Projeto História das Profissões em Extinção
Depoimento de Joaquim Gomes Franco Filho
Entrevistado por Priscila Perazzo e Carla Gibertoni
Estúdio da Oficina Cultural Oswald de Andrade
São Paulo, 15 de outubro de 1996.
Realização Museu da Pessoa
Entrevista nº 25
Transcrita por Luciana Tosetti
P/1 - Gostaria que dissesse o seu nome completo, onde e quando nasceu.
R - Eu nasci em São Paulo. Meu nome completo, Joaquim Gomes Franco Filho. Nasci em São Paulo, em 1932. Você quer a data do nascimento? Bom, foi 26 de novembro de 1932.
P/1 - Seus pais, qual o nome deles?
R - Joaquim Gomes Franco e Antonieta Moreira Franco.
P/1 - Eles são daqui?
R - São de São Paulo. Não, meu pai é de Amparo, e minha mãe, mineira.
P/1 - Tem quantos irmãos?
R - Eu, comigo, são três irmãos.
P/1 - É o mais velho, mais novo?
R - Não, eu sou o do meio.
P/1 - Poderia contar como foi a sua infância e como era São Paulo naquele tempo?
R - São Paulo era maravilhoso, naquele tempo. (riso) São Paulo da garoa. Foi uma infância relativamente boa, com altos e baixos. Mas, na época em que eu vivia, foi muito ótimo. Excelente!
P/1 - Em que bairro morou?
R - O bairro que eu morei?
P/1 - Quando era pequeno.
R - Ih, foi diversos. Penha, Santa Cecília, e hoje na Vila Maria, viu?
P/1 - Como era a Penha quando o senhor era pequeno? Do que se brincava?
R - A Penha era aquele bairro provinciano, bairro antigo e... Que mais?
P/1 - As brincadeiras.
R - As brincadeiras? As brincadeiras é de um menino salutar, que era brincadeira de rua, quando tinha festa Junina, as brincadeiras juninas e... Normal! Fui uma criança normal.
P/1 - Do que brincavam na rua?
R - Na rua? Ah, nós tínhamos mãe da rua, as meninas gostavam muito de jogar malha, certo?
P/1 - Como é mãe da rua?
R - Mãe da rua é aquele que você anda com um pé só e, se você não atravessar... Eles ficam lá no meio da rua. ...e se você não atravessar com um pé só,...
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Depoimento de Joaquim Gomes Franco Filho
Entrevistado por Priscila Perazzo e Carla Gibertoni
Estúdio da Oficina Cultural Oswald de Andrade
São Paulo, 15 de outubro de 1996.
Realização Museu da Pessoa
Entrevista nº 25
Transcrita por Luciana Tosetti
P/1 - Gostaria que dissesse o seu nome completo, onde e quando nasceu.
R - Eu nasci em São Paulo. Meu nome completo, Joaquim Gomes Franco Filho. Nasci em São Paulo, em 1932. Você quer a data do nascimento? Bom, foi 26 de novembro de 1932.
P/1 - Seus pais, qual o nome deles?
R - Joaquim Gomes Franco e Antonieta Moreira Franco.
P/1 - Eles são daqui?
R - São de São Paulo. Não, meu pai é de Amparo, e minha mãe, mineira.
P/1 - Tem quantos irmãos?
R - Eu, comigo, são três irmãos.
P/1 - É o mais velho, mais novo?
R - Não, eu sou o do meio.
P/1 - Poderia contar como foi a sua infância e como era São Paulo naquele tempo?
R - São Paulo era maravilhoso, naquele tempo. (riso) São Paulo da garoa. Foi uma infância relativamente boa, com altos e baixos. Mas, na época em que eu vivia, foi muito ótimo. Excelente!
P/1 - Em que bairro morou?
R - O bairro que eu morei?
P/1 - Quando era pequeno.
R - Ih, foi diversos. Penha, Santa Cecília, e hoje na Vila Maria, viu?
P/1 - Como era a Penha quando o senhor era pequeno? Do que se brincava?
R - A Penha era aquele bairro provinciano, bairro antigo e... Que mais?
P/1 - As brincadeiras.
R - As brincadeiras? As brincadeiras é de um menino salutar, que era brincadeira de rua, quando tinha festa Junina, as brincadeiras juninas e... Normal! Fui uma criança normal.
P/1 - Do que brincavam na rua?
R - Na rua? Ah, nós tínhamos mãe da rua, as meninas gostavam muito de jogar malha, certo?
P/1 - Como é mãe da rua?
R - Mãe da rua é aquele que você anda com um pé só e, se você não atravessar... Eles ficam lá no meio da rua. ...e se você não atravessar com um pé só, eles malham você, no meio da rua. (riso) Depois tinha uma da mula. Ficava um menino assim nessa posição, e vinha, eles pulavam. Aquele que errava... Era uma brincadeira até salutar. Fora a dos estilingues, as pegadas etc.
P/1 - Seu pai é de Minas...?
R - Minas. Não, minha mãe de Minas.
P/1 - E o seu pai de Amparo.
R - De Amparo.
P/1 - Eles vieram para São Paulo quando, por quê?
R - Eu, quando eu nasci em São Paulo, com meus irmãos, então ele veio muito antes de 32. Porque meu pai nasceu em 1800 e... Tem a data aí, eu confundo. 1800 e... está marcado aí.
P/1 - 73.
R - Então, é isso aí. Ele veio para São Paulo, e aqui fez vida. Ia constantemente, também me criei, também eu ia para lá. Mas eles moravam aqui. Eles vieram antes de 26. Meu irmão nasceu em 26, calculo o quê? 24, 25, eles vieram para cá.
P/1 - Seu pai trabalhava com o quê?
R - Ele era operador cinematográfico.
P/1 - Onde?
R - Ãh?
P/1 - Onde ele trabalhava?
R - Você fala na firma?
P/1 - É.
R - Na firma... Filha, eu... Tinha até... O nome é até muito conhecido, mas trabalhou no Cine Universo, no Teatro Braspoliteama, Babilônia. Ele trabalhou no Cine Piratininga, que hoje é fechado. Está extinto.
P/1 - E como era a vida de vocês? O trabalho do seu pai sustentava vocês? Vocês viviam bem?
R - Ah, sim! Eu comecei a trabalhar em 47, com 14 anos, no ramo gráfico. Meu irmão começou a trabalhar em 50, na firma Laboratórios Baruel, e o outro caçula era mecânico.
P/1 - Mas, enquanto vocês eram crianças a família de vocês vivia bem?
R - Vivia, eu vivia bem porque minha mãe era parteira formada. Naquele tempo tinha muita, nos partos as parteiras eram muito procuradas. Então tive uma infância, uma época muito salutar.
P/1 - Como era a escola que estudou?
R - A escola era Curso Patriarca. Eu fiz o ginásio lá, os quatro anos.
P/1 - Quantos anos tinha?
R - Eu tirei o diploma com quase 17 anos, quase 18 anos.
P/1 - E o primário, fez na mesma escola?
R - Não, eu fiz na Vila Maria, no Grupo Escolar João Vieira de Almeida.
P/1 - Conta como era a escola naquele tempo.
R - A escola tinha uma firmeza educacional muito importante, tanto do primário quanto... Porque toda a base da educação aquele tempo era o primário. E fiz o primário, fiz o ginásio. Quis fazer o clássico, me meti a fazer, aí que houve a quebra, a queda da família monetária, eu precisei trabalhar. Eu não pude fazer mais. Fiz um ano de clássico. Porque antigamente, para fazer Letras seria o clássico, e ciências era científico, viu? Hoje é extinto. Hoje se faz Fatec, se faz isso para preparar nas áreas. Antigamente você fazia o admissão e já entrava direto. Nós tínhamos a Faculdade Getúlio Vargas, aquela lá que hoje é equivalente à USP. Você tinha uma nota média boa, você entrava lá. Caso contrário, você tinha que pagar.
P/1 - Começou a fazer o clássico por que queria fazer Letras?
R - Queria fazer advocacia. Sou um advogado frustado. (riso)
P/1 - Qual problema houve na sua família?
R - Problemas monetários, né, filha? O único fato é esse. Problema monetário, precisei ajudar a família, meu pai também deu um crepe, tal. Então teve que a gente trabalhar, inclusive os irmãos, né, para poder ajudar os velhos.
P/1 - Ele ficou doente?
R - Não. Foi problemas particulares que surgiram e não deu.
P/1 - Como era morar na Penha.Vinha para o Centro? Era perto, era longe?
R - Não, eu nasci na Penha, vivi até um certo tempinho, uns dois anos lá, depois eu vim para a Vila Maria. Aí é que eu fiz o curso ginásio. Aliás, a educação que eu tenho foi feita na Vila Maria. Menos esse curso Patriarca, que era o ginásio, era fora da Vila Maria. Mas até o meu primário completo foi feito lá.
P/1 - Ficava no Centro o colégio?
R - Não, eu trabalhava na gráfica G. Asbar e Companhia, Guilherme Asbar, era na Celso Garcia, e eu de lá ia já para o ginásio.
P/1 - O senhor ia como?
R - Condução.
P/2 - Que tipo de condução?
R - Bonde. Vocês não conheceram bonde? Conheceu bonde, minha jovem? Aí, está vendo?
P/1 - Como era andar de bonde em São Paulo?
R - Ah! O bonde era uma maravilha, tudo lotado, tudo louco. Só tinha aquilo lá, ônibus não tinha. Tinha, mas era mais para os classe A, mais para os Jardins. Na periferia não tinha, era só bonde mesmo.
P/1 - O bonde chegava até a Vila Maria e depois vinha para o Centro de São Paulo?
R - Não, o bonde, o terminal dele, a maioria era tudo na Praça da Sé. Vocês conhecem a Caixa Econômica Federal da Praça da Sé? Ali passava os bonde, terminal e inicial.
Pois não!
P/1 - Começou a trabalhar com 14 anos?
R - 14 anos.
P/1 - Onde foi seu primeiro trabalho?
R - O meu foi lá na... Você quer saber a rua? Era Visconde de Parnaíba, 61, Guilherme Asbar e Companhia. Depois mudou.
P/1 - O que era lá?
R - Lá era a gráfica.
P/1 - Gráfica do quê?
R - Gráfica...
P/1 - Imprimia...
R - Era uma imprensa. Porque a gráfica antigamente não era considerada... A gráfica, qualquer gráfica, fazia parte da imprensa, certo?
P/1 - De jornal, o senhor está falando?
R - É. Depois com a evolução foi mudando muito. Aí virou incluindo parte comercial, aonde se imprimia notas fiscais, fatura. Mas antigamente era só texto mesmo, jornais, tablóides. Que hoje se diz tablóide.
P/1 - Como foi parar nesta gráfica?
R - Através de recomendação, né, conhecidos que trabalhavam. Porque a aprendizagem... O Senai foi fundado em 40, e tinha esse ramo. Todas as áreas profissionais existem até hoje no Senai. Por exemplo, gráfica, têxteis, metalúrgica, enfim. E eu peguei a parte gráfica. Mas o meu aprendizado foi feito dentro da oficina. Não precisei usar o Senai para mim me aperfeiçoar no ramo.
P/1 - Chegou a entrar no Senai para fazer o curso?
R - Não, não cheguei a entrar. Eles deram preferência, pedi se eu podia, já estava um pouco adiantado, então eles falaram que para mim lá seria mais útil. Que o Senai tinha seis meses de ensinamentos profissionais, né, e seis meses de estudo. Então eu não fiz questão, que eu já estava fazendo o ginásio. Então, certo?
P/1 - Começou a trabalhar com 14 anos. Era fácil para um menor arrumar emprego naquela época?
R - Não, era difícil você arrumar uma vaga para profissão. O aprendizado era muito difícil nesses campos profissionais da época. Era muito seletivo, era muito elitista, sabe? Eles queriam profissionais já desenvolvidos. E aí, com a lei do Getúlio, foi obrigatório as firmas mandarem dois elementos para aprender as profissões. Então foi obrigado, e aí eles facilitaram a entrada dos aprendizes. Foi isso que ajudou muito a profissão dos gráficos. Muita evolução, e tal. Hoje o Senai é uma realidade. Confirmada. Para nós foi difícil. Você falou para mim se foi muito difícil, foi fácil? Foi fácil não, foi muito difícil.
P/1 - Como arrumou este trabalho?
R - Ah, esse trabalho através de colegas que trabalhavam lá, me recomendaram, e eu fui pedir e eles aceitaram porque já existia a lei de, como se diz, pegar os aprendizes. Dois aprendizes.
P/2 - O que fazia na gráfica?
R - Na gráfica eu comecei... Eu vou de dar um rápido histórico. A gráfica é assim, na gráfica se começava como distribuidor. Distribuidor, você vai distribuindo, o que é muito difícil, é a pior sessão... Depois que você se formar tipógrafo para impressor, ou a pautador, ou como encadernador, porque antigamente encadernador era uma arte.... Você tinha que iniciar, para quando você pegar você já tinha noção. Então tinha a distribuição, para conhecer. Porque quando o Gutenberg inventou... Gutenberg foi um impressor gráfico, e a gráfica antigamente era chamada de imprensa. ... Quando o Gutenberg inventou a gráfica ele fez em tipos móveis, depois tinha ali linotipia, intertipo, tudo isso aí era para aqueles que faziam bulas, remédios, isso não era feito em gráfica porque a composição era muito extensa, e tipos muito miudinhos. Agora a composição móvel, deixa eu explicar. Primeiro eu vou explicar sobre a distribuição. Então você passava pela distribuição, você ficava senhor de si nos materiais porque ali se lida com muito material. É quadrados, entrelinhas e tudo isso para fazer uma composição. E depois você passando, tipos móveis eram feitos no componedor para você compor as palavras. Você não vê uma coluna no jornal? Aquilo lá antigamente era tudo feito, nós chamávamos fazer na unha. Não tinha recurso. Recurso tinha, mas gastava-se muito dinheiro para linotipia. Dá licença, um pouquinho? (pausa para tossir) Então esses tipo móveis recompunham a matéria dentro daquele componedor para fazer um jornal, uma revistinha, tablóide e etc. É difícil, muito extensivo. Se eu fosse explicar para vocês era muito extensivo.
P/1 - Sobre a distribuição. Distribuía que tipo de materias?
R - Distribuía, além dos tipos móveis, que era diversos caracteres, por exemplo, tinha corpo 6, corpo 8, corpo 10, corpo 12, e o maior era 48. Para se compor os grandes teria tipos feitos em madeira. Cauchum fazia seus tipos em madeira para fazer os textos garrafais.
P/1 - Os tipos menores eram feitos de que materiais?
R - Para texto era de chumbo e antimônio para ter consistência.
P/1 - Tipos que o senhor está chamando é a letrinha?
R - Não, os tipos miudinhos, aqueles você às vezes precisa pôr luneta, aquele lá se chama corpo 6, e o corpo 5, 8.
P/1 - É o tamanho?
R - É o caracter, que era miudinho, os outros já vinham aumentando gradativamente.
P/1 - Cada tipo é uma letra, número?
R - Cada tipo, tem o abecedário. A caixa francesa tem o abecedário, A, B, C, e às vezes em baixa, a caixa baixa, que nós chamamos as minúsculas. Era alternada, era aqui, ali. Era um negócio, para decorar era muito difícil. Não é fácil.
P/1 - E o distribuidor, então ele...
R - A arte começa na distribuição. Para você chegar a tipógrafo, você precisa ser um bom distribuidor. Caso contrário...
P/1 - Mas, senhor Joaquim, me explica uma coisa,...
R - Explico.
P/1 - ...o distribuidor pegava esses tipos e levava até quem?
R - Não, dá licença, punha nas caixinhas. Distribuía no seu lugar primitivo. A no A, B no B. Mas eram diversos caracteres, não podia misturar se não fazia... Tinha uma palavra muito usual, chamava pastel, você podia empastelar a caixa. Agora você me falou, eu não vou deixar você sem resposta. Você falou que tipos eu usava. Entrelinhas, quadrado, espaço, que é para separar as palavras, certo?
P/1 - Quadrado o que era?
R - Quadrado era aqueles que você tem que formar... Por exemplo, você faz um texto, e aquele texto terminou no inicío do componedor. Você fez 20 centímetros de composição, e aquela parte você punha os quadrados para fechar a linha. Você entende?
P/1 - Pode repetir o nome dessa primeira gráfica que trabalhou?
R - Guilherme Asbar.
P/1 - Nessa gráfica fez quais serviços?
R - Fiz tudo. Depois com o tempo, 17 anos, eu até imprimia. Era impressor também.
P/1 - E quem ensinou ao senhor este trabalho?
R - Ah, foi um dos filhos do dono. Chamava-se Vida Asbar. Ele me ensinou tipografia, ele falou:“Pelo menos na tipografia você vai ficar tinindo, para amanhã você vai se formar um profissional.” Hoje ela já é extinta, não existe mais. E lá foi minha andança..
P/2 - Depois que foi distribuidor passou para impressor?
R - Não, passei a tipógrafo, que o meu forte é tipógrafo. Tipógrafo compositor.
P/2 - O que faz um tipógrafo compositor?
R - O tipógrafo compositor monta os textos. Por exemplo, você manda fazer uma revistinha, uma revista... Nós fazíamos “Sítios e Fazendas”, antigamente. E tinha os textos, né, que discriminavam as partes da criação. Então aqueles textos era tudo feito em composição manual. Não tinha outro recurso. Que mais?
P/1 - Como era essa composição manual?
R - Pegava as letras, formava as palavras, compunha aquele texto. Depois tirava-se uma prova e esse texto era revisado. Ia tirar os erros...
P/2 - E imprimir?
P/1 - Como era tirar essa prova?
R - Essa prova era num prelinho, um pequeno prelo, passava tinta, punha o papel e, no jogo do manual, ele imprimia.
P/1 - Prelo o que seria?
R - O prelo foi o que o Gutenberg iniciou a imprimir. O prelo é uma máquina automática. Hoje não existe mais. Existe é muito off-set, tal. O automatismo tomou conta e as tipografias que existem hoje são de fundo de quintal. Quem disser o contrário vai discutir comigo. Hoje as tipografias, era a arte gráfica, está reduzida a fundo de quintal. São pequenas indústrias que hoje vivem de impressos em geral, cartão de visita, cartão comercial, notas, faturas e etc.
P/1 - Tirava a prova e depois corrigia os erros. Esses erros eram muitos, sempre tinha o que corrigir?
R - Porque você no compor, como eram tipos móveis, está sujeito a errar. Por exemplo, uma palavra aqui, Priscila, tem um s, não tem? E outros poderiam escrever normal, sem o s. Então é um erro. Então tem que colocar o s.
P/1 - E quem corrigia esse texto?
R - O revisor. Eu fazia a primeira revisão depois... Tipógrafo em geral fazia a revisão e depois passava para os bons, lá, os donos, que é para dar a assinatura geral para imprimir.
P/2 - Eram muitos os funcionários dessa gráfica?
R - Muitos! Só de tipógrafo, de mestre, eu poderia chamar de mestre quem me ensinou, eram sete tipógrafos, e eu distribuidor, mais dois distribuidores. Eram nove. Na impressão era uma infinidade! Eu calculava lá uns 60 empregados, na época. Entre encadernação, que eram as moças, as meninas, a impressão, pautação e a tipografia. Na gráfica o maestro sempre foi a tipografia. (riso).
P/1 - Falou do margeador, encadernador, pode explicar o trabalho destas pessoas?
R - Do margeador? Bom, esse é fácil. Eu não falei em margeação, falei?
P/1 - Faz um tempo já.
R - Ah! Margeador é o seguinte. O tipógrafo faz a chapa. Depois que ela está apta a imprimir, está tudo pronto, ele põe na máquina de impressão. Aí ele acerta a máquina direitinho. Quando está pronto para trocar ele vai margeando as folhas, que antigamente as folhas era manual. Nós tinhamos já a automática cilíndrica manual. Mas aquilo era para serviço mais artístico, folhinhas... Tudo vinha da Pirelli, da Sonervig, que eles viviam muito nos Estados Unidos e traziam lá. Por isso que chama arte gráfica. Ela morreu! Eu posso dizer de cátedra, pôxa vida, eu vivi só disso! A arte gráfica morreu quando morreram os trabalhos manuais. Passou tudo à automatização. Fotolito, etc, etc.
P/1 - E o impressor?
R - O impressor é esse margeador. O impressor é que se chama porque ele acerta a máquina, imprime e vai margeando. Porque antigamente era folha por folha. A automática cilíndrica, não. A cilíndrica tinha as chupetinhas, nós chamamos de chupeta, o alvo regulado, pegava a folha, levava e imprimia. (riso)
P/2 - Como funcionava a máquina? Qual era o processo de impressão?
R - De impressão? Processo?
P/2 - Da máquina. Como funcionava? Colocava a folha primeiro?
R - Não, não. Na automática, por exemplo, você tinha um impresso de 5 mil. Tinha um cortador de papel, ele cortava o papel e deixava na mesa. Ele ia pondo o papel atrás da máquina, quando era automática. Punha atrás da máquina justamente já preparada para a chupetinha ir lá pegar, levar, imprimir e pôr na outra parte já impressa, e vai repetindo a impressão, 5 mil eles vão até terminar. Bom, e o processo da manual, você punha a folha aqui, punha as folhas na mesa, e pegava uma por uma e aí imprimia.
P/1 - Nessa manual tinha o perigo de pôr a mão junto?
R - Tinha! Porque a máquina, se era Minerva, a máquina tem um padrão, tem uma mesa de gravação. Ela vai assim, ó. Ela era móvel. Ela pegava, ia até a chapa e imprimia, e voltava. Muitos colegas meus esqueciam a mão, às vezes, e... (faz algum gesto)
P/1 - Teve acidentes de trabalho?
R - Teve muitos acidentes.Na automática e na Minerva, teve. Muitos acidentados.
P/1 - A tipografia fazia o quê com a pessoa que se acidentava?
R - Logicamente dava todo o respaldo. Levava no hospital. Antigamente tinha assim, não como hoje, acidente de trabalho tinha as indenizações e etc. Tinha a perícia.
P/2 - E tinha alguma forma para evitar este tipo de acidente, fora o cuidado da pessoa que estava trabalhando?
R - Olha, ter, tem. Mas a proteção padrão de imprimir era uma só. Então, a atenção era mais do impressor, a pessoa que estava trabalhando em máquinas mais de risco. Então, ali só se pagava indenização porque ele foi acidentado dentro da firma. Mas ali não tinha motivo de dizer que a firma não deu respaldo, não deu garantias.
P/1 - Depois da impressão para onde vai o papel impresso?
R - Aí vai para a encadernação.
P/1 - Pode descrever esse trabalho?
R - Posso. Por exemplo, se era uma revistinha de 5 páginas, 10 páginas, já ela ia para a impressão para ser intercalada, certo? Intercalada se chamava de um a cinco, ou de um a dez, intercalava direitinho para formar a revista, aí punha a capa, porque a capa era muito artística. E passava uma espécie de espátula, né, para segurar, e depois ela ia para o grampeador. O grampeador grampeava e ia para o refílio para terminar. Chamava-se encadernação. Mas a verdadeira encadernação não é essa! A gente tem que dar porque a maioria dos gráficos da minha época, até agora, se tiver em casa de obras, ele vai ver que não tem outra palavra a não ser intercalação, acabamento. Era tudo encadernação. A verdadeira encadernação, a arte de encadernar, era em livros, né, livros em branco e etc.
P/2 - A capa quem fazia?
R - A impressão. Aí era um serviço mais artístico e ia para a automática. Ali era serviço de tricomia, policromia. E capa nunca foi uma cor só. Chama-se policor. É isso, uma cor? Porque tinha policromina... Não, policromia era de mais de uma cor. Então era um trabalho artístico para dar chamamento. Que nem essa... Pode marcar o nome aí que isso é histórico, heim? ... “Sítios e Fazendas”, era uma firma importante. E a capa dessa revista... 1922 ela já fazia um furor. Eu comecei em 47. Veja aí! (riso) 25 anos.
P/2 - Essa revista era do quê?
R - Era de sítios e fazendas. Era como agropecuária.
P/1 - É o mesmo nome da empresa?
R - Não, o nome da revista era “Sítios e Fazendas”. Quem era, como hoje diz, patrocinador, é isso? Ah, eu não me recordo. Pelo amor de Deus, não vamos levantar Matusalém.
P/1 - Como era o trabalho do linotipista?
R - Ah! Eu fui paginador também. Tem essa, heim? Veja, estou na pendura e sou paginador, sou aposentado e sou um paginador. Então o paginador, aliás, a linotipia era tudo fundido em chumbo, certo? Então ele ia lendo os textos aqui, a máquina era... Em cima ficava a caldeira do chumbo, embaixo o teclado. Então você ia teclando os textos e ia fundindo lá, certo? Depois de pronto fazia-se o paquê formava-se o paquê, aí fazíamos bula, jornais, textos para jornais (fim da fita-A1), e aqueles que podiam e etc.
P/2 - Paquê é o quê?
R - Paquê é a chapa, é o conjunto que se faz da linotipia. Então você pega uma bula, quando ela terminar, aquilo que terminou, que ela vai linha por linha, aquilo forma-se um paquê.
P/2 - O linotipista trabalhava junto com o tipógrafo?
R - Não, é tudo insalubre. Tanto o grau tipógrafo como o linotipista era insalubre.
P/1 - Por que é considerado insalubre?
R - Por causa do antimônio, do chumbo, do pó, de tudo isso. Então era parte separada. Prova é que as oficinas de linotipia dificilmente em gráfica tinha. Era sempre separado.
P/2 - E usava algum tipo de proteção?
R - Porque o chumbo e o antimônio davam esterilidade, sabe, no homem. Não na mulher, se trabalhasse. Então eles tinham aquelas capas de amianto protetoras para poder se isolar.
P/1 - Usava máscara?
R - Não. Mas o perigo dele era mais levar uma chumbada, às vezes o chumbo queimava. Mas perigo de evaporação do gás, não tinha. Eles tomavam leite por causa da insalubridade. Porque só o ar que fica, no você fundir a linha, ele exala aquele, como se fala, o ar volátil. Não é volátil, é mais transparente, e você vai sentindo aquilo. Então eles davam leite todo o dia Eu também, como tipógrafo, tomava leite.
P/2 - Começou a trabalhar nessa gráfica e estudava. Quando terminou o ginásio continuou lá?
R - Continuei ainda trabalhando em gráfica.
P/1 - Quais?
R - Eu fui para jornais.
P/1 - Quais os lugares que trabalhou?
R - Em jornais?
P/1 - Gráficas também.
R - Gráficas? Trabalhei na Andreotti. Conheceu a tipografia Andreotti, hoje tem papelaria? Trabalhei na Nova Belém. Ih, minha filha, recordar seria uma infinidade, porque senão não estava ganhando o que estou ganhando. (riso)
P/1 - Em que jornais trabalhou?
R - Trabalhei na Folha, O Dia, no Diário Popular, quando era na rua do Carmo.
P/2 - Saiu dessa primeira gráfica quando?
R - Eu entrei em 47 e saí em 52.
P/1 - Por que saiu?
R - Saí para ganhar mais noutro lugar. (riso) Não tem rodeios.
P/2 - O salário era razoável?
R - Não, na época um tipógrafo formado de muito tempo, artista, mestre, ganhava 8 mil réis por dia. Eu ganhava 7, como distribuidor. Depois eu passei a ganhar os 8, porque eu também estava interessado em.. (riso)
P/1 - O que dava para fazer com esse salário?
R - Ah, minha filha, eu vou dizer, você é muito jovem, mas dava muito mais do que dá hoje sem dúvida nenhuma! No tempo da Guerra, se você quer saber, começou a Guerra em 39, você com 100 mil réis, você trazia o armazém do português para casa. É incrível. Dava para tudo.
P/2 - Tinha que ajudar em casa?
R - Tinha. Meu pai alugou uma casa, não me esqueço, de 80 mil réis. Uma senhora casa! De 80 mil réis por mês. Quem ganhava um conto de réis (riso), e meu pai ganhava... Mas era muita luta. Filho, estuda aqui, faz lá, roupa aqui É, você sabe como é que é. Cuidar de uma família não é... Você é casada? É? Então vai sentindo o drama.
P/1 - Falou que trabalhou no O Dia, Diário Popular e na Folha. Qual foi o primeiro?
R - Folha.
P/1 - Na Folha?
R - Ah, o Diários Associados, do Assis Chateaubriand.
P/1 - Quando e como foi trabalhar lá?
R - Ah, foi uma beleza! No tempo que era Diários Associados, ótimo! Eram três periódicos. Tinha o Diário da Manhã, Diário da Tarde e o Diário da Noite. Três.
P/1 - Diário da Manhã, da Tarde e da Noite.
R - Três edições.
P/1 - Vocês trabalhavam nas três?
R - Não, eu trabalhava... Tinha rodízio. Mas eu depois, como estudava, peguei só um horário, então trabalhava à tarde. Saía de lá e ia para escola.
P/1 - Mas o Diário da Manhã era um jornal, o Diário da Tarde outro, o Diário da Noite outro?
R - É, uma edição. Eram três edições.
P/1 - Saíam os três no mesmo dia?
R - No mesmo dia. Só que só ia para as banca no horário certo. A Folha de São Paulo foi também. A Folha de São Paulo, Folha da Manhã, Folha da Tarde e Folha da Noite, certo? Estado? Não, Estado, não. Só foi, que eu me lembre... Você quer mais algum detalhe sobre periódico?
P/1 - O senhor conheceu o Assis Chateaubriand?
R - Ô, conheci!
P/1 - Como era trabalhar com ele?
R - Ah, ele era um jornalista iluminado. Apesar de ser muito safado, mas era iluminado. Muito bom. Uma pena, mas escrevia muito bem. Foi ótimo!
P/2 - Qual a diferença do trabalho na gráfica e no jornal?
R - Ah, tem muita, filha.
P/2 - Fala um pouquinho.
R - Porque se eu fizesse um jornal manual, dentro de uma gráfica, teria terrivelmente mais trabalho do que o jornal feito nas oficinas de jornais. Porque lá é tudo linotipia, vem tudo já... Você vai montando, armando as páginas, né, para ir para a rotativa. Então, se eram 16 páginas, 8 páginas, ali tinha diversos tipógrafos, paginadores, que cuidavam da... Um dava para você montar duas, outro mais duas, e assim nós formávamos... Era um trabalho tremendo!
P/2 - Qual a sua jornada de trabalho?
R - Jornada de trabalho? Assim de tempo de horas?
P/1 - No dia.
R - Eram 8 horas. Não, 6 horas. Jornais trabalhavam 6 horas por causa do antimônio, aquelas coisas. Trabalhei também no Última Hora, com o Samuel Wainer.
P/1 - Fala um pouquinho desse tempo.
R - Ah, isso é lindo! Pelo amor de Deus! O Samuel Wainer ali foi uma fase muito boa para mim. E logo tinha o Saps. O restaurante do Saps lá, vinha tudo montado. Então era tudo bem. (riso) Não se gastava muito.
P/1 - Em que época o senhor trabalhou no Última Hora?
R - Última Hora? Em cima era a Gazeta Esportiva, na rua Líbero, acho que é Líbero, em frente, do outro lado de lá da Aveinda, como se chama aquela Avenida? Prestes Maia. Em frente era o Samuel Wainer, Última Hora. Foi uma delícia trabalhar com ele! Gente fina!
P/1 - E quando foi isso?
R - Safadão, também. Samuel Wainer, em 58, quando o Brasil foi campeão do mundo, até 60. Chorei por demais quando saí de lá. (riso)
P/1 - Por que teve que sair?
R - Saí porque ele estava muito enroscado, o negócio já ia interditar, lá. Apesar de que o Última Hora, se eu não me engano, no Rio existe ainda. Só que não é com ele mais que ele faleceu. Aí aquilo estava muito complicado, a política aqui foi muito dura com ele e ele precisou dar um tempo.
P/1 - Desses jornais, em qual gostou mais de trabalhar?
R - No Última Hora, sem dúvida nenhuma! Apesar de que o homem lá era ótimo. Hoje tem o museu dele lá, no Masp. Do Assis Chateaubriand. Mas eu prefiriria o alemãozinho.
P/2 - Qual a rotina de trabalho no jornal?
R - Qual a rotina? Ah, cada um o que faz?
P/2 - Isso.
R - Primeiro os linotipistas fundem todos os textos em linhas. Depois vai para a oficina de montagem das páginas, hoje chama-se paginação. Depois de paginado põe numa rama, aperta, aí tira-se uma prova. Revisa-se aquele jornal, porque o revisor de jornalismo e dos jornais ganha bem. Até hoje eu estou procurando e não encontro. Então, revisava-se bem. Quando estava pronto para entrar, para depois dar uma geral dos homens, ia para a rotativa. A rotativa acertava todas as chapas seguidas e imprimia. Então ia sair aqui uma página. Quando saía lá no final, que a rotativa era enorme, saía no final, já saía dobradinho, o jornal. Para pronta entrega.
P/1 - E onde mais o senhor trabalhou que o senhor tenha lembrança?
R - Em outra gráfica? Filha, minha carteira está no INPS, já está superlotada, até remontada está de firma. (riso) Eu trabalhei.
P/1 - O senhor se aposentou aonde?
R - Aposentei no Sé & Azevedo Limitada, que era aqui na Afonso Pena. Boa saudade, também. Aqui, ó, na Afonso Pena, aqui em baixo, no final. Trabalhei 12, 14 anos. Foi aí que eu me aposentei.
P/2 - Se aposentou como o quê?
R - Como tipógrafo. O meu registro de carteira sempre foi tipógrafo. Apesar de conhecer diversas coisas, me punham para... “___________________” Não, na hora de dar baixa na minha carteira, se eu saísse, era tipógrafo, para ter uma respeitabilidade. Como tipógrafo.
P/1 - Lembra de alguma greve?
R - Uh, minha filha! Eu já fui piqueteiro, já fui diretor de...
P/1 - Então vamos falar sobre isso.
R - ....Sindicato dos Gráficos. Mas, nossa! Você quer que eu fale? Você vai se apavorar! Bom, eu já avisei que...falei para vocês, o Manuel, quando ele esteve lá (com Dolores?), que me apresentou... Em 54, quando comecei as minhas atividades como gráfico, como... Como se fala, quando se é registrado em profissão? Era filiado, pronto, vai! Não é bem filiado, não, mas... Aí eu comecei a ter atividade sindical. Era moço, muito ativo, muito, dá licença a palavra, muito fresco. Então comecei a me apaixonar e nós fazíamos muitas greves aqui em São Paulo. Era demais. Porque antigamente, para se conquistar uma melhoria salarial era greve. Mas era greve, (em tom fervoroso) não era isso que se vê hoje em dia. Então, nós fazíamos para poder reivindicar os... Qual foi o seguimento da pergunta?
P/1 - Quais os movimentos que participou?
R - Ah, os movimentos grevistas foram, nós, para reivindicar salários melhores, era com os metalúrgicos, com os têxteis. Todos os sindicatos eram ativos. Então, quando tinha data base aproximada, aquele sindicato mais fraco... Que nós lá tínhamos, o QG da greve sempre foi os gráficos. Então nós reforçávamos o movimento para poder impressionar os homens, porque antigamente não tinha... Os piquetes saíam na porta para poder, como diz, persuadir aqueles pelegos que trabalhavam, furavam a greve. Nós tínhamos que persuadir, né, para poder engrossar para nós ganharmos. Mesmo assim era difícil. Aquele tempo já era dose.
P/2 - Que argumentos vocês usavam para convencer as pessoas?
R - Ô, sem dúvida nenhuma, lá dentro era um argumento maravilhoso! Você tem que se unir, você tem que usar da unidade, você tem que ser.. Amanhã você também vai sofrer na mão deles. Saí lá fora, nós... (faz gesto com a mão) (riso) Isso daí, depois da ascensão do Lula também era a mesma coisa. Sempre foi assim. Depois ele foi o último ali, encerrou a carreira lá com ele.
P/1 - Nas greves dos metalúrgicos, em 78, 79 e 80, os gráficos endossaram?
R - Não, os gráficos, o único movimento forte... Porque aí, hoje, os metalúrgicos é um dos maiores sindicatos da América Latina, e aquele tempo já eram fortes, mas não sabiam usar a força. Quando se ouvia falar que os gráficos iam fazer greve, era um rebu nacional. É, mexia com todo mundo. Porque os gráficos eram muito fortes. Depois, até 1960, que foi a decadência do sindicalismo... Isso já era bom vocês fazerem uma matéria para o futuro, viu? É um conselho que eu dou. Tem muita gente boa que pode... Então, em 60, quando houve o caso do sindicalismo, veio a Revolução. Aí foi o caos! Revolução Militar. Acabou com tudo. Acabou com os gráficos, acabou com os metalúrgicos, acabou com os advogados, acabou com os médicos, acabou com todo mundo. Medicina, tudo! Retaliou tudo. E hoje nós estamos no banco sem memória por quê? Por causa da excelentíssima Revolução. Fictícia Revolução! Porque aquilo lá foi uma Revolução de ministérios, de, como se fala, de secretariado. Ali foi interesses. Sempre é interesse. Acabou!
P/1 - Houve intervenção no Sindicato dos Gráficos?
R - Houve, em todos. Aí é que eu falo que houve a decadência. Porque até o ano 63 os sindicatos eram tudo fortes. Têxtil, metalúrgico, gráfico. Tinham muita força. Nós tínhamos autonomia, e com a ascenção do militarismo nós perdemos a autonomia. Por que que existe hoje, por exemplo, Centrais, Frente, Força Sindical, Central Única dos Trabalhadores, é a CUT, CGT, as duas CGTs, Confederação e, como é que é? Geral dos Trabalhadores. Porque nós não temos mais representatividade. E eles estão perdendo a representatividade e o trabalhador está aí, né, como nós estamos.
P/2 - Chegou a ocupar algum cargo no sindicato?
R - Da ativa?
P/2 - Isso.
R - Não, quando moço. Mas depois houve, nos tempos do Rocha Mendes, do Benedito Lucas Sales, do Dante Pelacani, um dos maiores ativistas.
P/1 - Fala um pouquinho do Rocha Mendes.
R - Ah, foi deputado. Hum, ele foi... Rocha Mendes, ele era presidente do Sindicato dos Gráficos.
P/1 - Quando?
R - Em 195 (tosse) Ele foi de 52 até 58, que mataram ele. Ele não morreu morto assim, mas judiaram muito dele. Você quer saber sobre?
P/1 - Sobre Rocha Mendes.
R - Ah, o movimento?
P/1 - O movimento também.
R - Ele era um ativista, ele era um deputado que a Câmara dos Deputados, só para dar um esclarecimento rápido, era onde fica a prefeitura, o hospital, Palácio das Convenções. Ah, não, Parque Dom Pedro. Lá era a Câmara dos Deputados Estadual. E ele era presidente. Foi um ativista enorme, foi um comunicador, foi um palestrador muito bom, enfim, foi um homem muito esclarecido.
P/1 - E ele era presidente do Sindicato dos Gráficos...
R - Dos Gráficos, em 1952. Agora a data que ele se afastou do Greco, pera aí... Ele ficou mais de dez anos lá.
P/1 - E na época que ele estava no sindicato teve alguma greve?
R - Nossa Senhora, teve a greve, a maior greve que nós tivemos, e não fazia parte dos gráficos, nem de metalúrgicos e nem de têxtil, foi das Alpargatas Roda, que ficava na Almeida Lima. Essa rua ficava em frente do Largo da Concórdia. E aquilo lá nós fazíamos... Sempre tem um desativado para acabar com os colegas, porque tinha gente até morrendo lá dentro, certo? E a pressão dos donos da firma, com os empregados, era os pelegos que judiavam. Os pelegos que eu quero dizer é os empregados lá do patronal. E nós íamos fazendo pequenos piquetes, e sempre tendo mau resultado. Aí, no fim, o vice governador estadual, chamava-se Porfírio da Paz, o homem da Nossa Senhora da Aparecida, e demagogo como ele era, ele foi lá. Aí ele deu uma idéia para fechar a Alpargatas Roda. Aí nós fizemos uma passeata monstro. Pelo amor de Deus! Aí foi (riso), na árvore genealógica, até a minha avó foi, viu? (riso)
P/1 - E como foi o assassinato do Rocha Mendes?
R - Não, o Rocha Mendes, se eu falar assim, assassinado, eu vou dizer:“É um depoimento meio falso.” Mas eu posso dizer, eu, eu pessoalmente, Joaquim Gomes Franco Filho, que ele foi assassinado, mataram ele. Porque antes da Revolução houve as greves, prenderam ele, o Dops, e outras seções. Batiam nele com aqueles saquinho de areia. Quando ele apareceu lá nós perguntamos, no final, falamos para ele: “Como é Rocha, como está você.” Ele falou: “Estou morrendo.” Aí ele faleceu. Mas estava tudo...
P/1 - Foi depois que ele saiu da prisão?
R - Da prisão. Pois não!
P/2 - Trabalhou a vida toda no ramo gráfico?
R - Sim, sem dúvida.
P/2 - Houve muitas mudanças na profissão?
R - Hoje?
P/2 - É, desde quando começou até hoje.
R - Nossa Senhora!
P/2 - Pode falar um pouquinho dessas mudanças?
R - Posso. Bom, quando nós trabalhávamos em... Gráfica Muller. Em 54. Não no G. Asbar e Companhia já se falava muito;“Estados Unidos é um país gráfico muito evoluído. A Alemanha idem.” A Alemanha é melhor porque ela é que é a distribuidora da imprensa. Nos Estados Unidos teve a ascensão das off-set, e aquilo quando veio para São Paulo, e (Ludow?), depois eu explico sobre essa (Ludow?) rapidamente porque não sei se o tempo, lá. Então apareceu muito falatório dessa máquina, dessa impressora off-set, e aquilo causou um pânico nos impressores, nos tipógrafos, porque ia automatizar. E na realidade veio. Aí começou a automatização. Aí apareceu a (Ludow?), porque em jornais, os jornais têm títulos e sub-títulos. Os títulos às vezes, eram garrafais. Então se usava o tipo de madeira. E até hoje se usa, porque não existe máquinas que fazem aqueles tipos nesse garrafal. Então os títulos maiores, os sub-títulos, nós não tínhamos, então a (Ludow?) fazia. E usava-se também sobre base de chumbo e antimônio, certo? Aí houve a automatização. Hoje nós temos o quê? Temos laser, temos tudo. Hoje a gráfica acabou. Agora a gráfica está reduzida à computação. Logo, logo vocês não vão mais ouvir falar em off-set. É tudo programação computarizada.
P/2 - Off-set o que seria?
R - Off-set é aquela máquina que imprime que nem essa, é uma máquina que nem a manual, cilíndrica automática. Só que ela tem cores, divisões, que ela -----sobre rolo de água, para poder dar mais limpeza na impressão.
P/2 - E o trabalho do tipógrafo na off-set é o mesmo?
R - Não existe. Eu parei em 82, 84, e falaram para mim fazer um curso de off-set no Senai. Fiquei louco! Eu falei:“Já trabalho nisso aí desde moleque. Pelo amor de Deus! Faça bom proveito quem quiser.” Aí também já fotolito, off-set, isso já está no fim.
P/1 - E como o senhor vê o futuro da categoria?
R - Da categoria? Mal.
P/1 - O senhor considera uma profissão em extinção?
R - Extinção em parte. Se o computador assumir, vai ser mais a informática. Hoje você sabe , hoje eu estou falando para você que a gráfica antigamente era uma arte: “Uh, você é tipógrafo!”, e não sei o que, e o bolso furado. Mas acontece que hoje quem tem uma gráfica, chama-se gráfica fundo de quintal. Quem que vai comparar as máquina antigas, quem que vai competir com uma off-set, com fotolito, com raio laser. O que é isso, minha filha!? Não tem condição.
P/1 - Gostaria que dissesse qual seria o sonho da sua vida, ou qualquer outra coisa para terminar a entrevista.
R - Ah, o sonho da minha vida, minha filha, eu estou com 64 anos, eu ainda não entreguei o abacaxi, nem o pepino, temos que enfrentar. Eu espero que o Senhor lá em cima me dê aquela diplomação:“Você trabalhou muito, está diplomado aí.” O resto, o que eu vou esperar? Competir com os moços? Nem tem condição.
P/2 - Se pudesse voltar atrás e escolher uma outra profissão, escolheria a mesma ou mudaria?
R - Eu seria tipógrafo compositor ou senão linotipista. Não saía da minha profissão. Muita honra!
P/1 - Então, obrigada, senhor Joaquim.
R - Obrigado eu. E desculpe alguma coisa, filha.
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