P/1 – Araci, primeiro eu gostaria de te agradecer em nome do Museu e da PlayPen por você ter vindo aqui dar a entrevista. Eu queria que você começasse falando pra gente qual é o seu nome, onde você nasceu e a sua data de nascimento.
R – Meu nome é Araci Massami Sakashita. Eu nasci em Cruzeiro do Oeste, em uma cidade no interior do Paraná, em dez de fevereiro de 1961.
P/1 - E o nome dos seus pais?
R - Meu pai é Itsuo Sakashita, minha mãe, Masako Sakashita. Ambos são japoneses, mas vieram para o Brasil bem jovens, crianças ainda.
P/1 - E qual é a atividade profissional deles?
R - Minha mãe é dona de casa, meu pai era agricultor. Ele é falecido, faleceu em 2001. A atividade principal era agricultura, no interior do Paraná.
P/1 - E você sabe em que lugar do Japão eles nasceram?
R - Minha mãe é da província de Hokkaido e meu pai é da província de Kumamoto. Eles vieram em 1937 pro Brasil. Minha mãe tinha um ano e o meu pai, três anos.
P/1 - E os seus avós? Você sabe o que eles faziam no Japão? Você sabe o nome deles?
R - Eu sei muito pouco porque eu não conheci os pais do meu pai. Quando eu nasci, ambos já eram falecidos. Minha avó paterna faleceu muito jovem, com 45, 46 anos, e o meu avô eu também não conheci. Meus avôs maternos [se chamam] Kaiei e Honemaro Hobbo. Minha avó ainda é viva, o meu avô faleceu já tem alguns anos.
Eu não sei te dizer exatamente o que eles faziam no Japão mas, diferentemente da história dos meus avôs paternos, que vieram pro Brasil na clássica busca de melhores oportunidades e de fazer a vida, a família da minha mãe veio pra cá com uma intenção um pouco mais aventureira, conhecer alguma coisa nova; duas histórias bem diferentes. As famílias acabaram se conhecendo no interior aqui de São Paulo e meu pai acabou depois indo pro interior do Paraná, mas a família da minha mãe, originalmente, morava no interior de São Paulo, que foi onde eles se conheceram.
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Continuar leituraP/1 – Araci, primeiro eu gostaria de te agradecer em nome do Museu e da PlayPen por você ter vindo aqui dar a entrevista. Eu queria que você começasse falando pra gente qual é o seu nome, onde você nasceu e a sua data de nascimento.
R – Meu nome é Araci Massami Sakashita. Eu nasci em Cruzeiro do Oeste, em uma cidade no interior do Paraná, em dez de fevereiro de 1961.
P/1 - E o nome dos seus pais?
R - Meu pai é Itsuo Sakashita, minha mãe, Masako Sakashita. Ambos são japoneses, mas vieram para o Brasil bem jovens, crianças ainda.
P/1 - E qual é a atividade profissional deles?
R - Minha mãe é dona de casa, meu pai era agricultor. Ele é falecido, faleceu em 2001. A atividade principal era agricultura, no interior do Paraná.
P/1 - E você sabe em que lugar do Japão eles nasceram?
R - Minha mãe é da província de Hokkaido e meu pai é da província de Kumamoto. Eles vieram em 1937 pro Brasil. Minha mãe tinha um ano e o meu pai, três anos.
P/1 - E os seus avós? Você sabe o que eles faziam no Japão? Você sabe o nome deles?
R - Eu sei muito pouco porque eu não conheci os pais do meu pai. Quando eu nasci, ambos já eram falecidos. Minha avó paterna faleceu muito jovem, com 45, 46 anos, e o meu avô eu também não conheci. Meus avôs maternos [se chamam] Kaiei e Honemaro Hobbo. Minha avó ainda é viva, o meu avô faleceu já tem alguns anos.
Eu não sei te dizer exatamente o que eles faziam no Japão mas, diferentemente da história dos meus avôs paternos, que vieram pro Brasil na clássica busca de melhores oportunidades e de fazer a vida, a família da minha mãe veio pra cá com uma intenção um pouco mais aventureira, conhecer alguma coisa nova; duas histórias bem diferentes. As famílias acabaram se conhecendo no interior aqui de São Paulo e meu pai acabou depois indo pro interior do Paraná, mas a família da minha mãe, originalmente, morava no interior de São Paulo, que foi onde eles se conheceram.
P/1 - E você sabe como eles foram parar no Paraná? Qual é a história?
R - A história do meu pai é interessante. A família do meu pai comprou um pedaço de terra no interior do Paraná na década de 40, 50. Era um local absolutamente isolado e alguém precisava ir pra lá pra tomar conta da fazenda - da fazenda não, mas do pequeno pedaço de terra que tinha sido adquirido. O meu pai foi o escolhido.
Acho que eles eram em oito irmãos. Desses, [eram] cinco homens, e ele foi o escolhido pra ir pra lá pra tomar conta desse pedaço de terra. Ele foi pra lá muito jovem, com dezesseis ou dezessete anos; morou durante muito tempo sozinho, casou-se com a minha mãe aos 26 anos e minha mãe sempre morou lá. Ela mora lá até hoje.
Com o tempo, ele foi aumentando a propriedade. Hoje eu tenho dois irmãos que moram lá com a minha mãe e continuam as atividades, ou mudaram um pouquinho, mas a atividade principal hoje é a agropecuária.
P/1 - E você sabe qual é a história de como eles se conheceram? Do casamento deles?
R - Na cultura oriental, até hoje, mas em menor grau, existe muito a coisa do casamento miai, em que os pais, ou a família, ou alguém, que é o casamenteiro, apresenta o casal que eles consideram potencialmente, que tenham afinidade. O meu pai conhecia de longe a família da minha mãe. Tem um aspecto interessante: a minha tia, que era a irmã mais velha dele, casou-se também por miai com o irmão do meu avô materno, aí o meu pai acabou depois casando-se com a minha mãe por esse arranjo.
P/2 - Dois irmãos casaram com duas...
R - Não. O tio da minha mãe casou-se com a irmã do meu pai. Tem um aspecto pitoresco: a minha mãe era Masako Hobbo e mudou o nome pra Masako Sakashita quando ela se casou. E a minha tia, que era a irmã do meu pai, era Masako Sakashita e virou Masako Hobbo. (risos)
P/2 - Trocaram os sobrenomes. (risos)
R - Com o passar dos anos, essa minha tia morou durante muitos anos junto com o meu pai, na mesma cidade. Na verdade, é uma pessoa que o meu pai considerava a mãe dele, porque minha avó materna faleceu quando o meu pai tinha uns dezesseis anos. Essa minha tia, que era a irmã mais velha dele, sempre foi considerada por nós mais avó do que tia mesmo, foi a pessoa que sempre esteve muito próxima ao meu pai. A figura de avó paterna que nós temos é, na verdade, essa minha tia.
P/1 - Araci, você falou que tem dois irmãos. Fale um pouquinho deles.
R - Nós somos em seis filhos, eu sou a mais velha. Tem uma história que eu gosto muito de contar, eu acho extremamente interessante porque meu pai não pôde estudar porque ele tinha que trabalhar. Minha mãe também fez só o curso primário, depois casou e foi morar lá no Paraná; acabou ajudando não só nos afazeres de casa, mas também na fazenda, em alguns momentos.
Nós somos em quatro irmãs e dois irmãos, e o que eu acho interessante é que meu pai sempre frisou muito pra nós, principalmente às filhas, que era importante que nós tivéssemos uma profissão. Mais do que isso, era importante que nós fizéssemos faculdade pra que a gente pudesse, para que a gente fosse capaz na vida adulta de se manter ou se sustentar com uma profissão, sem depender de absolutamente ninguém. Isso é uma coisa que ele fazia muita questão e já dizia na época - eu me lembro bastante - que pra mulher ter alguma profissão e ter uma remuneração que fosse pelo menos equivalente à do homem era necessário que a gente fizesse faculdade.
A cidadezinha [em] que ele morou até o fim da vida dele é uma cidade que hoje tem 23 mil habitantes, muito pequena. E quando cada um de nós terminou o que hoje é o Ensino Fundamental - na época era Ginásio - nós todos saímos.
P/2 - Como se chamava a cidade?
R - Mariluz, no interior do Paraná, oeste do Paraná.
Quando cada um de nós terminou o Ensino Fundamental nós saímos pra estudar fora, então teve uma época que eles tinham seis filhos e nenhum morava com eles. Existe uma diferença de oito anos entre eu e a minha irmã caçula. E o maior orgulho do meu pai é que todos nós acabamos vindo aqui pra São Paulo em épocas diferentes, fizemos faculdade. O maior orgulho dele é que todos nós tínhamos entrado na USP, com diferentes profissões. (risos) Desde a minha formatura até a formatura da minha irmã caçula ele foi colocando uma cópia emoldurada de cada diploma no escritório dele na fazenda. (risos)
Ele dizia que essa era a missão dele conosco, a tarefa dele conosco era dar condições pra que a gente pudesse ter uma profissão, de preferência faculdade completa, pra que daí a gente pudesse andar pelas próprias pernas. Na verdade ele nos ajudou, nos sustentou, o que não deve ser fácil até que cada um de nós fizesse a faculdade. Depois da faculdade é que ele dizia: "A obrigação acabou aqui, agora cada um segue o seu rumo."
P/1 - Araci, você fez Medicina. O que os seus irmãos fizeram?
R - Esse é o outro aspecto interessante. Eu fiz Medicina, minha irmã abaixo de mim fez Administração, a outra fez Farmácia e Bioquímica, meu irmão fez Veterinária, meu irmão mais novo fez Agronomia e a minha irmã caçula fez Direito.
P/1 - Diferente. (risos)
P/2 - A maioria pendeu pra Biológicas.
R - É. Hoje cada um ajuda um pouquinho. Meus dois irmãos, o agrônomo e o veterinário, é que voltaram pra continuar, vamos dizer assim, os negócios.
P/1 - Conte pra gente um pouquinho como foi a infância de vocês nessa cidadezinha onde vocês moravam. Como era a casa?
R - A infância foi bem diferente da das minhas filhas, que nasceram aqui em São Paulo. (risos) Nós tínhamos uma infância típica de cidade pequena do interior - mais do que uma cidade pequena do interior, uma vida no campo.
No começo da minha infância, obviamente, a gente não tinha o conforto financeiro, não era o mesmo que eu pude proporcionar às minhas filhas; no começo, acho que até a minha irmã caçula nascer era uma coisa muito de... A vida clássica de uma família de imigrantes, uma batalha diária pra se conseguir dar um conforto razoável, mas não era uma coisa que a gente tinha… Eu diria que não éramos uma classe B, se a gente pensar na pirâmide socioeconômica. Mas foi uma infância extremamente feliz.
Minhas filhas, quando vão hoje pra lá, têm uma sensação muito gostosa, de um tipo de vida, uma vivência que elas não teriam se eu não tivesse ainda minha mãe morando lá, meu pai até 2001, mas meus irmãos lá ainda. É algo que eu gosto, é uma recordação muito gostosa, a coisa da gente brincar muito junto, fantasiar com muito pouco brinquedo.
Minha infância foi muito sem energia elétrica, então a gente não tinha televisão. Muita brincadeira de roda, muita bolinha de gude. (risos) Meu irmão mais velho, principalmente, era apaixonado por futebol e por animal. Eu me lembro muito dele com seus nove, dez anos: acordava de manhã muito cedo e descia pro curral, onde tinha os animais, pra andar a cavalo o dia inteiro. Tem muito isso. Pomar, uma vida bem de interior.
Eu percebia muitas vezes o meu pai muito preocupado com a parte dos negócios, de tocar a fazenda. A imagem que eu tenho do meu pai é, fundamentalmente, de uma pessoa que trabalhou muito na vida, mas apesar de todas essas dificuldades, acho que foi uma época muito gostosa, muito feliz, e que mudou completamente com quinze anos, quando eu saí. Eu tive não… Meu pai me deu a escolha de ficar lá e eventualmente fazer um Ensino Médio - na época era Escola Normal - e não fazer faculdade, mas a outra opção seria sair pra fazer faculdade, então, todos nós, eu e meus irmãos, acabamos saindo de lá com quatorze, quinze anos - quinze anos, na verdade.
P/1 - Araci, me conte um pouquinho. Além de jogar bolinha de gude, de jogar bola, você lembra de mais algumas brincadeiras?
R - Eu lembro muito das festas, tipo festa junina; a festa de final de ano que classicamente meu pai acabava matando, no começo um porco, depois um boi, pra comemorar com todas as pessoas que viviam na fazenda. Eu me lembro muito de uma época que nós tínhamos várias famílias que moravam na fazenda e a gente acabava brincando muito com os filhos das pessoas que trabalhavam lá em casa.
Acho que a coisa que mais me vem à cabeça são essas festas juninas, a fogueira que a gente fazia e pomar. Pomar de laranja, era fundamentalmente laranja porque a gente subia nas árvores, nas laranjeiras pra pegar a laranja. E muito de brincar de esconde-esconde porque tinha uma área imensa pra gente brincar. Era muito coisa assim, areia, brincar com lama. (risos) Minha mãe não ficava muito feliz, mas (risos)...
Cachorro a gente sempre teve, andar a cavalo. Eu não ando a cavalo, meu irmão é que gostava muito. Ver muito meu irmão jogando bola, os pomares, acho que são mais essas as imagens que me vem à cabeça.
P/1 - E tinha uma colônia japonesa no Paraná? Você tinha contato com a cultura japonesa em termos de comida, de festas, de hábitos culturais?
R - Sim, também.
P/1 - Conte um pouquinho como foi essa mistura cultural.
R - Olha, o norte do Paraná - o noroeste um pouco menos - tem uma colônia japonesa bastante grande. A nossa cidade era muito pequenininha, mas tinha uma colônia. Não era grande, mas tinha uma colônia japonesa considerável pro tamanho da cidade. Tinha o clássico Kaikan, que era o clube da colônia japonesa, em que as pessoas se reuniam, principalmente no final do ano, pra fazer a festa do Ano Novo. Em geral, tinha algumas datas comemorativas que eram grandes eventos - Dia das Mães, Dia dos Pais, que às vezes a gente acabava fazendo apresentação de dança típica etc. Isso tinha muito na minha infância.
Depois dos meus quinze anos, o que eu me lembro é que isso se perdeu um pouco, infelizmente, até porque muitas das pessoas da minha idade ou mais novas saíram pra estudar fora de lá, ou até alguns foram pro Japão, naquela época da onda de dekasseguis. Hoje, as pessoas que continuam e que mantém um pouco isso são pessoas como meus pais ou pessoas mais velhas do que eu; a maioria das pessoas acabou indo pra outras cidades, em busca de melhores oportunidades de trabalho.
P/2 - O que o seu pai plantava?
R - Até 75 era monocultura [de] café e ele tinha um pouquinho de gado leiteiro. Em 75, teve uma geada forte que acabou destruindo toda a safra e ele acabou começando a diversificar. Teve uma época que era fundamentalmente soja e hoje, o ponto forte é cana de açúcar porque tem uma usina de álcool numa cidade vizinha. Tem a parte de cana de açúcar, algumas culturas de época do tipo milho, feijão, e o meu irmão, que é veterinário, tem um trabalho bem forte agora com criação de gado de corte, confinamento. Mudou bastante a característica da fazenda, mesmo.
P/1 - E vocês falavam japonês em casa?
R - Isso é engraçado. Como eu sou a mais velha, até eu ir pra escola eu só falava japonês.
P/2 - Até que idade?
R - Até os seis anos. E quando eu comecei a ir pra escola, obviamente, meus irmãos, e pelo contato com os filhos das pessoas que trabalhavam na fazenda, a gente acabou perdendo. Meus irmãos nunca falaram japonês como eu, mas eu perdi muito do japonês por conta de não praticar.
P/2 - Você falava com seu pai e sua mãe?
R - Com meu pai e minha mãe. E é engraçado porque até hoje eu entendo o japonês, mas é muito difícil eu falar porque a prática foi se perdendo. É muito engraçado quando eu falo com a minha avó, ela fala comigo em japonês e eu respondo em português. É meio maluco. (risos)
P/1 - Araci, os seus pais falavam em japonês com seus avôs também?
R - Sim.
P/2 - Mas até os seis anos você falava em japonês com eles e falava em português com as outras pessoas? Como era isso?
R - É. Quando eu comecei a ir pra escola, eu acabei quase que usando o japonês exclusivamente com meu pai e minha mãe, e à medida que meus irmãos começaram a ir pra escola a gente acabou tornando o português a língua mãe. (risos)
P/2 - Os seus pais também.
R - Inclusive com meus pais. É engraçado, né?
P/1 - Araci, você lembra da estrutura da casa que vocês moravam? Você dividia quarto com seus irmãos? Como era essa casa?
R - No começo, até os meus nove anos, mais ou menos, nós morávamos em uma casa que tinha o quarto dos meus pais, um quarto [em] que dormíamos as meninas e os meninos, no outro quarto. Era uma casa de madeira. Depois teve uma casa de alvenaria que meu pai construiu, fez todo o projeto. O meu pai era uma pessoa interessante, era extremamente criativa.
Desculpa. A casa de madeira era um quarto [em] que dormia todo mundo; eram duas ou três camas de casal, se não me engano. Dormiam as meninas em uma cama, os meninos na outra. E depois que nós fomos pra essa casa de alvenaria, [em] que existia o quarto das meninas, o quarto dos meninos e o quarto dos meus pais.
Uma cozinha enorme, o legal era a cozinha. Essa casa, meu pai viveu [nela] até falecer em 2001; essa casa tinha uns quarenta anos, eu acho, quando ele faleceu. E depois que ele faleceu é que meus irmãos acabaram construindo uma outra casa pra minha mãe, acho que até pra que ela conseguisse vivenciar o luto e colocar um novo ritmo na vida. Isso foi em 2001.
P/1 - Araci, você tem alguma memória bem significativa desse período, dessa sua primeira infância? Algum evento que foi marcante, alguma história pra contar pra gente?
R - Difícil. (risos) Alguma coisa marcante, não sei. Eu acho que são flashes. É uma época que eu me lembro muito… Quando eu penso nisso é a época de correr, brincar, brigar muito com meus irmãos também - claro, né? (risos) Mas acho que é muito isso, não tem um fato específico, uma história marcante, não.
Acho que o fato principal é essa frase do meu pai, dizendo que as filhas dele tinham que ser pessoas adultas independentes. Isso é uma coisa que me marcou muito e que direcionou muito o que eu fiz desde que saí de lá.
P/1 - Você falou que tinha o clube, a festa de Ano Novo, falou também da festa junina. Quais outras festas vocês comemoravam, quais comidas eram mais especiais? Você lembra um pouquinho?
R - Acho que festas, de uma forma geral, eram essas; a gente não tinha muitas festas. A festa junina era a fogueira, eu lembro bem porque era na frente da minha casa que se fazia uma fogueira imensa e o auge do negócio era ficar assando o milho na espiga na fogueira. E as festas do clube japonês eram muito de ter o sushi que minha mãe fazia, que era o clássico. Tinha todo um ritual. Minha mãe fazia o sushi, o tofu e o doce de feijão, o yokan, me remete muito a isso. E a mistura, porque festa de japonês é muita fartura. A definição é: tem que sobrar comida, porque se sobrar é porque saiu da festa com fome. E classicamente é uma mistura muito grande: você tem comida japonesa, você tem o salgadinho, a coxinha, o pastel, o risólis junto com o churrasco. O meu pai era apaixonado por churrasco.
Era uma mistura muito grande, que acho que é uma característica mesmo das festas japonesas. Você sempre tem de um lado a comida japonesa pras pessoas que estão mais habituadas com a culinária japonesa, mas você também tem o salgadinho pra molecada que não come o sashimi, o sushi, e tem eventualmente a carne, porque lá no interior do Paraná tem uma colônia gaúcha muito grande. O que eu lembro era disso, a coisa bem eclética, (risos)
P/1 - Eu queria que você contasse um pouquinho agora da sua primeira escola. Você se lembra?
R - Lembro. A minha primeira escola era uma escola rural. Era muito engraçado porque não era na fazenda, mas era perto, numa outra fazenda. Era a mesma professora pras quatro séries do primário. Eram umas carteiras enormes, bem antigas, que você sentava de dois, era a carteira com banquinho.
P/2 - Todo mundo junto, de primeira à quarta série?
R - É. Eram quatro fileiras de carteira dentro de uma sala e você sentava em dupla nessas carteiras. Aqui era o pessoal do primeiro ano, a daqui do segundo ano, terceiro ano e do quarto ano. É bem anos cinquenta, eu acho, no interior de São Paulo, mas no Paraná era assim ainda. Isso foi em 66, 67. (risos) Era a escola rural, que eu e meus irmãos estudamos nessa escola até o quarto ano primário. E era uma professora só.
O interessante é que eram dois quadros negros. Ela dividia metade e metade, então a gente sabia qual era o pedaço de cada ano. (risos)
P/1 - E você lembra do primeiro dia de aula?
R - Eu lembro muito pouco. Lembro de uma foto que eu tinha do primeiro dia de aula, que foi o maior orgulho do meu pai. Ele ficou tão orgulhoso que ele quis bater uma foto pra guardar, porque a escola sempre foi muito importante pra ele. Ele não pode estudar, então pra ele era uma questão de honra que os filhos todos estudassem.
P/2 - Como você ia pra essa outra fazenda?
R - A gente ia a pé, em turminha. Os filhos das pessoas que trabalhavam na fazenda e eu, a gente ia de turminha. Não era longe. Mas era uma época que não tinha preocupação de criança sumir, ser sequestrada, essas coisas todas, então a gente ia a pé e era muito gostoso.
P/2 - Os filhos das pessoas que trabalhavam na fazenda também tinham ascendência japonesa?
R - Não, não.
P/1 - E você já falava português com eles?
R - Já. Foi aí que eu comecei a falar muito mais português do que japonês, porque até então o contato maior era com os meus pais.
P/2 - Mas quando você chegou na escola você teve alguma dificuldade?
R - Não. Que eu me lembre, não.
P/2 - Já brincava com os filhos também.
P/1 - Como era a aula...
R - Aí já fica difícil.
Eu sempre gostei muito de estudar. Uma coisa que é engraçada, porque depois disso, o ginásio na época, que é o Fundamental II hoje, era na cidade, então a partir daí a gente ia… Como que chama aquele carrinho puxado por cavalo? Carroça. Com o tempo, minha mãe aprendeu a dirigir pra nos levar até a escola, aí já era uma estrutura bem diferente.
Pra mim foi muito estranho passar de uma escola rural pro ginásio, achava enorme. (risos) Mas eu sempre gostei muito de estudar.
P/1 - E os seus pais, como eram? Você tinha que fazer lição de casa, os seus pais acompanhavam?
R - Não, porque o meu pai era uma pessoa que precisava trabalhar, muito. Minha mãe ajudava na medida do possível, porque teve uma época que nós éramos em seis crianças, com oito anos de diferença entre elas, então a gente sempre muito estudou sozinho, isso eu lembro bem. O que acabou acontecendo com o tempo é que um ajudava o outro, mas como eu era a mais velha, não tinha quem me ajudasse muito. (risos). Mas é engraçado, é uma coisa que nunca me fez falta.
Eu sempre gostei muito de estudar, é meio maluco. Não me lembro [de] nenhuma memória que eu ficasse chateada porque não soubesse fazer alguma coisa e não tinha ninguém pra me ajudar, não tenho essa lembrança. Engraçado, não tenho.
P/2 - O que você achou de diferente quando você foi pra escola da cidade?
R - Era muito maior, tinha muito mais gente. Era uma sala por ano. Nossa senhora, que coisa de louco! Era tudo muito diferente, embora fosse uma cidade muito pequena, mas já era uma expansão de um mundo que era muito restrito. Pra mim, na época, era muito grande. Era muita gente.
P/2 - E essa professora da outra escola, era a mesma professora pra todo mundo ao mesmo tempo. Como ela dava conta?
R - Eu lembro até hoje do nome dessa professora, Maria José. De vez em quando ela perdia as estribeiras, mas no geral ela conseguia dar conta. Eu também não consigo entender como ela dava aula pra tudo.
P/1 - Sozinha?
R - É, sozinha. Era muito louco.
P/2 - E as atividades eram propostas pra todo mundo ao mesmo tempo?
R - Era muito uma coisa que você chegava, sentava na carteira, tinha a lição que tinha que copiar e você ia pra casa. Não tinha muito essa coisa de interagir. Na verdade, era quase que por circunstância a gente ocupava o mesmo espaço físico. As atividades eram muito diferentes. É muito engraçado, mas era isso.
P/2 - Individuais.
R - É.
P/1 - E você sabe se além da lousa e do giz ela usava algum material?
R - Não.
P/1 - Era lousa e giz.
R - E a cartilha que a gente usava, mas fora isso, não. Era uma coisa muito tradicional, matéria, lousa, cópia, resolve problema. Vai pra casa com lição de casa, volta.
P/1 - E tinha uniforme?
R - Não, mas na escola ginasial tinha.
P/1 - Conta um pouquinho mais como era essa escola ginasial que era maior, tão diferente.
R – Era o Ginásio Estadual Dom Bosco. (risos) Era maior, a única sensação que eu me lembro era assim: “Nossa, quanta gente!” Acho que a principal lembrança que eu tenho era isso. Pra mim, tinha aberto um universo novo, um monte de gente junta no mesmo ano; pra mim era uma coisa extraordinária [ter] vinte, trinta pessoas do mesmo ano em uma sala.
Eu lembro muito da gente ir todo mundo junto, eu e meus irmãos, ou de carroça. No começo a gente ia a pé, depois a gente ia com o leiteiro que ia vender o leite na rua, a gente aproveitava a carona na carroça. (risos) E depois minha mãe aprendeu a dirigir pra nos levar pra escola.
P/1 – E vocês tinham recreio?
R – Recreio.
P/1 – Vocês brincavam do quê?
R – Aí já não vou lembrar. Eu lembro muito de amarelinha, queimada, que eram os principais jogos do recreio.
P/1 – E as aulas, tinha aula de religião nessa escola?
R – Engraçado, sabe do que eu me lembro? Aula de Artes e de Francês. Tinha uma professora de francês, professora Ruth, eu lembro até hoje.
P/2 – E tinha inglês também?
R – Não, só francês.
P/2 – E como era?
R – Hoje eu fico pensando que a facilidade que eu tenho pra línguas veio do fato de eu ter começado a aprender a falar em japonês. Depois veio o português, daí no ginásio eu tive contato com o francês e no Ensino Médio eu acabei fazendo um curso básico de inglês, que eu achei muito legal e muito fácil. De repente, a facilidade vem daí mesmo. Eu me lembro muito dessa professora de francês, que engraçado!
P/2 – E as aulas de Artes que você falou que lembra também?
R – Era a mesma professora, talvez por isso eu me lembre tanto. Foi uma pessoa que me marcou, porque me intrigava um pouco como alguém que sabia falar francês e artes foi parar lá na época. Eu falava: “Ela é tão legal.” Ela tinha até uma cor de cabelo diferente, meio ruivo. “Que coisa interessante”, me intrigava como... Eu nunca soube como é que ela foi parar lá, mas era uma pessoa que sabia falar francês. Pra mim era uma coisa tão fora do meu mundo… Ela lecionou francês lá durante uns quatro ou cinco anos.
P/2 – E a aula de Artes, como era?
R – Eu não lembro muito. Era muita coisa de trabalho artesanal, crochê, trabalhar muito com papel, colagem. Eu lembro muito dessa coisa de crochê, bordado; os meninos é que não gostavam muito. (risos)
P/1 – E você lembra das atividades da escola, um pouquinho das aulas? Você tinha coral? O que vocês faziam?
R – O máximo que tinha era bandinha, como é que chama? Fanfarra. Ttodo mundo queria ser da banda da escola. Mas Música não era algo que tinha; tinha Artes, mas não tinha Música. Religião não era uma coisa que eu me lembre também de ter tido aula, acho que é mais isso.
P1 – E a escola organizava festas?
R – Não, era fundamentalmente estudar e ir pra casa.
P/1 – E além da professora Ruth, teve algum outro professor que te marcou?
R – Não, acho que ela.
P/1 – Você lembra se a escola era restrita com controle de nota, se tinha prova, tinha que estudar bastante?
R – Era prova. Uma coisa que sempre me falaram, mesmo depois que eu saí… Durante vários anos o diretor da escola - essa é outra pessoa que eu me lembro, Celso. Durante muito tempo ele comentava com meus pais que eu tinha sido uma aluna... Eu tinha notas muito boas. Eu fui ver outro dia meu relatório de ginásio e era absurdo mesmo, era dez, nove. Eu falo: “Credo!” (risos) Mas eu lembro muito que eu gostava muito de estudar. Eu sempre gostei muito de estudar, de ler. Eu sempre fui muito curiosa, não pra fazer, mas qualquer coisa que me dessem pra ler, eu lia. É engraçado, né? E a coisa acadêmica nunca foi uma chata pra mim, eu sempre gostei.
P/1 - E você se lembra de alguma leitura desse período que tenha te marcado?
R - A gente lia muito pouco livro de literatura. Na verdade, eu comecei a ler os livros no Ensino Médio, quando eu saí de lá, mas tinha muita coisa de cartilha, eu lia muito mangá, que engraçado. (risos) Umas revistas japonesas, eu adorava mangá japonês. Acho que talvez por isso minhas filhas gostem de mangá hoje.
P/1 - Como você conseguia os mangás? Tinha algum lugar?
R - Eu não consigo lembrar, mas meu pai conseguia comprar. E como o mangá era escrito ou em hiragana yô ou katakana, que são escritas fáceis de ler, não tem os kanjis em japonês, eu conseguia ler. Tinha escola japonesa também no clube japonês, então eu aprendi a ler e escrever em japonês.
P/2 - Você tinha que idade?
R - Ah (risos), acho que foi logo depois que eu fui alfabetizada.
P/1 - Mas era pra ler e escrever, tinha kumon também?
R - Não, só pra ler e escrever.
P/2 - Que interessante, né? Logo após você ser alfabetizada em português.
R - Eu acho que sim. É, foi depois.
P/1 - Araci, como foi essa passagem de terminar o ginásio, começar essa nova etapa da vida?
R - Veio a questão de que precisava sair pra fazer uma faculdade. Meu pai, na época, tinha receio de me mandar sozinha pra algum canto, então a ideia seria Curitiba ou São Paulo. [Em] Curitiba não tínhamos parentes, em São Paulo ele tinha um pouco de receio. Era 1975, 76. Ele ficou com receio e eu acabei indo pra um meio termo: fui pra Marília, no interior de São Paulo, porque uma tia, irmã dele, mora lá. Ela tinha filhas mais velhas e uma delas com uma idade muito próxima, então eu acabei indo pra lá e fez o primeiro e o segundo ano do Ensino Médio lá em Marília.
O que acabou acontecendo é que minha irmã abaixo terminou também o Fundamental e o meu pai falou: "Bom, agora ir pra Marília. Depois tem que ir pra faculdade, não tem tantas opções de faculdade em Marília." Aí viemos pra São Paulo, porque toda a família da minha mãe morava aqui na época. Na verdade, viemos em três; minha irmã logo abaixo de mim, quando terminou o Ensino Fundamental, acabou fazendo um ano de Ensino Médio lá, achou que não valeria a pena. Quando a minha outra irmã terminou o Fundamental, viemos as três aqui pra São Paulo. Ficamos inicialmente na casa de uma tia, irmã da minha mãe, e depois, com o tempo, alugamos um apartamento. No fim, meu pai acabou comprando um apartamento porque cada ano vinha um pra cá. (risos)
Pra mim foi muito complicado porque a primeira saída… Eu me lembro muito. Quando eu fui pra Marília foi a primeira vez que eu fiquei longe dos meus pais então, durante uns dois meses, seguramente eu chorava toda noite, mas eu tinha muito claro na minha cabeça que eu não podia voltar, porque se eu voltasse eu não ia fazer faculdade. Esse era o acordo que eu tinha com o meu pai: "Se você voltar é porque você não quer fazer faculdade, então não dá." “Não, não quero voltar.” Foi uma fase muito solitária, ao mesmo tempo muita novidade. Nunca tinha andado de ônibus, não sabia usar telefone e nunca tinha morado numa cidade grande. Grande, Marília, né? (riso). Então foi muita mudança, mas ao mesmo tempo, foi algo que... Foi a época de um começo de muita saudade, muita falta dos meus pais e meus irmãos, mas por outro lado acho que me ajudou a aprender a me virar sozinha.
P/1 - E como era a sua relação com a sua tia, suas primas?
R - Na verdade, minha tia morava, e mora até hoje, na fazenda. Ela tinha uma casa que eu e minhas primas morávamos pra estudar. Na verdade, eu morava com minhas primas: uma mais velha do que eu, outra da minha idade e uma terceira, mais nova. Nós éramos quatro com a avó delas, que morava na cidade. Foi uma época muito tranquila, eu me lembro assim.
P/2 - Você não tinha convivido com as primas na infância? Você se aproximou lá?
R - É. E nós éramos muito diferentes. O que acabou acontecendo foi que a gente teve uma convivência pacífica, mas acho que eu acabei não formando laços muito fortes com nenhuma delas.
P/2 - E como era essa escola nova?
R - Era um colégio particular, diferentemente onde eu fiz o ginásio. Bastante diferente. Acho que foi a primeira vez em que eu fui confrontada com a minha limitação, porque até então eu me achava o máximo, né? (risos)
P/2 - Como assim?
R - Ah, que eu não era tão boa assim quanto eu achava que era. A dificuldade do Ensino Médio, começar a tirar nota baixa… Nossa Senhora, foi um trauma!
P/1 - E quais matérias eram mais difíceis?
R - Ah... Física, Matemática, pra quem faz Biológicas, né? Mas foi muito interessante, acho que por tudo isso.
Dessa época, o que eu me lembro bem é a questão de aprender a viver longe da minha mãe, do meu pai e dos meus irmãos. Nós éramos muito protegidos lá porque é uma cidadezinha do interior. Eu não precisava sair com dinheiro, todo mundo me conhecia: "Ah, você é a filha do seu Sakashita." "Ah, posso pegar um negócio, depois a minha mãe passa daqui e paga?" Marília não era assim, se eu não tivesse dinheiro não entrava no ônibus pra ir pra escola. Uma série de coisas. Depois, um terceiro passo foi vir pra cá.
P/2 - Nessa escola, como era a relação com os professores? Já estava um pouco mais velha...
R - Aí já é Ensino Médio, acho que é diferente.
P/2 - O estilo de aula, de ensino...
R - Era um colégio, me lembro até hoje, Colégio Promove. Era um colégio muito nos moldes do Objetivo daqui de São Paulo. Eu não lembro de nenhum professor, eu não lembro muito das pessoas com quem eu convivi na época. Acho que eu estava muito voltada… Era muita coisa diferente. Eu me lembro muito de todos os conflitos internos: você não é tão boa quanto você acha que é, você não está com essa bola toda. De repente, você não tem mais seu pai e sua mãe pra fazer tudo pra você, pra te levar na escola, te buscar na porta da escola. De repente, você não está numa cidade em que todo mundo te conhece. Foi uma mudança muito grande.
Eu tenho muito a questão de toda essa vivência: a solidão no começo, a tristeza, o chorar todo dia à noite etc. Por outro lado, o fortalecimento e saber exatamente o que eu queria fazer, de não voltar pra trás. E acho que foi uma etapa importante pra eu conseguir vir pra São Paulo depois com as minhas irmãs, sendo a mais velha.
P/1 - E como que foi essa mudança pra São Paulo?
R - São Paulo foi mais complicado, mas foi mais fácil, no sentido de que nos primeiros seis meses nós ficamos com essa tia. A gente veio pro Colégio Objetivo e teve a coisa deles: "Ah, pra ir pro Colégio Objetivo tem que pegar um ônibus."
Minha tia morava lá na Vila Mariana. Não tinha o metrô. No primeiro dia meu tio fez o caminho com a gente, mas foi muito engraçado porque depois que nós passamos a morar sozinhas, foi a primeira vez que a gente teve que cozinhar. Embora a gente ajudasse a minha mãe quando éramos menores, não éramos nós que temperávamos, então a gente comeu muito feijão queimado, arroz salgado, ovo frito horroroso. (risos) E pras minhas irmãs eu era a experiente, então foi uma época muito boa pra gente, no sentido de uma poder contar com a outra. Acho que essa coisa foi bem importante, principalmente pra essa irmã logo abaixo de mim, que tinha decidido sair só no segundo ano. Pra ela foi mais difícil.
P/2 - Ela foi direto pra São Paulo?
R - É. As duas, ela com quinze, eu com dezesseis pra dezessete e a outra com quatorze pra quinze. E eu digo pra você que meu pai teve muita coragem porque não tinha celular, não tinha Skype, não tinha internet e não tinha telefone na casa dele da fazenda, na época. A gente marcava um dia da semana e ele ia até a central telefônica da cidade pra ligar pra gente.
P/1 - Araci, qual foi a sua primeira impressão de São Paulo? Você já tinha vindo pra São Paulo antes?
R - Não.
P/1 - O que você achou da cidade?
R - É um troço assustador. O que a gente tinha muito lá é que era uma cidade perigosa, grande, que a gente tinha que tomar cuidado, por isso que a gente veio primeiro pra ficar com a minha tia. Só depois que a gente passou a morar sozinha, mas no começo a gente ficou muito assustada.
Pra mim não era tanta novidade, mas era uma escala muito maior do que Marília. E o Colégio Objetivo ali na Avenida Paulista é assustador, né? (risos) Era um mundo, mas eu principalmente estava muito focada em estudar. Eu vim pra cá pra fazer o terceiro colegial, então estudava que nem uma maluca. E eu tinha enfiado na cabeça que eu queria fazer Medicina.
P/2 - E qual era a diferença do Promove pro Objetivo? O que você sentia?
R - Tamanho de gente e o ritmo. Marília é uma cidade do interior; por mais que fosse muito maior que Mariluz, era muito menor que São Paulo. Acho que São Paulo só não foi mais assustador porque a gente veio primeiro pra casa da minha tia mesmo. Eu falava: "Gente, o que é isso?"
P/2 - O que te assustava? Você lembra de uma imagem?
R - A escadaria. Sabe o Objetivo lá na Avenida Paulista? A escadaria. Eu falava: "O que é isso? O que eu tô fazendo aqui?" Um episódio muito engraçado que aconteceu foi um dia [em que] a minha irmã logo abaixo de mim estava descendo a escadaria e ela estava descendo com os cadernos. Ela estava no segundo colegial. Bateu alguém nas costas: "Posso te perguntar uma coisa? Seu sobrenome é Sakashita?" "É." "Você é de onde?" "Ah, eu sou de Mariluz, no Paraná." "Eu sou sua prima, fulana, sou filha do fulano, que mora aqui no interior de São Paulo."
P/2 - Que gozado!
R - Era mesmo, porque três dos irmãos do meu pai fizeram a vida no interior de São Paulo, ali em Jales, que é mais pro interiorzão mesmo. E vários dos filhos deles também vieram estudar em São Paulo. Só que a gente tinha pouquíssimo contato, nessa época era muito mais difícil visitar, viajar com frequência. A gente acabou encontrando essa prima aqui e depois de um tempo ela, o irmão e um outro primo nosso, todos morávamos no mesmo apartamento, que era o nosso. (risos)
P/1 - Araci, conte pra gente das aulas do Objetivo. Teve alguma aula mais marcante que você gostava mais?
R - Foi muito ritmo de cursinho. Eu lembro que era muito coisa de chegar, ter aula, voltar pra casa, almoçar, sentar pra estudar, jantar, voltar a estudar até dez, onze horas da noite. Foi um ano punk, né?
P/2 - Mas tinha uma aula que você gostava mais? Tinha algum professor mais marcante?
R - Eu me lembro muito de um professor de Biologia que fazia um monte de musiquinha; ele era famoso no Objetivo. Constantino, eu me lembro do nome dele até hoje. Ele fazia rimas e umas musiquinhas que era pra você gravar, regra mnemônica.
P/2 - Você achava bom?
R - Eu achava engraçado porque era algo completamente diferente. O que eu me lembro muito do cursinho é a coisa do...Tem que ser tudo rápido, ritmo pra vestibular mesmo. E desse professor que cantava musiquinha.
P/1 - Araci, além de estudar bastante, nas horinhas vagas você lembra o que você fazia com suas irmãs? Vocês passeavam?
R - Olha, dificilmente a gente passeava, principalmente nesse primeiro momento. No final de semana nós íamos muito pra casa da minha avó ou dessa minha tia. Depois, a minha tia que morava com o meu pai lá no Paraná mudou-se aqui pra Guarulhos, então a gente acabava indo muito pra casa dessa minha tia, porque é com quem nós tínhamos mais vínculos, não só com ela, mas com os meus primos também. A vida era muito família. Depois com o tempo a gente começa a ir pra cinema etc, mas, por exemplo, do colégio eu não fiz vínculo porque estava todo mundo alucinado, estudando.
P/2 - No Objetivo, você diz?
R - É. Minhas irmãs que vieram do primeiro colegial também acabaram não fazendo muito vínculo, porque o esquema do Colégio Objetivo é muito voltado pro vestibular mesmo. É uma vivência completamente diferente da minha filha mais velha hoje, que fez o Santa Cruz.
P/1 - E você já estava focada com a cabeça em Medicina?
R - Já.
P/1 - De onde surgiu essa ideia?
R - Não tenho a menor ideia. (risos) Não tenho mesmo, minha mãe disse que desde muito pequena eu falava isso. Eu não sei de onde veio isso, não tenho ninguém na família.
P/2 - Algum filme, algum livro?
R - Não sei.
P/2 - O médico da cidade...
R - Não tenho a menor ideia de onde surgiu.
P/2 - Você brincava de ser médica quando pequena?
R - Não. Minha mãe diz que desde pequena eu só falava: "Vou ser médica." Enfiei isso na cabeça, eu não sei te dizer por que.
P/2 - E você falou isso sempre, durante a vida toda?
R - É.
P/2 - Em qualquer idade você tinha isso na cabeça?
R - É. Ela falou que [foi] desde que eu comecei a falar qual a profissão que eu ia ter. Claro, teve minha época de ser professora, mas ela falou que desde muito pequena eu falava que queria ser médica. Eu não sei de onde eu tirei isso, não sei, não tenho a menor ideia.
P/1 - Vocês iam no Natal visitar seus pais em Mariluz ou eles vinham pra cá?
R - A gente sempre ia nas férias e depois, no final do ano. [Quando] acabava o ano escolar a gente ia pra lá, até a faculdade. Depois muda, né?
P/1 - Araci, como foi o vestibular?
R - O vestibular foi uma coisa interessante porque eu não achava que iria passar no terceiro colegial. Embora eu tenha estudado que nem uma camela, eu achava que eu não ia passar. Quando saiu o resultado eu não vi, fui ver no Objetivo, mas eu não sabia em qual faculdade eu tinha entrado. Eu falei: "Ah, é claro que eu não entrei na minha primeira opção." E foi um amigo meu que foi comigo que viu: "Não, você entrou na USP." "Imagina, não sou tão boa assim pra entrar na USP." No fim era a que eu entrei, até com uma boa colocação. Aí começou a faculdade, que acho que foi uma das melhores épocas da minha vida.
P/1 - E você ficou superfeliz de ter entrado?
R - Fiquei felicíssima, estava sozinha aqui porque minhas irmãs já estavam de férias. Eu liguei pro meu pai, na época acho que já tinha telefone... Eu não lembro se tinha telefone na casa, acho que já tinha. Eu falei com meu pai: "Passei na USP." "Tá bom, filha. Parabéns." Que saco, passei numa das melhores faculdades e ele só fala isso pra mim? Muuuitos anos depois eu fiquei sabendo que, na verdade, ele ficou eufórico. Com toda razão, né? Depois faculdade, seis anos, residência, isso, aquilo.
P/1 - E esse período de faculdade?
R - Ah, faculdade é uma delícia, né? Foi uma época muito boa porque acho que foi a primeira época que eu formei vínculo mesmo com as pessoas. Porque lá no primário eu fiquei pouco tempo com as pessoas, no ginásio, mais quatro anos, aí fui pra Marília, fiquei dois anos, um ano no Objetivo, faculdade, seis anos. Foi aí que eu realmente criei vínculo com pessoas que eu tenho contato até hoje, que são os meus amigos.
A faculdade foi uma época deliciosa, porque eu não precisei trabalhar. Meu pai disse que enquanto nós estivéssemos na faculdade nós não trabalharíamos. Fora a coisa de descobrir mesmo a cidade universitária, tudo o que podia oferecer, depois a faculdade, com toda a tradição etc. Foi muito gostoso.
P/1 - E nessa época você passou a passear? Já tinha mais horas de lazer?
R - É, e viajava com o pessoal da faculdade no final de semana, férias; Ilha do Mel, acampar em Itatiaia no meio do inverno, programa de índio. Essas coisas todas, os primeiros shows, as mostras internacionais de cinema, os cineclubes do Bexiga, essas coisas todas. Tinha até grupo de discussão de Dostoiévski, coisas bem loucas assim, um pouco de tudo. Acho que é isso.
P/1 - E como você foi se direcionando a alguma área específica da Medicina?
R - Não, eu terminei a faculdade, comecei a residência de Clínica Geral, fiz dois anos. No segundo ano de Clínica Geral é que eu decidi ir pra uma área específica, que é Hematologia. Fiz mais dois anos de Hematologia. Terminando a residência de Hematologia acabou surgindo a oportunidade de trabalhar não em Hematologia Clínica, mas em Hemoterapia, que é uma subárea da Hematologia, Banco de Sangue. Aí que eu fui pra Banco de Sangue e estou até hoje.
P/1 - E conta pra gente um pouquinho desse tempo de residência, primeiro com Clínica Geral, depois essa passagem...
R - Embora seja uma época muito estressante porque você teoricamente é médico, com esquema de plantão, um esquema realmente bem puxado, é uma época muito gostosa também. Foi nessa época que eu conheci o meu marido, que por um acaso é um carioca que veio pra cá fazer a residência e nunca mais voltou pro Rio. (risos) É uma época muito intensa no sentido de aprendizado, você quer adquirir o máximo de habilidades porque terminando a residência você vai cair na vida.
Foi uma época muito boa. Fiz dois anos de clínica. No segundo ano eu achei que eu não iria conseguir ficar só na clínica, porque as opções que eu enxergava na época era trabalhar em Terapia Intensiva ou Pronto Socorro e eu não queria nenhuma das duas coisas, por isso que eu acabei indo pra uma especialidade.
P/1 - E por que você escolheu Hematologia?
R - Aí tem uma história, sempre tem. Médico acha que pode tudo, eu estava discutindo hoje a história da invulnerabilidade. Durante a minha residência de clínica médica eu tive dois pacientes com doenças hematológicas. Um deles morreu muito rápido porque ele chegou muito grave, tinha uma leucemia. Era um jovem de uns dezoito anos - olha como eu me lembro, só não lembro do nome dele. Mas não deu tempo pra gente fazer nada, porque quando ele chegou ao hospital ele já estava numa condição muito crítica. Ele demorou pra procurar ou demorou-se pra fazer o diagnóstico. Enfim, era uma leucemia aguda e ele morreu muito rápido. E eu fiquei com um sentimento de frustração muito grande, de impotência muito grande. E na época em que você é residente, você acha que você vai curar todo mundo, então eu achei que eu precisava ir para uma especialidade em que eu pudesse curar essa desgraçada da leucemia. Mal sabia eu que... Mas enfim, foi assim que eu acabei indo pra Hematologia.
O engraçado é que você vai pra Hematologia querendo tratar de leucemia, de câncer no sangue etc. Quando eu terminei a residência de Hematologia, as oportunidades de trabalho que surgiram foram na área de Banco de Sangue. E todo mundo falava: "Vai pra Banco de Sangue quem não consegue trabalhar em Hematoclínica." E no fim não é nada disso, é uma área que tem várias nuances e várias especialidades também. Mas eu acabei nessa área circunstancialmente. Hoje eu diria pra você que se eu tivesse que fazer tudo de novo, eu faria igualzinho. (risos)
P/1 - Explica um pouquinho porque eu não entendo muito. Como é essa área de Banco de Sangue, quais são as nuances que você falou?
R - [Em] Banco de Sangue, diferentemente da Hematologia clínica, você tem dois tipos de pessoas com quem você tem contato. O paciente - mas o paciente não é seu, em geral você entra em algum momento pra transfundir, pra fazer algum procedimento especial. E você tem uma outra população que é o doador de sangue, o indivíduo saudável. É um tipo de relacionamento absolutamente diferente. O doador vem pra te dar alguma coisa, que é o sangue, doar. O paciente precisa do sangue que o doador doa, e eu estou no meio do caminho, fazendo todo esse processo.
Na verdade, o Banco de Sangue viabiliza o sangue que é doado pro paciente, disponibiliza esse sangue pro paciente. E nesse caminho todo tem uma série de etapas, desde a triagem, entrevista do doador, processamento do sangue, a estocagem adequada, os testes que você faz pra ver se aquele é o melhor sangue praquele paciente. É tudo isso que envolve a hemoterapia, que é o Banco de Sangue.
P/1 - E agora me conta um pouquinho do carioca, da história do seu marido. (risos)
R - O carioca eu conheci romanticamente na porta do Pronto Socorro Médico do Hospital das Clínicas, porque ele fez faculdade em Petrópolis e veio pra cá pra fazer a residência. Só que já tinha começado o estágio do ano e ele não tinha sido… A faculdade não tinha conseguido contactá-lo porque ele prestou a prova de residência, não tinha passado na primeira chamada, mas um dos que tinha sido aprovado desistiu e ele foi chamado.
Por acaso ele desceu um dia lá: "Ah, eu vou passar lá na faculdade pra ver", e a menina desesperada: "Aaaahhhh, você já começou o estágio!" E aí, por um acaso ele tinha sido colocado no meu grupo de residentes e nós tínhamos começado; o primeiro estágio era o Pronto Socorro Médico do Hospital das Clínicas e ele não tinha a menor ideia. O estágio tinha começado há dois dias, ele não tinha aparecido. A gente falou: “Não sei se ele desistiu, se ele não desistiu. Alguém precisa cumprir a escala dele porque a gente distribuiu com letras e depois foi só colocando os nomes”, eram oito ou nove pessoas. E por um acaso eu falei: "Tá bom, eu entro no lugar dele e depois ele me paga." Acho que no segundo ou terceiro dia que nós estávamos de plantão ele apareceu na porta do Pronto Socorro com uma cara de perdido, procurando a minha amiga que era a líder do grupo, e ele falou assim: "Sabe o que é? Eu tô de plantão nesse final de semana na escala, mas eu tô de viagem marcada pro Rio. Eu não sabia que tinha passado." Ela falou: "Vai, depois a gente vê."
Foi assim que romanticamente [o] conheci, mas a gente começou a namorar, na verdade, uns oito meses depois, entre idas e vindas, vai, fica. Foram três ou quatro anos até que a gente decidiu morar junto. Isso foi em 89, 90.
P/1 - E onde vocês foram morar?
R - Em um lugar perto do Hospital das Clínicas porque até terminar residência… Primeiro numa rua chamada Rua Doutor Alvim, depois na Alves Guimarães, onde a gente comprou o nosso primeiro apartamento. O apartamento foi comprado em construção; quando a gente mudou, que o apartamento ficou pronto, eu já estava grávida da minha primeira filha. E foi interessante porque o carioca é José Fernando de Souza, tem metade da família… A mãe é de origem italiana e o pai, [de origem] portuguesa. Claro que o meu pai não ficou muito feliz.
P/1 - E como foi isso?
R - Mas foi muito tranquilo. Eu tinha muito receio de conversar com o meu pai, de decepcioná-lo, afinal de contas, filhinha do papai, aquelas coisas todas. Meu pai sempre foi uma pessoa muito sensata, ele nunca interferiu na escolha nossa de profissão, de absolutamente nada. E quando eu comentei com ele sobre o Fernando, que é o meu marido, ele falou: "Olha, não é o que eu sonhei pra você. Não é o que eu acho que seria o melhor pra você, mas se você gosta dele, eu acho que ele deve ser uma boa pessoa." Ele só falou: "Vamos em frente".
Meu pai era uma pessoa muito calada, sisuda. Durante muito tempo eu morria de medo do meu pai e demorou um pouco pra entender que o meu pai era uma pessoa extremamente carinhosa, do jeito dele. No começo ele estranhou um pouco, nunca morreu de amores pelo Fernando, mas também nunca foi deselegante ou mal educado, nada disso.
P/1 - E pra sua mãe?
R - Minha mãe sempre foi muito tranquila: "Filha, se tá bom pra você..." Muito tranquilo. Minha mãe gosta muito do Fernando, acho que meu pai que foi mais difícil, mas no geral foi muito tranquilo.
P/1 - E nesse começo de namoro você chegou a ir pro Rio com o Fernando?
R - O que acabou acontecendo é que o pai dele, que é engenheiro elétrico… Quando ele começou a residência aqui, acho que no segundo ano de residência, o pai acabou conseguindo um trabalho aqui, nesse projeto do corredor de ônibus da Nove de Julho. Ele veio trabalhar nisso, então eles moraram uns dois, três anos aqui, e eu acabei conhecendo os pais aqui. E depois eles voltaram, acho que depois de uns dois ou três anos, pro Rio. Virava e mexia a gente ia pra lá, eles vinham pra cá ou os primos dele vinham pra cá.
A família dele, comparada com a minha, é muito pequena. O pai é filho único, a mãe tem uma irmã só, meu pai tem oito ou nove irmãos, minha mãe tem oito ou nove irmãos, é um pouquinho diferente. (risos) A história do avô do Fernando também é muito bonita, ele veio de Portugal com os pais e a irmã e no período de um ano ele perdeu os pais e a irmã por tuberculose. Com dezoito ou dezenove anos ele teve que se virar sozinho no Rio de Janeiro. E era uma pessoa que o Fernando era muito ligado, muito bonitinho.
Mas é isso. O carioca, então, acabou encontrando a paranaense aqui e hoje a gente tem duas paulistanas. (risos)
P/1 - E como foi o nascimento da primeira filha? A mais velha é a...
R - Beatriz. A Beatriz foi interessante...
P/2 - Só uma coisa: vocês casaram, fizeram cerimônia?
R - Não, essa é outra coisa engraçada. Engraçada não, mas eu ouço até hoje. Nós fomos morar juntos, logo que terminamos a residência; no primeiro ano nós fomos morar com dois outros colegas nossos, amigos de residência. No segundo ano, cada um comprou seu apartamento, esse nosso amigo casou-se, e ficamos só nós dois no apartamento. "Então, o que a gente vai fazer agora?" "Não sei, vamos comprar um apartamento juntos?" Então compramos o apartamento da Alves Guimarães.
Um pouco depois disso: "Ah, não sei, será que não era a hora da gente pensar em ter filho, alguma coisa?. "É, porque, 31, 32". Tá bom. Aí, nós engravidamos. Quando eu engravidei, eu falei: "E agora, a gente vai casar de papel passado?" Ele falou: "Acho que é melhor." "Tá bom." A gente foi ao cartório, fez o trâmite todo e em um belo dia, 24 de janeiro, eu trabalhei até umas quatro, quatro e meia; a assinatura dos papéis no cartório estava marcada pras cinco, saí do trabalho, fui lá. Duas das minhas irmãs como testemunhas e pronto, casamos. Foi isso.
A Beatriz nasceu no dia 24 de maio de 92, um mês antes da data prevista. Não tinha nada pronto, nem o berço tinha sido entregue, embora a gente tenha comprado o berço com bastante antecedência. Foi um susto considerável, mas ela nasceu bem. E o engraçado disso é que nem minha mãe nem minha sogra estavam preparadas pra vir pra me ajudar. O que acabou acontecendo é que nós cuidamos dela sozinhos.
No começo foi extremamente estressante, mas hoje, pensando bem, acho que foi ótimo porque a gente estabeleceu uma cumplicidade muito grande. O Fernando adora bebê, me ajudou muito. Por exemplo, na primeira semana só ele dava banho porque eu tinha medo de afogar a menina na banheira. (risos) Ele que dava banho, um monte de coisa. E foi muito gostoso, foi uma fase supergostosa.
Eu fiquei cinco meses em casa, só que eu precisava voltar a trabalhar. Como minha mãe e minha sogra não moram aqui, a alternativa foi ela, com cinco meses, [ter] obviamente babá. A gente morava perto do Hospital das Clínicas, então era muito fácil ir na hora do almoço, qualquer coisinha eu estava ali por perto.
Com um ano e meio veio o drama: o que nós vamos fazer? Em vez de ficar com a empregada, vamos pôr em uma escola. Foi quando a gente decidiu, depois de muita briga, minha mãe falando: "Coitadinha! Um ano e meio, mal sabe andar, vai pra escola." Minha sogra, todo mundo. A gente tinha muita dúvida também. Fiz uma peregrinação por algumas escolas, não me pergunta o porquê, mas a gente resolveu que queria colocar em uma escola bilíngue, e a bilíngue era inglês, porque nós achávamos que entre o japonês, italiano e o português que ela ia ter que saber, nós achávamos que o inglês era a língua mais importante pra que ela tivesse fluência.
P/2 - Mas você levou em conta a sua história com aprendizado de língua pra pensar nisso?
R - Eu não sei. O meu marido tem um trauma muito grande, ele diz que teve uma dificuldade muito grande de aprender inglês. Eu não acho que ele teve, porque ele também falava italiano com a avó quando era criança. Mas eu não sei, eu tinha muito claro na minha cabeça que ela precisava ser no mínimo bilíngue, então a gente procurou muito isso, desde o início.
P/1 - Por que você tinha isso claro?
R - Eu pensei muito na época, talvez um pouco como o meu pai pensou. Eu não sei o que vai ser o futuro, qual a profissão, mas na época já era muito claro pra gente que o inglês era fundamental, independentemente. Até pensando, se de repente não fica aqui, vai para um outro lugar, criar pro mundo mesmo. Resolvemos que íamos procurar uma escola bilíngue. Na verdade, no começo a gente queria colocar numa escola americana ou inglesa e aí, depois que eu vi um pouco do processo seletivo da escola americana… As duas são muito caras.
P/2 - Por causa do valor.
R - É, primeiro. Mas segundo, ela chegou a passar por um processo seletivo da Saint Paul, que é a escola britânica, com três anos de idade. Eu achei um absurdo. (risos)
P/2 - Tipo o quê?
R - Ah, é um troço que você leva a criança lá, eles ficam acompanhando a criança em atividade, mas pra mim estava muito claro que era um jogo de cartas marcadas e eu fiquei muito brava com isso. Porque eu falei: “Submeter uma criança a isso, sabendo que é um jogo de cartas marcadas… Se eu soubesse eu não submeteria.” Eu fiquei bem chateada com isso e no fim acho que foi a melhor coisa que aconteceu, porque ela acabou ficando mesmo numa escola brasileira com o enfoque bilíngue, o que eu acho, hoje, pensando na formação que ela obteve, em tudo que ela tem, [que] está muito mais de acordo com o que a gente queria de uma escola. A escola americana, ou mesmo a britânica, eu não sei se teria.
P/2 - O que vocês queriam e acham que talvez não tivessem nessas escolas?
R - A formação mesmo, crítica, a coisa de valorizar a própria história do país, porque o próprio calendário das escolas americana e britânica não seguem o brasileiro, aí já começa a complicação. Tem férias de verão na época que aqui está no inverno, o ano letivo começa em agosto, setembro. É o calendário europeu ou americano, do hemisfério norte. E o que eu acabei vendo muito, além disso, era a questão de por serem escolas extremamente caras, você tem uma elite que nós não somos do mesmo nível socioeconômico. De citar exemplos do tipo, gente que vai passar o feriado da Páscoa em Nova Iorque. Não é a minha realidade. Embora na época eu tivesse ficado bastante frustrada, acho que o que aconteceu no fim foi o melhor pra minha filha.
P/1 - Araci, me conta uma coisa: quando você viu a Playpen, o que te fez escolher, além do bilinguismo?
R - Vou dizer pra você o seguinte: não foi a localidade. Eu fiz uma peregrinação mesmo, visitei várias escolas bilíngues. Eu visitei uma nos Jardins, a St. Nicholas, que era ali perto da [Avenida] Rebouças. Essa que eu visitei no Jardins chamava Dona Érica, bem mais perto pra mim. E a Playpen foi uma das últimas que eu visitei.
Na época, a Playpen era só uma pré-escola, era uma escola preparatória pra escola americana e britânica. Eu lembro que eu falei com a Guida, lembro até hoje que eu peguei até um telefone - na época não tinha celular. "Posso fazer um telefonema porque eu preciso decidir?" Acabei falando com o meu marido, ele falou: "Mas o que você achou?" "Eu gostei da escola, gostei do jeitão, da estrutura, achei que tem a ver com o que a gente quer pra Bia etc." "Então vamos experimentar." "Tá bom."
Pra mim não era mais próximo porque eu morava na Alves Guimarães e a escola estava onde está até hoje. E no fim: "Ah, tá bom, vamos começar." A Beatriz se adaptou bem. Pra minha tristeza, no terceiro dia a professora me mandou embora da sala, fiquei muito triste (risos) porque eu achava que ela ia... Isso começou a nos deixar mais tranquilos. Obviamente a gente estava muito estressado, porque nós não sabíamos se tínhamos feito uma boa escolha com relação à escola, mas principalmente com relação à Beatriz, porque ela tinha um ano e oito meses e todo mundo ia enchendo a nossa cabeça falando que era muito cedo, a história do inglês depois prejudicar o aprendizado do português, a alfabetização, blablabla, mil dúvidas na cabeça. Quando ela começou a escola e a gente percebeu que ela gostava da escola, a minha frustração como mãe insubstituível… Nós começamos a ficar mais tranquilos.
A gente percebeu que ela se adaptou bem à escola. Claro que no começo teve a história de um monte de resfriado, virava e mexia ela voltava pra casa mordida porque ela era pequenininha, era filha única, não sabia se defender. Com o tempo aprendeu a se defender... Teve uma época que o meu marido falava: "Beatriz, se alguém te morder, morde de volta." (risos) Não adiantava, porque não era dela. (risos)
P/2 - O Dona Érica era bem perto da casa de vocês?
R - Era aqui perto, tipo [Rua Doutor] Melo Alves, algum lugar assim.
P/2 - E porque você não decidiu por lá?
R - Eu não gostei.
P/2 - Na Playpen você entrou e...
R - Na verdade, a Playpen foi uma das últimas, porque era longe. Quem me recebeu na época foi a Guida mesmo, porque a escola era pequenininha na época, era uma pré-escola, era uma casa que na verdade ela adaptou pra uma pré-escola. Eu gostei do esquema, achei interessante a proposta. Ele falou: "Ah, você decide". Eu acabei decidindo não sei por que... Acho que tem um pouco essa coisa de empatia também, né? O St. Nicholas, por exemplo, eu achei muito sisudo, muito frio pra uma criança de um ano e oito meses. O Dona Érica eu não sei, alguma coisa que eu não gostei, eu não sei te dizer o quê, mas eu não fui com a cara; não gostei acho que do espaço físico, da forma como eu fui atendida.
A Playpen eu achei que era uma coisa mais família, menor, pequena. Eu me senti mais confortável que a minha filha iria ser melhor vista no sentido de que ela iria ser… Era uma estrutura pequena, uma pré-escola pequena. Eu falei: "Ah, ela vai ser a Beatriz. Ela não vai ser mais um dos toddlers, alguma coisa assim." Foi o que me fez escolher.
P/1 - Na época, como era pra fazer a matrícula da criança na escola?
R - Eu cheguei lá e fiz a matrícula. Era uma pré-escola. Na verdade, a única pergunta que ela me fez foi se a Beatriz já andava porque eles não tinham estrutura de berçário. Ela já andava, tinha um ano e oito meses. Ela falou: "Ah não, uma vez que a criança começa a andar ela é aceita na escola."
P/1 - E você e o seu marido já falavam em inglês?
R - Eu tenho o curso básico de inglês, mas acho que consigo falar bem o inglês. Na verdade, eu tenho o intermediário, o Fernando também. O Fernando tem mais dificuldade em falar, mas é porque ele é perfeccionista. Eu tinha uma coisa de não querer que ela passasse pelas mesmas dificuldades que eu passei com inglês porque eu tinha muito claro na época - eu falava muito isso - inglês deixou de ser um diferencial, é uma necessidade. Por conta disso que a gente resolveu mesmo colocar em uma escola bilíngue.
P/2 - Que dificuldade você passou com inglês?
R - Eu fui fazer inglês só no Ensino Médio. Achei que tinha passado dificuldade, mas eu acho que não. Se você considerar que eu consegui fazer o curso básico até o terceiro colegial, eu terminei, depois eu fiz o intermediário na faculdade, já. Eu tenho talvez facilidade por conta de todo esse background que eu tenho, mas acho que eu aprendi muito tarde.
Hoje eu tenho que escrever artigo em inglês, eu tenho dificuldade, que não é a dificuldade que eu vejo nas minhas filhas, elas têm dificuldade zero. Filme, essas coisas todas, elas nem percebem às vezes que está em inglês. E essa fluência… Por exemplo, hoje, quando eu passo um tempo falando em inglês, chega no final do dia eu estou exausta, porque é o esforço; você ouve o inglês, traduz por português, depois retraduz pro inglês pra daí falar. Pra elas, parece que tem uma chavinha, né? Às vezes elas não percebem que estão falando em inglês, porque é natural, é muito mais fácil.
Isso a gente tinha muito claro, que seria mais fácil ter fluência em uma outra língua se aprendesse desde pequeno. O que a gente tinha dúvida era se desde tão pequeno assim não seria prejudicial pro aprendizado do português, porque eram coisas que a gente ouvia, né?
P/2 - E como vocês perderam esse medo e tiveram coragem de colocar ela lá?
R - Não sei se isso é verdade. Pra gente é importante ela ter fluência em inglês, então vamos lá. E à medida que a gente foi percebendo… Primeiro que ela ficava muito bem na escola, nunca tive problema da Beatriz não querer ir pra escola. Segundo que a gente começa a ver, não tem coisa mais bonitinha que o seu filho de três anos falando palavra em inglês. Vamos combinar, né? (risos)
P/1 - Isso que eu ia perguntar, como é que foi ela falando as primeiras palavras em inglês?
R - Foi superengraçado porque uma das primeiras palavras que ela aprendeu… Ela aprendeu a contar primeiro em inglês, era muito engraçado. (risos) Começamos a ter uma pouco de dúvida: “E aí? Vamos manter aqui, mas e depois, pra alfabetizar?” Eu fiz reunião na escola pra saber como é que ia ser a alfabetização; será que não iria atrapalhar, será que isso, que aquilo. E a escola, na verdade, tinha bem claro que a primeira alfabetização seria feita na língua mãe, e depois é que vinha a alfabetização em inglês. Só que o que acabou acontecendo, nas duas, é que elas alfabetizaram nas duas línguas ao mesmo tempo. Quando eu vi isso com a Beatriz eu achei o máximo: "Nossa, que legal!"
P/2 - A própria escola fez isso?
R - Não, a escola fez um cronograma em que eles iriam alfabetizar primeiro em português e depois em inglês, então eles imaginavam que com seis anos iam alfabetizar pra português e com sete, oito anos, alfabetização em inglês. Só que o que acabou acontecendo é que a própria turminha, as próprias crianças, acabaram: "Ah, escreve assim em português.” "Ah, como é que escreve em inglês?" A Beatriz falava: "Mamãe, você sabia que em português a gente escreve "i", em inglês a gente escreve "i", mas fala "ai", e que em inglês a gente escreve de um jeito e em português de outro?”
P/2 - Na verdade, parece que a alfabetização foi até um processo mais complexo.
R - Foi, e a associação que ela fazia, a diferenciação começou a partir das próprias crianças. E foi muito interessante isso. E a outra dúvida: "Ah, mas se está fluente em inglês, vai ter dificuldade de escrever em português, a concordância", porque as concordâncias são diferentes. E não é isso que a gente vê, não foi isso que eu vi, pelo menos nas minhas filhas. Eu não vi dificuldade em escrever ou misturar a concordância do inglês com português e vice-versa; é muito engraçado, interessante isso. Eram dúvidas que nós tínhamos, mas no fim foi muito tranquilo.
[Isso] sem contar o fato de que acho que a escola passou por várias mudanças. A proposta inicial era ser só uma pré-escola. Depois, por conta até de demanda dos pais, que acabaram gostando da filosofia da escola, eles acabaram criando o Fundamental I, que seria até o quarto ano primário, e por fim, o Fundamental II. Acho que foi um processo de crescimento da própria escola, passou por um período muito crítico que foi a mudança de demolir a casa pra transformar aquilo em uma escola.
P/2 - A Beatriz estava?
R - Estava.
P/1 - Quando a Débora nasceu, a Beatriz tinha quantos anos?
R - Quatro anos.
Na verdade, o que aconteceu? Quando a Beatriz estava no quarto ano primário foi a fase em que a escola mudou pra uma sede provisória e foi uma fase que teve uma saída muito grande porque ninguém sabia, era uma fase de muitas incertezas. Pra você ter uma ideia, a Beatriz e todos os amigos da classe dela acabaram prestando provas em outras escolas porque a gente não tinha nem certeza que iria ter o quarto ou quinto ano, que ia ter classe, porque precisava um mínimo de cinco alunos pra ter a classe.
P/2 - Isso quando estava na casa provisória?
R - Isso. E acabou que ficou com o mínimo de alunos. Nós tivemos muitas dúvidas se iríamos manter a Beatriz lá, acabamos optando por mantê-la porque ela não queria sair da escola de jeito nenhum, bateu o pé. Passou no Gracinha, foi chamada e não quis ir. E no fim eu acho que foi a melhor opção, de novo.
P/2 - Quantas pessoas ficaram na classe dela?
R - Quatro e mais ela.
P/1 - Como era a comunicação da escola com os pais, vocês tinham reunião?
R - Acho que no começo era muito tranquilo porque era uma escola muito pequena, era uma pré-escola, só. Mesmo depois, quando teve até o quarto ano primário. Na verdade, a Bia sempre encarou muito como uma extensão da casa, porque todo mundo conhecia a filosofia da escola, a proposta da escola tem tudo a ver com o que a gente quer com relação à formação das nossas filhas: ser uma pessoa ética, correta, crítica, antenada no mundo, não viver numa bolha, acho que tudo isso. E a comunicação com a escola era muito tranquila. Teve uma fase bem crítica que foi essa fase da casa provisória; na verdade ia pra um lugar, depois foi pra outro. Eu fiquei muito insegura na época, falei: “Não sei se isso vai pra frente, se não vai, se realmente vai ter continuidade pro Fundamental II”, deu muita dúvida. A gente fez uma aposta, vamos apostar que a escola realmente vai se solidificar. E o tempo parece ter mostrado que foi uma boa aposta.
Quando a gente resolveu que a Beatriz ia ficar, a outra dúvida foi o Fundamental II. Porque todo mundo falava, até aí tudo bem, mas no Fundamental II você precisa ir para uma escola maior, precisa ter um grupo social de convivío maior, precisa aprender a conviver com diferenças e aí muita gente também saiu.
P/2 - Isso quando?
R - No início do Fundamental II. E aí que de novo veio a dúvida e nós acabamos optando por continuar. Ela até prestou prova pra outras escolas e nós acabamos optando por deixá-la lá, muito porque ela falava: "Eu não quero sair, eu não quero sair.”
P/1 - Ela gostava mesmo. (risos)
R - É. Depois, no Fundamental II, houve de novo mudanças, acho que no segundo ano. No que é o equivalente hoje ao sétimo ano da Beatriz é que houve uma reestruturação com relação à coordenação de inglês, à coordenação pedagógica mesmo. E aí, eu acho que a escola começou a tomar a forma ou estrutura que ela tem hoje e vai mudar de novo, já que vai mudar a coordenadora pedagógica. (risos) Mas acho que a escola realmente ganhou uma cara definitiva, a cara que ela tem hoje. Um programa muito forte de inglês com intercâmbio, logo no começo do fundamental, depois no último ano. Um programa de português bem consistente. Não que ele não fosse antes, mas eu acho que ele ganhou mais consistência.
A escola ganhou a cara que ela tem hoje, que na minha opinião é uma cara que, pra mim, preencheu muito daquilo que a gente esperava de uma escola. Tanto que a Bia foi pra escola em 94, a Débora foi em 98 pra lá. E eu acho, por exemplo, a diferença. A Beatriz passou por várias fases, ela entrou numa escola que era uma pré-escola, a escola um pouco cresceu junto com a Beatriz. A Beatriz pegou a estrutura atual da escola nos três últimos anos; a Débora não, a Débora já pegou isso mais precocemente. Se eu for pensar hoje, pesando, vendo, por exemplo, a formação acadêmica da Débora é mais consistente que a da Beatriz. Eu não estou dizendo que a da Beatriz é ruim. Tanto não é ruim que ela passou no Santa Cruz sem preparo especial nenhum, né? Mas a Débora, acho que por conta de toda a... Acho que a Débora pegou a escola numa fase mais adulta por mais tempo. (risos)
P/1 - E como foi acompanhar essas mudanças? Você falou que ficou muito insegura. Como foi essa volta, essa saída pra casa, depois a volta...
R - A volta, acho que no começo eu fiquei preocupada. Por conta do esvaziamento que aconteceu enquanto ela estava na sede provisória, a minha dúvida quando a estrutura nova ficou pronta era se a escola ia realmente voltar pro patamar que ela tinha antes em termos de alunos, de uma série de coisas, porque ela encolheu mesmo na fase em que foi pra sede provisória. Ela encolheu, algumas classes quase não existiram. E quando ela voltou pra sede nova veio a dúvida também: "Será que isso vai vingar? Será que de repente o passo foi maior que as pernas?” Eu fiquei um pouco mais insegura. E acho que foi um trabalho de novo de esperar. Acho que o fato das minhas filhas gostarem da escola obviamente pesou muito na decisão de vamos tirar, vamos manter etc. Mas eu acho que rapidamente a escola reconquistou os alunos, principalmente a educação infantil cresceu muito.
No ano passado eu me assustei um pouco na festa junina da escola porque estava muito cheia, então ela perdeu aquela característica de uma coisa pequena, mais familiar etc. Mas eu acho que conseguiu manter um pouco daquela coisa de prestar atenção na Débora e não em mais uma aluna do nono ano. Conhecer muito a Débora, saber exatamente como ela é, como ela não é etc.
Claro que quando você tem só um filho no Fundamental II você não vai tanto na escola como quando você tem um filho na escola infantil. Hoje eu tenho uma coisa mais distante, eu não vou tanto à escola como eu ia antes. O que eu vejo hoje é isso: acho que nos últimos dez anos, a impressão que eu tenho é que ela atingiu a maturidade. Houve uma época que a Guida foi muito questionada se ela não abriria um Ensino Médio, ela falou: "A minha proposta é uma escola de Educação Fundamental. Eu não quero crescer além disso, são classe com vinte, 25 alunos no máximo e no máximo duas classes por turma”, que é o que vem acontecendo.
Eu me assusto um pouco ainda. Por exemplo, a Beatriz, quando se formou, eram seis ou sete formandos. A Débora vai se formar com dez, vai ser a maior turma até hoje. Mas a turma que vem atrás dela já tem dezoito, quase vinte. E as turmas que já entraram esse ano no Fundamental II já começam a ter duas classes por turma, o que pra mim é um crescimento espantoso. (risos)
P/1 - Araci, eu queria que você falasse um pouquinho de como é acompanhar como mãe da Beatriz e da Débora a pedagogia da escola, porque acho que você acompanhou as três coordenadoras pedagógicas: a Ana Maria, depois a Márcia e depois a Célia. Eu queria que você comentasse um pouquinho desses três períodos.
R - Acho que foi um processo de amadurecimento mesmo. Acho que cada uma teve o seu papel dentro desse processo pedagógico todo. Mas fundamentalmente, o que eu acho importante é que a escola manteve a linha que é a mesma: formar alguém que seja crítico, que tenha noção do contexto em que ele está inserido. A Débora, por exemplo, foi exposta muito mais do que a Beatriz a questões muito mais importantes, sociais ou críticas. Aprender a ler jornal, a ter crítica na hora que vê um artigo, saber que aquilo é uma opinião, entendeu? Acho que a Beatriz teve um pouco menos disso. Não significa que ela tenha uma formação deficitária, eu acho que a Débora pegou a maturidade da escola, a Beatriz ainda pegou muito a escola em um processo de formação.
A Márcia foi muito importante pra escola, é uma pessoa que eu tenho um carinho muito grande porque acho que a mão dela, o trabalho dela, é muito nítido pra mim. E a Célia acho que veio sedimentar um processo que já vinha em andamento. A Ana Maria começou, a Márcia foi aparando um pouquinho mais aqui e ali, e a Célia, acho que sedimentou mesmo o programa pedagógico que também vai se adaptando, claro, com a competitividade, com a realidade que os alunos vão enfrentar daqui pra frente.
Eu acho assim: a Beatriz, por exemplo, passou no Colégio Santa Cruz, o que foi uma grata surpresa pra mim, sem preparo adicional nenhum. Ela não fez cursinho, não fez nada, passou com a formação que ela recebeu, com a carta pedagógica que ela recebeu da Playpen. A Débora, que é melhor aluna que a Beatriz, eu não sei ainda se ela passou no Santa Cruz, mas independentemente disso ela passou na Móbile, num momento de muito mais concorrência, são quatro anos depois da Beatriz. A concorrência está pior, as pessoas estão melhor preparadas, mas ela passou na Móbile, então pra mim está muito claro que eles saem com uma boa formação. Se tivesse que fazer tudo de novo eu faria, talvez eu não precisasse passar pelo estresse da sede provisória. (risos)
P/2 - Eu fiquei curiosa. Você falou que a mão da Márcia está muito nítida pra você na escola. O que é essa mão da Márcia?
R - Acho que é ter um programa pedagógico, ter uma linha pedagógica, mas ainda assim conhecer a Beatriz, a necessidade individual da Beatriz. Acho que a Márcia foi a pessoa… Pra mim é marcante esse aspecto da Márcia: acho que ela tem uma linha pedagógica, mas ela tinha também uma coisa muito próxima.
P/2 - De que forma que você acha que ela garantia isso?
R - Não sei, acho que o jeito, a forma como ela conduzia mesmo. As conversas, ela era muito próxima, acho que também porque a escola era menor. Tinha uma proximidade muito grande com os pais, a criança, com todo o desenvolvimento.
Claro, a escola cresceu muito de lá pra cá. A saída da Márcia, isso eu acho que foi muito interessante também. A saída da Márcia não foi traumática, embora ela fosse uma pessoa importante na estrutura. Eu acho que ela foi importante, teve o momento na escola; a transição dela pra Célia não foi uma coisa que eu acho que quebrou a linha que a escola vinha. Acho que a Célia já pegou a escola em um momento maior, uma escola já maior.
As minhas filhas reclamavam muito da Célia no começo (risos). É superengraçado: “Ah, porque ela é muito brava, é uma megera, que isso, não sei o quê." Com o tempo, elas falaram: "Mas a Célia falou isso." "Então não é tão megera assim como vocês acham, né? Alguém tem que pôr disciplina, regras e alguém tem que ser o chato que vai falar não pra tudo aquilo que vocês querem." O papel da autoridade, eu acho que a Márcia tinha esse papel, mas não exercia uma autoridade de uma forma tão clara como a Célia. Até porque são dois momentos bem distintos mesmo, eu acho que a Célia teve um papel importante.
A outra pessoa que eu queria falar, que eu acho que foi a pessoa que solidificou e mudou o currículo em inglês, que foi o Mister French. Mister French eu acho fundamental na escola, tem o inglês antes e depois do Mister French. Eu acho que ele é uma pessoa importante porque foi ele que deu a cara, e o currículo em inglês que a escola tem hoje é muito em função dele, da experiência dele. Até a coisa divertida do intercâmbio, acho que foi tudo ele que trouxe pra escola.
P/2 - Você acha que mudou bastante em relação ao currículo de inglês? Quais são essas mudanças que você vê?
R - Olha, eu acho que primeiro houve uma sistematização na forma como o inglês iria ser utilizado no aprendizado. A história de ter Matemática, Ciências, Estudos Sociais, Language mesmo, em inglês. O reforço pra quem estava em dificuldade.
P/2 - Não tinha isso antes, as matérias em inglês?
R - Tinha, mas não era uma coisa muito clara. Teve uma época meio confusa, meio nebulosa, que coincidiu também com a época da sede provisória. E pra mim é muito claro que o Mister French foi o responsável por estabelecer o currículo que existe hoje. E a conversa que um currículo tem com o outro, isso pra mim é muito claro. Isso eu falo pra qualquer um, tem a escola e o currículo de inglês pré-Mister French e pós-Mister French, isso pra mim é cristalino.
Minhas filhas reclamaram bastante, principalmente a Beatriz quando veio o currículo do Mister French porque se exige muito mais, e é isso que eu espero de uma escola bilíngue. Pra gente foi muito bom, pra eles nem tanto, mas depois ela reconheceu que a coisa realmente é importante.
P/1 - E Araci, você falou do intercâmbio com o Mister French. Elas chegaram a fazer os intercâmbios da escola?
R - A Beatriz fez parte da primeira turma que fez o intercâmbio pro Canadá. E pra ela foi muito importante.
P/1 - E pra qual lugar do Canadá eles foram?
R - Nelson, que é a cidade dele. Pra Beatriz foi muito importante. Ela voltou dessa viagem com a autoestima na lua, do tipo: "Putz, eu sou legal, eu posso fazer amigos, eu sei fazer amigos." (risos) Foi uma experiência muito boa pra ela.
P/1 - E depois a Débora também fez no Canadá?
R - Fez no Canadá e o da Suíça.
P/1 - A Beatriz fez o da Suíça também?
R - Também.
P/1 - E o que elas acharam?
R - A Beatriz também foi da primeira turma que foi pra Suíça. (risos) O da Suíça foi engraçado. A Beatriz teve uma vivência… Eu não sei se ela esperava a mesma vivência do Canadá, mas a Suíça pra ela foi um pouco decepcionante, no começo.
P/2 - Quanto tempo dura esse intercâmbio que eles fazem?
R - Um mês, tanto no Canadá quanto na Suíça. Na Suíça é assim: são três semanas numa escola americana em Leysin, e depois uma semana viajando, que é opcional. Só que você paga o programa todo, o pacote. A viagem é Inglaterra, França ou Itália; ela escolheu Inglaterra e acabou não interagindo tanto com outras adolescentes de outros países, porque ela ficou muito com o grupo de brasileiros. O Canadá pra ela foi muito importante.
A Débora foi o contrário. No Canadá ela sofreu muito porque é superdependente, superapegada, não cortou ainda de todo o cordão umbilical. Ela chorou por quarenta minutos na viagem de ida pro Canadá porque estava longe do papai e da mamãe. Ela foi mais nova também - a Beatriz foi com doze anos, a Débora foi com dez pra onze.
A Suíça, pra Débora, foi uma experiência infinitamente melhor do que foi pra Beatriz. As duas gostaram, mas a Beatriz gostou do Canadá e a Débora adorou a Suiça.
P/2 - Elas vão em julho?
R - É. A Débora gostou fundamentalmente porque ela conheceu crianças do mundo inteiro. Ela conheceu turco, romeno, inglês, americano, árabe, japonês, viajou com esse pessoal. Ficou num quarto com uma russa, ela adorou a menina. Então, pra Débora, acho que a descoberta, ou a autoconfiança que a Beatriz ganhou na viagem do Canadá, a Débora ganhou na viagem da Suíça. Ela gostou tanto que ela quer repetir. (risos) Mas eu acho que é uma experiência superimportante.
P/2 - Eles ficam estudando? Qual é a proposta da viagem?
R - Nas duas viagens eles frequentam aulas. No Canadá é ano letivo normal em janeiro, então eles frequentam a aula de manhã e à tarde eles fazem atividades com o grupo de brasileiros. Eles vão fazer esportes de inverno, snowboard, esquiar. Vão pra piscina térmica, aprendem a jogar curling, vão pra estação de esqui, jogo de hóquei.
P/1 - As matérias de manhã que eles fazem, eles acompanham o ano letivo de lá?
R - Isso, só que eles não têm dever de casa. (risos)
P/2 - Que delícia! E eles ficam com brasileiros de outras escolas ou os colegas...
R - Em geral, é a turminha que vai. Eles ficam cada um com uma família. A escola do Canadá junto com aqui. Na verdade, é o Mister French, junto com uma outra pessoa lá que é responsável pelo programa… Ele vê mais ou menos os perfis das duas famílias e tentam colocar a criança numa família com perfil similar à família dela aqui no Brasil. Pras minhas duas deu muito certo. Na Suíça não, eles ficam no alojamento da escola; alojamento de meninos, de meninas, como nos seriados americanos.
P/2 - E já mistura gente de vários lugares do mundo, é um intercâmbio maior.
R - É. O programa [se] chama Summer in Switzerland. Eles têm aula de inglês, música, teatro, ah... Jogam bola, uma vez por semana eles vão viajar, então ela foi pra Montreux, foi para uma cidadezinha na Itália, foi pra Berna. Chato, né? No verão. (risos) Na quarta semana ela foi pra Londres também, e adorou. É um esquema que eles vão com dois monitores da escola de lá pra Londres. De manhã o monitor fala: "Olha, tantos pounds pra você lanchar. A gente vai com vocês até aqui, o ponto de encontro é tal hora aqui." Aí eles vão pra teatro, pra Stratford, que é a cidade do Shakespeare, foram ver uma peça do Shakespeare, vão ver show. Muito chato, né? (risos) Eles voltam pra escola e de lá eles voltam pra casa. E a diferença do Canadá com a Suíça é que pro Canadá eles vão com um professor da escola, da Playpen; pra Suíça eles vão sozinhos.
P/2 - Eles estão mais velhos, né?
R - Estão com quatorze anos.
P/2 - E no Canadá?
R - De onze pra doze. Acho que é sexta série, sexta pra sétima. Um pega o inverno e o outro o verão. Até eu quero ir, né? (risos)
P/2 - Eu também, acho que vou me matricular na Playpen.
R - Acho que juntando tudo isso você acaba formando. Por exemplo, a Beatriz acabou de entrar na faculdade, entrou nesse ano em Química na USP, também sem cursinho, apesar que eu achei que ela não fosse passar. Mas hoje eu tenho duas pessoas extremamente críticas, ligadas ao que acontece no mundo; têm idéia de que elas são privilegiadas, que elas têm um conforto, um estilo de vida que não são muitas pessoas que tem no país. Elas sabem o país em que elas vivem. Acho que esse é o ponto fundamental.
P/2 - Isso é legal da Playpen. Até foi um ponto de comparação com outras escolas lá atrás, americana ou inglesa, ou saber inglês e saber o país em que vive.
R - E foi muito engraçado. O Santa Cruz, pra Beatriz, foi meio que uma continuidade da Playpen. Ela se assustou no primeiro dia com o tamanho da escola, porque ela saiu de uma classe de seis pessoas [para] um colégio que só o primeiro ano do Ensino Médio tinha seis classes de 42 alunos cada. Mas foi muito interessante porque pra ela era uma Playpen maior. Por isso que eu espero que a Débora também consiga passar no Santa Cruz, eu acho que vai ser legal.
P/1 - As outras atividades da Playpen: você acompanha as Bienais, os estudos do meio...
R - Bienais, estudos do meio, tudo. Acho que desde a primeira Bienal a Beatriz participou, a Débora também. Os estudos do meio, acho que hoje faz parte do currículo de qualquer escola e acho importante até pra ter contato com outras realidades. Então, por exemplo, elas foram pro Vale do Ribeira. "Mãe, é difícil lá."
P/2 - Os quilombos?
R - É. Foram pro Petar. “Olha, Petar é um lugar lindo, mas precisa tomar cuidado porque se a gente não preservar, daqui a pouco vai estar tudo estragado.” Então [elas têm] a noção da realidade em que elas vivem, da realidade que o país tem.
Ir pro interior do Paraná, lá na casa da minha mãe, também é interessante porque é uma vivência que elas jamais teriam se não tivessem a minha família lá. A outra coisa, os avôs paternos no Rio de Janeiro. O Rio é lindo, "mas essa praia é poluída porque isso, aquilo, mas aqui não pode andar porque é perigoso."
Viver numa cidade grande como São Paulo. Ah tá, vamos andar de ônibus, mas tem que tomar cuidado, tem que cuidar disso, daquilo, tem que estar de olho na mochila, no celular, não pode estar no ônibus com iPod porque de repente alguém pode querer pegar. Saber que elas têm mesmo um estilo de vida que é privilegiado.
P/1 - Araci, como foi esse processo de escolher qual seria a próxima escola, ou estar escolhendo agora porque está fazendo de novo com a Débora?
R - Difícil. (riso) Quando nós pesquisamos as escolas, nós tínhamos algumas escolas que nós não inscrevemos a Beatriz pra fazer o processo seletivo - Porto Seguro, Santo Américo, porque achávamos que era uma coisa muito tradicional e não é bem o que a gente achava que seria interessante pro Ensino Médio. O Objetivo, Bandeirantes também não, porque o foco não era só vestibular.
Acabamos ficando entre três escolas. Móbile, que eu conhecia pouco, mas eu fui até lá, vi uma reunião com o diretor e coordenador pedagógico do Ensino Médio com a diretora do Ensino Médio na época, achei uma proposta interessante. O Santa Cruz, que eu não conhecia, mas eu conhecia algumas pessoas que tinham os filhos lá. A Célia teve os filhos que estudaram lá, eu tinha boas referências. Também fui conhecer a escola, tem um espaço físico ma-ra-vi-lho-so, que é imbatível, né? E o Nossa Senhora das Graças, o Gracinha. O Gracinha, eu vou dizer pra vocês que na reunião que eu fui - foi a única reunião que meu marido conseguiu ir também - nós não gostamos da proposta, achamos um pouco cabeça demais. Eu não senti afinidade com aquilo que a gente queria pra Beatriz, tanto que a gente desistiu.
P/2 - Como cabeça demais?
R - Não sei, achei um pouco soltas algumas coisas. Não cabeça demais, mas achei que a proposta deles não batia muito com aquilo que a gente queria pra Beatriz. A coisa de "tudo bem, não é pra só focar em vestibular, mas não dá pra não pensar em vestibular."
P/2 - Faltou um pouco de pé no chão?
R - Isso! Acho que é muito legal, uma proposta interessante, acho até que tem famílias e crianças que vão se adaptar muito bem à proposta do Gracinha. Pra mim ficou em dois extremos: eu não queria um Bandeirantes, mas eu também não queria um Gracinha, eu queria uma coisa no meio termo. E aí a gente ficou entre Móbile e o Santa Cruz.
Ela passou na Móbile, que é o resultado que sai primeiro, nós inscrevemos e depois saiu o resultado do Santa Cruz. A gente falou: "E agora, pra onde vai?" Pesa daqui, dali. Confesso que num primeiro momento o que pesou muito no Santa Cruz foi a área física, porque o Móbile...
P/2 - Fica em Moema?
R - Na [Rua] Diogo Jacome, em Moema. Na época, há quatro anos, a Móbile não tinha a estrutura que tem hoje. Eu ainda acho que falta verde, mas é melhor que a estrutura de quatro anos atrás. E no fim acabou sendo uma escolha extremamente feliz. A minha filha se adaptou superbem, adora aquela escola. Até hoje ela vai pra aquela escola todo final de semana, pra encontrar os amigos.
P/2 - A Beatriz?
R - A Beatriz.
P/2 - E ela já saiu de lá.
R - Já saiu, está na faculdade.
P/2 - O que ela faz, tem atividades pra fazer?
R - Tem, ex-aluno pode entrar lá o resto da vida porque o dedinho fica lá, então ela pode entrar. Tem festival de banda, tem teatro e ela está lá.
Pra Débora, eu não sei se ela tem mais perfil de Móbile que Santa Cruz, mas talvez, até porque a Débora tenha mais perfil de Móbile, eu talvez queira que ela vá um pouco pro Santa Cruz, porque a Débora é muito exigente com ela mesma. De repente, se soltar um pouco, ir pra um Santa Cruz; talvez ela precise de uma estrutura um pouco como o Santa Cruz pra não encanar tanto com nota, em ser a primeira, aquela coisa toda. Eu não acho que o Móbile cobre isso, mas eu acho que na estrutura da Móbile ela vai exacerbar um pouco esse lado. Essa é só uma impressão, mas se eu olhar as duas, a Beatriz tem perfil de Santa Cruz e a Débora tem perfil de Móbile.
P/2 - O Móbile é um pouco mais tradicional que o Santa Cruz?
R - É, um pouco mais. Mas tem uma boa formação humanista, tem uma série de programas sociais, de coisas muito boas. Eu gostei muito. Eu fui esse ano de novo na reunião da Móbile e gostei muito. Eu acho que as duas escolas complementam a formação da PlayPen, tanto que tem muita gente da PlayPen na Móbile e no Santa Cruz. Acho que qualquer uma das duas vai ser um excelente complemento pra formação da Débora, independentemente de qual delas ela entre.
P/2 - As duas têm provas, né?
R - As duas têm. A Débora já está matriculada na Móbile porque é o resultado que saiu primeiro, mas se ela entrar no Santa Cruz eu tenho dúvida. (risos)
P/1 - Araci, você estava falando que as duas são como se fossem um complemento da PlayPen. Em termos de pedagogia você não vê muita diferença?
R - A Móbile eu não tenho ninguém lá, o Santa Cruz eu tenho certeza. A Móbile, a proposta que eu vi e a forma como é a avaliação, todos os programas adicionais que ele tem, tudo, eu acho que tem tudo a ver com a Playpen. E acho que a Débora tem alguns amigos mais velhos que estão lá - a própria Bia, uma das amigas dela, foi pra Móbile. E está muito bem, quer dizer, já saiu também porque já está na faculdade. No começo teve uma certa dificuldade porque o nível de exigência é muito alto, mas uma vez que ela resolveu ficar, ela entrou no ritmo. Eu acho que as duas são excelentes escolas e eu acho que as duas tem muito a ver com a linha pedagógica da Playpen, por isso que eu escolhi as duas.
P/1 - Agora a gente vai começar a encaminhar pra uma parte mais avaliativa. Primeiro eu queria perguntar como você vê a Playpen daqui a cinco anos.
R - Uma incógnita... (risos) Porque eu não sei, está mudando de novo a coordenação pedagógica, eu não conheço a pessoa que vem. Eu tenho muito claro pra mim que a Playpen como é hoje tem muito a ver com a Célia e o Mister French, então eu não sei. Pode ser que ela continue a mesma coisa, ou melhore, ou mude... Melhore não, acho que mudar em alguma característica, porque acho que tem muito a ver [com] quem é o coordenador pedagógico. Claro que acho a linha geral não vai mudar, mas eu não sei te dizer, honestamente.
O inglês com o Mister French eu vejo igual ou melhor; acho o Mister French uma pessoa extremamente competente, que gosta do que faz, que é importante, e acho que é uma pessoa que deu uma outra cara mesmo pro currículo de inglês. Acho que é fundamental pra manter essa estrutura e eventualmente trazer novas coisas.
Essa pessoa nova que está entrando eu não conheço, então eu não sei. Eu espero que continue um processo de crescimento ou de amadurecimento, se mantém esse amadurecimento que eu acho que a escola atingiu.
P/1 - Você falou um pouquinho que não queria o Porto Seguro, o Santo Américo. Eu queria que você falasse um pouquinho de como você vê a educação nesse cenário atual.
R - Eu acho que mais do que conteúdo programático eu sempre procurei uma visão geral. Eu não quero só preparar minhas filhas pro vestibular, eu quero preparar minhas filhas pra vida. Pra você preparar pra vida elas precisam ser pessoas críticas, elas precisam saber olhar uma coisa e saber, ter formação e bagagem pra criticar, pra aceitar ou não. Se não aceitar tem que saber criticar de uma forma consistente e fundamentada. Não é: "Ah, porque eu quero assim." Ter bagagem e formação suficiente pra saber criticar qualquer coisa, ter noção de que pra eu mudar esse país eu preciso ter pessoas com uma boa educação, boa formação e de pessoas que tenham visão crítica, que não achem que salário-família é uma coisa que resolve o problema de todo mundo.
Acho que enquanto o país não investir em educação a gente não vai conseguir mudar o cenário econômico, social, diferenças. Infelizmente, eu acho que ainda hoje os nossos principais líderes não enxergam isso como uma prioridade.
P/1 - Eu queria que você falasse um pouquinho de você. O que você gosta de fazer nas suas horas de lazer, se está muito ocupada trabalhando muito...
R - Olha, eu tenho um ritmo de vida bem puxado. Eu trabalho no papel oito horas por dia, mas em geral dez, doze. Tenho um cargo hoje de coordenador médico do Banco de Sangue, o que acaba gerando uma série de outras demandas, que não só a minha atuação técnica como médica. Tento conciliar isso [com] a vida de mãe e mulher às vezes é difícil. Eu brinco às vezes, dizendo que se eu fosse duas já estava melhor, mas três seria o ideal (risos).
Tenho um ritmo de vida bem puxado, adoro o que eu faço, sou apaixonada pela minha profissão, mas adoro mais ainda as minhas filhas, a minha família. Sou absolutamente coruja, acho as minhas filhas as mais lindas, as mais inteligentes, as mais fofas, tudo. Acho isso. Sou muito dura com elas, acho - não, sou dura quando preciso.
Meu marido é um pai extremamente presente. Acho que as duas são a nossa prioridade, sempre foram, desde que a gente resolveu que ia ter filho. Muito do que a gente faz é em função de prepará-las de forma adequada pra vida. Formar pessoas éticas, corretas e principalmente pessoas do bem, de bem com a vida e do bem.
Fora, o que a gente gosta de fazer é viajar. Nós já viajamos muito com elas, desde muito pequenas, pros mais diferentes lugares. Acho que uma das viagens mais interessantes que elas fizeram foi uma viagem que eu não pude ir porque eu tinha recém-começado no Einstein e elas foram só com o pai, a Beatriz com nove anos e a Débora com cinco anos. Eles foram pra uma estação de esqui na França.
Foi muito legal porque ele viajou sozinho com elas, ele foi extremamente corajoso. Eu não sei se teria coragem de viajar com elas pro exterior, mas ele foi sozinho com elas, ficou dez dias e é uma das viagens que elas têm o maior número de recordações com ele. É muito legal. Ele é um pai dez, onze, de vez em quando doze, que briga muito com elas, mas acho que briga porque quer o melhor. Eu brigo menos, mas eu sou mais chata com elas no sentido de não pode, não pode. Ele acha que eu sou mole. (risos) Mas acho que a prioridade principal é elas mesmo.
Estou feliz com o que vejo nelas hoje. São duas meninas muito tranquilas, não dão trabalho. A gente reclama, briga muito com elas. Ontem a Débora resolveu de última hora ir no show do Paul McCartney, quase me pôs louca, mas enfim, foi, né? (risos)
P/2 - Conseguiu entrar?
R - Não, entrou sozinha. Foi a primeira vez que foi sozinha numa pista, quase morri, mas tudo bem. (risos) Mas no geral estou muito feliz.
Acho que a escola… Eu não vejo a escola como alguém que vai formar o indivíduo, acho que a escola complementa a formação que a família dá. Caráter, pessoa, quem dá é a família, não é a escola. A escola complementa, forma o cidadão, a pessoa que sabe viver em sociedade de forma ética. Mas a pessoa, caráter, índole, é formada na família, é o núcleo familiar que faz.
P/1 - Teve algum momento de muita emoção nesses anos de Playpen, que você se lembra dela se formando...
R - Muita emoção, eu sempre chorava todas as vezes que era o Dia das Mães. Elas fazendo apresentação. Com elas pequenininhas, grandonas também, eu sempre chorei. Sou superchorona. Meu marido é mais.
P/2 - Estou curiosa com uma coisa aqui. Elas contavam pra você coisa das escola, com relato: "Ah, hoje eu vi isso na escola"?
R - Não muito, a gente forçava às vezes. Acho que teve fases. A Débora está numa fase que não conta absolutamente nada. Catorze anos. A Bia nunca foi de contar muito, às vezes a gente percebia... Nós fomos sempre muito atentos, ficamos atentos a tudo; a Bia passou por várias fases e acho que depois do Canadá que a coisa mudou. Teve uma fase em que ela estava mais gordinha, então, ela se achava o ET porque, putz, duzentos gramas mais que as amigas vira ET, né? Tinha uma questão de se impor, de não falar, não colocar opinião, uma coisa que a gente trabalhou muito uma época.
A Débora teve uma fase em que o perfeccionismo chegou ao extremo, então teve um trabalho muito grande junto com a escola, de conversar muito de perto como é que a gente faria pra melhorar isso. Sempre foi um trabalho muito de parceria, mas acho que isso é muito em função do que você quer e da escola que você escolhe pro seu filho.
Por que a gente não escolheu o Porto Seguro, que é muito mais perto de onde moro? Por que não escolhi o Santo Américo, que é mais perto ainda de onde eu moro? Porque eu acho que a linha pedagógica e a filosófica dessas duas escolas não é condizente com aquilo que a gente prega e usa em casa, com a filosofia que a gente tem com elas. E a Playpen sempre foi muito... A gente fala muito a mesma linguagem, a coisa do "tudo bem". Por que não é pra fazer isso? Por causa disso, disso e disso. Quer fazer alguma coisa? Tem essa e essa consequência. Não quer fazer? Tem essa e essa consequência. A escolha é sua. Ou não, vai fazer isso porque estou mandando, eu não acho isso o melhor jeito de fazer as coisas.
Você vê que hoje eu sofro com isso, é muito mais difícil, dá muito mais trabalho, você tem que contra-argumentar com muito mais consistência. Acho que a gente nunca usou a frase: "Eu sou sua mãe, eu sou seu pai, e você vai fazer isso porque eu estou mandando." A gente usa do tipo: "Olha, enquanto você for a minha filha e morar na minha casa as regras são essas. Depois, quando você tiver a sua casa as regras podem ser outras, mas aqui as regras são essas e você precisa respeitar." E acho que é muito isso que a escola coloca também. E o Santa Cruz põe muito isso também, então...
P/1 - Só pra gente encerrar essa parte de avaliação, eu queria que você falasse um pouquinho como você compararia essas escolas que você estudou com a Playpen.
R - Ah, completamente diferente. (risos) Eu tenho uma infância absolutamente distinta da das minhas filhas, e meu marido também. Meu marido estudou durante muito tempo em escola pública, que era muito boa na nossa época; eu estudei em escola pública até o colegial.
Infelizmente, pras minhas filhas, isso não foi nem aventado. A possibilidade de colocá-las em uma escola pública nunca passou pela nossa cabeça porque por definição é um ensino de qualidade, se não ruim, inferior ao que os colégios particulares podem oferecer. Infelizmente, essa é a realidade brasileira. Só por isso tem uma diferença fundamental.
P/1 - Além dessa diferença na questão da escola, o que você acha que mudou na questão da educação no Brasil, desde sua época para o que as meninas vivem hoje?
R - Acho que uma preocupação maior em formar um cidadão, não só em fornecer conteúdo programático. Não é só dar conhecimento de Matemática, Física, Português, regra, gramática, tudo. Mas é com estudo do meio, com aulas de ética, filosofia etc. Você formar um cidadão mesmo, alguém que tenha visão crítica, ética e que leve isso pra vida, não só no discurso, num país e num momento em que a gente vive uma crise muito grande de ética. "Olha, você precisa fazer tudo isso pra ter um país melhor pra viver, pra você poder fazer a diferença naquilo que você acha que tem que fazer."
Sem dúvida nenhuma, a Beatriz, com dezoito anos, tem uma formação infinitamente maior do que eu tinha em termos de bagagem política, história moderna, onde é que nós estamos. Não só informação, mas tudo, ter noção crítica das coisas. Ler uma Veja, uma Exame, uma Carta Capital, uma Folha de São Paulo e saber que tem uma visão tendenciosa aqui, ali. É uma coisa que com dezoito anos, eu confesso a você, eu não tinha.
P/1 - Araci, como você avalia o impacto da passagem delas pela Playpen na vida pessoal delas, talvez profissional, futuramente, e o impacto da Playpen que passou pela sua vida.
R - Olha, eu acho que é uma experiência altamente positiva. Acho que a escola proporcionou aquilo que eu queria pra elas, que é isso tudo que eu falei, uma boa formação global. Fora isso, acho que a escola conseguiu aquilo que eu queria quando eu pus lá com um ano e meio, que era a fluência numa segunda língua que não na língua mãe. É uma coisa diferencial, quer dizer, elas já saem de um patamar diferente do meu. Daqui a pouco elas vão ter que aprender chinês, mas isso é outra história. (risos) Mas acho que a formação, o bilinguismo eu acho que é importante.
O impacto pra mim é algo positivo, tanto que é uma escola que eu recomendo. Eu já recomendei pra algumas pessoas que tinham dúvida, pra algumas mães de primeira viagem, “coloca cedo, não coloca”. É uma experiência que eu te falo, é uma escola que eu acho que eu vi crescer e amadurecer. Hoje eu acho que atingiu a maturidade e daqui pra frente vamos ver que caminho ela vai seguir, mas certamente ela deixou a marca nas minhas filhas, que era o que eu queria: uma boa formação enquanto indivíduos que vivem em sociedade.
P/1 - E quais foram os maiores aprendizados de vida que você obteve nesse período?
R - Pra mim eu acho que é muito… Não sei se um aprendizado, mas é de novo mostrar que quando você segue um pouco o seu feeling - aquilo que realmente você quer de melhor, independentemente de ser o seu filho, pra qualquer pessoa - quando você segue um pouco seus instintos… Pelo menos a minha história de vida sempre me mostrou que quando eu sigo aquilo que eu acho que é o melhor, depois de analisar, em geral o resultado é bom. (risos) Então, sem ser pretensiosa, acho que a gente pensou muito. A gente tinha muita dúvida se a idade que nós colocamos as nossas filhas na escola era a melhor, se a história de colocar numa escola brasileira bilíngue era a melhor escolha, uma série de dúvidas que a gente teve. Numa escola pequena em vez de uma escola grande, uma escola nova comparada com um Dante Alighieri, com colégios muito mais tradicionais, o próprio Santo Américo, o Porto Seguro. Acho que a gente seguiu muito aquilo que nós acreditávamos que era melhor pras nossas filhas dentro daquilo que nós queríamos ou esperávamos de uma escola. Eu não escolhi uma escola por causa do nome, da tradição, do tempo. Eu escolhi a escola que eu achava que era o melhor pras minhas filhas, de acordo com aquilo que eu queria com uma escola, isso que eu acho que é difícil às vezes a gente fazer.
Se você parar pra pensar, eu escolhi uma pré-escola, né? E quando a Playpen virou escola do ensino infantil, e depois escola do ensino fundamental, na verdade a gente apostou, e eu não me arrependo dessa aposta. Acho que nós apostamos e ela me devolveu o que eu esperava, o que eu queria quando eu resolvi que minhas filhas iriam ficar na Playpen foi o que eu consegui. O alvo foi plenamente atingido na minha história, quer dizer, na história das minhas filhas. Eu não sei se elas têm essa mesma impressão hoje, mas um dia elas vão ter. (risos)
P/1 - Agora pra gente encerrar eu gostaria de perguntar: o que você acha da Playpen comemorar os trinta anos por meio desse projeto de memória, de envolver toda a comunidade escolar, pais, filhos, professores?
R - Eu fiquei surpresa, não sabia bem o que era. Eu não sei quem foi que me ligou.
P/1 - A Fernanda.
R - É. Fernanda, Museu da Pessoa. A primeira vez que eu recebi esse recado eu falei: "Mas o que esse Museu da Pessoa quer falar comigo? O que é isso?" Um dia ela conseguiu me pegar em casa. Primeiro eu achei inusitado, diferente, eu confesso a vocês que eu não conhecia o Museu da Pessoa. Já andei bisbilhotando lá embaixo, achei interessante. Eu vi que o foco realmente é a história de vida das pessoas, tanto que eu achei que vinha aqui e em meia hora eu ia acabar porque era só pra falar da Playpen; eu falei da minha vida. Acho interessante, estou curiosa pra ver qual vai ser o resultado. Achei no mínimo bem inusitado, bem diferente. E eu queria saber de quem foi a ideia.
P/1 - Foi da Guida, junto com a Gabriela, sentando com a Márcia, que é a coordenadora do nosso projeto no museu. Elas sentaram...
R - Que Márcia?
P/1 - A diretora do museu, Márcia Ruiz. Resolveram fazer esse projeto de comemorar os trinta anos com esse resgate de memória, construir essa memória coletiva da escola.
P/2 - Sabe que isso vai virar um livro?
P/1 - Vai virar um livro, um documentário e uma agenda.
R - Não sabia! Credo! É, mas eu sou uma testemunha viva da escola. Eu tive muitas dúvidas, acho que em alguns momentos eu até briguei com a Márcia, com a própria Guida. Em alguns momentos eu achei que a coisa tomou uma direção... Houve alguns momentos realmente de indefinição que eu acho que foi a história da sede provisória; depois, na hora que voltou… “Será que isso vai vingar, que não vai? Vai virar um elefante branco, não vai...” O tempo me mostrou que não.
P/2 - Você discutia com elas abertamente?
R - A gente discutia mais... Eu cheguei a falar uma vez com a Márcia sobre os nossos temores quando a Beatriz prestou prova, porque existia a possibilidade da classe dela não existir. Eu expressei inclusive a minha tristeza porque eu falava: "Eu não quero tirar a Beatriz agora, eu não acho que ela está preparada pra ir pra uma escola grande. Eu acho que tem um processo aqui que ainda não terminou." Acho que todos os percalços do crescimento da escola eu vivi - não só eu, a decisão não foi só minha, é minha e do meu marido sempre. A gente acabou apostando, às vezes com dúvida, mas o tempo nos mostrou que a gente fez a melhor escolha.
Felizmente, assim como se a gente eventualmente percebesse que não é o caminho que nós queríamos, obviamente elas teriam saído. Mas eu não gosto dessa coisa de começar uma coisa e deixar pela metade, eu acho que quando você começa você tem que ir até o fim. E o projeto na Playpen, quando a gente começou com a Beatriz, era ir até os três anos. Quando ela fez três anos e a gente percebeu que de repente era um caminho que a gente queria pra ela, “então tá bom, vamos até aí.” “Mas e depois, se não tiver escola infantil, pra onde a gente vai?” “Ah, não sei. A gente decide depois.” E quando veio a escola infantil... “Tá bom.” “Mas agora vai acabar, e aí? Pra onde a gente vai?” “Não sei, vamos ver pra onde vai.” E aí foram surgindo….
"Mas a infantil é muito nova, a escola acabou de virar uma escola infantil. Será que a gente vai deixar aqui mesmo, será que não vai?" "Mas vai pra onde?" "Pra isso, pra aquilo..." "Ah, não.“
P/2 - Vocês também foram confiando, né?
R - Muito, acho que a gente apostou muito na escola.
P/2 - A escola foi construída com essa comunidade de pais que foram confiando também, isso é muito bonito. Não é a escola que foi aumentando e vocês foram... Foi um processo conjunto.
R - E eu digo pra você: hoje, conhecendo o Santa Cruz, eu não colocaria minhas filhas lá no Ensino Fundamental.
P/2 - Por quê?
R - Eu acho que o Santa Cruz é muito grande. O Santa Cruz é um excelente colégio pra Ensino Médio; pra Educação Infantil e pra Fundamental eu tenho minhas dúvidas. Eu ainda acho que uma escola menor é importante pra uma criança na pré-escola, na Educação Infantil. No Fundamental II eu tenho dúvida se precisa ir pra uma escola maior, tanto que a gente acabou deixando as duas lá.
Ensino Médio não, Ensino Médio eu acho que é uma outra fase da vida. Você tem que começar a se preparar pra uma faculdade - não tô falando em conteúdo programático, mas convívio social. Você tem que sair debaixo da asa da mãe, do pai e da escola pequena; tem que ir pra uma escola maior, aprender a conviver com gente diferente: gente chata, gente isso, gente aquilo, porque te prepara pra faculdade. É isso.
P/1 - Araci, a última pergunta agora é o que você achou de ter vindo até o museu e participado dessa entrevista.
R - Eu estou um pouco surpresa, porque achei que eu ia chegar aqui, falar meia hora sobre a Playpen, e que eu podia ter respondido por e-mail. (risos)
P/2 - A história é outra. O museu trabalha muito com relato oral. Nada compara a sua fala com um e-mail.
R - Foi muito engraçado porque eu falei pra você: "Escuta, não dá pra você me mandar as perguntas por e-mail?" Eu falei pra Fernanda. "Eu tenho um esquema superpuxado, estou em um mês..." "Sabe o que é? É muito importante o seu depoimento..." "Tá bom."
Eu achei bem interessante. Fiquei um pouco surpresa porque não achei que fosse ser fotografada, não achei que seria gravada. Achei que eu ia responder três ou quatro perguntas sobre a Playpen.
P/2 - É legal, se depois de você ter entendido um pouco mais da dimensão do projeto… Se você puder, tiver material, fotografia, algum material delas que sejam legais e você queira compartilhar com o projeto de memória, seria muito legal.
R - Tem uma coisa interessante. A gente fez um dos aniversários da Beatriz na escola. Meu marido, que é um superartista frustrado, fez um convite que era a frente da pré-escola. Eu vou ver se eu tenho.
P/2 - Superlegal, pra gente é superimportante.
R - O convite dela era a frente da escola.
P/2 - Até a questão espacial da escola permeia a história da escola inteira: "Ah, começou numa casinha que a Guida morava, aí ampliou uma casinha, ampliou outra, sai, demole."
R - A Beatriz pegou a casinha que a Guida morava. Superengraçado, porque a primeira imagem que eu tenho da Beatriz na escola, fora o uniformezinho maravilhoso que eu bati milhares de fotos… Ela tinha um degrauzinho, a entrada principal era uma porta. Tinha um degrau, ela não conseguia subir o degrau porque era pequenininha, então ela ficava de quatro, subia o degrau e descia. É muito interessante. Eu acho que eu tenho esse convite de aniversário.
P/1 - Araci, superobrigada, de novo.
R - Eu que agradeço.
P/1 - A gente agradece.
R - Poxa, fiquei surpresa.
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