P/1 – Francisco, como é que você gosta de ser chamado?
R – Interessante essa pergunta, né? Porque eu me lembro que quando estava na terceira série do primário uma professora que eu nunca esqueço o nome dela, bem pitoresco, Pinininha. E no Ceará, porque eu sou cearense, na terceira série ela me chamou pelo nome integral, Francisco José Maia Guedes, e como todos na escola, respondi presente, a resposta que a gente dava. Ela olhou pra mim e disse assim: “Olha, a partir de agora, nós vamos o chamar de Maia”. E olha, a partir daí nunca mais ninguém me chamou de Francisco (risos), a não ser a minha mãe, meu pai, porque são de casa, aquela coisa toda. Mas fora de casa, nunca mais ninguém me chamou de Francisco, a não ser de Maia. Seja no futebol, eu gostava muito de futebol, na escola, enfim, todos os lugares que eu estivesse extra-casa era Maia.
P/1 – E você gostou dessa mudança?
R – Ah, eu gostei, me identifiquei com o sobrenome (risos), como o próprio nome. Tanto é que mesmo depois, quando eu fui pro serviço militar, também, porque lá eles é que fazem a escolha, o interessante é isso, eles fazem a escolha do nome, não é a gente que diz: “Olha, quero ser chamado por tal”. E quando eu fui, a escolha que eles fizeram também foi a escolha que tinha sido feita na terceira série pela minha professora (risos), Maia. Então, todo mundo me chama de Maia.
P/1 – Você disse que nasceu no Ceará, em que cidade e data?
R – Eu nasci em 21 de setembro de 1966, em uma cidade no centro do Ceará chamada Jaguaribe, que tem o nome do rio que nasce naquela região central e desagua na cidade de Aracati, tem a foz na cidade de Aracati. Pois é, Jaguaribe é minha cidade natal.
P/1 – E o nome dos seus pais?
R – Meu pai é José Guedes de Melo, minha Teresa Maria Maia de Melo. Ambos são vivos, fizeram 60 anos de casados no ano passado. É verdade, é uma benção. Meu...
Continuar leituraP/1 – Francisco, como é que você gosta de ser chamado?
R – Interessante essa pergunta, né? Porque eu me lembro que quando estava na terceira série do primário uma professora que eu nunca esqueço o nome dela, bem pitoresco, Pinininha. E no Ceará, porque eu sou cearense, na terceira série ela me chamou pelo nome integral, Francisco José Maia Guedes, e como todos na escola, respondi presente, a resposta que a gente dava. Ela olhou pra mim e disse assim: “Olha, a partir de agora, nós vamos o chamar de Maia”. E olha, a partir daí nunca mais ninguém me chamou de Francisco (risos), a não ser a minha mãe, meu pai, porque são de casa, aquela coisa toda. Mas fora de casa, nunca mais ninguém me chamou de Francisco, a não ser de Maia. Seja no futebol, eu gostava muito de futebol, na escola, enfim, todos os lugares que eu estivesse extra-casa era Maia.
P/1 – E você gostou dessa mudança?
R – Ah, eu gostei, me identifiquei com o sobrenome (risos), como o próprio nome. Tanto é que mesmo depois, quando eu fui pro serviço militar, também, porque lá eles é que fazem a escolha, o interessante é isso, eles fazem a escolha do nome, não é a gente que diz: “Olha, quero ser chamado por tal”. E quando eu fui, a escolha que eles fizeram também foi a escolha que tinha sido feita na terceira série pela minha professora (risos), Maia. Então, todo mundo me chama de Maia.
P/1 – Você disse que nasceu no Ceará, em que cidade e data?
R – Eu nasci em 21 de setembro de 1966, em uma cidade no centro do Ceará chamada Jaguaribe, que tem o nome do rio que nasce naquela região central e desagua na cidade de Aracati, tem a foz na cidade de Aracati. Pois é, Jaguaribe é minha cidade natal.
P/1 – E o nome dos seus pais?
R – Meu pai é José Guedes de Melo, minha Teresa Maria Maia de Melo. Ambos são vivos, fizeram 60 anos de casados no ano passado. É verdade, é uma benção. Meu pai é paraibano e minha mãe é cearense. Meu pai é paraibano de uma cidade chamada Brejo do Cruz, e minha mãe é de uma cidade também perto de Jaguaribe chamada Alto Santo.
P/1 – E ele foi pro Ceará? Você sabe por quê?
R – Lá na Paraíba, me parece que, salvo engano, é onde tem a raiz mesmo da família Guedes, que é a do meu pai. Mas também tem uma outra extensão no Ceará. E eles acabaram se dividindo, tal, e o meu pai acabou indo pro Ceará e conheceu a minha mãe lá. Eles se casaram e acabaram voltando pra própria Paraíba, onde nasceu o meu primeiro irmão, João Maia Guedes, é o mais velho, tem uma boa diferença de idade pra mim, ele tem quase 16 anos mais do que eu, é o primeiro e nasceu lá. E tem uma história muito interessante que é da vinda deles pra cá.
P/1 – Pois é, qual foi essa história?
R – Então, é interessante... Em que pese eu ser cearense, eu fui o primeiro a nascer no Ceará. O meu irmão mais velho nasceu na Paraíba, e logo depois, por volta de 52, 53, aproximadamente, o meu pai veio pra cá, para o Acre. Naqueles reclames, chamados que tinham no Nordeste, ainda pós-guerra, para que os cearenses viessem pra cá em função da borracha, ele acabou vindo. Veio com a minha mãe e o primeiro filho, que é o João Maia Guedes, e depois acabou nascendo uma no caminho que era distante, eles levaram muito tempo, em torno de 60, 90 dias pra poder chegar em função de vir de barco, aquela coisa toda. Nasceu no caminho, acabou falecendo, e aqui, no período que eles ficaram aqui, até 62 nasceram mais três irmãos, uma menina veio a falecer, nasceu mais uma menina, a Francineide Maia Guedes, hoje é Francineide Guedes Maia Xavier, que é casada, e um outro irmão, Francisco Maia Guedes, só difere do meu nome pelo José, né? Mas que todos chamam de Francini que é pra poder dar uma diferença (risos), eles nasceram aqui. E em 62, pela saudade, por tanta coisa, eles resolveram voltar. E eu costumo dizer o seguinte, por acaso eu nasci no Ceará (risos), fui o primeiro a nascer, mas era pra ser acreano também (risos). E aí, nasceram mais três, eu nasci em 66, depois nasceu outro em 69, o Márcio, Francisco Márcio, tudo é Francisco, dos homens.
P/1 – Seu pai é Francisco?
R – Meu pai, não. Meu pai é José, José Guedes.
P/1 – Qual o nome completo do seu pai?
R – José Guedes de Melo.
P/1 – E sua mãe?
R – Teresa Maria Maia de Melo. E eu peguei uma parte do nome do meu pai, Francisco José. Mas a minha mãe botou que filho tem que ter nome de santo (risos). Cearense é muito religioso, não o cearense em particular, nordestino como um todo, tem uma religiosidade grande aflora nele. E aí, todos foram Francisco, inclusive a mulher, Francineide, ela fez uma composição aí (risos). É a única mulher, os outros são todos homens. Aí, nasceu o Francisco Márcio Maia Guedes em 69 e depois nasceu o Francisco Ranieiri Maia Guedes, também lá. E interessante que em cidades distintas, porque eu nasci em Jaguaribe, o Márcio nasceu em Quixadá e o Ranieri em Sobral. Isso tudo porque depois que voltou, o meu pai foi ser caminhoneiro de empresa de construção civil. Tinha acampamentos de construção em vários lugares, ele ficava nessa itinerância, nessa coisa de estar saindo de um canto pro outro, meio cigano, pra poder se instalar e acabou sendo assim, cada um nascendo em um lugar diferente.
P/1 – São quantos então?
R – São seis, sendo uma mulher, que é a segunda mais velha.
P/1 – Como você descreveria o seu pai?
R – Ahhhh, meu pai, um homem muito batalhador, de ter entregue totalmente a vida por todos nós. A ponto de sair pelo mundo, mesmo, pra poder procurar melhorar de vida. E aqui no Acre encontrou, formou também vida, meio social. E depois, mesmo retornando pra terra natal, ele continuou também da mesma forma. E foi um homem sempre muito batalhador, trabalhador, e que deu a vida por todos nós, então, me sinto muito honrado e feliz pelo pai que tenho.
P/1 – Que bom! E a sua mãe? Como que ela é?
R – Mamãe também da mesma forma, nós não podemos verdadeiramente nos queixar. E ela costuma também dizer isso da gente de vez em quando (risos). Mas ela é realmente uma daquelas mulheres que se pudesse teria os filhos sempre ao redor, mas sabe também que os filhos são pra vida, sobretudo pra Deus. Uma mulher também muito devota, muito religiosa, que sempre foi de ensinar pros filhos essa noção da transcendência, da existência de um ser supremo. E é nossa. E de total entrega, uma mulher que dedicou a vida pra criar os filhos, nunca trabalhou, dedicada integralmente à casa, ao lar e aos filhos. Nós também temos uma honra muito grande de termos a mãe e o pai que tivemos. A gente, a partir do meu tempo que pode ser mais presente em casa, reconhecendo tudo isso, hoje a gente os coloca em um pedestal merecedor, né, de pai e mãe que foram pra gente, de pessoas doadas, entregues e conscientes da responsabilidade de ser pai e mãe.
P/1 – Bacana. E eles continuam morando no Ceará?
R – Continuam, continuam morando no Ceará. Antes de morar em Fortaleza, onde eles estão agora, onde existia toda uma itinerância da parte deles de ir de um canto para outro, o último local onde a gente morou foi em uma cidade, já na saída do Ceará, entrando em Pernambuco, chamada Salgueiro. E logo que a gente saiu de lá em função da mudança de trecho, do trabalho do papai para Fortaleza, a gente voltou, enfim, definitivamente pra Fortaleza onde eles permanecem até hoje.
P/1 – Você era pequeno quando voltou pra Fortaleza?
R – Quando eu voltei pra Fortaleza, eu voltei inclusive primeiro que eles, e teve também um outro fator determinante nessa volta que foi justamente a minha pessoa. Porque aos oito anos de idade, eu fui acometido de uma enfermidade nos rins, me falta o nome agora qual é, mas é uma enfermidade que me causava inchaços no corpo e era dos rins. Como não tinha como tratar na cidade de Salgueiro, Pernambuco, e a nossa referência era Ceará, e toda a família extensiva, de tios, primos e parentes era em Fortaleza, aí a gente foi, a mamãe foi comigo, inclusive com os outros dois menores, que eram bem menores do que eu. Na época eu tinha oito anos de idade. Fomos pra fazer o tratamento em Fortaleza. Então, isso aliado ao fato de ter mesmo de voltar pra outros trechos fez com que nós nos mudássemos definitivamente no ano de 1975. Tem algumas datas que a gente marca, né? Eu me lembro que eles saíram dia 19 de dezembro de 1975. Eu cheguei em Fortaleza no mês de agosto e tive que ficar internado, inclusive, passei algum tempo e graças a Deus pude me recuperar, continuei o tratamento e fiquei bom, graças a Deus não tive mais nenhum problema nos rins, funcionando muito bem. Mas naquela época, eu me lembro de um fato muito triste, na saída deles de Salgueiro pra cá, olha só a situação, isso no dia 19 de dezembro de 1975. O meu pai, como era caminhoneiro e trabalhava pra firma, ele mesmo fez o transporte de todos os nossos pertences, cama, cadeira, tudo, no caminhão que ele trabalhava. Mas o caminhão pegou fogo. Ao entrar no Ceará, numa cidade chamada Brejo Santo, ele acredita que tenha sido alguma faísca do lado, caiu naquela parte da lona, tava todo coberto e pegou fogo mesmo. Todas as coisas que a gente tinha, a gente teve realmente que iniciar tudo novamente mesmo, é uma mudança pra poder... Com certeza Deus queria que fosse tudo novo e foi uma mudança pra tudo novo. Pois é, e de lá pra cá minha vida foi em Fortaleza, minha educação em Fortaleza.
P/1 – Você lembra da primeira escola ou o primeiro dia de aula? Que lembranças você tem?
R – Do primeiro dia de aula... Talvez esse fato marcante da professora que não sei bem se foi no primeiro dia, mas foi logo nos primeiros dias. Mas eu lembro, sim, a gente foi morar em conjunto habitacional da periferia, que tinha pouco tempo de construção, acho que cinco anos, era um dos maiores conjuntos habitacionais que Fortaleza tinha, chama-se Prefeito José Walter. E lá as escolas eram casas mesmo, algumas delas. E eu me lembro da escola para onde eu fui, era bem perto da minha casa, e eles chamavam Centrinho da I. Por que Centrinho da I? Porque ficava na Avenida I, e era centrinho porque era um Centro Educacional. Porque tinha os centrinhos das várias avenidas, Avenida I, Avenida J, Avenida L. Cada avenida, que eram por letras e ruas por nomes, tinha lá o seu centrinho. E eu fui estudar no Centrinho da I. Eu passei o ano de 1976 todo, repeti o ano porque perdi o ano de 1975 por causa da doença, e repeti o terceiro ano. E aí no quarto ano o nosso irmão mais velho que também trabalhava com trechos, ele trabalhava na mesma firma que o papai trabalhava, chegou a trabalhar em outros estados, chegou a ir pro Mato Grosso. Naquela época ele estava em Aracati e conseguiu transferência pra Fortaleza e veio morar conosco. E ele é uma peça de muita importância na minha vida, ele tem um dedo muito especial na minha formação, no que eu sou hoje. Porque, por ser o mais velho era também um pai, era um pai-irmão. O meu pai também, tendo de trabalhar muito em trechos de obras, ele era a referência de homem dentro de casa pros demais. E ele estava sempre pensando na frente, e eu me lembro que ele disse assim, “no ano que vem, 1976 pra 1977, você vai estudar no Colégio Geni Gomes”, que era considerado o melhor colégio público que tinha em Fortaleza, era o colégio da Base Aérea, da Aeronáutica. Eu me lembro, a minha infância foi praticamente no Colégio Geni Gomes, minha formação toda. E Geni Gomes porque dona Geni Gomes era a mãe do brigadeiro Eduardo Gomes, um nome de referência na questão de Aeronáutica até hoje, brigadeiro Eduardo Gomes. Muito conhecido. Ele disse: “você vai fazer”. Na época tinha que fazer um teste porque era uma escola de referência, aquela coisa toda. E “será que eu vou passar nessa escola mesmo?”. Acabei fazendo esse teste de admissão, passei, fui e fiquei da quarta até a oitava série, na escola Geni Gomes. Hoje é do Estado, mas na época tinha uma parceria com o Ministério da Aeronáutica, mas fica exatamente na frente da entrada da Base Aérea de Fortaleza na Avenida Borges de Melo, no bairro de Fátima.
P/1 – Que lembranças você tem dessa escola que você ficou tanto tempo, que é “a” escola da sua vida?
R – É verdade, lembranças de muitos amigos. No ano passado eu tive a possibilidade de encontrar inclusive um desses amigos que está hoje em Belo Horizonte, foi o meu companheiro. Porque teve também uma outra fase da minha vida que foi na Aeronáutica, parecia uma coisa, estava na frente da Aeronáutica e depois tem outra parte da minha vida dentro da Aeronáutica, e esse colega também. E aí, através da internet, porque hoje na internet você encontra todo mundo, ele me encontrou. Já tinha mais de 20 anos que a gente não se via, a gente se falou e eu tive a oportunidade de ir a Belo Horizonte encontrá-lo. Eu tenho os amigos da infância ainda, todos muito na mente e, ave maria, é maravilhoso relembrar daqueles momentos, momentos sadios de uma vida muito sadia mesmo, seja da própria sala de aula, como do contraturno nas atividades de educação física, ou então, nas atividades de Sete de Setembro que a gente tinha que participar da banca, ou de atividades de festa junina. Nossa, são lembranças que a gente guarda realmente. Como também em muitas vezes, que eu não esqueço, aos sábados, eu sempre gostei muito de futebol e a gente se reunia, o pessoal da escola, pra jogar futebol no campo da base aérea. A gente conseguia porque o colégio era também da base aérea, e a gente conseguia essa parceria, e eu não esqueço nunca desse futebol aos sábados. E também dos torneios interclasse, futebol, handball, ahhh maravilhoso! Lembro também de um momento muito especial que tinha, e hoje a gente não vê muito, é aquele momento do hasteamento da bandeira. Eu lembro, na sexta-feira de manhã, cedinho, todo mundo chegava, perfilava, ia hastear a bandeira e cantar o hino nacional. E a gente vibrava com aquilo, né? Eu ainda sou do tempo do OSPB e da Educação Moral e Cívica (risos). A gente lembra das fileiras, é interessante, são momentos marcantes.
P/1 – Maia, você falou do seu pai com o caminhão, que ele trabalhava em trechos, obras. Como era isso?
R – Ele trabalhava em trechos em obras fazendo o transporte de material pros trechos de obra, brita, o material próprio pra poder fazer o asfalto. Depois, quando ele voltou pra Fortaleza, foi que ele passou a ficar mais fixo com transporte da mesma empresa. A empresa tinha outros negócios, não era só também a questão de estradas como, por exemplo, na área da agricultura, e ele fazia transporte de material de agricultura pra outros estados. Começou a ficar mais fixo, ficou mais fixo em Fortaleza, a gente tinha mais tempo de ficar com ele, ele ia fazer aquela viagem e voltava. Mas uma coisa marcante era o momento de chegada do papai. Alguns caminhões dele tinham aquela buzina muuuito grande, muuuito alta, então, quando ele apitava lááá loonge, todos nós já saíamos porque sabíamos que ele estava chegando. E quando chegava sempre trazia alguma novidade, alguma coisa diferente, do estado onde ele foi, tudo, a gente sempre ficava naquela expectativa, “o que é que papai vai trazer dessa vez pra gente?”.
P/1 – Como era a casa? Há alguma mais marcante na sua memória, é essa de Fortaleza?
R – Essa de Fortaleza, com certeza, porque foi a que gente viveu mais tempo. É uma casa simples, até hoje não mudou muito. Sofreu uma reforma a quatro, cinco anos atrás, mais em função de que nós mesmos, filhos, impusemos. Porque aconteceu uma situação lá, um acidente com o papai. Depois de aposentado ele não deixa de mexer nas coisas e um dia resolveu, como tantas outras, subir na casa pra mexer lá na caixa d´água e despencou, caiu de cima. Agora, olha só a benção. Eu credito isso realmente a essa intimidade que a minha mãe sempre teve com Deus e transferiu também pros filhos. Não aconteceu absolutamente nada com o meu pai, nada. Pra não dizer que não aconteceu nada, parte da tampa dessas de eternit da caixa d´água, quando caiu, caiu na cabeça dele, fez um rasgo, mas só. Podia ter causado um traumatismo, ou ele ter quebrado uma perna, meu pai tem 80 anos agora, isso foi há cinco, seis anos, a gente sabe que uma pessoa idosa quando cai, resvala só e cai, quebra uma bacia, uma perna, enfim. Voltando pra casa, ela sofreu uma mudança agora, recente. Mas uma casa bem humilde, bem simples mesmo, com três quartos, cozinha, um único banheiro, a sala de estar, uma areazinha, dessas casas mesmo de conjunto habitacional que são chamadas de geminadas, uma do lado da outra. A nossa era de esquina na Rua 60, número 240, mas aconchegante, é a casa da gente, né? A casa que a gente amava e ainda ama. Quando eu tenho a oportunidade de ir mais sozinho, pra onde eu vou estar pra poder abraçar, beijar, meus pais, meus irmãos, é lá.
P/1 – Você tinha a coisa de brincar na rua? Você falou bastante da brincadeira, dos amigos, das atividades da escola. E lá no bairro? Você tem alguma lembrança?
R – Muuuita lembrança. Principalmente, como eu estava falando pra vocês, porque eu gosto muito de futebol, de bola. Eu tinha um certo talento pro futebol, né (risos). Não era um talento dos Ronaldinhos da vida, mas mais ou menos parecido com o Zico na época, não era não (risos). Mas o Zico era o grande ídolo da gente da época, ainda é uma grande referência no futebol. Eu jogava muita bola, mas não era só de jogar de manhã, de tarde, de noite, não. Eu também tinha um certo talentosinho que era muito disputado pelos times, porque lá tinha timesinhos que se organizavam, faziam torneios. Ainda hoje é assim lá no bairro, José Walter, que a gente joga. E lá tem ainda uma coisa chamada Centro Social Urbano, CSU, que é de antes desse período democrático do Brasil. Foram instalados em vários bairros de Fortaleza e acredito que também em outros lugares no Brasil, aqui parece que também teve na época. Mas lá tinha quase um em cada bairro. Nesse Centro Social Urbano é onde a gente fazia tudo, a gente se dirigia e congregava pra tudo, pra artes, música, esportes. E como eu tinha essa coisa mais voltada pro futebol eu me destaquei bastante, principalmente lá no bairro. E a gente conseguiu formar time inclusive pra jogar intrabairros. E por duas vezes nós fomos campeões de Fortaleza. Eu tenho ainda a medalha em casa, eu sempre prometo trazer pros meninos pra poder mostrar (risos) porque tem dois que também gostam de futebol. Mas foram períodos maravilhosos porque a gente se reunia e, independentemente do dever que a gente tinha de chegar em casa, muitas vezes dar conta, porque lá em casa não tinha mulher, a mulher era a minha mãe. Então, a gente precisava ajudar e sempre se ajudou mutuamente a cuidar da casa. Não roupa e nem comida, e nem lavar prato, ela não queria que a gente fizesse, não, isso não. Mas o resto a gente sempre dava ajuda, ela falava: “Precisa ajudar nisso”, então, a gente ajudava no resto da casa todinha, era passar, varrer, ajudar no quintal com as folhas e tudo. E, independente desse dever que a gente tinha, e o dever inclusive da aula que ela tava sempre atenta ali, depois disso a gente ia se divertir, a gente ia pro lazer, pra jogar bola, e jogava aquelas bolinhas de travinha. Não sei se você sabe umas travinhas pequenininhas que tinha, a gente se reunia e ia jogar de travinha. Quando não era travinha era uma coisa mais organizada, mais séria, que eram os campeonatos ou torneios que tinham, e também no CSU foi quando realmente, a gente passou a se organizar muito mais, inclusive até eu chegar a participar de um time de futebol mesmo, de Fortaleza. Eu integrei a escolinha de um dos clubes, é o terceiro clube do Ceará, o Ferroviário Atlético Clube. Foi o período que chegou a outra fase da minha vida que é a partir de agora, do porquê eu estar aqui, aos meus 17 anos. Se bem que antes, nessa fase, tem uma parte muito importante da minha vida que foi ter tido o privilégio de integrar o que se chama hoje, salvo engano, Ifes, Instituto Federal de Educação. Eu estudei na Escola Técnica Federal do Ceará. E a Escola Técnica era outra grande referência pra quem queria alguma coisa de estudo, principalmente quem não tinha condições de estudar em uma escola particular e tudo. Se bem que eu lembro que eu acabei por estudar em uma escola particular, interessante essa história. No ano de 1981, quando eu estava terminando a oitava série, eu prestei um concurso, no início de 81, para o curso, que era o curso da própria Escola Técnica Federal. A Escola Técnica Federal tinha um curso que preparava os alunos pra poderem prestar o teste de seleção da escola. Mas tinha também um concurso pra entrar. Eu fiz o concurso, passei, porque a escola do Geni Gomes dava uma base muito grande pra gente, é uma escola muito boa. Meu irmão tinha razão, ele era sempre visionário, sempre estava ali na frente, o João Maia Guedes, o Joãozinho que a gente chama. E aí, eu passei e nesse curso, como era da própria escola, se você atingisse um perfil do curso durante o ano, ao final do ano você não precisava nem fazer o teste seletivo, já tinham vagas garantidas pra você. E eu fui um dos contemplados e nem precisei fazer o concurso para entrar na Escola Técnica Federal, já entrei pelo próprio curso. Mas no final do curso surgiu um concurso para uma escola que tem lá, uma escola particular chamada Lourenço Filho, é uma das grandes escolas que tem lá em Fortaleza, ao lado do Farias Brito, do Cristo, Sete de Setembro e tantas outras que tem lá de destaque. E eu passei, tirei a primeira colocação nesse concurso e ganhei uma bolsa integral pra poder estudar lá nessa escola, e fui estudar. Aí, estudava de manhã nessa escola particular e estudava à tarde na Escola Técnica Federal do Ceará. Só que eu e o meu irmão mais velho tivemos que ceder à pressão da minha mãe (risos).
P/1 – Por quê?
R – Na verdade, como o bairro é distante, periférico, aquela coisa toda, eu não tinha onde fazer refeição. Então, eu saía do Lourenço Filho e ia direto pra outra escola sem almoçar. Ficou um tanto difícil, eu até aguentaria, daria um jeito, porque naquela época, graças a Deus já tinha o que hoje se tem, e que a gente tem que preservar muito, que se chama de merenda escolar. A escola federal, naquela época, passou a ter também a merenda escolar, e era nutritiva. A escola particular não tinha, mas a outra tinha. Merenda boa, graças a Deus. E durante muito tempo, mesmo no Geni Gomes, nas dificuldades que a gente tinha, era sempre muito bom ter merenda na escola (risos), muito bom! Porque realmente complementava. Ainda hoje eu acredito que pras famílias que não tem condições de dar o dinheiro pra refeição, essa coisa toda, a merenda escolar ainda é esse complemento, eu não tenho dúvida disso, não. E durante a minha vida foi muito assim.
P/1 – Seus irmãos também estudavam bastante assim? Seu irmão mais velho também ficava?
R – Olha só, o meu irmão mais velho abdicou de tudo, da vida, dos sonhos, de tudo, pra poder cuidar da gente. Eu acho que isso é uma coisa que eu tenho uma devoção, um respeito, a esse irmão. Ele vai fazer 60 anos em janeiro agora. Então, ele era com todos eles. Agora, de todos, na época eu fui o que mais deslanchou nessa questão do estudo. Depois o Márcio, somos os únicos que temos curso superior, infelizmente os outros não quiseram. A minha irmã casou muito cedo, aos 19 anos, e foi constituir família, três filhos, maravilhosos, lindos, e só agora, a Francineide, que mora em Goiânia, junto com Ranieri. A Francineide foi que, aos 50 e poucos anos de idade, voltou a estudar, fez cursos na área de saúde. Interessante. Prestou quatro concursos públicos e passou em todos! Eu fiquei maravilhado com isso, depois de 50 e tantos anos, voltar a estudar, maravilhoso! Ela passou recentemente em um, ela queria ficar com duas cargas horárias no estado, ela tinha no município e no estado, queria ficar no estado, apareceu outro concurso e ela fez. Então, se quisesse, o pessoal lá de casa tinha esse oportunidade de estar estudando. Mas o meu irmão tinha um cuidado especial com tudo, não era só com estudo, não. Eu me lembro, por exemplo, que foi ele. Eu não tenho vergonha de dizer isso não, se hoje eu tenho dentição, é porque ele um dia se preocupou em me levar ao dentista. Porque meus pais mais idosos, mas ele não, ele era aquele que se preocupava realmente com todos os detalhes. Não só eu, mas também os outros irmãos, principalmente os mais novos, eu, o Márcio e o Raniei. Já o Francini, que é mais velho do que eu, logo em seguida casou, tomou seu rumo, mas esses três ele deu atenção particular porque ficaram em casa, então, ele se sentia muito no dever de...
PAUSA NA ENTREVISTA
R – Mas nós nos quedamos a isso porque era, “não tem condições, você não vai ficar dessa forma, sem almoçar”. Eu tive que fazer uma opção e, como o curso técnico era profissionalizante e eu iria sair com uma profissão da escola técnica, eu não tive dúvidas em optar pela escola técnica. Sabendo que ambas tinham o mesmo nível, a escola técnica um pouco mais, e isso a gente sabe tanto quanto a escola técnica federal foi e é mudança na vida de muitos jovens. Se tem uma coisa que a gente tem que tirar o chapéu e bater palma pro Governo Federal, pra pessoa do presidente Lula é isso, essa questão da Educação, das próprias universidades e das escolas técnicas federais, que pulverizou-se no Brasil inteiro, hoje o Ceará tem várias. Até o ano passado tinha uma única escola no estado inteiro, hoje aqui no Acre tem quatro. Eu acho que isso vai fazer diferença, porque fez na minha vida, e vai ser divisor de água na vida de muitas pessoas, com certeza.
P/1 – E como é que você resolveu o curso que hoje você é um profissional dessa área?
R – Pois então, deixa eu te explicar essa história, né? (risos). Aos 15 anos eu fui pra escola técnica e fiquei até os 17. Num desses momentos, interessante que eu jogava bola e tava já na escolinha do Ferroviária, como eu disse pra vocês, me apareceu um colega, que também tava junto comigo e disse assim: “Olha Maia, eu tenho aqui um prospecto da Escola de Especialistas da Aeronáutica, EEAR” “Mas o que é isso? Me explica melhor” “Isso aqui é uma escola militar, você presta o concurso, faz uma formação durante dois anos lá, sai formado e com emprego garantido em qualquer lugar do Brasil”. Peguei aquilo lá, achei assim... Meu Deus como as coisas mudam na vida da pessoa por causa de um momento, né? (risos). Resolvi fazer a inscrição, fiz, prestei o concurso, acabei recebendo um telefonema da Aeronáutica dizendo que eu tinha passado, e de repente eu tinha que decidir, aos 17 anos de idade, em 1983, se iria ou se não iria morar em São Paulo, nesse colégio interno, na escola de especialistas da aeronáutica. Eu fui. Fui, acabei decidindo com muito choro de todo mundo, da mãe principalmente, mas acabei indo. Deixei inclusive a escola técnica no terceiro ano e fui pra lá continuar o estudo, graças a Deus na mesma área que eu estava na escola técnica. Na escola técnica eu fazia Telecomunicações e lá eu fui fazer Eletrônica pra dar manutenção nos equipamentos de vôo. Todos os equipamentos de voo, aeronave também, principalmente de equipamentos de vôos nos aeroportos, foi de onde eu saí pra poder dar. Por exemplo, tem equipamentos que dão com precisão a chegada do avião aqui, a direção certa que ele tem que tomar. Às vezes, alguns aviões perdidos têm equipamentos próprios para achar. Então, tudo isso nós nos especializamos. Eu passei dois anos na Escola de Especialistas da Aeronáutica em Guaratinguetá. Aí, o motivo de estar aqui, isto é uma história interessante (risos). Primeiro, interessante num jogo de futebol, um amigo me dá um prospecto, decidi fazer um concurso e ir. E depois, o como eu estou aqui. Em 1985, quando terminava o meu curso, a direção da escola, depois de mais de 40 e tantos anos de escola e administração, chegou pros alunos daquela turma específica, a centésima octogésima quarta turma formada desde a sua existência, pra dizer o seguinte: “Não esse ano, mas nessa turma, nós resolvemos mudar o critério de ida dos alunos para o seu local de destino”. Quando a gente saía de lá, a gente ia para algum lugar do Brasil, qualquer lugar, já tinha lugar certo pra você trabalhar, já começava a trabalhar, receber, você era um empregado da Aeronáutica, do Governo Federal. E aí, eles disseram assim: “Vai ser da seguinte forma, vocês escolhem três lugares para irem, e não se preocupem que um desses três lugares vocês vão”. Ora, não pensei duas vezes: Primeiro lugar Fortaleza, depois Natal, que é bem mais próxima, e depois Recife. A felicidade, liga lá pra casa: “Olha, tá tudo bem, vou voltar pra casa”. Porque antes qual era o critério? Era do grau, então, dentre as várias localidades que tinha, que eram apresentadas, colocadas no quadro, tem lugar pra vocês irem no Brasil, esses são os lugares, e colocavam vários lugares. Aí, o primeiro da turma ia lá e escolhia, “eu quero ir pra lá”, o segundo escolhia, até sobrar a última pro último colocado. Eles mudaram esse critério e a gente ficou na expectativa. E na última semana, normalmente na terça-feira da última semana, você já recebia o resultado de pra onde você iria. E nada. Passou segunda, terça, quarta, na quinta à tarde, a formatura era na segunda de manhã, na quinta à tarde eles distribuíram uma relação pras várias turmas e aí foram anunciar o lugar pra onde cada um iria. E quando chegou o meu nome, eles gritaram o meu nome e disseram o local: SRPV-MN, DPVRB. “Meu Deus o que é isso? SRPV-MN, DPVRB” (risos). Aí, eu fui saber do que se tratava, era Serviço Regional de Proteção ao Vôo de Manaus, sede em Manaus, ainda hoje a sede é em Manaus, DPVRB, Destacamento de Proteção do Vôo de Rio Branco. Aí, Rio Branco? Interessante que até aquele momento, mesmo meu pai tendo vivido parte da vida dele aqui, eu não conhecia nada do Acre a não ser que Rio Branco era a capital, que existia um hotel chamado Chuí aqui, porque eu tinha um tio aqui, João Maia, que é de Sena Madureira, que ia de vez em quando pra Fortaleza e eu lembro dele ter levado um panfleto do Hotel Chuí, que nem existe mais. E também de um pouco da história do Acre que quase todos nós estudamos, da questão do tratado do Barão de Rio Branco, aquela coisa toda, mas era só. E aí eu fiquei: “Meu Deus do céu, Rio Branco, Acre”. Aí, meu pai e minha mãe já estavam lá pra formatura, e eu fui falar pra eles: “Olha pai, mãe, aquilo que eles disseram não aconteceu. Está aqui dizendo que eu vou pra Rio Branco no Acre, e eu to assim meio atônito”. E foi onde veio mais uma vez a presença de Deus na minha vida, eu vejo. Ele disse: “Não, meu filho. Rio Branco é bom, Rio Branco é maravilhoso, você não sabe que nós moramos lá?”. Aí, meus pais foram me contar a história da vida deles aqui que eu não conhecia, porque eles não eram muito de conversar sobre história. Aí, fui descobrindo que a minha mãe matava jacaré lá no lago pra se proteger, ficava sempre à espreita da onça que vinha no seringal, que meu pai saía tantas horas da madrugada pra poder cortar a seringueira. Enfim, a vida deles aqui. Eles foram falar: “Lá tem seus tios”, foram dizer os tios que tinham lá, porque eu sabia que tinha uma tia mais que eu não sabia. Enfim, eu vim bater aqui no Acre em 1986. Aí, eu fiquei muito contente. Primeiro eu fui pra Manaus, mas Manaus não era nada daquilo que eu imaginava, um lugar muito quente e não tinha aquela coisa acolhedora, né, e eu não via a hora de chegar em Rio Branco. Quando eu cheguei aqui em Rio Branco, meu Deus, que coisa parecida com o Ceará. Porque aqui 80 por cento daqueles que vieram pra cá, do Nordeste, são cearenses, a história conta isso. E o costume, o jeito de falar, a maneira acolhedora, quando eu cheguei aqui, como eu me senti tão próximo de casa. E sabendo que tinha parentes aqui, tudo, tinha primos, tios, me senti em casa novamente, embora a cinco mil e seiscentos quilômetros de distância, mas tava em casa e podia entender realmente aquilo que meu pai e minha mãe tinham me explicado.
P/1 – E não ficaram tão tristes?
R – Não, não ficaram tão tristes (risos).
P/1 – Você nunca soube por que não foi pra Fortaleza?
R – Nunca. Ahhhh, só uma curiosidade! Logo em seguida, é muito interessante isso na minha vida. O que aconteceu? A minha turma era a 184, na outra turma, a 185, eles voltaram ao mesmo critério anterior talvez porque viram que causou uma confusão muito grande, eu só sei que era pra eu ter vindo pra cá mesmo, né? E aí, como foi que eu entrei nessa área do Direito? Interessante. Eu sempre, toda vida, tive muita facilidade com a área de exatas, Física, Matemática, aquela coisa toda. E o que eu queria mesmo era fazer Engenharia Eletrônica porque eu já tinha de Telecomunicações, então, quero fazer Eletrônica. E quando eu cheguei aqui não tinha, o único curso da área de Exatas que tinha era Matemática. E chegamos aqui, eu e um outro amigo, Wagner Rangel Mariano, hoje ele está aposentado. Gente, de lá pra cá já se passaram 26 anos! O meu amigo que veio comigo, se formou comigo, já está aposentado (risos)! E viemos juntos. E quando chegamos aqui, ele também da mesma área, foi meu colega de turma lá na Escola de Especialistas da Aeronáutica, a gente foi se inscrever pro vestibular e nós combinamos assim, “vamos fazer Matemática, não tem outra coisa mesmo, e a gente faz Matemática porque é uma base muito boa pra eletrônica. Depois a gente só completa as cadeiras quando voltar pra Fortaleza, pra Natal, Recife”. E a gente ia passar aqui cinco anos no máximo, depois vinham outros colegas e a gente teria o direito de voltar. Bom, e aí, na hora de fazer a inscrição no vestibular, fomos lá. Eu fui em um canto, ele foi em outro, depois que fizemos a inscrição, voltamos pra conversar um com o outro. “E aí? Fez Matemática, né?”, e eu disse: “Não, não fiz Matemática, eu botei Direito. E você, botou Matemática?” “Não, não botei Matemática. Eu botei Economia” (risos). Ele foi fazer Economia e eu fui fazer Direito (risos).
P/1 – Mas o que te deu na hora?
R – Não sei.
P/1 – O que você pensou?
R – Sinceramente eu não sei, não sei por quê. Só sei que depois eu fui entender o porquê, mas não imaginava nunca porque eu estava colocando Direito e ele Economia. Interessante assim, a gente se deu muito bem no vestibular, ele foi o primeiro lugar em Economia e eu fui o primeiro lugar em Direito. Pois é, achei muito bacana.
P/1 – Você estudava muito, Maia?
R – Eu era estudioso, não posso dizer que não era estudioso, não. Gostava muito de jogar bola e tudo, mas eu sempre fui estudioso. E ele também, esse meu amigo, Wagner Rangel Mariano. Eu tenho uma admiração muito grande porque é uma pessoa de Deus, e depois da minha mãe foi uma pessoa que muito me conduziu por esses caminhos da religiosidade, nós somos católicos. Na época conhecemos juntos o movimento de renovação da igreja que era o Movimento de Renovação Carismática Católica, e até hoje a gente trilha os mesmos caminhos.
P/1 – Vocês ainda fazem parte desse movimento?
R – Fazemos parte ainda desse movimento.
P/1 – E a sua esposa, quando é que entrou na história?
R – Entãooo, olha só. Em 1989 eu prestei concurso pra Justiça Eleitoral, passei, mas aí, naquela coisa de “não, eu vou embora pra casa”, não fui pra Justiça Eleitoral. Depois, em 1991 prestei concurso pra Justiça Federal, mas com pedido pra retornar pra alguma lugar, ou pra Natal ou pra Recife, ou pra Fortaleza. Pra Fortaleza então, todo mundo queria voltar pra Fortaleza. Aí, saiu o resultado da Justiça Federal, passei. E o que eu faço? Vou embora ou não? Saio ou não? Disse, “vou sair, é tudo Federal, depois eu volto pra Fortaleza de novo” (risos). Deixei a Força Aérea depois de nove anos.
P/1 – Já formado advogado?
R – Já formado, exatamente.
P/1 – Já tinha feito o exame da Ordem?
R – Não, não tinha. Porque estava recém-formado, foi logo depois que eu me formei. Eu me formei em julho de 1992, em novembro de 92 foi quando eu fui pra Justiça Federal, bem recente mesmo. Logo depois eu peguei a Ordem, mas não podia mais advogar porque era servidor público, e servidor público não pode advogar. Mas mesmo assim tinha a carteira. Eu fiquei pensando, acabei indo: “Não, vou pra casa depois eu volto porque é Federal, não tem nenhum problema, Fortaleza, Recife, Natal, onde for eu vou estar de volta”. Bom, logo em seguida, em 93, surgiu um concurso pra Justiça do Trabalho.
P/1 – Mas só voltando um pouquinho, você disse ‘eu fui’, mas foi pra onde?
R – Justiça Federal.
P/1 – Mas aqui no Acre?
R – Aqui no Acre. O interessante é o seguinte, assim que eu mudei, saiu a minha transferência na Força Aérea, e o pessoal querendo saber onde eu tava. “Onde é que está o Francisco José Maia Guedes? O Sargento Maia” (risos). “Porque saiu a transferência dele pra Natal”. Aí, o pessoal disse, “ele não está mais não, ele deu baixa, tem dois, três meses que ele deu baixa e não está mais na Força Aérea, não”. Interessante, depois eu recebi essa notícia que tinha sido transferido (risos). Aí, surgiu então esse concurso da Justiça do Trabalho, prestei esse concurso, passei e fiquei naquele dilema de novo: “Vou pra Justiça do Trabalho?”. Mas é Federal também, não tem problema, vou pra essa, depois eu transfiro pra outra região, a gente consegue. Aí, tudo bem, ainda era solteiro. Foi onde eu conheci a minha esposa em 94.
P/1 – Aqui?
R – Aqui. A Cláudia Isabel Carvalho da Mota, que acrescentou Guedes e ficou com cinco nomes, bem grande (risos). Não quis tirar o nome do pai porque o pai é falecido, faleceu quando ela tinha tenra idade, e ela tem isso no coração, essa imagem do pai ainda. Bom, mas eu estava na Justiça do Trabalho e se quisesse talvez ainda poderia ir, né? Aí, surgiu um outro concurso, que foi o concurso para a Procuradoria do Município e eu resolvi fazer e passei. E fiquei em um dilema, agora, se eu for, eu não saio mais daqui (risos). Quer dizer, eu já não saía mais daqui porque eu já tinha uma esposa acreana, mas de repente, se ela topasse, a gente ia para um outro lugar. Mas se fosse para o município de Rio Branco, como procurador do município, aí não tinha mais jeito, não sairia mais. Eu fui, e fui advogar por três anos, foi uma das melhores experiências da minha vida, advoguei. Justamente tenho o prazer de ter feito isso na gestão do antigo governador do estado, o Jorge Viana, foi a segunda eleição que ele concorreu e ganhou para o município de Rio Branco. E foi a melhor gestão feita aqui na cidade de Rio Branco até então. E eu tive a satisfação e a honra de participar desse momento de mudança daqui da cidade como procurador do município.
P/1 – O que é o Procurador de um Município? O que você fazia?
R – O Procurador do Município é o advogado do município, ele advoga para o município. Todas as causas em que o município é parte ativa ou parte passiva, aquelas demandas que são contra o município, a gente atua pra defender o município. Todas elas, em todas as áreas, principalmente na parte administrativa que é onde o município tem o volume de trabalho maior, então a gente se especializava muito nessa área administrativa. E foi muito, mas muito, muito bom. Foram momentos de muita dificuldade porque o município começava uma nova fase, é um divisor de águas, verdadeiramente, a gestão de Jorge Viana pra cá. Uma mudança completa em tudo, não só do município, mas do Estado como um todo. Foi quando em 1997 surgiu essa oportunidade pra prestar concurso para o Ministério Público, eu prestei, passei e vim pra cá, pro Ministério Público e estou desde 98, cinco de fevereiro de 98 aqui no Ministério Público, portanto, há doze anos. Agora, o interessante é essa minha vinda pra Infância e Juventude, como foi que se deu essa vinda. Quando eu era acadêmico, ainda, eu me lembro como se fosse hoje. Ainda era da Força Aérea, trabalhava no aeroporto antigo que tem aqui, agora é a área onde fica a Arena da Floresta, o estádio, um local bem aprazível para o povo quando tem alguma atividade cultural, artística, religiosa, se dirige pra lá. Mas antes era o aeroporto. E eu me lembro que em 1990 ou 1991, tinha sido aprovado recentemente o Estatudo da Criança e do Adolescente, e saiu um exemplar, eu me lembro como se fosse hoje, chamado Brasil Urgente. E eu estava no aeroporto nesse dia quando descia do aeroporto uma pessoa que hoje é ícone nessa área da defesa de Infância e Juventude aqui, que é uma senhora chamada Georgete Nemetala. E ela vinha com um monte de livros e eu acadêmico, eu vi, Estatudo da Criança e Adolescente, e a gente tinha acompanhado um pouco pela televisão, pela mídia, aquela coisa toda, e eu olhei assim pra ela e disse assim: “Olha, a senhora me daria um exemplar desses?” (risos). E ela disse: “Ah, com muito prazer”, até fez uma dedicatória e me entregou. Foi a primeira vez que eu tive contato, vamos dizer assim, com o que dizia respeito à criança e adolescente.
P/1 – O que te despertou essa curiosidade de pedir esse material pra ela? Se até então você...
R – Pois é, eu não sei. Não sei explicar também o porquê. Só sei que eu cheguei, não sei se porque eu era acadêmico, e como acadêmico a gente tem sede mesmo de estudar, aquela coisa toda, ou se já era realmente um prenúncio de que um dia eu seria um prometor de justiça da área de infância e juventude (risos). Mas o fato é que fui, recebi esse exemplar e, puxa vida, maravilhoso, com tanta coisa rica. Não tinha só a lei, mas tudo, como é que foi feito pra chegar até a lei, toda uma mobilização social pra que tivesse um estatuto, uma mudança de mentalidade em relação ao tratamento com crianças e adolescentes. Naquela época eu já criei um gosto por isso.
P/1 – Maia, na prefeitura, como procurador, você disse que ficou três anos. Mas nessa época você não tinha uma relação com essa área da criança e adolescente?
R – Eu acho que a senhora quer que eu conte as coisas que são interessantes da minha vida que eu não consigo explicar também (risos).
P/1 – Não tinha, né?
R – Olha, acabei tendo, e vou dizer como, uma coisa interessante também. Engraçado que antes, nesse momento que eu recebi esse livro e estava próximo a minha formatura, eu tinha uma amiga que trabalhava na prefeitura. E estava se instalando os conselhos, o Conselho Tutelar daqui e o Conselho de Direitos, que são dois conselhos. E ela me chamou porque ela fazia parte de uma comissão pra poder estudar sobre a situação de remuneração dos conselheiros de Direito e dos conselheiros Tutelares. E foi onde eu tive o primeiro contato dentro do município, ainda na Força Aérea com a matéria em si e fui estudar do porquê do Conselho Tutelar ter de ser remunerado e o Conselheiro de Direito não tinha e fui estabelecer um parecer pra poder passar pra essa minha amiga pra que pudesse ser estabelecido quem seria e quem não seria remunerado nesses conselhos. Foi o primeiro momento que eu tive, inclusive com um dos grandes juristas, uma das grandes pessoas daqui de Rio Branco que se chama doutor Jorge Araquém, que naquela época produzia também, junto com vários juristas do Brasil um livro que até hoje é referência, anualmente atualizado, um jurista nosso, meu professor da universidade, fazia parte, junto com tantos outros do Brasil pra fazer o livro. E nesse momento eu pude procurá-lo pra pedir orientações sobre essa situação porque ele estava muito mais por dentro de tudo isso e foi um momento muito bacana, muito vivo na minha vida. Aí, quando eu fui pra Prefeitura em 1995, logo em seguida a minha chefe, doutora Isaura Maia, hoje desembargadora do Tribunal de Justiça, presidente do Tribunal, foi minha professora, e foi minha chefe, procuradora chefe do município. Ela chega pra mim e diz assim: “Maia, tem uma vaga que é pra Pro Juri no Conselho Municipal de Criança e Adolescente, e eu to querendo indicar o seu nome pra poder ser integrante desse Conselho” (risos). Olha só que coisa! E aí, no município eu pude ter um contato e saber o que era aquele conselho, já sabia um pouco, mas me aprofundar no que fazia, quais eram as atribuições. E foi pra valer o meu primeiro contato na área da infância e juventude, já no município de Rio Branco, como procurador jurídico. E aí, três anos se passaram, eu fiz concurso para o Ministério Público, e quando a gente passa no Ministério Público, a primeira providência do membro é ir para o interior, e eu fui para o interior, pra cidade de Cruzeiro do Sul, que é a segunda cidade de Rio Branco.
P/1 – E era do Estado, não era um concurso federal?
R – Não, era do Estado. Eu já tava enraizado, não tinha mais como voltar, não (risos).
P/1 – Já tinha os filhos?
R – Não, não tinha ainda.
P/1 – Quantos filhos você tem?
R- Hoje eu tenho quatro filhos. Eu casei em 1994, eu fui ter o primeiro filho em 98. Então, durante todo o período da prefeitura eu ainda não tinha filho. E fui ter o primeiro justamento no primeiro ano no Ministério Público, em 1998, a minha filha nasceu no dia 15 de abril, eu já estava em Cruzeiro do Sul. E passei todo esse ano de 98 e o início de 99 em Cruzeiro do Sul, me defrontando com uma realidade crua das nossas crianças e adolescentes. Foi onde eu, como promotor de Justiça da área cível, porque tinham dois promotores, um da área criminal e outro da cível. Ah, outra coisa, poderia ter sido designado pra área criminal e foi designado pra área cível, pra poder trabalhar também com essa área da infância (risos). Porque Promotor de Justiça da área cível dá conta de toda essa demanda da área cível e, em particular, da área da Infância e Juventude. E eu comecei a ter contato mesmo com as mazelas, as dificuldades dessa área de infância e juventude. Passei dois anos lá fazendo um trabalho mais genérico, porque tinha tudo, não era só infância e juventude, mas era Meio Ambiente, Consumidor, tudo quanto fosse da área cível que aqui em Rio Branco tem especialistas em vários campos, são vários promotores, cada um com sua especialidade, lá no interior, ainda é assim, é com um único Promotor de Justiça. Às vezes uma única comarca também a parte criminal, tudo, não só a área cível, mas a área criminal, aquelas comarcas que tem um promotor só, e ainda temos comarcas assim. Bom, mas o fato é que em 1999 eu retornei pra cá. Não foram chamados todos do mesmo concurso, e como eu fui o segundo colocado eu fui logo na primeira leva, eles chamaram 15, os cinco primeiros foram chamados e eu fui na primeira leva. E na primeira leva a gente foi pro interior. Quando foi no início de 99, eles chamaram os outros, aí esses outros que foram chamados tinham que ir pro interior (risos), então, a gente já pode voltar pra capital, e eu voltei. Quando eu cheguei aqui, outra coisa muito interessante. Eu não pensava em vir pra cá, pra esse lugar onde eu estou. Era uma outra sala que tem mais adiante, mas não imaginava, não. Vim aqui pra trabalhar onde tenha necessidade. Só que a minha então chefe, a doutora Vanda Denir, que era procuradora geral na época, ela chegou pra mim: “Maia, olha, eu estive vendo o trabalho aqui com a infância e juventude, cresceu muito, a demanda tá muito grande e a doutora Kátia Rejane, que era a então titular daqui, não está mais dando conta de todo o trabalho. Então, eu pensei em você pra poder, como promotor substituto, ajudá-la lá na área da infância e juventude.” Ora, eu não pensei duas vezes (risos) e recebi aquilo de muito bom grado e desde abrl de 99 eu estou aqui na promotoria da infância e juventude. Então, foi criada a segunda promotoria da infância e juventude e eu me titularizei. E estou aqui desde 1999.
P/1 – Maia, como é esse trabalho? Você trabalha com crianças e jovens em situação de risco social ou não só, como é que é isso? Como vocês definem?
R – Hoje já houve uma mudança, uma divisão da própria área, inclusive. Nós somos especialistas na área da Infância e Juventude e dentro da área da juventude já conseguimos fazer uma fração pra que a gente possa se especializar mais ainda. Então, na área de infância e juventude tem a parte penal juvenil e tem a parte cível.
P/1 – E o que é que cabe na parte cível?
R – Antes eu e Kátia éramos de tudo, tanto da parte cível, como da parte penal juvenil. Com o passar do tempo houve a necessidade de ter mais um promotor de justiça da Infância e Juventude, foi onde houve essa divisão e especialização, a doutora Kátia ficou com a parte cível extra-judicial e eu e doutor Almir, que é o meu outro colega, ficamos com a parte penal juvenil e cível dos processos existentes no juizado. Aquilo que fosse nascer de cível e extra-judicial ficava com a doutora Kátia Rejane. Então, o que é isso? A parte cível trata tanto de matérias pontuais como guarda, tutela, adoção, destituição, suspensão e destituição do poder de família, como também aquilo que é afeto mais coletivamente a parte de infância e juventude. Vamos dar um exemplo: a cidade de Rio Branco tem crianças que não estão na escola. Por que essas crianças não estão na escola? A obrigação do Ministério Público é saber por que essas crianças não estão na escola, e de uma maneira coletiva, fazer com que elas tenham acesso à escola. E quem ficou com essa parte foi a doutora Kátia Rejane. Inclusive ela foi promovida agora a Procuradora e vai nos deixar agora dia dez. Graças a Deus foi promovida e está indo pro segundo grau da ___, vamos dizer assim. E aí, nós ficamos com a parte penal juvenil, eu e doutor Almir, é uma parte ainda muito grande. Nós temos uma pauta extra-judicial, diariamente nós temos a obrigação legal de recebermos os adolescentes que entraram em conflito com a lei, que cometeram infração penal e atendê-los, ver do que se trata e tomar uma providência em relação a eles. Algumas situações são de gravidade, você tem que impugnar pela aplicação de uma medida mais dura, mais contundente que é a de privação de liberdade. Outras, você pode ordenar com medidas alternativas, no aberto, de prestação de serviços à comunidade, com acompanhamento através de liberdade assistida, e assim por diante.
P/1 – Frente a tudo isso que você falou, você e mais uma pessoa acabam decidindo qual vai ser a orientação desse adolescente. Como que o Estado, no caso, o governo do Estado do Acre, que peso tem nessa orientação. Se você pudesse contar desde que você entrou. Primeiro, o quanto que você decide e o quanto é uma orientação do Estado e como essas coisas se relacionam. Se você puder até contar um pouco pela tua história desde que você começou nessa parte até os dias de hoje, o que mudou, se não mudou. Tudo isso junto (risos).
R – Muito bacana, muito importante essa pergunta. Olha só, o Estatuto da Criança e Adolescente, em que pese ele ter hoje 20 anos de existência, fez agora dia 13 de julho, mas entrou em vigor no dia 12 de outubro de 1990, no Dia das Crianças, ele teve uma chamada vacatio legis de 60 dias pra poder entrar em vigor. Ele é uma proposta linda, bela, de impacto social, é uma proposta de vida social, essa que é uma grande verdade, é muito belo, é muito lindo. Mas ele é o instrumento normativo de mudança que caiu em um contraste muito grande com o contexto da realidade. Então, é um instrumento de mudança da realidade. É um instrumento de desafio muito grande pra todos nós integrantes da sociedade, do poder público, das instituições, pra que nós aproximemos a realidade daquilo que o estatuto deseja pra essa sociedade, não é? E eu costumo dizer que nós, os operadores do Direito, temos a nossa importância, mas somos talvez coadjuvantes nesse processo, porque a nossa função está muito sistematizada, está muito ali na própria lei do que a gente tem que fazer, de sermos julgadores daquelas situações e ao final estabelecermos uma determinação do que se faz. Mas quem verdadeiramente tem que fazer, e nós também nos incluímos nesse meio, é justamente a sociedade e o Poder Público, eles que são devedores das ofertas que são necessárias estarem postas diante das demandas existentes na área da infância e juventude. Então, por exemplo, se nós temos adolescentes infratores, que precisam ter a conduta reordenada com uma medida específica do Estatuto da Criança e Adolescente, nós operadores de Direito, o delegado, o defensor, o promotor, o juiz, temos o papel de dizer assim: “Essa vai ser a medida”, é importante isso, mas muito mais importante é quem faz essa medida, é quem executa essa medida, é quem vai na vida do adolescente mesmo, no dia a dia dele, após a aplicação da medida, influenciar de forma positiva, através de ações psicopedagógicas pra que esse adolescente faça uma reviravolta na vida dele. Ou seja, dê a volta por cima, vire a página da sua vida infracional, por assim dizer. Então, quem é importante mesmo é quem executa. E quem é que executa isso? É o poder público, o poder executivo e a sociedade. Lógico que não se esquecendo das diversas parcerias que pode estar realizando, com qualquer instituição, com a iniciativa privada, seja com quem for, pra poder conseguir aquele objetivo. Qual é o objetivo do Estatuto da Criança e Adolescente? É verdadeiramente garantir que as crianças e adolescentes possam gozar de todos os direitos inerentes à pessoa humana, primeiro à vida, a vida é o maior bem que a gente tem. Depois, a liberdade, mas à saúde, à educação, a convivência familiar e comunitária. Quantas crianças ainda estão institucionalizadas em abrigos, que não tem uma família, um pai, que não puderam ter carinho de pai e de mãe, ou saber o que é uma família, o que são irmãos, e gozar verdadeiramente disso. Isso é um direito que ainda está sendo tirado de muitas crianças e adolescentes, a realidade ainda é assim. Então, o papel de quem executa é muito mais relevante porque é quem vai fazer mudar verdadeiramente os rumos da vida de uma criança ou de um adolescente da qual, ou dos quais, foram negados os direitos mais básicos. E nesse particular, aí você me pergunta assim, “como é essa experiência aqui?”.
P/1 – Isso, e se você puder, como você já mora aqui há tantos anos, já é do Acre, né (risos), como é que você vê, primeiro, isso que você acabou de falar, aqui no Acre, em relação às crianças em geral que estão em risco social. Você consegue ver alguma mudança, como era e como é, e depois aquelas que praticam ato infracional?
R – Com certeza, nós não podemos de forma nenhuma. Em vários momentos temos feito as chamadas conferências. Conferências são pra conferir, o nome já diz, vamos conferir aqui como é que estava antes, como é que está agora. As conferências são pra se fazer isso. E durante muito tempo nós fomos muito severos nessas conferências porque a gente achava que a coisa não andava, não mudava, aquela coisa toda. E realmente ainda é, logo fazendo um adiantado, ainda é muito lento esse processo de mudança. Ora, nós vivemos em um país que tem apenas 22 anos de democracia, o que é isso, democracia? E em um país que durante muito tempo, em períodos alternados, se viu período ditatoriais em que a gente não podia falar, se expressar, não existiam instâncias democráticas pra que a gente pudesse buscar direitos. Direito quem determinava era o todo poderoso Estado e acabou, você fica quieto no seu lugar. Então, o processo de mudança é muito lento por causa disso mesmo, nós não fomos acostumados a buscar direitos, a gente ficou sempre muito passivo.
P/1 – Como é que você vê isso aqui no Acre, Maia, essa evolução, ou não evoluiu? Desde que você começou a atuar nessa área até os dias de hoje.
R – Eu estava dizendo pra você que a gente era muito severo nessas avaliações. E hoje a gente vê que houve sim, muitas mudanças aqui no Estado em relação ao que diz respeito à área de infância e juventude. A partir do momento em que nós passamos a entender o que é o Estatuto da Criança e Adolescente, o que ele quer da gente. O que o Estatuto da Criança e Adolescente traz pra gente como modelo de autoafirmação, das instâncias que tem, do sistema de garantia, das redes de proteção que precisam se formar, das formações que precisam ser dadas a quem está nesses devidos lugares, como Conselho Tutelar, como Conselho de Direitos, o que tem que fazer, o que não tem que fazer. Então, a partir do momento em que a gente passou a construir isso, e isso eu poderia dizer que quando eu cheguei aqui no Juizado de Infância e Juventude. E antes de responder a sua pergunta propriamente dita, eu gostaria de fazer um destaque aqui em especial, uma pessoa que todos nós, se tu ouvires falar, talvez esteja ouvindo pela primeira vez agora, mas se tu perguntares quem foi, tu vai dizer o seguinte, é a grande figura do processo de mudança da infância e juventude no Acre, em particular em Rio Branco, se chama Maria Tapajós Sant’ana Areal, juíza desse juizado até há bem pouco tempo, ela faleceu em 2008. A gente tem uma saudade muito grande porque foi uma mulher que entregou a vida à luta pela infância e juventude. Quando eu cheguei aqui ela estava nesse auge, e eu aprendi muito com ela. E eu pude ver a realidade como ela estava e a luta que se tinha pra realmente mudar. Mas nós não encontrávamos eco nessa luta. Ela encontrava sim, eco, pela força e brilho que tinha, que era uma coisa muito natural dela, em tantas outras pessoas que se juntaram nesse processo. Mas particularmente do Poder Público, a gente não encontrava muito eco, não encontrava. Principalmente no que tange à questão, porque as medidas de internação de privação de liberdade, elas eram muito aparentes, era aquilo que a gente tinha pra mostrar: “Não está nada de acordo com o que o Estatuto estabelece”. Então, nós tinhamos adolescentes verdadeiramente colocados como que em depósito, essa era uma grande realidade. Hoje temos alguns vídeos ainda que eu não sei se vocês puderam ver, mas se vocês puderem ver, tem vídeos do pós-estatuto da criança e do adolescente, ainda dessa década do novo milênio, de situações que a gente imaginava que fosse da Idade Média ou coisa parecida, não é exagero, não. Situações de insalubridade completa, de adolescentes amontoados uns com os outros, na verdade. E que aquilo depunha consideravelmente contra todo o direito de humanidade que se pudesse pensar.
P/1 – E não tinha como mudar?
R – A voz atuante que tinha era realmente essa mulher grandiosa, Maria Tapajós, e aí, eu me juntei a ela porque via a grande missão, a grande tarefa que ela tinha, que precisava de outras vozes, outros levantes, e nos unimos, todos nós juntos pra que pudéssemos fazer essa mudança. Esse é um ponto particular, não é? Mas tinha situações na questão do abrigamento das medidas de proteção que é da área cível e não é da área infracional, de crianças com problemas de relacionamento familiar que eram abandonados por pai e mãe e precisavam estar em um abrigo, que não tinha condições humanas de receber. Tantos outros problemas nessa área que existiam, mas das medidas socioeducativa e, particularmente, da internação, chamavam muita atenção, principalmente pela situação de abandono em termos de acolhimento físico. Era terrível realmente, de uma insalubridade sem tamanho. E até que depois de muito a gente lutar, falar, tivemos alguns momentos, inclusive, não especificamente em relação a atos infracionais, mas na luta contra a violência sexual, tivemos levantes aqui, em Brasília, pra ver se mudava essa realidade. Porque é outra realidade muuuito cruuel essa da exploração sexual, do abuso sexual ainda recorrente hoje. Mas especificamente a gente começou a encontrar eco nessa história toda, e aí dizer que houve um divisor de águas na execução, na maneira de se olhar, principalmente para o adolescente infrator privado de liberdade na internação, foi num momento que nós tivemos em 2003 em uma conferência estadual. Depois de tanto a gente gritar, e falar, e rebeliões internas de adolescentes que queimaram o colchão. E graças a Deus só uma vez tivemos aqui morte de adolescente como na Febem em São Paulo, no Paraná, nunca tivemos. Mas tinhamos muitos levantes, muitos motins. Adolescentes, com toda razão, insatisfeitos com a maneira como eram tratados, rebeliões e tudo, a ponto da gente solicitar, inclusive, a interdição da própria pousada. E que se não mudasse o mínimo a gente tomaria outras providências mais contundentes até. Mas não foi ainda nessa época, não. Continuou-se a luta mesmo depois dessas medidas judiciais, até que um dia, em uma conferência estadual, as medidas socioeducativas privativas de liberdade são de competência do Estado, e se discutia essa questão das medidas. E em determinado momento eu fiz o pedido pra usar a palavra pra poder falar um pouco sobre as medidas socioeducativas de internação, pra dizer qual era a realidade que eu via, que participava diariamente. E fui falar como estava. E eu costumo dizer, e pra honra e glória de Deus (risos), estava na mesa o atual governador do Estado, Arnóbio Marques, que a gente costuma chamar carinhosamente de Binho, que eu conheço desde a prefeitura porque ele era Secretário Municipal da Educação, depois foi Secretário Estadual, depois foi vice-governador e Secretário Estadual. Naquela época ele era vice-governador e secretário estadual ao mesmo tempo. Ele estava lá na mesa representando o Estado e ele escutou a minha preleção, aquilo que eu pude expôr sobre como estava a situação de insalubridade, de superlotação, da falta de proposta pedagógica, da falta de trato, de distância daquilo que o estatuto pedia em termos de direito, já que do adolescente que comete um ato infracional de grave monta, só se retira um dos direitos que ele tem, um único direito que ele tem, que é a liberdade. O resto tudo tem que ser dado, tem que ser dada toda a dignidade possível e, na verdade, eles viviam em uma situação subhumana mesmo. Tinha situações inclusive de denúncias da alimentação muito ruim e aquele momento tocou muito a sensibilidade que é toda própria desse gestor, que é Arnóbio Marques. Não estou falando aqui por nada não, porque pude travar com ele alguns momentos e a gente nota isso nele, basta conversar pra você ver que ele tem uma sensibilidade muito grande, principalmente com essa vocação social. Eu acho que ele não tem vocação nenhuma pra político (risos), o pessoal diz que é um ex-não político, porque ele é político, mas eu acho que ele é muito mais sensível, tá lá porque Deus quis que ele estivesse, mas eu não vejo a hora dele voltar pro lugar dele mesmo, que é o lugar que ele faz com maestria que é estar próximo dessas realidades e transformar essas realidades como fez na Educação, como criou toda uma estrutura de secretaria na área social, também pra que houvesse essa mudança. Então, ela escutou e disse: “Eu não acredito nisso”. E na época, eu não tenho bem certeza de quem é que estava também na mesa, porque faz tempo, foi em 2003, mas tinha representante do Governo Federal, porque sempre nessas conferências vem pessoas de fora, não sei se tinha alguém da Unicef. Bom, o fato é que essa fala criou um frisson muito grande em todo mundo, até um mal-estar também nas pessoas que estavam lá, não era essa a minha intenção, mas acabou causando mesmo. E muito bom dessa história foi que eles resolveram ir ao local e puderam constatar realmente o que eu tinha dito, que não tinha nada de exagero e era aquilo mesmo. E imediatamente o então vice-governador do Estado ele comprou pra si essa mudança, essa renovação. É onde eu digo que houve um divisor de águas. Imediatamente ele já marcou um planejamento estratégico, chamou todos os integrantes da área da infância e da juventude pra poder se reunir onde é hoje a Escola Agrícola, que é numa área aqui da chamada Estrada Transacreana. Nós nos reunimos, passamos dois ou três dias lá, só discutindo sobre o que fazer pra mudar. E a partir de então, ele trouxe pra si, como então vice-governador e secretário da educação do estado, como tendo esse tempo mais próprio e como sendo a medida de internação própria de educação, porque as medidas são medidas pedagógicas, ele disse assim: “Nós vamos transformar essa realidade”, e paulatinamente essa realidade, sistematicamente, ela vem sendo realmente mudada. E mudou da água pro vinho do ponto de vista físico, radicalmente. Hoje, do ponto de vista físico, eu digo ainda que a gente tem que avançar, tenho falado isso com o próprio presidente do instituto e tantos outros integrantes.
P/1 – Qual instituto?
R – O Instituto de Medidas Sócioeducativas aqui, que é o doutor Cássio. A gente precisa ainda avançar na questão metodológica, de pedagogia, mas do ponto de vista físico, de acolhimento, houve uma mudança radical, mas radical mesmo. Quem vem de fora e vem conhecer as casas do programa de internação ficam maravilhadas e dizem abertamento: “Não encontro no Brasil alguma coisa semelhante”. Isso realmente houve uma mudança considerável mesmo, particularmente a questão da internação e do aspecto de acolhimento físico, nós podemos realmente dizer que somos modelo hoje, inclusive no Brasil. Precisamos avançar, com certeza, nessa parte político-pedagógica pra que nós tenhamos cada vez mais consciência de que do adolescente somente se retira a liberdade, é o único direito que ele não tem mais depois que comete um ato infracional de natureza grave, é a liberdade, mas o resto, tudo ele tem direito. Ele tem direito à saúde, à educação, à convivência familiar, ainda que restrita em momentos de visita. Ele tem direito à profissionalização, enfim, ele tem todos os direitos que são próprios e, principalmente, de ser respeitado.
P/1 – Maia, desde desse fato e que houve toda essa melhora na infraestrutura, e você diz, ainda precisamos avançar. Mas se você pudesse fazer uma avaliação das dificuldades, ou no que precisa avançar. Se você pudesse tirar um retrato, não sei se tem como falar isso em tão poucas palavras e em tão pouco tempo.
R – Não, a gente tem todo o tempo aqui (risos). Tangentemente no aspecto das medidas socioeducativas nós evoluímos muuuito graças a Deus e à sensibilidade dos gestores, nas medidas privativas de liberdade. Mas temos também as medidas em meio aberto, que são de uma importância sem tamanho porque elas evitam que o adolescente precise chegar na internação. Tem medidas de uma eficiência, se bem aplicada, como é a liberdade assistida e a prestação de serviço à comunidade, que estamos em projeto, agora, com o Instituto Sócioeducativo através de sua presidência pra instalação de uma coisa chamada Núcleo de Atendimento Integral, aí é onde eu acho que precisamos avançar. Estamos em processo, mas não chegamos ainda, mas estamos nesse processo, porque a gente não pode querer que tudo aconteça no toque de mágica, as coisas acontecem gradualmente mesmo. Progredimos muito e somos hoje referência no ponto de vista físico, graças a Deus, mas precisamos avançar no que diz a proposta pedagógica. O que é isso, proposta pedagógica? É a forma como o adolescente é tratado dentro da unidade, em poucas palavras é isso, nisso precisamos avançar. Agora, pra isso, e nós já temos conversado bastante, a gente sabe que é preciso que tenhamos um corpo próprio do Estado pra fazer isso. E nesse tempo todinho até agora, agora que terminou o concurso público para aquisição desses profissionais, desses socioeducadores, agora que estão em processo de formação. De 2003 pra cá, mas realmente é tudo muito lento porque tudo vai chegando de acordo com o seu tempo. Quando tivemos isso já implementado, nós vamos poder cobrar a instalação da maneira correta, de estar fazendo a chamada sócioeducação. Quer dizer, eu disse que a principal parte é essa, da execução. Então, essa execução tem que ser feita como o Estatuto diz que ela tem que ser feita, e como é? Você precisa segregar? Precisa segregar, mas você precisa respeitar a condição que o Estatuto diz, a condição peculiar da pessoa em desenvolvimento. Adolescente é diferente de tudo que a gente possa imaginar. Quem tem filho adolescente, eu já tenho uma filha adolescente, a gente sabe como é, é um negócio muito particular e a gente precisa ter know-how pra saber como tratar. E esse know-how, com certeza com esse corpo de profissionais e técnicos, o Estado tem toda a possibilidade de ter.
P/1 – O que já foi feito em relação a isso? Dá pra você identificar alguma coisa nessa parte pedagógica?
R – Olha, nessa parte pedagógica nós tivemos a presença de profissionais de renome pra poder tentar colocar isso na cabeça daqueles que fazem a sócioeducação. Por exemplo, o professor Antonio Carlos Gomes, que é uma pessoa de renome nessa área, que tem feito trabalhos nessa questão da Pedagogia em particular, da forma como se faz a sócioeducação. Agora, é necessário que isso ocorra mais sistematicamente, e principalmente agora com o quadro de técnicos sendo do próprio Estado. Porque o que acontecia era o seguinte, não se tinha muito compromisso, essa é a verdade. Você não tem integrante, não tem o vínculo que tem que ter realmente, não tem o salário que tem que ter. Antes se fazia GTs, Grupos de Trabalhos, eram pagos por cooperativas. Hoje não, hoje existe condições ideais pra que se possa estar colocando no coração e na alma daqueles que fazem sócioeducação o ideal de proposta pedagógica. Agora, isso precisa acontecer como o próprio Conanda diz, no Sinase, Sistema Nacional de Atendimento Sócioeducativo, de forma sistemática mesmo. Porque é assim, é água mole em pedra dura. A gente que está há algum tempo, eu estou com esse entendimento, não foi um toque de varinha de condão, foi mesmo todo um trabalho e até hoje a gente não tem todo o entendimento que tem que ter, a gente tá aprendendo todo dia, né? Daí a necessidade de ter. Eu acho que essa questão de formação do como fazer é que vai culminar e vai nos fazer. Se realmente querido e feito, e eu acho que exista essa vontade, porque não é uma coisa que começou pra não terminar, tem essa vontade com certeza, nós vamos ser referência no Brasil. Vamos ser.
P/1 – Vontade política, você está dizendo?
R – Sim, eu tenho certeza que tenha. Eu não acredito que aquilo que nasceu lá, naquele momento de divisão de eras comece e não termine, vai terminar sim, é todo um processo, é um contínuo de ações pra se chegar aonde a gente deseja.
P/1 – Mas só em relação ao meio aberto?
R – Em relação ao meio aberto que eu ia dizer. O meio aberto hoje, deixa muito a desejar.
P/1 – Mesmo nessa vontade política, com todas essas mudanças?
R – Mesmo.
P/1 – No que deixa a desejar?
R – Deixa a desejar porque veja bem, não é uma coisa que se foi pensada, como se fazer prestação de serviço à comunidade e como se fazer liberdade assistida, que são as duas medidas em meio aberto de uma importância sem tamanho pra que o adolescente não venha a cometer um ato infracional grave pra estar necessariamente nessa privação de liberdade.
P/1 – Tem a liberdade assistida que eu já entendi, mas meio aberto são os que não cometeram nenhum ato infracionário?
R – Não, que cometeram ato infracional, só que a infração é de pequena monta que não necessita de imediato você privar de liberdade. Então, você aplica uma medida em meio aberto que é a prestação de serviço e a liberdade assistida pra quê? Pra que ele seja reordenado na sua conduta e não venha a progredir na infração.
P/1 – E o que tá faltando? Tentando sintetizar?
R – Não sou dono da razão, mas eu acho que sou uma peça que faz parte desse quebra-cabeça, de todo esse sistema de garantias, dessa rede, e isso é uma discussão que tem que acontecer em rede, com todos os integrantes, poder público, a sociedade civil pra trazer, o que tá faltando. Mas eu tenho idéia que falta ainda saber o que é, não se sabe o que é a prestação de serviços à comunidade e a liberdade assistida, como se deve fazer a liberdade assistida. Agora você me pergunta, já se sabe em outros lugares? Já, já se sabe em outros lugares, e tem experiências exitosíssimas em outros lugares como, por exemplo, São Carlos. E aí que eu digo que existe a boa vontade do Poder Público porque nós já fomos em São Carlos ver essa realidade e existe hoje a vontade do Instituto Sócioeducativo que é pra todo o Acre, não é só pra internação e Rio Branco. É pra todo o Acre e todas as medidas porque é Instituto Sócioeducativo, mas tem o dever de fomentar o ideal da implantação dessas outras medidas também. E já existe a vontade de trazer essa concepção de São Carlos já pra Rio Branco inicialmente.
P/1 – E quem foi lá?
R – Fomos nós, o Instituto Sócioeducativo, o Ministério Público, Poder Judiciário, Defensoria Pública, Segurança Pública, nós chegamos lá, vimos e conhecemos essas medidas anteriores, e o quanto elas tem sido eficazes pra evitar que adolescentes autores de atos infracionais cheguem demasiadamente no sistema de internação. Como? Por exemplo, nós tivemos lá, pra você ter uma idéia, hoje a cidade de São Carlos onde se desenvolveu esse projeto tem 230 mil habitantes. Aqui se tivermos 300 mil temos muito, é mais ou menos a mesma população.
P/1 – No Acre?
R – Rio Branco. Lá em São Carlos, no dia em que a gente esteve lá tinha um menino na internação provisória e parece-me que oito ou nove na internação definitiva que não era nem lá que faz, é numa cidade vizinha. Oito, nove, em uma cidade de 230 mil habitantes. Aqui, em todo o sistema nós temos 230 adolescentes, em todo o sistema aqui em Rio Branco, 220, 230, mais do que 200 com certeza. É desproporcional, mas por que? Está muito bem o programa de internação, mas ele não deve ser, e essa concepção o Instituto tem, e é bom que se diga, tudo privação de liberdade. Tem situações até graves que não necessitam de uma medida privativa de liberdade. Por que? Porque foi grave tecnicamente, em tese, mas outras situações estão por trás que são passivas da aplicação de um regime aberto, como a família pode estar presente, foi um desleixo, aquele menino nunca cometeu um ato infracional na vida, foi a primeira vez. É uma coisa isolada na vida dele, ele estuda, mas ele precisa ter consciência daquilo, então, vamos aplicar uma medida da gravidade do fato, em meio aberto que vai surtir um efeito maior que colocar ele privado da liberdade e muitas vezes estar pegando algum vício ainda existente do sistema de privação. Então, vamos aplicar a medida de prestação de serviços e liberdade assistida. E nós vimos que lá funciona. Por quê? Porque eles desenvolveram know-how de como fazer, e eles nos emprestam esse know-how. Agora, como elas são de responsabilidade dos municípios, não são do Estado, é preciso que exista uma predisposição do gestor público em face dessa questão da autonomia, existe uma autonomia do Município, Estado, são entes federativos de autonomia e independência. Aqui nós temos graças a Deus uma confluência porque todos são da mesma sigla partidária, então, o relacionamento, o diálogo é muito tranquilo. Mas aonde não tem, é preciso que haja esse entendimento e se possa entender que criança e adolescente é uma coisa que está acima de siglas partidárias, é suprapartidário. É criança e adolescente. Pra quê? Pra que haja uma integração do Estado que não é responsável, é preciso ajudar porque os municípios são pobres, e o município traga pra si a responsabilidade. Mas não é só o Poder Público, não, é a sociedade como um todo. Por que eu digo isso? Porque, infelizmente, adolescente infrator ainda é estigmatizado, “ah, aquele menino ali é adolescente infrator”, ele não é visto como uma pessoa que está em desenvolvimento e errou, e que precisa da ajuda nossa pra poder voltar melhor ainda pra sociedade. Então, a concepção de sócioeducação tem que passar por isso, por esse entendimento de cada um de nós, da sociedade como um todo, senão não faz sócioeducação.
P/1 – Maia, vocês foram lá em São Carlos, tem toda essa vontade política que você diz que tem, tanto da Prefeitura de Rio Branco, como do Governo, mesmo que pro meio aberto precisa dessa parceria com o município. Mas pensando no governo do Acre e no Instituto Sócioeducativo. Nesse movimento que vocês começaram a visitar, o que já aconteceu, quais as perspectivas? Seria a nossa última conversa em relação a isso.
R – Nós ainda estamos em tratativas. Eu confesso que eu não sei a que ponto o Estado está nessa tratativa, mas nós buscamos agora recentemente implantar, o Ministério Público tem um projeto, mas esse projeto, eu tenho certeza absoluta que ele já é do próprio governo do Estado. O Ministério Público pra mim é muito mais um órgão que está lá junto pra falar: “Vamos fazer, tá na hora de fazer mesmo, vamos fazer agora”. Porque às vezes a gente fica esperando os melhores momentos pra poder fazer, mas se a gente começar, a gente começa e vai aprimorando, vai aprendendo a fazer, fazendo. Mas nós estávamos nesse momento de tratativas ainda, de colocação desse NAI aqui. E o que é esse NAI? É um Núcleo de Atendimento Integral, você vai atender integralmente o adolescente que comete qualquer infração, seja aquela bem pequenininha, seja até situação de risco, às vezes uma situação nem de infração, de risco dele, ele chegou nesse NAI, um núcleo formado por técnicos, psicólogos, essas coisas, vai fazer todo um levantamento da vida dessa criatura, toda a vida, do pai, da mãe, dos irmãos, da família extensiva, e a idéia é empoderar não somente esse adolescente, mas a família como um todo. E fazendo isso, com certeza a gente vai fazer uma mudança enooormee na ponta, que é a questão da internação. E nós vamos ter os dois centros sócioeducativos que são modelos do ponto de vista arquitetônico e serão também do ponto de vista pedagógico, não tenho dúvida, como aquele equipamento do Corpo de Bombeiros, que está ali, é o melhor que existe e que é necessário que tenha, mas que só vai ser usado em caso de emergência (risos).
P/1 – Quando você fala nós, nós é quem?
R – Nós somos o sistema de garantias, o Ministério Público, o Poder Judiciário. Porque nós podemos querer muito e vamos querer muito com certeza, mas não podemos achar que não vai ter menores infratores cometendo infrações de natureza grave, sempre vamos ter.
P/1 – E o ISE, Maia? Onde entra o ISE, o Instituto Sócioeducativo nesse projeto?
R – Pois é, o ISE, como o grande fomentador da política, é talvez o órgão principal da história toda porque é aquele que vai elaborar, vai executar as medidas sócioeducativas. É quem vai dar o tom, a maestria da execução da medida sócioeducativa. É ele quem vai dizer assim: “Olha, vamos medida sócioeducativa dessa forma”.
P/1 – Mas ele está nesse projeto participando?
R – Está, o ISE é o próprio Estado. Quando a gente fala Estado, a gente fala do ISE como uma fundação que é, mas uma fundação do Estado que foi desenhada especificamente para isso, pra ditar a política no Estado relativa ás medidas sócioeducativas. E hoje eu diria assim, no dia que a gente terminou o planejamento estratégico, em 2003, tinha uma parte lá que era assim: “O que você espera daqui a tanto tempo?” (risos). Eu me lembro como se fosse hoje, isso eu não esqueço, não. Aí, todo mundo disse uma coisa, o que esperava tal, tal e tal. Aí chegou a vez do Binho, atual Governador, aí ele escreveu e botou lá na tarjetinha que tinha: “Eu espero um outro discurso do Maia daqui a algum tempo” (risos).
P/1 – Na conferência (risos).
R – Na conferência (risos). Realmente o discurso hoje é outro. Temos desafios? Temos, e é bom que os tenhamos, né? O que somos nós sem desafios, mas eu não posso dizer que, graças a Deus, em função disso e de outras ações que vieram do Governo Federal também, como Pair. Pair teve uma atuação maravilhosa na mudança de consciência, é um outro programa do Governo Federal que está sendo espalhado pra todos os estados. Rio Branco foi escolhido como uma das sete cidades do Brasil pra criar a metodologia nesse programa do Pair porque tinha uma confluência muito boa de tudo, embora negativa pela existência de muitas situações de violência sexual, porque esse era um dos critérios, mas tinha também essa coisa que é muito nossa, da possibilidade de eu estar aqui e estar ali conversando com o governador. Isso não existe em outro estado! Não existe! Eu estar aqui e estar conversando com um senador, com o bispo. É muito nosso, e a gente não precisa de muito papel pra isso, sabe? Com telefone a gente consegue resolver. Então, isso é muito determinante aqui, isso é muito positivo aqui, nós somos capazes de fazer isso e temos feito. Os desafios ainda são grandes, eu repito, mas eu espero que essa curva seja cada vez mais logarítmica, sabe? Que não seja mais muito linear não, que seja logaritmica no sentido de que em pouco tempo a gente esteja dando passos mais largos na resolução desses desafios.
P/1 – Muito bom, Maia. Eu também vou querer ouvir esse seu discurso (risos). Você quer dizer alguma coisa que você não disse? Que a gente não perguntou...
R – Eu acho que a gente já falou talvez isso, que verdadeiramente nós tomamos um outro rumo e esperamos que cada vez mais a gente, em conjunto, todos esses que trabalham com criança e adolescente, e tantos outros possam se juntar e entender que a gente só consegue realmente fazer tudo se for assim mesmo, na articulação, junto, como o Estatuto diz. O Estatuto diz que a política de atendimento é um conjunto articulado de ações governamentais e não governamentais. A gente precisa projetar isso, todos nós precisamos, a sociedade precisa ainda entender isso. Eu tenho certeza que a gente vai conseguir colocar o Estatuto da Criança e do Adolescente aonde ele merece, sabe? Porque ainda hoje ele é muito vilipediado, é muito mal falado, mas saber por quê? Porque não se conhece. Quando a gente conseguir colocar isso, esse conhecimento do que é o Estatuto no meio social e no coração do gestor, vamos ter mudanças consideráveis em tudo, em tudo. Porque quando se muda a base, se muda também o povo!
P/1 – Muito bom. Maia, pra terminar agora, queria só uma avaliação breve sua como foi contar uma parte da sua história, bem rapidamente, e no fim você fala o seu nome todo completo, que nós não falamos no começo.
R – Meu Deus do céu, contar a minha história aqui hoje é reviver cada momento do quanto foi maravilhoso participar de cada um deles, sabe? E de ver que a gente pode construir uma vida, um ideal em cima de valores, daquilo que uma família, um pai, uma mãe, uma família como um todo pode verdadeiramente trazer pra uma pessoa. Eu sei verdadeiramente qual o valor que tem uma família quando eu revivo cada um desses momentos. Eu, Francisco José Maia Guedes.
FINAL DE ENTREVISTA
Dúvidas na grafia de nomes e trechos com dúvidas.
Graças a Deus foi promovida e está indo pro segundo grau da ___, vamos dizer assim. – Página 17.
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