Projeto: CONTE SUA HISTÓRIA 2021
Entrevista de Maria Francisca dos Santos e Passos
Entrevistada por Rosana Miziara e Nataniel Torres
São Paulo, 29 de outubro de 2021
Código: PCSH_HV1163_parte1
Revisado por Nataniel Torres
P/1 - Chica, respira fundo, vai entrando em contato com as suas lembranças mais antigas, as imagens que vão vindo deste álbum de família que você vai trazer para a gente, vai entrando nessa sequência.
R - Vamos lá!
P/1 - Você pode falar o seu nome, local e data de nascimento?
R - Meu nome é Maria Francisca dos Santos e Passos. O Santos de mãe e Passos de pai. Essa combinação, que foi minha mãe, já controversa, meus irmãos acham que foi o meu pai, mas não foi não, foi minha mãe, porque se não ficava Santos Passos, ela achou que era horroroso, então ficou Santos e Passos. E eu nasci dia 19 de setembro de 1955, não me pergunte a hora, não consigo identificar.
P/1 - Você nasceu na cidade de São Paulo?
R - Na cidade de São Paulo.
P/1 - E os seus pais são de São Paulo?
R - Meus pais são de São Paulo, mais ou menos, do estado de São Paulo. Minha mãe nasceu na cidade de São Paulo, mas os pais dela tinham casa também na cidade de Lorena no Estado de São Paulo.
P/1 - Como que é o nome da sua mãe?
R - Minha mãe é Maria Eneide, também acho que foi um erro de digitação, deveria ser Maria Eneida, não existe Eneide, mas enfim, é Maria Eneide. Meu pai é Ernesto Passos Junior, ele é o caçula de 10. O papai, agora vai ficar… sempre faço confusão, nasceu em Sorocaba, mas ele morou grande parte da vida dele na cidade de São Paulo. Os seus pais… o pai dele faleceu quando ele era jovem, ele acabou vindo para cá para estudar, ele morou com uma irmã, na cidade de São Paulo.
P/1 - Vamos começar falar um pouco da família da sua mãe, aí a gente fala do seu pai. Qual é a origem da família da sua mãe?
R - Minha vó chamava Maria Francisca, como eu, meu nome é em...
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Entrevista de Maria Francisca dos Santos e Passos
Entrevistada por Rosana Miziara e Nataniel Torres
São Paulo, 29 de outubro de 2021
Código: PCSH_HV1163_parte1
Revisado por Nataniel Torres
P/1 - Chica, respira fundo, vai entrando em contato com as suas lembranças mais antigas, as imagens que vão vindo deste álbum de família que você vai trazer para a gente, vai entrando nessa sequência.
R - Vamos lá!
P/1 - Você pode falar o seu nome, local e data de nascimento?
R - Meu nome é Maria Francisca dos Santos e Passos. O Santos de mãe e Passos de pai. Essa combinação, que foi minha mãe, já controversa, meus irmãos acham que foi o meu pai, mas não foi não, foi minha mãe, porque se não ficava Santos Passos, ela achou que era horroroso, então ficou Santos e Passos. E eu nasci dia 19 de setembro de 1955, não me pergunte a hora, não consigo identificar.
P/1 - Você nasceu na cidade de São Paulo?
R - Na cidade de São Paulo.
P/1 - E os seus pais são de São Paulo?
R - Meus pais são de São Paulo, mais ou menos, do estado de São Paulo. Minha mãe nasceu na cidade de São Paulo, mas os pais dela tinham casa também na cidade de Lorena no Estado de São Paulo.
P/1 - Como que é o nome da sua mãe?
R - Minha mãe é Maria Eneide, também acho que foi um erro de digitação, deveria ser Maria Eneida, não existe Eneide, mas enfim, é Maria Eneide. Meu pai é Ernesto Passos Junior, ele é o caçula de 10. O papai, agora vai ficar… sempre faço confusão, nasceu em Sorocaba, mas ele morou grande parte da vida dele na cidade de São Paulo. Os seus pais… o pai dele faleceu quando ele era jovem, ele acabou vindo para cá para estudar, ele morou com uma irmã, na cidade de São Paulo.
P/1 - Vamos começar falar um pouco da família da sua mãe, aí a gente fala do seu pai. Qual é a origem da família da sua mãe?
R - Minha vó chamava Maria Francisca, como eu, meu nome é em homenagem a ela, meu pai gostava muito da minha vó. E a vovó era uma pessoa incrível, ela é de origem espanhola, a mãe dela é nascida em Ciudad Rodrigo em Salamanca, eu fui, inclusive levei a minha mãe para conhecer a cidadezinha onde a mãe dela foi concebida. E minha vó… eram vários irmãos, eu conheci parte deles, vovó era uma das mais velhas. Meu avô, marido dela, era vovô José, um imigrante português, a quem eu devo a minha cidadania portuguesa, meu avô nunca se naturalizou. Ele era de uma cidade próxima a região de Coimbra, nós fomos levar minha mãe para rever, ela tinha conhecido quando criança, e quando minha mãe começou a adoecer ela falava muito do pai. O meu avô doou uma escola para a comunidade. Em Portugal é tudo pequenininho, a região é Espinheira, acho que a comunidade chama Penacova, e é dessa região que ele é. Mas o vovô foi jovem para o Brasil, para o interior do estado e lá ficou. Esse é o lado da mamãe. Minha mãe eram 4 irmãos.
P/1 -E o que ela conta, como era o jeito dele, da sua vó, alguma característica?
R - Minha mãe era muito orgulhosa do pai dela e da mãe, eu os conheci, mas era pequena quando o vovô morreu, mas me lembro dele, vagamente, mas me lembro. Vovô foi um grande empreendedor, um cara que não veio com dinheiro e ficou muito rico na época, então minha mãe tinha muito orgulho dele, sempre falou do pai dela, sempre. E minha vó uma batalhadora ímpar, vovó era uma pessoa simples, de uma sabedoria ímpar, mas simples, e eu acho que eu ganhei dela essa parte, como que eu posso dizer… eu gosto muito dela. Quero dizer, essa parte toda humanitária, vovó não tinha diferença, então ela queria adotar todas as crianças do mundo. Porque a minha vó não era rica, minha vó nunca foi, trabalhou em bigorna, meu bisavô, pai dela, fazia essas, como é que chama, sabe portão de ferro? Essa era a atividade que ele tinha na Espanha, ferreiro, e era com a bigorna, como ela era a mais velha, era ela que ia para a bigorna, e aquela coisa, aquele ferro quente, ela contava isso para a gente, e a mamãe também contava, mas eu tive muita interação com a minha vó, então eu soube muito, não pela minha mãe, soube muito pela minha vó, soube da minha mãe muito do meu avô, porque ela tinha esse respeito, essa idolatria pelo pai, por ter sido um cara bem feitor. Igualmente assim a gente foi criado, sentava na mesa, vinha qualquer funcionário da fazenda, vovô falava: vem para cá Agostinho, vem para cá João, José, quem fosse, sentar junto. Então a gente nunca teve essa discriminação, desde criança, mas eram pessoas muito simples, então eu agradeço de ter tido isso, esse convívio desde sempre, apesar de eu nunca ter sentindo falta de nada, financeiramente, mas a vovó cozinhava, lavava.
P/1 - Que comidas ela fazia, você lembra?
R - A que eu mais gostava era rabanada e tortilla, tortilla que é bem típico dela, mas a vovó era daquelas que aproveitava tudo, detestava qualquer coisa que era enlatada, tudo para ela era podre. E cozinhava, costurava, ela fazia crochê maravilhosamente bem. Então assim, a gente conviveu muito com a vovó, eu passava férias na cidade dela.
P/1 - E quando eles vieram para o Brasil, você sabe como eles vieram?
R - A minha vó nasceu aqui. Meu avô não, meu avô veio, acho eu que uns 12, 14 anos de idade, e ele foi trabalhar, acho que ele tinha alguns primos aqui, ele foi trabalhar, se não me falha a memória, com madeira, de peão ele ficou dono. E aí ele acabou comprando fazendas, e com isso ele tinha algumas fazendas, meu avô ficou muito bem na vida. Mas ele era uma pessoa, isso que a mamãe sempre falava, então é uma história que eu ouço da mamãe, ela contava muita coisa do vovô, dizendo que ele era, sempre fez questão de escolas, passava uma estação de ferro no meio das fazendas. Ele nunca quis sede na fazenda, porque ele achava que sede não agregava valor, era só um gasto, então a fazenda era um negócio, não era diversão. E a minha mãe fez faculdade, minha mãe faleceu esse ano, aos 94 anos. Naquela época, poucas mulheres faziam faculdade, como ele era restritivo com quem ela fosse trabalhar, ele queria que ela fizesse para ela ter um diploma, caso ela necessitasse. O vovô não tinha formação nenhuma, nem minha vó, eles tinham o básico, sabiam ler, escrever, muito bem obrigada. Então assim, ele tinha essa visão que a mamãe falava, mais moderna. Ele se desiludiu muito da vida, nunca vi o meu avô… Minha mãe falava que ele era uma pessoa enérgica e bravo com ela, rígido e se tornou uma avô babão, então eu não conheci o avô bravo, conheci o avô carinhoso, que fazia todas as vontades que a gente queria, pelo pouco tempo que eu conheci, até os meus 7 anos, então foi pouco, ele morreu jovem, para os dias de hoje.
P/1 - Você tem alguma história que te marcou, que você tenha vivido com ele?
R - Tenho, da fazenda, nossa senhora! Ele já enxergava mal, a gente foi na caminhonete da fazenda, e a gente adorava ir atrás da caminhonete, todos os… nós somos em 5, não estava os 5, evidente, um irmão meu acho que não era nascido, era recém nascido. Eu tinha mais 3 primos, e aquela bagunça total e absoluta. E eu me lembro, todo mundo preocupado, porque ele levava a caminhonete para o barranco, e a gente achando o máximo aquilo. E depois a gente soube que eles não queriam mais que ele dirigisse, porque ele enxergava super mal (risos), mas nós adoramos. Ele encheu a gente de balinha, todas aquelas loucuras que criança adora. E eu me lembro que a minha vó deu maior bronca, e ele falava, “a Maria”, ele tinha sotaque.
P/2 - Você era pequena nessa época?
R - É! Então eu me lembro bem desse dia, e me lembro dele doente, me marcou, eu detestei ver ele morto.
P/1 - Você chegou a ver ele morto?
R - Eu jurei para mim que eu nunca faria isso com nenhuma criança.
P/1 - Em que circunstâncias você viu?
R - Eu vi ele no caixão.
P/1 - Levaram você para ver? Era comum levar?
R - Eu não gostei! Tava inchado, não gostei! Então assim, isso que me marcou, duas cenas que me marcaram, uma muito alegre, outra triste. Eu não entendia tanto, suficiente, eu não gostei de ver a carinha dele daquele jeito. Assim como não gostei de ver minha vó morrendo, por outras razões.
P/1 - E do seu lado paterno, os seus avôs?
R - Do meu lado paterno, tem muitas histórias, que pra mim, eu acho que viraram lendas, e é uma judiação, eu precisaria de tempo para ir atrás. Papai ele não é tão… a família dele, dos Passos, ela está aqui há mais tempo, a mãe dele era Cosete e todos nós somos Cosetes de fisionomia. Meu pai era claro, ruivo, mas todos nós temos esse nariz que era igual o dela, nós só não herdamos os olhos azuis lindo dela, minha vó era gêmea, era Maria Antônia e tinha uma irmã gêmea, Maria Francisca. As Marias Franciscas estavam na família, dos 2 lados, legal, né? E o pai do meu pai era Ernesto, mas do lado da Maria Antônia, aparentemente, eles vieram, ela é a segunda geração, o pai dela veio na leva aí dos Matarazzos pra cá. Enquanto as meninas eram muito prendadas, os rapazes eram todos desativos. Eles tinham aparentemente dinheiro e elas não, elas só tinham os dotes de saber tocar piano e tal. E eles perderam todo o dinheiro, mas os primos do papai, que eu chamava de tio, tio Chiquito, contava que o primeiro carro de Sorocaba foi de uma tia deles, quer dizer, eles eram desse tamanho assim, mas isso eu lembro do tio Chiquito contar. Eu chamo de tio, porque o meu pai era o caçula de 10, então quando ele nasceu, uma ano depois nasceu o primeiro sobrinho dele, então eu tenho primos da idade dele, praticamente, então eu sempre chamei eles de tio, aquela época você não tinha essa coisa, a gente chamava de tio. E o pai do meu pai, já não, o pai do meu pai, também era de uma família mais aqui, mas também para o lado de Sorocaba, e eles tinham uma pequena fábrica de enxada, o pai do pai do meu pai, uma coisa assim. Eu só soube disso, porque uma vez eu fui numa festa de criança, e o papai ficou conversando com o pai da aniversariante, que era Luís Pinto Tomas, eu sou amiga da filha até hoje. E essa fábrica de enxada tinha sido vendida para esse senhor, que era um cara mais velho que o meu pai. O Sr. Luís transformou essa empresa na siderúrgica Nossa Senhora da Aparecida, que depois foi vendida. Infelizmente, muito dessas memórias se foram, tinha que pegar uma prima minha, que talvez é a que mais lembre, ela tem os seus 70 e poucos anos, ela é minha prima irmã. A Silvia talvez lembre um pouco mais o que é a média, porque alguns já têm 80. Mas quem sabia tudo era esse primo do meu pai, primo em segundo meu, ele sabia todas as fofocas. Eu trabalhei na empresa desse meu primo, por isso que eu sabia algumas coisas, mas a gente vai se confundindo, a memória prega peças. Então, infelizmente, eu não tinha o hábito de ficar escrevendo, deveria ter feito isso, mas assim, a família dele tinha partes realmente para lá, mas depois eles vieram para São Paulo, e papai morou aqui a vida inteira, fez faculdade de medicina aqui. Meu pai era super durango, super durango.
P/1 - E como é que era a relação do pai dele com ele?
R - Meu pai teve pouco relacionamento com o pai dele.
P/1 - Por que morreu cedo?
R - Ele era jovem. Minha vó era o máximo, minha vó era super… uma pessoa bárbara também, as avós eram bem legais. Eu conheci ela pouco, porque ela faleceu, eu tinha poucos anos, me recordo vagamente dela, mas a gente vai fazendo memória às custas da memória dos outros. E a mamãe sempre repetia algumas coisas, quando ela se tornou avó, sogra. Ela falava, “eu vou fazer igual a Dona Maria Antônia, eu vou ser sempre uma visita, porque quando a gente é visita não tem encrenca.” E a minha vó era sempre visita, então ela era sábia, e ela foi sábia até morrer. E ela tinha assim, a família do papai era também uma família avant-garde, todas as filhas dela, que não foram muitas, só 3, são 7 homens e 3 mulheres, as 3 mulheres trabalharam, até se aposentar. Minha tia, uma delas, era minha madrinha de crisma, ela foi diretora Madre Alix, mais velha que o papai, todas foram professoras, naquela época, mesmo casadas trabalhavam. Então eram pessoas assim, modernas para a época, eu acho. Eu nunca tive esse problema não, ao contrário, minha mãe sempre me estimulou para trabalhar também. O irmão da minha mãe já era assim. Mas a vovó Maria Antônia, ela se dava bem com a minha vó também, mas elas conviveram pouco no final. Mas ela falava: “Ernestinho, Ernestinho, você não toma juízo.” Quando ele engravidou, mais um filho, então ela era muito lúcida. E quando ela faleceu, morreu de uma maneira super bonita, que ela começou a passar mal, chamaram meu pai, meu pai chegou lá, “vou chamar a ambulância”, ela falou: “não precisa Ernestinho, eu já estou indo”, e se foi! Ela era muito especial. Tenho uma única lembrança, que é uma manta que ela fez para mim, tenho até hoje. Esses dias eu estava vendo os carros, eu falei: gente, ela deve ter uns 65 anos essa manta. E olha, são lindas, as cores da lã, sem bolinha, sem nada, é uma coisa impressionante, impressionante. Então a gente vai cerzindo memórias, mesmo que você não tivesse conhecido. E nós todos somos mais parecidos com a família dele, Minha mãe, coitada, ela tinha o narizinho bonitinho, ninguém herdou esse narizinho bonitinho, tudo narigudo, nós somos 5.
P/1 - Chica, e como seu pai conseguiu se formar médico?
R - Então, ele morou com a tia Cinira, ele tem um irmão mais velho, que se chama João, meu irmão do meio se chama João José Passos Sobrinho, em homenagem a ele. E o tio João era um cara que se deu muito bem na vida, então ele ajudou muito vários irmãos, inclusive o meu pai. Mas o papai trabalhou a vida inteira em correio, ele trabalhou no jockey clube, ele trabalhava de noite para poder… ele estudou na pinheiros. Fazia escola pública antes e depois entrou na pinheiros, tudo público, mas os cursos eram elevados, né? Então ele foi morar com a minha tia para poder fazer a faculdade, mas ele sempre trabalhou. E a minha mãe conta, que por isso o meu avô não queria o casamento, ela sofreu um bocadinho, mas depois se tornaram ótimos amigos. Mas o vovô até confiar, levou um tempo.
P/1 - E você sabe como o seu pai e sua mãe se conheceram?
R - Então, eu estou tentando lembrar, quando eu estava vindo aqui porque eu já soube essa história, que eu acho que alguém que apresentou, não sei se foi a cunhada dela, alguma coisa assim, que apresentou, quando eles foram apresentados, isso eu talvez resgate bem, porque eu me lembro… sei data de casamento, casaram em dezembro, dia 4 de dezembro. E o meu pai é um eterno apaixonado pela mamãe, eles começaram razoavelmente cedo, eles namoraram bastante tempo, até ele se formar. Eu acho que foi a tia Vera, que casou com o tio Acácio, acho, tenho quase certeza, que foi a tiva Vera que os apresentou, numa festa, num baile, alguma coisa assim.
P/1 - E aí você nasceu?
R - Sou a segunda.
P/1 - Você é a segunda, o primeiro é?
R - Meu irmão! Meu pai, ele queria 8 filhas, minha mãe brinca que eu nasci tudo cor-de-rosa, eu já não nasci no amarelinho. E a mamãe falou que o meu pai chorava igual uma criança quando eu nasci, ela achou que eu tinha algum defeito, porque, “o que acontece?”. “É uma menina”. Ele chorou igual quando a minha primeira filha nasceu, era a primeira neta. O meu pai era louco por meninas, louco, louco, louco. E a minha mãe não, sempre para ela tanto fazia mesmo, ela não tinha parte, se bem que o meu irmão mais velho era xodó dela e da minha vó. Mas era o primeiro filho, né gente. E o meu irmão mais velho merece, porque ele é um doce de pessoa. Eu sou a segunda, e o meu nome é homenagem mesmo a minha vó, não é homenagem a outra tia não, é homenagem a minha avó materna.
P/1 - E você nasceu em que casa, que bairro?
R - Eu nasci na Pro Matre, eu morava… eu acho que eu nasci, eu já estava na rua das Acácias, Acácias não, perto da rua das Acácias, nas Acácias nasceu minha irmã. Eu nasci aqui perto do shopping Iguatemi, eu sei qual é a rua, só esqueci o nome, eu passei muito tempo ali, uma rua pequenininha, aqui tá o shopping Iguatemi, tem várias ruazinhas ali… Iraci, rua Iraci. Eu acho que eu já nasci na rua Iraci, de qualquer maneira, porque meus pais antes moraram em Perdizes, depois foi para a Iraci e da Iraci eles se mudaram para a Cidade Jardim. Na Iraci, eu sei porque eu nasci com pouco cabelo, aí tinha uma vizinha, então por isso que eu acho que nasci na rua Iraci, tenho quase certeza, tinha uma vizinha que a mamãe comentava que ela levava babosa, babosa planta, para fazer nascer, meu cabelo nasceu tudo cacheadinho no início e minha mãe ficou muito triste que logo no primeiro corte acabou os cachos. Mas enfim, era nessa rua Iraci. Aí nós fomos para a Cidade Jardim, que era um brejo, e essa foi uma casa que o meu avô ajudou a dar. Aí que realmente meu pai ganhou toda a confiança do meu avô e ele ajudou a dar uma casa maior. Aí já era a quarta filha, a minha irmã nasceu lá, minha irmã e eu temos 4 anos de diferença. Eu acho que eu, o Zé Ernesto e o João nascemos, não sei se o Zé Ernesto nasceu em Perdizes e eu e o João…
P/1 - Primeiro foi o seu irmão, aí foi você… então quando você nasceu… seu pai… que era a primeira menina..
R - Nossa, ele ficou super feliz. Aí veio o João, aí veio a Rita, aí veio o José e a minha mãe falou “chega, porque nessa proporção quantos filhos eu vou ter?” Somos em 5!
P/1 - E qual é a casa que você mais lembra da infância? É essa da Cidade Jardim?
R - E essa da Cidade Jardim, porque a minha mãe morou até 10 anos atrás, mais ou menos. Depois que o meu pai faleceu ela ainda ficou um tempo, mas a casa precisava de muita manutenção, teve um acidente, essas trombas d'água horrorosas e caiu um pedaço do teto da sala. E na realidade foi que tinha uma telha que não estava encaixada e por conta disso o jato foi tão forte, infiltrou. E aí consertamos e tal, mas a gente precisaria fazer uma mega reforma na casa. A casa era grande, só minha mãe, e a minha mãe já dava sinais de não estar 100% bem. Então ela se trancava dentro da casa, ela não usava o celular. Quantas vezes a gente tinha que arrombar a casa para achar ela lá dentro, você não sabia se ela estava… Ela ficou um tempo comigo, muito pouco tempo, ela voltou para a casa, aí nós fomos procurar um apartamento, ela procurou um apartamento, que ela ficou na frente do clube Pinheiros, era um apartamento muito conhecido, a planta da área social dela… era imenso o apartamento, ela conseguiu colocar toda a casa dela lá, minha mãe era muito apegada. E ela morou lá até o final, os últimos 10 anos ela ficou nesse apartamento, 10, 11 anos, mais ou menos. Então nós moramos mais de 40 anos naquela casa. Aquela casa, as minhas filhas chegaram a frequentar, todo mundo, a “casa da mãe Joana”, festa era lá, muita coisa na casa da minha mãe.
P/1 - Chica, como é que era essa casa quando você era pequena?
R - Essa casa, minha mãe era super… nós somos muito diferentes em algumas coisas, a mamãe sempre esperava tudo para amanhã, então assim, talher de prata ela não usava, não sei o quê, o sofá ela punha capa, aquela coisa. Então com aquela criançada também, não podia fazer nada disso. Gente, era super rígido, isso eu me lembro bem, o horário de dormir, o horário de acordar, aquela coisa meio germânica. Mas sempre foi uma casa com muito movimento, porque muitos irmãos, sempre com gente lá dentro. Tive uma prima que morou comigo uma época. Minha irmã é muito bagunceira, era muito bagunceira, nosso quarto, ficava catando as coisas, jogava tudo embaixo da cama.
P/1 - Vocês dividiam o quarto?
R - A gente dividia o quarto. Então acho que era uma casa alegre, porque não tinha um momento que você falava “eu estou quietinha aqui”, era raro. E no início a gente sempre teve muito bicho, minha mãe é bicheira, a gente morava no mato, quando se mudou, isso eu me lembro. Me lembro do meu irmão caçula, José, ele tem 7 anos menos que eu, eu lembro bem, eu devia ter uns 10, ele entrando dentro de casa com um coralzinha, “mãe, olha que minhoca grande que eu achei”. E minha mãe foi calma, eu me lembro muito bem dessa cena, ela no banheiro, “então vamos levar ela para o jardim, porque ela não gosta de ficar dentro dessa casa”. E ele com aquele bichinho assim. Então assim, nós tínhamos muito gato, sempre para matar rato, cobra, todas essas coisas, cachorro. Telefone, nós sempre tivemos telefone, então os vizinhos vinham ligar em casa, são memórias muito fortes para mim. Porque o meu pai era médico, e esse telefone ficou até agora com a mamãe. Então era o mesmo número a vida inteira, era 316262, depois virou 216262. A gente lembrava disso, que era telefone de médico. Não existia, né? Minha vó, depois que o vovô faleceu, ela vinha, passava uns tempo com a gente. Então era uma casa cheia. Foi uma alegria quando eu ganhei a minha casinha de boneca, brincava muito com a minha irmã, apesar de 4 anos de diferença, a gente brincava muito. E também teve outra fase muito marcante, que foi faculdade. 1º colegial que eu me senti muito livre, minha mãe era uma mãe turista total, tinha dias que acho que ela fazia 100 km, porque a gente estudava… meus irmãos estudavam no Santa Cruz, mas aí no ginásio eles já iam de ônibus. Aí tinha natação não sei aonde, balé não sei aonde, então ela que levava, e era longe, né? Quer dizer, naquela época era um local fora de mão. E eu me lembro que quando eu fui para o Dante, a minha alegria era de poder pegar um ônibus e ir sozinha, me sentia a pessoa mais independente do mundo. E na faculdade, porque iam muitos amigos meus estudar, aí foi uma grande ruptura, porque a empregada de vida da casa da minha mãe, detestava, ficava de cara feia. E eu tinha uma amiga, que tenho até hoje, “vem almoçar hoje aqui”. E às vezes eu nem estava. Então assim, aquele prodígio que tinha que fazer. Mas a minha mãe é festeira, então ela recebia muitos, almoço de domingo na minha mãe eram famosos, porque o que eu não sei cozinhar, minha mãe sabe. Minha mãe é a rainha da festa. Então ela fazia as festa, desde criança, isso eu me lembro bem, é uma coisa marcante, eram os nosso aniversários, que ela fazia bolos, um mais lindo que o outro, e a gente nunca comeu, porque tinha uma creche… tem uma capelinha muito bonitinha, chamada São Pedro, São Paulo, no bairro, que é uma gracinha, pequenininha, toda de madeira, hoje não tem mais porque a marginal cortou, mas tinha uma creche ali. Então em todos os nossos aniversários, a gente levava o bolo para as crianças, então nós nunca comemos o bolo que ela fazia, com tanto amor e carinho, lindos, lindos, um mais lindo que o outro. Minha mãe é super prendada, ela nasceu para ser rainha, então tudo dela era chique, sabe assim, ela gostava dessas coisas.
P/1 - Quando vocês mudaram para essa casa seu pai estava estudando ainda ou ele já era formado?
R- Não, ele já era formado. Minha mãe se casou com ele formado.
P/1 - E aí a sua mãe, ela trabalhava em casa?
R - Sempre!
P/1 - E vocês tinham empregada naquela época?
R - Tinhamos! Então, a mamãe teve um empregada por 37 anos, que foi a Helena, era baiana, gorda, cuja neta eu sou madrinha, a Ivete, tenho muito orgulho de ser madrinha da Ivete. Mas a Helena durou anos, depois ela acabou tendo outras empregadas, algumas a Helena que trouxe, sobrinhada dela que veio da Bahia, algumas vieram lá de Colina, que é a cidade onde minha vó mora, brava. Então a gente tinha 2 empregadas naquela época, mas a mamãe ficava de motorista o tempo inteiro. A vida era mais simples, né? Não tinha essa parafernalha, não tinha tantas frescuras assim, eu acho, então com 5 filhos dava certo. A mamãe cozinhava super bem, mas a Helena também, mas domingo era a mamãe, e era assim, Rosana gosta de kibe cru, Natan gosta de risoto, Alisson gosta de rosbife, tinha tudo isso, a salada que a Chica gosta, sobremesa. Sobremesa então... Gente, aquilo tinha comida para 3 dias seguidos, e ela sempre, “hoje só um pouquinho”. Mas essa era a alegria dela, mamãe gostava disso, gostava de fazer isso, detestava fazer para ela, nisso nós somos parecidas, não gosto de fazer para mim também, eu gosto de fazer para os outros. Então ela tinha esse prazer de ficar o tempo inteiro exausta, mas ela gostava disso. E ela tinha um bom gosto, ela era, como eu posso dizer, ela era sofisticada, ela fazia cursos, de tudo, para botar a mesa, para fazer comida diferente, ela adorava isso, então ela gostava bastante. Meu pai nem sabia o que tinha, desde que tivesse a macarronada dele, tava feliz da vida.
P/1 - Chica, qual que era a especialidade dele?
R - Angiologia, cirurgia vascular.
P/1 - E como é que era a relação do seu pai com a sua mãe, com vocês, quem é que exercia a autoridade?
R - Quem exercia a autoridade era a minha mãe. O meu pai era uma pessoa teoricamente ausente, o papai trabalhava muito, dava muito plantão de 36 horas, ele trabalhava muito. Meu pai era um eterno apaixonado pela minha mãe, hoje a gente entende. Teve uma época que ela ficou muito difícil, eu acho que deve ter sido na época da menopausa dela, porque as pessoas não falavam tudo isso, e ela menos ainda, ela era super reservada. E eu lembro que a gente queria fazer os 25 anos, nossa senhora, ela deu canseira, e a gente olhava para o meu pai… E ele era um querido, o papai era uma pessoa que não tinha quem não gostasse, não que não gostasse também da minha mãe, mas o papai era uma pessoa doce naturalmente. Então, desde os pacientes, ele era muito querido pelos pacientes, pelos amigos, e a gente, os 5 filhos, se tivesse que tomar uma decisão pró, contra, todo mundo ia para o papai, porque a mamãe ficava brava, mas isso é papel de mãe, né? Mas o meu pai nunca deixou de apoiar a minha mãe, sempre foi… Ela tinha uma posição, ele apoiava. A gente sabia que às vezes ele não era favorável, mas ele apoiava. Meu pai era uma pessoa assim, aniversário da mamãe, dia dos namorados, ele falava: filhinha. Era eu! “Vamos comigo fazer compras para a sua mãe.” Aniversário dela, eu achava isso incrível, sempre dava uma lingerie e uma joia, flores, ele tentava dar um em nome de cada filho, mas não podia faltar, lingerie nova, era incrível, não interessa a idade. E joia, quando ele tava duro, “joinha eu não dou”. Então ele não dava. Então assim, papai foi um amante querido da mamãe, a gente tem uma lembrança muito legal disso, apesar da mamãe ter momentos difíceis, mas ela foi incrível com ele quando ele entrou no processo de alzheimer, segurou um rojão tremendo, ela caiu depois, mas durante ela foi impressionante, assim, eles eram muito unidos, muito unidos. Mas eu acho que ele era o amor em pessoa, a mamãe fazia o amor de outra maneira, nos atos, então, tudo para o meu pai, ela mimava o meu pai da maneira dele. Meu pai era muito enjoado para comer, tinha mania com as roupas também, como médico tinha que estar impecável, então tudo dele era impecável, acho que ela sempre deixou tudo isso, era a maneira dela mostrar. Mas ela não era, nem para nós, minha mãe jamais falou. Nossa, meu irmão mais velho por exemplo, foi muito brilhante, a minha irmã, depois, na vida mais madura, sempre com descobertas incríveis. Ela era incapaz de chegar num grupo e falar, “você viu a Rita? O Ernesto?”. O meu irmão passou em primeiro lugar na Poli e em terceiro na USP em medicina, ao mesmo tempo na época, não é uma pessoa que fala, “nossa, meu filho é o máximo”, não era ela. Mas ela tinha orgulho, a gente sabia disso, mas não é o tipo dela. E de uma certa maneira não foi ruim, porque também ninguém ficou besta.
P/1 - E as suas brincadeira favoritas?
R - Eu tenho uma lembrança boa de eu brincar com a minha irmã. Tem outra coisa, quando eu fui aprender a patinar, gente do céu, naquele quintal da casa da minha mãe, acho que eu caí 17 vezes no mesmo dia, isso eu me lembro bem. Me lembro também de muitas brigas entre irmãos, me lembro. Eu era briguenta com o meu irmão do meio, nós somos os dois briguentos, a Rita, minha irmã é calma, meu irmão mais velho é super pacato e o caçula também é, não são briguentos, briguento era o João e eu. Eu e o João brigavamos, mas a gente brigava com os outros. E eu tenho muita lembrança, eu em São Paulo, eu brincava menos e fazia mais atividade. Então assim, porque eu fui uma criança que dei muito trabalho para a minha mãe, porque eu não parava, então o médico falou: ela tem que se ocupar, ela tem excesso de energia. Então desde pequena eu comecei a fazer muita atividade física, fui para escola, não existia pré-escola, mas eu fiz 3 vezes jardim da infância, com 2 anos, com 3, eu fui fazendo, quando não existia me deixaram fazer, então eu não tinha tantas horas para brincar. Aí eu comecei a fazer natação, fazer balé, inglês, francês, por isso que eu falo, minha mãe rodava coitada, pra lá pra cá, pra lá pra cá. Eu fazia bastante coisas para gastar energia. Uma coisa que eu lembro que não era na casa, mas era perto, que a mamãe levava, que eu adorava, era a aula de artes, era uma casa pertinho da casa da mamãe, lembro que a gente fazia coisas bem interessantes nessa casa, mas em casa a gente brincava muito no quintal, muito, de bola, de pega pega.
P/1 - Tinham crianças de outros lugares?
R - Não, não tinha, quase não tinha! Tinha uma casa de senhores idosos na frente e atrás tinha a casa de 2 pessoas, mais nada. Depois de alguns anos, uma irmã com quem o meu pai morou, construiu uma casa na frente, foi bem legal! Porque ela tinha netos que moravam em Ribeirão e essas netas vinham nas férias para São Paulo, aí sim a gente juntava tudo. Aí a prima, irmã da mamãe, a que ela mais se dá, também construiu uma casa ali perto, na rua das Malvas, mas os meus primos são bem mais novos que eu. Tudo isso convivia junto, eu já não era tão criancinha mais, tão pequena assim, mas me lembro bem, a gente brincar todo mundo junto e tudo mais. Agora as minhas lembranças de mais bagunça é na casa da minha vó, porque lá era uma liberdade, eu podia pegar bicicleta, andar a cidade inteira.
P/1 - Em Sorocaba?
R - Não, em Colina. Ia para o clube lá da cidade, eu voltava da cor da tua calça, preta. Porque Colina é do lado de Barretos, 40 graus na sombra. Aí a gente ia para a fazenda, voltava, aí ia para a fazenda da amiga, andava a cavalo. Então assim, eu não parava o dia inteiro, ia para a casa de uma jogar carta, foram férias que eu me lembro muito, pra mim uma delícia, tinha bailinho, toda aquela coisa do interior, e com bronca, ninguém queria que a gente saísse tarde, saísse muito, então assim, tinha minha mãe, minha vó vigiando. Então eu tinha tarefa, tinha que bordar, tinha que fazer um monte de coisas em casa para ficar um pouco em casa, mas eu gostava da rua, gostava da rua. Já a minha irmã é calma, quem dava trabalho lá era eu, todo mundo era calmo.
P/1 - Você falou que sua mãe te levou no médico…
R - Minha mãe me levou pequena, porque eu não parava um minuto, eu devia ter, antes dos 2 anos, eu acho. Ela levou, “minha filha parece que não tem nada, mas eu acho que ela tem, ela não é normal, ela não para”. Juro por Deus, eu tô falando isso, porque a minha mãe contava para mim. E aí o Dr. Pedro de Alcântara, professor Pedro de Alcântara da USP, falou “ela é absolutamente normal, ela só tem excesso de energia, leva ela para a praia”. Minha mãe fala que foi a pior viagem que ela fez para Itanhaém, que eu ia para a frente do carro, depois voltava para trás do carro, depois ia para a frente do carro, volta para trás do carro, e ela grávida do terceiro, por isso que eu devia ser muito pequena, porque eu tenho 2 anos de diferença do João, ela quase pariu acho que ali. Aí ela falou que assim, tava arrumando as coisas na praia, quando via, eu estava no meio do mar, então assim, era esse “distrepe”. E eu sou assim até hoje, esse excesso de energia que eu tenho, que eu faço um monte de coisas e não durmo. E não dormia, era uma gracinha de menina. Por isso que ela sempre pôs para fazer um monte de atividade, porque eu não gasto brincando.
P/1 - E você sentia essa diferença entre você e os seus irmãos?
R - Não, não! Porque também não deu tempo de eu sentir, você vai nadar, vai nadar, vai no balé, vai no balé, vai fazer cursinho para pular o 5º ano, vai fazer cursinho para pular o 5º ano, sabe assim? Você vai, vai fazendo, então tinha esse lado assim, que era “go, go, go”. Faz inglês, aí comecei a fazer francês no ginásio também, aí a minha professora de francês falou assim: você quer dar aula particular? Nossa, eu achei o máximo, vou dar aula particular. Então eu sempre enchia mais o dia do que podia, de uma certa maneira. Mas eu acho que até hoje eu faço isso, até hoje.
P/1 - Como foi sua experiência de entrada na escola?
R - Eu estava na mesma escola, porque eu fiz o Pinheiros, não, fiz Mundo Infantil, depois eu fui para o Clube Pinheiros, depois fui para o jardim da infância do colégio Pio XII, aí eu fiz o pré-primário no colégio Pio XII e 1º ano no Pio XII, fiz tudo no Pio XII. Mas a coisa que eu mais lembro de trauma, não, lembro do 1º ano na 1ª comunhão. Mas foi no pré-primário, as crianças eram americanas, elas não falavam português basicamente… eu tenho esse amigo, eu sempre encontro o irmão dele, eu falo pra ele, “o seu irmão que me ajudou”. Eu queria ir no banheiro e eu não sabia falar inglês e foi o Guilherme que me ajudou, sou grata eternamente a ele. Eu queria tanto ir no banheiro, eu me lembro até hoje, isso eu lembro, dessa aflição, mas eu lembro de alguém me ajudar. E a outra coisa que eu lembro, foi a escolha, olha como eu sou besta, escolha de coleguinha para fazer 1ª comunhão. Era um colégio misto, Pio XII era um colégio misto, coisa rara, colégio de freiras misto, onde as freiras não davam aula, as freiras davam aula para os pobres, não davam aula para a gente, nunca deram, mas elas eram diretoras da escola, então a gente cruzava com elas. “Quem quer fazer a 1ª comunhão?". Não era obrigado a fazer, tinha bastante protestante também. Aí fomos lá fazer a 1ª comunhão, quando eles falaram quem era meu par: “com esse par eu não vou fazer 1ª comunhão”. Pode ter bullying pior que isso, eu lembro que eu queria um tal de Luís, “eu sou Maria, ele Luís, é com ele que eu vou fazer”. A freira me botou de castigo, fiquei em pé, eu lembro disso, de eu ficar em pé num banco, em cima do banco lá, de castigo, virada para parede, sei lá, uma coisa assim. Mas eu consegui fazer par com ele, consegui.
P/1 -Por que você não queria ser par do outro?
R - Porque o outro era gordinho, não queria, eu queria aquele. Você acredita? Bullying total, gente. Hoje eu seria expulsa da escola, mas isso eu me lembro, ele bonitinho comigo ali, a foto é bonitinha, tô que nem uma anjinha.
P/1 - Você tem essas fotos?
R - Eu devo ter, preciso achar tudo isso, vou achar, devo achar isso, eu tenho muita coisa. É umas coisas assim, malucas, eu era briguenta mesmo, eu sempre fui briguenta, meu tio falava, “ninguém mexe com a Chica”. Eu era brava, uma pimentinha, meu avô falava.
P/2 - Na escola também ou mais em casa?
R - Então, de criança eu era mais briguenta mesmo, sabe? De impor a minha vontade. Eu era muito boa aluna, sempre fui, ótima aluna, mas eu nunca fui de levar desaforo, sempre fui uma pessoa de colocar opinião, então dava problemas. Por exemplo, no ginásio eu queria sair do Pio XII, porque eu me indispunha com o professor de matemática, eu passei a odiar matemática, por causa desse professor, que eu achava que ele dava mal, aí eu pedia para o meu irmão, meu irmão mais velho é super brilhante, não que os outros não sejam, o do meio também é, minha irmã também, meu irmão caçula também, mas ele era meu irmão mais velho, era pra ele que eu tinha que pedir, os outros nem tinham aprendido, e esse meu irmão ele tem uma capacidade de memória, porque eu para matemática, sei que 2 mais 2 é quatro e ponto, e ele era aqueles exercícios aritméticos, negócio mais complicado do ginásio, ele era ótimo para me ensinar, então ele me ensinava, eu chegava lá e fazia o exercício de uma maneira diferente do professor, ele ficava doente. E eu era daquela que peitava o professor, “mas o resultado está certo, eu fiz diferente mas o resultado está certo.” Ou “eu entendo dessa maneira, não entendo da sua”. Então o professor me detestava, porque eu não era boazinha, não era uma menina que ficava, “ah, desculpa professor”. Isso eu lembro bem, tanto que eu fui para o Dante para fazer clássico que não ia ter matemática. Cheguei lá, peguei o 1º ano de clássico com matemática, para minha surpresa a minha professora me achava o gênio da matemática, veja só! E aí eu fui super bem em matemática no Dante. Então é uma questão mesmo de empatia com o professor, mas eu sou metida para algumas coisas, é coisa de baixinho. No Dante eu fui porque eu queria fazer história, porque o meu professor de história no PIO XII era o máximo. Chegou no Dante, a professora de história era uma louca chamada Ofélia, e a Ofélia adorava reprovar todo mundo, deixar de recuperação, ela passava, mas deixava todo mundo de recuperação. Um dia ela deu um trabalho, cara, não tinha em lugar nenhum, eu peguei a Delta-Larousse e usei, ela falou que o meu trabalho estava bom, e não citei a biografia a Delta-Larousse, porque ela não queria que pegasse em enciclopédia. Falei: vou pegar essa mulher agora. Ela falou: eu duvido que você tenha conseguido. “A senhora duvida? Problema da senhora”. “Então me traga!” Mas eu tinha amigas, Silvia Cambé, colega da classe, pai dela, um dos professores de história do Colégio Bandeirantes, “vou perguntar para o meu pai, meu pai tem esse livro”. E eu levei esse livro para a professora. Quando eu digo que eu não era boazinha, eu era super boa aluna. Aí que ela pegou no meu pé, imagina, eu desmontei ela na frente de todo mundo, e a Silvia Cambé foi na minha casa entregar o livro. Então assim, tem coisas que eu sou turrona, eu não tenho esse medo, hoje eu vejo, que lá atrás eu já fazia essas coisas, quer dizer, é da personalidade mesmo, eu não era a pessoa mais _______, não era a pessoa que ia lá na frente para falar e tal. Mas não mexe comigo, porque eu também não vou aceitar esse desaforo, é uma coisa de justiça. Mamãe achava que eu deveria ter feito direito, porque eu adorava defender todo mundo, “isso é errado, isso é errado”. E ela estava fazendo uma coisa errada, porque assim, a coisa se baseou em livros, ela deu toda a biografia, se ela não quisesse que tivesse usado a Delta-Larousse, não tinha outra coisa, a gente olhou tudo que tinha, foi na biblioteca, foi ali, nada tinha, tinha da Delta. Eu não vou deixar de fazer.
P/1 - Chica, qual foi a principal mudança quando você sai do Pio XII e vai para o Dante?
R - Nossa, muito grande, muito grande! No Pio XII era uma escola mista, cheguei no Dante, uma escola só de mulheres, uma coisa esquisitíssima. Eu estudei desde o jardim da infância no Pio XII, é uma escola bem menor, um espaço lindo, maravilhoso e chega lá aquela coisa. Mas por outro lado, você com 15 anos de idade já se sente uma pessoa adulta, e indo e voltando sozinha, era uma coisa muito legal. Então apesar do Dante ter sido considerado uma escola rígida, eu não achei ela rígida, porque o Pio XII era uma escola razoavelmente moderna, porque a gente não tinha rigores assim, era uma escola mais ou menos tranquila e não era uma escola difícil. O Dante era considerado uma escola difícil e era. Mas era muita gente, então teve algumas coisas que para mim, primeiro uma que chocou muito tinha mais bullying que eu não tinha tanto no Pio XII. Essa consciência de quem é quem, de onde vem, eu nunca tive isso, nem na minha formação, e no Pio XII eu não tinha isso. No Dante, a minha classe era não do Dante originalmente, ela veio toda de diversas escolas, ela veio do Nossa Senhora do Morumbi, veio do Elvira Brandão, de várias outras escolas, Assunção, tal. E veio uma tropa só de socialite, e tinha umas meninas que eram da Zona Leste, do Ipiranga, e elas eram diferentes e as pessoas… elas sofreram. Eu me lembro que eu transitava bem com todas, mas aquilo me incomodava, principalmente 2 delas, que me incomodavam muito. E era aquilo assim que abria… que nem você vê hoje as sociais, nós tínhamos uns caras que só ficavam falando disso e metade daquela folha estava lá na minha classe. Então aquilo de início me impactou, não era o meu mundo, mas por outro lado, eu fiz um grupo muito legal, que não tinha nada a ver com aquilo. E segunda coisa, eu tinha autonomia, então assim, a gente pegar ônibus, ir embora para casa e tal, era bem legal. E aí eu comecei a ir para a União Cultural também, sozinha, foi uma época pra mim muito legal, que eu me senti muito independente. O Dante me trouxe isso e eu fiz grandes amigas lá, apesar desse lado assim, você acabava, esquece, e eu tive grandes amigas de várias classes, acabei desfrutando daquela grandiosidade que era o Dante. E bons professores, eu tive bons professores, quando você gosta de estudar, então você se diverte estudando também, você se agrega com gente que estuda legal e tudo mais. E no final, foi uma fase muito gostosa, gostei muito de estudar lá no Dante, apesar desse choque inicial. Mas por exemplo, eu tive algumas amigas que saíram do Pio XII e voltaram, umas não gostaram do ritmo, que era mais puxado e outras nem desse espírito. E uma delas era só filha do Lázaro de Mello Brandão, que era o presidente do Bradesco, ele já era o presidente do Bradesco, eu só fui descobrir que ela era filha dele, quando eu namorava o meu ex marido, um dia ele pegou a Gazeta Mercantil, “olha o Lázaro de Mello Brandão.” “Nossa, é o pai da Cecília" “Quem é Cecília?" “Ela estudou comigo.” Você entende? A gente não tinha essa ligação. Então era uma coisa mais light, mais gostosa, no Pio XII.
P/1 - Chica, quais eram os lugares que você circulava, como era São Paulo nesse momento?
R - Então, por exemplo, eu ia na Oliver Francês, que era perto da rua Augusta, o ônibus era muito legal, porque o ônibus que ia para o Dante, era o Jockey Clube, que vinha do Jockey e ia até o centro da cidade. Na época a gente já sabia quem entrava e quem saía, era um ônibus literalmente de estudantes, porque ele vinha lá de baixo, pegava a turma do Mackenzie, tinha acho que Porto Seguro, Rio Branco, aliás, ele vinha subindo e ia pegando alunos, que era tipo meio dia, uma hora. Aí eu pegava ele na Augusta, eu saia do Dante, magina, você sai com aquela tranquilidade, então assim, fora que a Rua Augusta era muito legal, gente, a Rua Augusta era tudo aquilo, você descia, ver isso, ver aquilo, então era uma liberdade legal. Às vezes você fazia suas coisas sozinha, tomar um lanche, fazer uma coisa assim. Aí quando entrava no ônibus, você já entrava, sempre tava um tropa grande que ia descer, você já sabia quem era quem, vinha turma de várias escolas. E aí eu era uma das últimas a sair, porque eu morava perto do Jockey, ficava um pouquinho antes do Jockey Clube, às vezes, quando ficava muito cheio, eu pegava, caia no Jockey Clube. Na União, muitas vezes eu ia de ônibus até lá e quantas vezes eu voltei a pé, voltei a pé pensando, vinha. E sabe por que? Eu gostava de economizar dinheiro, eu não gostava de pedir mesada para o meu pai, aquela coisa. Eu comecei a trabalhar dando aula particular com 13 anos de idade, aí daí em diante eu falei para o meu pai que eu não precisava mais de mesada, aí eu achei que eu era independente, magina. Então pra mim era muito legal, porque eu ia para a minha professora de francês, depois eu ia dar aula. Então eu não tinha mais aquele compromisso com a minha mãe, eu tinha que chegar duas horas, três horas, eu achava que aquilo era uma conquista muito grande de liberdade, ela sabia o que eu estava fazendo, mas era um ganho de espaço, era sempre naquela região, você não fazia muita coisa. Mas ai assim, por exemplo, eu não conhecia o Ipiranga, aí eu tinha uma amiga, que é minha amiga até hoje a Débora Sebastiane e a Liliana Akin, elas moravam no Ipiranga e a gente ia estudar na casa dela, então era uma coisa legal, você ir em outro bairro. Gente, eu andava muito bem de ônibus, para ir para lá e pra cá, e não era trânsito assim, não era uma coisa difícil, raramente, porque o meu pai trabalhava até tarde e minha mãe tinha os outros para fazer o que ela sempre fez para a gente, então era bem legal isso, pra mim foi uma época marcante, mais até que a faculdade, porque na faculdade eu só tinha a liberdade de não ir às aulas, mas como eu ia às aulas, então… de escolher que aula eu queria fazer.
P/1 - Chica, como que era a diversão, você saia à noite, paquera?
R - Então, paquera essas coisas tinham, mas eu tinha uma turma da época, que tinha sido de ginásio, que era a minha turma de Pio XII e na verdade a gente tinha muitas festas, porque o irmão da Ruth, que era a minha melhor amiga, ele fazia festa, então eu andava muito com a turma dos meninos do Santa Cruz, ainda andava nessa época, tinha muita paquera. E eu não namorava tanto assim, namorava menos, aí eu comecei a namorar um rapaz, quando eu estava no 2º colegial, no Dante, e aí eu resolvi fazer intercâmbio, aí quando eu voltei do intercâmbio não queria mais nem olhar na cara dele. Aí eu comecei a namorar um cara que era um ano mais velho que eu… Eu entrei na faculdade, ele já estava na faculdade, aí eu tive vários namorados assim, entra e sai, entra e sai. Na época da faculdade foi a época que eu mais namorei, mas na época do colegial nem tanto, a gente saia muito em grupo, muito em grupo.
P/1 - Mas qual foi a primeira paixão?
R - Foi o Cristóvão, eu acho. Teve namoradinhos de Colina, Ricardo Machado, Marco Aurélio, tudo novinhos, lá em Colina. O Cristóvão não, o Cristóvão foi o primeiro namorado mesmo, foi ele, eu sou super amiga dele até hoje, ele é médico, e curiosamente ele trabalhava, quando ele se formou, foi trabalhar com um dos melhores amigos do meu pai, então era uma coisa curiosa. Ele casou também, ele casou com uma Cláudia, tem 3 filhos, médico também, tem uma filha médica, a mulher dele é médica, super fofo ele, a gente acabou namorando 2 vezes, porque assim, quando você volta dos Estados Unidos você volta completamente… E depois teve um incidente, quando eu voltei, só comigo que acontece essas coisas, eu voltei, naquela época era tudo carta, gente, e a carta não chegou, chegou depois que a figura chegou na minha casa. Um rapaz, que era totalmente drogado, tinha tentado se matar por causa da namorada e eu fui resolver, ser legal com ele lá, conversar com ele, era muito apaixonado o cara, e aí o cara resolve que vem me ver. Um dia meu irmão sai de casa…. essas coisas, imagina, coitada da minha mãe, com 5 filhos, abre a porta, o Zé Ernesto fala assim: Chica, tem um gringo aí procurando você. E ela: onde põe o gringo? Na minha casa. E ele tinha mandado carta, gente, mas eu não recebi, e sem tempo para ir embora, eu acho, e ninguém falando inglês com ele, só eu e o meu irmão mais velho. E aí a sorte minha… quando eu fui fazer intercâmbio tinha mais um amigo meu, que eu sou amississima até hoje, e eu falava: Luís, pelo amor de Deus me tira dessa, eu não posso ficar sozinha. Você imagina? Foi uma confusão, eu não era nada do rapaz, nunca fui, mas foi ótimo, o rapaz era bonzinho e melhor de tudo que ele falou assim: estou limpo, não estou com droga nenhuma. Eu falei: acho bom. Eu me lembro que ele trouxe um disco do Led Zeppelin, me lembro disso, de presente, que ele adorava aquele grupo, aí ele ficou quase um mês na minha casa. Então essas coisas aconteciam na minha vida, imagina, só por eu ser uma boa samaritana.
P/1 - O que vocês escutavam nessa época?
R - Muito Beatles, eu era alucinada pelos Beatles, eu acho que peguei tudo, eu acho que a gente, desde mais jovem, agora quando eu retrocedo um pouco, a época que eu fui mais ligada em música foi a época dos festivais da canção, gente, eu era alucinada por aquilo, não perdia um dia, adorava o festival da canção, onde surgiram grandes talentos que estão aí até hoje, Caetano, Gil, todo mundo da Bossa Nova. Assim, os brasileiros, a gente gostava muito, mas gostava do Led Zeppelin, gostava de todos eles, Rolling Stones, tudo isso a gente gostava, mas tinha toda aquela parte do POP, que era de dança, a gente também gostava. E eu acho que foi uma época também, muito rica em teatro, eu me lembro muito indo ao teatro, Elis Regina também. Tinha muito show, muita coisa disso. E teatro, muita coisa que era proibida, eu lembro de várias peças que a gente ia e não sabia se saía ou não, mas a gente ía. Isso é uma coisa que eu lembro, mas já era na época da faculdade, que dizer, entre colegial e faculdade. Por exemplo, você sair, muita gente sofrer agressão, bala, aquelas bombas dumdum que punham, era muito desagradavel tudo isso, a gente quando lembra da repressão, era uma coisa… Eu me lembro que meu pai era muito cauteloso para falar, era uma época também dura por isso.
P/1 - Se falava de política na sua casa?
R - Pouco, mas falava.
P/1 - Qual que era a tendência?
R - Assim, eu me lembro meu pai falando de Jânio, da decepção que ele teve com o Jânio Quadros e tudo mais. E nessa época da ditadura, papai falava muito pouco, eles tinham medo, tinham muito receio. Eu me lembro por conta de jovens que foram mortos, que eles conheciam, filhos de amigos, meu pai como médico soube de vários casos bem ruins, não morreram, mas ficaram prejudicados. Isso eu lembro que não se gostava, mas era muito… meus irmãos estudavam no Santa Cruz, então tinha uma conversa, outra. Por exemplo, uma determinada época eu adorava aula de Filosofia no Dante, eu falava: nossa, adoraria fazer filosofia. Professor, “não faça!” Bem baixinho: “não faça! Você não pode aprender filosofia nesse país, e eu não te falei nada”. Era assim! Então tinha um lado muito mais restritivo, tanto que a gente não aprendeu Foucault, a gente não aprendeu muita coisa no Dante. O Santa Cruz era mais ousado, eles aprendiam, viveram muito mais coisas, a gente não. Fui ler isso depois. Então essa é uma falha, eu vejo como uma grande falha na formação da gente, a gente não poder ver tudo que você quer ver, né? Então era mais restritivo. Na faculdade idem. A faculdade foi bravo também, já não era a parte mais trash, mas tinha. Assim, eu lembro na GV, a gente se ver entrando, “nossa, vamos para o centro da cidade que está tendo o enterro do Vladimir Herzog, lembro como se fosse hoje. E a gente não tinha muita ideia de quem era o Vladimir Herzog, porque o meio de comunicação não era a mesma coisa, pensar que o Estadão só colocava receita de bolo. E esses comentários do meu pai, por exemplo, meu pai era assinante do Estadão a vida inteira, e o meu pai comentava com orgulho que eles não publicavam. Então essas coisas eu me recordo, mas não era tão compatível, como hoje eu acho que a gente fala mais.
P/1 - O seu intercâmbio foi para onde?
R - Fui para os Estados Unidos.
P/1 - Na época do Dante?
R - Fiquei só 3 meses, minha mãe não deixou eu ficar 6 meses, mas eu fiquei 3 meses. Eu adorei, eu fiquei em 2 casas no norte da cidade de Nova York. A primeira casa era de uma família que morava numa fazenda, onde tinha 3 irmãs, mas uma delas não estava morando lá, chama Graça. E no início eu estranhei um pouco, porque elas eram mais secas, mas eles eram incríveis, ótimas pessoas. E depois eu fui para uma outra casa, com quem eu tava sempre, porque ele era o “principal” da escola, era tipo o diretor geral da escola e tinha muita gente querendo receber, por acaso, é uma cidadezinha, um ovo, 2.500 habitantes e tinha 2 brasileiros, eu e o Luís. Luís somos amigos até hoje, todo mundo se conhece até hoje, Luís nos últimos 10, 15 dias ficou na minha casa, porque a casa dele era muito complicada. Mas esses meus segundos pais americanos, eram muito jovens, eu tinha 16 anos, 17 anos, ela tinha 33, acho. Então os meus irmãozinhos eram jovens, os outros não, esses eram novinhos. E aí eles se mudaram, alguns anos depois para 1h de Nova York, só que diferentemente da 1ª família, que era uma família típica norte americana, muito legal, com valores muito bacanas, mas era uma família de fazendeiros, queria continuar ali, exceto uma das filhas que foi morar na Austrália. A outra família não, era uma família atípica americana, por que eu digo atípica? Porque, por exemplo, meu pai foi fazer mestrado, na época passou pela Índia, então, eram pessoas que viajavam pela Europa. Vieram para o Brasil diversas vezes, amaram o Brasil e cogitou vir aqui ser diretor da escola americana, não fosse um crash que teve da bolsa dos Estados Unidos. Então ele quis que a minha irmã fizesse intercâmbio, ela veio pelo Rotary, ele morou em Guaratinguetá, ficou 9 meses aqui, eram pessoas muito diferentes, eu perdi o meu pai esse ano, pra mim foi um segundo pai que morreu, querido, ele conheceu todos os meus filhos, Cláudia grávida foi até a casa deles, eles são muito especiais, muito mesmo, um coração incrível, minha irmã é maravilhosa, meu irmão também, meu irmão mora hoje na Espanha, ele tem companheiro e adotaram um garoto que veio da Guatemala, então eles estão sempre com um idioma espanhol pro moleque e ele prefere a Europa, qualquer outra coisa, do que a América, mas um querido. Então a gente é uma família estendida mesmo, minha mãe era lindíssima, era não, é, ela é lindíssima. Meus pais conheceram todos, assim, vieram para o casamento da Cláudia, é uma coisa especial, eu tive muita sorte, muita sorte mesmo. Meu irmão mais velho também, também teve, os dele se mudaram de volta para a Irlanda, era de origem Irlandesa. Mas o meu irmão do meio nunca fez, minha irmã fez e o meu irmão caçula foi para a Inglaterra num esquema diferente. Eu adorei!
P/1 - O que você acha que isso mudou em você?
R - Eu acho que assim, eu já tinha viajado para o exterior, mas em excursão, quando você vai, a gente já começa que você ganha, essa coisa que você ganha muita experiência na vida, primeiro que dá tudo errado, tudo, você acha que você fala inglês, eu vim de uma escola que a gente aprendeu inglês desde o jardim da infância. Primeiro dia de aula eu sai atordoada, a quantidade de variação de John, você não sabia quem era quem, as expressões idiomáticas, que eu não sabia nenhuma, take it easy, que hoje é facíl para a gente, mas eu não sabia o que era aquilo. E eles não param um minuto para te dar uma atenção, então você entra e C´est fini. Tudo bem, você não vai ganhar nota lá, mas você tem que aprender se não você fica à margem, então você tem que ir na escola. Esse aprendizado de inglês na marra que você pega, é muito legal, um convívio com um a outra cultura muito diferente. Então eu lembro, que primeiro, já deu errado na saída, nós chegamos, a gente tinha que fazer uma conexão em Nova York, quem disse que nós pegamos a conexão primeiro porque a organização era ruim, a gente chamava ela de "fellowshit”, mas eu e Luiz ficamos fora e vários outros jovens. Nossa viagem durou 33 horas, sem dormir, porque a gente ficou não sei quantas horas no aeroporto, até que alguma alma… E o Luís ligava para a casa dele, eu ligava para a minha casa, só que o Luís estava ligando para a mesma casa que eu, sem saber, porque ele estava com o telefone errado. Então quando chegou, era o meu 2º pai que estava indo me buscar, o que era o diretor da escola, e pegou os dois, eu cheguei exausta, a minha irmã que tinha a minha idade estava sentada com o pé assim, um frio do capeta, porque é perto do Canadá, dezembro. Ela falou: “Hi”. Eu falei: “Hi”. Aí ele falou… Não levantou, não falou bom dia, boa tarde, boa noite. Aí veio meu pai e minha mãe americana, “eu vou com você até lá”. Então assim….
P/1 - O que você sentiu nessa hora?
R - Você sente, “uauuuu, o que vai ser isso aqui?” Mas eu estava tão cansada… No dia seguinte ela foi ótima, ela era ótima, uma pessoa sensacional. E eles maravilhosos, os dois, maravilhosos, mas um jeito mais simples e diferente. Você aprende que você não pode ser “hein, hein”, é o seu modo de ser e não de todo mundo, e não por isso é melhor ou pior. Então acho que te traz uma outra perspectiva de vida. Segundo, era uma época que ainda estava voltando gente do Vietnã, aquilo me marcou bastante, porque todo mundo usava umas pulseirinhas enormes, tá voltando tal, tal tal. E tinha uma cambada de gente muito drogada já, pra mim era uma novidade isso, eu fumava nessa época, mas curiosamente eu nunca tive a menor vontade de experimentar coisa alguma. E eu me lembro dos meninos saírem da escola, porque não podia fumar na escola, para ir fumar, e a grande parte não ia fumar qualquer coisa, não era cigarro. E esse garoto, ele tentou se matar mesmo, ele picou tudo e pegou o carro e se estrumbicou. Acho assim, traz uma visão de mundo, que é um mundo mais americando, o mundo country americano, não é mundo de Nova York, aquela coisa bonitinha, mais raiz mesmo. Pra mim acho que foi importante de amadurecimento, você sai um pouco da casca, você vive muito protegida.
P/1 - E foi aí que você conheceu esse menino que veio para cá?
R - Porque quando ele voltou para escola, eu, com o meu jeito de ser, “senti sua falta”.
P/1 - Você conheceu ele lá na escola?
R - Conheci ele da escola, ele era da minha classe. “Mas ninguém sente minha falta.” “Claro que sente”. É o meu jeito de ser, “claro que sente”. Aí ele começou a conversar comigo, e aí ele se apegou comigo, porque era uma pessoa super carente, ele fez isso porque a namorada dele trocou ele por outro cara, coisa de adolescente. E mal amado também, porque tinha um lar desfeito, pai e mãe, então assim, você vai conhecer isso depois. Então era uma realidade que eu não tinha, eu vinha de uma vida protegida, com pais maravilhosos, com irmãos ótimos, não tinha nada disso. Então a gente vem de um mundo, de uma bolha, não estou criticando a nossa bolha, mas você olha aquilo lá, sabe? E eu era o ser diferente lá também, então paparicada nesse aspecto eu era, e eu e o Luís, a gente se dava muito bem, então estávamos sempre juntos. De repente você se sente uma pessoa que galga para a maturidade, não era, mas você se sente, então você acha que você volta pronta para fazer qualquer coisa, porque você passou por vários desafios sozinha, que é do idioma, da adaptação, mas é uma experiência legal, bem legal! Eu sempre acho que é bacana fazer um intercâmbio, não é fácil para todo mundo.
P/1 - Na sua família você tinha o hábito de viajar para fora do país?
R - Então, como eram muitos, e dinheiro não era tão forte assim, meus pais foram muito generosos, em vez deles viajarem, eles mandavam a gente. Então com 15 anos eu fiz aquela viagem para a Europa, que você faz um monte de países. Aí todo mundo fez intercâmbio, quem não fez intercâmbio fez alguma outra coisa, quem não quis fazer, não era obrigado a fazer intercâmbio, mas quase todos fizeram. Eu tive uma madrinha minha que me levou para Buenos Aires de navio, até que eu viajei. Meus pais viajavam com a gente às vezes aqui, no Brasil. Fomos conhecer Brasília, cidades históricas. Mas eu fui conhecer o Rio de Janeiro com 18 anos, então não era uma coisa assim, a gente viajava menos, ia para a praia, não era…
P/1 - Mas vocês iam para onde?
R - Nós íamos para Colina e os meus pais sempre alugavam casa na praia.
P/1 - Que praia você ia?
R - Então, começou com Itanhaém, depois foi para Jardim Virgínia, e depois Barra do Una. E algumas vezes depois, isso já bem mais adulta, já casados até, eles alugavam casa ali na Praia do Espelho, Praia Vermelha, aquelas coisas assim, era gostoso, a gente passava 10 dias na praia, era bastante, não era pouco. Em Barra do Una a gente foi muito, muito, porque era um amigo do papai que tinha casa e a gente usava a casa dele, era ótimo, uma delícia, ele alugava a casa dele.
P/1 - Que lembrança você tem de Barra do Una?
R - Muitas, Una era legal, porque a gente foi conhecer todas as praias, aquilo tudo vazio, vazio, não tinha nada, nada, e a casa do Sandoval era um delicia, esse amigo do papai é um querido, era muito legal essa casa, dava para o rio, era uma delícia. Do Jardim Virgínia, essas outras, eu lembro menos, mas o que eu lembro só, que eu acho, não sei se foi no Jardim Virgínia, acho que foi em Itanhaém, era andar com a minha avó nas pedras. E eu me lembrei muito esse dias agora, quando eu fui para a Chapada Diamantina, porque eu estava com algumas amigas que tinham mais receio de subir e descer aquelas pedras, eu falei: gente, eu me lembro, minha vó me levando com ela para andar nas pedras a beira mar. Que é uma delícia, né? Guarujá também tem, aquelas pedras que você sobe, sobe, desce, desce, eu lembro da minha vó muito isso, mesmo no Jardim Virgínia, que ela era boa de cozinhar, fazia siri, caranguejo, essas coisas eu lembro bem, mas até que Barra do Una, eu lembro do Cláudio, meu ex marido, a gente chegou ir para lá juntos, então já foi a gente mais velhos, era uma outra vida já, meu irmão já dirigia, era a gente maduro, as outras não, era a gente mais jovem mesmo.
P/1 - Você tinha esse desejo, essa expectativa de ir para a praia?
R - Não, mas eu gosto de praia, meu pai adorava praia, coitado, papai tinha poucas férias. Quando você olha, eles viajaram muito pouco, eles foram viajar mais velhos, muito pela América Latina, que o meu pai tinha problema cardíaco, então já não podia brincar muito. Mas eles viajaram muito menos que a gente, eu viajei muito, depois de casada.
P/1 - Tinha uma expectativa sua ou da sua família, quando eu crescer quero ser tal coisa, alguma carreira para seguir?
R - Acho que sim, minha mãe era bastante exigente, meu pai não, mas minha mãe era. No dia que eu falei que ia fazer faculdade de história, ela quase surtou, porque fazer história eu ia ser bicho grilo, hippie. Não que a gente não achasse legal, agora é fácil falar, eu não seria bicho grilo, hippie, mas eu achava que não ia ser, mas em todo caso a gente era contestador do que estava acontecendo, ponto, ninguém era a favor do que estava acontecendo, mas o que me tirou da faculdade de história foi a má qualificação dos professores, um pouco de eu pensar como é que eu iria viver daquilo, não conseguia enxergar no nosso país, não queria ser professora, pesquisadora. Mas isso não é um problema quando você gosta da coisa e está apaixonada. E eu entrei na GV, meio sem querer, então assim, minha mãe ficou muito aliviada.
P/1 - Você entrou no mesmo ano em história e na GV?
R - Então, o que aconteceu? Uma grande amiga minha, nós duas resolvemos prestar o vestibular para ver o nosso nível, pensa alguém babaca como a gente, nós éramos. E ela prestou psicologia na PUC e eu GV, ambos tinham um grau de dificuldade similar, e eu brincava, “Bia, você vai me largar sozinha na história. E aí a Bia entrou, entrou super bem, acho que 6º lugar, entrou super bem. Ela não fez nem a matricula, nunca cursou psicologia. E eu acabei entrando na GV, não achei que ia entrar, porque na verdade a minha base de matemática comparada com a dos outros não era tão boa, mas eu fui muito bem nas outras matérias, gabaritei inglês.
P/1 - Foi administração?
R - Foi administração.
P/1 - Mas porque você escolheu administração?
R - Porque a GV, ela dava… nada, o meu irmão fazia GV, eu falei: ah, vou fazer administração, eu não quero fazer psicologia, vou fazer isso aqui. Nós fizemos 2 exames diferentes, pra ver… eram faculdades que te dava o ranking, se você não passasse, você sabia onde você ficou, era só isso, a gente achava que não ia passar e pelo menos a gente sabia… porque a gente sabia que entrava história, era 2 para 1, pelo amor de Deus, se a gente não entrasse em história, bate, né? Então a gente sabia que ia entrar, mas aí é claro que a gente entrou na faculdade de história. E eu me lembro, acho que foi um amigo do meu irmão, não lembro, “vai sair o resultado da GV, vamos lá ver?”. “Ai meu Deus do céu”. Para a minha surpresa eu passei. E aí, eu lembro que tinha um grande amigo meu, Antônio Scuracchio, que eu falava, "Scuracchio, acho que eu não vou fazer matrícula”. Ele estudava no Dante, em outra turma, “como não vai fazer matrícula?". “Eu não vou fazer matrícula, sabe por que? O Rino tá querendo entrar na GV, ele não entrou, de repente ele está lá atrás, vai desistindo, desistindo, eu desisto da minha, ele entra no meu lugar”, “Você bebeu o que? Cheirou o que? O Rino não vai entrar, ele já está na PUC, ele está feliz da vida, e você vai entrar, porque você nem sabe o que você quer.” Falei: será? Aí lá fui eu fazer matrícula. E aí, para quem gosta de estudar, a GV era um bom prato, tinha um grupo muito legal na faculdade, nós somos amicíssimos até hoje. E aí depois de um tempo, eu ia mal já na faculdade de história, porque nunca sabia quando eram as matérias, as provas e tudo mais, ela era uma escola de leitura intensiva, então você tem que ler bastante e a GV também, então no final não dava tempo de fazer tudo aquilo. Mas de qualquer maneira, eu gostava de ir na USP, era bem agradável, agora, é um outro mundo também, o aprendizado é outro mundo, porque era um mundo que você tinha um desnível cultural muito grande, os colegas não eram preparados, tinha gente que estava fazendo aquilo, que nem sabia porque estava fazendo faculdade de história, mas como eu tenho vontade de aprender, a GV acabei fazendo muito por esse lado, uma faculdade que ler bastante a área de humanas. Então para quem gosta de humanas como eu, você tem bastante o que desenvolver. O mais louco foi eu parar no mercado financeiro, então assim, minha grande frustração foi na época de arrumar emprego.
P/1 - Mas na GV você foi se descobrindo no curso?
R - Fui!
P/1 - Você se via na carreira?
R - O que eu me via, não era na área financeira, nunca me vi, é isso que eu tô dizendo, nunca me vi, achava que ia para marketing, alguma coisa assim, mas tudo que eu prestei de trainee, eu não fui aprovada. E aí, se eu tivesse propensão a depressão, eu teria me jogado no rio Pinheiros, ficava do lado da minha casa. Porque assim, todos meus amigos entrando e eu nada, e aí eu acabei entrando num training program de um banco chamado Norchem, Noroeste Chemical, e era banco. Falei: meu Deus do céu, eu em banco? E acabei indo para banco e nunca mais sai de banco. Me dei super bem no training, fui a melhor trainee.
P/1 - O que você tinha que fazer?
R - O trainee era de um ano e meio, e eu terminei em 6 meses, então eu virei a garota gênio do trainee. Então era tudo de análise de crédito, para você avaliar a empresa e tal. Daí eu já não queria mais aquilo, porque eu sou ou… ou… ou... Eu comecei a ir para outras áreas dentro do banco, daí eu queria ser gerente de contas, de empresa. E no final eu tive uma experiência super interessante lá, uma data, época, entrou um gringo, um diretorzaço lá do banco, perguntando se tinha algum trainee que falasse inglês, eu era a única que falava inglês. E aí estava vindo auditoria do Chemical Bank, que era sócio de Londres, e que queria alguém para ajudar fazer auditoria, porque da outra vez tinha sido um caos, auditoria sem tradução. Então foi o máximo, porque eu conheci o banco inteirinho, áreas que eu nunca tinha visto falar. Eu não sabia nada, gente, você não conhece nada da vida, eu tinha feito estágio em agência de propaganda, não tinha nada a ver com isso. Eu dei aula de inglês a vida inteira, dava aula no Yázigi, então a minha experiência profissional não tinha nada a ver com banco. E aí foi super legal, fiquei um mês e meio com ele. E uma visibilidade grande com os gringos, então acabei sendo absorvida mais pelos gringos, do que pelo lado brasileiro. O cara que me selecionou para o trainee, foi para o Bank of Boston, ele me chamou para ir para o Bank of Boston.
P/1 - Aí você já estava formada?
R - Eu comecei como trainee formada. O trainee program é para formados. E aí eu fui para o Boston, e aí no Boston eu tive uma carreira interessante, porque esse cara, apesar da origem espanhola, era um cara muito equânime. E aí surgiu uma oportunidade de um training para trabalhar no Brazilian Desk, lá em Boston, e pediram um pessoa, “a melhor pessoa é a Chica”. O chefe dele falou: não, mas mulher, casada.
P/1 - Você já estava casada?
R - Aí… “Mas ela é a melhor”. Esse cara me deu muita dor de cabeça. Eu fui, fiquei 6 meses em Boston, meu marido ficou aqui. Na verdade, o Cláudio foi super parceiro, e assim, se fosse com ele, ele também iria e eu ia ficar, não é? Então…
P/1 - E ele deu trabalho por que, esse cara?
R - Porque ele queria que fosse homem, e aí ele acabou conseguindo colocar mais um cara, o cara foi péssimo lá, e ele falava assim para mim: “olha, se você ficar com saudade do maridão, não quero saber”. “Bom, você não vai saber mesmo, o último ombro que eu vou chorar é o seu, não tem menor dúvida, imagina.” Então é isso que eu falo, você vê que eu não sou… E aí foi uma experiência incrível, amei morar em Boston, e por mais loucura que era, a prima irmã do Cláudio, meu ex marido, tava fazendo doutorado no MIT. Então ela com o marido dela, então marido dela, companheiro dela. Foi uma experiência incrível, que ele fazia Brandeis University, a universidade judaica, e ela MIT, conheci um bando de gente interessante, de universidade, que fazia Urban Planning. E aí veio trabalhar no Brasil, uma sueca, que hoje é uma das minhas melhores amigas, mora em Londres, então assim, foi uma vida incrível, não queria voltar nunca, nunca.
P/1 - O que você fazia lá?
R - Então, eu trabalhava levando todos os créditos do Brasil para ser defendidos no comitê internacional de crédito. Então você fala assim, vou dar um crédito de 500 milhões para a Unilever do Brasil, como é que é esse crédito? Só que para você padronizar essa proposta num pedacinho pequeno de folha, todos os prós e contras colocar em inglês numa folha só, e detalhe, que foi mais louco, onde você datilografa? “Você usa WordStar”. A Paula Alves que era uma uma portuguesa que era do Brazilian Desk, “você nunca viu WordStar?”. “Não amiga, nós trabalhamos no mesmo banco, mas em continentes diferentes, não existe computador no Brasil, a gente já ouviu falar que existe, mas lá não temos.”
P/2 - Isso era mais ou menos que época, Chica?
R - 1982. E aí, conclusão, a gente tem que aprender. Então assim, tem coisas muito loucas, “WordStar, caramba, o que é isso?” Mas ao mesmo tempo a gente tinha um treinamento, nós, em várias coisas. Os americanos são incríveis, os americanos investem muito nas pessoas. Eu tive algumas pessoas muito bacanas na minha vida, uma delas foi o Donald Mac Derby, que era de uma área de crédito que eu não me reportava a ele, e o Donald brigou para eu fazer um curso de inglês, que era dado somente para americanos. E o professor, que era um professor de Harvard falou: mas ela não é nativa, então não pode entrar. Ele falou: mas ela fala bem inglês, pode fazer. Eu quero que ela faça! Foram dois homens que brigaram muito por mim: meu chefe e esse cara que não era meu chefe. E o curso foi maravilhoso, amei fazer o curso. E foi muito legal para ele também, tanto é que depois ele veio dar cursos no Brasil, a partir dessa experiência, porque ele via… ele falava: você não faz os erros de inglês, você faz outros erros, às vezes você pensa em português, então. Mas aprendi muita coisa de escrever bem inglês com ele, foi muito legal. Então acho que assim, essas viagens trazem sempre, pra mim, acho que viagem traz tanta coisa.
P/1 - E como é que ficou com o marido?
R - Ficou bem, porque a gente escrevia carta, falava pouco no telefone, ainda não era tão bom, mas falava. E a gente tinha vários amigos em comum, a Laura, uma das minhas amigas queridas, irmã de coração, ela falava: nosso marido hoje… E assim, ele trabalhava, tinha uma vida aqui, tinha vários amigos, passou rápido, não tinha filhos, né! Então, acho que passou bem. A gente se escrevia bastante, foi super legal! E acho que o Cláudio sabia que eu precisava dessa experiência, se eu não tivesse ela, não seria bom. E pra mim foi um training importante mesmo, profissionalmente falando, na época fazia diferença, tudo isso fez muita diferença. Para o Bank Boston não fez diferença nenhuma, porque o meu chefe saiu, e aí a vida não ficou boa, tanto que subsequentemente eu pedi as contas e fui trabalhar em outro banco americano, eu trabalhei para vários bancos americanos e tenho só boas lembranças de bancos americanos.
P/1 - Onde você conheceu o Cláudio, em que momento?
R - Na GV.
P/1 - Como foi, você lembra do dia?
R - Dia não, mas eu lembro bem. Porque assim, eu tive um namorado na GV, que era da tarde, eu tinha 2 primos que estudavam na turma da tarde, na GV. “Hoje eu vou jogar tênis, com o Américo, com o Walter e com o Claudinho".“Eu não conheço o Claudinho”. “Um cara que era da noite e tal…” E aí, no último ano de faculdade, o tal do Claudinho veio fazer matéria na minha classe, e o Mauro, que era meu amigo e que jogava tênis com eles sempre “o Claudinho veio fazer matéria com a gente Chiquinha”. Ele me chamava de Chiquinha, “é mesmo?”. E o Mauro era festeiro que nem eu, a casa dos pais dele era uma delícia, tinha sempre festa. E aí ele fez uma noite lá, uma coisa lá, eu estava namorando um cara, que tinha separado e eu cheguei lá e comecei a conversar com o Claudio, ai começamos. Eu não lembro a data exatamente, mas foi no meu último ano de faculdade, a gente começou a namorar em julho de 77 e casamos em setembro de 79, foi bem rápido, porque a gente se formou e logo em seguida… a gente se casou rápido até. A gente namorou o último semestre, eu já estava quase livre de matéria, fiz um monte para fazer com ele, porque o Cláudio é o meu oposto, o Cláudio é um Ás em matemática, ele é muito bom, em tudo que é de números, e ele tinha um monte de matérias das logias, e eu brinco que ele falava assim: “como você consegue escrever tanto papel almaço?”. Que era papel almaço, e eu falava: imagina, essa matéria é uma delícia. Eu fazendo a prova para ver se ele se inspirava em fazer também. Fiz bastante matérias para estudar com ele, foi uma época muito legal, foi legal, final de faculdade e tal. Tinha todos os amigos em comum. Não foi uma separação gostosa, porque a gente tinha uma vida universitária, grandes amigos, ele é um cara legal, um cara do bem, o Cláudio.
P/1 - Quanto tempo vocês foram casados?
R - Eu me separei em 95.
P/1 - Você casou em 79.
R - 17 anos, né?
P/1 - Aí quando você saiu do banco, ele foi trabalhar em que área?
R - Quem? O Cláudio?
P/1 - É, o Cláudio.
R - Então, o Cláudio sempre trabalhou com o pai, eles tinham uma fábrica de autopeças, tem até hoje, uma delas foi vendida, alguns anos atrás, mas ele sempre trabalhou… É uma coisa muito louca isso, porque eu me lembro que quando a gente se formou ele foi em férias e eu fiquei aqui, porque eu estava procurando emprego, então assim, são experiências diferentes, né? Essa coisa de você fazer entrevista, entrevista, receber não, receber não, sua filha sabe o que é isso, as minhas também, não é fácil, levantar, ir para a frente… Eu dinâmica de grupo, gente, vocês nunca façam comigo, eu não vou bem em nenhuma, sou tímida, não sei o que eu tenho, não vou, não passei em nenhuma. Então assim, depois eu nunca parei de trocar de emprego, mas alguma coisa eu tenho de problema na dinâmica, ou a dinâmica tem problema comigo. Mas é isso, eu acho que são processos que vão calejando a nossa vida, mas teve umas que foram muito diferentes na minha vida. Por outro lado, ele teve uma vida estressante, porque ele pegou… Brasil foi muito difícil para a gente, vocês são jovens… Ele pegou duas concordatas, eu não tive tempo bom financeiramente, na época do Cláudio, depois ficou bem, mas eu peguei o osso. Então não foi uma época fácil para a gente, aliás, eu acho que o Brasil não é fácil para o empresário, para empreendedor, tudo muda, mas aquilo, gente, vocês não fazem ideia, o controle de preço, era um horror, você passava metade do tempo em Brasília, nós também.
P/1 - O que era o controle de preço?
R - Controle de preço? Você para aumentar preço tinha que pedir autorização. Para você ter ideia, quando eu trabalhei em 80 num banco, já existia o início da Embratel, de como você faz, comunicação de dados, que você tinha via satélite. E o meu chefe na época: “Chica, tenta descobrir isso que a gente vai precisar disso.” Porque a gente precisava disso, o Continental Illinois era apenas uma representação, então todas nossas aprovações de crédito iam direto para Madrid, já tinha nos Estados Unidos, um início de uma comunicação virtual, em 80. Ele falou: o Banking of America tem. Fui falar com um, com outro e tal, de repente eu me deparo com um sujeito… eu tinha um secretária ótima, descobri um cara, Citi, Citi era bárbaro, chamado Amilcare Dallevo Júnior, e o Amilcare era um craque em toda a parte de comunicação do Citibank. O Amilcare: “venha cá Chica, vou te dar o caminho. O caminho é esse, esse…”. “Eu não entendo nada de tecnologia”, “mas o caminho é esse, esse, esse, depois você tem que ir para a SEI, Secretaria Especial de Informática, você vai fazer um tipo que não sabe de nada, você jamais vai falar de transferência de dados, jamais vai falar disso”. Ele me deu uma cartilha, eu tinha a memória melhor que agora, então eu lembrava de tudo, e lá fui eu, marquei hora na SEI e consegui aprovação para fazer tudo que eu tinha… Eu consegui primeiro que todos os bancos, graças ao Amilcare, que me deu o caminho muito bem mastigado, de uma linha dedicada direta, então a gente falava muito rápido com a matriz. Esse Amilcare Dallevo, se tornou dono da Manchete, então ele era um cara, não posso nem falar mal dele, ele foi um anjo da guarda pra mim. Então assim, tudo você prestava conta para as entidades governamentais e era controlado, eles vinham ver o que você fazia. O coitado do Cláudio, tinha que ir para o Rio de Janeiro, que acho que era no Rio o negócio de controle de preços, nossa senhora, tinha que ir planilha, tudo que você tinha, porque vai aumentar. Aumentava o ferro, isso, aquilo outro, a gente reportava tudo aquilo, e quanto eles autorizaram aumentar, você não podia aumentar o preço, aí você ficava 3 anos de prejuízo, para conseguir… uma defasagem, tudo controle de inflação, essas coisas, uma barbaridade, SIP. Fora os códigos para você fazer análise de balanço, que era NTN, ORTN, eram bobagens que a gente aprendeu, que não serve para nada, a inflação corrosiva trouxe muitas perdas para nós, muitas, desse aspecto, nada acrescentou.
P/1 - Para nós brasileiros e para a sua vida pessoal?
R - Na vida de todos, Rosana. Porque já faz diferença para vocês esses anos, entre eu e você. Eu me lembro, eu sempre fiz supermercado a base de cartão de crédito, eu tinha um colega de banco, “você é louca de fazer”.“Não sou louca!”. Se você pegar, dolariza isso aqui, você vai ver que eu gasto a mesma coisa todo mês, é muito difícil, os caras não conseguiam acertar a inflação. Gente, era uma barbaridade de inflação. Então assim, nosso poder de compra, eu nem tanto, porque no final, tinha uma época, eu já conseguia receber quinzenalmente, para você ter ideia, não é que você ia receber quinzenalmente, porque era bacana, porque dinheiro ia embora. Foi muito triste, um período muito triste.
P/1 - Você já tinha filho?
R - Eu fui ter filho quando estava no Continental Illinois. Aí fiquei lá, tive os dois filhos nesse banco.
P/1 - Que ano?
R - Foi em 84 e 86, eu entrei em 82, 83, eu tive logo em seguida que eu entrei.
P/1 - Como é que você saiu do Boston?
R - Foi muito louco, tem uma amigona minha, no Boston: “Chica, saiu um anúncio no jornal desse banco aqui, e eu conheço super bem, eles são super meus amigos, quer que eu mande seu currículo?”. “Eu quero!”
P/1 - Porque daí já estava aquele clima lá.
R - Eu não vou ficar aqui. “Eu quero!”. Ela mandou o meu currículo, e foi o máximo.
P/1 - Lá você foi fazer a mesma coisa?
R - Lá eu digo que foi o maior upgrade da minha vida, porque a representação, a gente tinha, naquela época o Brasil quebrou, e gente tinha toda a renegociação da dívida externa, e o Continental, era o primeiro maior banco de Chicago e o sétimo maior credor do Brasil. Então a gente tinha um estoque de dívida aqui no Brasil, e essa renegociação, não entra aqui nas peculiaridades, levou a uma série de coisas. Então eu fui para trabalhar primeiro com bancos, então o meu relacionamento era com bancos, depois eu também trabalhei com empresas, como era um escritório de representação, éramos poucos, então tinha um canadense que eu sou super amiga dele até hoje, o Rubens que é muito amigão meu e o representante Senior, tinha o administrativo, tinha mais a Maria Luiza, também trabalhava com isso, com a área de crédito. E aí eu não era crédito, era muito mais comercial, defendendo os créditos também, mas foi upgrade, porque a gente só fazia grandes empréstimos. Então foi quando eu conheci, só de diretor geral a presidente, porque a gente tratava direto com a diretoria executiva das empresas, que é quem tomava as decisões maiores. Então foi muito legal, porque eu tive um network jovem, fora que os valores eram imensos, então a gente fez muitas operações muito legais, e era bem legal, era uma época assim, incrível. E ao mesmo tempo, quando eu tive as crianças, logo depois eu voltei a trabalhar, e eu me lembro assim, a gente tinha coisa que eu fechava, operação do Banco Real, por exemplo aqui, e tinha que fechar com Chicago, aí eu tinha que pegar criança na escola, eu falava assim: você espera um pouquinho só que eu vou, volto e acabo de fechar. Ela dava tempo, isso era impressionante, ficava que nem louca, quando eu conseguia dar comida para as crianças era ótimo, quando não conseguia eu voltava correndo para fechar a operação. Então assim, era um estresse maluco, mas tudo funcionava, e foi uma época muito legal, muito legal. Aí chegou numa época, que também, que eu vivi muitos revés, o banco lá fora quebrou, o Continental, e foi a única casa na época, que o governo americano salvou. Mas com isso, o Brasil não foi diretamente afetado, mas muita coisa de lá foi afetada. E aí eu resolvi pensar que eu queria uma vida um pouco mais tranquila, por conta das meninas, tal. E um amigo meu me chamou para trabalhar com ele, numa empresa de Venture Capital, não existia aqui, ele tinha voltado de um mestrado no Stendhal, na época tinha acabado de estourar lá, com o processo de Paint Care. Para traduzir o que é uma Venture Capital, você coloca os recursos numa empresa que já existe, mas que é pequena ainda, que teoricamente ela tem tudo para crescer e depois do primeiro grande crescimento, você venderia ela para um outro fundo e assim vai. Hoje existe, nós somos precursores disso tudo. E era tudo na área de tecnologia, foi super legal, só que veio o Collor. Nossos projetos meio que morreram. E aí um amigo meu me chamou para trabalhar com ele num grupo.
P/1 - E na época do Collor, a empresa do Cláudio?
R - Eu até ajudei o Cláudio bastante, porque o Cláudio tinha um grande aliado, a Fiat. A Fiat não parou, então o Cláudio produziu em reais, ou a moeda que seja, no dia seguinte, que era um poder muito forte. Aí eu fui para uma outra organização, com um amigo meu, que se montou uma modalidade de algo que eu já tinha feito no passado, que era a troca desses estoques que estavam ali, quem tinha dinheiro, você conseguia trocar por dívida, então tinha toda uma maneira de fazer isso, a gente fez pro Cláudio naquela época, porque pra ele que tinha dívida, uma ajudada na vida dele. O Cláudio ficou numa situação menos ruim, por conta disso, ele não ficou tão traumático por conta disso, mas muita gente ficou mal, muita gente, foi um horror! E nós mesmo, a gente praticamente parou, o Vita ficou um tempo, depois ele foi para Brasilpar, fechamos a nossa empresa, prejuízo, somos amicíssimos até hoje, desfaz uma grande sociedade assim, onde eu perco dinheiro e adoro ele. (...) não era um banco, era uma entidade de um espanhol, marroquino com suiço, que também foi divertida e de lá fui para o Banco Real. Foi aí que eu comecei o meu processo de separação, depois disso, quando eu entrei no Banco Real. Eu tinha saído dessa empresa para pensar a vida, aí meu casamento entrou em crise.
P/1 - Por que você acha que entrou em crise, trabalho, família?
R - Eu acho que foi uma somatória de coisas, nunca é uma coisa só, no momento que eu estava lá… Na verdade o Cláudio se envolveu com uma pessoa, fazendo uma autocrítica desse ser assim, a galinha do vizinho bota ovo amarelinho. E na verdade bota mesmo, porque se você está cansada, ou isso, ou aquilo, acho que tem várias coisas que levam ao desgaste da relação.
P/1 - Como é que era vocês no cotidiano com as meninas, vamos para o seu lado pessoal um pouco, familiar? Como que foi, o que mudou na sua vida com o nascimento da sua primeira filha?
R - Muito, por isso que eu estou falando, muitas mudanças que eu fiz, profissionais, quando eu fui para essa empresa de Venture Capital, e quando eu quis sair da Socimer, quis sair do banco, porque assim, era bastante estressante, eu viajava muito, minha filha caçula sempre teve problema de pulmão, então eu falei: gente, eu não quero ficar tão longe assim, quero ter uma vida um pouco mais serena, mas quero continuar trabalhando. Porque eu queria estar presente com ela, então eu ficava que nem louca, elas nem lembram disso, minha mãe levava elas para festinha, eu ia encontrar com elas na festinha, tudo aquele sufoco. Faz a festinha delas, organiza tudo, sei lá que horas da madrugada você faz, pega aqui, pega ali, faz, a gente faz acontecer. Vai crescendo, eu queria estar presente na escola, então de vez em quando eu ver uma no balé, a outra para fazer aula disso, daquilo. Então você fica se revezando, e o que aconteceu foi que alguns anos atrás, há 20 e poucos anos atrás o pediatra das meninas teve uma leucemia, e aquilo mexeu comigo, eu falei: nossa senhora, se ele está assim, de repente acontece alguma coisa, eu estou levando essa vida maluca. Trabalhava com privatização, não dormia. Mas aí eu chegava em casa, levava as meninas na escola, emendando, “onde eu vou parar?”. Então eu achava que não valia a pena, foi quando eu falei para o Cláudio que eu queria parar, pensar e montar alguma coisa e tal, o que ele aqueceu, mas fui curiosamente, quando eu estava mais frágil, porque o não trabalhar me deixa mais frágil, porque você fica dependente, nunca fiquei dependente financeiramente de ninguém. E isso porque o meu chefe, nesse banco, falou: Francisca, você nunca ficou sem trabalhar na vida, pega 2 projetos aqui e fica com eles. E foi em parte bom, porque eu não fiquei totalmente parada, fiquei bem mais parada, vendo outras coisas. Mas a sabedoria da gente é boa, que dizer, eu era presente sempre com as crianças, nunca deixei de ser presente, mas o grau de estresse, muitas vezes você desconta na criança, ou em alguma outra coisa, eu descontava no cigarro, eu fumava, tem muitas coisas que você vai descontando. Hoje é fácil de você falar, mas assim, não é fácil de você equilibrar tudo com serenidade, pressão de um lado, de outro. Eu acho que a separação me desequilibrou bastante também, aí sim, realmente eu tinha que trabalhar, foi uma época que eu não gostava de onde eu trabalhava, que eu estava no Banco Real. Nossa, foi difícil. Então assim, aquele apoio que você tinha, a Bel com muita asma. Eu agradeço muito ao meu pai e minha mãe, eles tiveram muito do meu lado, muito, muito, me ajudaram muito com as crianças, foram muito legais, mas a gente sobrevive, né?
P/1 - Com quantos anos estavam as meninas?
R - 9 e 10
P/1 - E para elas, como é que foi a separação?
R - Eu acho que a Cláudia tirou mais fácil. A Isabel não, a Isabel é mais sensitiva, o próprio psiquiatra tinha dito, ela tem uma maturidade que não corresponde com o corpo dela, mas ela tinha, não sei, ele entendeu de uma forma equivocada. A Cláudia eu acho que tem uma visão mais pragmática da vida, nunca tem nada que é certo e errado, cada um tem uma visão diferente, eu acho que eu pareço mais com a Bel nesse aspecto, a gente se introverte, eu me sinto culpada de um monte de coisas, como você, eu acho que eu fiz isso errado, isso errado, entende? Então assim, as minha amigas tem uma avaliação, por exemplo, você se matava por essas meninas, elas lembram, quem trabalhava comigo. Então assim, eu lembro situações da Cláudia, que ela tinha problema de uma cisto aqui, eu lembro do Vitor que foi pegar um ursinho para ela. “Leva para a Cláudia. Vai doer isso aí”. E doeu mesmo, tadinha, lembro dela chorando, com aquela carinha, eu saindo correndo do banco para ir até o hospital com o meu pai, sabe essas coisas assim, você nem lembra de tudo que você conseguia fazer em tão poucas horas do dia. A Bel fazendo um tratamento novo, por causa da asma, eu trabalhava na ABN Amro, na Verbo Divino, e a minha empregada falava: “Dona Francisca, Isabel está muito fraca, com muita febre.” No celular já, “ela desmaiou!”. Chegava em casa que nem louca. Então são coisas que você vivenciou… a memória é fugaz, a gente lembra dessas coisas, mas ninguém mais lembra. Então assim, a memória vai embora, só a gente lembra, a gente não, a minha empregada Madalena lembra de tudo, melhor que eu, e muito mais. Algumas amigas também lembram muita coisa, mais do que eu, a gente vai passando que nem um trator em cima, por isso que eu falei, acho que escrever um livro de memórias é legal, fazer memórias é bom, porque a memória prega peças, a gente não vai lembrando. Esses dias uma prima minha perguntou, “como que era o médico da sua mãe?” Agora me veio, Lamartini, que era o médico dela. Então assim de vez em quando você volta, que ela falava… A gente não escreve, a gente devia fazer um diário, mas não faz, algumas pessoas fazem. A vida se torna divertida quando você olha no retrovisor, no durante vai sofrendo, depois ela fica leve, aquilo tudo parece irrelevante e que nem quando você faz uma cirurgia que doí muito o pós cirúrgico, quando você se recupera e está tudo bem, você lembra que doeu, mas você não tem mais aquela memória de quando doeu. Numa separação, você tinha raiva, tinha tudo, passado alguns anos, você já não tem mais, tudo amortece, claro que tem decepções que vão ficar para sempre, mas aquela coisa você vai amadurecendo também, vai tendo um outro olhar. E o parto, a dor do parto, pra quem tem a dor, você não teria outro filho, mas você esquece, então da mesma maneira é a vida, a gente tem momentos tristes na vida, vai dizer que tudo é bom? Mas eu adoro a vida.
P/1 - E aí você separou e como é que foi com o Cláudio, foi numa boa, ele ajudava com as meninas?
R - Então, no começo, assim, as meninas não lembram disso, é gozado, uma dia a Izabel comentou isso comigo, elas não lembram. O Cláudio era bem mais ausente, porque ele estava num relacionamento, então eu me lembro bem de uma olimpíada no Lourenço Castanho, que ele foi, e de repente ele não estava mais, e a Izabel saiu, “cadê o meu pai?”. E eu lembro que eu menti, falei assim: ele teve que viajar, né Bel? Teve que trabalhar, alguma coisa. E ela ficou muito triste. Então assim, mãe sempre fica ali, a mãe não faz essas coisas, eu não estou nem criticando, na época eu fiquei p da vida, falei: ele não podia ter esperado por ela. Então assim, por exemplo, a Bel teve muita asma em decorrência, então eu ia de madrugada para o hospital, e o meu pai ia me encontrava em geral lá, e aí no dia seguinte eu contava para o Cláudio o que tinha acontecido, "porque você não me chamou?”.“Eu não vou te chamar 6 da manhã, já fui”. E eu me lembro assim, que logo no início, primeiro réveillon, ele falou: você fica com as crianças natal e réveillon. O início foi mais assim, e elas ficavam bastante… mas eu não reclamava não, porque eu gostava de ficar com elas, eu tenho um grave defeito, eu sou uma pessoa possessiva, eu gosto de tê-las comigo, mas a minha sogra fazia uma coisa legal, que ela fazia toda terça ou quarta-feira um jantar na casa dela, aí as crianças iam com um primo, ele ia, no início elas nunca dormiram no final de semana na casa dele, mas aí ele pegava. A gente tinha um sítio, que eu tinha comprado lá atrás, ele até queria que eu ficasse com o sítio, e eu sou certinha, falei: não, a gente comprou pós casamento, então meio a meio. Então ficamos meio a meio, eu ia um final de semana, ele ia no outro. Então quando ele estava com elas, ele ia, e eu ia, não todos, mas eu ia. E depois foi ficando muito pesado os gastos pra mim, ele comprou de mim, tem ele até hoje. Mas na verdade assim, ele ia para lá, a gente dividia as férias, e tranquilo. No início ele foi muito xarope com alguns gastos, que ele pedia recibo, eu ficava indignada, eu sou aquele tipo que se ofende, porque eu sempre trabalhei nunca pedi dinheiro para ele, como que ele vai pedir recibo para mim de um gasto que eu estou fazendo para a filha dele, ficava muito magoada, aquilo me tirava do prumo. E era uma bobagem, um recibo, não se esquenta com isso, mas eu sou turrona com essas coisas, igual a professora lá, quer um livro? Eu vou arrumar um livro para você. Então eu não gostava dessas coisas, não era assim, porque está assim? Vai evoluindo, hoje ele é super presente, também vai envelhecendo, vai sentindo mais, ele é presente, do jeito dele ele é presente, também como do meu jeito eu sou presente, é melhor que seja. Agora, eu sempre me dei muito bem com a família dele, nunca me separei da família dele, adoro a família dele, adoro meu sogro, minha sogra, meu sogro faleceu, minha sogra ainda é viva, o resto da família dele não mora no Brasil, os tios e as primas, também me dou bem com todos. Hoje vejo menos, porque ele está casado, então, muda um pouco, mas assim, a gente se dá muito bem. Eu nunca achei que tinha que parar de ver, um monte de gente me criticou a vida inteira, por eu ter essa relação com sogro e sogra, mas eu acho que eles são os avós das minhas filhas, então não tinha nada a ver.
P/1 - E aí você estava com esses 2 projetos…
R - Então, aí quando eu vi aquele casamento daquele jeito, eu chamei um amigo meu, com quem eu trabalhava… Porque o Fábio me chamou, “você não vai voltar mesmo?”. “Não, Fábio!” Quando eu falei não, parece que o Cláudio estava adivinhando e aquilo foi por água abaixo, meu casamento. Aí liguei para esse mesmo Fábio, falei: Fábio tá acontecendo isso, isso, isso. “Não to acreditando, então faz o seguinte: vem, fica aqui no escritório que a gente vai arrumar emprego para você”. E aí eu de vez em quando lá, aí umas super amiga minha, estava montando um negócio no Banco Fibra, ela me chamou para ir lá. Aí comecei a trabalhar com ela, detestava, fiquei 15 dias, 15 dias, meu santo é grande. Aí o presidente do Banco Real, que fora meu cliente muitos anos, me chamou para um projeto. Foi quando eu comecei a trabalhar com private, nunca tinha trabalhado, sempre trabalhei com pessoa jurídica. Me convidou, se eu não queria trabalhar no Banco Real, que eles estavam montando o private Bank. “Nunca trabalhei com pessoa física, nem sei o que é isso”. “Não interessa, você é briguenta, desafiadora, você gosta disso, eu preciso de alguém aqui Chica, porque a gente vai enfrentar barreiras”. Como enfrentamos! E pra mim, eu olhava para o mercado muito inseguro, e eu precisava de algum lugar seguro, porque o meu casamento estava ruim, eu precisava de um porto seguro. E lá onde eu estava, o seu Mendel, tinha acabado de morrer, o dono do grupo Fibra, e os irmãos brigando. Eu falei: gente, isso é um banco pequeno, não sei como vai ficar… Foi a época que o Lula estava disputando com o FHC, o Lula estava com 47% de indicação, não sei se era o FHC, quem era, de intenção de votos, inflação horrorosa. Não, não vou ficar nesse barco instável, e aí eu aceito o Banco Real, e foi muito louco, que eu falei para o cara… Tem uma amiga minha que me convidou para passar o aniversário com ela em Nova York, então eu preferia começar depois, pra não entrar e sair. “Não, depois você desiste, conheço. Você vai começar antes e sai para uma semana em Nova York”. Foi ótimo, porque eu saí ganhando. Eu tenho uma gratidão pelo Banco Real, por tudo que eu fiz na vida eu tenho uma gratidão, por todos lugares que eu passei, mas para o Banco Real por essa minha atual profissão, porque foi lá que eu herdei grande parte da minha clientela. Era um banco que não era fácil mesmo, a gente era injuriado, quase em todos os lugares, os caras duvidavam que podia montar aquilo lá. Fiz uma grande amizade com uma das filhas do Dr. Aluízio, adoro ela, tenho um carinho muito grande, aprendi muito no Banco Real, o lado da simplicidade, gostei muito, gostei muito. E aí eu já queria voltar para o mercado internacional.
P/1 - Mas já no Private?
R - O Banco Real, a internacional era no Delta, lá em Nova York, e eu gosto do jeito, principalmente dos americanos, do trabalho, eu gosto do pragmatismo deles. E aí eu comecei uma conversa com o Banco ABN Amro. No dia que eu fui fechar com ABM Amro, eles sustaram a minha contratação, eu fui a única funcionário do Banco Real que soube da venda antes da hora, porque o cara do private do Banco ABN, ligou em casa: “aguarda, mas nós estamos comprando seu banco”. Aí demorou uns dias para ser anunciado e a minha área não foi comprada, então eu fiquei. Daí eu falei: gente, eu não vou ficar aqui, no que sobrou daqui. E aí comecei a mexer os pauzinhos pra cá, pra lá, estava vendo com o Morgan Stanley uma outra oportunidade. E aí o presidente do ABN, falou com o presidente do Real, para me liberar do acordo, porque tinha um acordo de cavalheiros, onde o ABN não podia pegar ninguém do Banco Real de investimento, é o que não foi vendido, e aí ele pediu que me liberasse, que ele estava precisando de alguém local. E como eu tinha sido entrevistada, o Mário foi pedir para o Fábio, e o Fábio já tinha me entrevistado e a gente tinha se dado super bem. E aí ele pediu, e o Paulo é super meu amigo, o Paulo que me liberou. "Claro, com essa cara de tristeza que você estava aqui, não queria mais nenhum dia”. Por isso que eu falo, eu tenho gratidão pelas pessoas que passaram como chefes para mim, Fernando Moura, tem várias pessoas. Nossa, o meu primeiro chefe do Banco Noroeste, o Antônio Galhardo, que depois foi para o Boston, tenho um carinho monstruoso por ele, enfim. Manoel Ribeiro, do Continental, são pessoas que foram para mim avant-garde na época, porque nunca colocaram obstáculos. Ao contrário, tiveram um olhar humano. Então acho que foi sempre muito bacana isso. E aí eu fui para ABN, e o Fábio, uma pessoa incrível, como o Paulo Guilherme, também uma pessoa incrível. E aí fiquei 3 anos no ABN, mas uma vez o banco CCE estava sendo vendido para o HSBC. E a gente tinha feito quando eu tinha trabalhado com o Fábio, aquela sociedade lá atrás, a gente tinha feito várias operações para o antigo CCF. E aí o pessoal me chamou, que eles estavam saindo do HSBC, iam receber dinheiro, queriam repassar as contas deles pra mim. E um desses que estava lá, ele começou a conversar comigo, negociar, negociar, depois, “sabe o que, eu quero que você vá trabalhar comigo. Nossa Senhora! Mas foi uma época boa, porque o ABN não estava numa fase legal para private e a turma do CCF tinha uma tradição boa nessa área de private. E aí era para montar do zero, mais uma vez, porque o ABN quase foi. No Real eu era diretora regional, tinha uma região que a gente era responsável, depois eu abri Curitiba, o private lá, quando eu fui para a ABN, manteve mais ou menos a mesma equipe. Quando eu fui para o BMP, era para montar todo uma área comercial do zero, eu mais uma outra amiga, a gente ia dividir e montar toda uma equipe e tal, tinha um projeto bem ambicioso, eu entrei no dia 1º de setembro, dia 11 de setembro as torres gêmeas caíram, consecutivamente houve um hiring freeze, ou seja, congelar toda e qualquer contratação. Então o nosso projeto foi um horror. Enfim, de Team Leader, nada disso, a gente teve que arregaçar a manga e fazer acontecer daquele jeito, e era um projeto zero, a gente não tinha nada. E o mais divertido era falar para os clientes que eu tinha para vir trabalhar comigo, “gente, era uma sopa de letrinhas, você tava ABN, agora é BMP, joga o B pro lado.” Eram clientes meus que vieram do Real, Real, ABN, BMP. E aí eu fiquei muitos anos, quase 10 anos na ABN. E foram épocas boas, mas assim, a gente teve um presidente muito legal, que foi o antigo presidente do CCF, que era um cara que valoriza muito o private, era um cara que sabia fazer cliente e tudo mais, aí com as mudanças que houve aqui… E aí assim, eu já estava com 55 anos, e um cliente meu, que era na época diretor presidente de outro banco, perguntou se eu não queria ir para lá para reestruturar a área, eu achei que era um desafio legal. E foi quando eu fui para o Banco Fator, um banco pequeno, com uma corretora grande. E aí, na realidade não era nem pra eu levar clientes, eu acabei levando, mas o Fator teve uma época muito boa, eu consegui fazer um equipe legal, mas aí ele foi perdendo espaço em outras áreas, perdi a equipe para a XP, queriam até que eu fosse, mas eu não estava mais querendo. Enfim, e aí, o que aconteceu, pra mim foi um período que eu já estava querendo parar, aí eu não consegui mais me desligar 100%, porque eu achava que era muito deselegante com os clientes que tanto confiaram a vida inteira em mim, mais de 20 e poucos anos nessa área, eu estou com 43 anos de mercado.
P/1 - Nessas mudanças você foi levando cliente, eles vão com você?
R - Vão. Por isso que você acaba tendo um valor agregado. E na verdade, por exemplo, na segunda eu tenho uma almoço com um cliente, que foi meu cliente no ABN, não veio para o Fator, mas ele está insatisfeito com a ABNP, ABN não, ABNP. Então quando ele soube que eu estou indo para o BTG, ele já está… Então, tem um lado aí que é de relacionamento antigo, que você dá beijo, você vira amigo.
P/1 - Mas aí esse pessoal foi para a XP e você teve esse convite para ir para a XP?
R - Eu tive, 2 vezes, com eles e depois, mas… Uma que eu não curto a XP, segundo porque eu não queria… Acho que você tem uma questão que é assim, eu sabia que se eu saísse ia acabar aquela área, e eu não achava aquilo eticamente correto para com o dono do banco. E acho que assim, eu montei aquilo, eu estaria destruindo uma coisa que eu ajudei a montar, a falência disso tudo não tem nada a ver comigo, tem a ver com eles mesmo, que tomaram caminhos, opções que você toma na vida que não necessariamente são as corretas. E aí o ano passado o BTG queria que eu fosse lá, levar minha equipe, eu falei que não ia fazer isso, mas eu achava que era época boa de… a gente criou… uma série de equívocos foram tomados durante a minha permanência lá, não na minha área exatamente, mas em outras áreas também, que levaram a uma situação, assim, a questão toda de investimento e tecnologia, gastou-se em outra área que não reverteu, então a gente gastou, a gente não fez a parceria adequada. Enfim, cada dono tem os seus méritos e… Dr. Aluísio vendo o Banco Real numa época adequada, ele ficou com um banco menor e está aí, fez o grande Banco de Varejo, já virou Santander. Então ele também precisaria fazer um grande investimento na época, a gente sabia disso, em tecnologia. Hoje, quando você abre uma conta no XP e no BTG, você não faz nada, em 15 minutos você abriu a conta, é tudo inteligência artificial. Então assim, hoje você tem um lado muito rico em tecnologia, mas custa, isso não é de graça, e precisa, não tem jeito, não é só para abrir a conta, os relatórios, toda a parte operacional fica muito prejudicada. Aí ano passado eu conversei com o pessoal, eu acho que o banco está na hora de ser vendido, eu acho que o dono está mais preparado. E assim começou uma negociação, que culminou nesse ano, e aí então estou indo para lá, por quanto tempo eu não sei.
P/1 - Mas como foi o convite para você ir?
R - Então, na verdade eles querem que eu vá, porque como eles sabem que eu tenho relacionamento com os clientes, eles querem que eu vá e faça a transição, perguntaram se eu queria. Eu falei: eu quero, mas eu quero flexibilidade. Então vamos ver se isso vai acontecer, não acredito. Se não acontecer, vou ver o que eu gosto, eu sei que eu gosto, mas eu não sei se eu quero mais, nessa intensidade. Você vai colocando na sua vida algumas outras coisas. Por exemplo, se eu tivesse, com a quantidade de atividades que eu vou ter, eu não conseguiria dar atenção para nenhum dos conselhos que eu estou, nem para os meus netos, que é uma época pequena, mas é uma época pra mim importante, eu já sei o que eu fiz na minha vida com as minhas filhas, não foi fácil. Então assim, de repente eu vou sacrificar também a convivência com os netos? Não sei!
P/1 - De quando você começou a trabalhar em bancos até hoje, como é a mulher nesse mercado de trabalho? Como que isso foi mudando, não foi mudando?
R - Mudou muito! Quando eu fazia entrevista, me lembro no Citibank, que eu passei num processo de entrevista para eles, acho que foi 17 entrevistas, em quase todas as entrevistas eles me perguntaram se eu tinha namorado, eu tinha. “E você vai casar?”. Aí quando foi na última entrevista eu já não aguentava mais, eu falei: se isso for um convite de casamento, eu te digo que não. Cansava isso, então tinha. Tinha assim, a Ecson, quando eu estava procurando estágio, eu cheguei na Ecson, você tinha, ficava assim na parede da GV, fixado no quadro, não era online, era um quadro. E aí, vou lá na Ecson, cheguei lá: “a gente não pode colocar, mas nós não contratamos mulheres”. Então assim, era bastante, a minha classe da GV, era uma classe bastante feminina, mas do mesmo jeito, as instituições financeiras, eu achei que elas foram menos machistas, de uma certa maneira, em um primeiro momento do que muitas empresas, mas da mesma maneira que havia sim e havia menos mulheres, por exemplo, no training program do Norchem, tinham 2 e uns 18 caras, mas tinha, por exemplo, as trainees, a que tinha entrado no ano anterior, que assim que ela arrumou um marido ela parou de trabalhar, então isso também era comum. E eu pego a minha turma da GV, tinha muita gente que não levou adiante, começou a trabalhar e parou. Era uma coisa que ainda a própria mulher não tava pronta para trabalhar, porque não é fácil, as exigências que você tem que cumprir aqui. Eu fui palestrante no colégio Santa Cruz sobre profissão, e eu sempre brinco, eu caí de paraquedas numa profissão, não era isso que eu estava pensando em fazer, mas que eu contava muito com a minha mãe, com uma empregada que era ótima e com a falta de sono que eu tenho, porque me ajudou, mas não é uma atividade fácil, você vai fazer convite, eu fazia de madrugada os convites, preencher convite, pensar nas lembrancinhas, nos enfeites, quando vai comprar as lembrancinhas, não tinha internet, não tinha nada disso. E aí eu arrumei um motorista que era um santo, mas era limitado, então ele podia buscar, pegar, mas você tinha que fazer toda aquela… Então você trabalha realmente dobrado. Agora na questão feminina, tinha sim, tinha discriminação, como eu te falei, no Bank of Boston tinha, na parte do Noroeste, mas no Chemical, não, mas no Noroeste tinha. E tinha muito assédio, muito assédio, então assim, o pessoal vinha, achava, e era uma festa do caqui as empresas, velado ou não, acontecia, muita mulher subia por conta disso, eu soube disso mais cruamente no Banco Real, que eu já era velha de guerra, quando as pessoas contavam, “meu Deus do céu.” Enfim, é difícil, porque você não tinha um canal para falar nada, então é difícil. Eu me lembro, quando eu trabalhava no Continental, isso nos anos 80, teve um evento interessante, que era com o Mercantil Finasa, que não existe mais, a gente fez um almoço, estava o nosso chefe dos Estados Unidos aqui, a gente fez um almoço no Clube Nacional, um clube que quase não vai mulher, todo mundo sentando, eu era a única mulher na mesa, todos os diretores das áreas internacionais de banco, e tava o meu chefe aqui, aqui tava um cara do consulado americano, tinha um monte de gente e saiu um assunto, o cara do Mercantil: “nós do Mercantil não contratamos mulheres, a não ser para ser secretárias”. Na época existia um banco que não existe mais, o Comind, que era um gringo. “Nós ao contrário, no Comind nós priorizamos mulheres”. Era verdade. Porque os banqueiros não gostam de correr riscos, e a personalidade da mulher, ela é avessa ao risco, muito mais que a do homem, ela sai muito melhor que os homens, na minha área só tem mulheres. E aí o (...) que estava na minha frente ficou indignado, no Chile era uma mulher, “quem sabe, né Chica, você pode ser a Manager do Brasil”. O cara ficou com aquela cara de “o”, mas assim, o cara falou isso sem perceber que eu estava lá. Fui assinar um acordo entre estado, como o meu chefe brasileiro, e ele não tinha pegado as procurações para assinar o nome, e quem tava era eu, e tava o então governador do Mato Grosso, e ele falou: que simpático você trazer sua secretária, no dia dela, era o dia da secretária, um negócio assim. “Ela não é minha secretária, é ela quem vai assinar o acordo com você, ela manda mais que eu”. Assim, tinha isso amiúde, amiúde. E era muito divertido os almoços que o Bradesco fazia anualmente, em prol dos seus relacionamentos bancários, e aquilo ele pegava, não se você lembra o que era o Máximo, aquele restaurante, era um monstro, aquilo ali fechava no mês de dezembro e iam todos os seus clientes, só ia eu e a Ernestina de mulheres, tudo homem. Então era assim, era bizarro, era acostumada, nessas relações era só homens e a gente. Então era um ambiente mais masculino mesmo, bem mais. Mas melhorou bem, hoje tem mais, mas ainda, eu acho que o Brasil tem uma espécie de machismo sim, tem essa questão, a mulher também é machista, eu faço uma autocrítica. E tem um lado que eu vejo no mundo, que quando eu fui para o Bank Boston, para Boston, a gente fez um dia, todos esses caras que estavam numa missão parecida com a minha, não era igual a minha, porque eu trabalhava, tinha os trainees. E vinha o presidente do Bank of Boston mundial, e tava se mudando o nome do Bank of Boston, e tinha umas coisas e ele veio para fazer uma reunião com os jovens e tal. E eu sempre chegava atrasada, porque como eu tinha trabalho, eu ficava… e tinha um rapaz que sempre guardava para mim, muito simpático, um gringo, e aí ele falou: e aí, tá terminando aqui? “Tá no fim”. “Mas e aí, o que você pretende fazer quando você voltar para o Brasil, continuar no Bank of Boston, ou se casar?”. Eu falei: casada eu sou! A cara dele quase… Então assim, eram coisas incompatíveis, que são essas dicotomias, o marido pode viajar 6 meses e você não. Então tem um lado que era estranho, mas assim, eu acho que melhorou, mas eu vejo, então não era só no Brasil, o cara também. E eu tava falando esses dias com um professor meu de francês, na França, se você pegar as maiores empresas francesas, não tem uma mulher presidente, no governo da França, quase não tem. Eu sei que eu estou num movimento hoje, Mulheres do Brasil, outra entidade, para buscar 50%, chama “Pula para 50”, 50% de mulheres no congresso. A gente comparativamente tem mais que grande parte dos países europeus, temos poucas ainda, mas é uma situação que é de muitos anos.
P/1 - Chica, e financeiramente, a remuneração é menor, já foi menor pelo fato de ser mulher em relação a um cargo igual de homem?
R - Eu acho que dentro do mesmo cargo, ela não é menor não, o que é diferente, é que as oportunidades são diferentes em geral. Então assim, se só for pegar para fazer o Red private, eles vão olhar o homem, a mulher, em geral eles têm dado mais para o homem, mas se você for pensar, UBS é comandado por uma mulher, já foi do HSBC, então tá melhorando, tem poucas, mas tá. Acho que salarialmente, mas isso… tem um livro que eu li, que até minhas filhas que falaram para eu ler, que é bem legal, daquela mulher do facebook, da Sharon (...), o nome dela. E aconteceu uma passagem comigo que foi bem isso, que quando a mulher, ela comenta isso, que depois que ela se viu um feminista, a mulher raramente, quando você é atribuida uma promoção, ela fica muito feliz. “Nossa, que bom que eu tive esse reconhecimento.” Quando o homem tem uma promoção, a primeira coisa que ele pergunta é “quanto que eu vou ganhar por isso?”. A mulher não, a gente é tão historicamente, com essa coisa, “que bom que me reconheceu”. Teve um período, um fator, que foi demitido um diretor, aí o presidente da época pediu se eu poderia acumular XYZ, “mas eu estou longe da área faz um tempo”. “Não, eu sei, mas a gente vai acomodando, você dá conta, não sei o que..”. No dia seguinte eu falei: ok. Eu lembrei do livro, “mas não vai ser o mesmo salário, né? Vou assinar por um monte de encrenca aqui”. “Não, não!” Mas se não reclama, passa batido.
P/1 - O Chica, essa mudanças que você foi tendo ao longo da vida, significavam aumento de salário?
R - Em geral sim! Na verdade, eu sou uma pessoa, assim, eu gosto de ter grana, mas eu não sou a pessoa mais apegada ao dinheiro, mas… talvez eu tivesse muito melhor de vida se eu fosse mais apegada. Quando eu estava fazendo faculdade, tinha um professor chamado, vivo até hoje, chamado Ariovaldo de Mattos Filho, um cara brilhante, ele no meio da sala de aula, ele falou assim: gente, vocês não fiquem no primeiro emprego, hoje em dia vale a pena vocês… a questão de mudar é boa em todos os sentidos, inclusive para acelerar a carreira”. E quando eu estava no primeiro trainee, as pessoas não sabiam nada da nova lei das SAs, nós tínhamos feito um curso extra com ele, nós pegamos mudanças de lei até de empresas, o mundo era muito… quando eu lembro, o mundo era pré-histórico. Nova lei das SAs, que já não é nova, imagina, regulando tanta coisa das Sociedades Anônimas. Então quando você lembra disso… e ele nos preparou, que a gente se formou em 77, então eu sabia melhor, então para fazer análise de um balanço, eu sabia da lei que estaria em vigor e as pessoas não. E aí um dia eu falei para o pessoal: “eu vou falar com o professor”. Uma ingenuidade, porque ele era um cara super importante já, ele era recém vindo de Harvard, era um cara importante, ele foi um dos presidentes da CBN, inclusive. “Vou ver se ele vem dar uma aula aqui”. Porque ele deu o curso na casa dele, era verdade isso. Liguei na GV, pedi para falar com ele, essas coisas que funcionavam, você liga, acha o cara, falei: Mestre, é o seguinte, ninguém sabe nada, a gente tá fazendo isso, isso, será que você podia vim dar uma aula. Ele falou: claro! Foi lá, passou o dia dando aula, não cobrou nada, e deu aula. A gente deu uma gravata de presente pra ele c’est fini. Bom, passado um tempo encontrei com ele, ali perto da GV, “e aí onde você está?”. “Estou no Mega Boston”. “Já mudou?” “Estou seguindo seus conselhos!”. Passado mais um pouco, “onde você está?” “Estou no Continental, estou seguindo seus conselhos!”. “Também não é essa coisa…”. Mas na verdade, primeiro que você tem vários andares eu acho, e eu senti isso quando eu via a mobilidade das pessoas no Banco Real, os funcionários do Banco Real que foram incorporados pelo banco ABN Amro, estavam assustadíssimos, porque eles fizeram uma vida inteira de Banco Real, então assim, você ter uma capacidade de adaptação de uma nova estrutura, ela é menor, quando você passa assim, você acaba pegando o jeito rápido, você vai mudando, você tem menos receios, menos insegurança, a segunda que você acaba… as pessoas falam, “nossa, você conhece muita gente”. Claro, quando você muda de várias associações o seu network triplica, porque aquilo que você conhece em um ano em uma, você mudou de 3 em 3 anos, você triplicou. E quem fica naquela mesma organização, está restrito naquele universo, claro que conhecer gente, interface, mas é menor. Então, essa mutação ela te propicia sim ganhos, e ninguém te leva ganhando igual, ninguém, nunca, nunca.
P/1 - Sempre a mais?
R - Sempre a mais! Depois você começa a fazer nome também, passou aqui, aqui, aqui. Você não pode é pingar e ficar pouco, então eu nunca fiquei tão pouco tempo assim, o único lugar que eu fiquei pouco eu não pus no meu currículo. Mas o cara que era o diretor de lá, ficou tão bravo comigo, passado alguns anos ele se tornou meu cliente, e ele falou: você sabe que você estava certa de fazer aquilo. “Tá vendo, você ficou bravo comigo, mas eu estava certa”. País e o banco, e ele mesmo sofreu com aquela transição dos meninos lá, o Benjamin Steinbruch e companhia ltda, não foi fácil ali. Então tem coisas assim, mas foi bom, foi bom, é bom, agora, tem pessoas virtuosas, eu tenho um amigão meu que fez carreira na Promon, até ser o presidente, também, opções, né?
PCSH_HV1163_parte2
Entrevistada por Nataniel Torres
São Paulo, 11 de fevereiro de 2022
P/2 - Como surgiu essa questão do voluntariado na sua vida?
R - Então, eu tive um cliente, foi uma pessoa muito bacana, ele montou uma empresa de muito sucesso, e eu me recordo que dentro do estatuto da empresa, vou fazer uma breve retrospectiva para você entender um pouquinho do meu movimento, qual foi, ele aos 60 anos no estatuto da empresa, previam que o presidente devia sair e ir para o conselho. E eu na época, eu perguntei para ele, até vou falar o nome dele, porque é um homem quase publico, eu lembro dessa conversa, ele uma pessoa ainda, querida, especial, me marcou muito, chamado Thomas Macrae. A empresa que ele tinha feito, era uma empresa de construção civil, a Promon, empresa de muito sucesso, revolucionária no conceito, onde todo mundo era sócio e tal. E ele foi um dos fundadores, acho que o primeiro presidente, enfim. E aí eu virei para ele, “nossa, que legal senhor Thomas, e agora, o que o senhor pretende fazer?”. E ele brincou comigo, “você é uma das raras que está me perguntando o que eu pretendo fazer. Todo mundo fala: porque que não muda? Continua mais e tal. E eu tenho tantas coisas que eu quero fazer”. Aquilo me marcou, eu devia ter uns 40 e poucos anos. E ele realmente fez um outro mundo, uma outra vivência na área de energia, de sustentabilidade, uma vida maravilhosa. Então, aquilo me marcou, eu falei: nossa, eu também, não quero ficar o resto da minha vida. E aí bateu os 60 anos, ”não, vou sair!”. Estava no banco, sai, fiz até um coach, porque eu queria fazer alguma outra coisa. De qualquer maneira, eu já estava meio envolvida, desde o início com o instituto, chamado Instituto Ser. Antes dos 60 anos, já procurei uma amiga, até recomendada pela minha filha caçula, a Renata Brunetti, que trabalha muito com o terceiro setor. Pouco de, “como é que eu entro nesse mundo?”. Porque apesar de você ter competência, as competências para o terceiro setor são distintas também, eu não sou psicóloga, não sou assistente social, enfim, várias áreas aí você não… você olha assim, “mas como eu posso contribuir?”. Não me passava na cabeça ser aquelas voluntárias tipo do Albert Einstein, sabe? Não me passava! Eu queria mais que eu pudesse de fato contribuir, eu acho que assim, a gente tem que devolver para a sociedade alguma coisa. Eu sou afortunada, então assim, eu tive uma vida profissional, até hoje… não posso falar: bombou de ganhar dinheiro? Acho que não é só ganhar dinheiro, tive muitas alegrias no meu trabalho, estresse às vezes, é claro, mas é normal. E eu acho que assim, eu só tenho a agradecer, então assim, eu tenho uma casa boa para morar, eu tenho filhos saudáveis, todo mundo bem, então tem que devolver. Eu devolvi de alguma maneira, durante toda minha vida, eu paguei várias escolas, para várias pessoas. Então quando eu não podia trabalhar em nada, a neta da empregada, que foi empregada da minha mãe, eu sou madrinha de batismo, ela precisou de uma grana para fazer faculdade. Nossa, foi a melhor grana que eu já gastei, porque ela se formou, ela é super bem sucedida, mora no Rio, três filhos, casa própria, maravilhosa, maravilhosa. O genro de uma amiga da mamãe, idem. Também estava sem grana para terminar, Deus o tenha, ele faleceu precocemente. A filha da professora das meninas, queria pagar faculdade, porque ela também não conseguiu bolsa para a segunda, e assim foi. E filho da minha empregada, da Madalena, eu tirei ele no meio do ginásio, ele foi para uma escola particular, fez colegial, fez Mackenzie, mandei para fora para estudar, então eu falava, alguém que eu possa dar uma educação e que faça a diferença, vai ser bom. Mas isso era pouco, acho que tinha que continuar de uma maneira mais institucional. E aí a Renata me mandou, voltando à Renata, me apresentou a Ashoka, eu cheguei a contribuir para a Ashoka, mas era uma contribuição, não tirando os méritos da Ashoka, pra mim, mais pesada. E também eu achava a organização confusa, confusa, eu não me via fazendo nenhuma diferença, enfim. Aí, um dia eu pedi para uma das meninas que trabalhava na Ashoka, se ela tinha algumas empresas que eu poderia conhecer, que eu poderia de repente colaborar. Nossa, elas prontamente me deram uma lista. Fazendo um parênteses aqui, eu estou me esquecendo da primeira instituição onde eu fui voluntária, que foi o Instituto Ser, que antes chamava Saúde Criança. Então, esse eu já sabia que eu podia me dedicar, mas na realidade a minha filha estudou com a Vera, que montou originalmente uma franquia do Instituto, que era Saúde Criança, originalmente do Rio de Janeiro e depois evolui para Vida Sol, franquia, para Instituto Ser. A minha filha, Claudia, estudou com a Vera. E eu falava para a Vera: Vera, eu quero muito te ajudar, quando eu tiver mais tempo eu vou. E aí coincidiu nesse período, junto com essa procura com a Ashoka de eu me colocar à disposição, falei: Vera, tô saindo, tô indo para o conselho do banco, vou ter mais disponibilidade. E aí já era uma voluntária no sentido de participar com ajuda pontuais, eu me tornei conselheira, do Instituto Ser, concomitantemente eu fui fazer várias visitas, em várias organizações recomendadas pela Ashoka. Quando eu bati na porta do Museu da Pessoa, a Karen me recebeu abrindo os braços, “nossa, você tem muita coisa para ajudar”. Então foi uma empatia muito grande, uma, desde o início eu selecionei a oportunidade no Museu da Pessoa, não fui nas outras, porque eu tinha feito, quando jovem, junto com a GV, faculdade de história, não cheguei a completar, mas história era uma paixão minha, então tinha uma identidade, eu acho pra mim, a gente tem que se identificar. Aí, conhecendo a Karen, você se apaixona, porque ela é super envolvente, a causa é bárbara. E aí comecei como voluntária, acabei sendo conselheira e estou aqui até hoje. Então me envolvi muito e foi uma coisa incrível. E aí começou a surgir, uma outra amiga, que me chamou lá para o “Mulheres do Brasil”, eu comecei a ir, ela foi, ela ficou à distância. E aí um dia também, com esse negócio de estar um pouco mais disponível, porque eu estava no conselho, eu tinha mais tempo realmente. Aí fui em algumas reuniões e tal, aí tinha um comitê lá que estava precisando de gente, e eu comecei a ir. Um belo dia, que era o comitê “60 Mais”, que também tinha a ver, porque eu estava vivenciando o processo de demência da mamãe, a nossa idosidade, a minha e tudo mais, então eu achei que tinha a ver, porque era uma colaboração técnica, mais vivencial que eu poderia fazer. E um belo dia eu acordei com uma mensagem, dentro do whatsapp conselheiras, que são só das conselheiras, são muitas, me dando parabéns, e aí eu não sabia se eu queria não, porque nessa hora eu já estava assim, já tinha deixado de ser conselheira, eu estava trabalhando novamente com uma relação de clientes, já estava aqui no Museu da Pessoa, já estava no Instituto Ser. Mas enfim, acabei entrando. Tem sido uma experiência… ela é bem trabalhosa, Mulheres do Brasil, muito trabalhoso, tem muitas reuniões, sempre temas que vão surgindo. Recentemente a gente trabalhou bastante, ganhamos a causa, não sozinhas, mas por conta da "velhice não é doença” que é da ONU, que pacífica, dos códigos de doença, a gente tinha densificado que estava sendo considerado uma doença, tinha código, tudo mais. Fizemos uma campanha interna e tem toda uma jurisprudência Mulheres do Brasil, que não é óbvia, não é simples, então, às vezes dificulta as suas ações, mas é sempre um aprendizado. E aí, por conta desse conselho, a Vanessa que é a líder do comitê 60 Mais: “eu acho que a gente devia ter alguém, mulheres do nosso comitê, no Conselho Municipal de Idosos”. O Conselho Municipal de Idoso, é uma eleição, então você tem que ter um número X de votos na sua região. Eu até que tinha pedido no início, mas depois eu falei: gente, não sei, eu vou ter que trabalhar, não vou dar conta, então… Mas já tinha me candidatado, e eu acabei sendo eleita, meu Deus do céu! E esse conselho é um trabalho insano, não sei se eu vou ficar nele. Uma porque eu acho que a minha contribuição, ela não é como eu gostaria que fosse, mas quando eu falei em sair, uma delas falou: não, não saia, porque foi uma eleição virtual e presencial, a gente tem muito receio de que isso pareça que tenha algum cambalacho, não é verdade, então dá tempo. E eu dei esse tempo, que foi até o ano passado, e tô lá. E você vai para a comissão… mas assim, tem várias coisas que eu acho que na vida a gente vai aprendendo, os membros deste conselho, o Conselho Municipal do Idoso, existe a muitos anos, é a sociedade, então são divididos pelas 4 regiões macro da cidade de São Paulo, tem uma ingerência com as secretarias diversas do município de São Paulo, diversas, transporte, educação, tudo. Porque tem vários setores, como que se fala, várias peças que você tem que trabalhar para a questão do idoso. Daqui 1 ano, na próxima, ele demora 2 anos, o cargo como conselheira, o prazo do conselheiro é de 2 anos, aí você tem uma eleição ou reeleição. No próximo ano ela vai virar o órgão mesmo, ela vai ter poder de veto, tudo mais. Então vai mudar de patamar, o Conselho Municipal do Idoso. Mas assim, tem bastante ação e tem um público, realmente idoso e de vários estratos socioeconômicos, então você vê no início da pandemia, na pandemia, a dificuldade de alguns… até hoje, né. Esses dias eu falei para ela, “você vai conseguir responder sim, a lista de presença, você está no computador?”. “Estou pela primeira vez”. E aí a gente conseguiu que ela entrasse no chat, porque… “aí, to no celular, não consigo entrar no chat”. Você consegue! Mas assim, daqui a 10 anos eu não sei. Mas tem muitas pessoas atuantes no seu bairro, nas suas regiões e assim, você tem que vestir a sandália da humildade para aprender muita coisa, porque é uma vivência que eu não tenho, verdadeiramente, não tenho! Então assim, tem vários fóruns, fórum de saúde, fórum de educação, tudo pró idoso, né, nas suas regiões pontuais da cidade. Tá sendo uma vivência muito rica, meu lamento é, eu não tenho disponibilidade. Muitas vezes ao vir das reuniões e participando como gostaria, então eu não me sinto bem, por conta disso. Ontem por acaso eu consegui ouvir uma reunião inteira, da comissão D, que é a comissão específica para tratar com a secretária executiva de transporte e meio ambiente. Então assim, porque eu peguei ela? Peguei assim, vai pegando, tem várias. Mas assim, transporte, mobilidade, é uma coisa que eu acho super importante trabalhar, que eu acho que a nossa cidade deixa a desejar. Mas não é que eles vão em coisas grandes, então assim, tem o programa da gratuidade do transporte para 60 mais. O indivíduo que tem 60 anos hoje não está dentro do escopo da cidade do município de São Paulo que pode ter transporte gratuito, então tem uma briga aí deles. Às vezes eu nem concordo com as brigas, então você fica mais quieta. Mas a do transporte por enquanto é uma guerra perdida, uma guerra perdida. Tem falado com secretária, com um, com outro e tal, não sei o que, mas tem um trabalho que está sendo feito. Eles fazem bastante coisas pontuais, desde aumentar sempre o dia, então assim, tem muita coisa sendo analisada por eles, tem uma cadência deles, que é diferente. Aí tem um outro grupo que eu trabalho, mas aí é muito esporadicamente, mas também é muito legal, que é o hospital do rim. Uma cliente minha me convidou, junto com mais uma amiga minha de faculdade, para a gente integrar o que a gente fala de um conselho de gestão, mas absolutamente nada formal, a gente mais aprende do que a gente ajuda, eu acho. Os principais líderes do hospital, eles são pessoas incríveis, incríveis, o Arthur Beltrame e o José Medina. O José é um cara que fez faculdade de medicina, torneiro mecânico, ele imprimiu todas as lógicas de torneiro mecânico da linha de produção no hospital. O hospital pertence à faculdade de medicina paulista, o hospital é incrível. E ele é líder mundial em transplante de rim, não tem ninguém no mundo com índice de sucesso, com quantidade que ele faz de transplantes por dia, por ano no hospital. Então é incrível. A gente faz de vez em quando reuniões, mas é mais para troca de experiências, mas é bem legal! Como eu disse, eu ganho muito, o Medina e o Arthur, são duas pessoas sensacionais. E os demais conselheiros também são. Então é uma troca riquíssima, de altíssimo nível, muito bacana.
P/2 - Como é que você consegue conciliar tudo isso, porque você ainda é uma mãe de família, avó, como que é isso?
R - Amo ser vovó! É muito louco, tem dias, às terças em geral, tem reunião desse Conselho Municipal do Idoso, aí eu ponho fone de ouvido… eu levo a minha neta, tenho que levar na aula de ginástica olímpica, então ela vai na aula de ginástica olímpica e eu fico ouvindo, então dá para conciliar, então eu vou tentando… Por isso que eu te falei, que pra mim o home office tem sido um achado. E Mulheres do Brasil, às vezes a gente faz à noite, a reunião, então quando eu chego em casa, ainda tenho a reunião do Mulheres do Brasil. Então a gente vai conciliando. O Instituto Ser, é bastante organizado, como aqui, o Museu da Pessoa também, então a gente já sabe as datas e tudo mais, você já vai bloqueando a sua agenda. E que todas essas organizações, sem exceção, ela tem o estrutural, que está agendado e tem o pontual que é aquela ação que você tem que fazer, e você se envolve, eu me sinto cobrada, eu me cobro, tem que fazer, tem que fazer. Então assim, campanha de captação, então você vai e faz acontecer. Evento, o instituto tem muito evento que a gente tenta fazer, então é convite que você manda. Mas eu acho que a gente acaba trazendo na vida… eu sou muito acelerada, é um defeito, nem tudo é bom, porque traz uma ansiedade não boa, que às vezes você coloca isso, por exemplo, com os filhos, você fica, “nossa quero saber disso”. Porque você está tão acostumada a ter que tomar tanta decisão para ontem, juntar o seu tempo para que caiba tudo, e quando você vê, você cria essa expectativa, que as pessoas te respondam na mesma hora que você, então eu não vejo isso como positivo, verdade. É uma crítica, eu tenho tratado isso. E também, porque o que me motivou ir para o terceiro setor, era porque eu queria desligar do setor financeiro e trabalhar menos e ficar... Eu ainda não consegui, mas assim, eu estou trabalhando nessa linha, uma hora vai dar certo. Mas assim, ao mesmo tempo, sei lá, eu acho que eu gosto muito da vida, eu não reclamo muito das coisas não, tento tirar o proveito que tudo isso está me trazendo, sabe? Quero trabalho, então tem horas assim… hoje é um dia, aí meu Deus! Mas tem que dar certo, vai dar! Então sempre você prejudica alguma coisa, eu acho que o que eu prejudico mais é a minha vida pessoal, pra mim. Mesmo assim, eu faço esportes, eu vejo filme, leio, faço clube do livro.
P/2 - Fico impressionado como você tem tempo para fazer tudo isso. Porque eu sei que o trabalho dentro da corporação também e o cargo que você exerce é de muita responsabilidade, então o tempo todo eu acredito que você é chamada, você é solicitada, dependem da sua decisão, da sua gestão.
R - É! Mas hoje por exemplo, nessa estrutura que eu estou, eu tenho pessoas muito senior comigo, que tocam bem sozinhas, então por isso que eu digo, eu acho que eu estou me preparando mesmo. Eu, quando eu fui para o BTG, eu falei para eles que eu queria uma flexibilidade, que eu iria só com mais flexibilidade, porque nessa altura do campeonato, 66 anos, não quero abrir mão de algumas coisas. Por exemplo, ser avó, ou por exemplo, poder fazer o meu treino de manhã. Então assim, são coisas que eu não preciso mais, mas ao mesmo tempo, eu tô muito mais como estratégica e menos operacional, e isso me libera. Eu estou aproveitando, realmente essa oportunidade, e na minha cabeça, eu queria fazer a transição dos meus clientes, porque eles foram vendidos para essa organização, eu tenho vários clientes onde eu ainda tenho um peso relevante. Mas que eu acho, que uma vez eles arrematados a nova organização, estando com bons gerentes, eu vou falar: olha, agora estou me desligando, estarei sempre disponível para conversas e tudo mais e aí eu me desligo. Eu acho que isso eu vou conseguir fazer. Você fala, “vai ser difícil largar?”. Eu acho que é, mas eu estou há anos me preparando para isso, então é um processo. E eu lhe confesso, que eu gosto de trabalhar, eu gosto de lidar com jovem, eu gosto da tecnologia. Se você não está inserida no contexto, você fica muito mais acomodada, né? Muito mais! Então eu acho que tudo isso pra mim, são bons desafios, eu não acho que sejam maus desafios. Então, por exemplo, esses dias eu estava vendo dentro do banco, teve uma conversa de um dos sócios, com uma pessoa que é expert em cripto ativos. Eu não tive muita ideia desse mercado, a gente está vendo esse mercado, criptomoedas, outros ativos baseados no cripto e como que eu vou desrecomendar uma, não recomendar, se eu não conheço. Então foi 40 minutos de conversa, mas de um nível maravilhoso. Então assim, talvez no dia a dia, se eu não tivesse plugada no meio, eu não ia me inteirar. E é bom você se inteirar de uma coisa que vai ser tendência, que pode não ganhar dinheiro com isso, mas muita coisa daqui para frente vai mudar.
P/2 - Como é que você vê essa modernidade?
R - Então, eu deixo o saudosismo de lado, porque eu acho que a gente tem umas tendências de falar: aquela época era melhor, você ia ali na agência tinha o gerente e tal, não sei o que. Eu vejo, eu não sou a pessoa mais tecnológica do mundo, mas eu vejo a tecnologia como um grande aliado. E assim, por mais que você fale, “eu não quero ser atendido por uma máquina, não é gostoso ser atendido por uma máquina”, via de regra, mas muitas vezes resolve. Então assim, é melhor você ser atendido por algo inteligente, do que não ser atendido. Então assim, vou falar um pouco dessa área, que é a área de atendimento a pessoas que querem fazer alguma aplicação, então você tem pessoas que têm pouco, médio e muito, muitos vão continuar sendo atendidos pessoalmente, mesmo essa cara que é atendido pessoalmente, hoje a tecnologia já permite uma facilidade muito grande. Então me libera tempo, pra eu poder estudar, pra poder conversar com aquela pessoa, gastar tempo em amenidades com ele e fazer o meu trabalho. Tem um lado complexo, que por exemplo, hoje a quantidade de produtos é imensa, então essa curadoria ficou mais complexa, então você precisa de mais gente trabalhando junto com você. O cara que é do meio, ele normalmente já era mal atendido, então este cara, com as plataformas digitais, pra ele facilita muito. Porque ele pode, mesmo que ele não consiga tomar decisão, você sempre tem alguém que vai atender milhões de pessoas. E essa pessoa só pode atender milhões de pessoas, porque ela não tem uma relação personalizada, mas ela tem uma relação pontual, se ligou eu vou explicar o que é aquele produto, e o resto você faz sozinha. Então ela deixa de ser (...) libera para outro. E o cara muito pequeno, esse também, porque ele vai ver uma máquina, mas a máquina é melhor do que não ter, antes ele não tinha. Agora, você tem um grupo de pessoas que essas vão sofrer, mas é sempre assim, os mais idosos devem estar sofrendo, porque é uma transição não fácil. Mas eu vejo na média, eu sinto menos a parte da tecnologia e de novas coisas, mas mais que acho, talvez seja uma coisa só de Brasil, essa concentração de poucos players, então isso sim me incomoda, incomoda um pouco a pasteurização, que me lembra um pouco 1984, eu fico com aquele trauma de 1984. Então eu vejo que tem uma grande mudança, mas tem coisas assim, hoje a consciência da diversidade, tem muito marketing aí? Claro! Sempre é assim, no início você tem marketing, depois você vai depurar o que é de verdade mesmo. Mas a questão da sustentabilidade, tem uma consciência muito maior. Então eu vejo outros caminhos, a gente fala, “o mundo ficou mais chato”. As vezes sim, mas acho que você tem que olhar de uma outra maneira, às vezes, que é uma oportunidade, eu vou plantar mais árvores, que isso não vai ser tão mal visto, acho que tem coisas, por exemplo, água. A gente acha que tem água, água, água, não tem, né? Então assim, que legal que eu vou investir com essa empresa que sabe fazer isso. Eu tenho um cliente, por exemplo, que montou há muitos anos atrás uma empresa, ele sempre trabalhou com bastante celulose, que é altamente poluidora, e ele trabalhou com tratamento de efluentes. E assim, é pago a empresa dele, então porque ele tá trabalhando isso? Porque as empresas também estão preocupadas com isso. Então fez um novo negócio. Então são novas oportunidades, legais e talvez outra hora, nem pensar. Então eu acho que tem… eu não sou saudosista, eu não olho tanto o retrovisor, eu olho para a frente, e eu acho que para frente tem coisas interessantes, bem interessantes.
P/2 - Você veio de um mundo que você mesma teve que desbravar caminhos como mulher, para conseguir o seu espaço.
R - Até hoje! Eu estou fazendo parte de um grupo que é Mulheres na Política. Uma amiga me pediu para entrar, e tô lá! Mas é muito interessante, porque assim, eles vão… e é uma coisa que eu até refiz o meu conceito, quando vem a questão de cotas, eu não gostava da coisa de cotas, porque eu achava que excluía mais, assim, você faz parte de uma cota, você vai sempre… Nossa, eu achava aquilo… mas no outro lado, a gente está vendo que de uma certa maneira, por exemplo, ainda tem muito cinismo nisso tudo das cotas, mas de certa maneira está inserindo mais gente no contexto. E mulheres na política, elas estão brigando para ter cotas de um X por cento, de 50% de mulheres na política. E aí começou uma discussão nossa, negras, aí eu falei, “gente, mas gente não pode falar negras, a gente tem LGBT, a gente tem índigena”. Então assim, aí começa, como que você vai dar vasão para tudo isso, você vê, é mais complexo? É mais chato de um lado? É! Por outro lado, não. Porque a gente realmente ganha menos profissionalmente, a gente tem menos espaço, as mulheres em conselhos são muito poucas ainda. Não é só aqui, é no mundo. O Brasil, por incrível que pareça, tem algumas batalhas, que ele vai travando e vai dando certo. Então assim, você olha para uma França, quantas mulheres executivas tem? É pouca! Um país que teoricamente, de pensamento mais liberal. Então você tem conquistas que eu acho que são boas, então eu concordo, que era muito mais complicado lá atrás. O que às vezes eu discordo, é que com toda essa fala do politicamente correto, é que eu acho que às vezes ficou muito menos espontâneo e mais chato. Meu irmão outro dia mandou um vídeo do Sidney Poitier, não sei quantos anos da morte dele, que ele morreu, ele tinha acabado de morrer. E o vídeo era lindo, era uma homenagem que estava fazendo a ele, um mega teatro, acho que era Tesla, nos Estados Unidos e o Paul Newman era o apresentador, e o Sidney Poitier estava sentado ao lado do então presidente, Bill Clinton, ele com a mulher dele. Quando abre a cena, o Paul Newman, que foi escolhido por ser um grande amigo dele, do Poitier, comentou assim: tava tudo black, porque aquele teatro escuro, a plateia fica escura, você está no palco, você não enxerga a plateia. E ele estava lá no alto e ele fala assim: Sidney, dê um sorriso, que assim eu já vou te achar. Hoje isso seria massacrado, e aí ele abriu aquele sorriso maravilhoso, e fez assim para ele, quer dizer… E foi uma delícia, a plateia rindo e tal. E eles são amigos, então possivelmente ele não estava ofendido com essa brincadeira dele. E é verdade, que o tom da pele dele é mais difícil ainda, que uma pessoa loira ser identificada, isso não tem mal nenhum, é somente uma coincidência. Então assim, eu acho que às vezes, esse excesso do politicamente correto pra mim me cansa, porque eu acho que tira a espontaneidade, e a vida sem espontaneidade, ela fica chata. Esse é um lamento que eu tenho, por outro lado, eu acho que as coisas, elas se exageram, para depois se acharem no lugar certo, né? Então essa é a minha expectativa. Por exemplo, falar, eu não sou a favor do “todis”, nem quando fala todas, o correto em português, e todos, todos e todos, envolve todo mundo. Então assim, eu não quero tanta discriminação, eu quero mais um abraço, eu estou unindo e não desunindo. Tem certas coisas que pra mim hoje, me soam às vezes, que semeiam a discórdia. Mas eu acho que isso faz parte de um processo.
P/2 - Você conhecia, você já sabia o que era o Museu da Pessoa, ou como foi isso aí?
R - Então, não! Não conhecia nada, fui apresentada então, pela Ashoka, dessa lista, que eu fiz um pequeno briefing, comentando inclusive como era a Karen, uma empreendedora da Ashoka. E aí eu liguei e marquei uma reunião, falando que eu estava vindo pela Ashoka, recomendação da Ashoka, que eu queria conhecer. E a Karen e a Sônia me receberam. Claro, antes você vai lendo um pouco, mas basicamente o que tinha na mídia, google, website, tal. E aí foi troca já de cara maravilhosa, como eu trabalho com ______, a gente trabalha muito sucessão, porque nós estamos aqui de passagem, então eu tenho que me preparar. E é um tema, aliás complicado, brasileiro em geral não gosta muito de falar. E aí eu comentei isso com a Karen, falando o que eu fazia. Eu expliquei o que eu fazia, que eu estava nesse momento que eu queria fazer uma transição para o terceiro setor. A Karen falou: “nossa, tem tudo a ver, porque eu também quero fazer uma sucessão”. Era um desejo dela, de poder eternizar o museu, e tudo mais. Então isso ó, faz muito tempo. E assim começou, ela falou, “nossa, tenho maior interesse”. E eu falei, “pode me chamar”. E aí comecei, aí comecei a trabalhar com a Sônia em reuniões, porque aí estava tendo muita coisa reorganizada, e eram coisas que me diziam respeito, porque assim, a parte corporativa, por assim dizer, conselhos e tudo mais, a gente conhece, então…
P/2 - Você já entrou como conselheira?
R - Não, eu virei conselheira. Eu entrei primeiro como uma voluntária, mas tinha um q de conselho de gestão. Aí depois que formalizou. E hoje eu estou no conselho fiscal.
P/2 - Já faz alguns anos?
R - Alguns anos. E aí até ver essa proposta de conselho, eu acho que a gente tem que sair. Eu e Majla, a gente saiu mesmo, para dar o exemplo. Porque assim, tinha muita gente e eu acho que a renovação, por isso que eu digo na vida, a renovação ela é necessária, por mais que eu possa ter muita experiência, por mais que eu tenha muita vivência, o time meu, por mais que eu não queira o tal do saudosismo, tem esse lado que a gente nem dá conta de que vale, o valor, essa vivência que a gente tem. Claro que deve ter um valor, mas a gente olha para a frente e se depara com outros ativos que estão acontecendo no mundo de hoje. Então, se você falar, a melhor pessoa para trabalhar diversidade sou eu? Não! Por mais que eu tenha uma cabeça aberta para isso, eu não sou expert nisso. Hoje existe gente, eu tenho uma amiga que se especializou nisso, por exemplo. Da consultoria, que trabalha. Tudo bem, por mais que eu seja aberta ao tema. Então assim, essas coisas só acontecem, porque você tem uma nova formação de talentos. Eu brinco assim, na medicina, é um exemplo para mim muito grande, o médico muito antigo ele é muito bom? Ele é ótimo! Mas tem outras coisas que estão acontecendo na medicina, como a robótica e tudo mais, e quem vai voar nisso são os jovens de hoje, porque é uma coisa natural para eles. Então assim, tudo na vida tem essa programação dos dois. Então pra mim foi bem legal a minha experiência aqui, eu aprendi muito no museu, muito, muito, muito, tenho aprendido direto e reto. E o museu sempre vive uma característica que pra mim me atraia muito, a qualidade dos seus membros, quer conselheiros ou não, voluntários, é uma riqueza de formação, até para ter feat com o museu. Então assim, é muito legal, porque tem gente da mais variada formação e todos com a bagagem que pra mim era admirável. Então sempre foram reuniões muito ricas, muito ricas.
P/2 - E o que você vê de diferente, o que mudou dessa época que você entrou e pegou o museu daquele jeito, quando teve essas primeiras reuniões, o que mudou daquela época para cá?
R - Então, eu vejo o museu hoje, primeiro, muito mais estruturado. Tinha muito essa dicotomia, do que é o museu, do que são os projetos. Eu acho que o museu está redondo, acho que ele está entrando com todas as organizações. Eu pessoalmente, uma crítica que às vezes eu fazia, que é algo que está sendo trabalhado, os recursos do BNDES. Então, assim, ele é um museu digital, mas a plataforma deixava a desejar, então hoje a plataforma já está em outro patamar. Então, assim, tudo isso foram grandes conquistas e evoluções que foram feitas nesse transcorrer do tempo. Eu ainda acho, que navegar no site, ainda não é a coisa mais friend do mundo. Eu discuto isso sempre, eu falei aquela vez com a Rosana. Mas eu acho que são os próximos passos, próximas coisas. Então eu acho que teve uma evolução muito grande, muito grande, até em toda a equipe, porque não é simples, você mudar uma equipe, formar uma equipe. Mas hoje a gente vê uma equipe jovem, que já é experiente, que já tem conhecimento no museu, porque não é simples, museu é museu, não é escola qualquer, museu é uma coisa muito específica e ainda com causa social, mais ainda. Então eu acho que tem uma evolução muito positiva, muito positiva, e eu vejo animada, acho que… E a outra coisa que a gente via, que é toda a parte de comunicação do museu, nosso marketing, como eu não conhecia o museu? E eu sou uma pessoa que frequenta museus, então como é que eu não conhecia? E todo mundo que eu converso, “é ali na Rua Natingui, perto da minha casa”. Então, não é, você não precisa ir lá, o museu não é lá, o museu é o museu. Então assim, aí você tem toda uma exclamação, né? Mas eu acho, que nesse aspecto, a gente vai estar trabalhando também.
P/2 - Tem alguma coisa que nós não perguntamos que você gostaria de falar?
R - Não sei, acho que às vezes quando a gente conta, parece que a vida foi cor-de-rosa, e não é! Então eu acho que assim, a gente tem as dores na juventude, eu me considerava super recalcada, me achava feia, sabe assim, então são coisas que às vezes te levam até para um outro caminho profissional. Então eu acho que assim, eu sinto que os meus pais eram incríveis, como eu já comentei, eu tenho uma família ótima, mas eu acho que a gente só ganha consciência na maturidade. E eu vejo uma coisa legal, nesse mundo de hoje, eu sinto, me parece, a olhar os jovens pais de hoje, que eles têm maior consciência do que a gente tinha na nossa época. Então esse é assunto que às vezes me incomoda, sabe? Eu me critico de muita coisa, eu sinto que tem mais uma maturidade que a gente não tinha. Talvez pela nossa formação mesmo, então esse é um tema que eu vejo, mas não que a minha vida tenha sido só cor-de-rosa, eu sou uma pessoa mais positiva, mas ela não foi sempre cor-de-rosa, teve bastante agruras, uma separação, dói, na minha cabeça é um fracasso, sabe? Foi um fracasso, então teve coisas assim, difíceis. E então acho que a vida não é cor-de-rosa, mas a gente tenta tirar um bom proveito mesmo, dessas partes difíceis.
P/2 - Você ainda tem algum sonho? Qual é?
R - Sonho! Eu não lembro nunca de sonhos, olha que coisa. Eu assim, um sonho especificamente, não, não. Eu às vezes falo: eu gostaria de ter uma vivência, ficar um tempo fora do país, sabe assim? Mas eu adoro família, então eu fico muito presa com tudo isso, eles não, mas eu fico, não é uma coisa deles, mas é minha. Mas a vivência ainda fora, já tive algumas, eu acho que talvez, sim, algo que eu nunca consegui ser, um pouco nômade assim, sabe? Eu tô aqui, eu vou ficar 3 meses em Portugal, 2 meses na Itália, 3 na Ásia, sei lá eu! É um pouco assim, o sonho na noite de verão. Será que um dia eu vou me soltar para tudo isso? Talvez isso sim!
P/2 - Eu acho que vai realizar, hein! Vai acabar acontecendo, tá muito focada. Como foi contar sua história de vida para o Museu da Pessoa?
R - Primeiro eu tenho gratidão! Eu acho que vocês facilitaram muito, porque assim, eu vou enrolando uma coisa na outra, eu vou me perdendo, então vocês dão foco, é isso foi maravilhoso. Então torna um processo muito leve, não me deixou nem um pouco angustiada, nada disso! Então assim, eu me sinto uma privilegiada, tô feliz! Assim, muito feliz! Agradeço a equipe toda aqui. A Rô não está aqui agora, mas ela é mais do que querida. Mas assim, eu acho que é uma experiência, uma catarse muito boa. Então assim, se eu pudesse recomendaria todo mundo a fazer, porque eu acho que vale a pena. Então é gratificante, sabe? De você colocar em duas, três horas, a sua vida inteira, né? É difícil escrever as memórias, então eu acho que falar, de repente, é mais legal. Então foi muito legal, muito gratificante.
P/2 - Então a gente da equipe, o Museu da Pessoa, a gente agradece muito por você ter contado a sua história de vida para a gente, muito obrigado, Chica.
R - Eu que agradeço!
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