P/1 – Então, eu queria que você começasse se apresentando, dizendo seu nome completo, data e local de nascimento.
R – Meu nome é Luciana Fleury Prado, eu nasci em São Paulo, no dia 23 do um de 1965, ainda sou do século passado (risos)!
P/1 – E qual é o nome dos seus pais?
R – Meu pai é Olavo Fleury Filho, minha mãe é Marise Amarmo Fleury.
P/1 – E você sabe a atividade deles? O que eles faziam…?
R – O meu pai era comerciante (meu pai e minha mãe hoje são falecidos). Meu pai era comerciante, trabalhava com café, ele era exportador de café, era um trader de café. A minha mãe fez Biblioteconomia, mas ela não trabalhou na área dela, enfim, até pelo estilo de vida, por ter muitos filhos, tudo, ela não trabalhava, e ela sempre fez trabalho voluntario, ela deixou essa herança muito bacana pra gente, pros filhos. Eu, por exemplo, sou uma pessoa que sempre faço trabalho voluntário, não consigo deixar de fazer, então essa é uma herança que foi dela. É uma cultura muito importante que ela nos deixou.
P/1 – E você sabe como eles se conheceram?
R – Eu sei. Eles se conheceram no Colégio Rio Branco, aqui em São Paulo. A minha mãe de São Paulo, ela já era daqui de São Paulo, família paulistana. E o meu pai de Neves Paulista, no interior de São Paulo. E meu pai, os filhos todos, estudavam – meu pai, assim como os irmãos dele – estudavam em São Paulo, estudavam no Colégio Rio Branco. E eles se conheceram lá. Se conheceram e pelo que eu sei foi uma mega duma paixão, e muito cedo eles casaram. Eles casaram com 21 anos, então eram novos, bem novos. Foi logo depois que a minha mãe se formou eles já se casaram.
P/1 – E você tem irmãos?
R – Tenho. Eu tenho cinco irmãos homens, então eu sou a quarta filha de uma família a princípio de cinco filhos. E depois quando eu tinha onze anos mais ou menos, por aí – não chegava a onze, nove anos, mais ou menos – os meus pais adotaram mais um menino. Então eram seis homens e só eu de mulher, numa família que, enfim, majoritariamente machista (risos). Muitos homens, muitos olhos em cima de mim, com a desculpa de me cuidar, pegavam muito no meu pé, muito, eram muito chatos.
P/1 – E como era sua infância com esse bando de homens?
R – Olha, eu tive uma infância muito rica no sentido de experiências. Morava numa cidade do interior, embora tenha nascido aqui em São Paulo, e fui morar numa cidade chamada Mirassol, que fica perto de São José do Rio Preto. E naquela época tinha muita segurança, então assim, nossas brincadeiras eram na rua, a gente vivia na rua com um monte de criança, e aí os amigos dos irmãos também, então assim, sempre foi muito rica de brincadeiras, de atividades, de pessoas, e com muita liberdade, que eu acho que hoje em dia infelizmente as crianças são mais penalizadas, em função de toda essa questão de segurança. E enfim, eu tinha muitos primos também porque meu pai era de uma família... minha mãe era filha única, mas meu pai era de uma família com oito irmãos, então eram muitos primos. Então a gente tava sempre rodeado de crianças, de atividades. Meus tios tinham fazenda, meu pai também, todo mundo, então assim, cada hora os primos todos iam pra uma fazenda, aí ficavam, passava as férias, ia pra outra fazenda. Aí tinha umas épocas, assim, era muito interessante, tinha um tio que tinha uma fazenda bem perto de Mirassol, e uma vez por ano (na colheita do milho e depois na época de matar porco), olha só, iam todas as mães pra fazenda, com os filhos, todo mundo, e faziam pamonha, curau, fazia tudo que era de milho na época do milho; e depois quando era na matança do porco, fazia linguiça, fazia toucinho, banha de porco. E assim, era uma bagunça, porque todos os primos estavam sempre juntos, e então, muito boas memorias de uma infância muito próxima da natureza, no meio do pomar, andando a cavalo, muito livre nesse sentido, muito gostoso. Foi muito bom.
P/1 – E você lembra das suas brincadeiras favoritas?
R – Olha, eu lembro. A gente adorava fazer piquenique em cima da árvore. Tinha uma mangueira enorme – na fazenda do meu tio, não era na do meu pai – e era uma mangueira linda e a gente fazia piquenique na mangueira. Cada um escolhia o seu troncozinho e a gente levava brigadeiro, levava pão, suco, absolutamente tudo, cada um subia, e a gente ficava um distante do outro, mas assim, tinha uns que ficavam embaixo também, mas no seu ‘quadradinho’, ali. Então era muito divertido. Tinha essa brincadeira muito bacana. Tinha outra brincadeira muito gostosa, que a gente brincava muito de pique, bola, queimada, enfim, todas essas brincadeiras de rua, a gente brincava muito. Eu me lembro que eu era, assim, muito moleca, e nós estudávamos num colégio estadual, lá em Mirassol, nossa cidade, e eu tinha uma amiga que também era muito moleca, junto comigo. E a gente usava uniforme, que era uma saia e uma blusa branca, só que a gente usava kichute amarrado no tornozelo, então assim, era uma coisa assim muito engraçada. A gente ia de bicicleta pra escola, kichute amarrado no tornozelo, de saia. A gente ia pra praça com os meninos brincar de futebol, então eram muitas brincadeiras, era sempre tudo muito leve, tudo muito infantil, aquelas brincadeiras gostosas, saudáveis, e com muita liberdade.
P/1 – E, Lu, me conta, os seus irmãos brincavam junto? Como que era?
R – Os meus irmãos… A gente tava sempre junto, porque assim, se não era com meus irmãos era com meus primos, então assim… mas eles que eram mais velhos, eles tinham todos os amigos também. E as minhas amigas também eram um pouco mais velhas, então era tudo na mesma turma, e acabava namorando, enfim, a gente tava sempre muito junto. Só meu irmão mais velho, que já era um irmão que já tinha uma diferença de seis anos de mim, então era a turma dos mais velhos, mas os outros dois do meio, antes de mim, a gente tava sempre junto brincando, era sempre os mesmos amigos, as minhas amigas eram amigas deles, então era sempre muito gostoso, muito unido. E era uma turma muito grande. A gente passava... final de semana normalmente eu tava na fazenda, então meus pais eram muito bacanas, assim, eles sempre deixavam a gente levar os amigos pra fazenda, a gente nunca tava sozinho, enfim, a gente passava todos os finais de semana na fazenda. Já mais adolescente, aí tinha festa, isso e aquilo, a gente ficava um pouco mais em Mirassol e em Rio Preto, que a gente acabava frequentando o clube de Rio Preto, o clube de Mirassol e o clube de Rio Preto. Porque o colégio, depois que eu saí do colégio estadual de Mirassol, eu fui pro colégio Santo André em Rio Preto, aí eu comecei a conhecer muito mais pessoas, que são amigas minhas até hoje, também super, desde a época do colégio, e aí a gente frequentava também Rio Preto, as festas de Rio Preto. Então era sempre todo mundo muito junto, os amigos sempre juntos.
P/1 – E voltando um pouquinho, qual que é a sua primeira lembrança da sua primeira escola?
R – Olha, a primeira lembrança é uma coisa tão surreal, é engraçadíssimo, porque eu fui pro Jardim da Infância. Nessa escola que eu fiz o Primário (na minha época era Primário, hoje, enfim, é Fundamental)... eu fui nesse Jardim de Infância lá, e eu era muito magra, mas eu sempre comi super bem, mas eu era muito magra e muito alta, então tinha aquela coisa “precisa tomar Peratim, precisa tomar Biotônico Fontora”, aquelas coisas que na época tinha pra abrir o apetite, comer mais pra poder engordar, não é só pra comer mais, que se fosse só pra comer mais ok, mas eu tinha que engordar. Então a minha primeira lembrança dentro do Jardim de Infância, eu dormindo – porque eu tomava Periatim e acho que dava muito sono, sei lá – e eu me lembro eu deitada na mesinha da sala, e a maior balburdia na sala, todo mundo brincando, não sei se tavam comemorando alguma coisa, se tinha festa, essas coisas todas, e eu dormindo, assim, olhava aquele monte de gente e pof, caía a cabeça e dormia. Olha que dó, é de chorar, né? E aí, não só isso como tinham que avisar minha mãe pra me buscar dentro da sala de aula, porque tinha que me pegar no colo, porque eu ficava meio que desmaiada. E aí eu acho que essa história toda de remédio, “acho que não tá funcionando muito”. Mas essa é uma lembrança, vamos dizer assim, uma primeira lembrança da escola, da rotina escolar. Uma outra lembrança que eu tenho muito interessante de escola, que eu gosto sempre de lembrar, é que a gente levava sempre um lanchinho, uma coisa ou outra pra comer na hora do recreio, mas a comida que tinha na cantina era uma delícia, era aquelas sopas, cheias de caldo, com macarrão, com legumes, aí um dia era sopa de legumes, outro dia era canjica, era uma fila enorme, todo mundo, embora você levasse seu sanduichinho, o sanduíche voltava e eu comia da cantina, assim, como quase todas as crianças da minha escola. Porque foi ter cantina mesmo um pouquinho mais pra frente, quando eu tava no quarto ano, daí a gente frequentava a cantina. Se não, era... A cantina que eu digo, com salgadinho, aquelas coisas horrorosas, medonhas, condenáveis, pra uma criança, mas a sopa era muito mais legal. Tinha gelatina, isso e aquilo, a gente comia tudo na cantina. Então assim, era muito saudável, uma infância muito saudável, muito próxima, todos os amigos se encontravam na escola, então todo mundo frequentava a mesma escola, não tinha essa coisa de escola particular, só realmente um pouco depois, quando começou já a ter um pouco dessa mudança, dessa valorização da escola particular, que aí eu fui. Na minha época era quinta série (que acho que hoje deve ser o sexto ano do Fundamental).
P/1 – E como foi essa mudança de escola?
R – Foi interessante. Foi uma mudança e tanto, porque eu fui pra um colégio que majoritariamente era feminino, o Colégio Santo André, e isso era uma coisa que me pegava um pouco, porque eu sou de uma família que só tem homens, e aí na minha sala, na quinta, sexta e sétima série, nesses três anos, só tinha mulher na minha sala, e eu reclamava muito, eu me lembro que eu reclamava muito. Eu me lembro que eu falei “olha, a condição de eu continuar no colégio Santo André, pelo amor de Deus, é ir pra uma sala que tenha homem, tenha menino, porque eu não aguento mais essa história toda só de menina”. Então era assim, tinha um, dois meninos, uma coisa muito pouca. Então essa mudança pra mim foi uma mudança, uma coisa muito diferente, tudo, mas que houve uma adaptação tranquila, porque enfim, a gente foi sempre super bem recebido, todos meus amigos de Mirassol que ia estudar em Rio Preto, a gente pegava o ônibus junto. Quinze pras seis eu levantava, seis e meia da manhã saía o ônibus que ia de Mirassol pra Rio Preto, e deixava as crianças no colégio. Então tinha o ônibus do colégio dos meninos, que era o São José, e o ônibus do colégio das meninas, que era o Santo André. Então a gente ia pra lá nesse ônibus, que era a maior bagunça, que era uma mega bagunça, era uma delícia, era super gostoso, era uma bagunça e tanto. Então assim, muitas memorias, muitas coisas muito legais, lembranças muito bacanas. Realmente muito ricas.
P/1 – Você tem alguma história, alguma memória dessa época, que você queira contar?
R – Ai, gente, eu tinha. Olha, teve uma situação, hoje é engraçada, mas na época deve ter sido extremamente constrangedora, que não tinha nessa época essa coisa do bulling, mas poderia ter sido alguma coisa desse tipo. A gente fazia muitas comemorações, tinha Educação Moral e Cívica, então tinha muitas comemorações. Tinha o MMDC (Martins, Miragaia, Dráusio, Camargo), magina, fazia jogral, coisas assim, e tinham também uma cena, como se hoje fosse um teatro, eram cenas que a gente representava alguma música, alguma coisa assim. E eu me lembro que uma vez – isso na escola em Mirassol ainda, eu tava no terceiro ou quarto ano primário – tinha um menino na minha turma, o Danilo, que ele até hoje é lindo, é um homem maravilhoso, e na época ele era também lindo, lindo, lindo, então todo mundo ficava encantado com ele. E era uma apresentação, uma música: “Terezinha de Jesus, de uma queda foi ao chão, acudiram três cavalheiros...”, e eu era a Terezinha e quem me acudia era o Danilo. E assim, foi uma emoção, eu falava “meu Deus, eu vou ser a Terezinha e o Danilo que vai me acudir”, e muito engraçado, que como eu era muito magrinha, todo mundo tinha uma saia que era mais justinha, assim, evasê, a minha era franzida, pra fazer volume, porque eu era muito magra. Ai, acho que to confundindo as histórias... Essa foi uma emoção. Eram duas então, vou contar uma outra história. Essa foi super emocionante, eu olhava pra ele com aquela cara de apaixonada, eu nem gostava dele, mas ele era encantador porque ele sempre foi muito bonito. E toda aquela cena, aquela coisa, e eu era muito magrela, eu não era muito escolhida, entendeu, eu não era a mais escolhida pra interpretar os papeis importantes na escola. E aí foi muito engraçado. E aí uma outra vez, que eu to lembrando também dessa saia, que é essa mesma saia super franzida, tal e coisa, a gente tinha uma brincadeira na escola que chamava agacha-agacha, então quando você era pego, você tinha que agachar. Eu sempre fui muito distraída, falante, enfim, mas distraída, isso a Ayurveda explica bastante essa minha natureza, que eu acho que é muito interessante, e a gente tava brincando de agacha-agacha, e alguém me pegou e eu não agachei. E a hora que eu não agachei, essa minha amiga – uma amiga de infância, desde o pré-primário, uma amiga irmã praticamente, ela chama Luciane (eu Luciana e ela Luciane) – ela falou assim “baixa, baixa”, e na hora ela puxou a minha saia e eu fiquei de calcinha no meio do pátio. Então foi uma coisa assim, vergonhosa. Eu lembro que eu chorava muito, todo mundo ria e eu chorava muito, claro, puta vergonha do caramba, eu falava “Jesus amado, eu não acredito, você viu o que você fez comigo? Não é possível”. A partir daquilo eu não lembro mais, mas provavelmente minha mãe deve ter ido me buscar na escola, de tanto que eu chorava, fiquei triste, e magoada, aquela coisa magoada, porque eu fiquei ridicularizada na escola. Mas depois eu não me lembro de nenhuma cena, ninguém fazendo bulling tipo “ah, é ela que ficou de calcinha, ela que ficou sem roupa”, uma coisa desse tipo que hoje tem. Não me lembro. Então tinha umas coisas muito bizarras. Outra que eu me lembro é que a gente fazia flúor, tinha dentista na escola, e o dentista da escola que tratava a gente. Isso tudo eu to falando de uma escola boa, de uma escola pública boa. E a gente tinha esse banho de flúor, que chamava, que a professora tinha que colocar o fluorzinho, e todo mundo fazia bochecho, e sempre tinha um que ia com o balde pegando o bochecho de todo mundo, era a coisa mais nojenta que vocês podem imaginar! Então umas bizarrices interessantes, que faziam parte daquele momento da escola pública, daquela vivência, que foi muito rica, muito legal.
P/1 – E você lembra de algum professor que tenha te marcado, ou professora?
R – Ai, alguns. Eu tinha uma professora, que era a dona Geni, professora de Matemática, que era muito boa. Isso no primário, ainda nessa escola. Depois que eu fui pro Santo André eu tive um professor que me marcou muito que foi o Adalmir, era um professor de Português, extremamente criativo, e ele dava aula, assim, Gramática, sempre em cima de música, ele tinha uma pedagogia que eu diria bem avançada pro momento, que não era muito comum. E ele tinha um mapa da sala com todas as carteiras, e as pessoas na sequência daquelas carteiras, e ninguém podia estar fora do lugar. E um dia eu tava, eu saí do meu lugar, fui pra perto de uma amiga minha, e ele falou “muito bonito, dona Luciana, a senhora vai ganhar dois pontos negativos”, e eu falei “por que dois pontos negativos?” e ele falou “um porque a senhora está fora do seu lugar, e outro porque a senhora não está no seu lugar”, eu olhei pra cara dele... mas ele era tão criativo e tão interessante, que no final das contas a gente ria, acabava tudo, mas ele sempre ajudava também, depois, a ganhar nota, de outras maneiras, porque era tanto ponto negativo! Enfim, esse foi um professor que me marcou muito, muito bacana. Tinha outra professora também que me marcou muito, que era professora de História, ela chamava Rosangela, e ela era um saco, porque você só ia bem na prova dela se você decorasse exatamente tudo que ela falasse e escrevesse, então... as perguntas eram as que fazia em sala de aula, que você decorava e simplesmente reproduzia na prova. Então era uma coisa... uma burrice inacreditável. Então essa me marcou de um outro lado, um lado não tão positivo assim, então, enfim, e assim foi.
Depois quando eu saí do Santo André, na oitava série, eu falei “eu não aguento mais esse colégio aqui só de mulher”, e tinha as madres, que no colegial eram mais chatas ainda. Aí então eu fui pro colégio São José. Era onde meus irmãos estudavam, tinha muito mais homens do que mulheres. Aí, puts, mudou minha vida, aí era muito mais interessante, né? Fiz o primeiro e o segundo colegial no Colégio São José, e os meus irmãos já tinham vindo estudar em São Paulo no terceiro colegial, e minha mãe queria, na verdade, que eu ficasse lá, “não faz o mínimo sentido você ir pra São Paulo, estudar no terceiro colegial, fica aqui”. Aí eu falei “não porque não, porque não, meus irmãos foram pra São Paulo, então eu vou pra São Paulo”. Eu acho que a minha mãe tava muito insegura de me deixar aqui em São Paulo com os meus irmãos, eu tinha dezesseis anos mais ou menos, acho que ela tava muito insegura. Então foi uma coisa absurda porque eu morava ali na Avenida Rebouças, e o único colégio que me aceitou aqui, foi o colégio Sion, Nossa Senhora do Sion, por causa da carga horaria, do currículo. Aí eu fui pro colégio Sion, só que era uma coisa muito absurda, porque eu vim morar em São Paulo sozinha junto com meus irmãos, e aí eu ia de perua, junto com a meninada desse tamanho, com a pirralhada toda criança, porque minha mãe não me deixava ir sozinha, entendeu? Eu falava “meu Deus do céu, que contradição...” Aí começaram a vir umas contradições muito interessantes na minha vida, e essa era uma delas, eu falava “gente, não adianta nada você ter essa autonomia de morar numa cidade como São Paulo, saindo do interior, e ir pro colégio de perua com a pirralhada”, e aí só eu e o motorista na frente, porque nós éramos os adultos, vamos dizer assim (risos) daquela perua. Então era muito ridículo essa situação, eu me sentia muito ridícula. E aí eu vim estudar no Sion, e aí voltei pra aquela chatice de colégio feminino, só tinham dois meninos na minha sala, um namorava a menina, que eram os dois CDFs da sala, ficavam o tempo todo de mão dada. E o outro ficou muito amigo meu e de uma amiga, que depois a gente levou ele pro Objetivo quando a gente foi pro Objetivo. Porque aí eu não consegui. Seis meses de Sion pra mim foi um horror, porque eu sempre fui muito moleca. A gente até viajava, eu viajava bastante com os meus pais, tudo, mas assim, as minhas férias todas eram muito na fazenda, era muito na praia, e tal, não eram assim viagens internacionais e tal. Meus irmãos até que iam, quando eu fiz dezessete eu fui, dezessete ou dezoito? Quando eu fiz dezoito anos eu fiz minha primeira viagem internacional. Então assim, aquele mundo Minnie/Mickey, e as meninas no Sion todas com sticker da Minnie, e o moletom do Mickey, e não sei que lá, era aquela coisa tão assim... Hoje pra mim é normal, mas naquela época não era. Eu falava assim “gente do céu, estou no lugar errado, eu não pertenço a esse lugar, esse não é meu mundo”. E aí eu fui, no segundo semestre, de tanto encher o meu pai e minha mãe: “eu não quero mais ficar no Sion”, aí eu fui pro Colégio Objetivo, na verdade era o Piratininga, lá no final da Av. Angélica. E levei esse... não me lembro direito como ele chamava, acho que era Paulinho se eu não me engano. Então a sala ficou com um homem só, terminou o ano com um homem. Então assim, umas lembranças muito interessantes, assim, engraçadas. Mas assim, a ideia, é que o tempo todo eu precisava me afirmar, precisava ser reconhecida pelo meu valor, não queria ser manipulada, um mupet, e era acho que na verdade, era isso que ela queria que eu tivesse sido, ela falava “você não tem autorização pra gastar com nada, você vai comprar uma roupa, você tem que esperar eu chegar aí em São Paulo e aí nós vamos sair pra comprar”, eu falava “mas mãe, eu quero comprar eu”, e minha mãe “não, porque não, porque não”. Eu acho que o que ela não conseguia muito, vamos dizer assim, ter uma influência, um domínio maior pelos meus irmãos, ela queria ter por mim. E a gente vivia realmente discutindo, a gente brigava bastante, porque ela pegava no meu pé, e aí eu chorava, ia falar com meu pai, sabe assim, e ela sempre foi uma pessoa muito... engraçado, assim, minha mãe sempre colocou umas barreiras, porque como eu era a única filha mulher, eu não sei até que ponto também a questão do feminino ali batia forte, porque ela também vivia num mundo masculino. Então acho que batia um pouco forte, e ela queria que eu fosse uma extensão dela. Hoje, a ideia que eu tenho é que ela gostaria que eu fosse uma extensão dela, obedecendo ela o tempo todo, e não tendo, vamos dizer assim, uma autonomia, ela não deixava, vamos dizer assim, eu brilhar como filha mulher. Então isso perseguiu. Foi me perseguindo e essa história toda, e persistiu. Perseguindo e persistindo. Até que eu entrei na faculdade, aí eu fui fazer Psicologia, e aí logo que eu me formei, eu tinha prestado... no último ano, exatamente, no meu último ano, a minha mãe já estava com câncer, e então eu passava cuidando muito dela. Minha mãe era muito jovem, tinha cinquenta anos, 49 por aí. E aí meu pai ficava muito aflito com essa angustia, acho que até pra não viver essa angustia toda, ele ficava muito mais... ele sempre ficava na fazenda de não sei aonde, uma outra fazenda, viajando aqui, viajando lá, tal, e não ficava muito com ela aqui. E quem ficava o tempo todo com ela era eu. Então ela ficava comigo, e eu acompanhava em médico, em quimioterapia, em radioterapia, enfim, nessa rotina que foi muito difícil que foi meu último ano, praticamente, da faculdade. Aí depois eu me lembro que eu queria fazer Psicologia Hospitalar. Prestei a especialização, na época não sei se chamava especialização ou aprofundamento – não me lembro como é que era o nome, acho que era especialização sim – que era dentro do HC, no Hospital Geral. E eu passei. E aí no primeiro dia que eu fui chamada, que eu ia começar a trabalhar, eu fiquei muito mal porque eu tinha recebido a notícia que minha mãe já tava muito mal, já tava num quadro terminal. Só que quando você recebe a notícia de um quadro terminal, você não sabe se dura um mês, dois meses, três meses e tudo mais... Aí eu fui conversar com o coordenador, eu falei “olha, realmente eu não tenho condições de passar aqui o dia inteiro no hospital, embora queira muito, e depois chegar em casa e ainda tomar conta da minha mãe, entendeu? porque eu acho que é muito sofrido isso, e eu sinceramente não sei se eu tenho esse preparo, esse preparo emocional mesmo, porque eu sei que ela tá no final”. E logo depois, acho que uns 45 dias que eu tive essa conversa com o coordenador, eu até perguntei pra ele “eu não posso começar daqui a um ano?”, “ah, não, ou você faz agora ou não faz mais, depois você presta de novo”. Aí eu falei “bom, não sei se daqui um ano eu também vou querer”. Isso foi final de janeiro, comecinho de março minha mãe faleceu. Então aí eu comecei a trabalhar atendendo alguns pacientes que eu já atendia na clínica da faculdade, aí fui seguir meu caminho, fui pra clínica. Aí fui pro GEP também, aí foi quando eu comecei a minha vida profissional.
P/1 – Lu, voltando só um pouquinho, quando você veio pra São Paulo, você veio morar sozinha?
R – Não, eu morava com meus três irmãos, desculpa, três não, dois. O Neco até estudou um pouco aqui em São Paulo, mas logo depois ele foi fazer veterinária e foi pra Alfenas, em Minas Gerais. E aí eu fiquei com o Marcelo e com o Olavinho que estudavam aqui em São Paulo. Marcelo estudava ainda, o Olavinho já tinha se formado e trabalhava. Então morava com eles dois, e sempre tinha uma pessoa, uma empregada, que ficava com a gente, até porque tinha dias que eu ficava o dia inteiro fora. E minha mãe nesse ponto sempre foi extremamente cuidadosa, meu pai, minha mãe, e preocupada, em proverem um certo conforto, que era muito bacana. Eu fui privilegiada nesse sentido de não ter tido a necessidade, eu mesma, de limpar minha casa, cozinhar, fazer tudo. Compra de supermercado, essas coisas eu fazia, mas eram outras questões.
P/1 – E nessa época de faculdade, início de carreira profissional, com o falecimento da sua mãe, como foi tudo isso?
R – Foi muito difícil. Foi muito difícil. Foi um momento muito difícil. Primeiro porque eu era muito jovem, e ela faleceu também muito jovem, que ela faleceu com cinquenta anos. E foi um momento muito desgastante, e foi interessante porque, como eu acompanhava ela em todas as sessões de químio, e consultas, e médico, isso e aquilo, foram dois anos de tratamento e tudo mais, foi interessante que no dia que a minha mãe faleceu, eu escrevi uma carta pra ela, pra colocar na mão dela, no caixão, dizendo que eu tinha feito absolutamente tudo que eu podia. E é uma coisa muito... porque você não tem a maturidade suficiente, até por eu ser filha única mulher, meu pai se defendendo não querendo vivenciar esse momento com a minha mãe, porque eles eram muito unidos, eles eram muito apaixonados um pelo outro, muito companheiros, então, assim, ele tava perdendo também a companheira dele. E os meus irmãos, dois tinham casado, um morava no Rio de Janeiro e o outro morava em Santos, então sobrava pra mim, porque nessa época eu já morava sozinha no apartamento aqui em São Paulo. Então nessa época foi tudo muito difícil porque foi em cima de mim, e aí eu achava, de alguma forma, que todo aquele empenho que eu tava tendo... eu não consegui trabalhar em nenhum momento a minha impotência diante de uma doença tão violenta, tão forte, tão agressiva como é o câncer, eu não tive essa chance de trabalhar. Mesmo fazendo terapia, que eu fazia terapia, assim, era uma resistência muito grande de eu aceitar, porque todo esse esforço meu, toda essa minha energia que eu gastava em cima disso pra poder ajudar a minha mãe, ia ser em vão. Ia ser em vão na minha cabeça, evidentemente. E aí quando minha mãe faleceu, eu briguei com Deus. Falei “não quero mais saber”, e aí assim, principalmente porque minha mãe era muito muito religiosa, católica, extremamente religiosa, aí eu falava “gente do céu, uma pessoa boa, religiosa, como assim, né? vai morrer e morrer numa coisa violenta dessa, terrível” E nesse momento eu não conseguia entender, não conseguia digerir, e foram anos de terapia, mas eu acho que era uma dificuldade muito grande mesmo que eu tinha de entender e de lidar com a minha impotência. Então foi um momento de muito sofrimento, aí eu tive uma síndrome do pânico, porque eu acho que é um momento que você se sente completamente... é o extremo do abandono. Então isso pra mim foi uma coisa muito marcante na minha vida, foi quando eu tive que começar a tomar remédio, uma série de coisas, eu falei “meu Deus, do céu, o que está acontecendo?” E nessa época eu também atendia no consultório. Aí eu tive que dar um break no consultório pra poder dar uma melhorada disso tudo, no meu estado geral. E aí com muita terapia, com medicação, eu fui conseguindo... e sempre tive muito carinho, muito apoio das pessoas, dos meus professores, das pessoas que estavam comigo. Eu lembro no GEP, aliás um dos médicos que eu consultei era um médico do GEP, o Marcus Mercadante, eu me lembro direitinho. Porque na época, o que aconteceu... a própria psicofarmacologia ela não era tão desenvolvida assim, então os remédios tinham muito efeito colateral, então você ficava muito chapada, muito prostrada, com o pensamento muito lento, uma coisa assim, então aos poucos a própria tecnologia foi avançando, claro, a gente tem hoje realmente uma psicofarmacologia com muito menos efeitos colaterais que na época que eu comecei, mas foi assim, foi um momento muito difícil. De eu elaborar, inclusive, eu não tinha tido a oportunidade de elaborar essa impotência, de ter trabalhado um pouco mais essa minha falta de maturidade pra ter assumido tanta responsabilidade, eu me lembro por exemplo, que tinha dias que eu deixava a minha mãe em casa, depois de vir de uma quimioterapia, por exemplo, eu ia pro [Parque] Ibirapuera pra andar, andar, ficar embaixo da árvore, deitada na grama, porque eu precisava pegar um pouco de energia, eu ficava completamente desvitalizada mesmo, que foi realmente muito difícil.
P/1 – E um pouquinho antes, pensando assim, que você só tinha a sua mãe na sua casa, de mulher, vocês conversavam sobre exames, sobre sexualidade, menstruação?
R – Olha, muito pouco. Incrivelmente, né? Era muito interessante, porque como eu tinha amigas mais velhas, elas já tinham menstruado antes de mim, então a questão especifica da menstruação eu conversava muito mais com as minhas amigas do que com a minha mãe. Com a minha mãe, ela não se sentia à vontade de conversar essas questões comigo, ela não teve essa intimidade comigo. Então assim, a gente conversava algumas coisas, tipo “ai, mãe, to com cólica, preciso ir no ginecologista”, eu ia no ginecologista dela, e tal, e aí ela me levava, mas determinadas situações de maior intimidade, era nítido como ela não conseguia realmente lidar, ela não conseguia chegar mais próxima de mim pra poder falar, pra poder orientar. Então muita coisa acabava sendo realmente com as minhas amigas mais velhas. Isso é uma questão, por exemplo, que eu vejo uma diferença com as minhas sobrinhas e as mães, isso é uma coisa que eu acho muito bacana, porque desde cedo elas conversam abertamente sobre essas questões todas, desde a menstruação, até a questão de virgindade, questão de intimidade com namorado, então tudo isso, era assim, eu não tinha essa intimidade com a minha mãe. Nunca tive, de jeito nenhum, eu tinha com as minhas amigas, e não com ela. E isso de uma certa forma também me impactou um pouco. Dentre todas as minhas amigas eu fui a que casei mais tarde, porque eu namorava um, namorava outro, porque não era esse, “ah, não é esse que eu quero”. Ah, porque teve um detalhe também, quando eu tava na faculdade eu tive um namorado, que eu namorei uns dois anos, ele era apaixonado por mim e queria casar. E eu não queria casar, porque eu não sentia segurança nele suficiente pra casar. Eu gostava muito dele, mas eu não sentia a segurança necessária pra casar, de uma entrega. Eu achava ele infantil, ele era uma pessoa extremamente carente, então eu comecei a ficar em dúvida, colocar em dúvida se realmente valia a pena eu casar ou não. Só que nessa época minha mãe já tava doente, e a maior angústia dela é que eu já tinha enxoval pronto (que ela já vinha fazendo enxoval, naquela época fazia enxoval), era ter visto dois irmãos meus casarem e não ia ver a única filha dela casar. Então, numa festa de réveillon foi muito desagradável até, porque foi numa festa de réveillon, juntava a família inteira, eu simplesmente terminei com ele e não conseguia olhar na cara dessa pessoa, então foi uma coisa muito desagradável. Todo mundo lá e ele chorando desesperadamente, todo mundo amparando ele e eu no quarto trancada não queria ver ninguém, chorando também, “gente, não quero, não quero mais”, “mas minha filha, você tem que...”. Então acho que foi uma frustração muito grande pra minha mãe não ter casado, e pra mim foi ótimo. Não ia ser feliz, com certeza. Então foi um momento muito delicado, inclusive, porque depois meus tios, minha família, todo mundo vinha, conversava comigo: “poxa, Luciana, você não vai casar? Ele é um menino bom, família boa, pá pá pá...”, ficavam falando, e eu falava “gente, eu não amo o suficiente pra viver a minha vida junto com ele, e eu não me sinto segura”. E pra mim aquilo foi muito certo, foi difícil, lógico, mas eu tenho certeza que naquele momento eu fui muito verdadeira. Essa questão toda, assim, sexual, tudo que tange a questão sexual, digamos assim, realmente não foi com a minha mãe que eu fui, vamos dizer assim, que eu tive a minha maior intimidade, ou como fonte, não foi ela que foi a minha maior fonte de informação. E que, enfim, hoje você fica pensando, é muito triste isso. Porque isso é uma coisa muito boa, eu vejo mães e filhas hoje com uma intimidade muito legal, e com um respeito muito legal. Talvez até a minha mãe tivesse ficado muito brava até de eu ter vindo morar em São Paulo... eu já pensei em várias coisas, sabe? De ter vindo morar em São Paulo, de ter deixado ela tão cedo, tal, sendo que a gente era muito companheira uma da outra. Não sei, então são questões aí que eu depois fui resolver de outra maneira.
P/1 – E como foi o desenrolar, assim, você voltou a atender em clínica?
R – Ah, sim. Depois eu voltei a atender na clínica. Melhorei bastante do pânico, nunca deixei de fazer terapia, e voltei a atender. Nesse período eu estava na... na época ainda era Escola Paulista de Medicina, hoje é UNIFESP, onde eu fui fazer minha pós-graduação em Distúrbios da Comunicação Humana. E eu atendia muito junto com as pessoas da fono, os fonoaudiólogos, e a parte da psicologia fazia sempre diagnóstico diferencial. E sempre caía na minha mão crianças psicóticas e autistas, e eu acabei atendendo muitas crianças, levando pro consultório crianças autistas e psicóticas, então o meu consultório também estava muito pesado, né? Era difícil, assim, porque eu já tava, enfim, embora eu já tivesse melhor e tudo mais, sempre existia uma certa fragilidade pra tamanho confronto no meu dia-a-dia num trabalho. Aí foi quando eu conheci, hoje é meu marido, acabei sendo apresentada pra ele. A gente ficou junto um ano, namorando um ano. E quando eu conheci, ele tem dez anos a mais que eu, eu tive a certeza que era o homem da minha vida. É outra pegada, outro jeito, enfim, outro vínculo. E aí eu fiquei esse ano então me preparando pra me desfazer, vamos dizer assim, do meu consultório, porque a gente já tinha decidido casar, e como eu não tinha mãe, enfim, eu que tinha que fazer, eu que tinha que tratar de tudo. A gente comprou um apartamento na época, eu tive que reformar o apartamento inteiro, eu que tinha que fazer a reforma, ir atrás de tudo, absolutamente tudo. E aí foi muito claro, eu falei olha “levar o consultório dessa maneira com mais tudo que eu tenho que fazer, eu não tenho condições”. Aí a gente conversou, foi muito bacana, ele foi sempre super parceirão, ele falou “tudo bem, então para de trabalhar, vamos casar, vamos organizar, vamos terminar o apartamento, vamos mudar”, aquela coisa, “vamos nos assentar aí você volta a trabalhar”. E foi exatamente isso que aconteceu. Junto com uma tia minha e um primo que é decorador, um primo muito querido, uma tia também super querida, e nós três, a gente foi ajeitando tudo do casamento, foi um casamento bem menor perto do dos meus irmãos. E aí o Antônio, que é meu marido, ele falou assim “nem adianta, eu não quero um casamento grande, eu já fui casado, tenho dois filhos, to num outro momento de vida, vamos fazer um casamento pra agradar o seu pai e a sua família, tudo mais, uma festa pra validar nossa relação, que eu acho uma coisa muito importante, mas vamos fazer uma coisa menor”. E foi realmente uma coisa menor, tudo mais, e assim foi. Aí nesse primeiro ano eu terminei de fazer tudo, reformar, mudar... eu fiz três mudanças, porque eu morava num apartamento e o Antônio no outro, então um mês antes de casar eu vendi meu apartamento e comprei o outro, que a gente morou até um ano atrás. Mas enquanto isso eu mudei pra casa dele, depois a gente mudou pra casa do meu irmão, que morava nos Estados Unidos, e a gente ficou morando lá pra poder fazer a reforma, e aí depois disso a gente foi pro nosso apartamento, então foi tudo muito tumultuado, e eu nessa época falei “não, não vou trabalhar”. E no final quando tava tudo mais organizado eu reencontrei uma prima da minha mãe – que é até afilhada da minha mãe, minha mãe era madrinha dela, ela era uma pessoa muito querida da minha mãe – e ela falou “olha, por que você não vai trabalhar comigo numa Instituição?”, ela é diretora de uma instituição grande aqui em São Paulo, no Campo Limpo. E eu comecei a atender famílias, eu fazia uma orientação, vamos dizer assim, mais psicológica do que pedagógica (evidentemente, porque eu não tenho formação nenhuma de pedagogia), com todos os educadores da instituição. Então falando sobre as questões todas do desenvolvimento infantil, pegava cada idade, aquela coisa toda. Então foi muito rico. Aí nesse período todo eu fiz um projeto social muito bacana - eu já trabalhava nesse projeto social – aí eu fiz um outro em paralelo, construí e implantei uma brinquedoteca nessa instituição. E aí eu tive apoio de duas grandes empresas que deram o dinheiro pra gente – já tava começando com essa história toda de responsabilidade social, isso já era 2000, 2001 – a gente fez esse projeto, fiquei quatro anos nessa instituição, e dali pra frente eu comecei a trabalhar muito mais com projeto social do que propriamente com a clínica. Neste projeto social, que chamava Grupo Itinerante de Voluntariado Elementar, chama GIVE, a gente fazia bibliotecas e brinquedotecas em diferentes instituições. E aí foram muitas, a gente atendeu, sei lá, mais de vinte instituições, foi bem legal. Mas esse período era um trabalho que eu ganhava muito menos, mas era um trabalho que me realizava muito, eu gostava demais. Tanto que hoje em dia, por exemplo, eu sou voluntária numa biblioteca dentro de uma instituição, então nunca deixei de ser mais voluntaria, a partir dessa pegada toda, dessa trajetória bem forte dentro dos projetos sociais, eu nunca mais deixei. Esse ano que é ano da pandemia que é uma coisa mais diferente, enfim, eu não to indo, mas enfim, nunca deixei... E fui diretora também numa outra instituição, então realmente eu tive muito engajamento nessa questão toda do terceiro setor, fiz vários cursos, fiquei bem preparada pra essa questão. A partir de um certo momento eu vi que era um território – território é ótimo – uma área que acabava me trazendo muito pouco retorno financeiro, aí eu falei “será que não ta na hora de eu repensar minha carreira, eu vou ficar aqui nisso até quando? Já já vou fazer cinquenta anos...” E fui fazendo essa transição de volta pra clínica porque aí eu já tinha começado a fazer yoga, já tava voltando a estudar um pouco mais de filosofia do yoga, eu já comecei a fazer as pazes, vamos dizer assim, já tinha feito as pazes com Deus, no meu casamento eu fiz as pazes com Deus (risos). Aí depois dali eu comecei a frequentar as missas, e aquilo foi um pulo depois pra yoga, pra Vedanta, enfim, pra outros caminhos. Respeito todas, mas não preenche, não preenche, e eu fico pensando assim também, eu falei “não quero mais”, tem muitas questões manipulativas, eu não gosto dessa historia toda. Então aí eu comecei a me afastar da igreja pra poder me dedicar mais à questão toda da yoga, e aí eu voltei. Nesse período todo foi uma coisa muito interessante porque daí pega bastante com relação à saúde da mulher, à questão toda do feminino. Logo que eu casei meu marido não queria ter filho, ele já falava “não quero ter filho, já tenho dois filhos, então não quero ter mais filho”, eu falei “e eu?”, aí ele “não sei, olha, eu gosto muito de você, mas eu vou entender perfeitamente se você não quiser e...” Só que assim, eu acho que parte de mim acreditava que a gente pudesse mudar um pouco o curso dessa história, e parte não tinha também tanta certeza que eu quisesse ser mãe. Aí a gente casou, eu casei com 32, 33 anos, aí com uns 38 anos, eu comecei a perceber (nesse período meu pai já tinha falecido também, faleceu de câncer também) que a minha menstruação começava a falhar, “meu Deus, que coisa estranha, como assim?”. Então assim, com 38 anos, você super jovem, eu e meu marido a gente fazia junto aula, personal trainer, e eu falava pra essa professora “nossa, eu sinto um calor tão estranho daqui pra cima que eu acho que é menopausa, não é possível”, ela falou “você ta louca? Com 38 anos, menopausa?”, eu falava “acho que é menopausa sim”. E a minha menstruação vinha, uma ou duas vezes por ano falhava, nunca tinha acontecido isso, os meus ciclos sempre foram muito regulares, eu falava “nossa, tem alguma coisa estranha”. Aí quando começou a acontecer isso, eu já tinha feito 39, eu falei pro meu marido “olha, to prestes a fazer quarenta, a gente tem que resolver se a gente vai ter filho ou não”. Ele falou “ah, Luciana, você sabe desde o início que eu não quero, tudo mais, mas se é isso que você quer eu acho que a gente pode trabalhar juntos nessa questão”, eu falei “por que a gente não vai fazer uma terapia de casal?”, “perfeito. Se a gente tiver você vai ficar feliz e se a gente não tiver você vai ficar triste, e o contrário pra mim. Então acho melhor a gente resolver essa questão numa terapia de casal”. Eu comecei a procurar terapeuta de casal, cheguei a ligar pra uma pessoa, e aí começou de fato a falhar minha menstruação, e uns calores... Aí começou uma questão de não conseguir dormir direito a noite, de ter calores fortes, fogachos. Eu falei com meu médico, meu médico falava “mas tá tudo certo com você, não tem nada”. Meu médico era um ginecologista, eu cheguei pro meu marido e falei “olha, não estou satisfeita, quero uma ginecologista mulher, ela vai entender. Acho que homem nenhum sabe o que é passar por uma menopausa”. E aí eu tinha já a indicação de uma pessoa que eu gostava muito, amigas minhas já frequentavam, aí eu fui na dra. Sonia, e ela tava entrando na menopausa, e ela falou “nossa, se é menopausa mesmo nós vamos entrar juntas!”, brincou comigo. Eu comecei a fazer meus exames, falei “olha, dra. Sonia, eu preciso saber se é uma questão só da minha cabeça ou se de fato eu to entrando numa menopausa, porque eu tenho calafrios, eu tenho isso, eu tenho aquilo”, “ah, mas como é que está sua menstruação, seu ciclo?”, eu falei “olha, pelo menos uma vez por ano, duas vezes por ano, falha. Ela falou “então vamos dar uma olhada nisso porque realmente você pode estar entrando no climatério”. E de fato, aí fiz todos os exames, aí por vários achados, inclusive já começando a acumular um pouco mais de gordura na mama, aquela coisa toda, menos glândula e mais gordura. Enfim, aos quarenta anos eu já estava na menopausa. Cravou a menopausa nos quarenta anos, e desde muito cedo, porque aos 38 eu já tava... E nesse período, assim, foi interessante porque era muito forte, como eu justamente era muito nova pra entrar numa menopausa, eu falei “meu Deus, o que eu tenho que fazer? Ginecologista nenhum, eu não tenho ninguém que possa me ajudar nessa situação, então eu vou tentar tudo o que eu posso”. Graças a Deus, o meu marido sempre me deu uma super força, ele sempre foi um grande provedor, então assim, eu falei “eu preciso ver o que está acontecendo comigo, entender esse processo”, ele me ajudou, e assim, eu não posso fazer reposição hormonal, zero. E a questão do filho, “eu não vou ter filho? Não tem mais chance de ter filho. Eu não vou ter filho, meu Deus? O que será que ta acontecendo”, né? Aí numa conversa de uma consulta muito interessante com a dra. Sonia, ela falou “Luciana, tem umas coisas interessantes que acontecem na vida. Sua mãe faleceu de câncer, seu pai faleceu de câncer, você está fazendo quarenta anos. Vamos pensar de outra maneira essa chegada da menopausa, que pode ter vindo pra proteger você. Você tem um histórico difícil. Você tem um histórico na família, seu vô...” Tinha também minha vó materna, meu vô materno, eles tinham também falecido de câncer, meu avô de um tumor estranho, bem raro. Então ela falou assim “vamos pensar no lado positivo: eu acho que essa menopausa precoce veio pra te proteger, porque você produzindo menos hormônio, com menos alteração hormonal, você provavelmente vai ficar mais protegida. Não é certeza absoluta que você não vai ter nenhum câncer, que você esteja isenta, mas é uma maneira da natureza”. Ela ainda foi muito fofinha, ela falou “quem sabe sua mãe, seu pai, tá protegendo, a mão do seu pai, sua mãe está protegendo você pra você não desenvolver uma doença muito pior”. Aí então começou esse meu outro processo, foi muito interessante, de entendimento, de aceitação, que eu estava aos quarenta anos, num processo de envelhecimento do ponto de vista físico feminino. Então isso pra mim foi bem chocante, eu fui fazer uma terapia diferente, era um processo biográfico, que é uma terapia Antroposófica, e foi muito interessante. Ela tem uma outra pegada, você pega todos os setênios dentro da Antroposofia, você vê partes mais importantes, marcantes, desses momentos a cada sete anos, o que mais marca, tudo mais. E no final das contas eu acabei entendendo que talvez filho não coubesse na minha vida, desde o início meu marido falou que não queria. Eu topei ficar, topei encarar essa, falei “não adianta eu ficar brigando com uma coisa que ele não quer”. Talvez também não era pra ser mesmo, eu tenho cinco irmãos, seis irmãos (quer dizer, o meu irmão adotivo agora eu estou sem contato com ele, que ele mora numa outra cidade e aí eu acabei brigando com ele o ano passado, enfim, foi uma coisa bem chata, agora nesse período eu to meio afastada dele). Mas todos meus outros sobrinhos são super queridos, a gente é super unido, tudo, são muito presentes na minha vida. Então eu falei “olha, eu acho que criança não cabe na minha vida”. Meu marido é um marido demanding, sabe? Aquele marido que ele requer atenção, a minha presença, o meu carinho, ele é assim, solicitante, demanding nesse sentido. Aí eu acabei realmente... “bom, não vamos ter filhos, então eu preciso cuidar de mim”. Eu não podia fazer reposição hormonal, eu acordava três, quatro vezes por noite, ensopada de suor, que era uma coisa insuportável, eu tinha vontade de morder a orelha do primeiro que passasse na minha frente a hora que eu acordasse, e eu não sou uma pessoa mal-humorada. Aí assim, altos e baixos de humor, muito difícil. E assim, meu marido super parceiro, ele foi fundamental no meu processo. E na minha cabeça, essa história toda: “meu Deus, eu aos quarenta anos num processo de envelhecimento. O que eu tenho pra fazer?” Fiz acupuntura, fui procurar tratamento antroposófico, tratamento homeopático, medicina chinesa (não só os medicamentos como acupuntura). Nesse período eu já praticava yoga, que tava me ajudando muito, muito, muito. Eu tive um professor muito querido, muito gracinha nesse período, que me falou “por que você não vai fazer então a formação de yoga? Vai fazer a formação de yoga, porque eu acho que você gosta, tem tudo a ver com você, e eu acho que é uma forma de você se aprofundar num tema que você ta buscando muito”. Aí eu fui fazer, dois anos estudando bastante, embora soubesse que eu não ia sair de lá pra ser professora de yoga, tudo mais, eu acho que agregou demais no meu repertório, no meu conhecimento, na minha bagagem e na minha trajetória. E me ajudou muito, profundamente, depois que eu conheci o Ayurveda. E nessa época eu tive que tomar antidepressivo, porque como eu não podia tomar hormônio, eu não dormia, como que eu vou te dizer.... depois eu vim entender isso com a Ayurveda. Como eu não dormia, eu tinha um escape energético muito, muito forte, então eu ficava desvitalizada, então a única forma que eu tinha era, ou eu tomava o hormônio (que eu justamente não podia, tendo perdido tanta gente próxima de mim com câncer), ou se não era tomar antidepressivo, o que me ajudou muito, me ajudou pra caramba também. Então foi um conjunto de coisas, eu fazia acupuntura, o antidepressivo, a yoga, e eu tomava uma coisa pros calores, eu tomava Cimicifuga Racemosa, são todos naturais, que fazia muito pouco efeito. E tomava muita Isoflavona, que é um derivado da soja que é um fitoestrógeno. E aí eu tomava esse fitoestrógeno, mas eu percebi que eu tava cada vez engordando mais, porque além dessa mudança hormonal ter uma questão seria da própria queda do estrógeno e da progesterona também te fazer engordar, tinha também essa questão da soja, da isoflavona, eu falei “não, não quero tomar essa isoflavona”. Foi quando eu conheci a Ayurveda, conheci um terapeuta ayurvédico, ele falou “você conhece uma coisa, chamada shatavari, da Índia, você faz um detox primeiro, uma semana de detox onde você faz uma limpeza no seu organismo, prepara seu organismo pra começar a mudar a orientação com relação a esses calores, tudo mais”. Aí eu fiz o detox, deu tudo certo, passei super bem, comecei a me tratar, comecei a me conhecer melhor, que é esse o trabalho fundamental que fez... houve de fato uma transformação na minha vida, de auto-observação: “como eu estou, como eu me levantei, como tá minha língua”. Esse trabalho todo de auto-observação faz uma diferença enorme na sua rotina, então você passa a introduzir determinados hábitos na sua rotina que te levam a se conhecer melhor, a se olhar mais. Isso fez uma diferença enorme, e que foi realmente que eu falei “poxa, vida, essa menopausa precoce, essa mudança toda, que veio pra me mostrar um universo que eu não tinha sido nem apresentada até então”. E muito rico também. Aí eu comecei a tomar todos esses tônicos, são tônicos na verdade, que eles chamam de Tônico na Índia, então tônico da mulher, aí tem... enfim, outros remédios também que você toma temporariamente, porque na Ayurveda, você não toma nada a longo prazo, você toma um pouco e para, vai mudando, né. Por que? Porque você nunca está igual todos os dias. Ao mesmo tempo que a alopatia trata tudo de uma forma pasteurizada, então “ah, você ta tomando Tylenol, tá funcionando? Ah, então acho que vai funcionar pra mim também, vai funcionar pra você também”. Não, não é. Na Ayurveda tudo é individualizado. A sua constituição física é uma coisa muito importante, e é uma constituição que vai definir determinadas rotinas e medicamentos, tudo mais. Então, depois que eu comecei a seguir essa orientação ayurvedica, eu falei “puxa vida, isso é muito bacana, tem tudo a ver com o que eu imagino. Porque eu já tava seguindo por um caminho, que dentro da psicanálise, é muito interessante, eu sempre questionei a questão espiritual, que não se fala dessa questão, e é uma questão extremamente importante. Então eu já tava caminhando pra essa questão toda espiritual, já tinha a formação no yoga, aí eu tava encontrando na Ayurveda coisas, assim, então eu falei “meu Deus, é isso, que coisa interessante. Eu não sou igual a você, cada um tem as suas peculiaridades, e essas peculiaridades são determinados alimentos que fazem bem, são determinadas rotinas que fazem bem, e eu acho que isso é uma coisa muito importante de a gente saber. Aí fui fazer a formação em Ayurveda (risos) com esse meu professor, que é um grande parceiro meu, muito legal. E aí eu comecei a perceber que realmente a Ayurveda ajuda muito no seu equilíbrio, enfim, como você acorda, o que você tem que fazer, o que você tem que se observar, olhar a língua como é que está, você tem a sua rotina de oração, de café da manhã, sei mais o que... Ah, junto com a menopausa eu ganhei também uma asma muito grande, então assim, teve mais essa, eu falava “meu Deus, eu nunca fui asmática, nada”. E era asma, assim, de ir pro hospital, tomar inalação porque só a bombinha não resolvia. Aí, outra coisa: na Ayurveda eu comecei a fazer uma orientação especifica pro meu biotipo, que me ajudava a não acumular tanto muco, a digerir melhor os alimentos, a ter um sistema digestório muito mais competente. A influência disso na parte mental também, toda a minha disposição, toda a minha vitalidade. Aí falei “me encontrei aqui”. Aí eu fiz toda a minha formação em Ayurveda, e aí eu falei “meu Deus, do céu, que que eu vou fazer, Jesus amado? Eu quero voltar a atender, e aí eu preciso juntar tudo isso, todo esse meu percurso, de uma forma diferente, e ajudar pessoas que hoje estão passando por um processo semelhante que eu passei há um tempo”. Aí eu num final de semana de uma imersão com um coaching chamado Jeronimo Temel, chama WA, que eles chamam de awake, assim, um despertar. E aí foi muito interessante, porque eu falei “eu quero fazer esse curso porquê de lá eu vou sair com essa nova proposta de trabalho formatada”. E foi muito interessante que eu fui, acabei encontrando uma pessoa muito bacana, realmente muito bacana, e essa pessoa tava se separando, tava num momento difícil de vida, tudo mais, e é uma pessoa que trabalha com Copyright, nem sabia exatamente o que era essa atuação na época, e ela foi muito minha amiga, a gente conversava demais, a gente fez todo o processo juntos, dentro dessa sexta, sábado e domingo (dia inteiro). E ela depois me ajudou a formatar toda essa nova metodologia. Ela falou “Luciana, você tem toda essa bagagem, é isso! Essa experiência, coisas que deram certo, que não deram certo, e enfim, eu acho que você tem muita condição de ajudar pessoas, de ajudar mulheres que estejam passando por esse período difícil que é o momento da menopausa”. Pra algumas pessoas, provavelmente 20% da população, não vai ter nada, não vai sentir nada, nenhum tipo de alteração tão significativo assim. Outras vão ter, talvez não tão fortes como eu tive, e outras vão ter forte, como eu conheço amigas minhas que passaram aos 53 anos também por um processo super forte como o meu, né, só que têm opção, optaram muitas vezes por reposição hormonal, mas tem aquelas que não querem, querem passar por esse processo de uma maneira mais natural, como eu passei. E aí nesse momento, é lidar com questões muito muito importantes. Porque assim, a menopausa ela representa muita coisa importante pra mulher, ela não é só um momento de calores, fogachos, dormir mal, estados mais depressivos e tudo mais, alteração de humor, não são só esses sintomas físicos. Tem questões muito sérias pra você lidar nesse momento, que tem a ver com a finitude de uma vida produtiva, desculpa, de uma vida reprodutiva feminina, então dali pra frente, não existe mais reprodução. É uma finitude, é um momento que também, ninguém fala disso, que existe uma espécie de luto, que é uma passagem pra um novo momento. E se você ta passando por outro momento, você tem que trabalhar questões desse novo momento que é a maturidade. Geralmente coincide com o período que os filhos saem de casa, então também tem a questão do ninho vazio. Então a mãe já fez tudo o que podia fazer, já casou o filho, já saiu de casa, já fez isso, se vê de volta com o marido, tendo que reconstruir uma história, tendo que retomar uma história. Muitos não conseguem, e é uma coisa incrível, tanto que você vê a alta frequência de separações. Por quê? Porque nesse momento o casal tem que se reconciliar, ele tem que reescrever de alguma forma, ressignificar essa história, e se reconciliar como casal. E nem todos estão preparados. A mulher ela está sofrendo perdas, né, até por uma natureza mais feminina de você se entregar a essa questão da perda e do sofrimento e tudo mais, talvez ela consiga entender um pouco mais o significado desse momento. O homem, chega uma hora ele fala “eu? Minha mulher ta envelhecendo?”, gente, isso não é todo mundo, mas “minha mulher está envelhecendo? Eu não quero ficar com uma velha aqui em casa”. Então eles se separam, o que acontece com o homem? Vai ficar com uma mulher vinte anos provavelmente mais nova que ele, pra reafirmar a posição dele da masculinidade, toda potência masculina dele, que ele ainda tá dando conta, entendeu? Então ele precisa provar essa virilidade, como se não pudesse provar com a proporia companheira (risos). Mas enfim, é o que realmente acontece. E o homem acha que ele não tem menopausa, mas ele tem a andropausa, ele também passa por uma baixa da libido, uma baixa do hormônio, calores, algumas dificuldades também pra dormir. Tem todo esse período do homem também, mas ele não encara isso de uma forma natural, tem remedinhos hoje que resolvem, e eles acabam se desviando de outras maneiras, de outras formas.
Mas então eu disse tudo isso, porque a partir desse momento que eu saí desse WA, que foi em 2018, eu falei “nossa, é isso. Eu vou atender mulheres que estão nessa fase da menopausa”. E qual é o fundamento? É um atendimento um pouco diferente, porque existe um acolhimento, existe toda uma ressignificação das experiências dela como mulher, das experiências de casamento, das experiências como filha, das experiências como mãe, enfim, tem uma ressignificação de todas essas experiências, porem também, tem um momento que ela enxerga que ela ainda tem muita energia criativa pra continuar a vida dela de uma outra forma, ela não ta mais cuidando do filho, do marido, da casa... mas ela pode cuidar dela. Ela pode retomar uma vida plena de uma outra forma, talvez não tenha uma vida sexual tão ativa como você tinha antes – algumas sim, outras não, outras nunca tiveram – mas você pode sim lidar com essa feminilidade, com essa energia feminina de outra maneira. E isso fez um sentido muito grande, então o foco, o objetivo maior dessa metodologia é justamente fazer todo esse trabalho de ressignificação, usar um pouco da minha experiência de Ayurveda, da alteração da alimentação, da alteração na rotina, da introdução de alguns tratamentos naturais ayurvédicos que ajudam no equilíbrio desse novo organismo, que tem que se reequilibrar, encontrar o equilíbrio de outra forma. E tem também uma outra parte, que muitas mulheres não sabem o que fazer a partir dali, tem umas que já tão seguindo, que já têm, que continuam na própria carreira, tem outras que não sabem. Então como você pode também trabalhar com algumas ferramentas de coaching. Que eu fiz também a formação do coaching, mas não foi tão significativa pra mim a formação de coaching como foi da Yoga, da Ayurveda, mas ao mesmo tempo eu acho muito necessário e muito útil algumas ferramentas que a gente tem hoje no coaching, que também serve pra você realmente, de uma maneira um pouco mais prática e mais eficiente, colocar a pessoa num objetivo a ser atingido. Então hoje meu trabalho, depois de ter passado tudo isso, é voltado pra mulheres na menopausa, ou mulheres maduras, que estão no climatério, que estão nesse processo de menopausa – ou que já passaram dele – e que querem reencontrar, querem se reconectar com essa energia criativa, essa energia feminina, que dá pra ser assim explorada de várias maneiras e vivendo uma vida com muita vitalidade e plenitude. Então foi esse o caminho que eu acabei traçando até aqui. Falei demais, né?!
P/1 – E como que foi esse processo de ressignificar e redescobrir, até chegar nesse lugar onde você começou a entender um pouco melhor as coisas. Como foi até chegar nesse momento?
R – Olha, esse processo todo foi um processo onde eu não tinha a mínima noção de onde eu ia chegar. Existia, hoje eu tenho certeza absoluta, mas existia sim uma busca pessoal, eu me identificava muito, sempre gostei muito da filosofia do yoga, da prática do yoga, inclusive pratica de asanas, meditação, enfim, aí veio Ayurveda, meio que pra completar esse conhecimento de uma forma mais fisiológica, digamos assim. E eu não tinha a mínima noção disso, onde isso ia dar, não tinha a mínima noção. Eu falei “eu quero fazer porque eu acho que isso tem a ver comigo”. E, assim, eu to buscando verdades, eu to buscando significados importantes pra minha vida, significados assim: pra existência, pro corpo, pro adoecimento, pro envelhecimento, que explicações que eu tenho, por exemplo, por que um senhor, que eu vejo que todos os senhores, todas as senhoras, ficam mais velhos eles ficam com frio? Por quê? O que é isso? Então aí você vai entender toda a questão do tridosha, que chama Teoria do Tridosha, o Ayurveda, que você nasce, que você é pequenininho, você tá acumulando, você ta crescendo, o bebê é gordinho e tudo mais, é uma fase de estruturação, é uma fase de crescimento, é aquela fase que vai te dar toda a forma, a estrutura pra você ser uma pessoa, que é chamada de momento Kafa. Aí o seu momento produtivo, onde você já é mais adulta, que você faz escolhas, que você trabalha, você toma atitudes e tudo mais, resolve a sua vida, vai ter filho, toma mais responsabilidades e tudo mais, você precisa desse momento mais Pita, mais fogo, com mais poder decisório, é uma fase que chama-se Pita. E depois, a fase do envelhecimento é uma fase chamada Vata. Que quer dizer isso: a fase Vata ela é a fase do ressecamento, da degeneração. Então você vê que eles ficam mais velhinhos, a pele fica seca, então toda essa parte de secura, de falta de memória, de esquecimento frequente, e tudo mais, isso daí faz parte toda do envelhecimento que é essa fase Vata, que a gente chama de fase Vata. E tem tratamentos pra isso. Você não tem como bloquear tudo isso porque faz parte da nossa natureza, é o processo natural de qualquer ser humano. Mas você tem como viver melhor e conviver melhor em cada fase dela. Então, tem gente que nessa fase Pita, por exemplo, é muito mandona, é agressivo, é irritado, é não sei que, também tem... tem alimentos, você pode mudar sua alimentação, você pode saber qual é sua alimentação, não significa você nunca mais comer determinados alimentos, “ah mas eu não posso comer carne, adoro carne”, claro que você pode comer carne, só que vamos lá, junto com a carne, o que você está comendo? Que especiarias a gente pode colocar dentro dessa refeição que vai facilitar a digestão dessa carne. No dia seguinte, ao invés de você repetir a carne, vamos colocar uma coisa mais leve, colocar um pouco mais de vegetais pra equilibrar um pouco seu organismo. Então todas essas questões elas são válidas pra qualquer fase da vida, tanto criança, quanto adulto, quanto a terceira idade. Então, isso tudo... cada um de nós quando nasce, a gente nasce com uma quantidade de Vata, uma quantidade de Pita e uma quantidade de Kafa. E nós temos esses doshas que são majoritários, chamados doshas, é uma bioenergia, são humores. E quando eles estão em equilíbrio, eles são altamente construtivos, criativos, e quando eles tão em desequilíbrio, muitos deles, levam à depressão, levam a um pânico, ou leva a problemas fisiológicos sérios, problemas cardíacos, problema de rim... Enfim, tem toda essa questão energética que o Ayurveda explica direitinho e que é muito rico, extremamente rico, e foi aí que eu comecei a me entender melhor. Então o Ayurveda trouxe pra mim um conhecimento super interessante, pra eu iniciar comigo, eu fui o meu projeto piloto, eu fui o meu projeto piloto dentro do Ayurveda, dentro de todas essas experiências, e sei que deu certo, e nesse intuito que eu fui construindo a ideia de “poxa vida, por que eu não posso afunilar esse meu atendimento pra pessoas que possam se beneficiar dessa minha vivência, dessa minha experiência, e desse meu conhecimento?”. Então foi muito de repente, não foi construído de uma maneira consciente, foi construído numa maneira muito mais pessoal, que eu queria realmente, de curiosidade, aliás, a curiosidade move o mundo, se não é a curiosidade a gente não vai atrás do conhecimento. E foi nesse sentido que a gente se acertou, eu e meu marido, “olha, eu to nesse caminho, isso aqui, isso aqui”, ele: “vai em frente, segue teu caminho, faz tranquilo que eu seguro de outro jeito”. E assim, nesse período todo a gente passou por diversos problemas, várias várias várias dificuldades, desde financeira até profissional, dificuldades emocionais, tanto minha quanto dele, mas a gente sempre foi muito parceiro um do outro, e a gente ta nesse caminho junto, e ele super meu parceiro nessa questão, ele falou “Luciana, vai! É isso que você acredita, vá”. Então ele assim, por outro lado, ele me ajudou muito, que foi assim... que eu tenho imensa gratidão por ele do tanto que ele me ajudou, do tanto que ele sempre me deu de força, do tanto que ele completou em mim um lado prático que eu como psicóloga também não tenho muito, sabe, a questão financeira, a questão do planejamento, a questão de... coisas que você como psicóloga você não tem muito isso, nessa área, vamos dizer assim, médica, paramédica, e tudo mais, não é muito o forte. E ele sempre me ajudou muito nessa questão, sempre completou muito. Então realmente foi bem ao acaso, e quando eu decidi, que realmente eu pedi, “não, eu preciso saber onde é que isso vai dar, eu quero juntar tudo isso”. E de alguma forma a energia cósmica, quem acha que tem Deus, ou a energia cósmica, ou Ishvara, ou Shiva, enfim, quem me ajudou a enfim, afunilar e traçar esse caminho.
P/1 – E como você está hoje? De vez em quando sente um calorão? De vez em quando o sono fica...
R – Sim. Eu vou te dizer que até hoje, eu tenho hoje 55 anos, então quinze anos de menopausa, então até hoje, dependendo de algumas situações, eu ainda tenho calor, por exemplo, tem alguns alimentos que eu vejo que precipitam esse calor, então é vinho, quando eu tomo vinho, algumas pimentas (mas aí é uma questão natural, normal pra muitas pessoas), mas o vinho é um, qualquer bebida alcoólica, uma cervejinha, uma coisa assim, isso precipita. Porque hoje eu não tomo mais nenhum remédio, nenhum shatávari, eu não tomo mais ashwagandha, eu não tomo mais os remédios ayurvedicos, as coisas que eu tomava. Eu tomo assim, de vez em quando, então agora na época do covid eu tomei seis meses de ashwagandha, eu e meu marido tomamos, porque ele aumenta a imunidade, ele é um _______ pro seu sistema imunológico, ele te ajuda a dormir melhor, ajuda nas juntas, coisas que realmente nessa parte toda óssea, quando você entra na terceira idade, existe também um ressecamento das articulações, então a ayurveda, nesse sentido, tem um trabalho todo de oleação, e essa parte toda de oleação medicado com ervas que são importantes pro seu biótipo, são extremamente benéficas pras articulações, pros ossos, pra não haver muito ressecamento. Mulher tem muita osteopenia, tem muita artrose, tem muita artrite, até pela falta dos hormônios, tudo mais. Então nesse sentido, os tratamentos ayurvédicos são extremamente benéficos pra esse período. Você me perguntou… Respondi? Desculpa, agora… Respondi, né?!
P/1 – Super! E como está sendo pra você essa experiência de atender essas mulheres que estão passando por esse momento?
R – Muito interessante. Está sendo muito interessante, porque as demandas são varias, assim, é muito interessante, é gente que não casou, são mulheres com quarenta anos que não casaram, e que de alguma forma têm uma menstruação irregular, e que acham que de alguma forma estão entrando numa menopausa, ou num climatério e tudo mais. A hora que começa a trabalhar essa questão da feminilidade, das questões femininas, ressignificar vínculos (que eu acho que é fundamental), começam a menstruar, falam “opa!”, voltam a menstruar (risos), muito interessante! Outras que já estavam entrando, já tavam bem na menopausa, no caminho da menopausa, que os tratamentos ayurvedicos ajudaram muito, muito. Que tem uma questão, quando eu entro na parte toda de ayurveda, é muito nesse sentido do autoconhecimento, da auto-observação. O autoconhecimento ele permeia todo o atendimento, o tempo inteiro, porque é super importante você se conhecer, você entender o seu proposito na vida, saber o que você veio, qual a sua missão aqui dentro, qual o seu propósito de vida. E se você ta seguindo, se você está feliz nele, então como é isso. Isso tudo permeia o atendimento. Mas basicamente, a hora que entra na parte do Ayurveda é a hora da observação, e como esses tônicos aiurvédicos podem de fato ajudar nesse processo. Então, assim, é logico, tem gente que tem questões muito mais sérias, físicas, importantes, tem gente com problemas, assim, de útero caído, enfim, são problemas muito mais sérios, que aí precisa, às vezes, de uma intervenção cirúrgica inclusive. Mas de maneira geral, quem opta passar pelo processo da menopausa de uma maneira mais natural, você tem aí essa questão toda do Ayurveda como um grande aliado, acho que é isso, o Ayurveda, a meditação, essa auto-observação, o auto respeito, é fundamental. E muitas delas têm filhas, e isso também é uma questão que vem muito nas sessões, que é uma coisa bem interessante, porque como elas têm filhas, existe também um encorajamento delas participarem um pouco mais da vida dessas filhas, como está, como é a menstruação, como está o ciclo menstrual das suas filhas, como é a alteração de humor e tudo mais, e entender. A partir do momento que ela entende os benefícios e ela faz uma... ou começa com um detox, ou... geralmente eu indico pra um médico ayurvedico e ele faz toda essa avaliação, que eu acho que é super importante, vai fazer o acompanhamento das medicações, tudo mais, e vai fazer também os tratamentos terapêuticos que a gente chama, das oleações e tudo mais. E durante a rotina ela vai poder também fazer um tratamento de oleação diária, escolher uma prática, assim, como ela trabalha a gratidão dela, como ela trabalha a questão toda da conexão espiritual dela. Hoje em dia a gente já sabe que assim como existe a inteligência intelectual, a inteligência emocional, a gente tem também a inteligência espiritual, que está ligada com toda a nossa parte criativa, com determinadas coisas que a gente faz e que muitas vezes a gente não sabe como que a gente faz tão bem, é assim, nossa, parece... alguma coisa, uma conexão que a pessoa não sabe explicar, e é uma inteligência espiritual. Isso é uma coisa muito importante eu vendo o conhecimento das pessoas, porque essa parte ela sempre é muito... às vezes tratada de uma forma debochada, “poxa vida, nossa, tenho filho pra criar, tenho isso, tenho que trabalhar, tenho que fazer isso, ...”, começa a enumerar duzentas coisas, “uma vida social intensa, viajo pra caramba...”, e aí, e a sua vida espiritual? Como você faz pra agradecer? Qual é a sua troca com o Universo? O que que você tá dando de volta pro universo de tudo que você recebe? Então toda essa questão é muito importante das pessoas começarem a refletir que não dá pra ser... a gente não é único no mundo, existe uma troca muito grande, e que a gente precisa entender como eu funciono nessa minha troca. No Yoga existe uma questão chamada karma. O karma ele nada mais é do que ação, qualquer ação, eu estar aqui conversando com vocês, eu estou fazendo um karma, porque eu estou fazendo uma ação. O resultado dessa ação eu não posso prever, mas como eu to fazendo essa minha ação pra prever um resultado melhor, eu posso. Então aí você tem os karmas positivos, os karmas negativos, _____, então assim, isso é uma coisa muito interessante, é uma filosofia muito interessante porque a partir do momento que você entende que toda sua ação gera uma consequência, gera... não importa, você fala assim “vou parar nesse lugar de proibido, está embaixo da placa de proibido, são só cinco minutos”, não, faça a coisa certa. Você fazer a coisa certa é seguir aquilo que foi feito pra você. É seguir o seu dharma, aquilo que eles chamam de dharma, e através das suas ações, em relação ao caminho, no caminho desse dharma, você vai colher. E você sempre colhe coisas boas e coisas às vezes não tão boas. Mas é super importante você ver como que ta essa questão toda desse processo in/out, entendeu, desse processo da entrada e saída, do que eu to recebendo, do que eu to doando, como que é, e isso fazer parte da sua filosofia de vida, do seu dia-a-dia, estar dentro das coisas que você acredita, acreditar o quanto você é responsável pelas suas ações. Todo mundo fala tanto de direito, todo de direito, de direito, de direito, ninguém fala das suas obrigações, a partir do momento que eu faço a minha obrigação, que eu já fiz todas as minhas obrigações, eu vou ter o descanso merecido, mas todo mundo quer saber do descanso antes de ter feito a obrigação. Então essa inversão de alguns valores, e tudo mais, que na Yoga, no Vedanta, em toda essa filosofia você resgata como um segmento, como a sua vida, a vida é assim, a vida é assim. Você tem obrigações, você vai ter direitos? Sim, mas primeiro suas obrigações. Então isso tudo fez muito sentido pra mim, sabe? Trouxe sentido pra minha vida, trouxe significado pros meus sentimentos, pros meus pensamentos, pra minhas ações, que sempre foram muito... como eu disse, a gente sempre teve uma cultura dentro da minha casa, de voluntário, nunca deixei de fazer, então assim, sempre cabe, sempre cabe o voluntariado, a minha yoga, a minha meditação, é trabalhar, é o atendimento, é um pouquinho de cerâmica também que dá pra dar uma... um momento de relaxamento, de curtição, onde eu coloco a minha energia criativa de uma outra maneira, trabalho a minha energia criativa de uma outra forma. E então foi isso, as coisas foram acontecendo dessa maneira.
P/1 – Conta um pouquinho da cerâmica? Se você quiser.
R – A cerâmica foi muito interessante. Olha, a ex-mulher do meu marido – olha só, que é mãe dos meus dois filhos que eu ganhei, na verdade são filhos dele e eu ganhei esses dois filhos, são realmente muito, muito queridos, e o ano retrasado a Camila teve neném, então é o meu neto (risos), eu ganhei também, eu não fui mãe, mas eu já tive assim um upgrade, falo pra ela “eu tive um upgrade e virei vó”, foi ótimo isso – ela faz cerâmica, ela pinta cerâmica há muitos anos, e aí chegou um momento, um desses momento que você precisa ‘socar o Bob’, sabe? Porque um monte de gente vai lá e ‘soca o Bob’ na academia, eu falei “eu preciso socar barro”. Aí eu liguei pra ela e falei “Vera, eu vou aí no ateliê, eu quero soca barro”, ela “Lu, a hora que você quiser. Venha socar barro”. E aí eu fui pra lá. Eu ia, ficava abrindo placa, fazia uma coisinha, outra, tal, não sei quê, aí eu fui me encantando com aquele universo muito, antigo também, uma outra coisa que é hiper hiper antiga assim como o Ayurveda é, como os Vedas, as escrituras mais antigas do universo, a cerâmica também ela é antiquíssima, foi o primeiro... vamos dizer assim, o primeiro contêiner de coisas que as pessoas usavam, os povos primitivos usavam e tudo mais. E aí eu fui me encantando com a cerâmica: “nossa, quanta coisa que dá pra fazer, modelar, fazer assim, tal, tal tal”. E aí eu comecei – e olha gente, isso foi exatamente há um ano e dois meses atrás, foi uma coisa muito do nada – e aí eu cheguei, aí eu falei “nossa, está chegando o final do ano acaba querendo um presentinho, que não é uma coisa assim tão cara, tudo mais, está todo mundo meio duro, eu vou fazer então, começar a fazer umas bijuterias de cerâmica”, dentro de todas as limitações, porque na cerâmica a gente tem o barro, você modela o barro, depois vai pra primeira queima, depois da queima você prepara a peça pra receber o esmalte, o glass, aí você pinta a peça e vai de novo pra queima, pra uma nova queima. Só que na cerâmica, como as peças são pequenas, tudo mais, não é tudo que dá pra você fazer porque você precisa de um ferrinho, chamado cantal, que você precisa colocar, por exemplo, num pingente, você precisa colocar esse ferrinho pra segurar. Aí você fala “ai meu Deus, não vai pro forno duas vezes”. Porque a outra opção seria pintar só de um lado e aí sem tinta ele ir pra baixo, fica sem tinta embaixo no forno. Encarece demais a peça, são peças pequenas, tudo mais, encarece muito. Então você tem algumas limitações com relação à bijuteria, mas é uma coisa que eu sempre curti muito, porque logo que eu casei, que eu comecei a história toda de entrar também no terceiro setor, comecei a trabalhar com projetos sociais e tudo mais, eu tenho uma amiga, uma comadre muito querida, que foi a pessoa que me apresentou o meu marido, ela mora na Alemanha, e ela falou “vamos fazer umas bijuterias, você faz aí umas bijuterias, me manda aqui que eu vendo aqui”, eu falei “ó, venda não é comigo”. E ela é de descendência libanesa, e com ela a história toda é venda. Então eu fazia as bijuterias aqui, comprava, tal, fazia, pá pá pá, mandava pra ela, ela vendia lá. E aí eu acabei falando “nossa, gente, bijuteria sempre teve assim na pauta da minha vida”. Aí eu comecei a fazer, comecei a fazer as coisas, então, ‘essa pulseira, esse brinco’, tem enfim, tem colares, muita coisa eu acabo fazendo. Vou pesquisando, vou vendo o que dá pra fazer, enfim, e vou fuçando, entendeu? Experimentando. Muita coisa dá errado no meio do caminho, quebra no forno, a tinta derrete e cola, enfim, já perdi muita coisa, mas é muito gostoso, é um momento de grande relaxamento. E, enfim, é isso.
P/1 – E me conta, como é seu dia-a-dia?
R – Ah, o meu dia-a-dia. O meu dia-a-dia é assim: eu levanto, já faço uma prática, geralmente uma prática de Yoga rápida, uma coisa assim, uma oração, uma meditação, alguma coisa, tomo meu café da manhã. Normalmente, assim, segunda, quarta e sexta eu tenho pilates, aí depois do pilates eu volto, tomo meu banho e já começo a atender, e sigo o dia. Na terça-feira a noite eu já faço a minha prática de yoga em sala, no final do dia, na quarta-feira, também passo o dia, atendo. Faço sempre assim, eu sempre pego uns dois, três atendimentos, como eu atendo em casa, né? Então dá pra eu pegar, misturar, vamos dizer assim, alguma coisa que tem que resolver com o atendimento em casa. Na quinta-feira de manhã eu to na cerâmica, porque normalmente, agora na pandemia minha quarta-feira ficou assim, porque normalmente na quarta-feira era meu dia de voluntariado, então é o dia que eu não atendo, que eu fico no voluntariado. Na quinta de manhã é minha cerâmica, aí volto, também quinta a tarde eu atendo. Na sexta-feira, normalmente de manhã, como eu não tenho ninguém que me ajuda em casa, na sexta-feira eu fico mais por conta de manhã, eu fico por conta da casa, eu tenho um cachorrinho que é super velhinho, e que só esse ano ele já fez duas cirurgias, então ele tá bem precisando de cuidados, tudo mais. Eu tenho um cachorro e um gato em casa. Por incrível que pareça, não afetou nada na minha asma e rinite, nada, nada. A minha rinite é da poluição mesmo, a minha asma acho que é da poluição, não é dos bichinhos, que eu adoro. Então assim, na sexta-feira eu deixo um dia mais morno, pra eu poder sair, marcar um almoço, marcar alguma coisa, fazer coisas que eu tenho que... sempre, tem que ir ao supermercado, fazer coisas da casa, pá pá pá. Então, mas normalmente é assim, eu acordo, levanto por volta de umas quinze pras sete, mais ou menos, e já faço as práticas, tal. Então ta dando bem pra casar, assim. Enquanto não voltou o voluntariado, então, enfim, por enquanto acho que está uma coisa até que razoável, está tranquilo. A hora que voltar acho que vou ter que dar uma enxugada nas atividades, e o horário vai ficar mais apertado. E além de tudo, agora eu to fazendo um projeto com meu professor que é terapeuta aiurvédico (quer dizer, eu também sou, mas ele é meu professor), a gente vai lançar um curso online. É uma plataforma que vai chamar Gestos e Mudanças, então na verdade é Pequenos Gestos, Grandes Mudanças, que é justamente pra dar algumas orientações pra pais em relação à alimentação de filhos, em relação de educação de filhos, a questão toda do vínculo, porque eu também tenho... o tempo todo que eu atendi na clínica eu atendia muito a família, criança, então sempre teve muita orientação de pais e tudo mais. Então é uma área que eu gosto bastante também. E então, assim, os doze anos que eu fiquei trabalhando na clínica eu atendia muita criança e pais, e fazia orientação e tudo mais, então está sendo muito bacana retomar isso com ele, e agora com o foco muito mais numa saúde integral, na alimentação, essa orientação toda voltada pra alimentação, como um produto que você ta construindo o alicerce de vida dos seus filhos, daqui pra frente. Então o que é isso? Isso também gera alguns hábitos, mudanças de hábitos dentro da família, você também passa... a medida que os seus filhos passam a ter uma rotina mais regrada, que passam a comer de uma maneira mais saudável e passam a ter mais segurança na estrutura familiar, você tem uma economia significativa em relação às idas ao médico, custo com medicamento, doenças precoces, a prevenção de doenças precoces, e também um aumento da vitalidade, da energia de vida, muito importante. Então assim, nós vamos iniciar esse curso online voltado mais como nossos clientes, mais os pais. Mas aí futuramente eu vou querer fazer com mulher, com Ayurveda pra mulher, ou saúde feminina, alguma coisa desse tipo. Vai ter, enfim, a gente está pensando em várias coisas. Alguns detox que todo mundo pode fazer pra poder dar uma limpada no seu organismo, enfim, são coisas... não dá pra ser nada muito radical, porque enfim, você tem que dar um suporte pra esse seu cliente, então dependendo do número de clientes que comprar, de comprador, é difícil você dar um suporte, no tête-à-tête. Então você tem que fazer coisas, assim que... por isso que chama Pequenos Gestos, Grandes Mudanças, porque alguma... o pouco que você leva de conhecimento de alimentos que combinam, alimentos que geralmente geram doenças, essas coisas todas que você tem que... é uma questão realmente de informação, de orientação, que muitas vezes os pais não sabem. E o quão, assim, se você entende que alimentar o seu filho, colocar, fazer a comida do seu filho, e o momento da refeição é um momento de amor, você está construindo ali toda essa segurança, esse porto seguro pra essa criança, pra ela não ir pra coisas difíceis na adolescência dela. Porque, aí, principalmente hoje com o mundo virtual, você tem coisas assim, você tem esses jogos malucos, se as pessoas não têm intimidade com esses pais, confiança suficiente com esses pais, se não tem um vínculo realmente de amor, formado com esses pais, elas vão cair nesses jogos de Baleia Azul, essas coisas malucas que existem aí. E é uma coisa incrível, que a gente acha que está longe da gente, mas não está. Então esse é nosso novo projeto pro ano que vem. Então temos projetos novos também isso aqui é só um spoiler hein, nós nem lançamos ainda nada.
P/1 – E como que essa pandemia afetou você individualmente, profissionalmente...?
R – Olha, inicialmente afetou muito, significativamente, principalmente meu marido, ele chegou a ficar mesmo muito preocupado como que a gente ia segurar a onda das coisas. O setor dele simplesmente – ele é um distribuidor de produtos químicos que vai muito pra colchão, sofá, a parte toda de mobiliário – meio que ficou parado, e então assim, a gente ficou realmente, economicamente falando, bem reduzido. Por sorte a questão toda da pandemia também tinha a questão de você não sair, de você não gastar, não ter que... enfim, o gasto das famílias realmente diminuiu bastante, e tem outra coisa, a gente não tem filho dentro de casa, então isso nos ajudou a passar por esse momento de uma forma não tão traumática, vamos dizer assim. Por outro lado, eu achei que foi muito bacana, assim, um resgate de uma vida caseira, a dois, até de um reencontro, de uma nova intimidade do casal, porque no dia-a-dia com certeza, não tem como, cada um vai cuidando das suas coisas, tudo mais. Mas aí é o momento que os dois se veem, que tem que arrumar a cama, que tem que fazer isso, que tem que limpar a casa, pá pá pá, enfim, “vamos lá, vamos retomar essa parceria”, entendeu? E essa parceria também foi muito útil para o casal, como casal, então foi um momento especial, assim, por mais aflição, porque você tinha notícias horríveis, muito tristes e tudo mais, a gente tem uma vida privilegiada, dentro de casa não tem grandes preocupações, como eu falei, não tenho filhos, não tem... eu tenho minha sogra, meu sogro, que eles dependem da gente, mas assim, também, sempre tava em supermercado levando compra pra ela, mas assim, eu acho que foi um momento de muita reflexão, de muito resgate, de muita gratidão, de ter aquilo que você... de ter o que a gente tem, de ser de fato privilegiado, de não precisar depender, por exemplo, de um transporte público pra poder trabalhar. Enfim, foi um momento também... hoje eu moro num condomínio grande, e assim, foi super bacana todos os movimentos dentro do condomínio pra ajudar as pessoas que não estavam saindo de casa, então “ó, gente, eu to aqui no Extra, alguém precisa de alguma coisa?”, entendeu? Porque a gente tem um grupo de todo os condôminos. Então assim, houve também atitudes mais empáticas, mais solidárias, embora a gente saiba que não é o que todo mundo passou nessa pandemia. Felizmente eu não perdi ninguém do meu lado com relação à covid, mas conheço muita gente que perdeu e que passou por momentos muito tristes, porque além de tudo, além de ser uma doença que pouco se sabe dela, é uma doença muito solitária. As pessoas acabam assim... esse processo é solitário. Mesmo que você não vá pro hospital, você fica resguardado, ninguém não pode ver ninguém durante duas semanas, ou você vai ao hospital, enfim, aí que você tem que ficar completamente isolado. Então essas questões todas, eu acho que abalou um pouco todo mundo, com relação ao momento da pandemia, nesse momento dessa coisa mesmo empática, da compaixão, enfim, é difícil, não é fácil. Ao mesmo tempo que você é grata pela vida que você tem e tudo mais, você tem que trabalhar muito pra você não entrar no processo, por exemplo, que muita gente aconteceu, num processo de culpa, de você ser privilegiada e o outro não. Então tem sido um momento bastante reflexivo. Felizmente ninguém pegou, e estamos aí.
P/1 – E quais são seus sonhos?
R – Quais os meus sonhos? Olha, eu tenho alguns (risos), tenho alguns! Um, por exemplo, esse novo projeto dessa plataforma, de entrar, de poder atingir pessoas, mais pessoas, com um pouco de informação, com um pouco de orientação, tudo mais, isso é uma coisa... se eu puder ajudar, as poucas pessoas que eu puder ajudar eu já vou ficar feliz. Eu já tenho o meu trabalho também que eu ajudo outras poucas pessoas. Então assim, agora eu tenho um sonho de poder ter assim, conseguir viver o resto da minha vida, com muita... como que eu vou dizer... não é transparência, mas com muita... sendo muito genuína, entendeu? Sendo muito genuína, então todo esse processo de autoconhecimento que eu to entrando na questão toda do Vedanta, desses processos todos, são processos muito, muito fortes, que terapia nenhuma pode ser comparada, entendeu? Porque são processos extremamente profundos, assim, do conhecimento da tua existência, que você vive realmente esse personagem, que você vive esse corpo, e esse corpo é finito, mas o ‘eu’ não é, o ‘eu’ é eterno, então todo esse novo conhecimento sendo, vamos assim de alguma forma, entendido, compreendido, eu gostaria sim de ter – isso é um sonho – de poder cada vez mais aumentar a minha conexão com o divino, com Deus, com a criação, com o criador, de poder aumentar a minha conexão com o todo. Então acho que isso... não sei, eu não tenho, assim, sonhos tão complicados – não, eles são complicados, é bem complicado o caminho – mas eles não são sonhos... eu não tenho um sonho assim, por exemplo ‘poder viajar não sei pra onde’, não, eu não tenho. Eu já viajei bastante, lógico, que se eu puder viajar muito mais do que eu viajo e puder voltar a viajar, por causa da pandemia, enfim, que a gente tenha uma segurança também turística, uma segurança de viagem, tudo mais, seria realmente muito bom, mas não sei se ainda é a nossa realidade a médio prazo, e sinceramente eu achei que eu fosse sofrer mais de não poder viajar, de não poder ter planos em relação à viagem e tudo mais, mas isso não tá me pegando tanto. Eu sinto sim, sinto muita falta, é de natureza perto de mim. A vida inteira eu fui criada em fazenda, em cima do cavalo, nadando no rio, assim, pé descalço, e isso é uma coisa que eu sinto muita falta, muita falta. Então, assim, oportunidade que eu tenho de ir pra praia eu vou e eu fico assim... eu não ponho sapato, eu fico querendo absorver todo o tempo essa energia, então isso assim, se eu pudesse dizer alguma coisa material do ponto de vista de um sonho, material, alguma coisa desse tipo seria isso, seria ter um refugiozinho, não importa se na praia, no campo, sei lá o que, mas que eu possa ter um refugiozinho, que eu possa ter meu cantinho do final de semana, assim, eu acho que isso seria muito bom.
P/1 – E você gostaria de acrescentar alguma história, fazer algum comentário que eu não tenha instigado?
R – Não, eu acho que você conseguiu abordar, enfim, todo... conseguiu abranger toda a minha vida, todo o trajeto que eu percorri pra chegar nessa questão toda, porque como é saúde feminina e eu tenho uma busca, uma trajetória de busca incessante pra você melhorar, você acreditar que tem recursos pra melhorar, e tudo mais, eu acho que... eu não sei, acho que eu consegui passar todo esse meu trajeto e o quanto isso pra mim foi importante pra chegar onde eu estou hoje. Porque embora possa parecer até disperso esse conhecimento, é um conhecimento de vida, de filosofia de vida, que encaixou tudo aquilo que eu acredito. E de qualquer maneira, quanto mais pessoas eu puder passar isso, eu vou ficar mais feliz ainda, mas de todo jeito, pra algumas pessoas eu já consegui mostrar que existem alternativas além de medicação, de busca, de remédios, de médico, enfim, essa coisa toda, esse gasto – não é nem gasto, é gasto e desgaste – porque é uma coisa bem difícil.
E eu gostaria assim… eu gostaria de dizer pras pessoas, pras mulheres mais maduras, tanto as mulheres mais jovens, como as mulheres mais maduras, que assim, acreditem sempre na capacidade delas, seja curiosa, sabe? Não, eu acho que você conseguiu abordar, enfim, todo... conseguiu abranger toda a minha vida, todo o trajeto que eu percorri pra chegar nessa questão toda, porque como é saúde feminina e eu tenho uma busca, uma trajetória de busca incessante pra você melhorar, você acreditar que tem recursos pra melhorar, e tudo mais, eu acho que... eu não sei, acho que eu consegui passar todo esse meu trajeto e o quanto isso pra mim foi importante pra chegar onde eu estou hoje. Vai em busca de coisas que você não necessariamente saiba naquele momento, como foi o meu... acho que até o meu caminho. Eu não sabia onde ia dar. Mas aí eu fui meio que farejando, fui realmente, parece uma coisa até que meio instintiva, meio de cão farejador, “acho que é por esse caminho, acho que é por esse caminho...”, e eu fiquei feliz com o caminho que eu percorri, sabe, então assim, busquem. Busquem o sonho de vocês, nunca se esqueçam, nunca se esqueçam da essência da mulher, eu acho que isso, durante um tempo eu acho que pra mim até foi... num meio convivendo com tanto homem, com tanta coisa assim, quando pequena, imagina, eu tinha vergonha de tudo, porque eu era a única mulher no meio dum monte de homem, então tudo era diferente, eu era diferente deles. Então assim, eu sempre fui muito envergonhada, de falar assuntos da natureza feminina, tipo menstruação, tipo gravidez, tipo a questão toda da virgindade, uma série de coisas assim, e eu percebo que isso foi o meu conhecimento, foi a busca que eu tracei que foi me dando... não é segurança, mas mais conforto em lidar com todos esses assuntos. Acho que é conforto mesmo, de você se sentir mais confortável da em lidar com todos esses assuntos. Então, eu acho que eu diria pra nunca esquecer, quando você tiver na sua fase da menstruação, pense como você está, pense como são os seus sintomas, pense... é o momento, de fato, de você sair, de você correr, de você fazer grandes apresentações, de você fazer trabalhos, assim, desafiadores, não. Acho que o momento da menstruação é um momento realmente – não é o momento antigo do recolhimento que a gente ta falando de antigamente – mas é um recolhimento sim, você está mais no seu canto, você está mais no seu momento, é um momento, de fato, pra você dar uma baixada na bola. Acabou, você está plena. Você está plena, está no seu momento criativo, segue em frente, vai, faz tudo que você tem que fazer, mas respeite. Tem alguns sites, algumas pessoas que falam muito da questão toda da ligação da menstruação com o ciclo lunar. É muito bonito isso, porque também é uma forma de autoconhecimento. Então, busquem... aqui eu não vou poder falar, nem tem tempo de falar nada disso, mas assim, busquem conhecer mais sobre essas questões, sobre essa natureza feminina, com auto respeito, com auto respeito. Não é ‘mimimi’, não é ‘coisinha de mulher’, não é nada, é auto respeito. E se vocês puderem passar isso pros companheiros, eu acho que isso é uma coisa muito, muito fundamental. Respeito começa com a gente mesmo. A gente tem que se auto respeitar pra respeitar o outro, e o outro tem que entender que ele não pode passar do limite. Então, é isso.
P/1 – Há quanto tempo você está trabalhando na clínica?
R – Dois anos. Dois anos. Mais, assim, um ano e meio, mais. Dois anos foi quando eu comecei a fazer essa transição e organizar como ia ser direitinho esse atendimento, que por enquanto eu to atendendo online, mas a minha ideia é poder atender presencial mesmo, e assim, preferencialmente numa clínica que tenha uma medicina holística, que tenha uma medicina natural, que tenha um atendimento aiurvédico, que aí já fica uma coisa mais completa. Se não ser, ok.
P/1 – E o que você acha da proposta de mulheres serem convidadas a contarem sua história de vida e falarem sobre a saúde da mulher através de um projeto de memória?
R – Fundamental. Fundamental. Como eu disse, muitos momentos da nossa vida, a gente não tem a maturidade suficiente e a capacidade reflexiva pra entender alguns processos, e você resgatar isso, você resgatar toda essa memória é muito, muito importante, porque aí você vai ressignificando, que é aquilo que eu tava falando que tem muito a ver com meu trabalho, você também ressignifica, experiências, momentos, e você entende não porque aquilo aconteceu com você, aliás, não no sentido de vitimização, mas porque que aquilo aconteceu, o que o universo... o que estavam tentando me mostrar quando isso, isso, isso aconteceu? O que eu tenho que aprender com tudo isso pro meu crescimento? Então assim, eu acho que falar sobre saúde da mulher engloba um monte de coisas, a gente pode ver aí luta... racismo, a gente pode ver a questão toda da violência doméstica, nossa, tem tantas coisas que podem falar sobre a questão da mulher, a luta dela por igualdade de direitos, igualdade social, uma série de coisas, que assim, hoje, hoje, ainda a gente recebe, em 2020, a gente vê notícias... Domingo, no Estadão de domingo estava lá, exposto que as mulheres ainda ganham muito menos, mesmo ocupando os mesmos cargos que homens, recebem menos do que os homens, então assim, eu acho que ainda tem muita coisa a ser conquistada. E tudo tem a ver com a saúde, porque só tendo saúde, e você mergulhando num processo de autoconhecimento, e sabendo quem você é, que você consegue agir de uma maneira responsável, tanto em busca de um sonho, como também de um trabalho, enfim, como também de uma causa. Enfim, eu acho que tudo tem a ver com essa questão da saúde da mulher, como ela é... o respeito, como é traçado, como as pessoas constroem as suas vidas ao longo do tempo, com ou falta de respeito, tem tanta mulher que sofre tantos abusos, moral, abuso físico, abuso moral, abuso... discriminações, enfim, todas essas questões e como elas se reconstroem. O que elas estão refletindo, como elas estão elaborando, que leituras elas vêm fazendo, como que elas tão elaborando tudo isso pra construir sua vida de uma maneira positiva? Porque as experiências são experiências. Como você vai ressignificar isso, como você vai... a leitura que você vai fazer, como isso vai entrar na sua vida, vai depender só de você. Não é uma questão social, não é uma questão do outro, não é uma questão do terapeuta, nada. O terapeuta pode estar lá pra te ajudar, alguma coisa assim, mas ele não ta lá pra influenciar em absolutamente nada na sua vida, porque as decisões, as decisões são só da pessoa. E eu acho que a gente precisa, cada vez mais, criar uma rotina de autoconhecimento, de reflexão, sabe assim, de todo ano parar pra rever os seus planos, rever a sua vida como que está aqui, como que estão as suas metas, como que tão os seus planos. Todo ano fazer isso como uma forma até de reestruturação de rota. Então assim, acho que é uma coisa assim, achei muito bacana, muito bacana o projeto de saúde da mulher porque aqui a gente tratar de vários papeis. A personagem é a mulher, mas são várias... A pessoa é a mulher. A figura é a mulher, vamos dizer assim, mas são várias personagens, tem muita coisa pra ser explorada dessa questão da mulher. Assim como eu acho que também tem do homem, na saúde do homem, que muito pouco se fala. Então eu acho até, não sei se vocês vão seguir com novos projetos aqui, a questão do homem eu acho até as vezes mais preocupante do que da mulher, em relação à saúde, porque o homem sempre acha que ele não precisa. Tem muitos assuntos tabu ainda. Ainda é uma coisa inacreditável, principalmente em relação da potência sexual, muita vergonha, muita... ou mesmo... vou dizer, homem entra num processo de negação constante em relação à saúde dele: “ah, não, mas isso aqui não é nada, imagina, pô meu, sou macho, que é isso, vou ficar preocupado por causa de um corte, assim?”, “sim, só que esse corte, se você não for ver, se você não tratar direitinho pode entrar uma bactéria e te dar uma septicemia”, você entendeu? E o homem não tem esse alcance, as vezes parece assim, até como um mecanismo de defesa, de negação da realidade, e a saúde do homem é uma coisa muito importante, muito. Muito se fala, muito mais da mulher, mas do homem também é. Então você aqui que tão nesse projeto de saúde da mulher, se vocês pensarem também na saúde do homem, também é uma coisa muito, muito importante, e hoje a gente está vendo tanta gente fazendo alterações nas rotas aí de profissão, de tudo, ainda mais agora com essa história toda de tecnologia, o quanto também... porque o homem é mais... como que eu vou dizer, ele tem mais dificuldade, ele é menos flexível do que a mulher, e ele ta agora se deparando com umas situações que ele tem que dar os pulos, tem que ver, “ó, não dá mais pra atender assim, vai ter que atender assim, vai ter que atender pela internet, vai ter que não sei que lá, vai ter que... Não dá pra estar presencialmente num almoço, tem que resolver pelo telefone mesmo, ...” Eu vejo assim, por exemplo, pelo meu marido, ele sempre “não, eu tenho que fazer isso, tenho que fazer aquilo...”, “não, você não precisa mais, você não vai se expor”. E esse processo todo mexeu muito com ele, mexeu bastante com ele, então... Mas, enfim, fica aí a dica da saúde do homem, que eu acho que é bem importante.
P/1 – Só pra finalizar a última pergunta, que você achou de ter participado?
R – ‘Lu, do céu’, três horas de entrevista (risos)! O que eu achei o quê? Desculpa...
P/1 – O que você achou de ter vindo até o museu, ter ido contar um pouquinho sua história de vida, como foi essa experiência pra você?
R – Foi super especial. Foi muito especial. Eu... quando você falou da possibilidade de vir aqui, “ah, você viria, contaria sua história?”, eu falei “claro! Minha história é igual à de tantas outras mulheres”, mas assim, talvez... foi aquilo que eu disse, no início... talvez a tua história colabore pra vida de alguma outra mulher. A sua história... você fala “poxa vida, aquilo que ela fez deu certo pra ela, pode dar certo pra mim também”. E então isso foi uma coisa assim... contar isso foi uma coisa muito... ta sendo uma experiência bastante interessante. Foi o que eu falei, a princípio eu falei “nossa, to meio até... não to muito confortável, está dando um friozinho até na minha barriga aqui, porque eu to na posição contraria, mas ao mesmo tempo é muito bom. É muito bom colaborar, eu tenho isso como uma coisa muito forte na minha vida, não importa como seja essa colaboração, se eu posso dar essa colaboração, e tenho essa disponibilidade, eu com certeza vou colaborar. Então foi muito legal. Eu agradeço super o convite, achei muito bacana, e vim realmente aqui de coração aberto!
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