros grupos, participei dos primeiros grupos que usou o computador para aplicações que não aplicações numéricas bancárias, porque o computador veio para auxiliar os bancos a cuidar de contas-correntes, fazer folhas de pagamentos, mas começou simultaneamente uma aplicação de computador para automatizar máquinas para fazer coisas, automação industrial. O nosso grupo pegou o computador para projetar computadores, para fazer computadores com funcionalidades mais avançadas, a cada novo modelo que se projeta. se projeta com melhorias em relação ao que já foi projetado antes e o nosso grupo se aprofundou em como projetar computadores, como mexer com Eletrônica e fazer computadores com essa Eletrônica. E se sentia que as aplicações estavam à disposição, não havia limites para pensar na aplicação de computadores. A miniaturização desses computadores já se imaginava, ia poder ir para dentro dos automóveis. Hoje, qualquer automóvel tem vários computadores embarcados, você não tem mais carburador, um motor flex, o controle da mistura do combustível e como controlar o motor é um programa de computador. Um carro, você leva numa concessionária, ele pluga um conector que faz o diagnóstico da situação do motor por um computador. Um computador falando com o computador que está lá dentro. Qualquer máquina de lavar roupa tem eletrônica embarcada, tem um computador, um cara de um circuito eletrônico. Quer dizer, hoje, tudo! O seu telefone é um computador. O smartphone é um computador, mesmo sem ser um smartphone, ali dentro, você tem um computador que faz as funções de telecomunicações. Então, se sentia essa possibilidade de penetração, de entrar praticamente em todas as áreas da tecnologia, né? Começava a se ver a possibilidade de usar os computadores em processamento de imagens, porque as primeiras imagens que se tinham eram tubos de raios católicos, como TVs e se punham caracteres, a primeira imagem que eu vi de computador era uma imagem onde o pixel era um caractere, você punha um ponto ou um A que tinha uma densidade maior do que um ponto, era composta uma imagem de caracteres que ao se distanciar, você via uma imagem. Aí depois é que se começou a utilizar processamento de imagens efetivamente e isso já em 1980, trabalhar com imagens e se sentia que isso ia poder reduzir de tamanho o consumo de energia. Hoje você tem imagens em qualquer brinquedo de criança, você tem ali uma imagem porque atrás tem um pequeno computador. Agora, computador também virou um nome genérico de um dispositivo eletrônico de complexidades variadas e que são customizadas para atender necessidades especificas. Tem computadores para eletrodomésticos, computadores automotivos, computadores de comunicação, computadores, o seu notebook, o seu desktop, mega computadores para armazenar tudo o que o mundo produz de informação e estão aí nas nuvens, hoje, enormes bancos de dados, que no fundo, é memória de computadores.
P/1 – Mas esse projeto que vocês fizeram, ele era artesanal, então, é isso?
R – Sim, foi o desafio por fronteira mais adiante. Nós sabíamos projetar circuitos elétricos. Agora, projetar computadores que esse que… que no fundo, é um circuito elétrico, é um circuito elétrico que tem um comportamento que obedece a regras de circuitos, que ele memoriza coisas, que ele sabe fazer contas, operações logicas e com isso, você pode programá-lo para fazer coisas de complexidade cada vez maiores, até processar os assuntos que hoje ele processa, né, é sempre uma questão evolutiva de projeto evolutivo, ou seja, você faz alguma coisa, vamos refazer com algumas características a mais, faz alguma coisa… você pega o avião, o Santos Dumont quando decolou lá em Paris com o 14 Bis a primeira vez, o avião andava até ao contrário, né? A asa ficava atrás, o bico ficava para frente, aí você olha hoje um A380, um avião de dois andares, fala: “Como é que de lá veio até aqui?”, veio com um número muito grande de versões intermediarias, que a cada versão, você incorpora novas facilidades, novas características, né? Assim foi o computador. O nosso primeiro computador, esse Patinho Feio existe, ele está lá no corredor da diretoria da Politécnica, está lá o que de físico fizemos lá, a memória dele ainda foi enfiada com núcleos de ferrite com fiozinhos de cobre passando por dentro para se criar uma informação binaria armazenada. Hoje, você tem circuitos integrados que você coloca ali dentro, você pega um pen drive hoje aí, quantos gigabites você coloca lá dentro? Para você ter uma ideia, no computador em que eu estagiei, o primeiro computador que eu fui ajudar a implantar na Escola de Engenharia Mauá, um megabite era a capacidade do disco do computador, cujo tamanho era do tamanho de uma máquina de lavar roupa, mas dava um megabite. Um megabite hoje tem qualquer brinquedo de criança, qualquer bobagem, um megabite não dá para fazer nada e era tudo o que tinha na memória de grande porte. A memória principal do computador, então, era minúscula, mas era o começo, quer dizer, deu origem a toda essa expansão que leva a maravilhas que se tem hoje.
P/1 – E depois desse projeto, o que surgiu para você?
R – Feito esse projeto do Patinho Feio, ele ganhou a repercussão que teve o assunto, houve um projeto patrocinado pela Secretaria do Planejamento da República, não era nem Ministério do Planejamento na época, Secretaria do Planejamento, Ministério da Marinha, que assim como existia a Telebrás, criou-se a Digibrás na época, que era uma empresa estatal que cuidaria das coisas digitais e eles contrataram um projeto então com esse nosso grupo aqui na Politécnica para desenvolver um primeiro computador para ser industrializado. E foi feito então esse computador, tem o nome de G10, G porque havia um comandante da Marinha que era responsável pela parte da Marinha no projeto e ele… esse comandante chamava-se Guaranis e ele faleceu ao longo do projeto, então, deram o G do Guaranis e dez porque estava dentro da universidade e a máxima nota que você tinha era dez, então, G10 o nome do computador. Ele foi produzido e foi industrializado, quem industrializou foi uma fábrica brasileira de computadores da época, chamava-se Cobra Computadores, bra de brasileiros, era uma época onde a política do momento, esses anos aí, 1970 e alguma coisa ainda era de verticalização, havia reserva de mercado, o país tinha como estratégia produzir os seus próprios computadores, senão, ficar importando, entendendo que a gente tinha que dominar essa tecnologia digital como uma questão estratégica, nem econômica, era muito mais barato comprar de fora, mas estrategicamente, pensava-se na época que se você ficasse na dependência de só importar, sem saber fazer, um determinado momento, poderia ocorrer uma situação em que os exportadores não quisessem mais exportar, nós ficaríamos ilhados, sem saber como fazer. Então, como estratégia, veio trazer para fabricar aqui, para fazer aqui, dominar, conhecer o processo como um todo por uma questão de segurança da população, do país como um todo. Como eram os anos 70, ainda dentro do período de revolução, então, essas estratégias de segurança nacional estavam muito presentes, e isso então, fazia com que se aprofundasse o conhecimento em algumas coisas. Interessante como alguns períodos da história ganham uma rotulação, parece que tudo que se fez naquela época ou é tudo bom, ou é tudo ruim. não é assim, tem coisas ótimas que aconteceram dentro desse período, por exemplo, em 1973, houve uma crise mundial de petróleo e essa percepção de segurança nacional fez com que se desenvolvessem uns projetos lá em Lorena, chamava-se faculdade de Engenharia Química de Lorena, se desenvolveram projetos de fazer o álcool ser um combustível para o motor de automóvel e aí, nasceu o Proálcool e foi aí que o álcool combustível ganhou expressão por uma decisão que não era uma decisão econômica, o primeiro litro de álcool custava muito caro e também não funcionava muito bem, os carros com motor a álcool foram problemáticos no começo, mas assim como nós não podemos ficar na dependência do petróleo externo, onde se corta a produção de petróleo por brigas políticas no Oriente Médio e etc., para a nossa economia, então, como fazer para se ter um caminho alternativo deu origem a todo programa de álcool, ao Proálcool, ao desenvolvimento de motores que depois, tivemos os motores flex, primeiro começaram os motores a álcool e a gasolina, separados, diferentes. Hoje, um motor que você pode misturar as duas coisas e acaba funcionando. Foram coisas que aconteceram por conta dessa percepção. Itaipu, dificilmente uma usina como Itaipu seria fabricada, seria construída, seria projetada nos tempos modernos, ela foi feita com uma capacidade de produção de energia elétrica que era de sobra para o país, só que a demanda cresceu e ela se tornou útil e hoje, ela já produz tudo que pode e nós precisamos de mais ainda. Então, naquela época, pelas circunstâncias, sem juízo de valor, se era certo ou errado, mas foram feitos alguns grandes projetos que marcaram, deram alguma direção a um desenvolvimento nas áreas técnicas, algumas coisas boas, outras ruins, por exemplo, a ferrovia atrofiou, os carros sobre pneus, a indústria automobilística veio toda ela pujante, etc. Foi bom? Nós temos uma porção de fábricas de automóvel. Foi bom para o planeta? Não, nós estamos queimando muito combustível fóssil, seria melhor ter uma rede ferroviária funcionando, metro, ferrovia funcionando a eletricidade e estaria gerando muito menos poluentes, mas a vida, as sociedades são um complexo muito parecido com a própria pessoa. A sociedade também está vivendo pela primeira vez o momento em que está vivendo, não é porque no passado aconteceram grandes acertos ou grandes erros que vai fazer com que a sociedade dê o próximo passo de uma maneira mais ou menos acertada. Todo mundões está vivendo pela primeira vez com as percepções que tem, né? Entendeu-se que desenvolver a indústria automobilística seria uma maneira de se gerar um volume de empregos muito maior que desse ocupação a muito mais gente do que uma indústria ferroviária. Tinha essa preocupação estratégica, se por um lado, tinha o malefício do trânsito, do congestionamento, do grande número de automóveis, por outro lado, que outra indústria teria dado emprego a essa explosão demográfica que nós tivemos? Veja que quando a economia apresenta qualquer sinal de dificuldade e você vê que reduz a produção automobilística, você vê que de imediato, o reflexo que isso dá é na empregabilidade, até porque por conta do desenvolvimento rural, as populações estão vindo todas para as cidades e qual é a ocupação que você dá para essa gente? Hoje, um trator anda no campo até cem o operador do trator, anda como uma máquina autônoma, guiada por GPS e que faz o trabalho de uma centena de pessoas, trabalha durante o dia e durante à noite, automaticamente. Irrigação, põe água onde precisa e as pessoas atraídas pelo conforto da vida moderna, pelos atrativos das cidades, vêm para as cidades e cada vez mais para as cidades e o quê que você dá pra essa gente fazer? Reduz a jornada, hoje não se trabalha mais de sábado, trabalha-se cinco dias na semana e logo mais, vão estar trabalhando menos ainda. Aí, acontecem fenômenos paralelos, começam a sobrar tempo para as pessoas, o que as pessoas fazem com o tempo? Aí, voltamos aí outra vez a televisão, põe televisão, põe o sujeito lá e fica metade da vida olhando para uma tela, põe jogo para ele ficar vendo jogo, põe show, põe… o que dá para as pessoas fazerem se elas não precisam mais investir todo o seu tempo para produzir o alimento? Ela não precisa mais investir tempo para se proteger em guerras, em revoluções? Está sobrando tempo e a hora que sobra tempo e a hora que a demanda é estimulada, o consumo é estimulado, porque se não houver consumo, as fábricas não produzem e se elas não produzirem, elas não empregam e se elas não empregam, caos, então o consumo. Aí aquele que não tem para consumir se sente excluído e aí, ele se torna agressivo para poder ter ou tomando o seu tênis novo ou te tirando um dinheiro para comprar um tênis novo e o resultado disso se chama insegurança. Então veja que as coisas estão muito ligadas entre si. Não é que existe o mal porque o mal existe e algumas pessoas gostam de serem más, todos nós estamos no meio de um grande caos social, uma grande mescla de cenários, de cores, de problemas, de situações onde cada um vai administrando em função da necessidade que às vezes nem é própria, às vezes, é induzida pelo marketing, pela propaganda e não que isso seja bom ou ruim, a propaganda pode ser até um vizinho que comprou um carro novo, quer dize, não tem nenhuma ação do marketing aí, mas simplesmente você vê o vizinho com o carro novo e o seu carro é velho, dá impressão que você ou não é tão bem sucedido quanto o vizinho e você tem a necessidade de ter e para ter, você vai se matar, vai trabalhar mais, vai, vai, vai… e alguns pegam alguns caminhos mais curtos, tentam se apropriar de coisas de maneiras não tão corretas e assim é a sociedade.
P/1 – Depois disso, você se casou nessa época?
R – Durante a faculdade, eu tive namoradas como todo mundo teve, as dificuldades aqui físicas não me impediram de ter um bom número de namoradas e etc., mas aí, durante a faculdade, eu conheci uma estudante de Odontologia, acabamos namorando, noivamos e casamos. Logo depois que eu me formei, dois anos depois, nós nos casamos, tivemos dois filhos, uma moça e um menino. Ela se casou ainda estudante, completou sua vida profissional e começamos então, a desenvolver a família, as crianças crescendo. Aí teve um momento um pouco difícil, porque depois de oito anos de casados, o casamento começou a não ir muito bem e ela decidiu sair do casamento e eu fiquei com os filhos. Então, na época, tinha um programa de televisão que chamava-se Malu Mulher, contava a história de uma moça que tinha desfeito o casamento e ficado com as crianças, no meu caso, era o Malu Homem, eu fiquei o descasado ali, quer dizer, o casamento se rompeu, ela saiu, mas eu fiquei com as crianças. Depois, houve um processo onde ela pleiteou as crianças novamente, fomos até a justiça e as crianças permaneceram comigo e aí, comecei a fazer uma vida eu e os filhos pequenos. O menino tinha três anos de idade e a menina tinha seis. Difícil pra você tocar a vida profissional, eu tinha nessa época, eu era responsável por todo abastecimento de água de São Paulo, na Sabesp, eu estava fazendo meu doutorado, eu dava aula na universidade e estava convivendo com essa situação. Aí, foi difícil, mas evoluiu até que eu encontrei uma pessoa que já conhecia, na época de juventude, ainda e acabamos construindo novamente a família, ela veio, hoje é minha esposa, nos casamos, depois de todo processo de separação, divórcio e etc., e ela é responsável pela formação dos filhos dentro da composição familiar. Não tomou o papel da mãe, a mãe é a mãe, mas ela é a pessoa que fez o papel da mãe na presença de todos os dias, na atenção aos filhos e o relacionamento dos filhos com a minha esposa atual é uma relação de filhos e mãe. E também, eles tinham três e seis anos quando ela veio viver conosco. Hoje eles já têm 40 anos, então, já faz muito tempo. Acompanhou a vida toda deles, foi a mãe presente, na atitude de mãe, ela veio preencher um espaço muito importante.
P/1 – E você teve o seu primeiro filho com quantos anos?
R – A Juliana nasceu em 1974, eu nasci em 1947, tinha 27 anos.
P/1 – Como é que foi quando ela nasceu?
R – Foi muito bem, o casamento estava muito bem, ela foi desejada, uma criança que nasceu… eu confesso que eu tive muitas preocupações, porque esse meu quadro de Poliomielite, radioterapia que eu tomei muito dentro desse processo, eu não sabia se isso tinha causado alguma consequência genética que pudesse se manifestar em seguida. A primeira gravidez da minha primeira esposa não foi bem sucedida, eu aí já achei que tivessem complicações, mas aí veio essa segunda gravidez, foi bem, nasceu. Uma menina perfeita. Muito graciosa, nos encantou a todos, né? Depois, veio o segundo, um menino, o Guilherme também sem problemas, um menino sadio e a família estava indo para o rumo que todo mundo projeta para uma família nos padrões convencionais, mas como na vida, a gente sabe, sempre pode ocorrer algo que mude aqueles planos convencionais que a gente acaba construindo, aparecem situações novas. Essa situação que apareceu onde ela, a esposa, não se sentia bem com esse ambiente muito bem regrado, talvez ela desejasse alguma coisa um pouco mais livre, sem tantas responsabilidades, imagino que tenha sido duro, porque tomar essa decisão de sair de casa, deixando duas crianças não é uma decisão fácil. Eu entendo que deva ter sido muito difícil. Foi difícil para todo mundo, né? Para mim mesmo, imaginava já ter dado a minha contribuição de sofrimento na vida, agora daqui pra frente, é céu de brigadeiro. Não, não era. Tive que enfrentar aí essa situação. Mas também, acho que conseguiu-se administrar de uma maneira bastante adequada, porque as crianças cresceram, se formaram, tiveram uma boa escola, tivemos condições de dar uma boa escola a eles, fizeram faculdade. A menina fez Arquitetura na Universidade de São Paulo, o rapaz entrou na Faculdade de Economia na Universidade e entrou na GV, acabou preferindo fazer Getúlio Vargas, fez a Getúlio Vargas, é um administrador, trabalha dentro da profissão, da Administração. A menina trabalha com Arquitetura, ambos já me deram netos, então, a família progrediu já. Já tem a geração nova aí que chegou e já está acontecendo.
P/1 – E você falou que você estava na Sabesp, é isso?
R – É, a minha carreira pessoal foi enfrentar essas dificuldades, enfrentar a fase da adolescência que eu já mencionei, enfrentar o: “E aí, consigo me casar ou não? Alguma menina vai se interessar por mim?”, o que isso não devia ser preocupação, acabei tendo possibilidades, casei por convicção, achei que era o momento e a pessoa adequada. A carreira seguiu, teve o percalço do casamento, teve o aparecimento depois da segunda esposa, que me ajudou a tocar a vida para a frente. Então, no aspecto pessoal, a vida passou… a gente foi amadurecendo, a senioridade vem chegando, então vai se vivendo as várias etapas da vida de uma maneira bastante feliz. No mundo profissional, havia me formado, entrei nessa academia, onde a minha primeira profissão foi implantar um computador numa escola, a Mauá, depois eu me mudei da Mauá, voltei para a universidade por conta do projeto do computador e fazendo pós-graduação e fiz o meu mestrado com temas ligados a esse projeto. Aí, por aplicar computadores em outras aplicações, num instante, depois de ter completado esse projeto do computador, houve um acidente com uma barragem aqui no Rio Pardo, barragem de água em que a barragem ruiu, levou casas, cidades, etc., um acidente com uma barragem e eu fui vender um projeto de supervisão de barragens para os reservatórios de água aqui do sistema Cantareira e fui até a Sabesp para vender um projeto de supervisão de barragem usando computador. E ao explicar o projeto e tudo mais, eu acabei recebendo um convite do diretor da época, que eu cuidava de operação de água aqui da região metropolitana de São Paulo, eram 37 municípios, hoje são 39 que compõem a região metropolitana, me fez um convite para participar de um projeto de finalização da especificação, compra e implantação de um sistema computacional e supervisão do controle do abastecimento de água da região metropolitana de São Paulo. Bem, aí ele fez esse convite e eu, então, vim para cá. Sai de uma fundação que nós havíamos criado dentro da Escola Politécnica para poder contratar projetos e etc., e vim trabalhar na Sabesp como empregado da Sabesp, engenheiro da Sabesp responsável por implantar esse projeto de automação, aplicar computadores na distribuição de água, por água nessas centenas de reservatórios grandes e enterrados que tem aqui, cuidar da produção, saia das estações de tratamento de água, pegar essa produção toda e distribuir essa água por toda a região metropolitana. Esse trabalho foi feito e eu usei esse trabalho como tema do meu doutorado, fiz o meu doutorado. Aí, começa uma fase da minha vida onde eu estou com um pé na universidade e o outro pé na aplicação no mundo aí fora, Sabesp. Foi de 1979 até 1984 que eu fiquei na Sabesp, implantei esse sistema que está em operação até hoje, bem próximo, na rua Costa Carvalho, aqui no bairro de Pinheiros, fica o centro de controle de onde se comanda toda a água aqui da região metropolitana. Fiz o meu doutorado e aí então, isso entrou numa fase de operação, minha formação é Elétrica e aí, é um mundo hidráulico, aprendi hidráulica para isso, para poder navegar bem dentro desse ramo e aí, fui convidado por uma empresa de Engenharia para implantar projetos semelhantes em outras capitais brasileiras e no exterior. Fui para essa empresa, tive propostas na África, trabalhei algum tempo em capitais africanas que estavam pretendendo fazer algo semelhante, mas retornei para cá, sempre trabalhos indo e voltando como consultoria e dei consultoria para praticamente todas as empresas de saneamento aqui no Brasil, o que me fez viajar bastante e conciliar essa vida de viagem com a vida da academia aqui, porque eu tinha aula para dar, era professor também, porque a minha vida acadêmica me fez… eu fiz um concurso e virei professor estável da Politécnica. Bom e aí, levando adiante, então foi Sabesp, depois foi essa empresa de consultoria e aí, dentro dessa empresa de consultoria, tinha projeto da área elétrica e um dos projetos da área que eles tinham era aplicação de computadores para cuidar da energia elétrica do Estado de São Paulo inteiro e fui para essa empresa, estava dentro dessa empresa de consultoria, fui para esse projeto. Aí, começou a minha participação mais direta no mundo elétrico. Então, trabalhei nesse projeto, esse projeto foi implantado muito difícil, um consórcio de várias empresas, mas conseguimos fazer com que isso acontecesse, foi implantado e estava nessa empresa, já com esse projeto todo pronto, quando eu tive a oportunidade de trabalhar no Ministério da Marinha dentro do projeto do submarino nuclear que continuou sendo projetado como um projeto estratégico da Marinha. Então, as instalações desse projeto ficavam dentro da Cidade Universitária, fiquei dois anos dentro desse projeto. Dentro desse projeto ainda, a minha carreira acadêmica cresceu e eu fiz a minha livre docência, contando da experiência de água e de energia elétrica, aplicando computadores. Já era livre docente e acabei a participação dentro desse projeto e fui convidado por um headhunter pra assumir uma posição de diretor executivo responsável por uma empresa que aplicava computadores na automação de processos industriais, usinas hidrelétricas, fábricas, automação industrial, fui, trabalhei nessa empresa. Um grupo nacional, por causa da reserva de mercado, quando acabou a reserva de mercado, um grupo francês comprou essa empresa e eu então, me transformei diretor de duas diretorias, uma delas de despacho de energia e outra de automação predial, que já começava a aplicação de computadores em automação nos prédios. Bem, fui, trabalhei nessa empresa, ela cresceu até um ponto que ela foi comprada por um outro grupo francês, onde então, eu me desliguei porque a filosofia do grupo era trabalhar mais com equipamento eletrotécnico, não era a especialidade que eu estava trabalhando, então, retorno para a universidade. No que eu retornei, aí eu recebi um convite do governo do estado para assumir a presidência de duas empresas de transmissão de energia elétrica, que o estado era o controlador, era a Cesp transmissão e a Eletropaulo transmissão. Assumi a presidência das duas empresas com o objetivo de juntar as duas. E conseguimos fazer. No ano de 2001, as duas empresas foram juntadas numa só e essa empresa deu muitos resultados e foi muito bem, foi feito um trabalho… o motivo pelo qual eu fui chamado é exatamente por conta de fazer a junção de dois grupos culturais distintos que trabalhavam com energia elétrica, alta tensão, mas que precisavam se recompor numa nova organização e eu não era oriundo nem de um grupo e nem de outro, eu vinha da universidade. E com isso, fui sozinho para essas duas empresas e consegui trabalhar com o conjunto de pessoas que lá existiam, fizemos uma empresa fantástica, muito boa, os resultados foram muito bons, eu acabei sendo motivo de reportagem da Harvard Business Review pelo avanço, pelo crescimento do valor das ações da empresa, que se valorizou, as Ações saíram de quatro reais e foram a 45 reais, então, num espaço de tempo bastante curto, em seis anos.
P/1 – Mas quais que eram as diferenças entre uma e outra?
R – Uma era a Eletropaulo atuava aqui na região metropolitana e a Cesp atuava mais no interior e o Estado de São Paulo controlava as duas empresas. E aí, houve um novo modelo do setor elétrico que dividiu a geração, transmissão e distribuição de energia em negócios diferentes. Aí o governo do Estado de São Paulo dividiu a Cesp em cinco empresas, três de geração, uma de distribuição, que é a Electro e uma de transmissão, que é a Cetep – Companhia de Transmissão de Energia Elétrica Paulista. A Eletropaulo foi dividida em quatro empresas, a Eletropaulo que hoje se chama Eletropaulo, que é uma parte dela, a Bandeirantes de Energia, a Emae que cuida do Rio Pinheiros e a EPTE – Empresa Paulista de Transmissão de Energia. Então, essa empresa de transmissão da Eletropaulo e essa empresa da Cesp faziam a mesma coisa em áreas distintas do estado e o governo do estado era o mesmo controlador. Falaram: ”Vamos juntar isso que tem ganhos de sinergia, de trabalho, de organização”, e eu fui convidado para fazer isso. E tal foi o resultado que essas empresas de transmissão, dentro do modelo de São Paulo não eram para ser privatizadas, eram pra ficar sempre no controle do estado, mas o resultado foi tão bom e o mercado aceitou tão bem que a Cesp, que era uma fração daquela Cesp antiga, a Cesp que existe hoje estava com uma condição financeira tão precária que o governo escolheu privatizar a transmissão e com o dinheiro recebido na privatização da transmissão, aplicar esse recurso no saneamento financeiro da Cesp e foi assim que foi feito e eu continuava na presidência da empresa. A empresa foi ajustada para participar de um processo de privatização, foi privatizada e na privatização, um grupo da Colômbia, no leilão, comprou a empresa. E comprou o controle da empresa e eu fui convidado por esse grupo colombiano para permanecer ainda por dois anos na frente, presidindo a empresa para auxiliar a adequar os processos, a forma de trabalho a esse novo mundo, a esse novo mundo privado que tem características de operação diferente do mundo estatal. Ao longo desse processo, eu fiz o meu concurso de professor titular e fui para o topo da carreira na universidade, que sempre teve atuando em paralelo.
P/1 – Conta pra gente que não conhece o ramo como é que funciona o ciclo da energia, como é que é isso? Você falou da geração…
R – Isso, aqui no Brasil, a energia elétrica é produzida, basicamente, por conta de água, por origem hidráulica, água que desde de posições mais altas para posições mais baixas e nessa descida, você faz ela virar uma roda d’água e essa roda d’água girando gira um eixo, nesse eixo, você pondo um gerador, ele produz energia elétrica. Então, as grandes represas são feitas para poder se ter água reservada para lá embaixo da represa, você pôr uma turbina, que essa roda d’água de uma maneira mais sofisticada é uma turbina, que gira um eixo e acoplada a um eixo, você tem os geradores. Outras vezes, você não tem represas, é só o fluxo de água do rio que vai passando, que vai girando, que vai passando por uma turbina e vai gerando. Então, o Brasil, basicamente, tem uma produção de energia de origem hidráulica, que é uma energia limpa, água descendo, ela vai descendo mesmo, quer você queira, quer não queira, você só aproveita a descida dela para gerar energia, mas é evidente que as primeiras usinas que aqui foram feitas não foram hidráulicas, foram usinas térmicas, você aquecia, queimava óleo, centro de São Paulo, por exemplo, o bairro da Luz chama-se bairro da Luz porque foi o primeiro bairro a ganhar iluminação pública de luz elétrica e para isso, foi montada uma usina geradora de energia elétrica que ficava bem no centro da cidade e gerava energia para alimentar o bairro da Luz, o parque da Luz. Então, térmicas, pequenas. Nas fazendas, os fazendeiros começaram a represar os cursos d’água e fazer pequenas centrais geradoras elétricas, mas assim, cada fazendeiro tinha a sua, até que um dia, o Estado de São Paulo e todos os estados fizeram isso, arregimentaram isso tudo em companhias para produzir em escala maior para poder alimentar a cidade com cabos e fios elétricos e começaram a se alimentar de maneira subterrânea, os cabos enterrados. Você vai no centro da cidade, você não vê poste, mas que depois, por uma questão de economia, nos bairros começaram a ser feitos aéreos, porque aéreo você tem uma condição econômica melhor, é mais barato de você fazer a expansão. Mas então, hoje, cerca de 75% da energia gerada no país, no Brasil como um todo é de origem hidráulica, Itaipu em nome de uma barragem e tem 20 turbinas e seus geradores lá embaixo. E todas as grandes usinas hidráulicas, Belo Monte, que entra em operação agora, as usinas todas Rio Madeira, Teles Pires, todas as novas usinas, algumas, o fio d’água, que se aproveita só o curso de água do rio, mas sempre o mesmo processo, girando ao equivalente a uma roda d’água são as turbinas, mecanicamente, acopladas por um eixo a um gerador. O que é um gerador? É o alternador do seu automóvel, é um gerador, mecanicamente, um eixo é girado e ele produz energia elétrica e essa energia elétrica, então, integrada em uma rede que cobre o país inteiro, o Rio Grande do Norte, hoje, está ligado ao Rio Grande do Sul através de redes de transmissão de energia, grandes pacotes de energia em tensão muito alta para atender como que vasos comunicantes atender as necessidades do país como um todo. As distribuidoras recebem dessa rede de transmissão essa energia e fazem a capilaridade entregando em cada residência.
P/1 – E a Eletropaulo entra nesse processo de transmissão?
R – É, a Eletropaulo que existe hoje é ¼ da Eletropaulo que existiu no passado, é a empresa que foi sendo dividida e separando em Remae, EPTE, Bandeirante de Energia e sobrou Eletropaulo que cuida, basicamente, do Município de São Paulo, da concessão de distribuição aqui da região municipal de São Paulo, mas que é muito grande. O Município de São Paulo é do tamanho do Uruguai. A zona leste, perdão, o Município de São Paulo é do tamanho do Chile, a zona leste de São Paulo é do tamanho do Uruguai.
P/1 – Em população?
R – População. Então, você veja, uma Eletropaulo que cuida do Município de São Paulo, ela está cuidando de dez milhões de pessoas. O Estado de São Paulo tem a população da Argentina, o Estado de São Paulo tem a população da Colômbia, o Estado de São Paulo tem a população da Espanha. Nós perdemos um pouco a percepção da grandeza que nós temos e somos, os problemas que nós enfrentamos. Eu, ontem, estava dando uma palestra num evento sobre redes inteligentes de energia elétrica e tinha uma engenheira do Uruguai que estava sentada e ia fazer uma apresentação também e eu estava dizendo, disse em público: “Como vocês são felizes de poder ter o sistema nacional de energia no Uruguai do tamanho de uma parte do Município de São Paulo. Nós, no Brasil, para tratarmos o problema de energia elétrica, nós temos que tratar algo do tamanho do continente europeu”. Se você pegar o mapa na mesma escala o mapa do Brasil e colocar sobre a Europa, você vai ter Porto Alegre ali em Lisboa e você vai ter o Macapá na Rússia, lá em Moscou, quer dizer, esse país é um continente e com regras que são as mesas para todos, como é que você pode ter regras iguais para todo mundo, se no Rio Grande do Norte, Bahia, em Sobradinho hoje você está com 2,5% só de água, Sobradinho não tem água, no Rio Grande do Sul, você está vendo o pessoal folgado de água, você veja que a complexidade da gestão de processos integrados de âmbito nacional, como é o caso de energia elétrica é muito complexo, que tem que ser aperfeiçoado? Sem dúvida nenhuma, cada dia tem aperfeiçoamentos a fazer, o que vai tornando mais complexo ainda. Mas é a evolução natural para a melhoria da qualidade de vida das pessoas.
P/1 – Agora, em cada uma dessas partes do ciclo, o que você acha que são nessas partes os maiores problemas e desafios, assim, na geração, na transmissão e na…?
R – Isso. Na geração, hoje, são dois desafios, um deles é que a demanda por energia elétrica das populações continua crescendo, você tem consumos que hoje existem que não existiam. Eu não sei se quando você nasceu, você tinha um ar condicionado em casa. Hoje, você tem um ar condicionado. A gente acho que uma televisão que é de LED não consome nada, ela consome, sim e consome bastante, apesar de ser de LED, mas olha o tamanho da tela! Tem televisores, televisor a plasma que foi uma tecnologia que foi superada pelo LED, você consome 500 watts numa televisão desse tipo, 500 watts são cinco lâmpadas de 100 watts acesas durante o tempo todo, consome energia, sim! Muito menos do que consome um cidadão americano, um cidadão europeu, porque nós não precisamos da energia elétrica para calefação, mas chega o inverno, eles têm que aquecer senão eles morrem. Aqui não, aqui não temos um inverno tão rigoroso, mas mesmo assim, a demanda de energia continua crescendo. Na geração, para atender a essa demanda, se for explorar pelo ramo hidráulico, você vai ter que fazer represas onde não se permite mais fazer represas, Amazônia, por exemplo, porque como o terreno é muito plano, para você fazer uma represa com uma lamina de dois metros de água, você inunda uma extensão muito grande e com isso, você tem toda a biodiversidade, você tem a manutenção do aspecto ecológico, então, não se permite fazer. Então, escapar por onde? Térmica. Então, vamos queimar petróleo para motores de combustão ou então, fervendo água, queimando petróleo e fervendo água, você faz vapor que passa por turbinas que gira um eixo, que na ponta tem um gerador. Então, uma produção térmica, as usinas térmicas, mas isso está queimando combustível fóssil. Aí então, aparecem as energias renováveis, descobriu-se… é tão antigo isso, mas descobriu-se que o vento pode gerar energia e apareceu a energia eólica, esses grandes geradores eólicos vão ser implantados no mundo todo para aproveitar a energia dos ventos e aparece agora, a energia fotovoltaica, descobriu-se que tem mecanismos semicondutores com os quais você converte a luz do sol em energia elétrica. Ora, a fonte original de todas as energias é o sol. Você fala: “Como assim?”, a água que desce pelos rios, como é que ela subiu lá em cima? Ela subiu porque o sol fez com que a água evaporasse, ela evaporando, sobe, ao atingir camadas mais frias, ela se condensa, tem o vento, ela anda, então, ela evapora dos mares, ela anda, ela se condensa e chove. Chove em todo lugar, mas aquilo que chove nas áreas mais altas tem que descer, quando desce, a gente retira energia. Agora, essa energia que nós estamos retirando, quem colocou foi o sol fazendo a água evaporar, ao descer, nós estamos retirando um pouco de energia, na verdade, quem está pondo energia, é o sol, a energia hidráulica, ela existe porque tem o sol fazendo isso. A queima de resíduos, folhas de cana, bagaços, a fotossíntese existe porque tem o sol no meio, sem a luz não tem planta, não tem folha. Se não tiver o sol, não tem vida. Então, no fundo, o sol tem uma importância muito grande e diretamente dele, você consegue extrair a energia fotovoltaica, então os painéis solares começam a ter agora nas casas, tivemos ainda essa semana, leilão de energia onde já há uma grande parte do leilão feito já é de origem fotovoltaica, vai cair muito o preço da geração fotovoltaica e todo mundo vai poder gerar sua própria energia em casa no seu telhado, isso vai mudar completamente o funcionamento da indústria elétrica, uma companhia distribuidora de energia elétrica, hoje, ela serve como um distribuidor de energia, ela recebe da geradora para que ponha a transmissão, a transmissão traz até o local onde você vai consumir, a distribuidora distribui energia, entrega para cada um, só que com a condição de você produzir a sua própria energia na sua casa, o que vai fazer a distribuidora? Tem casas, ontem mesmo eu mostrei nessa palestra, tem regiões da Alemanha que os telhados já produzem energia suficiente para abastecer a casa inteira e sobra, dá para por energia na rede. O que uma empresa distribuidora vai fazer na hora em que ela não necessitar mais, não tiver mais o mercado fornecedor de energia? Ela vai continuar sendo importante para ser uma retaguarda, um back up mais ou menos, como você usa o extintor, mais ou menos como você carrega um estepe no seu carro o tempo todo, até para não usar, mas você paga por ele, você compra ele, você mantém o estepe, o extintor, o seguro. Então, as companhias distribuidores, as transmissoras, as grandes geradoras, os reservatórios de água vão se transformar nos grandes reservatórios de energia, que toda energia eólica produzida e jogada eletricamente na rede, cada vez que entra energia gerada de uma eólica, é menos água que você tem que fazer passar pelas turbinas para gerar energia para atender a demanda da cidade, claro, se é menos água, você tá mantendo água reservada. Essa água reservada em posições altas, você está armazenando energia. Então, os grandes reservatórios passam a ter a função de reservadores de energia, não somente de energia que vem pela água que cai, chove de lugares altos, de uma energia que é produzida por uma eólica, por uma solar colocada na rede e que atende as demandas sem ter que consumir da fonte hidráulica tudo que iria consumir. Tudo isso que não é consumido e é mentido reservado, está sendo tratado como sendo uma grande bateria hidráulica, um reservatório hidráulico.
P/1 – Agora, quanto a transmissão, tem algum desafio enorme que… transmissão, estou dizendo na malha urbana, mesmo, assim.
R – A transmissão, ela liga basicamente, são as subestações de distribuição. Então, se cada cidade do interior tem uma subestação de distribuição, Campinas tem mais que uma, um milhão e meio de habitantes, mas normalmente, uma cidade aí até 100, 200 mil habitantes tem uma subestação onde chega ali, uma linha de transmissão e ela faz a distribuição, depois, para as residências, etc. A transmissão funciona como autoestrada, imagina que as estradas, o sistema de transporte, elas são semelhantes as linhas de transmissão, as ruas das cidades são semelhantes ao sistema de distribuição. As fábricas de automóveis são semelhantes às geradoras, então a transmissão sempre vai ter importância para poder equilibrar grandes ausências de energia, por exemplo, agora, o nordeste está indo para uma situação muito crítica de falta de água, não choveu lá alguns anos, então, a energia elétrica para alimentar o nordeste vai ter que ser mandada de outras regiões para lá, vai através das linhas de transmissão. Então, esse sistema de autoestrada elétrica vai sempre ter que acontecer, continua tendo o seu papel, não vai mais transmitir, talvez, numa direção só, ele vai ficar cada vez mais atendendo fluxos bidimensionais, a transmissão. A geração já disse, a geração distribuída vai ter um papel muito importante e temos que pensar ainda em grandes pacotes de energia que vai demandar ainda a construção de usinas a fio d’água, mas usinas em rios que estão ainda para serem explorados, a geração. A transmissão vai continuar crescendo, porque novas áreas do país vão sendo ocupadas e precisam entrar nesse sistema de vaso comunicante e a distribuição vai enfrentar a situação de ter que atender a entrega de energia nos consumidores, mas de receber energia excedente da geração de cada consumidor, então vai modificar completamente a maneira de atuar das distribuidoras.
P/1 – Mas assim, dentro de quantos anos você acha que esse processo…
R – Ele é gradual, já começou. Já começou, já tem regulação, a Aneel já tem regulação que permite. Se você colocar hoje na sua casa painéis solares, vai produzir energia e você vai viajar, você desliga a geladeira, desliga tudo, essa energia produzida, você vai injetar na rede, a Eletropaulo vai receber essa energia na rede e vai te dar um crédito de energia, quando você voltar, a energia que você consumir, além daquela que você produz, vai abater desse seu crédito. Então hoje já começou esse processo de entrega de energia, de você poder ser produtor e consumidor ao mesmo tempo, já começou, só que vai crescer cada vez mais. Vem aí já equipamentos pequenos, menores que uma máquina de lavar roupa, que você entra com o gás, ele queima o gás, te gera frio para o ar condicionado, calor para o aquecimento da água e energia elétrica para você usar em casa, queimando gás. E nós estamos aí com uns recursos de gás natural, bacia aí de Santos, o Pré-Sal e tudo mais que dá aí para pensar mais um século de utilização desse recurso, um dia ele acaba, como petróleo, um dia vai acabar, não é infinito, mas enquanto tiver, precisa ser usado. Então, tem essas modificações e tem uma modificação dentro do mundo elétrico também importante que é a iluminação. A luz, a iluminação, ela apareceu como uma necessidade de converter a iluminação que era feita pela chama de fogo, lampião de gás é gás pegando fogo. Lá no final do século retrasado, não o passado, o anterior, nós estávamos trabalhando, lá nos Estados Unidos, estamos vendo que pela aglomeração de pessoas nos centros urbanos, todo mundo com vela, lampião, os incêndios eram muito frequentes, porque você tinha fogo dentro de casa com tapete, cortina, com tudo, ora mais, ora menos, fogo! Aí, foi encomendado para o Thomas Edison para pensar em alguma coisa que se pudesse iluminar de uma maneira diferente, sem fogo e ele foi pesquisando para introduzir uma lâmpada incandescente que durou até agora. Agora que estão deixando de fabricar lâmpada incandescente porque só agora que apareceu uma tecnologia de alto rendimento, a LED, que está tomando conta da iluminação. Então, a lâmpada incandescente, para você ter o mesmo resultado luminoso com lâmpadas a Led, você gasta menos que a metade da energia que você gastava com lâmpada de vapor metálico, por exemplo. E estão vivendo aí uma revolução na iluminação que já está dentro das casas, você hoje, lâmpadas domesticas, você já compra com tecnologia não mais incandescente, né, que já estão deixando de serem fabricadas. Mas a iluminação pública, como um todo, inicia-se agora um período de mudança de substituição por um novo tipo de lâmpada, as lâmpadas LED. Na universidade, aí no campus da Cidade Universitária, no ano de 2012, em um ano, foi substituída toda iluminação que existia, que já estava obsoleta, os postes já estavam quebrando, eram postes de concreto em forma de arco e a maneira como foi projetada a iluminação já não estava mais atendendo as necessidades da população. Existiam muitas regiões sem iluminação, o que estava dando a percepção de insegurança, foi feito um projeto ilumino técnico, partindo do requisito de se ter um chão, um nível em intensidade luminosa suficiente pra câmara digitais, porque acoplado ao sistema de iluminação, veio um sistema de câmeras para segurança pública da universidade. Foi feito um projeto e as lâmpadas foram substituídas por lâmpadas LED. Eu não sei se você teve a oportunidade de passar pela Cidade Universitária à noite agora, e eu não sei se você se lembra de como era antes, a diferença é brutal, tanto é que todas as cidades passaram a ter desde janeiro desde ano, a obrigação da iluminação pública passou para as prefeituras, era antes da concessionária de energia elétrica, passou agora para as prefeituras e todos estão buscando converter a iluminação, a LED por causa da redução do consumo de energia, portanto de custo para manter a iluminação, além da demanda de expansão de iluminação, que ainda tá no processo de expansão, você não tem iluminação em todas as ruas, ainda. Ela tem que crescer, então, para esse crescimento acontecer, você tem que expandir a rede, isso custa e uma das formas de fazer isso economicamente viável é você reduzir o custo naquela parte em que você já tem lâmpadas por vapor metálico, ou mesmo incandescentes.
P/1 – E você saindo da presidência das empresas, isso já em 2000 e…?
R – Então, saindo, eu fiquei até o ano de 2009 na presidência dessas empresas, de 99 a 2009, nas duas empresas que se tornou uma só, incorporadas as duas, dois anos depois da privatização, encerrei o trabalho e retornei para a universidade, onde eu sempre estive. Ao chegar na universidade, eu então, fui solicitado para ser… primeiro, fui eleito chefe do departamento de computação da Escola Politécnica e ao mesmo tempo, fui convidado pelo reitor para assumir a prefeitura no campus da capital, a Universidade de São Paulo tem vários campis, o campus de Ribeirão Preto, São Carlos, Bauru, Pirassununga, Lorena, esse de São Paulo, tem agora, desmembramentos em Santos, tem unidades das universidades esparramadas por São Paulo todo e até fora do Estado de São Paulo. Tem até navios que andam pelo mar da USP. Mas me foi dada a incumbência aqui do campus da capital…
P/1 – Butantã.
R – Butantã, USP Leste e apoio às clinicas, faculdade de Direito, a toda parte da USP que fica aí no centro da cidade, né? E a um conjunto muito grande de coisas, em Bertioga, lá para o lado da zona sul, Praia Grande, então, é bastante complexa a área de responsabilidade, mas o campus do Butantã, Cidade Universitária tem um papel de destaque, afinal de contas, por aí são 40 mil pessoas que por dia passam aí adentro dessa Cidade Universitária, perto de 40 mil automóveis passam, que não só os automóveis das pessoas da Cidade Universitária, mas muita gente passa através da Cidade Universitária, entra por um portão, sai pelo outro. A Cidade Universitária tem 60 quilômetros de ruas dentro dela, 120 quilômetros de calcada, tem duas mil pessoas que moram lá dentro no conjunto residencial dos estudantes, tem 22 mil árvores que têm que ser cuidadas, tem a extensão de 470 quarteirões, 470 hectares encravada no centro de uma região metropolitana como é São Paulo e com carências, todos os tipos, você tem que ter água em condições adequadas, energia elétrica em todos os prédios, você tem trânsito, uma complexidade tremenda porque ela tem três portarias, três pontos de entrada e saída e na frente de cada um deles, você tem um semáforo. Na portaria principal, na portaria da Avenida Escola Politécnica, na portaria da Avenida Corifeu, então, você tem um volume de pessoas que entram e saem no mesmo horário, sincronizados e quando entram ou saem, você tem logo um bloqueio na saída, tem problemas sérios de trânsito, então, todos os problemas de uma metrópole você tem ali dentro e foi dentro dessa minha gestão em que por necessidade de obsolescência dos ativos de iluminação e por uma demanda provocada pela segurança, se fez então, um re-projeto, uma recolocação de todo ativo de iluminação pública, que é o que tem de mais atual ainda hoje, não só no Brasil, América do Sul, não existe até hoje uma universidade, um campus universitário dessa extensão com essa qualidade de energia. Hoje, a iluminação do campus Butantã da Universidade de São Paulo tem lugar, pode ocupar um lugar no Guinness. E não por exageros tecnológicos, simplesmente, pela oportunidade de modernizar alguma coisa que vai durar mais 40 anos. Quando esses ativos públicos, você vai utilizando até uma hora que eles obsolescem, aí você tem que modernizar, quando você moderniza, eles ficam os mais atuais, o tempo vai passando, eles vão perdendo essa atualidade de modernização, até o momento em que fica inviável a utilização econômica, ou por aspectos tecnológicos e aí, você moderniza, você tem obrigação de modernizar com o que tem de melhor naquele momento. Então, você não vai estar trabalhando em benefício da população que paga a conta. Então, hoje, pela recém modernização, e feito em cima dos princípios mais atuais da ilumino técnica e da economia, o sistema, hoje, de iluminação da Cidade Universitária, que é semelhante ao de São Carlos e Ribeirão Preto que também estão implantados e o programa de implantação da iluminação moderna a LED cobre a universidade como um todo. Uma ou outra localidade ainda não tem, por dificuldades financeiras que todas as universidades paulistas estão enfrentando, pela queda da arrecadação dos impostos, porque a universidade recebe, tanto a Unicmp, como a Unesp, como a USP recebe um percentual fixo da receita do ICMS. O ICMS gira em função da economia do estado. Se cai a economia do estado, cai a arrecadação, se cai a arrecadação, cai o orçamento, se cai o orçamento, você tem que cortar despesas que você tem como cortar, começam com os investimentos em iluminação e você vai tocando com aquilo que tem.
P/1 – E além disso, que mais você enfrentou lá na prefeitura do campus? Imagino que tenha tido algum problema, de repente, com o staff, ou greve, ou situações especificas…
R – É, isso é normal. Olha, administrar hoje uma sociedade, qualquer que seja ela significa você compatibilizar os desejos, os anseios das pessoas que vivem. Isso acontece nas empresas, uma empresa grande, ela tem os seus movimentos, só que não dá tanta repercussão na mídia, porque é uma coisa que interessa aos empregados da empresa. Mas todo mundo que tem desejos, manifesta seus desejos, algumas vezes, com alguns movimentos de paralisação, outros é de contundência, beligerância e etc. Numa universidade pública, esse é o ponto de maior liberdade e espaço para manifestação do que quer que seja, ali dentro, existem todas as forças sociais atuando. Então, qualquer tipo de pleito por qualquer circunstância que seja, hoje, faz-se uma manifestação. A manifestação começou como sendo cartazes, como sendo uma expressão do apoio ou não apoio sobre uma ideia, um desejo, ganhou um espaço mau contundente de chamar a atenção pelo desconforto que causa. Imagina uma coisa, nós tivemos aí durante um tempo a Avenida Paulista não passava um dia sem ser paralisada, porque paralisando a Paulista, a imprensa vai lá, a mídia vai lá, imagem, noticiário, etc., só que aquilo ali é o corredor que leva a gente para o complexo de hospitais todos que estão lá, Hospital Oswaldo Cruz, Hospital Santa Catarina, o complexo Instituto do Coração, Hospital das Clinicas, Nove de Julho, Sírio Libanês, estão todos ali no entorno e dependendo de um fluxo daquele trânsito, onde a artéria principal é a Paulista. Agora, lógico, se você quer chamar a atenção para uma manifestação, você vai fazer o quê? Vai paralisar, fechar uma rua de bairro? Você não vai aparecer em mídia nenhuma, tem que provocar uma situação que incomode muita gente. Só que a somatória disso começa a cansar a sociedade, né? Na Cidade Universitária é a mesma coisa, um dia tinha um desejo ou por um aspecto trabalhista ou por um aspecto interno de uma unidade ou por uma colocação frente a uma situação nacional ou mesmo, mundial, então tem manifestações, tem palestras, tem defesas e ataques dessas posições feitas em salas, em auditório. Mas tem manifestações que vão com a paralisação e uma prefeitura, ela tem o transporte, não é da prefeitura, mas de um órgão parecido, semelhante ao da prefeitura, restaurante. No começo, você parava o transporte, você parava a Cidade Universitária. Então, conviver com isso tudo é como um prefeito convive com os problemas de uma cidade, mas foi assim conviver lá e a prefeitura sempre, tradicionalmente, na Cidade Universitária era o organismo mais focado para as paralisações porque ao paralisar a prefeitura, o impacto na vida da Cidade Universitária era o que mais impactava, o que mais aparecia pelo desconforto gerado às pessoas e com isso, chamando a atenção pelo motivo pelo qual a paralisação era feita. Aí, você tem que logicamente, administrar entendendo que isso são dinâmicas sociais aceitas e toleradas pelo modelo presente, isso evolui com o tempo, tem épocas mais duras que isso não é permitido, outras isso é permitido, então, é a dinâmica das sociedades, né, então, a dinâmica é tal que em momentos, a prefeitura se paralisava para evitar conflitos físicos, que as coisas vão num crescente que chegam até a iminência de conflitos físicos, vão até para as áreas legais. Boa parte das paralisações, passar cadeado em portão de unidades, de almoxarifados, etc., em alguns momentos torna a vida impossível, quer dizer, tem aluno perdendo o ano por conta disso. Tudo bem, os manifestantes, mas até que ponto nós vamos, né? Algumas vezes, tem que recorrer para a esfera judicial, que aí, por forca de mandato judicial então, abre-se, evolui uma situação de impasse, porque quando você cria uma paralisação, na verdade, você cria uma situação de impasse, está parado até que algo se resolva e esse algo se resolva, às vezes, é interesse que se resolva logo, às vezes, uma das partes, pelo menos, não tem interesse que se resolva logo, então, se perpetua, mas ao se perpetuar, você não forma as pessoas que tem que formar, afinal o estudo lá é para capacitar gente.
P/1 – Você também estava no período em que foi implantado o sistema de circulares, que teve uma mudança de transporte, né?
R – Foi. Os ônibus circulares, tradicionalmente, o transporte público interno ao campus, veja, 470 quarteirões e logo no início, não entrava o transporte público principal, eram só os ônibus internos. Depois, começaram a entrar doze linhas da SP Trans entrando, linhas que vêm de vários locais da cidade para trazer para lá e isso é interessante, o metrô ofereceu uma estação de metrô dentro da Cidade Universitária, ela foi rejeitada pelo Conselho Universitário, por motivos de segurança, por outros motivos, mas que bom seria se hoje pudesse ter uma estação de metrô lá dentro, mas foi rejeitada, não se quis a estação de metrô lá dentro, mas tem as linhas de ônibus que levam e todo mundo vai de automóvel. Hoje, um dos sérios problemas que nós temos lá é falta de estacionamentos, são 11 estacionamentos, e no entanto, tem carros estacionados pelas ruas todas, tem até gente que vai estacionar lá para pegar o metrô, pegar ali perto, atravessa a ponte da Cidade Universitária, pega o metro e deixa o carro lá e de tarde, vem, pega o carro e vai embora para casa. Tem disso também. Mas o transporte era feito por ônibus da própria prefeitura. Acontece que uma administração universitária nem sempre tem os recursos necessários para manter a qualidade dos ônibus necessários para fazer esse transporte, então, assim como vários serviços foram terceirizados, limpeza, poda de grama, então o transporte público que já existem condições de ser atendido pela Companhia Municipal de Transporte Público, pela SPTrans foi então, ajustado e negociado com a SPTrans que linhas circulares do município, quer dizer, de ônibus convencionais foram contratados esses serviços pela universidade para fazer o papel daqueles ônibus que eram de propriedade da universidade e que estavam na obsolescência e com isso, uma qualidade melhor que não daria para uma universidade manter, que você consegue manter ônibus novos com combustível ecológico com a qualidade que o município tem por um preço que possa ser pago, acessível se você tiver escala, mas quem tem escala são as companhias, as empresas que trabalham para a municipalidade, você lá dentro com 20 ônibus, o tamanho da frota, você não consegue ter uma escala para dar um perfil de atendimento que a sociedade está exigindo. Depois, acontece mais gente resolve deixar o carro em casa, aumenta a demanda, você precisa colocar mais quatro ônibus na linha, se for na universidade, você precisa fazer uma licitação, só daqui um ano você vai ter esses ônibus. Com o serviço contratado, no dia seguinte, você tem mais ônibus rodando. Então, o objetivo foi melhoria da qualidade e prestação do serviço aos usuários e um estimulo para aqueles que têm carro, deixarem o carro em casa e utilizarem um transporte público de qualidade, por isso, as duas linhas que eram circulares internas da Cidade Universitária passaram a ser circulares, mas hoje, saem da Cidade Universitária e vão até a estação Butantã do metrô. E os nossos ônibus na universidade não podiam fazer isso por regulação, que eram ônibus da universidade e não poderiam estar andando dentro do espaço municipal regulado de transporte público. Com isso, nós conseguimos conectar os circulares, as linhas circulares internas da universidade à malha metroviária, através da estação Butantã.
P/1 – Qual que foi a razão para não permitirem a estação dentro, que você acha?
R – A estação de metrô?
P/1 – Sim.
R – Eu não estava presente quando essa decisão foi tomada, mas foi alegada uma questão de segurança, porque a universidade ainda tinha, ainda tem, se você onze horas da noite quiser entrar na Cidade Universitária, provavelmente, na portaria vai ter lá um guarda, vai parar, perguntar para onde você vai, o que você vai fazer, etc., a partir de um certo horário… a Cidade Universitária é uma zona de ocupação especial, assim como é o aeroporto de Congonhas, assim como é o Parque do Ibirapuera, tenta no Ibirapuera às duas da madrugada entrar de carro lá, você não entra, mas aqui tem duas mil pessoas que moram lá dentro, você não pode, simplesmente, bloquear. Agora, como é que você pega um lugar cheio de prédios com equipamentos de alto custo que tem lá dentro, computadores para todo lado, como e que você preserva isso? Tomando conta. Como e que você toma conta? De madrugada entra quem quiser, um lugar cheio de arvores, liquida aquilo em pouco tempo se você não tiver um sistema de segurança. Então, esse sistema de segurança, uma das ações do sistema de segurança é controlar a partir de determinados horários. Então, esse controle significa ter que ter nas portarias um trato de quem entra, só que os ônibus entram, você não vai parar um ônibus para revistar as pessoas dentro do ônibus durante o dia e durante à noite, as linhas de ônibus que atendem lá dentro da Cidade Universitária tem uma frequência muito menor e as linhas desse sistema que vão até o metrô funcionam 24 horas por dia, porque isso na minha gestão que passou a funcionar 24 horas, porque antes, os ônibus paravam às dez da noite e daí para adiante, quem mora lá no Crusp tinha que sair de carona, de algum jeito que não estava equacionado. Hoje está e hoje tem um canal de entrada e saída previsto, previsível e que acontece de boa qualidade.
P/1 – E o que mais que você… que você aprendeu com esses quatro anos, assim, que te angariou na sua experiência?
R – A gente aprende muita coisa, primeiro, isso já é uma experiência que eu trazia de administração da própria companhia de energia elétrica e etc., para os serviços públicos, você nunca pega alguma coisa no início, você sempre pega alguma coisa pré-existente, o sistema de água, você vai administrar hoje a Sabesp, ela existe, está aí. Você vai administrar os Bombeiros, está aí há quanto tempo, tem uma história, você não é o primeiro, você entra para administrar o que vem vindo. Então, você encontra um conjunto de pessoas que estão tocando, cada um com as experiências que já tem e todo mundo acha que o que está fazendo é o que está certo e se você ao chegar de fora, vir que tem coisas que devem ser modificadas, você tem que ter respeito e estratégia de mostrar o que fazer para modificar, porque se não, você vai ser mais um para tomar conta daquilo que existe, você não vai causar modificação nenhuma, você não vai fazer melhoria nenhuma. melhorar significa mudar, mudar significa convencer as pessoas que a mudança deva ser feita. Nenhuma mudança em serviços ou empresa pública você impõe, se você impõe, parece que mudou, logo adiante, volta atrás. Então, essa mudança foi sendo tratada por convencimento cultural, por mostrar as pessoas ganhos, não somente sociais, mas ganhos pessoais, no desenvolvimento de cada um dentro do trabalho que executa, porque você imagina, você hoje faz o seu trabalho, está feliz, contente, honrado, muito satisfeito por fazer. Agora, você quer fazer exatamente isso durante toda a sua vida? Você imagina que você vai se aposentar fazendo exatamente isso? Provavelmente, não, porque você tem planos daqui progredir o que a sua capacidade de imaginar possa te por como objetivo aí pela frente vai estar dentro dos seus planos e você vai tentar galgar essas possibilidades. Então, junto com a mudança dos processos de um determinado serviço público, você tem que acoplar a expectativa, possibilidade de mudança para melhor, para materializar os sonhos individuais de cada uma daquelas pessoas que estão ali dentro. Então, você imagina a complexidade! Precisa de muita comunicação, precisa de muita intensificação, precisa de muita justificação para que você tenha o espaço de poder avançar um pouco mais. Não sem contraindicações, porque sempre alguém vai ficar desagradado e o desagrado de quem quer que seja volta-se contra você das mais diferentes maneiras, ações judiciais, movimentos, de tudo! Mas se você quiser ser administrador, você tem que estar preparado para enfrentar essas situações e pagar o preço disso. Às vezes, o plano pessoal é complexo, chega em alguns momentos que você fala: “Mas pô, por quê que eu estou fazendo isso? Eu não preciso, eu posso fazer outra coisa, vou largar isso daqui”, mas se você larga, quem pega? No final, cada um de nós é cliente de nós mesmos quando estamos na condição de um administrador público, você é cliente do seu próprio serviço.
P/1 – Mas por quê você foi para essa área pública? Porque parece que você está há muito tempo nessa… cuidando dessas questões, né, o senhor podia ter escolhido outras áreas…
R – A minha primeira experiência na área pública foi com a Sabesp, quando eu estava na universidade tocando projetos de pesquisa e fui convidado pela Sabesp para cuidar de automação da distribuição de água aqui para a região metropolitana. Então, foi ali que eu encontrei um conjunto de profissionais, para você ter uma ideia, 400 pessoas faziam o papel de operador de estação de bombeamento de água, simplesmente para ligar e desligar bomba de água para por água de reservatório enterrado para essas torres de água que você tem uma centena delas aqui na região metropolitana. Você tem que ter uma pessoa a cada oito horas, três vezes oito, 24 horas e uma quarta pessoa que era o cobre folga para as pessoas poderem tirar folga. Então, quatro pessoas em cada localidade, cem localidades, 400 pessoas, que simplesmente, com automação, colocando o que você tem em qualquer prédio, você tem alguém para ligar ou desligar bomba de água no prédio onde você mora? É automático. Só para colocar aquele automatismo nessas torres de água, 400 pessoas tiveram que ter o seu dia a dia modificado, ninguém foi demitido, todos foram reaproveitados, mas tiveram que ser reaproveitados em outras atividades e lógico que muitos deles, logo no início, sentiram inseguros em fazer coisas que não estavam acostumados a fazer e essa insegurança se reflete em oposição, e aí, você tem que explicar, mostrar as vantagens para cada um e etc. Então, começou aí, lá no ano de 79, para você ter uma ideia. Então, foram aí praticamente 20 anos no século passado mais 15 anos agora, são 35 anos de convivência com a administração pública.
P/1 – Mas o que te seduziu para fazer isso? Qual que é? Ideal?
R – Ideal. Eu tenho uma visão de gratidão às coisas públicas, se eu estou vivo, eu expliquei, eu estou vivo graças à competência do Hospital das Clinicas. Não sei se foi o hospital, as coisas feitas no hospital ou isso teria que acontecer, mas eu estive lá e lá fizeram para que eu tivesse a possibilidade de me recuperar daquela Poliomielite. Eu cheguei até aqui porque eu tive chance de fazer um colégio público, tive chance de fazer uma universidade pública e eu acredito que uma sociedade só se desenvolve se ela tiver uma parte, não precisa ser a totalidade, não, mas se tiver uma parte do serviço da sociedade feito de maneira competente, feito de maneira pública e eu, por tudo que eu recebi, do que é público, eu me senti na obrigação de dedicar pelo menos uma parte da minha vida consciente a fazer coisas novas, coisas de desenvolvimento para a área pública e por isso que eu dou um grande volume de palestras, eu participo de uma porção de associações sem interesse econômico nenhum, com uma vontade de retribuir aquilo que a sociedade me permitiu e me permite. Eu sou um assalariado da universidade, o meu salário vem do consumidor, do cidadão. Tem gente que está aí na rua com cinco reais na mão e com dor de cabeça, o sujeito não sabe se ele vai pegar os cinco reais e pagar a passagem do ônibus para ir para a casa ou se ele vai entrar na farmácia e comprar um remédio por causa da dor de cabeça. Se comprar o remédio, ele vai ter que ir a pé. Agora, se ele pagar cinco reais na compra do remédio, 18% e imposto e ICMS e vai ajudar a pagar o meu salário. Então, tem que ser entendida e respeitada a posição de um contribuinte, que no final, viabiliza tudo isso que é público e ele merece ter o que a gente consiga fazer de melhor, é a única forma de valorizar o serviço público e de dar à sociedade de uma maneira uniforme, distribuída, competente, coisas de primeira classe, então, que merece a população. Esse é um aspecto. O outro aspecto ligado à energia. Eu comecei na água. A água é fundamental para a vida das pessoas, mas como eu fui para energia e como presidente de empresa de energia, com a responsabilidade de um estado como um todo, eu fiquei muito orgulhoso e valorizei muito essa possibilidade de dez anos de vida nessa posição, porque você veja a importância da energia elétrica na vida das pessoas, nós estamos falando aqui, nesse momento, quantas pessoas estão deitadas numa mesa de hospital com o corpo aberto no meio de uma cirurgia? O que acontece se houver uma interrupção de energia, desligar e ligar? Quantos computadores vão ser desligados, quantos processos vão ser interrompidos, quanta gente pode morrer? Porque hoje, todo mundo confia a sua vida na continuidade de energia elétrica, para a energia elétrica por cinco minutos, quantas pessoas vão ficar presas dentro dos elevadores? Quantos vão ficar dentro de metrô, debaixo da terra? Quantas pessoas morrem de infarto, de susto, de claustrofobia e que não é manchete, não dá noticia, morre e morreu, faz parte da vida. Mas você vai ver a causa, está aí, num problema operacional qualquer de um assunto, principalmente, elétrico. Então, a eletricidade está entrando assim, como uma matéria-prima, um insumo da vida das pessoas cotidianamente. Quantas coisas que você faz que interrompe a energia, você não faz? Eu moro no 19º andar de um prédio, você acha que com essa sequela da minha Poliomielite, eu consigo hoje subir 18 andares para ir para casa? Não, se não for a energia elétrica. Então, quanto da nossa vida está depositada na presença de energia e na sua continuidade? Agora, você imagine você ser presidente de uma empresa que cuida disso para um estado inteiro, que tem e é responsável por 25% da energia do país inteiro, que é do tamanho de um continente como continente europeu, você passa a se sentir quase que um semi Deus, não por se vangloriar da posição, não, ao contrário, pela responsabilidade que você tem para que isso caminhe direito e o que seja feito seja o melhor, o mais competente, que o benefício todo que você conseguir extrair da tecnologia e distribuir às pessoas, você possa fazer como uma forma de dar ao cidadão aquilo que ele merece que no fundo, esse cidadão é você mesmo. Isso é o que me encanta.
P/1 – Sidnei, hoje quais são os seus sonhos para o futuro?
R – Eu estou com 68 anos de idade. Dentro da administração pública, até hoje, 70 anos é o limite para que você se aposente compulsoriamente. Então, eu estou me preparando para enfrentar um momento importante, que é o momento da aposentadoria na carreira universitária. Já trabalhei bastante, prefeito dentro da universidade, chefe do departamento dentro da universidade, comecei um pouco tarde, então, outras posições, como diretor de escola, reitor e etc. já não estão mais nos meus planos por conta do tempo de vida que existe pela frente, não que não fosse um desafio que eu não gostasse de enfrentar, mas já não faz mais parte do tempo. Espero que a saúde permita ainda viver por mais alguns anos e poder contribuir com aquilo que deu para acumular ao longo da vida, com as experiências de ter vivido, com a percepção que até a minha condição particular de ter passado por esses percalços todos, ter que olhar de uma maneira mais flexível como as coisas são, que essa interpretação do momento presente, tanto no aspecto social, quanto no aspecto tecnológico, essa capacitação para qual foram necessários 68 anos de vida vividos possa ainda utilizar isso que acumulei como uma maneira de divulgar, estimular, motivar pessoas a levarem adiante não só os seus projetos de vida, mas o projeto de vida das cidades, das sociedades, que seguramente, vão aí para o futuro em momentos em que eu não vou estar mais presente. Então, esse meu desejo de contribuir, auxiliar, hoje, o tema são cidades inteligentes, internet das coisas, coisas falando com coisas. Acabamos de falar há pouco, o aspecto de mudança cultural para presença de tecnologia. Hoje, o que é um telefone celular para você? Esqueça o celular em casa e saia para fazer uma viagem de fim de semana, você vai se sentir perdido no deserto. Imagine você ter que fazer uma viagem sem um celular? Se fura um pneu, como é que você pede socorro? Quer dizer, então você veja, a presença tecnológica induz a você fazer projeções do que vem a ser a vida no futuro, o que você possa fazer com essa tecnologia e não há dúvida que a gente não é dono da verdade, mas as percepções que tivemos aí ao longo da vida, eu e outros tantos, falando, conferindo vão dando a inspiração para jovens como você que vem aqui com a incumbência de levar essa vida adiante, não é? Que não vão consumir aquilo que estamos dizendo como sendo uma verdade eterna, mas sim, são peças de um cenário que vocês vão conferindo para ver se é coerente, se isso se justifica, mas se for, vocês vão tomar como alicerce para levar a vida para adiante. No fundo, tudo que é vivo tem dentro de si uma obrigação da preservação da própria espécie. As espécies só chegaram até aqui ao longo da vida do mundo porque algo instintivo de preservação da espécie. Tudo que é medicina avança em melhorar a qualidade, a saúde, prolongar a vida e etc. está alinhado à preservação da espécie humana ao longo do mundo. Por outro lado, são tantos recursos que a tecnologia acaba colocando à disposição, que talvez por uma falta de preparo cultural, social, a gente até utilize tecnologias sem a percepção, sem a maturidade que deveríamos ter para poder fazer com que esse uso não tenha contraindicações graves, é o caso aí do ambiental hoje é uma questão que decorre como efeito secundário do uso indiscriminado de uma tecnologia por exemplo do motor de combustão. Então, vai usando, vai tocando, vai queimando até que chega uma hora, olha estão anunciando, vai derreter geleiras, o mar vai subir, cidades vão ficar alagadas, sobe a temperatura no planeta como um todo e como isso não acontece de um dia para o outro, isso vai sendo relevado e empurrado para diante, mas não é de um dia para o outro, mas a cada dez anos, você já começa a perceber, ter percepções muito claras e você vê que se algo não for feito, em pouco tempo, podem ter mudanças muito graves. Um dia, boa parte do que existia na terra deixou de existir. Os dinossauros não estão mais aqui, como é que esse negócio de uma hora pra outra acabou? Não foi de uma hora pra outra, mas foram por mutações que foram acontecendo decorrentes até da própria natureza, mas hoje, nós conseguimos interferir na natureza muito mais do que já interferimos no passado. A capacidade do homem de modificar a natureza já é maior do que os fenômenos naturais. Os ventos conseguem mover montes de areia no deserto. A chuva consegue derreter montanhas, toda vez que você vê uma água barrenta andando por um rio, aquilo é terra que está sendo diluída e se atrelando com o mar, um dia, vai estar tudo no mesmo plano, a terra vai ser coberta só de água porque o que é de terra vai estar tudo dentro da água, já passou do limite, né, o humano ainda consegue trazer areia e fazer a cidade, Dubai está lá para mostrar que isso é possível, né? Os Emirados estão lá, cidades feitas com criação de espaço com areia de fundo de mar, então isso já tem solução. Mas tem muitas tecnologias, o domínio nuclear, a potência nuclear, se não usada de maneira apropriada, hoje, nós já temos forma suficiente para destruir o planeta, desintegrar, basta detonar o que se tem de bomba construída. Então, a tecnologia vai nos viabilizando muitas coisas. Agora, é preciso que uma maturidade, que parte dela tenha origem nas experiências de vidas vividas, isso até os índios que tinham seus conselhos idosos, já tinham por hábito, considerar as experiências vividas, a maturidade mesclando com os ímpetos da juventude. Então, hoje o meu sonho é viver essa faixa etária na qual eu estou, na faixa dos que já viveram um bocado, dos que já têm percepção de que coisas virão aí pela frente, que poderão ser modificadas, poderão ter rumos distintos em função de decisões que sejam tomadas agora e com a consciência de que os tomadores de decisão não serão mais pessoas dessa faixa etária. Serão pessoas da sua faixa etária e o desejo próprio dessa fase da vida é contribuir da maneira mais honesta, mais autentica possível para que vocês possam maximizar os acertos e que levem essa vida, a vida desse planeta, a vida da sociedade humana para bons caminhos, que no final, possa estar trazendo sempre, maximizando a felicidade. Então, acho que acaba sendo o grande objetivo de vida de todo mundo.
P/1 – Como é que foi contra um pouco da sua história pra gente hoje?
R – Muito bom. É navegar… em alguns momentos da vida, a vida passa na frente, ela desfila diante dos olhos, diante da percepção do momento. Acontece isso quando você participa de um acidente, por exemplo, você está no meio de uma convulsão, de algo onde você não domina, onde você acha que vai morrer, aí em um instante, a vida desfila. Você se vê desde muito jovem até os dias de hoje, te aparecem os quadros, as visões mais importantes. Eu tive a oportunidade de viver alguns momentos desses. Uma vez, eu estava num automóvel que sofreu uma pancada muito forte e eu quebrei umas costelas, estava no banco de trás, quebrei umas costelas, eu achei que ia morrer naquele momento e estava com a primeira filha de lado, minha esposa do outro, no banco de trás, eu achei que aquele momento era o momento que eu morreria e nesse momento, eu me lembro de ter passado assim, de ter observado uma tristeza muito grande, porque eu tinha desejo de contar aquilo que eu estava vendo, como eu estou fazendo agora, ou seja, um desejo de poder contribuir com aquilo que eu vivi até aquele momento porque eu achava que ali era o momento de partir. Essa experiência de revisitar de uma maneira organizada, descontraída, esses momentos pelos quais eu vivi, que são alguns dos momentos, se eu tiver que contar essa mesma história uma outra vez, seguramente, eu vou explorar coisas que não passaram pela minha lembrança agora, mas que podem passar. A vida foi muito mais complexa, muito mais ampla do que esse passeio cronológico aqui que nós fizemos, mas não por isso, deixou de ser menos prazeroso em poder revisitar instantes de uma vida que no final, é o patrimônio que cada um de nós vai formando de uma maneira personalizada, porque as experiências de vida são muito pessoais e próprias de cada pessoa.
P/1 – Está certo, então, Sidnei. Obrigado. Foi ótimo.
R – Obrigado.
FINAL DA ENTREVISTA
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