Projeto: Memórias do Comércio de São Paulo
Entrevistado por: David Sampaio e Daniela Baraúna
Depoimento de Roberto Eduardo Lefrefe
São Paulo, 09 de Maio de 2012
Realização Museu da Pessoa
Depoimento MCNO_HV051
Transcrito por Cristiana Sousa / MW Transcrições (Mariana Wolff)
P/1 – Então, senhor Roberto, primeiramente eu gostaria de agradecer muito a sua participação no projeto. Pra começar a nossa entrevista eu gostaria que o senhor dissesse pra gente o seu nome completo, o local e data de nascimento.
R – Roberto Eduardo Lefèvre, nasci em São Paulo no dia sete de julho de 1936.
P/1 – E o nome dos seus pais?
R – Carlos Eugênio Lefèvre e Maria Helena Sardinha Lefèvre.
P/1 – O senhor tem irmãos também?
R – Não, não tenho irmãos, sou filho único.
P/1 – E o senhor se lembra um pouquinho de como é que eram os seus pais, tem como contar pra gente rapidamente como é que eles agiam com o senhor quando o senhor era criança?
R – Eles, eu acho, que eram ótimos pais porque eram severos, amigos e carinhosos quando necessário, companheiro, o meu pai sempre foi um grande companheiro. A gente na época da guerra não tinha gasolina, a gente saia pra passear de bicicleta juntos aos domingos, era uma delícia. Aí a gente conversava, ele contava das histórias do dia - a- dia dele comercial. Então, era uma época muito boa, sempre foi uma época muito boa.
P/1 – Em qual bairro o senhor nasceu?
R – Eu nasci na Rua Padre João Manoel, lá em baixo perto da Rua Estados Unidos, lá é quase Jardim América. Mas a minha juventude maior foi no Pacaembu, eu morava perto do Estádio do Pacaembu, na Rua Itápolis, durante a minha juventude toda foi lá.
P/1 – E nessa época em que o senhor morou no Pacaembu o Estádio já estava construído, já tinham jogos ali?
R – Já, já tinham. Do meu quarto eu via o Pacaembu inteiro, era uma vista bonita lá no Pacaembu; mais acima, uns três, quatro blocos acima, terrenos pra cima, tinha o que nós chamamos de “Morrinho do pão duro” a gente ia assistir o jogo lá de cima, lá no Pacaembu, era bom. Bons tempos, não era construído como é hoje né?! Hoje, não tem mais nenhum espaço lá.
P/1 – Além dos jogos de futebol, nessa época o Pacaembu também contava com shows e concertos por causa da concha acústica ou não?
R – Eu acho que não, eu não me lembro. Eu acho que naquela época era mais futebol mesmo, a época de shows eu acho que veio mais tarde.
P/1 – E tem alguma lembrança especial de algum jogo ali no Pacaembu, que o senhor se lembra de ter assistido lá?
R – Não, porque eu nunca fui muito ligado a futebol, não é que eu não goste, eu gosto, hoje eu assisto com os meus netos e etc, mas eu não sou fanático por futebol. Eu lembro no Pacaembu, se quer voltar ao tempo passado, houve uma ocasião em que fizeram uma corrida de ________, eram uns carrinhos, mini Fórmula 1, mini carrinhos na pista de atletismo em volta do Pacaembu, foi muito… Aí eu adorei né, aquilo eu fui pra lá, passava lá o dia inteiro vendo os carrinhos e etc. Foi uma experiência gozada, divertida da época.
P/1 – E além do Pacaembu ali, assistia as corridas, os jogos, o que mais que o senhor fazia nessa juventude ali pelo bairro?
R – Andava de bicicleta o Pacaembu inteiro, vinha às vezes pra cidade de bicicleta até que o meu pai descobriu que eu ia de bicicleta na Praça do Patriarca comprar carrinho pra coleção de carrinho que eu tinha, então, aí eu fiquei de castigo por um bom tempo sem bicicleta (risos). Mas tinha um grupo de amigos muito bom, então, nós todos nos reuníamos, o centro de reunião da nossa turma era na minha casa, então, lá em casa tinha ping-pong, tinha um salão lá em baixo, um andar térreo e era o ponto de reunião da turminha ali do bairro. Então, era muito animado. Embora eu fosse filho único, a minha casa estava sempre cheia com os meus amigos.
P/1 – O senhor mencionou que ia comprar carrinho na Praça do Patriarca, além desse comércio tem algum outro que o senhor se lembra, seja no Pacaembu ou na no centro da cidade, que marcou a sua infância e a sua juventude?
R – Não, especialmente nenhum.
P/1 – Nem o local onde os seus pais faziam as compras da casa, uma feira, um mercado?
R – Não, tinha a feira que eu ia às vezes que era na... não, não tinha, não, eu não lembro, não.
P/1 – E o senhor mencionou que o seu pai tinha uma loja...
R – Não.
P/1 – Não, não era. Ele era comerciante?
R – Não, quando eu nasci o meu pai era gerente da primeira exportadora de algodão brasileira nacional. Ele era gerente dessa empresa que justamente em seguida de eu ter nascido, entrou em concordata, faliu. E o meu pai estava exausto porque ele que segurava as pontas todas nessa empresa, e o dono era um sujeito muito bom mas era um pouco...não lunático no sentido de maluco, mas era aquele sonhador, como chama assim e não tocava o negócio como deveria tocar. Era o meu pai que tentava segurar as coisas. Aí ele foi pro Rio, porque a família da minha mãe é do Rio, descansar porque a firma quebrou, não tinha mais o que fazer. E no Rio os meus avós moravam lá, os meus avós maternos; ele passou um tempo lá se cuidando e voltou pra São Paulo em seguida e abriu o escritório de corretagem de algodão, que é o Escritório Lefèvre do qual hoje os meus filhos estão tocando, quer dizer, é um escritório que no ano passado completou 75 anos de existência, foi em 1936 que ele abriu o Escritório. Eu trabalhei no escritório quando eu fazia faculdade, no tempo da GV, mas era assim um office boy meio de luxo: às vezes tinha prova e não ia trabalhar, enfim, era uma coisa mais light. Aí depois que eu me formei eu resolvi trabalhar fora pra não ser aquele filhinho do papai que cresceu no escritório porque o chefe, o dono do escritório era o pai, aquela coisa toda, e eu fui trabalhar no grupo Walita, trabalhei dez anos nesse grupo. Aí eu cresci muito no grupo, eu fiz uma carreira bacana no grupo: comecei como chefe do departamento de compra, depois fui gerente de divisão de suprimentos, depois passei pra área comercial, aí houve a cisão da Walita Auto Peças com a Walita Eletrodomésticos, aí eu fui pra Auto Peças na área comercial, passei como gerente da divisão administrativa de vendas, depois passei pra gerente comercial e praticamente eu fui diretor comercial, praticamente, não tinha o título porque hierarquicamente não existia. Eu era um gerente comercial geral, tocava a indústria automobilística, o mercado de reposição. Foi um mercado na época brilhante porque eu abri todas as distribuidoras, revendedoras, representantes no Brasil inteiro na parte de mercado de reposição, e na parte de indústria automobilística eu fiquei pouco tempo, pouquíssimo tempo porque era uma venda eminentemente técnica, no qual eu não sou engenheiro, então, eu não ia discutir o diâmetro do fio do não sei o que, que precisava isso, eu me perdia e aí eu fui a diretoria dizer: “Ó, sinto muito, mas não dá pra eu tocar isso”; eles contrataram um engenheiro, que por sinal foi meu colega, um rapaz brilhante e fez uma carreira brilhante também. E eu fiquei lá durante dez anos praticamente e nesse meio tempo eu tive algumas tentativas de ir pro escritório, mas eu ganhava mais do que o escritório podia me pagar naquela época. E fui ficando até que o meu pai estava com mais idade e o escritório tinha que continuar. E eu queria voltar pro escritório já. Eu tinha saído da Auto Peças por questão de salário, eu já tinha cinco filhos e fui pra uma empresa de equipamento de panificação, essas geladeiras, displays, frigoríficos de supermercado e não foi uma experiência boa, fiquei lá, não chegou um ano eu saí e fui pro escritório, isso em 1970, eu fui pro escritório, que eu estou lá até hoje, trabalhando até hoje todos os dias, graças a Deus!
P/1 – Ainda nesse período em que o seu pai tinha aberto o escritório de corretagem, o senhor desde criança, desde jovem já se via trabalhando lá um dia, era um objetivo seu e do seu pai ou nunca chegou a se comentar nada sobre isso?
R – Não, não se comentava porque o meu pai era um homem muito liberal, até mais tarde eu vim a saber, ele no fundo queria, lógico, era um negócio que ele fez, era um negócio que funcionava, que tinha uma representação no comércio, no mercado, era um escritório importante e obviamente que ele queria que o filho único dele continuasse. Mas ele tinha muito receio que eu não me adaptasse porque como eu me formei, como eu fui pra indústria grande, empresas multinacionais, ele achava que eu não ia me adaptar muito. E quando eu fui, eu levei um tempinho pra me adaptar a rotina. Quando eu comecei a trabalhar lá ele até comentava com a minha mãe: “Ih, eu acho que o Roberto não vai dar certo, não, eu não sei, estou meio preocupado e tal” (risos). Mas foi bom, deu certo porque aí em seguida eu abri a parte internacional, que hoje o mercado começou a se modificar, a produção de algodão aqui no Brasil estava cada vez menor e então, eu comecei a entrar primeiro na parte internacional importando. Os primeiros negócios que eu fiz foram trazendo algodão do Paraguai pra cá, pra indústria, e posteriormente nós passamos a exportar e hoje graças a Deus somos grandes exportadores. E se eu não tivesse feito essa mudança de política do escritório, de acordo, o meu pai junto, tudo isso na época ainda, o escritório não teria feito 75 anos como ele fez no ano passado, e hoje 95% do nosso negócio é internacional ou exportando ou importando. Com esse tempo desenvolvi relações lá fora, no mundo inteiro nós temos correspondentes lá fora, isso foi feito porque eu levei pro escritório essa parte internacional.
P/1 – E o senhor quando jovem, o senhor tinha por objetivo assumir o escritório um dia ou o senhor pensava em outras coisas pra sua vida, pensava em outras profissões? Como é que o senhor se decidiu a fazer administração, como é que foi essa decisão?
R – Eu queria ser engenheiro inicialmente, porque eu tinha um tio que era engenheiro, que tinha um carro conversível, me levava pra passear nesse carro e eu sempre achava bacana, às vezes me levava pra correr as obras com ele. E então, eu achava muito bacana ser engenheiro, ter um carro conversível e correr obra, que era um negócio bacana. Mas aí eu preferi, eu me organizei pra isso, vamos chamar assim, fiz o científico e fiz o vestibular, e obviamente não entrei no vestibular porque eu não era dos melhores alunos, nunca fui dos melhores alunos e fiz vestibular, fiquei decente, quer dizer, eu tive nota mas não tive...
P/1 – Ficou na lista de espera?
R – É, fiquei na lista de espera. Nesse meio tempo o meu tio que era casado com a irmã do meu pai, que era da área de ensino, disse: “Ó, Roberto, está iniciando uma faculdade de administração, é um pessoal da Michigan States que está aí e você vai gostar, vou te levar lá pra conhecer” e ele me levou. Eu fiquei encantado, era na Martins Fontes, naquele prédio da Delegacia do Trabalho. A escola ia começar a segunda turma - eu sou da segunda turma da GV - e eu fiquei encantado com a escola, com os professores, com o ambiente. E aí me preparei feito um doido porque isso era um final de um ano, e fiz vestibular e entrei lógico, entrei bem. Eu tinha uma boa base e foi a melhor coisa que eu fiz porque realmente eu sou muito mais comerciante do que técnico. E a vida provou isso. Foi muito agradável, uma ótima escolha e fiz um curso bom. Aí deixei de ser vagabundo, fiz um curso direito (risos), me formei bem, foi bacana.
P/1 – Aquela sua turma do Pacaembu estudava no mesmo colégio que o senhor naquela época? Tinham os mesmo planos, os mesmos objetivos?
R – É, até o colegial sim porque nós fizemos o primário lá no Pacaembu, no Ofélia Fonseca. Depois fiz o ginasial e colegial no São Luiz até o segundo ano, o terceiro ano eu fiz no Mackenzie. O terceiro ano científico na época, porque naquela época eu ia pro Mackenzie fazer engenharia, então, eu quis fazer o último ano do colegial no Mackenzie, mas no fim não deu Mackenzie, deu Getúlio Vargas, GV, que foi o meu gol, vamos chamar assim, e é um curso fantástico porque ele pega a amplitude do curso da GV. Era fantástico, você pega desde a parte jurídica, comercial, produção, técnica, era fantástico, foi um curso ótimo.
P/1 – Além da ser um belo curso em termos técnicos, em termos de instrução, a GV também foi importante pro senhor em outros sentidos como, por exemplo, independência? O senhor chegou a sair de casa nessa época, como é que foi?
R – Não, o que foi bom na GV porque nos formamos naquela época, infelizmente acho que não mais hoje, nós éramos aves raras, então, tínhamos o mercado inteiro de trabalho pra escolher. E nesse meio tempo um dos meus colegas, cujo o pai era diretor da Walita, ele disse: “Ó, o papai está precisando de um chefe de compras lá e eu não posso ir porque não admite parente. Você não quer ir lá?” porque a gente já era colega há muitos anos, eu conhecia a família, todos e foi o meu mestre, um grande mestre, o seu Heitor Rocha Azevedo. O seu Heitor me admitiu e eu fui com o programa de ficar um ano, dois anos pra eu completar, vamos dizer assim, a faculdade e depois ir pro escritório. Aí eu já tinha o objetivo de ir pro escritório, mas eu gostei tanto que fiquei dez anos fora. Foi fantástico. E uma grande coisa que era de acordo com a linha do meu escritório, até hoje, apesar de tudo, era a ética, era a correção e esse grupo tinha, então, era uma coisa com que não havia conflito. Naquela experiência que eu disse pra você que não foi boa, antes de eu ir pro escritório, era uma empresa que não tinha ética, respeito. Eu era gerente comercial lá e vinha o relatório dos vendedores que eu ia aprovar as despesas e os caras estavam indo nas boates e mais não sei o que e venda mesmo não tinha nenhuma né? E eu chegava pro diretor e dizia: “Eu não aprovo, não aprovo esse relatório” “Não, ele é um bom cara, aprova”, e eu digo: “Então, o senhor aprova porque eu não aprovo!” e eu não podia continuar em uma empresa dessas. Já no grupo Walita com o senhor Heitor, era uma ética, uma coisa perfeita. Eu mesmo, porque eu tinha total liberdade pra tudo, se eu estava viajando, porque eu viajei o Brasil inteiro, se eu saísse com um cliente eu podia tomar champagne, se depois que eu estava sozinho queria tomar o meu whisky no fim da tarde isso era por minha conta, isso não é da empresa, isso é raro. Eu acho que hoje não existe mais, mas naquela época era assim: o que era pessoal a empresa não tinha nada a ver. Então, isso é uma formação maravilhosa que esse pessoal fazia, que é a linha que o meu escritório tem até hoje, que era a linha que o meu pai tinha também, a mesma coisa, que é: o que é cliente é cliente, o que é pessoal é pessoal, não se mistura as coisas, entende?
P/1 – Quando o senhor estava recém formado e foi trabalhar na Walita, o senhor já tinha alguma idéia de coisas que o senhor queria implantar na empresa que você aprendeu na faculdade, já foi pensando nisso ou o senhor encarou a situação no momento ali de acordo com o senhor encontrou?
R – Não, a Walita já era uma baita empresa, já era muito bem estruturada. Então, não havia essa necessidade de inovações mas era tocar a coisa como era, vinha obviamente melhorando uma coisa daqui, um controle, mas nada assim de grandes revoluções. Eu acho que na vida não precisa se fazer grandes revoluções, a gente tem que amoldando pra coisa seguir bem, pegar um final bem.
P/1 – E de que forma esse trabalho na Walita, esses anos que o senhor passou lá, complementou a sua formação como administrador que depois serviu pra o senhor tocar o escritório do seu pai? O que o senhor aprendeu nessa passagem e que o senhor acabou utilizando depois também?
R – Sabe, o administrar é um conjunto de coisas, o administrar não é você pegar uma regrinha aqui como você pega na engenharia ou em uma coisa mais concreta, é muito do bom senso, do equilíbrio é que você consegue administrar. Então, eu não posso dizer a você alguma coisa, uma regra que eu apliquei, uma teoria, não. Porque a faculdade, o que é uma faculdade? O que eu vejo em uma faculdade? Se você vai correr uma maratona, se você vai jogar tênis, você se prepara fisicamente, você faz um treinamento. Uma faculdade eu acho que é o exercício intelectual que você faz dentro da sua cabeça pra você aprender a raciocinar e decidir em relação àquilo, àquele treinamento que você fez durante a faculdade, entende? É mais que você correu pra criar fôlego, a faculdade te dá o fôlego pra você resolver os problemas que você encontra no dia – a – dia. Dificilmente há uma regrinha, dois mais dois são quatro, não tem isso dentro dessa linha.
P/1 – O seu trabalho na Walita, o senhor mencionou que incluía viagens pelo Brasil, eram necessárias. Tem alguma boa história que o senhor teve durante essas viagens, teve alguma que te marcou mais?
R – Ah, tivemos várias, mas interessante... eu gostava de ir pro Norte, os clientes do Norte me recebiam na cozinha e os clientes do Sul pra cá do balcão, então, eu achava que eram frios, distantes, ainda mais naquela época, paulista, empresa multinacional e mais não sei o que. O pessoal do Sul não recebia lá muito bem, não, mas no Norte não, tanto é que quando eu saí da Walita, do grupo de Auto Peças, o diretor disse: “O que você quer?”, eu disse: “Eu quero ir pro Norte despedir dos nossos clientes e meus amigos” “Ah, tudo bem”. Então, ele me autorizou, eu fui pro Norte, visitei quase todo mundo, aí foram jantar daqui, reunião de acolá. No fim mexeu tanto que eu não cheguei a Manaus, antes de Manaus eu vim embora porque eu estava tão mexido lá com as coisas. Foi uma época muito interessante porque eu era amigo, eu peguei o início da indústria automobilística, então, era tudo novo, era uma maravilha aquilo, o pessoal começando, os revendedores, os distribuidores das peças, tudo iniciando, estava formando aquele grupo e foi uma experiência bacana isso, foi muito bom.
P/1 – Chegou a despertar uma vontade de ficar, de tentar encontrar um caminho ali naquela região pro senhor?
R – Não, eu estava muito lastrado na empresa grande, na indústria, na multinacional que não... eu tinha a minha família, tinha todo um rabo aqui do tamanho de um bonde que eu não podia sair daqui. Eu me formei, em seguida me casei, aí tive um filho atrás do outro, quer dizer, tive não, a minha mulher teve (risos), mas não tinha vontade de sair, não, porque eu gostava muito de estar com eles. Nossa!
P/1 – Durante essa época ali mesmo na região do Pacaembu o senhor morou?
R – Não, aí quando eu casei eu fui morar no Higienópolis e depois pra Cidade Jardim. Fiquei lá um tempo, aí nasceu o quarto filho, a casa não cabia mais e aí eu vim morar aqui pertinho de vocês, aqui pro Alto de Pinheiros, aqui perto da pan - americana. Eu morei aqui um bom tempo.
P/1 – E a sua esposa também é dessa área, ela também fez GV? Ela também chegou a trabalhar com o senhor?
R – Não, a minha esposa, a primeira - que hoje eu sou casado pela segunda vez - que é a mãe dos meus filhos, ela era do Rio de Janeiro, ela era bibliotecária no Rio de Janeiro. Eu a conheci lá e ela veio pra cá e ela trabalhava como bibliotecária no Rio. Depois aqui em São Paulo ela não trabalhou.
P/1 – Como é que foi ter esses filhos, o senhor já pensava, quando eles nasceram, de algum dia eles também assumirem algum lugar na empresa? Desse momento o senhor já chegou a planejar isso ou assim como o seu pai o senhor resolver deixar eles escolherem?
R – Sem dúvida, eu acho que a decisão do meu pai foi correta: deixar escolher e nada de impor. O meu terceiro filho... a minha primeira é uma menina, a menina hoje tem 50 anos, mas é uma menina ainda pra mim, ela seguiu a vida dela na parte cultural, etc., que até eu falei que ela conhecia aqui o museu. O meu terceiro filho, quando ele terminou o colegial ele quis vir trabalhar comigo, ele espontaneamente começou a trabalhar meio período porque tinha a faculdade no outro período, terminou o semestre, sem eu saber ele começou o segundo semestre do primeiro ano dele, ele disse: “Pai, passei pra noite”, eu falei: “Pra que que você vai estudar à noite? Graças à Deus você pode estudar de dia, fazer um curso direito”, “Não, aqui é o nosso escritório, ou você trabalha em tempo integral ou não funciona, a gente se perde aqui dentro se não tiver em tempo integral”. A corretagem tem uma vivência, uma vida muito grande, é uma entrada de informações 24 horas por dia, você tem que estar ligado nisso, ainda mais fazendo a parte internacional como nós fazemos, e ele começou a trabalhar tempo integral e hoje ele que toca escritório, então, ele está na mão. O outro, o segundo filho, acredito que até influenciado pela mãe, quis fazer psicologia, terminou psicologia e disse: “Ah, eu não gostei de psicologia, eu quero trabalhar com você também e não sei o que”, infelizmente, ele morreu, ele teve um acidente de avião, foi uma tristeza, isso foi um ponto muito ruim da vida toda, muito ruim e ele, então, de psicólogo passou a ser corretor de mercadorias. Era muito bem quisto pelos clientes todos, desenvolvia uma relação, mas muito rígido, extremamente rígido: o que é certo é certo, não tinha nenhuma flexibilidade comercial, o que foi a minha formação também, isso foi legal.
P/1– E os outros filhos também se encaminharam pra essa parte administrativa?
R – Não, administrativa, executiva mesmo. Aí o quarto filho, nós tínhamos em uma época no meu escritório, tinha um departamento futuros, de operações de bolsas de futuros e esse quarto filho meu, o Lu, tocava esse setor. E era um setor que não dava lucro no escritório, mas era um goodwill com os clientes, quer dizer, se você é meu cliente e queria fazer uma operação de bolsa eu tinha a estrutura, tinha gente, tinha operadores, tinha tudo pra fazer. E obviamente tinham outros que faziam, não era só pros clientes, mas o objetivo principal era atender os clientes de algodão quando queriam fazer operações de bolsa. Mas aí a bolsa cresceu muito e exigiu um investimento muito grande de minha parte pra continuar e eu achei que não era negócio, parei. E ele brigava muito com o irmão, com esse que faleceu, o Cadu, então, ele não quis continuar no escritório, então, tocou a vida dele pra outro lado, mas está indo bem graças a Deus.
P/1 – E voltando um pouco, então, na época da Walita. O senhor mencionou que ele fizeram uma fusão do Auto Peças com o setor de Eletrodomésticos. O que isso significou pro senhor, alterou muito a sua rotina de trabalho, o que foi pro senhor isso?
R – Ah, foi fantástico, no Auto Peças era tudo novo, ele tinha que se criar e no outro já estava estruturado, já era o mercado Walita, tinha uma tradição muito grande no mercado, então, foi muito bom esse aspecto.
P/1 – Então, o senhor teve a liberdade de colocar as suas idéias, a sua criatividade?
R – Sim, as idéias vêm naturalmente, não é que seja uma luz que acenda de repente, não, são até naturalmente, a idéia no correr do dia- a- dia do trabalho que você tem, o desenvolvimento do trabalho, não existe nenhum mistério, mas eu aprendi muito. Houve uma ocasião... porque lá era assim, eu era responsável pelo mercado de reposição, que tinha as distribuidoras, promoção, propaganda, almoxarifado; tinha naquela época 300 caras em volta que eu tinha que dar conta lá. Aí um dia um dos grandes clientes nosso, que nós precisávamos aumentar as nossas vendas porque a indústria automobilística tinha caído à produção, a empresa precisava faturar. Aí bolamos lá um plano de incentivo, quer dizer, o cliente do mercado de reposição se desse um pedido de x valor tinha y valor de desconto adicional e eu saí trabalhando isso, consegui algumas coisas e um dos maiores clientes disse: “Eu não dou pedido mas eu quero desconto. Disse eu não dou...”, foi uma brigada danada, eu disse: “Bom, eu vou pra diretoria pedir pro diretor”, eu disse pro diretor: “Tá desse pé”, ele disse: “Roberto - isso é uma das coisas que eu aprendi que foi fantástico - as nossas regras estão erradas?”, eu digo: “Não”, “Não porque se estiverem a gente muda”, “Não, está correto, o que nós estamos fazendo está correto”, “Então, você vai lá amanhã e você vai tirar o pedido desse cara de qualquer jeito dentro dos nossos padrões porque se nós estamos corretos nós vamos ter pedido”, “E se ele cancelar os nossos contratos todos?”, “Não vai cancelar, pode ir” e de fato, no dia seguinte eu fui lá e falei com o diretor da empresa, ele disse: “Vocês são duros, né? Mas eu gosto de gente assim, está aqui, passa de tarde aqui que você tem o pedido que você queria”, eu falei: ”Bacana”. Aí eu vim todo misterioso pra empresa pra dizer: “Tá aqui o pedido ó, conseguimos!”. Esse foi um período gostoso de trabalho, muito, muito bom.
P/1 – Essa experiência na Walita durou quantos anos no total?
R – Dez anos.
P/1 – E depois disso, como é que foi a saída, a decisão por sair partiu do senhor? Como é que foi?
R – É, aí eu estava pressionado porque eu estava com uma família grande, já tinha quatro filhos e as despesas eram grandes e eu era o gerente mais bem pago do grupo, mas eu queria mais e eles não podiam porque tinha um esquema, a estrutura deles, não podiam. Não houve atrito de jeito nenhum. Aí me convidaram pra uma empresa argentina e mais não sei o que e etc. e pagava bem mais, mas não deu certo. Você acostuma, você tem dentro de você uma formação ética, correta, você não consegue conviver com as coisas, é a grande luta que você via no seu questionário, que diferenças há e há muito dessa modificação do comércio hoje, da ética, da correção, do respeito que naquela época era fantástico, maravilhoso. Isso eu trouxe pro algodão, pro mercado de algodão isso veio, reforçando que sempre foi a linha do meu pai.
TROCA DE FITA
P/1 – Bom, a gente estava falando sobre a sua experiência nessa empresa argentina e não foi uma experiência positiva. Como é que foi pra dar o próximo passo, como é que foi a saída?
R – Não, aí eu saí e foi justamente no momento em que o escritório estava precisando que eu fosse pra lá, por várias razões, o meu pai estava adoentado, o sócio que ele tinha não estava lá muito bem, então, foi o momento certo de encaixar. Eu saí, dei um tchau pra eles e quebraram uns dois anos depois, quebraram feio e eu estava no escritório já tocando o meu barco lá.
P/1 – E pro senhor, talvez pro seu pai também, foi uma realização o senhor finalmente voltar ali ao escritório e tocar e o seu pai também, eu quero saber o que vocês sentiram nessa época?
R – Foi. Eu diria pra você que foi bom em todos os sentidos. O meu pai ficou muito feliz porque ia ter uma continuidade, embora o primeiro ano, o primeiro ano de qualquer coisa ele ficava meio receoso se ia dar certo ou não ia dar certo. Mas depois que ele viu as coisas deslancharem e tocarem, ele ficou muito feliz e largou tudo na minha mão e eu toquei tudo muito bem. Depois vieram os meninos, aí ele ficou radiante quando o João, o meu terceiro filho, foi trabalhar lá. Era o seu neto, o seu neto querido, aquela coisa toda, foi muito bom.
P/1 – Durante todo esse período ele se manteve ali observando, aconselhando?
R – Sim, ficou muitos anos, papai ficou. Até foi gozado uma ocasião, o João, o meu filho, fazia mercado e futuro. Na época na Bolsa tinha soja, café, algodão, óbvio, e boi e o João era fiador, quer dizer, ele ficava no pit da bolsa apregoando. Eu recebia ou o pessoal do escritório recebia as ordens e passava pra ele executar lá em baixo. Ele me liga: “Papai, o mercado de café vai explodir, olha, por isso, por isso, por isso. Vamos comprar? Vamos comprar uns contratinhos pra nós?, eu disse: “Mas o seu avô não quer, o seu avô vai criar problema” “Não, pai, mas olha, é bater em morto, nós temos que comprar”. Pra estimular ele, pra ele deixar de brincar, eu falei: “Então compra, compra dois contratos aí e vamos ver o que acontece”. Comprou e começamos a ganhar dinheiro, ele entra no escritório assim: “Pai, olha, estamos ganhando tanto pai que não sei o que, que beleza, que boa compra nós fizemos” e o meu pai ouvindo né: “Que negócio é esse que vocês estão falando aí?”, ”Não, pai, é que o João quis brincar, comprou dois contratos lá em baixo de café pra gente especular e mais não sei o que “, “ Vocês são corretores ou vocês são dois especuladores?”, eu falei: “Não, nós somos corretores, que negócio é esse?”,” Desfaça dessa posição já! Senão vocês dois estão na rua”, nós dois na rua, você imagina: “Mas pai, está dando certo, olha a geada, uma baita geada, o café vai subir”, “Não, você não pode ter uma posição porque se amanhã o mercado inverter qual o contrato que você vai vender primeiro? O seu ou do seu cliente? Então você não pode ter essa dúvida, aqui tem que ser o cliente em primeiro lugar e você é corretor. Então, você muda de barco, você quer ser especulador, você pode ser especulador. Aí eu falei: “João, liquida a posição”, “Mas pai, está subindo, olha o limite de alta pai” e eu falei: ”Tá, agüenta até amanhã e vamos ver o que acontece”. No dia seguinte o meu pai entra no escritório e antes de dar bom dia ele pergunta: “Vocês já liquidaram a posição?”, eu disse:”Não, ainda não”, o velho subiu a serra lá, eu falei: “João, liquida essa posição correndo porque não adianta falar com o velho porque o velho não agüenta mais a história" “Vocês dois estão na rua, eu ponho vocês dois na rua já!”(risos), a linha era dura viu?! E liquidamos a posição e o mercado ainda subiu barbaridade, teríamos tido um belo ganho, mas a ética é ética, então, é isso que ser observado, ser tocado.
P/1 – Quando o senhor entrou pro escritório do seu pai, o que o senhor observou ali que poderia ser transformado, poderia ser mudado?
R – Quando eu entrei, eu entrei pra voltar a aprender porque eu tinha dez anos de formado, dez anos de experiência em multinacional e mercado de autopeças, tudo isso. Mas não era do mercado de algodão, eu estava aprendendo, então, você não pode quando você entra querer mudar uma coisa que você não conhece, não que eu não conhecesse, eu conhecia porque eu toda vida ouvi falar, a conversa em casa era sobre isso, mas efetivamente trabalhando era novidade. Então, eu não tenho que mudar, tenho que desenvolver, tenho que criar o relacionamento com os clientes do escritório. Teve um fato interessante, tinha um cliente, que isso foi bem mais tarde, eu já estava estabilizado e tudo, que era um dono de uma fábrica e amicíssimo do meu pai, um senhor da mesma idade, um homem fantástico. O que papai dizia era lei e meu pai não estava mais trabalhando e eu ligava pra ele: “Senhor Sérgio tem um lote de algodão assim, assim pra sua fábrica, eu acho que é interessante”, ”Hum, vou pensar”, aí eu ligava de novo e ele dizia: ”Não, não sei, não resolvi”, eu disse: “Olha, seu Sérgio, o meu pai está na fazenda, mas eu falei pra ele, contei pra ele que esse lote que eu estou oferecendo pro senhor, desse negócio e ele achou bom também, ele achou que o senhor devia fazer”, “Ah, você falou com o Carlos?”, digo: “Falei, sim, senhor”, “E ele achou que eu devia fazer?”, “Ele achou”, “Então, pode fazer” (risos). Eu não tinha falado com o meu pai, não, mas era o único jeito de eu fazer negócio com ele e realmente era um bom negócio, não tinha dúvida porque era o cliente que eu tratava com o maior cuidado possível, acima de tudo porque era uma pessoa muito especial, eram fatos interessantes.
P/1 – E o senhor mencionou que o seu escritório acabou se internacionalizando também, como é que foi essa parte, essa transformação?
R – Isso foi bacana!
P/1 – Quando se deu isso?
R – Isso se deu em torno de 1974. Eu não sei exatamente, mas era em torno de 1974, 1975. Eu comecei a ter contato com o Paraguai, fui pra lá, visitei, conheci um pessoal que eu gostei, comecei a fazer alguma coisa de negócio lá com o Paraguai, mas escala pequena. Aí veio o pessoal de uma firma inglesa, na época muito importante, veio pro Brasil e consultou os grandes comerciantes brasileiros, os internacionais que tinham aqui, aqueles Esteve Irmãos ou Le Dix Sons eram grandes internacionais e perguntaram se eles podiam indicar algum corretor que os pudessem representar e eles indicaram três. Aí veio um outro cara pra cá já dirigido pra falar com os três, ele falou com os dois, falou comigo e nós fizemos o casamento. Indiscutivelmente o meu escritório durante muitos anos era o único escritório que tinha condições de dar uma assessoria internacional tanto pro pessoal daqui como os lá de fora e começamos então a fazer um negócio. Aí eu volto a ver como a confiança e o respeito é importante, na época o Brasil, o governo tinha um estoque de algodão de baixíssima qualidade enorme e o governo decidiu, a CONAB, vender esse algodão para exportação, mas para empresas brasileiras. Então, as empresas brasileiras que comprassem esse algodão tinham obrigação de exportar, de tirar fora do país porque ele estava pesando no mercado e caso não fizesse tinham penalidades fantásticas. Era um negócio sério. E esses ingleses com quem eu estava iniciando um negócio, eu digo: “Ah, está acontecendo isso, eu acho que é bom negócio pra vocês comprarem esse algodão, mas tem que ter uma empresa brasileira”, “E o que você fez pra montar uma empresa brasileira aí pra mim?”, eu digo: “Estou esperando o seu sinal verde, eu ponho uma empresa em 30, 45 dias funcionando porque tem a papelada, aquela coisa toda”, “Mas eu quero entrar no leilão amanhã”, eu digo: “Amanhã não dá”, ele disse: “Bom, se vira, eu quero entrar no leilão amanhã e eu preciso comprar esse algodão”, eu falei:”Tá bom”. Aí eu fiquei matutando: “Como é que eu vou sair dessa?”, aí eu liguei pra cooperativa de Maringá, cujo os presidentes eram os meus maiores amigos e o diretor comercial também, eram os dois grandes amigos, liguei pro diretor comercial, o Luís, e eu disse: “Luís, eu estou com esse pepino, você pode comprar pra nós pela cooperativa? E por ser de exportação você vai ganhar alguma coisa com isso” ele disse: “Puxa vida Roberto, é um negócio que é de uma baita responsabilidade, eu não posso decidir, eu vou falar com a diretoria”, reuniu a diretoria e o presidente disse: “O que o Roberto falou?”, “Ah, o Roberto falou que nós podemos fazer, que vai dar certo”, “Então faça, pode fazer”, pra você ver o pessoal que existia naquela época, hoje eu não faria isso, “Acerta com ele, faz como você quiser”. Aí eu acertei com o Luís: ”Ó Luís, todo dia que tiver leilão eu aviso você mais ou menos quanto eu vou comprar nesse leilão”, então, comprava cem toneladas, duzentas mil toneladas, “Luís, vamos comprar tanto, tal e tal”, tudo correndo diretinho. Aí chegou um dia que tinha um leilão excepcional, aí o pessoal lá fora disse: “Roberto, vamos comprar pra arrebentar a banca, vamos comprar aí uma unanimidade, o que der”, eu disse: “Tá bom, vou ligar pro Luís” e o Luís viajou e eu não achava o Luís em lugar nenhum e com o tempo passando, passando e o leilão chegou, eu disse: “Meu Deus do céu, dono Eliseu o leilão está aí”, “Pau na máquina, vamos comprar”, compramos, compramos um monte de algodão, no dia seguinte ele chegou assim: “Seu desgraçado, você quer me quebrar! O que você fez?”, eu disse: “Calma Luís, calma, precisou, eu não te achei”, “Ah, eu estava viajando, não sei o que, mas e agora?”, eu falei: “Você quer um milhão de dólares na sua conta hoje?” , “Ah, se você fizer isso eu vou ficar mais aliviado” passei um telefone lá pra Inglaterra e disse: “Manda um milhão de dólares já pra conta da cooperativa” dali há alguns minutos chegou o dinheiro lá, “Toma, Luís”, “Ô, estou aliviado“, “Então, tá bom” mas veja, não tem nada escrito, não tem nada, é tudo absolutamente na confiança e este mercado e é essa coisa de confiança, de respeito que hoje não existe mais. Então, são fatos da vida da gente que eu acho muito marcantes e tristes, eu acho. Eu trabalho hoje com gregos, ingleses, franceses, americanos, todos eles, mas eu não repito essa operação, compreende? Não dá! Não estou dizendo que eles sejam maus, mas nem todos mais são geridos pelos donos. Naquela época eu estava falando com os donos, são geridos por gerentes. Vou citar uma ocasião: eu estava negociando com uma fábrica aqui, uma grande fábrica e vendi um lote de algodão pra essa fábrica, eu vendi através do diretor porque o gerente deles não estava, tinha saído e tal e quando o gerente voltou ele disse: “Ô Roberto você fez esse negócio?”, eu digo: “Fiz, assim, assim”, “É, você fez porque foi com o diretor porque se fosse comigo você não teria feito nesse preço”, eu digo: “Porque eu não teria feito nesse preço?”, “Não, porque eu como gerente eu queria arrancar uma diferença melhor, eu ia te espremer mais pra fazer o negócio”, eu falei: ”Ah, que bom que você estava passeando quando eu fiz o negócio” (risos). Isso no bom sentido, esse cara era correto, mas depois mudou, o pessoal quer tirar vantagem, não é gostoso hoje trabalhar como era há uns tempos atrás com essa confiança de mercado.
P/1 – Além dessa mudança, vamos dizer assim, comportamental, o seu escritório que é bem antigo já passou por diversas fases econômicas no país, diversos planos econômicos. O senhor poderia citar algum que tenha sido marcado positivamente ou negativamente? Alguma coisa difícil ou boa em todos esses pontos econômicos
R – Todos, você pega na época do Collor, o famoso confisco, eu estava com o meu pai doente em casa e sem nenhum tostão, aí eu fui lá na Bolsa, estava passando e um dos gerentes da Bolsa naquela época estava com um maço de dinheiro, eu falei: “Nossa, você tem de dinheiro aí, barbaridade, coisa rara“, “Por que?”, eu falei: “Não, com essa maluca da Zélia não tenho dinheiro pra dar, estou precisando de dinheiro”, aí ele: “Você quer? Toma, você me paga quando você puder”, eu falei: “Tá bom. Você está brincando né?!”, ele disse: “Não, não estou brincando, Roberto, esse dinheiro aqui não tem problema, eu posso fazer isso com você”, eu falei: “Tá bom”. Obviamente rapidamente eu repus pra ele, mas bacana, esse também foi no papo, ele falou: “Isso aqui representa...”, era o que? Cem mil dólares, qualquer coisa assim: “Você me dá cem mil dólares quando você puder”, “Tá bom”. Gozado, nunca mais vi esse camarada, ele saiu da Bolsa, nunca mais vi, ele me tirou de apuro grande naquela ocasião.
P/1 – E as inovações tecnológicas, computador, internet? Como o senhor se adaptou?
R – Nossa, meu Deus do céu! Quando nós já estávamos um pouco mais adiantados na parte internacional nós tínhamos uma coisa maravilhosa que chamava Telex, que era um monstro que fazia o dobro do volume meu aqui da cadeira, um troço assim que você tinha de datilografar, perfurar, arrumar fita, depois repassava essa fita, era uma loucura, mas era bárbaro. Bom, aí veio o fax que era impressionante, você estava conversando com o cara e dizia: “Olha, saiu uma modificação de lei aqui, assim, assim”, “Passa pra mim”, pum pá, dali eu fechava um contrato, passava o contrato, foi fantástico. A evolução tecnológica que eu passei, que eu assisti, vindo do Telex que era esse monstro. Um dia eu fechei um negócio, aqui no nosso horário eram sete horas da noite, qualquer coisa assim e o cara: “Passa o Telex pra mim do contrato que nós fechamos”, eu disse: “Ah, sinto muito, eu não sei mexer naquela droga lá”, “Ah, você é um trader e não sabe mexer no Telex? O Telex é um negócio fundamental para os traders”, eu disse: “É, sinto muito, mas a minha secretária não está aqui (risos) e eu não sei mexer nessa porcaria” . Agora com o fax é uma beleza né?! E agora computador. O que a gente sentiu nessa evolução é fantástico. Mas gozado, nós evoluímos na tecnologia, mas involuímos na parte de, como não tinha tecnologia a gente fechava contrato, fazia o negócio de boca, era no fio de bigode e funcionava, agora você tem que usar toda tecnologia: “Todo mundo assina aqui, faz aqui”. Apesar de isso ainda ter algumas dores de cabeça, se eu não tomo muito cuidado, isso não tem dúvida.
P/1 – E no plano da economia, por exemplo, criação de planos econômicos, tipo o MERCOSUL ou então até mesmo em moedas, na criação do euro, isso afetou positivamente, negativamente o seu escritório, como é que foi?
R – Não, o MERCOSUL ajudou um pouco na parte de transação de algodão, principalmente para o Paraguai e Argentina, que nós trazemos o algodão de lá, então, é livre de imposto, etc. Isso ajudou, facilitou um pouco. O euro, só as conseqüências que nós conhecemos de crise, etc. mas não, diretamente no nosso negócio não, a não ser no maior ou menor volume em função da situação global da economia, disso eu não tenho dúvida.
P/1 – Hoje o senhor atende todos os continentes, o senhor tem relação com todos continentes ou está restrito a Europa e a América?
R – Eu tenho clientes do escritório: Argentina, Paraguai, na América, América do Norte, França, Inglaterra, Grécia, Índia. Entrou um indiano agora, esse é novo, esses são os comerciantes compradores ou vendedores nesses lugares, porém, como eles são grandes empresas que compram o nosso algodão e vendem pro mundo inteiro. Então, eu faço a logística toda de exportação e aí vai pro mundo inteiro, Rússia, China, Oriente, vai tudo pra lá.
P/1 – E as diferenças culturais de alguma forma se refletem no negócio ou isso não acontece?
R – (risos) Não, você tem que se adaptar, como eu digo, há jeitão de cada um, você não pode ter uma linha, a mesma maneira que eu converso com você, eu não vou conversar com ele, quer dizer, eu tenho que ter um jeitão pra coisa funcionar mas nada, eu digo isso, essa modificação é na parte, não essencial do negócio, não a alma do negócio, a alma do negócio é igual em todo lugar do mundo, mas na maneira de dizer, o jeito de se levar a coisa, você tem que ter uma conversa um pouco mais diferente. Mas não difere culturalmente.
P/1 – Tem algum caso assim que te chame a atenção nesses tentativas com estrangeiros, tem algum que o senhor se lembre?
R – Eu tive há pouco tempo uma missão chinesa aqui e eu fui viajar com eles. Meu Deus, que loucura! Os caras entravam nos escritórios lá de fundo de estrada em Mato Grosso, onde hoje é a grande área produtora e hoje tem grandes empresas lá, grandes, maravilhosas, os caras entravam e mexiam nas gavetas dos sujeitos, você imaginou? Você visitar, entrar aqui e mexer? E eu lá, eu disse: “Pelo o amor de Deus, não pode entrar aqui, aqui é uma área reservada” e os caras entravam, putz, que loucura que foi aquilo! Mas isso foi uma farra, né?
P/1 – Como é que foi a reação dos funcionários do escritório da produtora? Espantados né?!
R – Não, ninguém nunca tinha visto isso, mas como era uma missão chinesa, aquela auréola grande, compradores e mais não sei o que, eles ficaram olhando meio assim, mas eu sabendo, conhecendo os caras, quer dizer, eles todos me conheciam obviamente e eles sabiam que eu não entrava, por que os desgraçados chineses iam entrar (risos)? Mas foi um dois episodiosinhos só assim.
P/1 – E nessa atual economia, nesse momento atual, como é que é que está o Brasil nessa economia global, como é que o Brasil pode ser visto como centro produtor?
R – O Brasil é produtor, um grande produtor. Quando nós começamos, pra você ver como são as coisas, nós tivemos dois momentos muito interessantes, aquele momento que eu contei do estoque de algodão de baixa qualidade; houve um outro momento em que nós sentimos que iria faltar algodão em um fim de ano e eu liguei pra esses meus amigos lá e digo: “Olha, o negócio está assim, vai faltar algodão, onde é que você arruma algodão bom e barato pra gente suprir as nossas fábricas?”, “Pode deixar, Roberto”. Isso foi em uma quarta ou quinta-feira, na segunda-feira o cara já tinha despencado da Inglaterra aqui com as amostras de algodão em baixo do braço - algodão você vende boa parte por amostra - da Grécia. E nós vendemos em novembro e dezembro o equivalente a um mês de consumo do Brasil naquela época. É um volume fantástico de algodão. Embarcamos tudo, aí fomos pra Grécia, o navio pegou fogo, o navio afundou, teve de tudo, mas no fim cumprimos todos os contratos e foi uma experiência muito interessante nessa época. Mas hoje o Brasil criou, desenvolveu, vamos dizer assim, o Centro- Oeste, Mato Grosso, Goiás e agora estamos indo pro Piauí. Hoje chegou uns gringos que vão pro Piauí, conhecer lá o Piauí e Bahia, agora Bahia também. Então, essas áreas estão produzindo maciçamente algodão, que naquela época inicialmente era São Paulo e Paraná só e hoje praticamente é zero essa produção de São Paulo e Paraná, não dá nem pro consumo das fábricas do estado. Então, o Brasil deixou de ser um exportador de baixa qualidade pra ser um exportador de algodão de primeira, respeitado e aceito no mundo inteiro. Não é dentro da categoria de algodão o top de algodão, não é o Rolls-Royce, mas é o Ford, Chevrolet, é uma qualidade muito boa, da média pra cima. Então, nós temos vistos grandes produtores, inclusive, australianos e chineses que vem pra cá pra comprar terra pra poder produzir pra eles, como reserva. A China andou vindo aqui com missões pra comprar e atrás da história era garantir uma fonte de suprimento pra eles de matérias primas e etc. Então, o Brasil é muito bem visto nesse sentido, tem cumprido os contratos corretamente e isso também é muito importante. Fora que o conceito brasileiro é muito bom lá fora e facilita fazer os negócios.
P/1 – Bom, o senhor já mencionou que hoje em dia é o seu filho que toca bastante o escritório ali, como é que está a sua posição no escritório hoje, como é que o senhor está atuando hoje em dia?
R – Eu atuo, alguns clientes eu falo, comento, mas hoje realmente o grosso é o meu filho. Tem outro rapaz que trabalha conosco também que é muito bom, mais três. Hoje, a parte executiva são três: meu filho e dois companheiros bons e eu fico ali. Realmente hoje eu não entro nas encrencas, o apagador de incêndio que acontece muito lá nos incêndios.
P/1 – Mais ou menos com o seu pai foi assim?
R – É, do mesmo jeito. Eu deixo pra eles. Agora, a representação do escritório e etc. eu faço e quando tem alguma encrenca nós nos reunimos e eu opino no que deve fazer, no que eu acho, no que eu não acho. Isso que é mas o dia –a – dia mesmo é na mão deles. Eu estou velho, rapaz! Deixa eles, eu que dei duro lá, nossa senhora, eu que dei duro lá na época. (risos)
P/1 – E agora eu gostaria que o senhor comentasse um pouquinho as suas relações com o SESC, como começaram, quando começaram, como se desenvolveram?
R – O Sindicato dos Corretores de Mercadorias começou com o meu pai, eu sou presidente desse sindicato hoje, hoje não, há alguns pares de anos e foi quando começou a nossa relação com Federação e etc. Eu sou diretor da Federação e conselheiro do SESC e isso vem de muito tempo porque papai era também. Como presidente do sindicato, ele era também da Federação do Comércio, ele era do SESC e sempre mantivemos uma relação estreita e muito boa.
P/1 – Falando agora de atualidade, já pra fechar a entrevista, como é que o senhor vê o futuro do escritório, o que o senhor pensa pro futuro, do escritório na parte profissional? Depois eu queria que o senhor me falasse o que o senhor pensa pro seu futuro, o que o senhor pensa pra você, fora o escritório.
R – Bom, o escritório se Deus quiser há de continuar. Nós tivemos alguns anos, passado, não, 2010, 2008 e 2009 foram anos muito difíceis, muito apertados, mas conseguimos superar, graças à Deus. E eu acho que daqui pra frente é só crescer, e eu acho que o escritório está no trilho, vai crescer, não vai ser nenhuma loucura porque a corretagem dá dinheiro, dá um dinheiro, como o meu pai dizia:”É um bom ordenado”, nada mais, nada a menos. Ninguém fica milionário, mas é um bom ordenado e é o que nós estamos tentando fazer. E manter o nome, prestar um bom serviço, isso ninguém tem dúvida. Eu a cada dia estou mais afastado do escritório, não afastado, menos presente porque eu nunca deixo de estar presente, eu vou todo dia pro escritório, agora chego um pouquinho mais tarde, hoje eu tinha que vir aqui, eu não fui pro escritório ainda mas saindo daqui vou direto pra lá. E futuro meu? Enquanto eu puder trabalhar, enquanto eu puder estar lá ajudando de alguma forma, porque toda a parte financeira do escritório sou eu que toco, não que eles não tenham capacidade, mas é que eles tocam outra coisa, eles produzem, então, controle, pagamento, banco, essas coisas eu que faço. Pessoal também e enquanto eu puder eu vou tocar isso porque parar eu não imagino, parar não porque eu acho que quando o homem para, principalmente aquele que teve uma atividade muito intensa toda a vida, ele acaba morrendo, e eu não quero morrer, não (risos), eu quero ver os meus netos crescerem.
P/1 – E o senhor pretende voltar a fazer aquelas viagens pro Norte mas dessa vez a passeio, a lazer?
R – Ah, tenho ido, eu acho uma delícia, eu gosto muito do Norte, eu tenho ido algumas vezes com a minha mulher, tenho a minha filha caçula que mora em Salvador, então, de vez em quando eu vou pra Salvador ver os meus netinhos baianos, eu tenho netinhos baianos, bem tranqüilos, bem tranqüilos (risos)
P/1 – Como é que é o seu dia-a-dia hoje, é lógico, o senhor vai pro escritório, mas o senhor está com outra atividade como hobby, alguma coisa assim?
R – Não, o meu hobby, eu gosto muito de música, cinema, teatro, isso eu mantenho como um hobby, como prazer. A minha mulher também gosta, graças a Deus, e curtir os netos, que é a melhor coisa que tem. Toco a fazenda que me dá um pouco de dor de cabeça, mas vou lá, a cada 15 dias estou lá curtindo e me aborrecendo. É uma soma das coisas e pretendo manter a fazenda, sem dúvida nenhuma.
P/1 – Hoje são quantos netos?
R – Sete.
P/1 – E algum deles já está mais crescidinho assim, o senhor já viu algum?
R – Não, o mais velho está com 12 anos, 11, 12 anos, jantei com ele ontem. Esse é o mais velho, os outros são muito molequinhos, estão pequenos.
P/1 – E o senhor gostaria que um dia talvez eles assumissem o escritório, algum deles?
R – O meu filho, pai desse mais velho, disse que não, que ele não quer, ele quer que o filho seja jogador de futebol, tenista, (risos) qualquer coisa assim, mas não quer que ele seja corretor, principalmente quando as coisas estão dando errado lá, que ele está: “Eu não quero o meu filho aqui de jeito nenhum!”. Mas enfim, nunca se sabe, acho que no fim ele vai seguir a mesma linha que eu, que o meu pai, que cada um, está lá, se quiser toca. Eu não sei, eu acho que se talvez eu pensar a muito longo prazo essa função de corretagem, a função que nós exercemos, eu não creio que ela tenha um futuro a longíssimo prazo, não amanhã, em longo prazo, com as tecnologias todas, aquelas coisas todas, há umas modificações, por exemplo, hoje em dia se faz muito negócio baseado na análise técnica do algodão, quem faz a análise é um computador, que traz, que dá informação. Talvez isso tenda a diminuir a nossa necessidade, vamos chamar assim. Hoje é necessário, não sei amanhã.
TROCA DE FITA
P/1 – Então pra gente fechar já, o senhor estava comentando do futuro da corretagem, essa é uma conversa que o senhor costuma ter com o seu filho, vocês costumam pensar em alguma alternativa pra esse futuro?
R – Não, a conversa existe mas como a gente considera isso num período remoto, quer dizer, em um remoto longínquo, não tem um estudo de uma alternativa, sempre tem, as coisas tem que ir acontecendo, não creio em nada que seja urgente, compreende? Isso, é coisa pra mais daqui a 20, 30 anos
P/1 – Até lá vai ser dos seus filhos e dos seus netos provavelmente.
R – Os netos que provavelmente vão ter outro caminho a seguir, outra coisa. Mas é bom, sem dúvida nenhuma.
P/1 – Bom, pra gente já fechar a entrevista, tem alguma coisa aqui que a gente não comentou, não perguntou mas que o senhor acha importante registrar, importante falar.
R – Não, eu creio que não, você perguntaram bastante coisa. Eu falei muito, eu não sei, mas eu acho que não tem nada muito a mais pra dizer, não.
P/1 – Como comentário final, então, eu gostaria que o senhor dissesse pra gente o que o senhor achou de ter dado essa entrevista, de ter participado aqui do projeto?
R – Eu achei bom, eu acho que toda a contribuição pra formar uma história, uma cultura, é importante. Espero que eu tenha conseguido contribuir de alguma forma porque eu acho que é interessante, eu acho que vale mesmo, o projeto é bacana e vocês também são entusiastas e os trabalhos que tem feito, eu tenho grande admiração pelos trabalhos do SESC, todos, são uma coisa muito bem feita, muito séria, muito profunda e que traduzem o nosso povo, a nossa existência, eu acho bacana isso, vale a pena!
P/1 – Então, em nome do Museu da Pessoa e do SESC São Paulo, eu agradeço muito a sua participação, muito obrigado!
R – Obrigado vocês!
Recolher