Projeto Heranças e Lembranças
Entrevista de Alfredo Frajdenberg
Rio de Janeiro, 19 de julho de 1988
Entrevistadoras Helena e Paula
Realização Museu da Pessoa
Entrevista HL_HV086
Revisado por Teresa de Carvalho Magalhães
P/1- Bem, Sr. Alfredo, então, pra gente começar nossa entrevista, eu gostaria que o senhor dissesse o seu nome completo, local de nascimento, cidade, país, data do nascimento.
R- Alfredo Frajdenberg. Nasci em 18 de junho de 1920. Cidade de Ciechanow, região de Varsóvia, Polônia.
P/1- O nome do seu pai e da sua mãe. O nome da sua mãe de solteira, se souber.
R- Sei. Pai, Zurich Frajdenberg, a mãe, Hanna Frajdenberg, de solteira, Neiman.
P/1- O seu pai e a sua mãe eram dessa cidade? Havia nascido nesta cidade de Varsóvia?
R- Não. Não.
P/1- Eles vieram de onde?
R- Meu pai sim. A minha mãe de uma outra cidade nascida, chamada cidade de Plock.
P/1- E os avós eram da Polônia também?
R- Também. Ao que me consta, sim. Os avós paternos eu os conhecia. Os avós maternos não cheguei a conhecer.
P/1- Mas a idéia que o senhor tem é que a sua família já estava na Polônia há muito anos, muitas gerações.
R- Ah, todas as gerações.
P/1- Bem, quantos irmãos e irmãs o senhor teve?
R- Eu tive dois irmãos menores. É dois anos mais novo e sete anos mais novo. Eu era mais velho.
P/1- Me fala o nome deles.
R- Michal e Berek.
P/1- Bem, os seus avós moravam na mesma cidade ou moravam em outra cidade?
R- Conforme estou dizendo. Avós paternos, na mesma cidade. E avós maternos, eu não conheci.
P/1- Bem, o senhor se lembra da casa que o senhor morava? Como é que era a casa, como é que era o bairro, que tipo de atividade econômica tinha a cidade ou não, como era a sua família? Caracteriza um pouquinho.
R- Bom, a minha família… Minha família… Quer dizer, a casa eu lembro muito bem.
P/1- Detalha ela pra gente.
R- Era uma casa no bairro judaico. A rua se chamava Rua Ioselevicza. Em...
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Entrevista de Alfredo Frajdenberg
Rio de Janeiro, 19 de julho de 1988
Entrevistadoras Helena e Paula
Realização Museu da Pessoa
Entrevista HL_HV086
Revisado por Teresa de Carvalho Magalhães
P/1- Bem, Sr. Alfredo, então, pra gente começar nossa entrevista, eu gostaria que o senhor dissesse o seu nome completo, local de nascimento, cidade, país, data do nascimento.
R- Alfredo Frajdenberg. Nasci em 18 de junho de 1920. Cidade de Ciechanow, região de Varsóvia, Polônia.
P/1- O nome do seu pai e da sua mãe. O nome da sua mãe de solteira, se souber.
R- Sei. Pai, Zurich Frajdenberg, a mãe, Hanna Frajdenberg, de solteira, Neiman.
P/1- O seu pai e a sua mãe eram dessa cidade? Havia nascido nesta cidade de Varsóvia?
R- Não. Não.
P/1- Eles vieram de onde?
R- Meu pai sim. A minha mãe de uma outra cidade nascida, chamada cidade de Plock.
P/1- E os avós eram da Polônia também?
R- Também. Ao que me consta, sim. Os avós paternos eu os conhecia. Os avós maternos não cheguei a conhecer.
P/1- Mas a idéia que o senhor tem é que a sua família já estava na Polônia há muito anos, muitas gerações.
R- Ah, todas as gerações.
P/1- Bem, quantos irmãos e irmãs o senhor teve?
R- Eu tive dois irmãos menores. É dois anos mais novo e sete anos mais novo. Eu era mais velho.
P/1- Me fala o nome deles.
R- Michal e Berek.
P/1- Bem, os seus avós moravam na mesma cidade ou moravam em outra cidade?
R- Conforme estou dizendo. Avós paternos, na mesma cidade. E avós maternos, eu não conheci.
P/1- Bem, o senhor se lembra da casa que o senhor morava? Como é que era a casa, como é que era o bairro, que tipo de atividade econômica tinha a cidade ou não, como era a sua família? Caracteriza um pouquinho.
R- Bom, a minha família… Minha família… Quer dizer, a casa eu lembro muito bem.
P/1- Detalha ela pra gente.
R- Era uma casa no bairro judaico. A rua se chamava Rua Ioselevicza. Em homenagem a um herói judeu, polonês, que lutou no século XVIII, lutou contra o tzarismo. E essa rua se chamava rua Berek Ioselevicza. Ele era um herói judeu. Ele criou uma legião de combatentes judeus que lutaram contra o tzarismo. Ele morreu nessa luta. Então essa era uma rua onde moravam muito
judeus. Aliás, toda a cidade, a maioria na cidade, no perímetro urbano, eram judeus. Minha casa era uma casa, nas condições polonesas, era uma casa boa. Para aquele tempo era uma casa boa.
P/1- Como ela era?
R- Era uma casa bonita, frente para a rua.
P/1- De tijolo?
R- Ah, sim. Uma casa bonita. Para as condições daquele tempo era uma casa bonita.
P/1- E o seu pai fazia o que?
R- Era um comerciante.
P/1- De que?
R- Trigo...Mais trigo.
P/1- Ele comprava da aldeia, vendia?
R- Meu pai, a origem do meu pai era agrícola. Eles eram, o meu avô e minha avó, eles eram da aldeia, lá da nossa região. Sabe que eu vou lhe pedir um favor. A minha senhora não se dá com o fumo. Não, acaba de fumar. Acaba de fumar. Porque ela tem uma alergia.
P/1- Eu vou apagar.
R- Então, eles eram muito ligados a agricultura. Mas havia uma época em que era proibido judeus terem terra. Então, eles se deslocaram para a cidade. Mas continuaram sempre, no comércio, também ligados com a terra. É mais ou menos por aí.
P/1- Mas quando o senhor nasceu, o seu pai já estava na cidade ou ele estava no campo?
R- Não, já estávamos na cidade. Quer dizer, eu só me lembro da cidade. Eu só sei que eles… Eu conheci até o local da onde eles eram. Eram muitos irmãos. Todos eram de origem de aldeia. Eles eram muito ligados à terra.
P/1- Seu avô fazia o quê?
R- Deve ser… Meu avô ainda vivia na terra. Na terra agrícola, né. Tiveram terras. Plantavam.
P/1- Vocês tinham uma espécie de armazém, é isso?
R- Não, não. Não. Isso era outro de… Isso era de magasins de trigo. E a minha família era muito ligada também… eles eram fornecedores para o exército polonês, forneciam alimentação, essas coisas todas, para o exército. Também até um determinado tempo, até 1933. Porque depois judeus também eram já discriminados nesta atividade.
P/1- Na sua casa, então, morava o seu núcleo familiar. Pai, mãe, irmãos?
R- É nós três. Éramos três.
P/1- E em casa vocês falavam polonês ou ídiche?
R- Na minha casa se falava polonês. O ambiente era judeu, mas a minha mãe falava com a gente polonês.
P/1- Então, os outros habitantes, o resto da população judaica da cidade também era ligada ao comércio, a maioria?
R- Não. A maior parte era ligado mais a artesanato. Eram operários. Tiveram assim pequenos... eram alfaiates, sapateiros, marceneiros, mecânicos, ferreiros.
P/1- O senhor classificaria a sua cidade assim como uma cidade de classe média, misturada, mais uma cidade pobre?
R- A minha cidade, eu poderia dizer...Claro, a pobreza existia, mas também pode-se classificar uma cidade um pouco privilegiada, pelas condições polonesas. Porque havia estação de estrada de ferro, isso influenciava melhor tipo de atividade. Havia um regimento do exército, também influía para movimento, e havia a maior usina de açúcar na Polônia. Também ajudava. Os judeus tiveram, através disso, uma pequena possibilidade de...
P/1- Pertencia a judeus a usina?
R- Não, não. De jeito nenhum. Mas judeu comerciava com essa gente.
P/1- Tinha judeus ricos nessa cidade? Muito ricos?
R- Tinha. Nas condições...Tudo tem que ser...
P/1- Dentro das condições polonesas.
R- Dentro das condições polonesas. Tinha judeus ricos. Moinhos e… Que mais? E grandes indústrias, tijolos, grandes lojas, grandes lojas, armazéns, lojas de tecidos. Enfim, por aí.
P/1- E tinha sinagoga na sua cidade? Quantas tinham? Quais eram os grupos dessas sinagogas?
R- As sinagogas podem ser divididas da seguinte maneira: tinha uma sinagoga, quer dizer, era a principal sinagoga. Ela não tinha nenhuma característica especial.
P/1- O senhor lembra o nome dela?
R- Eu não me lembro. Não sei se ela tinha algum nome especial. Era uma sinagoga da cidade. Era grande. Uma sinagoga até bonita, de certa forma. E depois tinha diversas sinagogas menores que pertenciam a grupos religiosos. Ortodoxos, ortodoxos de um jeito, de outro jeito e tal. Isso tinha muito. Tinha sinagogas de profissionais. Alfaiates tiveram sua sinagoga, os sapateiros tiveram a sua. Enfim, isso eram pequenas, até casas onde se cedia um quarto, uma sala e as pessoas rezavam.
P/1- Além das sinagogas, existiam outras instituições judaicas? Lar da criança, lar dos velhos, partidos políticos judaicos? O senhor pode falar à vontade. Eu sei que o senhor tem coisa para contar.
R- A cidade pode-se dividir o seguinte: bom, atividade econômica, conforme já te falei, a maioria da população… Porque isso também depende da época. Eu tinha só 19 anos até 1939, quer dizer, até 2ª Guerra Mundial. Então, começou o boicote econômico contra a população judaica, determinadas.. determinados tipos de comércio eram tirados dos judeus. Por exemplo...
P/1- Nós vamos chegar, cronologicamente...
R- Ah, eu estou dizendo. Isso é relacionado. Aí, por exemplo, venda de álcool. Já era monopólio. O judeu não podia vender isso. Então, pra vender isso, ele tinha que ter atrás dele um testa de ferro, um polonês, ex-combatente da 1ª Guerra Mundial. Então, atividades econômicas eram muito… muito diminuídas na população judaica. Mas havia uma classe média muito forte, pelo menos na minha cidade. Agora, atividades sociais, haviam escolas, a escola primária, ela era do governo. As crianças judias estudavam numa escola primária, era obrigatória para a comunidade judaica. Porque a minha cidade já é considerada cidade um pouco maior. Era município. Era município. Então, tinha uma escola judaica. Ela era do Estado, mas estudavam lá crianças judias. Fora disso, havia escolas de caráter religioso. Talmud-Torá, para os meninos...
P/1- Os professores dessa escola do Estado eram judeus ou não?
R- Maioria judeus. Mas também tinha não judeus lá...Talmud-Torá para os meninos. Beit Yaacov para meninas. Isso era religioso. Mas também tinha escolas de caráter já sionista. Tarbut. Era de sionistas gerais. A minha senhora estudou no Tarbut. Não é da minha cidade. De outra cidade. E havia Iavne. Isso era uma escola sionista, religiosa, do movimento Mizrah. E havia também escolas de caráter socialista, do Partido Socialista BUND. Essa escola chama-se Tsichor. Tsicho. Onde o idioma era ídiche.
P/1- Essas eram mais de nível secundário?
R- Não, não. Mais primário. Mas essas escolas não… Elas tiveram caráter… Tinha que estudar polonês, mas com base também de estudo amplo, nacional polonês. Como na escola primária polonesa também tinha duas vezes por semana, se não me engano, religião. Mas estudado em idioma polonês. Como matéria. Você não passava sem falar sobre essa matéria. Mas isso já era estudado em polonês. As histórias do Tanach, mas sempre traduzido para o polonês. Mais ou menos isso. Agora, partidos. Você também perguntou isso. Bom, isso era um caldeirão. Todos partidos sionistas, todos, juvenis, Shomer Hatzair, Hashomer Haleumi, Beitar, Gordonia. Enfim, sei lá… Hashomer… Shomer Hatzair já falei. Chalutz, Poallei-Sion da direita, Poaleei-Sion da esquerda. Beitar falei também já. E partido socialista BUND. Ela já não tinha nenhuma ligação com o sionismo. E o Partido Comunista. Ilegal. Na ilegalidade. Aí tinha a Juventude Comunista, Partido Comunista. E minha cidade, outra vez, especificamente, era muito da esquerda.
P/1- Muito da esquerda. Quer dizer, como a sua cidade era mais de judeus, então, o Partido Comunista na...
R- Não é que é mais de judeus. Isso era um característica de todas as cidades polonesas. Todas. No perímetro… A minha cidade era considerada 12 mil habitantes. Aí se falou em 5 ou 6 mil judeus. Agora, região por ..., aí eram poloneses. Lá nas terras. Na agricultura eram os poloneses. Na cidade, judeus. Com sua vidinha. Aquela que nós falamos agora.
P/1- Não, o que eu queria perguntar, então, já que tinham muitos judeus na sua cidade, então, esses partidos comunistas...o Partido Comunista também tinha muitos judeus, né?
R- Muitos judeus. Mas também poloneses. Claro. Também poloneses. E esses judeus no Partido Comunista não eram separados. Eles pertenciam ao movimento internacionalista comunista e dentro da sua característica, na ilegalidade.
P/1- Eu perguntei se existiam lar dos velhos, lar da criança, esse tipo de instituições.
R- Não. Nesse estilo não. Lar dos velhos, eu não me lembro. Em Ciechanow não. Talvez em Varsóvia devia ter Lar dos Velhos. Havia Linat Hatsedek. Linat Hatsedek era uma característica de ajudar os doentes. Assim, uma assistência médica. Claro, muito primária, muito precária, mas também, nas condições daquele tempo havia, havia uma instituição, ajudar...
? - Chevra Kadisha também.
R- É. Chevra Kadisha era uma instituição que cuidava do cemitério e dos enterros judeus. Havia uma...
? - Kehilá.
R- Não, Kehilá era uma… Bom, isso… A Kehilá era aquela nossa federação atual. Aquela que representava a comunidade.
P/1- Ah, era a união de todas as instituições judaicas numa federação.
R- Não, é, aí, Kehilá, isto já eram eleições. Eram eleitos presidente...Também muita briga partidária, aquela coisa toda. Isso não faltava. Mais ou menos...É, por aí.
P/1- Na sua casa vocês tinham empregados?
P/1- Você diz assim empregada doméstica?
P/1- É. Ou então no negócio do seu pai.
R- Não, o negócio do meu pai, isso era um tipo de outro...Isso não era uma coisa de lojas. Não era loja. Isso se comprava trigo, se comprava gado...
P/1- Mas ele trabalhava sozinho?
R- Não. Sempre com muitos empregados. Porque isso exigia o trabalho físico. Carregadores, cocheiros. Enfim, é por aí.
P/1- E esses empregados eram?...
R- Geralmente poloneses.
P/1- Geralmente poloneses.
R- Na minha casa, alguma época me lembro, na minha mocidade nós tivemos. Eu tinha até uma "babysitter", que eu me lembro. E tinha uma empregada doméstica. Isso já falando de mim, quer dizer, tinha uma moça que cuidava de mim e de meu irmão pra ir passear, para fazer deveres. É por aí. Tinha alguma mordomia. E estudei no ginásio.
P/1- A gente vai entrar daqui a pouquinho na sua vida, específica. A gente está tentando...
R- Espera aí.
[interrupção]
P/1- Na sua cidade… A sua cidade possuía teatro, cinema, alguma coisa assim? Jornais.
R- Sim. A cidade tinha dois cinemas. Dois cinemas. Tinha um local… O próprio cinema as vezes trazia… Aí também tem que dividir. Judaicos e amplos. Quer dizer, cinema era para todos. E os judeus também frequentavam. Quem tinha dinheiro, naturalmente. E teatro, tinha o local, o próprio cinema as vezes servia para o teatro. Então, tinha teatro especificamente judeu, quando a gente trazia grandes artistas de Varsóvia, principalmente, de Viena, de Varsóvia. E também tinha artistas que vieram, já eram poloneses. Teatro polonês. Também, de certa forma, era frequentado por judeus. Nem por todos. Mas também uma classe que gostava idioma polonês, que entendia, que vivia dentro da cultura polonesa. Havia também gente que gostava disso e também frequentava. É... Então, era mais... cinema, teatro. E tinha também teatros nossos, de diversos grupos. Sionistas, da esquerda, faziam teatro amador, não. Juventude. Crianças. Cada escola, as vezes, fim do ano era também muito normal apresentar uma peça teatral. Tanto da parte sionista, da parte religiosa. Tivemos uma banda de música, que era do Beitar. Uma bonita banda de música. Tinha muitos clubes esportivos de...
E- A banda tocava no teatro, nos cinemas, tocava fora?
R- Não. Não, não. Essa banda era mais para...festas e excursões, aí a banda ia na frente. É por aí. Mas também isso até 1930 e poucos. Depois quando o anti-semitismo...Talvez isso você ainda chegue a perguntar. Mas isso são fases. Uma época. Até 1932, 1933, isso funcionava de uma maneira mais ativa, mais dinâmica.
P/1- E como é que os judeus se relacionavam com as outras pessoas da cidade? Socialmente, economicamente, politicamente. E existiam grupos minoritários?
R- Bom, lá na Polônia só havia judeu e polonês. Em nossa região. Havia outras regiões da Polônia onde haviam também russos, ucranianos. Mas na Polônia central, da onde eu sou, ou polonês ou judeu. E só.
P/1- Então, ou católicos ou judeus. Nem...
R- Ou católico ou judeu. Eu digo polonês, isso às vezes pode ser mal entendido, porque nós éramos cidadãos poloneses, mas na prática você não era. Porque você era discriminado. Havia preconceito.
P/1- Então, fala um pouquinho sobre essa relação dos judeus com os outros segmentos da sociedade.
R- Isso também depende de quem.
P/1- Tenta ter como referência sempre a sua família. Com os vizinhos, na escola.
R- Ah, bom. Por exemplo, assim, pelo simples fato que nós falávamos polonês, isso já era uma pequena abertura. E possibilidade para ter contato. Em geral, a minha geração, eu sou da Polônia, a minha geração era a juventude, exatamente a última juventude da Polônia, até 1939. Então, nós, jovens, já tivemos contato com os não judeus. Por exemplo, quando eu frequentava o ginásio, apenas dois éramos judeus. Então, você tinha que ter colegas não judeus. Convivências, isso já é uma outra pergunta. Como isso funcionava, isso já é uma outra pergunta. Agora, a maioria da população judaica, por motivos dessa discriminação, a gente também se fechava. E você não necessitava do ambiente geral para você ter teu ambiente. Porque você tinha tua sinagoga, teu idioma, tua organização, teu partido, teus colegas. Então, você vivia dentro desse quadrado. Você não saia. Agora, nós não estávamos, naquele tempo, ainda completamente fechados, fisicamente, mas de alguma maneira. Isso não é igual para todos. Não é todos que se relacionavam igualmente.
P/1- Como é que seus pais se davam com os vizinhos?
R- O meu pai, outra vez, por motivo da profissão dele, já era uma profissão onde você tinha que ter contato com não judeus. Isso é número um. Também ajudava muito o idioma. O idioma deles era polonês. O meu caso. Estou falando de mim. Mas todos se davam. Mesmo aqueles que falavam com erros, enfim, não dominavam, isso não prejudicava. Comercialmente todo judeu tinha que ter... Ou ele vendia a um polonês ou ele comprava com um polonês. Então, de alguma maneira, éramos ligados. Todos eram ligados.
P/1- Mas assim, bem antes da guerra, como é que vocês sentiam o anti-semitismo, a discriminação? O senhor quando criança, quando é que o senhor sentia?
R- Toda hora.
P/1- Os exemplos, assim.
R- Os exemplos são mais variados. Mais variados. Quando você estava no colégio, aquele colégio primário que eu te falava, na saída da escola, isso era quase uma tradição, de levar pedra, de jogar pedra de volta. A gente também reagia. Isso era fisicamente. Ofensas, isso era normal. Qualquer polonês quando se embriagava, ele já tinha esse direito de ofensas, de...
P/1- O que que eles falavam?
R- Sempre qualquer palavrão, sempre judeu. Judeu ladrão, judeu porco, judeu isso, judeu podre, judeu sujo. E por aí.
.
P/1- Mas o senhor atribui essas ofensas é alguma coisa real ou era só xingamento mesmo, rixa?
R- Não, não. Isso tinha… É tinha, fora disso, nós passamos… Isso, fora disso, havia coisas muito sérias. "Pogroms". Na própria nossa cidade nós sempre enfrentamos, brigamos. A gente reagia. Isso tinha caráter muito violento. O motivo disso tudo era que a Polônia era um país latifundiário, a Igreja dominava a Polônia, secularmente anti-semita, anti- judaico. A classe privilegiada não queria fazer reformas sociais, reforma agrícola, que resolveria tudo, distribuir a terra para quem trabalha. Então, desviaram a atenção dos problemas reais...
P/1- E isso era passado de pai pra filho.
R- E isso se transformou… E fora disso, realmente não havia o que fazer. Sabe, toda a juventude não tinha nenhuma perspectiva na Polônia. E também a juventude polonesa não tinha perspectivas. Então, aquele pequeno espaço onde havia alguma coisa, era disputado muito. Então, o polonês, quando ele tinha loja, ele não podia, ele ainda era comerciante muito novo, ele não tinha chance de fazer concorrência leal, porque ele não sabia como comprar. Enfim, essa coisa toda que é relacionado ao comércio. Aí, ele usava compra com cristão. Então, ele: compra com cristão, não compra com judeus. Quando isso já não adiantava, ele botava piquetes nas portas das lojas judeus. "Não compra com judeus." Eles eram maioria, nós éramos minoria. Quer dizer, era mais ou menos...
? - Era uma luta grande.
R- ... mais ou menos esse.... Por aí. Isso é um tema inesgotável.
P/1- Tá bom. Então, vamos objetivar. Os judeus da sua cidade se vestiam diferentes?
R- Também não é todos. Tinha uma parte, a ortodoxa, tinha seus trajes e tal. Mas já a nova geração, a minha geração, pelo menos meus colegas, nem meus pais já usavam isso.
P/1- Como é que era a religião na sua família? Seus pais eram muito religiosos?
R- Não.
P/1- Sua mãe fazia as festas regularmente?
R- É claro. Ela, para aquele tempo, a minha mãe já podia ser considerada mulher moderna. Porque se trajava igual, meu pai não usava barba, não usava trajes específicos, mas "kasher", Shabat, isso não se discute. Isso era tão natural como levantar de manhã. Shabat era Shabat. Eu tinha uma… Eu no ginásio era obrigado a estudar salmo.
P/1- No Shabat da sua família vinham os avós, vinham primos ou era só o núcleo familiar?
R- Na Polônia isso não era muito em moda. Isso não existia. As famílias já eram… A gente depois do Shabat, aí a gente se encontrava e tal. Mas não era pra se reunir muito, comer junto. Cada família fazia seu Shabat, sua festa. E por aí. Isso agora começou aqui no Brasil fazer assim. É Páscoa coletiva, essa coisa. A Polônia, não me lembro desse...
...- Não existia. É cada um na sua casa.
P/1- O senhor se lembra de algum Brit que tenha alguma característica diferente do que é feito agora no Brasil?
R- Lembro do meu irmãozinho menor.
P/1- Se tiver algum costume diferente do utilizado hoje no Brasil, o senhor conta.
R- Sinceramente, eu não gostava muito de olhar o Brit. Não gosto de ver sangue.
P/1- Mas era parecido com o costume daqui?
R- É, mais ou menos. Acho que era isso. E por aí. Não me lembro...
P/1- Não tinha nada de diferente?
R- Não. Não. me lembro muito desses episódios. Não ligava para esses episódios.
P/1- Então, vamos lá. O senhor entrou na escola com que idade?
R- Acho que com seis anos.
P/1- Naquela escola do Estado?
R- Do Estado. Sim. Com seis ou com sete. Talvez sete.
P/1- Como é que foi a sua vida na escola?
R- Sem modéstia, era um bom aluno. (risos) Muito bom aluno.
P/1- Aí, depois dessa escola primária, o senhor foi estudar onde?
R- No ginásio, na mesma cidade.
P/1- Também escola do Estado?
R- Ah, aquele era do Estado mesmo. E lá você já entrava com concurso. E era muito difícil para judeu. Criavam muita dificuldade..
P/1- O senhor frequentou alguma escola religiosa?
R- Não, não.
P/1- Frequentou alguma escola religiosa?
R- Não. Eu tinha um professor, "melamed", em casa. A minha mãe achava que isso é muito importante. E eu estudava em casa, "Chumash", essas coisas todas. E eu estudava em casa. Mas não é na escola específica.
P/1- A sua família incentivava muito o estudo pros filhos?
R- Ah, na minha… A minha mãe sim.
P/1- E o senhor tinha… Que tipo de perspectiva o senhor tinha em relação a sua vida? O que que o senhor pretendia fazer? Pretendia cursar a universidade? Tinha universidade na cidade?
R- Não. Na cidade não. Eu sou perto de Varsóvia. Ginásio, acabava toda a chance. Tinha que… Mas as perspectivas eram muito mínimas. Muito. Nenhuma para o judeu. Eu gostava muito de direito, só sonhava de estudar direito, gostava isso muito. Assistia muitos processos nos tribunais. Isso era meu "hobby". E gostava muito de política. Gostava muito de discursos, de ouvir, de lembrar. Era muito ligado a esquerda, gostava muito disso, lá me sentia bem.
P/1- Quando o senhor acabou o ginásio, o senhor fez o que?
R- Bom, isso...
[troca de fita]
P/2- O senhor falou que precisava de concurso para entrar no ginásio?
R- Sim. Sim. Eram vagas muito poucas. Sempre eles prestigiaram mais os poloneses. Claro, isso não era ainda assim oficialmente não. Mas… No Pedro II, no Brasil, também, meu filho pra entrar era concurso.
P/2- Mas quer dizer, não havia número xis de vagas pras judeus, naquela época, não?
R- Não. Exatamente não. Mas atrás da cortina… Tanto assim que da minha geração só éramos dois. E uma jovem.
P/2- Os seus irmãos fizeram a mesma escola?
R- Não, meu irmão já era menor. Meu irmão, meu irmão menor, dois anos mais novo, ele fez ORT, só a ORT. E ele era rádio técnico. Até aprendeu muito bem a profissão. Porque já em 1937, quando eu me formei em ginásio, em 1937, aí já desmoronou tudo. Falta de dinheiro e falta disso e falta… E econômico e político e anti- semitismo. Já havia uma coisa meio esquisita. Aí, já começa outro tipo na minha vida.
P/1- Agora, nessa época que o senhor estava no ginásio, o senhor já tinha esse "hobby" de frequentar tribu...?
R- Sempre.
P/1- O senhor já estava ligado em política? O seu pai participava da política?
R- Diria não. Não.
P/1- E o senhor, como é que o senhor...Como é que foi a sua iniciação na política?
R- Como estou dizendo. Na minha cidade o movimento da esquerda era muito forte. Eu sempre era ligado, assim, no meio interior, com as coisas sociais. E a minha cidade, como era da esquerda, então, havia grandes reuniões no dia 1º de maio. Então, vieram os operários em praça pública, lá na praça, e assistia muito desses discursos, isso me impressionava muito. E enfim, me lembrava tudo que eles falavam, e já com sete, oito anos corria também. Enfim, me sentia muito bem nesse lado.
P/1- O senhor estudava esses livros em casa?
R- Ah, sucessivamente, sim. Aí, isso já se tornou uma coisa muito obrigatória. O capital, do Marx e essa… e Lenin e revolução bolchevista, a revolução francesa. Isso… Mas isso sucessivamente. Mas mesmo como criança, eu já corria pra lá pra ver. E quando havia os grandes processos dos comunistas nos tribunais, aí, eu também ia pra ouvir falar essas coisas. E gostava de ler.
P/1- Então, conta alguma coisa de sua experiência assistindo esses processos. O que que o senhor...
R- Bom, você tem que entender que como jovem, jovem da minha geração, aí você levava isso tudo só no coração. Você não entrava no mérito da questão. Estava sem esperança. Esse lado luta por justiça social, esse lado luta para que não haja desemprego. Naquele tempo os "slogans" eram de um dia de trabalho de oito horas, queremos pão e trabalho. Quer dizer, isso era...E era verdade. Era verdade. Então, as coisas, depois de 50 anos, daquele tempo, essas coisas completamente tem outro sentido. Mas...
P/1- Então, em qual movimento que o senhor ingressou e...
R- Não, eu não me liguei assim formalmente, não me liguei a nada. Até hoje eu não sei me ligar formalmente a nada.
P/1- Mas o senhor frequentou qual? Shomer? Qual?
R- Na mocidade eu pulava um pouco. Porque era moda. O movimento sionista tomava rumo, ele ocupava espaço da esquerda. Então, a Shomer Hatzair era sempre o mais forte. Shomer Hatzair. Então, as vezes me levaram. Então, era a época que todos os jovens ia pra Shomer Hatzair. Já em 1937, 1938, o Beitar tomava muita força. Porque anti-semitismo era forte e o Beitar falava da força, da reação, enfim, então, era uma fase assim. Mas eu não tenho grande currículo de partido. Não tenho. Mesmo na esquerda, eu nunca… pra ser membro do partido não. Nunca.
P/1- Em que época o senhor começou a ouvir na sua cidade falar em imigração para Israel? Haviam colegas seus que estavam migrando?
R- A minha idade ainda não era disso. Hoje eu já sou muito velho. Mas naquele tempo...
P/1- Exatamente. Eu estou muito...
R- Exatamente, isso foi, talvez, o mal da minha vida, que eu não tinha 20 anos ou 21. Aí já seria diferente. Já iam os jovens mais velhos, meus primos, ja iam pra kibutz, hashkará e tal. Mas era muito difícil. Mandato inglês não deixava ninguém entrar. Precisava de certificado. Você tinha que ficar quatro, cinco anos esperando na fila pra ir. Mas também já tinha alguma emigração, assim, para a América do Sul. Brasil não. Mas Argentina, Uruguai. Tem gente conhecida que emigraram. Na minha família pouca gente emigrou.
P/1- Seus pais não pensavam não, né?
R- Infelizmente, nunca escutei isso.
P/1- Bom. Como é que era assim dentro da sua casa, quem tinha maior autoridade, seu pai ou sua mãe?
R- Bom, a parte intelectual, a parte vida era minha mãe.
P/1- Era sua mãe. E em relação a educação de vocês também, né?
R- Ah, só minha mãe.
P/1- E em relação a namoros, casamentos, como é que era isso? A sua família era liberal? O senhor era muito pequeno ainda.
R- Não, pequeno não. Em 1939 já sabia que é namoro.(risos) Já entendia bem disso. Não era muito fora disso não. Participava nessa parte. E muito.
P/1- Como é que era a vida da juventude, assim, nessa parte de namoros, casamentos? Os pais arrumavam os casamentos dos filhos?
R- Os casamentos...Eu já não sou dessa geração. Isso já não existia. Nós muito...a juventude, nós éramos muito...nós éramos românticos. Então, a gente tinha certos preconceitos ao namoro. A gente achava quem a gente ama, aí...o comportamento tinha que ser muito, muito puro. Mais ou menos por aí. A namorada, uma coisa muito séria. E a gente tinha tabus. Muitos tabus. Puxa. Muito tabu.
P/1- O senhor conheceu sua esposa em que ano?
R- Não, depois da guerra.
P/1- Depois. Então, na sua cidade, o senhor teve namoros ainda.
R- Tinha. Porque eu já… depois de quando eu saí do ginásio, eu ia pra Varsóvia. Eu era sempre adiantado. A palavra progressista quer dizer você está adiante do seu ambiente. Eu estava sempre adiante. Então, por exemplo, o que muito se praticava na minha geração eram bailes, que nós gostávamos muito, dançando. A gente até que dançava até encostadinho e tal, essas coisas todas.
P/1- Mas não eram mistos não, né? Eram dentro do movimento da juventude judaica.
R- Bom, não, a juventude judaica. Eu já frequentava muitos bailes com não judeus também. Porque eu tinha muita amizade entre os não judeus.
P/1- Sua família falava alguma coisa pro senhor em relação a isso?
R- Não. Não. Mas eu tinha, é claro, 90% eram amigos judeus. Quer dizer, amigos, aquele amigo que você tem, eram judeus. Aí já… Porque eu já falo agora fora da minha cidade. Varsóvia. Mas na minha cidade tinha muitos bailes. Tinha. Até a gente aprendia a dançar. Era muito… Salões e tal. Nós dançávamos muito naquele tempo era tango, valsa e fox e "slow fox". E tal.
P/1- Isso mais em Varsóvia?
R- Não, não. Já ainda na minha cidade.
P/1- E em Varsóvia o senhor fazia o quê? Frequentava bares, cervejarias?
R- Varsóvia, isso já...Quando eu acabei o ginásio, aí fui trabalhar na...aí, eu trabalhei num escritório. Porque o judeu não podia ter nenhum emprego público. Podia...
P/2- Isso em que época que o senhor estava falando?
R- 1937. Quer dizer, eu podia. Não estava escrito que o judeu não pode ser funcionário público. Mas você não ganhava esse emprego. Eu bancava bobo. Eu me formei, eu escrevi para o município. Eu estive agora na Polônia, há pouco tempo. Então, eu escrevia para o município. "Eu, abaixo assinado tal, cidadão polonês, formado e tal, quero um emprego, tal.." Muito bem. Resposta: " na primeira oportunidade..." No ano 2000, no ano 3000, assim. Então, você não tinha. Então, você não tinha nenhuma perspectiva. Pelo contrário. Aqueles rapazes mais pobres, quando ele era sapateiro, ele, de alguma maneira, podia ainda se virar.
...- Mas você trabalhou no moinho.
R- Sim. Aí, eu fui para outra cidade onde era o moinho, eu trabalhei. Moinho, sabe? Isso era uma das indústrias muito fortes na Polônia. Trigo, farinha, essas coisas. Aí eu fui pra lá. Isso era já mais perto para Varsóvia. Trabalhei lá um ano.
P/1- O senhor fazia o que lá?
R- No escritório trabalhei. De contabilidade.
P/1- Porque depois do ginásio o senhor teve um diploma de contabilidade? Coisa técnica?
R- Não. Não. O próprio ginásio era ginásio comercial. Ginásio comercial. Então, lá, nós tivemos muita matéria de contabilidade, matemática, aritmética, enfim... Então, eu entendia de contabilidade. Eu já tinha direito de ser contador. Eu tinha direito de assinar...
P/2- Só pelo ginásio, né.
R- Não, esse tipo de ginásio. Ginásio comercial, assim chamava. Em polonês.
P/1- Na sua casa vocês discutiam política? O seu pai discutia política com vocês? Falava do governo, falava de Israel, falava da guerra, da 1ª Guerra? O senhor tem alguma lembrança da 1ª Guerra na sua casa?
R- Não. 1ª Guerra não. Eu só sei que meu pai servia. Serviu. Isso se falava muito. Tinha aquele dinheiro russo que as crianças brincavam. Esse dinheiro da 1ª Guerra Mundial. Porque toda a Polônia pertencia a Rússia. Então, tinha aquele dinheiro. Até falei com a minha esposa um dia desses. Aquele dinheiro era tão bom, papel tão...Crianças brincavam, mas esse dinheiro não tinha valor. Meu pai lutava na 1ª Guerra Mundial. Até ferido, ele voltou ferido da guerra. Mas ele era homem forte.
P/1- Mas vocês discutiam política em casa? Falavam do governo?...
R- Olha, o problema sabe que que é, a Palestina, a gente falava "Eretz Israel", né. Os polacos falavam da Palestina. Nós também falamos Palestina, porque era mandato inglês. Então, a gente falava. Mas isso parecia tão utópico. Nós mesmo, muitas canções folclóricas, se debochava, como vai ser? Vai ter 50 partidos? E judeu general? Falava sobre isso, mas como uma coisa inexistente.
Agora já sabemos que já até a guerra tinha 600 mil judeus na Palestina. Meus dois primos foram para "Eretz Israel", através do kibutz. Eu tinha, tenho eles até hoje lá em Israel. Mas eles foram antes da guerra. Foram para o kibutz e depois foram para o Israel, não, para Eretz Israel.
P/1- E o senhor com a religião, o senhor tinha alguma ligação com a religião?
R- Não. Não. Eu até era um bom aluno. Eu entendia muito. Mas eu não tinha o hábito de rezar, essa coisa.
P/1- Então, tá. Então, o senhor passou um ano trabalhando no moinho. E depois?
R- E depois em Varsóvia também tinha um emprego numa loja de material elétrico. Também mais um. Mas também tinha época que não tinha trabalho também, era muito...
P/1- Em Varsóvia o senhor morou onde, quando o senhor trabalhou nesse?...
R- Nós morávamos, como todos jovens de província, a gente tinha muita solidariedade, então, alugávamos quartos. A gente passava miséria.
P/1- Sua vida não estava muito promissora, né. O senhor mudou de emprego, mudou pro outro, depois...
R- É, na Polônia, realmente, a gente não sabia, não tinha assim rumo determinado. Porque a minha idade ainda não obrigava a se pensar muito também. Casamento não estava em cogitação. 19 anos de idade. A Polônia...
P/2- E universidade?
R- Universidade na Polônia, realmente, não tinha nenhuma chance.
P/1- Não dava pra entrar?
R- Não, não. Se dava, você podia entrar naquelas faculdades de filosofia e tal, que não te davam nenhuma perspectiva econômica. Medicina, direito, engenharia eram um sonho de mil-e-uma noites. Na própria universidade você passava por outro tipo de perseguição. Os estudantes anti-semitas, você tinha que estar do lado esquerdo, aí, os jovens estudantes não queriam...eles não queriam sentar como os jovens estudantes. Então, estudantes judeus, como protesto...Eu falo isso agora nos meus discursos na volta da Po...Eu falei na Polônia, sobre isso. Então, a gente como protesto, assistia a aula de pé. Já escutou esse...Vocês já, naturalmente, falaram com outras pessoas também. É isso aí. Então, pra você ter uma chance, uma perspectiva...Emigração, infelizmente, não estava em... Porque a minha família não tinha ninguém fora, não tinha ninguém fora do país, da Polônia para falar em alguma emigração. Infelizmente. Então, era por isso. Então, a minha… Nem era criança e ainda não era… e não era assim ainda pessoa que… Agora, eu precisei me sustentar. Então, em Varsóvia, aí a gente...
P/1- Seu pai não queria que o senhor trabalhasse com ele?
R- Não, eu não dava pra isso. Não era pra… Não era. Também não havia... Conforme estou dizendo, 1935, 36, 37, já começou tudo virar. Eu tinha...a infância minha era, em relação aos outros, boa. Mas já a mocidade...O meu irmão estava bem em Varsóvia, o menor. Ele aprendeu muito depressa consertar rádios. Rádio naquele tempo era como televisão hoje, ou mais, talvez. Então, ele trabalhava numa firma. E nós...Tudo isso não prejudicava, mas já em Varsóvia a gente se intelectualizava mais. Tinha muita chance, assim, de frequentar grandes conferências, filarmônicas, essas coisas. E a luta, a luta da classe operária judaica. Isso era...era uma coisa que muito marcou a minha vida.
P/1- Fala mais sobre isso.
R- E greves de ju...de tal, demonstrações de Primeiro de maio, isso era um troço fora se série. E milhares, dezenas de milhares de judeus marchando pelas ruas com "slogans", com palavra de ordem. E a última grande demonstração foi em 1938, no bairro judeu. E a polícia matou um garoto de 13 anos, na rua Lubeteskeko. E a polícia quis arrancar o corpo pra não deixar e nós não deixamos. Foi uma coisa muito violenta. O dia todo conflitos com a polícia. E dentro do movimento da esquerda também havia… por exemplo, movimentos de esquerda sionista também participavam dessas demonstrações de Primeiro de maio. O Partido Socialista BUND tinha seu lado específico, ele não se misturava com os sionistas. Os comunistas eram ilegais e andavam separados. E até 1938 era uma demonstração de força. Poloneses e judeus juntos, da esquerda. Depois, os poloneses já marchavam separados. Essas são experiências muito valiosas...
P/1- Mas o senhor não se ligou a nenhum desses movimentos nem quando o senhor ainda estava em Varsóvia? Ainda preferiu ficar independente?
R- Não. Naturalmente isso deve ser minha característica própria. Eu sou muito difícil. Eu não sei assim obedecer. Mesmo quando a maioria determina, eu sou muito difícil de aceitar. Eu questiono muito as coisas. Só questiono, você está me entendendo? Eu não posso - Partido decidiu. Isso pra mim não diz nada. Eu quero saber por que decidiu. Eu quero discutir. Pronto. E quando não tem motivo, eu crio motivo.(risos) Isso é... Eu sou assim. E isso, essa característica é minha até hoje.
P/2- Mas, quer dizer, no fundo o senhor, provavelmente, era um pouco...era mais uma simpatia, o senhor era mais tendencioso...
R- Eu já falei. Eu sempre sou ligado com o lado social, com o lado humanístico mais, sabe. Mas isso, na vida real, não vale nada. Também a gente tem que re...Que que adianta, você fala num mundo bonito, num mundo… isso não adianta. Se você não tem uma base, se você não tem uma infra-estrutura, você não resolve nada. Eu entendo isso. Mas eu não sei me modificar também. Porque eu não me sinto bem assim, ser uma massa. Mesmo uma pequena massa. O Comitê Central decidiu ou Ben Gurion decidiu ou Golda Meir ou Stalin ou Gorbachev, isso pra mim ainda é pouco. Eu quero sentir que eles tiveram a razão. Você tá me entendendo? Mas todo mundo decidiu. Mas todo mundo é todo mundo. Eu não sou todo mundo.
...- É sempre do contra.
R- Bom, não sou sempre do contra não.
P/1- Mas quanto mais o senhor resistia, mas as pessoas "cantavam" o senhor pra… puxar. Um puxava daqui, outra puxava daqui. E com isso o senhor deve ter participado de muita reunião.
R- É. Certo. Em grandes comícios de milhares de pessoas, eu pedia a palavra. Está me entendendo? Com pouca idade.
P/1- Mas conta um pouco da sua trajetória, mesmo sendo independente. Como é que o senhor conseguiu chegar numa praça pública e pedir o microfone? Como é que era essa trajetória?
R- Não. Microfone não tinha. Você tinha que gritar.
P/1- Microfone não. Desculpe. Pedir a palavra. O senhor estava sozinho, aí, tinha suas idéias...
R- Não, eu simplesmente...Por exemplo. Isso eu me lembro como agora. O Partido Socialista Polonês. Eu já tinha naquele tempo, talvez, 16 anos. Na praça. Então, isso era nas vésperas das eleições. Então, eles falaram sobre o problema judaico, o orador, ele falou muito bem. A classe que...a classe operária judaica, que é tão sofredora como a classe operária polonesa e tal. Então, muito bem. Eles foram aplaudidos pelos judeus. Pelos não judeus. Aí, eu perguntei a eles, que há pouco tempo, nessa mesma cidade, havia distúrbios anti-judaicos e eles não se pronunciaram. Aí eu perguntei: “como pode eu, jovem judeu, simpatizante com o socialismo polonês, acreditar na tua palavra se há três meses passados , nessa mesma cidade, nessa mesma praça… E vocês não se pronunciaram?” Ele ficou com a barba no chão. Tá entendendo? Eu tinha essa coragem. Porque a minha pergunta, ela é sempre aberta, ela não tem subterfúgios. Então, é mais ou menos por aí. Mas isso é característica pessoal.. E também quando não...
P/1- Os outros judeus não tinham essa ousadia de chegar num comício de poloneses e questionar a questão judaica?
R- Dificilmente. Dificilmente. Isso precisa ter coragem. Até pra pedir a palavra no Rio de Janeiro também você... Nem todo mundo pede isso. Você não tem medo de… Você não tem medo de nada. Mas nem todo mundo é assim. São poucas pessoas que são assim.
P/1- E os partidos sionista e socialista, os partidos judaicos socialistas e comunistas não travavam essa discussão com o Partido Socialista Polonês?
R- Claro que… Era uma vida política muito dinâmica. Ela era dinâmica e era também violenta. Porque na rua judaica, nós chamamos rua judaica porque em ídiche tem essa expressão e a gente também fala em português, rua judaica. Quer dizer, tudo que acontece no mundo judaico. As pessoas chegavam até as vias de fato, e a gente brigava mesmo. Era uma vida política muito... Talvez não levava a nada. Porque nós falamos de coisas que nós não entendemos essas coisas. Porque você fala classe operária. Que classe operária tinha judeu? Se ele era discriminado, não podia trabalhar na estrada-de-ferro, não podia trabalhar no cais do porto, não podia trabalhar em lugar nenhum, que classe operária tivemos? Aquele meia dúzia de sapateiros, alfaiates? Mas a gente falava sobre esses fatos. Porque o judeu já e assim. Ele é revolucionário. Está dentro de nós essa dinâmica. Em tese. Claro, nem todo judeu é igual também.
P/2- Mas o que me admira é o senhor ter lido muitas coisas e não ter se aglutinado com um grupo de jovens e discutir. Pode ser do BUND ou pode ser dos socialistas ou dos comunistas.
R- Não. Não. De pertencer não. Não pertenci. Porque eu não dou pra isso.
P/1- O senhor fez alguma experiência que não deu certo?
R- Não, não. Não é que deu certo. Eu tentei, claro. Tentei. Por exemplo, eu tinha um primo em Varsóvia, engenheiro agrônomo, também mesmo nome que eu, ele era membro do Comitê Central do Partido Comunista.
P/1- Seu primo conseguiu fazer a universidade, então.
R- Sim. Ele era mais velho do que eu. Ele era pra mim meu símbolo.
P/1- Seu ídolo.
R- É. Então, eu tinha… E tinha também primos do lado sionistas muito importantes. E tinha um tio, irmão da minha mãe, Bernard Neiman, eu não conhecia ele, numa luta com a polícia tzarista... Esse nome está na história polonesa. Ele era do Partido Socialista Polonês. Não é judeu. Bernard Neiman. E ele num barco no rio Vistula, ele foi morto pela polícia.
P/1- Como é que foi que a sua mãe se intelectualizou? O senhor falou que ela era mais...
R- A minha mãe tinha já ginásio daquele tempo.
P/1- Ela também lia os clássicos do socialismo?
R- Não. A minha mãe..minha mãe não gostava esse tipo de "papo". Não. Ela acreditava que ela não… Mas ela era uma senhora já, para a época, diferente. Lia, falava bem o polonês, estudava alemão, no seu tempo, e gostava que as crianças andassem bem vestidos e tal. Acreditava naquela vida clássica. Aquilo que é real. Ganhar. Estudar. Como todas as pessoas mais idosas são assim. Eu era jovem. Então, não tem culpa que eu tive...
P/1- Então, vamos lá. Como é que as coisas começaram a piorar e como é que foi a partir daí? Vamos entrar no mais duro da conversa.
R- Também era muito pouco. 1938. 1938 e tal, aí, trabalhei um pouco, era ligado às pessoas, participava nas coisas em Varsóvia semi oficialmente. Por exemplo, tinha uma organização que chamava MOPL. M-O-P-L. A Organização Internacional de Ajuda à Revolução. Então meus primos que estavam nisso, aí, eu já estava também, então, a gente.. Isso era clandestino. Você estava numa
determinada rua… "Ajude a revolução e tal, com os jovens." E cada um te jogava dinheiro para...tal. Jornais clandestinos, estudantis. Por uma Polônia melhor, papapa... Isso eu gostava de fazer. E era arriscado. Mas isso também não...eu não me liguei. Você tá me entendendo? Eu não era...que eu sou membro da...que eu sou filiado, meu grupo é esse, meu grupo é aquele e tal.
P/1- Era só simpatizante.
R- Agora, já em 1938, chegou Jabotinsky, ele era líder da Organização Revisionista do Beitar. Zeev Jabotinsky. Que era um grande, um dos melhores oradores do mundo.
P/1- Mas não é de direita?
R- Não, de direita. Quero te contar isso.
P/1- Então, conta.
R- Aí, quando se esvaziava um pouco esse lado, você não sentia nada, aí, eu comecei me muito interessar por...Você sabe, exatamente dessas pessoas quentes, eles pulam. Eu me julgo uma pessoa quente. Então...E ele mostrava as coisas reais. Muito reais. Ele disse: "olha aqui, na Polônia vai ser muito ruim para os judeus. Nós somos demais na Polônia. Um milhão de judeus. Tem que sair da Polônia imediatamente. Vocês estão pisando em cima do fogo." Essa coisa toda. Isso começou me...um pouco...abria muito a cabeça. A gente sentia que é verdade. Mas também ele não tinha alternativa. Ele não dizia: “entra no trem e esse trem vai te levar pra Israel. Pra Eretz Israel.” Porque tudo era fechado também. Também se tornava utopia. E tinha, uma ocasião tinha um advogado, também desse movimento, o nome dele era Riper, aí ele diz: “vamos sair de Varsóvia.” Centenas de milhares jovens judeus chegaram lá e começaram a andar. Só não sabiam para onde. Andaram lá uns 20, 30… Mas ele tinha um objetivo, talvez ele tinha razão, de forçar fronteiras. Andar. Mas isso acabou em nada.
P/1- O Jabotinsky, ele se reunia com quem? Com as lideranças do movimento de esquerda?
R- Ele tinha movimento… Não, não, não. Isso era movimento Revisionista. E esse revi...
P/1- O senhor foi lá pra ouvir ele falar. Não foi ele que procurou vocês.
R- Não. Isso ele falava pra milhares de pessoas. Ele era um orador que falava 3, 4 horas sem parar.
P/1- Ele falava isso na praça ou em lugar fechado?
R- Não. Teatros. Em teatros. Um grande teatro. Um dos maiores teatros. Eu me lembro. Isso era em 1938, se não me engano. 1938. Era muito perto antes da guerra.
P/1- E teve repercussão a ida dele a Varsóvia, em relação ao movimento de esquerda?
R- Claro. A esquerda falava que isso é...que isso é um absurdo. Nós somos cidadãos poloneses, não, daqui não saímos. Quer dizer...E ninguém gosta de sair. A pessoa de acomoda. Nós tivemos lá na Polônia séculos e séculos. Mais ou menos era assim.
P/1- O senhor acha que eram os judeus que puxavam o movimento de esquerda na Polônia? Ou era dividido ou?...Quem é que...
R- O movimento da esquerda, ele tinha muita razão de ser. Porque nós sofremos muito tanto pelo lado econômico como pelo lado anti-semitismo.
P/1- Eu digo assim. A bandeira da revolução polonesa, da revolução socialista polonesa, quem dava o tom mais forte? Eram os judeus ou não?
Projeto Heranças e Lembranças
Entrevista de Alfredo Frajdenberg
Rio de Janeiro, 03 de agosto de 1988
Entrevistadoras Helena e Paula
Realização Museu da Pessoa
Entrevista HL_HV086
Revisado por Teresa de Carvalho Magalhães
P/1- Bem, senhor Alfredo, a gente vai continuar a entrevista a partir do momento em que a guerra começou e como é que o senhor se colocou dentro desse acontecimento.
R- Bom, a guerra começou em 1º de setembro, numa sexta-feira, bem cedo de manhã, eu já estava na minha cidade Chechanow, perto de Varsóvia, então, queria ir para...Não me lembro bem porque eu fui, fim de agosto, dois, três dias que eu estava na minha cidade e se falou muito em guerra, a mobilização já era geral, na Polônia, muitos soldados. E a minha cidade, apesar de estar muito perto de Varsóvia, também estava muito perto da fronteira com a Alemanha, da Pomerânia. Muito perto da fronteira com a Alemanha. E se escutou bombardeio, que a gente não sabia que era bombardeio mesmo, havia mais variadas opiniões, que era… que não era nada, será que é pânico? Que a gente está fazendo pânico. Enfim, as mais variadas...mais variadas informações desencontradas, que a água ficou envenenada. E, naturalmente, dentro desse quadro, a comunidade judaica se sentiu muito mais deprimida. Porque os poloneses, já de sua característica anti-semita, já naqueles momentos começaram a demonstrar mais violência. E logo começaram a atacar lojas de alimentação de judeus. Enfim, foi uma sexta- feira muito trágica. Mas a gente realmente ainda não sabia nada que que estava acontecendo. Já ordem do comando militar de não sair, de apagar as luzes em casa. A guerra, já se sabia que era a guerra. Poucos rádios ainda naquele tempo, mas já se falou da guerra. Mas sem nenhuma informação. Sábado, no bairro judeu, muita tristeza. A gente via aviões já passando, indo na direção de Varsóvia. De Varsóvia. E muito pânico, muita tristeza. Sem nenhuma perspectiva, ninguém sabia nada o que que se deve fazer, que que não se deve fazer. Até sábado, mais ou menos quatro horas da tarde, cinco horas, aí a gente já via fuga de soldados. Porque na Alemanha já rompeu um fronteira. Houve uma pequena resistência polonesa, muito pequena, mas houve. E aí já, sábado a noite, já milhares, dezenas de milhares de soldados descalços e sem nenhuma organização, uma retirada em pânico, uma loucura, e cada um… que que se vai fazer? Fugir. Fugir. Os jovens têm que fugir. E já também o comando militar, todos jovens. Eu tinha 19 anos...
P/1- O senhor chegou a ser convocado?
R- Não. Não. Não era época. Na Polônia só convocava com 21 anos. Quer dizer, em tempo de… Na Polônia só se convocava para o serviço militar com 21 anos. Eu só fazia preparatório militar no ginásio, que era obrigatório. Eu tinha noção já de arma, de...de muita coisa. A Polônia não era preparada nada para a guerra, no sentido técnico. Tinha...Soldado polonês é muito bom. Mas não estava...Então, aí começou, e já...
P/1- E na sua casa como é que estava? O senhor estava ainda com sua família, nesse dia?
R- Ah, minha...Um irmão meu, segundo de mim, estava em Varsóvia. Ele já estava estudando e trabalhando. Ele estudava rádio técnico, na escola ORT. Já tinha escola ORT lá. E estava o menor, de 12 anos, e eu. Aí, logo no dia seguinte, eu vou correr também. Não vou esperar alemão. Tive muito pavor. Porque eu lia muito sobre o nazismo. Então...E sabia o que era. Então, de madrugada, domingo, já estou com o pé na estrada. Saímos eu, mais um colega e um primo meu. Mas muitos saíram. Muitos saíram. E o alemão já estava nos bombardeando na estrada. Descia baixinho e tal, a gente corria pelas plantações. Foi uma loucura. Só de noite consegui alcançar uma primeira cidade chamado Plonsky. Lá nessa cidade nasceu David Ben Gurion. Era mais ou menos 30 km. da minha cidade. Lá encontrei um tio meu de uma outra cidade, com dois filhos dele. Um sobreviveu a guerra, está morando agora na Austrália. Também sobrenome Frajdenberg. Enfim, lá nessa cidade ficamos um dia. Alemão ainda não chegou. Porque ele fazia essa guerra muito diferente, parava, cercava. Ele brincava na Polônia. O que ele queria, ele fazia. Exército já era...fim. Aqui não vai crítica soldado polonês. Ele não estava preparado. Não tinha cavalaria, infantaria e nada contra aviões e tanques. E de lá já separamos, eu, meus dois primos e...eu, meus dois primos, os tios, tio e tia ficaram, porque já não dava, porque cada um tinha que correr contra o dia, e eu consegui. Conheci muito uma estrada lateral, não é principal, e conseguimos chegar numa cidade.
P/1- E seu irmão pequeno?
R- Não. Esse ficou em casa.
P/1- Na casa dos pais.
R- Ainda junto dos meus pais. E eu e esses dois primos, eu conhecendo essa estrada que não é principal, aí, nós separamos, eu, os dois primos, e conseguimos alcançar o rio Vístula. Uma localidade chamada Czerwinski. Czerwinski, no Vístula. E lá, por nossa sorte, nos deixaram entrar num barco que ia para Varsóvia. Esse barco saia com um seminário de padres. E nos deixaram entrar. E também tinha soldados que estavam fugindo. E nós conseguimos chegar em dois, três dias, o barco andava também bombardeado, por sorte. Eles desciam, não bombardeavam exatamente o barco. Bombas caíram muito perto. E...
P/1- O senhor deu uma volta bem maior para chegar a Varsóvia, que era perto da sua cidade.
R- Claro. Pela estrada seria mais perto. E chegamos em Varsóvia. Aí...(risos) Aí...Bom, que mais?
P/2- Vamos a Varsóvia.
P/1- Que que aconteceu quando o senhor chegou em Varsóvia? O senhor procurou alguém?
R- Quando chegamos em Varsóvia, procurei logo meu irmão. Esses dois primos procuraram deles que já morava em Varsóvia. Varsóvia já era bombardeada dia e noite. Nós fugimos e já...
P/1- A capital é mais alvejada...visada.
R- E eles não tomaram a Varsóvia...Acho que já falei sobre isso também. Não é porque não podia. Eles não tomaram Varsóvia porque...Eu já falei sobre isso. Estou me repetindo.
P/1- Foi naquele trechinho que não...
R- Será? Será que foi isso? Ou já outra vez estou falando?
P/2- Não, mais o senhor pode falar. Pode falar, vai contextualizar um pouco a sua...
R- Eu sei que eu posso. Mas não vai ter sentido.
P/1- O que que o senhor já falou de Varsóvia?
R- Eu não me lembro. Mas eu sei...Porque vocês lembraram do predi...do prefeito da cidade de Varsóvia. Então, isso é posterior a essa história.
P/2- Não, mas eu gostaria, a gente gostaria que o senhor contextualizasse, então, um pouco mais. Só pra gente entrar, então, o por que que o senhor foi pra Varsóvia, por exemplo?
R- Tá bem. Bom, pra Varsóvia porque nós achamos que Varsóvia era mais longe do "front". Eu vivi ainda num tempo onde pra mim 20 quilômetros parecia muito. Já para a Alemanha, naquele tempo, não representava nada. Porque eu conhecia um exército polonês a cavalo. De poucos tanques, de poucos caminhões, de pouca motorização. Então, pra mim, eu vou fugir mais 80 quilômetros estou mais seguro. Como todos assim pensavam. Mas quando eu cheguei em Varsóvia, encontrei meu irmão, ele já me disse que desde 6ª feira… Eu devia estar em Varsóvia no dia 4 de setembro, mais ou menos. Mais ou menos por aí. E dia e noite era bombardeada Varsóvia. Bomba. Que que eu fiz? Aí, Varsóvia, outro pânico. Já não tem alimentação, já não tem água, porque Varsóvia era cidade grande, já tinha água corrente. E aqueles todos problemas, né. E para finalizar, o governo polonês, um governo reacionário, feudal, fascista, que falavam muito em patriotismo, que vão lutar até o último botão. E eles fugiram de Varsóvia levando todo o tesouro nacional, toneladas de ouro. Aí entra o prefeito de Varsóvia, Zingen Staciski. Um democrata. E ele assumiu o comando da defesa de Varsóvia. Claro, mais coração que outra coisa.
P/1- Ele tentou organizar um exercitozinho?
R- Ele organizou a autodefesa de Varsóvia.
P/1- Civis e militares.
R- Civis. E era mais jovem. E lá ele convocou a juventude de Varsóvia, na maior praça de Varsóvia, onde havia milhares e milhares de jovens judeus. Entre eles eu e meu irmão menor. E nós entramos nessa autodefesa de Varsóvia. Por duas razões. Primeiro era lutar contra nazismo. Com quê? Sem nenhuma arma, sem nada. Enfim, deram lá alguma farda. E era melhor do que estar fora. Porque lá dentro tinha um pedaço de pão. Ainda tinha. Sem nenhuma organização, sem nada. Alemão bombardeava, Varsóvia se defendia. Claro, se alemão fizesse...se ele quisesse, ele tomava Varsóvia imediatamente. Mas ele quis.. dizem que Hitler tinha um ódio enorme contra os poloneses...Isso tem umas explicações. Porque ele quis destruir a cidade. Segundo, que eles também, naquele momento, treinavam bombardeios de noite. Porque até naquele tempo não se bombardeava de noite. Eles já, então, já em Varsóvia foi a primeira experiência, bombardear...
P/1- O senhor citou um trecho do discurso do prefeito bonito. Uma frase, né.
R- É, que ele disse que a Polônia… Ele cumprimentou os jovens judeus "presentes aqui, que esta Polônia que foi pra vocês a pior madrasta, mas nós não vamos esquecer a vossa presença. E a Polônia de amanhã será mãe para todos os cidadãos." Mais ou menos por aí.
P/1- E o senhor participou dessa resistência junto com a prefeitura de Varsóvia?
R- Não é prefeitura. Ele...
P/1- O governo. A administração.
R- Não, quer dizer, ele assumiu o comando de defesa de Varsóvia.
P/1- Na verdade, ele que ficou governando tudo, né, porque o governo foi embora.
R- Tudo. Tudo. Tudo. Ele mobilizava, ele… aquela pouca alimentação que tinha… Enfim, era governo militar. Ele. Dentro de Varsóvia. Ele segurou isso. E isso levou do início de setembro até fim de setembro, quando ele capitulou. Depois ele foi fuzilado pelos alemães.
P/1- Ele foi preso?
R- É. Naturalmente. Foi preso, ele junto com outros, ele foi fuzilado. Ele está...Eu me lembro dele aqui como estivesse...Ele está até aqui nesse...
P/1- O senhor tem uma...O nome dele está aí?
R- Sigmund...Não. O nome eu me lembro.
P/1- A foto.
R- Foto não tenho. Foto não tenho. Só que agora quando me mandaram 60 anos de existência do meu ginásio, meu ginásio, ginasial comercial, e ele parece, também estudou. Não é nesse não. Mas ele também se formou em Escola Superior de Comércio. Então, aqui eu tenho nesse livro que me mandaram agora da Polônia, da minha cidade eu tenho aqui, em algum lugar...
P/1- O nome dele.
R- O nome e o retrato dele. E referência.
P/1- Ah, então. A gente pode tirar um xerox desse livro, da fotografia. Do livro.
R- Também pode. Um minutinho só. Tá vendo, essa é a minha classe.
P/1- Tem o seu retrato?
R- Infelizmente, nesse não tem. Mas são meus colegas todos. Com esse aqui eu me encontrei agora. Não tem judeu nenhum. Peraí. Meu diretor do colégio. São todos meus colegas. Oh, aqui você vai ver ele. Oh! Espera aí. Espera aí. O! A reunião de toda a Polônia, de todos os ginásios comerciais em Varsóvia, na prefeitura, em 1938, no salão Teresa Adamkoski. Assim...em cada salão como...E ele diz que estava lá. Iandra... é a primeira fileira...Porque na Polônia, prefeito de Varsóvia era considerado presidente. Tinha "status". Stefan Staginski. Mas pra mim aqui tem um êrro. Talvez ele tinha dois nomes. Pra mim é Sigmundo Staginski. Pode ser que é Stefan. Isso eu não garanto. Só não sei qual deles aqui. (risos)
P/1- Depois a gente acha.
R- Não. Achar não acha. Não lembro mais. Porque não está muito claro também.
P/1- Depois a gente pode tirar xerox de algumas fotos aí. Posso pegar um chocolatinho?
R- Claro. Até vou entrar. Então, vamos...como vamos? Que mais que nós vamos?...
P/2- Não, eu queria que o senhor contasse, então, um pouco mais pra gente o que que foi participar dessa experiência, dessa luta? Lutou armado?
R- É. Eu só tinha uma carabina que era mais alta de que eu, de 1900 e qualquer coisa. E eu e meu irmão estávamos no maior jardim de Varsóvia, chama-se Jardim Saskiow, "Ordum Saski". E lá se fazia defesas antiaéreas, artilharia anti...se colocava lá. Então, a gente fazia...nós trabalhamos pra colocar essas peças de artilharia. Aí você fazia, trabalhou muito pra fazer "bunker". "Bunker". O que que é "bunker"? É "Bunker" mesmo em português?
P/1- O que que é? Trincheira?
R- Trincheira. Trincheira. Aí, fizemos tudo isso, aí chegou o outro oficial: "mas isso não deve ser feito aqui. É do outro lado." Tudo desorganizado. Nada.
P/1- Não tinha jeito, na verdade, né. Tinha coisa em cima.
R- E lá, na periferia da cidade, os alemães já estavam muito perto. E houve lutas. Conforme estou dizendo. Eu respeito muito o soldado polonês. Porque eu não gosto de mentir. Eu sei que é um soldado de muita fibra. E dentro de cada unidade tinha um soldado judeu. Só nessa campanha de setembro, chama-se Campanha de Setembro, morreram 11 mil soldados judeus.
P/1- Houveram soldados poloneses que fizeram treinamento militar na Alemanha ou não?
R- Não. Que que quer dizer isso?
P/1- Aprenderam o serviço militar na Alemanha, em vez da Polônia?
R- Não. Eu não sei disso. Pra mim isso é estranho.
P/1- Depois eu digo por que que eu estou perguntando isso. Pra gente não perder tempo. Porque eu ouvi alguma coisa...
R- Eu não sei nada disso. Isso pra mim é estranho.
P/1- Não, talvez tenha sido na 1ª Guerra.
R- Ah, bom.
P/1- Depois eu vou explicar pro senhor. Bem. Aí, fracassou, né, essa tentativa de resistência em Varsóvia.
R- Ah, passaram, bombardearam. Uma vez quase morro com meu irmão. Queríamos levar um pouco de comida, alimentação para os meus tios, que nós tivemos em Varsóvia, que eles iam sempre, no caminho houve um bombardeio tão forte, tão violento, que caiu muita gente morta perto de nós. Nós, naquele momento, só eu e meu irmão sobrevivemos. Até o primeiro dia de outubro, entraram as tropas alemães em Varsóvia.
P/1- E aí?
R- E aí, aí. Foi muito ruim em Varsóvia. A maior parte da cidade já destruída, já naquele tempo, principalmente bairro judeu, principalmente perto desse jardim, muita destruição e outra vez muito pânico. E logo os alemães começaram a mostrar quem são. Já maltrataram judeus, ainda dentro daquela massa humana, nos seus trajes característicos, e já se pega judeus para o trabalho, e já se... deboche, desrespeito, violência, e os poloneses também. Enfim... E não há alimentação. Muito difícil alimentação. Não tem. E a casa dos meus tios não foi destruída. E naquela...Não foi destruída. E eu e meu irmão, aquele irmão que estava em Varsóvia, Michaczow, nós decidimos sair de Varsóvia. E outra vez aqueles dois primos que estavam também, fomos juntos. Saímos juntos de Varsóvia.
P/2- Eu vou perguntar uma coisa. Nesse momento, nesse meio tempo, o senhor enquanto judeu, o senhor sentiu alguma, anti-semitismo, alguma...particularmente, alguém agrediu o senhor na rua? Falavam coisas pro senhor...
R- Sentir anti-semitismo na Polônia, isso não...
P/2- Sim, mas pessoalmente, o senhor, naqueles momentos o senhor já sentia agressão?
P/1- Um amigo seu que virou casaca.
R- Não, isso é...Então, nós já falamos quase tudo isso que eu vou falar agora. Não, mas eu não sei se isso já foi gravado. Acho que tudo vocês já sabem que eu falei.
P/2- Não, não, ela falou isso pra… Se algum amigo seu virou casaca.
P/1- Não, eu estava tentando completar aquilo que a Paula estava falando. Se houve algum caso...
R- Pessoal?
P/1- É.
R- Bom, o caso pessoal, meu caso pessoal em relação com os poloneses em geral, ele é muito relativo. E ele não caracteriza exatamente o que era a Polônia, anti-semitismo. Eu, pessoalmente. Em primeiro lugar, eu falo muito bem polonês. Você vai dizer: que vantagem é essa? Você não nasceu na Polônia? Mas os judeus não falaram polonês. Por incrível que pareça. E por que não falaram? Não é porque eram burros ou porque não aprendiam. Porque a discriminação era muito grande. Não havia possibilidade. Os contatos com os poloneses eram muito difíceis. Então, os judeus também se fechavam de certa forma. Isso que eu consegui na Polônia, esse ginásio, que é tão bobo hoje em dia, que grande coisa, isso era muito difícil. Pouquíssimos judeus conseguiram isso que eu consegui. Então, eu tinha muita característica polonesa. Eu tinha muitos amigos poloneses, colegas. Praticava esporte no ginásio. E quando me encontrava com eles, de alguma forma, eu conseguia...Tá entendendo? Eu enfrentava. Os outros jovens judeus como eu não tinham aquela mesma possibilidade de enfrentar isso, que pouco valia depois. Mas naqueles momentos de 1939, isso ainda… Então, eu assim, entrava: "o, judeu" é tal. Eu tinha base linguística, entende...
P/1- Tinha condição de discutir, né.
R- Não é só discutir. Quando era pra dizer, "porra!", então, eu dizia aquilo igual como eles. Enfim, que que há, tal. Então, eu levava alguma pequena...
P/1- Não conseguiram colocar o senhor como tão diferente quanto...
R- Tão diferente. Isso me dava alguma vantagem. E em muitos lugares eu podia passar até como não judeu. Que também era muito difícil na Polônia. Eles tinham assim...Você podia falar polonês igual a eles e tal, mas nós temos algo...aquele algo...até já no Brasil, as vezes, já se sabe também. Então, você me perguntou, você, pessoalmente. Claro, eu levava muita coca também e tal. Mas naqueles momentos ainda não. Então, aí, o meu irmão e os meus dois primos outra vez saindo de Varsóvia. Não queremos ficar porque não tinha nenhuma perspectiva. E também queremos ver nossos pais, certo? E estávamos saindo e… Histórias são muito longas, elas não podem ser muito... Não sei de que maneira nós vamos… Não sei se esse é o objetivo dessa entrevista. Será que é isso?
P/1- É. Relato pessoal.
R- É.
P/1- Agora, às vezes a gente vai quatro vezes na casa de uma pessoa.
R- Certo. Aí, nós saímos por uma estrada que ia me levar a minha cidade. E que meus outros dois primos moravam também perto, numa outra cidade. Aí, logo os alemães cercaram, milhares de pessoas, sempre muitos, e levando a gente. Milhares e milhares. Não só judeus. Geralmente homens. Judeus e não. Todo mundo junto. Aí, foram nos levando para… por uma outra estrada, já distante da estrada principal, certo? E num determinado momento… Isso também é um fato muito importante na minha vida. Porque uma vez, quando eu fiz uma conferência, um pronunciamento meu, se não me engano isso foi no Cândido Mendes, aí uma estudante me perguntou: "como você sobreviveu?" Mais ou menos assim. "Bom, a gente em que, em primeiro lugar...é sorte sei lá, destino, porque é só isso, e por outro lugar, um oficial da SS." Aí, todo mundo ficou maluco. Eu digo: "sim, senhora." "O senhor não pode explicar melhor?" Esse oficial da SS. Graças a ele também estou vivo. Então contei que eu estava nessa estrada - só não contei com detalhes - e o oficial da SS, eu tinha 19 anos, ele devia ter uns 30 e poucos anos e também com a metralhadora, com o revólver, muito automático, grande, ele disse: "vocês vão pagar por essa guerra." Mas ele também está se dando cada vez um soco em mim. "Vocês são responsáveis pela guerra. Vocês queriam a guerra. Vocês vão pagar por esta guerra. Estou falando com você!" Eu digo: " sim, senhor." "Vocês são responsáveis por essa guerra." "Sim senhor." "Vocês vão pagar por ela." "Sim senhor." E sempre sim senhor. O que que eu posso mais responder? Aí ele disse pra mim: “você vai sempre dizer sim senhor?" "Bom, nesse momento, só." "Mas você tem que dizer se eu tenho razão ou não." Eu digo: "eu posso dizer? Um prisioneiro." "Você não pode, você deve." Eu digo: "eu posso falar?" E nós andando. Meu irmão do lado, meus dois primos na frente e milhares e milhares e milhares. Cismou comigo. Destino. Aí, ele disse pra mim: " o que que você quer dizer?" "Bom, nós não temos nenhuma culpa. O senhor pode verificar, na Polônia não tem nenhum ministro judeu, não tinha nenhum general, nós somos a massa popular, oprimida e tal." Discurso meu foi bom sempre. Graças a Deus. (risos) E, “então, que responsabilidade nós temos?" "Você tem razão. Mas os judeus ricos..." Naquele tempo não se falava em Estados Unidos." Mas os judeus ricos da França e da Inglaterra." Eu digo: "bom, tá certo. Mas que culpa eu tenho?" Disse: "você também tem razão." Aí ele parou e disse assim: "mas você tem que pagar porque "Fuhrer" disse - o Fuhrer - que vocês, você..."weil Du..." Tu é, tu também é...Porque tu, judeu, em alemão..."weil du Jude bist". Não é em português. Porque tu és judeu, seria em português. Em alemão, porque tu judes es. Aí, ele não me bateu mais. Mas já naquele tempo, aí, criou em mim… Ele me respondeu que não há problema, se não, se eu sou culpado ou não sou culpado, se sou rico, se sou pobre. Porque eu sou judeu. Então, isso ficou na minha cabeça. Então, lá nós ficamos algum tempo, umas duas semanas, e uma vez eu pedi a um polonês… Porque nós já estávamos dentro da Polônia, não é, perto da estrada. Já em lugares distantes da estrada, onde em plantação, onde moram camponeses e tal. Aí, outra vez, aquele meu modo de falar me ajudou muito. Porque eu sei falar bonito com as pessoas. Eu falo direito com as pessoas. Aí, estava lá um jovem polonês, ele olhou assim e tal, aí, eu consegui pra ele dizer endereço dos meus tios em Varsóvia, e para ele ter uma pena, que ele desse um pulinho até... Era muito difícil pra ele, porque não havia condições e tal. Na melhor das hipóteses ele ia de bicicleta. E meus tios mandaram ainda um pouco de comida para nós, por esse rapaz polonês. Ele ainda deu mais um pouco do dele também. Eu fumava já naquele tempo. Me deu fumo. E lá nós ficamos um tempo. Se não me engano quase um mês.
P/2- Lá onde? O que que era isso? Era alguma...
R- Isso não era nada ainda. Só gente que...
P/1- Uma área rural.
R- É, uma área rural. Aí, sim, depois já separaram aqueles que eram prisioneiros de guerra, soldados oficiais, católicos e judeus. Aí, começou. Eu entrei, naturalmente, entre os judeus, e meu irmão, aí já, já começou tudo. Não trabalhamos nada. Mas também, pouca comida, aquele pouco.
P/1- Eles levaram pra um lugar os judeus e pra outro...
R- É, judeus e… Primeiro separaram. Soldados poloneses. Prisioneiros. Oficiais poloneses, jovens católicos e judeus. Lá não tinha outra religião. Não batiam ainda. Assim, pra dizer que apanhei lá, não. Mas toda hora e… levanta três da manhã, levanta duas da manhã porque parece que alguém fugiu. Aí, isso começou já… E já era frio. Outubro. A Polônia já faz frio. Já começou o inverno.
[troca de fita]
[interrupção]
R- ...havia campos de concentração. Aí...
P/1- O que o senhor ia falar sobre o celeiro?
R- Então, lá, estávamos...Os católicos tinham celeiros mais bem fechados. Judeus tinham celeiro mais aberto, mais frio.
P/1- Como uma senzala, né. Dos escravos.
R- É. Mais ou menos isso. E lá ficamos. E um dia, eles soltaram todo mundo. Todo mundo. Aí, a gente outra vez na estrada. E estamos indo para frente. E daquele lugar pra minha cidade deviam ser 50, 60 quilômetros. Como eu era bom desportista, eu andei muito bem. Durante a guerra, você não podia correr. Mas tinha que andar. Porque quando se corria, chamava atenção. Como crioulo hoje. Quando ele corre, ele não é atleta, ele é ladrão. Pode ser melhor pessoa. Sabe como é, né. Então, naquele tempo também não era bom correr assim. Mas eu andava muito bem. Eu fazia nesse ginásio muito preparo físico. Ginástica, na Polônia, era uma matéria obrigatória. Então, eu era muito bem, então, andei muito bem. Andava, andava, me distanciava daquele local. Queria sair. Porque eles podiam cismar outra vez nos levar de volta, sei lá.
P/1- Mas eles soltaram, não acompanharam mais as pessoas não?
R- Não. Levaram uns quilômetros e..."Los!" Com eles tudo era o grito. "Los!" Vai embora, tal. Aí, fomos e fomos e fomos e fomos e tivemos, eu e meu irmão, aí, já numa cidade, os meus primos, eles levaram uma estrada para a cidade deles e nós a nossa, eu e meu irmão. E tivemos um troço muito chato. Estamos andando assim pela estrada, eu e meu irmão. Estão viajando na bicicleta dois soldados alemães. Eles eram de "Arbeitsdienst". Eles eram respon...Tinha unidades militares só de trabalho, trabalho forçado das pessoas. Eles tiveram uniformes amarelos. Me lembro ainda como agora. E eles com metralhadora e na bicicleta. Aí, eu e meu irmão, já numa estrada bem vazia, não tinha muita gente, aí, nós andamos e eles pararam. E perguntaram logo de saída: "vocês são judeus ou poloneses?" Aí, já os outros judeus, que já estavam com os alemães já alguma tempo, nos ensinaram que é melhor...que é bom dizer que não entende. O judeu, normalmente, entendia o alemão pelo iídiche. Ele faz parte… apesar que os alemães, antigamente, falavam ídiche. Eu não conheço bem. Mas judeu pode entender alemão. Aí, eles… "que que o senhor está dizendo e tal..." Digamos que alguém vai falar com você em inglês. Você...
P/1- Eu já entendi.
R- É. Vocês não… por favor. Aí, eles já saíram com bicicleta, levaram metralhadora pra fora. Pela segunda vez estão nos perguntando. Um só. Um era bom. Diz: "deixa." Mas um não. "você é judeu ou polonês?" Aí, nós já começamos dizer não...
P/1- Não dava mais pra fingir que não estava entendendo. Judeu ou polonês, né, as palavras, duas palavras.
R- Então, nós não entendemos e passaram poloneses assim nas carroças, passando, aí, eles gritaram: "são judeus sim. Sim. "Juden" Juden". Aí, eles sentaram nas bicicletas, aí, meu irmão... Eu não apanhei. Meu irmão apanhou demais. Só de um. Mas apanhou muito. Mas muito. E mandaram correr. E o outro só pedia pra parar. E este não queria parar. E não parou, não parou e mandou correr e falou...Eles nas bicicletas e nós a pé. Até meu irmão, que já apanhou, aí, ele caiu, e eles nos deixaram. São episódios assim. E conseguimos chegar em nossa cidade, depois de um dia ou dois. Entramos. Ainda havia lugarejos onde viviam judeus, estavam judeus, ajudaram a gente. Sei lá, algum remédio, alguma coisa, tomar banho. Enfim, aquilo que é solidariedade, não é, de judeu. Mais ou menos isso. O que me salvou no caminho, também, é outra vez aquela mesma história minha de contato com pessoas. Quando eu estava lá… Quando ainda estávamos juntos com oficiais e suboficiais e soldados poloneses, um polonês, que ele era suboficial, ele me perguntou da onde eu sou. Disse que daquela cidade de Ciechanow. Ele disse: "olha aqui, a mim eles não vão soltar logo." E nós não podíamos escrever nada. Ele disse: "lembra bem que eu vou te dizer. E se você conseguir sair, vai lá na casa dos meus pais e diga que eu estou vivo, pelo menos." Aí, eu memorizei no nome e sobrenome e eu indo para minha cidade, eu me lembrei dessa aldeia e procurei os pais dele, né, e foi uma grande alegria que ele está vivo, e nos deram uma boa cobertura de comida e tal. Tanto assim que quando eu cheguei em casa, eu cheguei em casa com muita alimentação, trazendo dessa família. E eles depois iam toda semana, quando estiveram na cidade, dar alguma coisa pros meus pais. Quando a situação piorou. Eu falei pra eles pra não esquecerem dos meus pais e tal. E já na hora… Depois, quando eu cheguei da minha cidade… Isso eu estou dando um pulo. E a situação, eu já decidi sair da Polônia, aí, encontrei ele, ele foi libertado lá da prisão. Eu através...ele ficou muito grato a mim que eu levei a notícia aos pais. É... Foi mais ou menos isso aí. Voltei na minha cidade, muita tristeza. Porque meus pais já estavam há um mês e pouco com os alemães. Porque na minha cidade, eles entraram logo depois da minha fuga.
P/2- Ah, é. Porque era fronteira, né.
R- Você está me entendendo? Aí, já mataram um, já mataram outro, porque eles já inventaram histórias. Que judeu pode sair de casa 6:45. Então, judeu sair de casa às 6...aí, ele virou relógio para menos e tal e dizia que tá...
P/2- Eles faziam assim?
R- É claro. Então, mataram lá uns três cidadãos.
P/1- Neuróticos totalmente, né. Mas o senhor encontrou seus pais?
R- Meus pais e meu irmão menor também. Mas eu já não… lembrando daquele alemão, que ele falou, e vendo que que está acontecendo...Eu sou uma pessoa o seguinte. Eu tenho...as vezes demonstro medo...Isso, naturalmente, Freud explica. Porque não sei. Quando nós fazíamos na Polônia preparatório militar... preparativos militar... Não seria assim?
P/1- Preparação militar, não?
R- Preparação. Era obrigatório. Nós lá na...
P/1- Serviço militar obrigatório?
R- Não. Serviço militar não. Toda 4ª feira. Toda 4ª feira éramos obrigados a treinar militarmente. Aquilo que se fazia no quartel com 21 anos, nós já fazíamos. Chamava em polonês. Quer dizer, você está se preparando militarmente. Claro que isso não valia nada em relação aquilo que a Alemanha já possuía. Mas para nós isso era manobra, fim do ano grandes manobras...Três anos do ginásio, três anos preparativo... preparação militar. Então, uma vez, nós tivemos assim… Nós tivemos manobras. Linha de trem. A nossa unidade tem que avançar e do outro lado está nosso inimigo. Sabe, manobra é como se fosse uma guerra verdadeira. Sendo que você não atira com arma de fogo. Aí, tá chegando um… E já nesse preparativo, preparação militar, como judeu também já sofria. Nunca sofria tanto como os outros, éramos poucos jovens judeus nessa... nesse ginásio. Conforme já te falei, tinha poucos jovens judeus tiveram o privilégio de poder estudar. Eram muitos fatores. Econômica também. Mas o anti-semitismo era tão violento que um sargento miserável, analfabeto, então, ele tinha direito de debochar de judeus. "Atira como judeu e tal. Anda, levanta a cabeça." Essa coisa. Sempre fazia muito mal estar. Então, esse sargento, quando eu via ele, já me dava um troço de doido dentro do meu coração. Eu não me aguentava. Com esse tratamento. Aí a gente tinha que atra… Aqui linha de trem. Então, você tem que atravessar, avançar. Aí, tá chegando um trem de carga. Tic-tic. Anda devagar. 30 quilômetros por hora. Você pode atravessar isso… E me deu bloqueio. Eu tinha medo de atravessar. Então, toda unidade já está do outro lado, eu estou desse lado. "Eh… passa, atravessa e tal." Todos colegas mesmo. E eu não. Medo desse trem. Ele está lá ainda no Leme e eu tenho medo desse trem. E não estou atravessando. Aí, todo mundo gritou e gritou. Quando o trem estava meio metro de mim, eu atravessei. E todo mundo se apavorou. Então, naturalmente, meio biótico deve estar nisso. Quando o perigo pequeno, ele me assusta. Quando do perigo grande, eu não tenho medo. Uma loucura. Onde nós estávamos?
P/1- O senhor estava começando a dizer que porque o senhor pensava um pouco diferente, o senhor já não queria ficar na sua cidade.
P/2- É. Não queria sair de Varsóvia.
R- Não. De Varsóvia não. Da minha cidade. Ciechanow.
P/1- Ciechanow.
R- Tá vendo. Ela já sabe dizer Czera...Daqui a pouco ela fala polonês. (risos)
P/1- Eu sabia cantar músicas em polonês, que meu avô me ensinava.
R- É? Então, eu não me conformei de ficar. E falei pros meus pais que não vou ficar. Isso já era novembro. Frio miserável. Inverno de 1939 foi um dos invernos mais rigorosos desse século, lá na Europa. Ainda pra completar a desgraça. E falei que não vou ficar, não vou ficar. E também foi outro fator infeliz para mim, para a minha pessoa. Que uma vez me levaram para o trabalho… Todo dia a comunidade tinha que dar tantos judeus para o trabalho. Não havia gueto ainda. Morávamos ainda nas nossas casas. E uma vez me levaram para o trabalho e correu tudo bem, e trabalhei na casa de um alemão, naquele dia. Chama-se "Studienarbeit". Trabalho de casa. Então, limpei os móveis, eu sou muito jeitoso pra essas coisas...
...- Demais. Nada disso. É contrário. (risos)
R- Não sei fazer nada. (risos) Mas sei lá. Correu tudo bem. Alemão disse que gostou. Engraxei a bota dele que estava brilhando, ele quis que… e que tal, e os móveis estavam limpos, que eles ocuparam as melhores casas da cidade. E ele diz que está tudo bem. Então, se está tudo bem, me interessava esse lugar de trabalho. Aí, eu disse pra ele: "o senhor não podia me dar um documento que eu sou seu empregado?" Aí, "Perfeitamente." "Que esse judeu não pode ser levado para nenhum trabalho. Só pra minha casa."
P/1- Ele era oficial, alto?
R- Oficial. Alto oficial. Muito bem. Se ele já é tão bom, por que que eu não posso pedir mais alguma coisa? Aí, eu perguntei a ele: "o senhor não podia me ajudar, um pouco de alimentação?" "Perfeitamente. Entra e escolhe." Não é… Isso é um fato. E se ele já é tão bom, por que que ele não pode me dar também carvão? Ele diz que posso levar carvão também. E posso levar fumo também. Tudo. A casa dele, ele tinha um pequeno sobrado com uma escadinha. Eles ocuparam as melhores casas. Porque na nossa cidade tinha a maior usina de açúcar da Polônia, eles ocuparam de toda a diretoria as melhores casas. E quando ele já disse: "então, vê lá, amanhã cedinho, sete horas." Eu o mais feliz do mundo. Claro, naquela ocasião, tenho um lugar e o homem bom. Não bateu. Enfim, tudo normal. Me tratava bem. E ele... E eu estou começando a descer, carvão, pão, fumo, tudo bonitinho, e quando estou assim na primeira escadinha, ele me deu um pontapé... Ele devia pesar, sei lá, uns 100 quilos eu pesava, talvez, 50 e que eu sentia que ele tinha me quebrado. Aí, eu corri toda a escada, tudo no chão. Ele usava um binóculo e charuto. Assim, o...
P/1- Ai, filho da puta. Não tem como não dizer.
R- É. Só podia ser. E ele disse pra mim: "você está bem?" Já os que tinham mais prática com os alemães do que eu disseram que nunca responder que estou ruim, que pelo amor… porque depois disso já vem tiro. Ainda disse: "estou bem." Mas já não me aguentava. E quando cheguei em casa já urinava sangue. Mas, felizmente, 19 anos não é 60, não é 70. Ainda tinha médico judeu e tal. Aí, eu falei: “É o último dia. É hoje.” Quer dizer, hoje não, porque ainda não podia andar. E a minha decisão foi aí. Claro, os pais, que isso é primeiro exército, do "front", é sempre violento e que ia na 1ª Guerra Mundial também era assim, depois era assado, depois… E eu, não e não e não e não. A minha decisão foi feita, de sair de qualquer maneira.
P/2- Sair da Polônia.
R- Sair. Porque uma parte da Polônia tomou a União Soviética. Da minha localidade, desse Ciechanow, até a fronteira nova que se criou na Polônia, eram exatamente 90 quilômetros. E eu decidi sair. E...sei lá, meu irmão, ele tinha mais sorte nessa época de que eu, assim, ele não passou de apanhar. Enfim, e meus pais disseram pra esperar um pouco para isto e tal. Aí, eu saí na rua. E já na minha casa não tinha dinheiro nenhum, assim, de valores, e me encontrei com alguns colegas para sair tal dia. Amanhã de manhã vamos sair, né. Certo. Eu passei por esses lugares agora, na minha cidade. Apesar que a minha cidade está toda nova, a cidade. Mas mostrei pra essa senhora que eu estive na casa dela, em Varsóvia, "tá vendo? Aqui tinha que me encontrar com meus colegas. Ninguém apareceu. Ninguém." E meu pai, ainda pensando que ia me segurar, escondeu aquela roupa mais quente, aquela pra frio. Então, assim, sem dinheiro, sem roupa boa e sem meus colegas que tiveram dinheiro e que iam me dar cobertura em mais coisas… A minha mãe quando já me viu aqui, então, ela quis me dar alguns anéis de ouro. Eu não quis. Não quis mesmo. Porque achei que… Sei lá. E meu pai correu atrás de mim. Eu sabia assim, se eu vou virar a cabeça, aí não vou sair. Nunca mais vi meu pai. Nem virei a cabeça. Ele chamou: "vem cá, vou..." Nada. E eu andava muito depressa. E cheguei naquele ponto, também não tem ninguém. Então, eu… Ainda depois… me conheciam na cidade "você está correndo..." Não respondia a ninguém, nada. Andei. E era muito cedo, seis, sete horas da manhã, escuro ainda, e eu pá, andando. Não virei a cabeça muitos quilômetros. Andando, andando, andando, andando, andando. Aí, aí entra aqui, o... Este colega, eu quis encontrar agora, não encontrei ele. Ele foi muito bom para mim. Leon Kompowsky. Este aqui. Este. Leon Kompowsky. Ele vai entrar agora na história. Leon Kompowsky. Tá vivo. Que exatamente naquele dia ele não estava na cidade. Quando eu estive agora na Polônia. Não estava.
P/1- Puxa, que pena.
R- Não estava. Este estava. Ele me disse: "fomos procurá-lo..." Se eu tivesse mais tempo, o motorista também não tinha paciência, eu dava um pulinho na aldeia dele, uns 20 quilômetros. Não encontrei. Então, quando nós estamos… Eu saí da minha cidade e estou indo 20 quilômetros na direção...
P/1- A gente tem um mapinha pra essa...
[interrupção]
P/2- Eu queria perguntar uma coisa pro senhor, antes do senhor dar continuidade. Quer dizer, essa atitude e esse modo de pensar de seus pais, isso era uma coisa generalizada nas pessoas mais velhas que tinham vivido a 1ª Guerra? Os judeus da idade dos seus pais, muitos deles pensavam da mesma maneira que seus pais pensaram?
R- Todos pensaram. Por exemplo, eu tinha um tio na cidade que era conhecido, assim, uma pessoa pensante. Era....Nas condições daqui seria vereador. Uma pessoa importante na cidade.
P/2- Irmão da mãe ou do pai?
R- Não, não, não. Era um tio… Uma tia minha, em segundas núpcias, casou com ele. Uma pessoa muito importante na cidade. Então, a opinião dele era, numa guerra, quem sai da sua casa, já está perdendo. O problema é ficar no lugar. E sempre esperar a onda passar. Porque na primeira guerra... Nós, velhos, que que vamos..."Não, na minha mocidade e tal." Mania de velho. Isso é natural. Olha, a primeira Guerra Mundial, quem saía da sua casa nunca mais conseguiu nada. Porque a casa dele outros tomaram, essa coisa toda. Porque quando ele soube da minha decisão de sair de qualquer maneira, ele deu essa opinião. E os pais… Não vou dizer que a minha mãe… Eu sempre achei a minha mãe uma mulher que naquele tempo estava no ano 2000. Na minha opinião. De pensamento, de inteligência, de tudo. Ela não era assim contra. Como meu pai também não era contra. Mas… Você às vezes não sabe. Você quer o melhor pra teu filho, mas você não sabe o que dizer. Ainda mais naqueles momentos tão difíceis, onde não havia nenhuma lógica. Claro que naquele momento ninguém imaginava crematórios e matanças e essas coisas todas. Eu tenho uma gravação, infelizmente não sei se ainda está boa… Porque eu só estive uma vez em Israel, 20 anos passados. E lá nós temos colegas da minha cidade. Alguns sobreviveram. Então, eles lembraram e disseram que se eu tivesse naquele tempo mais idade, se estivesse já um homem de alguma... de alguma formação política já muito mais... se eu tivesse algum líder conhecido, eu salvaria muita gente nossa. Todo mundo fugia de mim na cidade. Porque eu só falava: "aqui vai ser nosso fim." Então, quando ainda eles estavam assim em grupo, todo mundo corria de mim. Porque ninguém queria escutar. Não, porque… Olha aqui, naquele tempo não se matava judeus. Mas o alemão tinha todo direito sobre você. Você não podia sair de casa. Ele podia dizer: “vai trabalhar, pra não te pagar nada.” Ele podia te humilhar. Então, eu achava que era o fim. Mas eles apanhavam ou coisa parecida, mas de tarde já conversavam fiado com o outro. E quando eles me viram de longe, fugiram de mim. Porque eu só falava disso. Não falava de outra coisa. E eles lembraram agora, em Israel. Na cidade de Tulov, eles fizeram uma recepção pra mim, então, disseram isso, que eu tinha uma visão. E tinha mesmo. Então...
P/1- Só falava disso o que?
R- Eu digo: "vão acabar conosco. Vão acabar conosco." Então, eu não era agradável. Meu "papo" não era bom. Eles acharam que isso não leva a nada. Isso não leva a nada. Eu só estou falando, perturbando a vida dos outros. Que isso passa, um dia se apanha, um dia não se apanha e tal. E, final das contas e… Então...
P/1- O senhor não era, assim, não era nem pessimista. Era realista mesmo.
R- Não sei. Talvez mais pessimista do que os outros. Eu vi que não há nenhuma perspectiva. Se o cara pode bater em mim, se o cara pode fazer comigo o que quer, se o cara tem direito de desrespeitar velhos, mulheres e todo mundo, e é o fim, então, porra. E o polonês pode também fazer que quer comigo. O que que eu estou fazendo aqui?
P/2- Pois é. Porque não havia nessa tua cidade, por exemplo, um rabino, alguma pessoa da comunidade judaica que falasse, que abrisse os olhos das pessoas ou que falasse essas coisas?
R- Não. Não. Não. Não. Olha aqui, também havia pouca possibilidade. Porque vocês... Isso... Eu posso contar. Então, eu saí, nem todo mundo... Talvez, se eu saísse com toda a minha família, talvez que eu morria junto com eles. Porque eu sozinho podia me virar de uma maneira. Com grupo já… Eu já via isso. Saíram muitas famílias também. Mas também era muito mais difícil. E às vezes poloneses tiravam tudo da gente. A minha situação foi assim. Quando eu saí da minha casa, quer dizer, eu estou andando pela estrada, passando 20 quilômetros, estou entrando na aldeia de Ojlzen. Pode escrever. É muito interessante. Isso é histórico. Ojlzen. (soletra) E quando eu quero entrar naquela aldeia, já era mais ou menos meio-dia, uma hora, sei lá, já era tarde, eu estou vendo centenas de jovens voltando. Jovens judeus. "Não entra nessa aldeia. Porque os poloneses com alemães estão parados no meio da aldeia, tirando tudo de bom que nós temos, batendo na gente e mandando voltar." Aí entra a predestinação minha. Sorte. Parecia que eu não estava ouvindo nada que estão me falando. Que que eu deveria fazer? Que que você fazia? Você voltava também, né. Se ele está me dizendo que aqui na frente, mais alguns metros, tem poloneses e alemães que estão tomando tudo da gente e batendo. Porque, não sei. Eu fui em frente. E quando estou indo assim... A aldeia, sabe que é aldeia, não tem nada. Tem casas de um lado, de outro. Aldeia é menos que cidade pequena. E estou indo. Aí, tem uma mesa muito grande. E nessa relógios, sapatos e… xale?
...- Um cachecol.
R- É.
P/1- Xale. Se fala xale também.
R- Xale também. Coisas de valores, bonitas. Melhores. Coisas finas. Mais que necessárias para o frio. Está tudo lá. E os alemães com chicotes na mão e tal. E eu estou indo nessa direção. Louco. E quando um alemão já quer ir em cima de mim, aí aparece Leon Kompowsky, este colega. E por que que ele estava lá? Ele estava lá porque nós estudamos no ginásio alemão. Então, ele já era com eles ligado. Não é coisa bonita. Mas pra mim foi sorte a presença dele. Porque ele era o estudioso nessa aldeia. E ele estava... E essa aldeia tinha um valor estratégico para os alemães. Sei lá. Tinha coisa deles. E ele falava alemão bem porque tinha estudado. Então, ele escrevia para eles e traduzia. Era o homem deles. E quando eles… esse alemão de jaqueta... ele chega perto e diz em alemão: "não, esse não bate não. É meu colega." Então, ele ouviu, ele diz: "vai em frente." Eu digo: “vai em frente não. Você não está vendo com quem estou?" Ele me tirou… Eu diversas vezes, nas férias… O pai dele era fazendeiro, latifundiário. Muito rico. Ele gostava de mim muito. Ele era mais velho de que eu. Então, ele me dava proteção. Sempre um colega bom meu. Estudava pessimamente mal, então, eu sempre dava... fazia deveres para ele em casa. Ele era rico e tal. Então... Ele me levou em casa, alguns quilômetros. Tinha outra bicicleta, fomos juntos lá na casa dele, ele me deu roupa, deu fumo, me deu...
P/1- Não deu pontapé não. Que eu não aguento outro. (risos)
P/2- Esse era amigo dele.
R- Não, esse era amigo.
P/1- Não, eu sei. Mas eu não posso ouvir outra...(risos)
R- Ah, esse não. Esse não. E... E de lá me... Ele também não podia me segurar, podia ser ruim pra ele. E fui em frente. Porra, não posso mais falar. Tem muita coisa.
P/1- Cansou?
R- Ah, sei lá.
...- Emoção.
P/1- Vamos chegar até um ponto.
R- Vamos chegar até o ponto quando eu atravesso a fronteira com a União Soviética. E nisso eu paro. Então, ele me deu essa comida toda e...
P/2- Como era o nome desse amigo, por favor?
R- Leon Komrowski. (soletra)
P/1- Que está na fotografia do livro. A gente tira xerox.
R- Ele está nesta fotografia. E me despedi dele. Quero avisar. Eu encontrei ele em 1945. Encontrei com ele uma vez.
...- Depois da guerra.
R- Não. Ainda estava em guerra. Só estava libertada a minha cidade. Eu estava no exército, fui para Ciechanow para ver que que houve, e encontrei ele. Bom, saindo lá da casa dele, muito melhor, em melhores condições e mais seguro disso tudo, andei em frente e cheguei a uma cidade chamada Makut.
P/1- O senhor não sabia que ele era dessa cidade, quando o senhor passou por lá não lembrou dele?
R- Me lembrei. Mas isso não me… Ele não me represen… Eu não imaginava que eu ia encontrar ele nessas condições. Ele não morava bem na aldeia. Ele morava ainda um pouco dentro… Na fazenda dele.
P/1- Eu estou falando isso porque as vezes a gente pensa numa pessoa, né, e a pessoa telefona para a gente, encontra a gente. Tem essas coisas, né. Umas telepatias aí.
R- Eu não tenho explicação para essa história. Para isso eu não tenho explicação. Pode ser que existisse algo. Isso faz, as vezes, a pessoa crer em em alguma coisa. Não me fez crer. Eu não creio. Mas...
P/1- Não. É, acho, uma coisa meio telepática mesmo.
R- Mas… Alguma coisa... A gente tem que… Não sei o que. Você pode dar o nome que quiser.
P/1- Não. Eu não quero dar nome não. Só perguntei pro senhor se o senhor quando passou, quando viu a cidade o senhor lembrou que lá tinha... que de lá o senhor conhecia uma pessoa, um colega.
R- Ah, minha filha. E lá pra mim, tudo na Polônia, eu falei agora numa conferência na ASA, quando eu falei, eu falei, quando eu passava em Varsóvia, rua Franziskanska, Rua Muranoska. É rua. Mas cada rua é história, é minha história. Porque aqui moravam colegas, aqui moravam parentes, aqui era partido, aqui era organização sionista, aqui era a sinagoga. Então, naturalmente, quando eu andei lá por essa estradas e aldeias, passei, eu lembrava que… Mas não pensei nele.
P/1- Não pensou mesmo.
R- Não.
[troca de fita]
P/1- Nessa caminhada que o senhor estava fazendo, tão longa, que que passava na sua cabeça? O senhor pensava na guerra, pensava na família, pensava em como se salvar?
R- Não. Quem pensava não podia andar. Tinha que voltar, tinha que chorar. Você não podia nada. Aí, você tinha que se tornar muito...
P/1- Abstrair mesmo. Só andava.
R- ...muito durão. Só você também. Só você.
P/1- Não, não é nesse sentido que o senhor pensava nas pessoas. Eu sei. Estou falando...
R- Não. Eu não podia me desligar de… Porque tudo começa daqui não? As pernas não andam quando aqui… Hoje eu tenho um dia nervoso. Então, eu já não estou igual assim. Imagina naquele… Se eu ia pensar como está mamãe agora em casa?
P/2-. Não prosseguia, né.
R- Não prosseguia. Você não queria. Então, eu realmente, naqueles momentos, dentro do período, eu não pensava. Bom, então, vamos em frente. Aí, eu cheguei numa cidade chamada Makut, que era também uma cidade menor um pouco que Czeranow, mas já era na direção pra ir para a fronteira com a União Soviética. É a última cidade maior. Makut. De lá só me faltavam uns 45 quilômetros. Aí, naquela cidade, ainda tinha muitos colegas, muito amigos. Estavam ainda, a maioria, estavam em seus lugares. Aí, eu tinha lá primas de segundo grau, muito ricas. Aí, eu disse: “eu vou até lá.” Porque me interessava. Talvez iam me dar lugar pra dormir, uma coisa assim. Apesar que eu tinha um outro lugar pra dormir. Mas queria ver minhas primas. Então, elas queriam muito ir comigo. Pra ir… Elas queriam sair. Realmente. Mas eram muito dominadas pelos pais. Eram duas. Uma das famílias mais ricas da nossa região. E eu concordei de levá-las. Quer dizer, levar...(risos)
P/1- Acho que o senhor falou desse seu… Até que tinha um moinho, uma coisa assim?
R- Não. Mas isso é outro. Tá vendo? Ela lembra. Tá bom. Isso é muito importante. É da mesma família. Mas elas não eram minhas primas. Elas eram primas da minha prima. Uma coisa assim. São duas irmãs. Estudavam no ginásio numa cidade, ginásio Hebreu, elas estudavam. Aí, elas: "nós queremos ir." Elas tinham, naturalmente, 18 anos e 17. Eu digo: "podem ir comigo." Mas eram… uma criação tão fina, tão delicada e a mamãe disse não e tal. E ficou não.
P/1- E não estava acontecendo nada muito drástico nessa cidade?
R- Naqueles momentos não. Não. Eu dormia na casa de uma família onde eles eram alfaiates. Então, o filho mais velho trabalhava com os alemães. Porque os judeus começaram a se ajeitar. Principalmente levaram algumas vantagens naquele momento os profissionais. Porque os alemães precisavam deles, então, de alguma maneira, levaram algumas vantagens. Comida, não? E não apanhar.
P/1- Sobreviver mesmo, né. Porque precisava.
R- É. Bom, aí dormi aquela noite, melhorei muito de saúde...
P/1- E nisso se passaram quantos dias, da cidade do seu amigo até a cidade das suas primas?
R- Eu acho que foi no mesmo dia. Eu acho que ainda cheguei mais ou menos de noite. Mais ou menos. Eu peguei também uma carona de uma carroça e o polonês me tomou todo meu fumo, como compensação.Tomou pedindo. Vai em frente. Aí ele disse: "Se você tem dinheiro, eu vou segurar para você." Eu digo: “Eu não tenho dinheiro." Tinha algum. Porque Leon me deu algum dinheiro. Aí eu cheguei ainda de noite. Lembro. É. Ainda foi de noite. Dormi lá. E no outro dia, saindo em frente. Eu tinha que passar ainda por uma localidade chamada Rujon, menor localidade, completamente queimada. Durante a guerra de 1939. Passamos também depressa. Muito exército, muitos alemães tinha lá. E foi para uma cidade Ostrolenka. Última cidade, última cidade...
P/1- Onde que era? (no mapa)
R- Não estava aqui. Eu já vi que não estava. Eu estou indo nessa direção. Varsóvia...Isso já é União Soviética. Bialystok. Então, eu estou chegando aqui numa cidade chamada Ostrolenka. Uma grande cidade, nas condições polonesas, e lá já não tem judeu nenhum. Os alemães expulsaram todos os judeus. Como era cidade fronteiriça, não... Essa cidade não foi destruída. Aí, nós passando… Aí, claro, eu correndo pela cidade, depressa, e os poloneses debochando, mas eu estou indo em frente. Dessa cidade eu cheguei até uma estrada, uma estrada, que era assim. Aqui, Ostrolenka. Certo. Aqui é uma estrada. E aqui é uma… aqui é fronteira. Terra. Não tem nada. Só tem barreira. Não tem mais nada. E desse lado já é a União Soviética. É aqui a primeira cidade que ela é mais ou menos 20 quilômetros da fronteira, chama-se Lonja. Isso já é União Soviética. Certo? Então, eu já atravessei aqui, tô indo alguns quilômetros, não sei exato, e estou chegando aqui. Aqui é fronteira. Aqui é alemão, aqui é um pouco de estrada, terra de ninguém, e aqui já é a União Soviética. Tá? Quando eu cheguei aqui, eu outra vez comecei me sentir mal de saúde. Eu tive muita febre. No caminho peguei uma gripe, não sei o que. Me senti muito mal. Quando cheguei aqui, nesse lugar, na fronteira, aqui devia ter umas 30 ou 40 mil judeus na estrada. Com as crianças, com piolho, com tudo que você pode imaginar. E mais variadas histórias das pessoas. “Foi uma delegação falar com Stalin.” Tudo mentira. As pessoas imaginam coisas. Quem pode falar com Stalin? “Vão abrir a fronteira. Vai isso, vai aquilo outro.”
P/1- Era gente esperando pra entrar.
R- Para entrar. Aqui, a União Soviética não deixa entrar. Não deixou entrar.
P/2- Mas e os alemães, por sua vez, permitiam que esses judeus...
R- Eles permitiam. Eles queriam… Eles… Senão, eles não deixavam chegar até aqui. A gente não pode imaginar por que que eles fizeram isso. Mas o fato é que aqui tinha milhares e milhares nessa estrada. Eles já não estavam na Alemanha, mas também não estavam na União Soviética. Então, num pequeno espaço de terra, 30 mil pessoas. Frio. Miséria. Quando eu cheguei lá, então... aí... a história era assim. Tem um polonês que mora há dois quilômetros daqui. Ele pega a "grana" das pessoas e diz que vai atravessar. Porque lá tem muita floresta. Mas que que acontece? Ele toma a "grana" e te entrega aos alemães. E tinha também judeus um pouco submundo, também chantagistas. Resultado. Eu vi que aqui eu não tenho futuro. Não tenho nenhum futuro. Todo mundo louco, todo mundo quer atravessar. Ninguém mais tem sentimento, que a situação está ruim. Então, ele pensa mais no filho do dele do que nos outros.
P/1- Mas tinha exército soviético aqui?
R- Desse lado. Tinha. Claro.
P/1- Assim, mesmo fazendo barreira pras pessoas não entrarem?
R- Não. Não deixaram entrar. União Soviética não deixou entrar. Naquele momento. Estou falando novembro de 1939. No início, todo mundo passava. Porque ainda não se sabia nem onde fica a fronteira, certo? Então, eu disse pra mim: “aqui eu não fico.” Porque eu não tinha futuro. Não podia jogar com muita "grana", não tinha muita saúde naquele momento, não vou fazer nada aqui. Que que eu vou fazer? Vou entrar nas aldeias. Vou procurar sorte com os poloneses. Aí, eu saí desse lugar. Não sabia pra onde eu estava indo. Entrei na floresta, procurei a primeira aldeia. Foi essa aldeia. E aí comecei me prevalecer outra vez com meu modo de falar. Quando eu falo, eu acho que eu estou convencendo. Se me… Isso eu tinha dentro de mim. Pode ser superestimação, mas eu pensava assim. Como eu não tenho dinheiro, eu não tenho outros argumentos, eu tinha que ter meus argumentos. Aí entrei outra vez, são aldeias, todas aldeias na fronteira com a União Soviética...Isso era sempre da Polônia. Uma Polônia. Mas naquele momento já está dividida a Polônia. Uma parte levada pela Alemanha, outra parte levada pela União Soviética. Aí, entrei nessa casa. Isso era 10 de novembro. Porque que eu me lembro 10 de novembro, eu vou te dizer. Porque 11 de novembro é um grande feriado polonês. Dia da independência da Polônia. Isso tem muito valor pra essa história que eu vou contar. Então, entrei nessa casa, um camponês assim um pouco rico, entrei. "Bom dia, bom dia. Eu queria pedir um favor. Eu sou de Varsóvia..." Não falei se sou judeu ou não. "E queria pedir, se for possível, de me deixar ficar aqui um pouco. Estou meio adoentado e tal." "Pode entrar." Entrei. O que que eu encontrei lá? Uns cinco ou seis judeus muito ricos. Pagando ouro lá ao polonês. E esse polonês deve ajudá-los a atravessar. E eles tem todo privilégio em casa. Então, isso foi outra das minhas sortes. Por incrível que pareça. Então, eles me deram comida. Esses judeus não me deram muita confiança. Primeiro, eu não era nem do mesmo lugar que nem… Enfim, só estou eu. E eles tinham…
P/1- Eram famílias ou homens?
R- Não, não. Eles eram assim… Acho que só tinha homens. Mulheres, mulheres não tinha. Porque também para sair da Polônia, também só ia homem. Porque disseram que homem vai sofrer mais. Saíram também famílias, mas nesse lugar só tinha… Era já gente velha do que eu. 25 anos, 30 anos talvez. E eles comiam melhor de que eu e tal, a dona dava muita atenção a eles. Quando chegou a noite, isso já era 11 de novembro...10 de novembro, a noite. 10 de novembro. Quando chegou para dormir, aí começou a trama. Fulano, tal, tal, tal. Então, pra mim, sei lá, tinha um trocinho qualquer. Que não dava nem… Eu não tinha nem chance de tirar minha roupa. Mas é tudo dado. Eu fiquei: “não, não se preocupem comigo e tal.” Conforme eu estava, tudo estava assim em cima, paletó, calça, sapato. Não tirei nada. Nada. E sei lá que que tinha lá, uma cadeira, num troço qualquer. Eu assim. Adormeci um pouco, sentado, e quando foi meia-noite em ponto começou a fuzilaria... Porque os alemães, era 11 de novembro, eles tinham medo que os poloneses, isso também era uma pro... Pensaram que eles fossem… Nacionalismo polonês, tal. Não era nada disso. Eles: “raus! raus! raus!”, quer dizer fora. Todo mundo fora. Bom, antes, antes de qualquer coisa, eu já estou fora de casa.
P/2- Sua mala estava pronta, né. (risos)
R- Já estava pronto, não tinha nada. Às vezes é bom não ter nada pra perder. Isso é melhor coisa na vida. Minha mulher ainda não entendeu isso até hoje. Melhor coisa, não ter nada pra perder. Aí, eu já estou fora. Uma escuridão, só cachorro latindo e fuzilaria. Bala pra lá, bala pra cá. Aí, entrou também no jogo aquele pouco que eu aprendi no exército, no chão, tal, sempre mais baixo possível, que a bala sempre vai um pouquinho mais alto, e eu me arrastando, arrastando, arrastando. E cada vez fuzilaria diminuindo e os cachorros latindo mais. Eu estou indo em frente, sempre baixo, no chão. Já era muito… isso era outono, outono-inverno, ainda não tem neve, mas tem muita lama, lama. Eu já sou um trapo humano, tudo podre. E estou chegando perto de uma fazenda, de um quintal e estou entrando num quintal. Entrando no quintal. Aí, cachorros que é uma loucura. Cada polonês tem um cachorro. Na aldeia, principalmente. Aí, o polonês está saindo...Como é "vido" em português? Aquilo que você apanha o...
...- A grama. O feno.
R- Não a grama.
...- Eles tem assim, com ponta de ferro.
P/1- Ferramenta?
R- Não. É.
...- Isso é grande. Uma pá.
P/1- Ah, eu sei o que que é. Um garfo.
R- É. Como um garfo. Você apanha...Isso é... Nas aldeias, no campo se usa muito isso.
P/1- Não é arado não, né.
R- Não. Arado era outra coisa.
...- Que nem pá, mas aberto. Grande. Assim...
R- Você apanha...apanha.
P/1- Um garfão. Sei. Feno. Feno também, né.
R- Feno também. É. Exato.
P/1- Sei o que que é.
R- Ele está saindo com isso. Isso é uma arma do camponês matar, de brigar. Aí, ele está saindo...
P/1- De segurar animal também.
R- Segurar animal. Sei lá. Aí, ele tá saindo assim em frente de mim: "Sai do meu quintal." Eu: “pelo amor de Deus. Não faça isso comigo. Eu estou perdido. Eu não posso mais nada." "Sai daqui, senão eu chamo a "gendarmaria". E eu baixado ali: "mas não faça isso. O senhor também deve ter filho". Assim, comecei esse discurso todo. Não adiantou. Não adiantou droga nenhuma. "mas por favor, não faça isso comigo."Aí, ele diz: "vai sair agora!" Digo: "não vou sair. Pode matar. Eu não tenho para onde ir." Aí, eu também mudei. Digo: "se vem alemão, eu vou dizer que você tomou minha grana. Agora você está me entregando. Nós dois vamos morrer." Aí, ele viu que… Digo: "não adianta. Pode soltar cachorro, pode me matar. O que que vale a minha vida agora?", disse pra ele. Meia-noite, escuro, alemão, tudo isso. Aí, ele disse pra mim: "tá bom. Mas aqui no quintal você não vai ficar. Eu te dou um jeito de se esconder. Vamos embora." Foi a pior noite da minha vida que me aconteceu. Só sobrevivi… Aí então outra vez...Como aquela noite era escura, ele me mandou...Aqui e o quintal dele, certo? Aí, ele disse pra passar o quintal. Aqui tinha uma florestinha, mas pequena. Não era aquela grande.
P/1- Um bosque.
R- Bosque. Exatamente. Então, tinha um bosque assim. Ele disse: "você entra dentro desse bosque e fica lá sentado que ninguém vai te ver. Você passa a noite. Noite escura. Tudo bom pra você." Entrei, fiz tudo que ele mandou. Fiquei aqui dentro e todo coberto. Quando foi uma hora, duas horas, estrelas, tá tão...como se fosse...
...- luminado. Com luzes.
R- Luminando. Mas... não. A própria natureza. Lua, tudo aparecendo.
P/1- Lua cheia.
R- Tudo cheio. E eu lá. Eu vejo. Eu estou embaixo, os alemães estão andando aqui. E depois, eles ainda com o reflexo. Eu escuto o que eles falam. Naquela hora… Adeus. Não existe. Essa noite não acabava. E eles passando pra lá e pra cá. E perto de mim, mas perto, e tão quieto, eu não sei como... A pessoa, por quieto que fica, ela se mexe de alguma maneira. Eu estava lá, estava lá. Aí... Bom, sei lá como descrever toda...tudo que... Naquela noite pensei em tudo. Eu vi os...
P/1- Mas isso foi traição dessa cara, né.
R- Não. Não. Não. Não foi ele. Não me...Ele podia me denunciar. Ele não me denunciou. Ele só queria se livrar de mim. Ele, talvez ele...
...- Mas te botou fogo.
R- Ele me botou no… É. Que que custava para ele judeu morrendo. Grande coisa. E ele tinha que morrer. Mas se eles me pegam lá e fim de tudo. Porque realmente eu não podia estar lá. É fronteira, e zona militar. Isso é fim. Judeu, zona militar, de noite. Eu já...
P/1- Fuzilado na hora.
R- Aí, a noite passou, de alguma maneira, eu já… Frio, já sentia… Esses dedos tudo já não mexia nada. E quando foi cinco, seis, sei lá, sete da manhã e… Naquele tempo não havia banheiro em casa. Tinha fora, no quintal. Então, eu vi assim que uma senhora entrou naquela privada, uma coisa assim. Ai, eu me arrisquei, corri, digo: “eu vou esperar quando ela já vai sair. Aí eu já estou no quintal dela.” Valia tudo. Isso eu não quero que vocês levam isso como um heroísmo meu ou algo que foi valentia. Foram fatos. Eu me tornei um personagem de uma história.
P/2- E foram reações espontâneas, né.
R- Espontâneas. Eu não sabia. "não, porque ele é muito inteligente, ele é muito corajoso." Nada disso. Não quero, não quero nada...
...- Isso é um momento de decisão própria.
P/1- Não, quando a gente pensa só pela gente, quando a gente só tem a gente, a gente fica mais elétrico, né.
R- É. Então, quando essa mulher saiu daquela privada dela, uma senhora jovem, aí, eu disse pra ela... Aí, eu também, outra vez, a situação minha assim e tal. E ela me permitiu entrar em casa. Aí, eu entrei na casa dela. Aí, ela me deu logo...Quando você tem assim negócio de...congelado não é bom água quente. Senão você perde...Tem que ser mais frio ainda pra isso. Então, tal, enfim... ela fez tudo que devia fazer. Me ajudou bastante. E uma criancinha no berço e o marido dela não voltou do "front" polonês. E falei pra ela como está minha situação, falei toda a verdade e tal, e ela me permitiu ficar lá em casa. Eu fiquei alguns dias na casa dela. E melhorei em tudo. Tinha leite quente, essa coisa toda, a garganta era toda ruim. E me recuperei. Mas eu disse pra ela: "olha, meu objetivo não é de ficar aqui. Eu quero ir pra União Soviética. Eu tenho que ir lá. Eu tenho que atravessar a fronteira. Em que que você pode me ajudar? De que maneira você poderia me ajudar?" E tal. Fizemos uma amizade boa. Enfim, é uma pessoa simples, mas generosa. Sabia que o judeu... tudo isso. Mas ela tinha medo. Lá não era uma aldeia. Isso se chama em polonês "kutow". São certas casas isoladas, distantes umas das outras. Ela tem seu pedaço de terra, ela vive junto com a casa dela. Mais algumas centenas de metros tem outra coisa. Isso era a minha sorte. Porque se fosse numa aldeia, um judeu na casa de uma polonesa, ela ia logo ser criticada e...não... Mas como ela estava um pouco isolada...Mas também já ela diz que estão falando que eu estou aqui, que vai acontecer. Aí eu disse pra ela: "só me dá um jeito de sair daqui." Aí, ela disse assim... Aí, outra vez estratégia.. Ela me explicou o seguinte. Ela morava aqui. Indo pra cá tem outra casa. Isso deve ser 2 quilômetros. Nesta casa mora um primo dela. É um fazendeiro também. Camponês. Ele, a casa dele, a casa dele é a última casa do lado alemão. Última. Última casa do lado alemão. De lá, dessa casa, do outro lado, passando num campo, já é União Soviética. Bom. Nesse intervalo, aqui, muito pertinho dela, surgiu para um grande trunfo. Tinha lá numa outra casa uma moça, da minha idade, polonesa, católica apostólica romana, estudante em Varsóvia. Mas os pais dela, que era delegado da polícia, lá, eles moram do lado da União Soviética. Porque todos os poloneses eram contra a União Soviética. Mas ela tinha razões especiais de querer ir ver os pais dela. Então, naquele momento, nós podíamos ser aliados. Mesmo por objetivos. Por diversas razões. Entenderam? Então, essa polonesa entendeu isso. E ela nos uniu. Ela correu pra lá e diz que tem aqui um jovem que quer também ir para a União Soviética. Lonja. Lonja, a cidade onde o pai dela… E nós dois juntos vamos até a casa desse primo. E ele nos vai transferir. Então, pra mim abriu grande horizonte. Primeiro, estou junto com uma católica. Estou indo na casa de um primo dela. E pode ser, por sorte, se eu já estou com uma católica, automaticamente, eu sou católico também. Porque dificilmente havia assim namoro de pessoas não... judeus com não judeus. Então, foi uma coisa muito interessante pra nós.
P/1- Perai. Só pra mim ver se entendi. A casa do pai da menina já era no lado...soviético. Polonês, que a União Soviética...
R- Ela estudava. Ela era um pouco mais velha do que eu. Ela estudava na Universidade em Varsóvia. Mas os pais… A guerra pegou ela lá...
P/1- A casa dos pais dela ficou no lado soviético. Mesmo sendo Polônia.
R- Soviético. E era Polônia. Mas ela queria ir lá, independente de tudo. Muito bem. Então, eu, ela fomos indo nessa direção. E ela confiou muito em mim e tal, ela via que eu sou muito ativo e tal. Claro, a gente não falou em nada, mas estamos juntos. Amigos por uma circunstância. Então, estamos chegando lá, é domingo. Um domingo. Isso me lembro muito também. Quando chegamos lá, aí, apresentamo-nos, dizendo que fomos recomendados pela prima dele de tal lugar. Muito bem. E nós chegamos mais ou menos na casa eram oito e meia, nove da manhã. Aí, eles disseram, muito bem, podemos ficar aqui em casa que eles vão para a igreja, se queremos ir juntos. "Não, estamos cansados e tal." Então, podemos ficar em casa. Já de confiança, deixando-nos sozinhos na casa deles. Quando eu olhei, esse tempo nela, então, vi o seguinte. Aqui a casa. Indo em frente era um campo. Campo. Do lado esquerdo desse campo, uma floresta. Não é um floresta, mas não é bosque. Mais que bosque. Floresta de árvores não muito altas. Quando acaba essa florestinha e esse campo, atravessando uma ponte... Tudo pra ver no olho nu. Tem um pontezinha pequena, uma pontezinha, uma coisinha de madeira, bobagem, e do outro lado um moinho de vento. Esse moinho de vento, União Soviética. Que que me separa da União Soviética? Um campo de menos de um quilômetro e eu estou olhando na União Soviética. Muito bem. Aí, eles...
P/1- Essa moça, ela vinha sozinha, a pé também, de Varsóvia?
R- Não. Ela tinha muito dinheiro, era polonesa, era católica. Mas ela tinha muito mais recursos reais de que eu. Porque onde ela chegava, era católica. Era muito diferente. Aí, nós conversamos, começamos criar amizade e tal. Ela via que tinha... ela é uma pessoa também estudante. Naturalmente, como toda boa polonesa, anti-semita, mas... naquele momento, a gente estava em outro nível. Quando eles voltaram da igreja, aí, chegaram muitos. Pessoas… Que a igreja era mais distante. Apesar que lá também eram casas isoladas, mas vieram muitos vizinhos. De todo lado. Tudo poloneses ricos, em sentido… Aí, ele abria a garrafa de vodka, todo mundo bebendo e tal. E eu… Eles estão contando assim um para o outro. "Você sabe, eu estive em tal cidade onde, antes de ontem, que coisa linda. Pegaram um judeuzinho assim, baixinho, com uma barbinha linda, linda. E puxaram ele, jogaram ele no caminhão puxando pela barba." (riem) Todo mundo feliz da vida. "E vocês lembram daquele grande comerciante de trigo? Eu vi ele bonitinho andando descalço pela…” Assim. Aí, eu já vi onde estava. Já senti, aqui não está "legal". Isso era… Ninguém me olhou. Todo mundo assim, cabeça baixa. Eu, junto com eles, tal, não tem nada a ver comigo. Estou bancando bobo. Aí, todo mundo bebeu bem, cada um foi pra casa dele. Aí, quando todo mundo saiu, então, estava ele, o velho… Naquele tempo ele era velho pra mim. Hoje eu sou velho pra ele. E tal e mandaram sentar na mesa. Polonês recebe muito bem. Ele recebe muito...
P/1- Anfitrião.
R- É. E sentamos, muito repolho, muita vodka e tal. E correu tudo… Eu, naquele tempo, ainda não saiba beber bem, mas tinha que… Todo mundo comeu. Aí, eu disse pra ele: "escuta, meu amigo. Como o senhor sabe, nós queremos passar. E a sua prima falou que o senhor sabe aqui como ir." Aí, ele disse assim: "olha, o caso é o seguinte..." Todo safado polonês fala o caso é o seguinte. "Caso é o seguinte. Eu boto numa carroça de madeira os passageiros” - ele falou assim - “eu boto assim e tal, eu levo até num lugar, aí já tem um alemão, mas ele quer 20 zlots. Eu não quero nada de vocês..." Mas eu sentia, tudo é mentira, tudo é... Aqui é tudo falso. Aí, eles comeram bem, beberam bem..."nós vamos dormir um pouco..."
[troca de fita]
R- E eu sei lá. Cabeça trabalhou bem. Mas muito bem. Eu disse pra ela o seguinte: "vamos..." "Por favor, vocês vão dormir agora, por favor, leva as nossas coisas lá pra dentro." Estavam assim na frente. Quer dizer, eu tinha pouco. Mas ela tinha mais pouco. Era prati...Eu disse pra ela: "tudo que eu vou dizer, não pergunta nada." " por que?" Porque eu já na minha cabeça era de fugir. Para criar uma confiança neles, eu demonstrei que eu não penso nisso. Só penso tudo que ele me falou como fato. Então, eu mandei que ele levasse lá pra dentro. Porque tinha uma sala na frente e um troço lá dentro, dele. Então, eu digo: "por favor, leva as nossas coisas lá pra dentro." Então, isso demonstra que eu não...
P/1- É. Que vai ficar, né.
R- "Nós vamos conversar um pouco aqui." E o tempo era razoavelmente bom. Aí, eu disse pra ela: "quando eu vou disser vamos, não tem nada que perguntar mais. Só vai atrás de mim. Não pergunta nada. Nada." Quando eu já escutei o ronco da alma, ele e os filhos, todo mundo está lá numa boa, a porta estava um pouco aberta...Você tem só que raciocinar em termos de casas polonesas, da aldeia. Tudo baixinho. Tudo...tal. Aí, eu: "Vamos!" Aí, saímos de casa. E não correndo, mas marchando. E logo saí aqui da casa, me encostei na floresta, não entrei na floresta. Por que não entrei na floresta? Porque lá tem patrulhas mistas, soviético-germânicos. Se eu vou entrar, eu não sei onde estou. Você está me entendendo? Então, eu estou andando desse lado da... Isso era domingo. Também era hora do almoço, todo mundo está almoçando. Tudo... Sabe, as coisas bateram bem. Felizmente, né. Sei lá. Então, nós começamos andar assim, junto a floresta. Andando numa marcha. Eu na frente e ela atrás. "Ah, não..." "Não tem nada. Anda." Anda, anda, anda. Não corremos, pra não chamar atenção. No meio desse campo estavam pastores poloneses, rapazes...
...- Pastando.
R- Não. Eles não tinham, não tinha gado, porque já era frio. Mas eles estavam lá brincando, sei lá o que. Sei lá, uns 12, 15 rapazolas assim, de 12, 15 anos. Eles estavam lá sentados. Quando nós estávamos assim andando, eles começaram a dizer: "judeus. Estão fugindo." E começaram a jogar pedras na gente. Mas jogaram pedras. Cada uma que eu recebia, me esquivando e tal, mas… E ela: "oi, me acertaram." Eu digo: " vai em frente." E vai e vai e vai e vai. E, a nossa sorte, outra vez, só sorte. Eles também tinham medo de correr atrás de nós, porque eles podendo correr, eles já estavam do lado soviético. Podiam ser presos lá. Aí, não vão poder voltar. Isso acontecia muito. Então, eles sabiam, até...
P/1- Só podiam correr até certo ponto.
R- Até… ponto. Então, eles não correram mais. E eles gritando, gritando. Podia, naturalmente, aparecer uma patrulha, não? E já estou atravessando a ponte, já sei, teori...
P/1- A ponte não era patrulhada?
R- Não, mas não é ponte. Um trocinho. Uma bobagenzinha. Não é ponte. Não tem nada.
P/2- Mas naquela hora, o que era uma bobagem, aquela pontezinha era coisa à beça, hein. Decidiu sua vida aquela pontezinha.
R- Isso pode ter, sei lá, cinco metros. Uma coisa assim. E eu estou atravessando aqui, ela atrás de mim. Estou vendo um judeu de barba. Mas eu estou tão apavorado… Ele chega perto, em ídiche: "você é judeu?" Eu digo: "vai-te embora, pô." Nem podia imaginar que um judeu pode estar assim livre. E ele diz pra mim em ídiche: "Idiota. Eu quero te salvar, senão tu vai ser preso já. Entra comigo!" E o cara só falando em ídiche, dessa maneira, aí, eu puxei ela também, entramos. Era pessoal, donos desse moinho. Toda família na Polônia vivia desse moinho. Tinha cunhados, tinha isso, que viviam… Compravam trigo e tal. E entrei lá nessa casa. Devia ser umas duas, três horas. Muita gente. E eles logo mandando, em ídiche, pra eu me misturar com as pessoas. E não demorou dois segundos, entrou um patrulha soviética. "Aqui entrou gente de fora." Aí, eles: "não e tal." Mas já não sentia medo. Apesar de disseram tá. Depois eu descobri que a União Soviética também não é sopa. Mas naquele momento era pra mim a salvação. E, primeira vez na minha vida, eu vi dois soldados soviéticos. Eles ofereceram pra ele fumo e tal e tal. E saíram. Aí, senti, não precisa ter mais medo. Mas não posso dormir aqui. Porque de noite vem uma outra patrulha que já sabe quem...pessoas, tal. Aqui eu paro.
P/2- Tá ótimo. Muito obrigada.
[fim da entrevista]
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