P/1 – Bom dia, Marcelo. A gente poderia começar com você falando o seu nome completo, o local e data de nascimento, por favor.
R – Marcelo Fernandes Costa. Local de nascimento, Recife. 18 de maio de 1965.
P/1 – Marcelo, você poderia falar um pouco dos seus pais, a profissão deles, de onde eles vieram, como eles se conheceram?
R – Como eles se conheceram _____________. Meu pai, ele nasceu numa cidade do interior da Paraíba que, desde a época que ele nasceu até hoje, tem o seu principal sustento no cultivo do abacaxi, que é Sapé. Meu avô era um aventureiro e uma pessoa que, acho, sempre achou que Sapé era muito pequena pra ele. Então, ele veio pra Recife. Ele trabalhou em diversas atividades. Recife tem uma história interessante porque sempre houve uma influência estrangeira muito forte na cidade – a gente tinha os holandeses e tal. E na época que ele veio pra cá, os ingleses tinham grandes negócios em Recife. Praticamente tudo aqui pertencia aos ingleses, tipo gás, transporte e tal. Tanto que até hoje temos um cemitério dos ingleses onde só se enterram os descendentes dos ingleses. E ele trabalhou nessas companhias. Depois a companhia elétrica, que foi a última que ele trabalhou, virou uma estatal no futuro, a Celpe [Companhia Energética de Pernambuco], que hoje já foi privatizada. E ele se aposentou lá. Meu pai veio com o meu avô. O que eu acho mais incrível na história dele é que, com 12 anos, ele percebeu que gostaria de ter uma educação de qualidade, mas ele não via isso na escola pública, e que meu avô não poderia pagar, naquela época, uma escola privada para ele. Então ele fez uma opção. Por opção dele ele entrou num seminário. Então ele fez toda a educação dele: se formou, fez curso superior. Nessa época ele já viajava. Época do seminário. Ele foi à Europa, uma série de coisas. E quando ele voltou de uma dessas viagens, ele também já tinha uma opção certa que...
Continuar leituraP/1 – Bom dia, Marcelo. A gente poderia começar com você falando o seu nome completo, o local e data de nascimento, por favor.
R – Marcelo Fernandes Costa. Local de nascimento, Recife. 18 de maio de 1965.
P/1 – Marcelo, você poderia falar um pouco dos seus pais, a profissão deles, de onde eles vieram, como eles se conheceram?
R – Como eles se conheceram _____________. Meu pai, ele nasceu numa cidade do interior da Paraíba que, desde a época que ele nasceu até hoje, tem o seu principal sustento no cultivo do abacaxi, que é Sapé. Meu avô era um aventureiro e uma pessoa que, acho, sempre achou que Sapé era muito pequena pra ele. Então, ele veio pra Recife. Ele trabalhou em diversas atividades. Recife tem uma história interessante porque sempre houve uma influência estrangeira muito forte na cidade – a gente tinha os holandeses e tal. E na época que ele veio pra cá, os ingleses tinham grandes negócios em Recife. Praticamente tudo aqui pertencia aos ingleses, tipo gás, transporte e tal. Tanto que até hoje temos um cemitério dos ingleses onde só se enterram os descendentes dos ingleses. E ele trabalhou nessas companhias. Depois a companhia elétrica, que foi a última que ele trabalhou, virou uma estatal no futuro, a Celpe [Companhia Energética de Pernambuco], que hoje já foi privatizada. E ele se aposentou lá. Meu pai veio com o meu avô. O que eu acho mais incrível na história dele é que, com 12 anos, ele percebeu que gostaria de ter uma educação de qualidade, mas ele não via isso na escola pública, e que meu avô não poderia pagar, naquela época, uma escola privada para ele. Então ele fez uma opção. Por opção dele ele entrou num seminário. Então ele fez toda a educação dele: se formou, fez curso superior. Nessa época ele já viajava. Época do seminário. Ele foi à Europa, uma série de coisas. E quando ele voltou de uma dessas viagens, ele também já tinha uma opção certa que ele não seria padre. Então ele se desligou, começou a trabalhar. Não sei como conheceu minha mãe em algum lugar. _______ da história é: entre namoro, noivado e casamento foram uns dez anos. Eles casaram e eles estão juntos até hoje. A minha mãe sempre foi daqui. Eles têm quarenta anos de casados. E ela, durante alguns anos, exerceu a profissão de corretora de seguros e se aposentou. Os dois hoje são aposentados.
P/1 – Você passou a infância então aqui no Recife?
R – Passei a infância no Recife.
P/1 – Você pode descrever...
R – Eu nunca morei em outro lugar que não fosse Recife.
P/1 – Você pode descrever um pouco a vizinhança, o local onde você cresceu, o bairro. Como que era?
R – Bom, a primeira casa eu não me lembro muito. Ou eu tenho a memória muito seletiva, ou muito ruim, porque eu não guardo essas coisas. Então, essas coisas de infância. Eu lembro da segunda casa que a gente morou, que é a casa que o meu pai mora até hoje, que naquela época era um bairro diferente. Hoje em dia está muito diferente. Mas era aquele bairro onde a molecada se juntava à tarde depois que chegava da escola. Ia andar de bicicleta, jogar bola, fazer alguma coisa. Então eu me lembro muito assim, do fim da infância à adolescência já foi nessa casa. E uma vida sempre em liberdade. Coisa que hoje, infelizmente, não consigo proporcionar para o meu filho.
P/1 – E a educação? Você pode contar um pouco da escola onde você estudou? O começo, se teve algo marcante, algum professor ou algo.
R – Olha, eu sempre estudei em escola privada. Eu não tenho um professor marcante assim, por exemplo, de primário. Não tem aquela professora emblemática que ficou na minha memória. O que eu me lembro é que eu comecei a aprender a ganhar dinheiro no primário. Então eu inventei um negócio na minha cabeça que deu certo no colégio e eu vendia bastante aquele negócio. Eu me lembro que eu juntei uma quantidade de dinheiro bem razoável com 9, 10 anos.
P/1 – E o que era? ______.
R – Tinha um brinquedo, eu não me lembro qual era o fabricante, que era uns moldes de plástico que você fazia com gesso e eram uns bonequinhos da Disney. Lembra disso? E eu comecei a fazer aquele negócio em casa e comecei a levar pro colégio e comecei a vender pros outros colegas. E eu me lembro que eu vendi muito. Porque, aí, começou a ter festa de aniversário que as mães queriam enfeitar as mesas com aquele negócio. Eu sei que eu chegava de tarde em casa e umas duas ou três horas da minha tarde era fazendo bonequinho desses.
P/2 – E pintando.
R – E pintando. E aí, disso eu ganhei um excelente dinheiro. E a parte de ginásio também, eu não me lembro de um professor assim marcante. Eu comecei a ter professor marcante no segundo grau. Ou eu comecei a me lembrar, fixar mais a experiência com eles.
P/2 – E essa atividade sua assim comercial, vendendo coisas, marcou? Continuou...
R – Continuou.
P/2 – __________?
R – Continuou. Sempre. A partir daí, eu sempre sabia uma coisa. Eu tinha que trabalhar alguma coisa relacionada a negócios. Eu acho que eu sempre fui uma pessoa que gostava de liderar. Não era nem de mandar. Mas eu gostava de estar à frente dos processos. Então eu sabia também que eu tinha que fazer a _______. Isso é uma coisa que já era bem resolvida na minha cabeça. Eu nunca pensei, ao contrário das outras pessoas, ser médico ou... Isso era claro na minha cabeça. E aí, eu me lembro que essa trajetória me acompanha até hoje, de iniciativas de empreender, de realizar. Isso é uma coisa muito forte. E professores assim eu comecei a ter mais no segundo grau, que eu me lembro. Bons professores.
P/1 – Você teve algum tipo de trabalho social, algum contato com _______ nessa idade?
R – Não. Apesar de, pelo histórico de meu pai, ele ter sido sempre uma pessoa extremamente religiosa... os dois são. Então, aquela pessoa que há trinta e dois anos frequenta a mesma igreja, na mesma missa. Eles nunca me impuseram nada. Então talvez nisso, quer dizer, por eu não ter um contato próximo com a igreja. Fiz as coisas normais, tipo primeira comunhão, crisma, tal, mas nunca fui de estar em igreja. Eu não tinha esse contato do social assim com isso. Então, minha origem do social não era nem trabalho voluntário deles nem nada assim tipo ligado à religião. Até então eu não tinha nada. Até uns 20 e poucos anos eu nunca tinha me envolvido com o social.
P/1 – E como foi a entrada na faculdade, a escolha do curso e o período da faculdade?
R – O curso, na realidade, já vinha sendo escolhido. Eu sabia que eu tinha que fazer alguma coisa, mas talvez não _________, Administração de Empresas ou algo semelhante. No segundo grau, como eu te falei, eu tive diversos professores que foram muito marcantes. Eles foram pessoas que saíram... Quando eu acabei o segundo grau, quase todos os meus professores também saíram do colégio onde eu estudava e montaram outros colégios que são referência hoje em Recife. Eles próprios já tinham um movimento de empreendedorismo que eles passavam pra dentro da turma mesmo. E aí eu tive professores fantásticos, que começaram a fazer este trabalho e a gente começou. Aí, na época que eu estudei, não sei se ainda tem isso hoje, você era obrigado a fazer um curso profissionalizante junto com o segundo grau. Você tinha que fazer alguma coisa. A única coisa que eu me lembro que na época me interessou foi Edificações. E o professor que dava Edificações, a gente fazia as plantas, a gente visitava obras, visitava construtora. Então, não era uma coisa que eu via que meu mundo era dentro do escritório, não era dentro de uma obra. Não era. Enfim, só reforçava mais. E a entrada na faculdade foi muito tranquila. Foi acabar o segundo grau, fazer vestibular, fazer a opção pela universidade e fazer o curso.
P/1 – Enquanto você estudava, você trabalhava também?
R – Sim.
P/1 – O que você fazia?
R – Com 17 anos eu entrei pra uma empresa que era controladora do Banco Econômico na época, que era a Aliança da Bahia. Por mim, passavam alguns dos negócios que os gerentes faziam nas agências. Mais, aí, uma questão de auditoria de formulários, ver se as coisas estavam dentro das normas do banco – e encaminhava para Salvador, que era a matriz do escritório. Mas também comecei, nesse primeiro emprego, a já ver uma coisa que, pra mim, era estranha na época: que a empresa brasileira, como regra, não valoriza o funcionário que ela tem; e que as perspectivas de crescimento... enfim. Apesar de ser uma empresa muito grande, você via que o cara que tava promovido era porque tinha conhecido o outro e... enfim. No fim, você tinha aquele grupo de pessoas que iam envelhecendo na empresa, iam crescendo e iam trazendo os seus subordinados atrás. E era um movimento mais ou menos paternalista e, assim, com pouca visão de investir em capacitação, de investir em perspectiva. Aí, eu pedi demissão dessa empresa. Acho que, uns dois anos depois que eu tava lá, eu sabia que não queria mais ficar. Então eu pedi demissão de lá.
P/1 – E aí, qual foi a sua atividade depois?
R – Aí, eu montei uma empresa com uma pessoa que trabalhava comigo. Nós passamos três anos juntos. Depois ele teve uma dificuldade familiar e eu optei por não ter outro sócio e encerrar a empresa. Eu também percebi que, mesmo estando na universidade, mesmo trabalhando desde os 17 anos, eu tinha pouca experiência dentro de uma grande corporação. A empresa que eu trabalhava... o escritório daqui tinham 28 pessoas. Que a gente, praticamente, era um executor de tarefas remotas da matriz. E isso não me agradava. Então, eu fiz também um plano que eu digo o seguinte: “Eu queria ter uma grande experiência” – e não queria que fosse numa empresa brasileira, por uma questão que eu comecei a fazer um nivelamento. Achava que todas seriam iguais à que eu estava. Então, eu mandei meu currículo só para multinacionais. Eu peguei todas as multinacionais que estavam aqui na época, mandei meu currículo e acabei sendo contratado por uma delas. E passei cinco anos na empresa. Aí, foi quando eu achei que eu já tinha experiência suficiente para sair e montar a empresa. Que eu tenho duas empresas: uma que hoje está mais com o meu pai do que comigo. Porque ele se aposentou e eu não queria que ele parasse de trabalhar. Eu tinha medo de que ele se acomodasse e aí tivesse problemas. Então, eu saí da empresa. Na mesma época que ele se aposentou, nós montamos uma empresa, que fez 12 anos agora. E, cinco anos depois, eu montei a segunda empresa, que é a que eu tenho lá até hoje com o meu sócio.
P/2 – Quando você entrou nessa grande empresa, que tipo de experiência você buscava?
R – Olha, eu tinha duas coisas na minha mente. Eu queria trabalhar com alguma coisa que realmente fosse grande e fosse complexa.
P/2 – Uma organização.
R – Uma organização grande, complexa, e que fosse desafiadora. Segundo, que talvez tivesse uma perspectiva de sair até do país, trabalhar numa outra filial, alguma coisa assim. Mas aí acabou que eu fiquei. E aqui, em cinco anos eu tive sete promoções. Então, eu tive uma trajetória bem rápida dentro da empresa, o que causou, por um lado, coisas boas e, por um outro lado, uma série de coisas ruins. Porque, um ano e meio depois que eu estava na empresa, eu acabei sendo chefe do cara que me contratou. Isso era aquela história daquele menino que estava na universidade, que eu contratei e que agora já era o meu chefe. Então, eu tive vários problemas dessa forma.
P/2 – Em que área que você trabalhava?
R – Marketing.
P2- Ah, marketing.
R – Eu trabalhava já com marketing. Trabalhava com marketing industrial.
P/1 – Inclusive aquela sua primeira empresa foi na área de marketing?
R – Não, a primeira empresa, na realidade, a gente pegou uma oportunidade que surgiu na época. A empresa que eu trabalhava precisava terceirizar umas atividades de um contrato que ela tinha pegado com o Banco do Brasil. Então eu montei a empresa, a princípio, pra atender essa demanda da empresa que eu trabalhava.
P/1 – Da empresa que você trabalhava. E como se deu o contato com a área de tecnologia? Como que foi isso daí, essa história?
R – Aí já foi na multinacional. Porque, na realidade, eu sempre gostei de informática, apesar de sempre estar na área de administração. Então eu tinha um computadorzinho que eu guardo até hoje, só de brincadeira, que era um... chamava TK95. Que aquilo não era nem um computador, quer dizer, qualquer _____ que você tem hoje tem muito mais memória do que aquele negócio naquela época. Um celular tem muito mais memória do que ele. E eu comecei a fazer alguma coisa. Mas, assim, o contato mesmo com a tecnologia foi quando eu entrei pra essa multinacional. Porque eu tinha uma... eu sempre gostei de fazer gestão sabendo o que é que eu estava... onde eu estava mexendo. A empresa, na época, já tinha um mainframe da IBM [International Business Machines Corporation] e tal. Tinha uma excelente estrutura de informática. Mas ela só me mandava relatórios depois que eu não podia mais tomar decisão nenhuma sobre aquilo que eu queria. E também os dados que ela me mandava nunca eram aqueles que eu precisava. Aí, eu comecei a contatar o pessoal no Rio de Janeiro. Eu dizia: “Olha, eu preciso desse e desse dado. Será que era possível eu ter algum relatório assim? Ou em tela. Eu não preciso disso impresso, mas eu preciso em tela. Eu preciso acompanhar muito mais próximo isso daí”. E o cara dizia: “Pô, isso não existe. Ninguém nunca demandou e tal. Mas eu vou te mandar um formulário, você preenche tudo que você quer” – que eram aqueles formulários de OIN [ouvidoria interna] – “e você me devolve isso. A gente vai desenvolver”. Eu fiz tudinho. Passei dias trabalhando naquele negócio. Devolvi pra ele e eu disse: “Olha, me diz quando é que você pode me dar esse software, essa interface pra eu poder trabalhar”. Ele disse: “Olha, na melhor das hipóteses daqui a uns oito meses. Isso se não entrar nenhuma requisição da diretoria ______ e andar pra trás”. Eu fiquei enchendo o saco do cara até que ele disse assim: “Pô, bicho, só você pode fazer isso. Eu não posso mexer nisso aqui”. Eu disse: “Se você quiser, eu lhe dou uma senha e você pode montar o que você quiser”. Aí, ele disse: “Você faz o que?”. Eu disse: “Administração”. Ele disse: “Ah, tá”. Aí, eu disse: “Mas tem alguma coisa, algum guia?”. Ele disse: “Tem uns manuaizinhos. Se você quiser, eu mando o manual”. Então ele me mandou uns seis manuais da IBM. Cada um devia ter umas 2 mil páginas, que eram sobre a linguagem que era desenvolvida naquele sistema. Então era super complicado, porque eu não era uma pessoa de sistemas. E os manuais da IBM eram tipo: você estava na página 300 e alguma coisa e ele fazia “Bom, pra você saber sobre essa conexão com o banco de dados, você vai pro manual três na página 1024”. Aí, no manual três te mandava pro dois na página 800 e alguma coisa. Você ficava com os seis manuais abertos e chegava um tempo que você não sabia nem mais por que você estava naquele manual, entendeu? [Risos.]
R – Mas eu encontrei um colega dentro da empresa que tinha a mesma dificuldade, só que ele era do departamento de Recursos Humanos. E nós começamos a estudar juntos aqueles manuais e, aí, eu comecei a ter todos os dados que eu precisava ter. Então, isso daí também me deu duas promoções seguidas, porque eu passei a ser o único supervisor na época que tinha os dados que o gerente queria. Então, logicamente, isso me deu uma diferença sobre os demais.
P/1 – Foi a partir daí que você começou a pensar em ________.
R – Foi aí que a tecnologia realmente entrou de vez na minha vida.
P/1 – Não sei, talvez você pudesse falar um pouco de como estava... quando foi, em que ano foi isso aí... como estava nesse período a introdução das tecnologias de informação e comunicação aqui em Pernambuco. Como é que estava ____?
R – Aqui era o seguinte. Era a época que você começava a fazer o downsizing; quer dizer, sair do grande mainframe pros PCs [personal computer]. Mas eram [PC] ATs naquela época. Depois [PC] XT. E eu me lembro que, nessa empresa, tinha um computador, um micro, para quatro ou cinco setores. E duas coisas que me marcaram assim... quer dizer, existia uma sala mais ou menos como essa que a gente está, uma porta com uma planilha dizendo o seguinte: “Tal hora, tal hora, o marketing. Tal hora, tal hora, o financeiro. Tal hora, tal hora...”. Todo mundo com aquelas caixas, com aquele mundo de disquete. E todo mundo trabalhava com lotes um, dois, três. Aquela planilhazinha, que era a ferramenta que a gente tinha. E eu me lembro que chegou um ponto que houve uma decisão que envolveu até o diretor regional, que a gente tinha que mudar de um HD [hard disk] de 10 mega[bytes] pra um HD de 20 mega[bytes]. E era uma decisão de diretoria, porque era uma coisa absurda de cara. Então era essa a realidade que a gente tinha na época. Até a época que eu saí de lá. De 1987 até 1992, quando eu saí de lá, ainda eram poucos micros na regional.
P/2 – E você, assim, pessoalmente, você teve um computador pessoal? _________.
R – Sim. Quando eu saí pra montar a empresa, que foi na época que o meu pai se aposentou e a gente montou a empresa junto, eu já era todo informatizado. Eu já tinha micros, tanto em casa como na empresa. Então eu me lembro que a internet, nessa época, pouco antes talvez, não existia. Mas já existia as DBSs [direct broadcast satellite]. Existia uma empresa americana chamada CompuServe, que você discava um número maluco lá, se conectava nos Estados Unidos e navegava. Na época, eu fazia um curso de conversação com um inglês que mora _____ até hoje. Aí ele disse: “Olha, eu uso a CompuServe e tal”. E foi. Tive o primeiro contato também com redes, remoto, com falar com pessoas de outros países e tal. Então, quando eu fui pra empresa, quando eu montei a empresa, eu sabia que informática já era uma coisa importante.
P/2 – Em que ano foi isso?
R – Foi em 1992. Foi quando eu saí da empresa.
P/1 – Me conta um pouco, Marcelo, dessa empresa que você montou. Em que área ela atuava, quais foram as experiências?
R – Ela atuava... bom, meu pai tinha vindo da área de seguros e eu tinha vindo da área de marketing. Então a gente montou uma empresa de marketing e seguros, os dois conseguiam conviver dentro da empresa. Ele cuidava da parte de seguros e eu cuidava da parte de marketing. Nós ficamos juntos até 1997. Foram cinco anos. Depois a empresa ficou só de seguros, porque, aí, ficou só mais com ele. E eu saí pra montar um... foi quando começou a internet comercial, em 1995, 1996. Eu nunca enxerguei a internet como um playground de adultos, entendeu? Eu sempre achei que dava pra fazer negócios ali. Dava pra ganhar dinheiro. E eu encontrei duas pessoas na época que eram um Analista de Desenvolvimento e um Analista de Redes, de um provedor que eu utilizava localmente, mas que também estavam a fim de montar alguma coisa e tal. Eu queria sair, então nós nos juntamos. São meus sócios até hoje – e a gente montou a empresa que tem até hoje.
P/1 – Você poderia falar um pouco dessa empresa, qual o _________. _____ Globaltec. Como nasceu?
R – A Globaltec nasceu já com a necessidade de prover uma maneira de a pessoa fazer negócios pela internet. E é isso que a gente faz até hoje. Então a gente começou juntos naquela época, a decisão de qual linguagem, o que é que estava fazendo no mundo e tal. E eu me lembro que eu fui pros Estados Unidos e aí comecei a investigar o que é que os americanos já estavam fazendo em termo de internet. Comecei a visitar empresas e tal e voltei com a decisão de que a gente tinha que trabalhar na plataforma Microsoft porque era a plataforma que estava sendo mais difundida na época. Tinha, não como browser, mas como back office. E a Microsoft começava a lançar uma linguagem chamada ASP [active server pages], que era uma linguagem que permitia um acesso mais estruturado a bancos de dados relacionais, enfim. Aí, eu voltei pro Brasil. A Microsoft era um escritório muito pequeno em São Paulo, tinha poucas pessoas. Eles não tinham nenhum programa de apoio a desenvolvedores web no Brasil. Voltei pros Estados Unidos e, aí, eu estabeleci uma empresa lá, junto com mais uns sete ou oito brasileiros que tinham a necessidade de ter alguma coisa nos Estados Unidos. Não pra morar nos Estados Unidos, não pra viver nos Estados Unidos, mas que tinham que ter um entreposto lá. Na realidade, a gente alugou uma salinha junto, que aquela sala não era negócio nenhum. A gente tinha um nome registrado oficialmente nos Estados Unidos. Com esse nome, eu fiz um contrato com a Microsoft nos Estados Unidos e trouxe toda aquela tecnologia, aqueles CDs, aqueles softwares, tudo que estava lançado, pra cá. Tinha um programa que só tinha nos Estados Unidos chamado ISV, e a gente trouxe pra cá. Eu tenho um sócio que considero um gênio em termos de desenvolvimento e de software. Ele aprendeu aquele negócio tudinho e a gente foi começando a fazer. A gente começou a perceber também que não bastava ter uma competência pra fazer o negócio. Tinha que, logicamente, ter cliente. E as empresas não tinham essa visão ainda. Todo mundo achava que a gente e o sobrinho que ele tinha em casa fazia o mesmo efeito. Só que a gente custava, sei lá, mil, e o sobrinho dele custava uma entrada no cinema, um chope, uma coisa assim. Estava resolvido o caso de o menino fazer um site igual. E até recentemente, ainda hoje, tem muita gente que pensa isso. E a gente nunca saiu... a gente nunca foi uma produtora de sites. A gente nunca tinha um elenco de empresas assim: “Ah, esse site foi eu que fiz”. A gente sempre se preocupou com a parte de retaguarda. Ou seja, como é que a empresa conseguia fazer negócios usando web. Essa empresa... a gente passou por diversas consultorias também. Ganhamos diversos prêmios como a melhor empresa de serviços do estado do Pernambuco. Era conhecido pelo Sebrae [Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas], pela Federação de Indústrias e tal. E a gente foi construindo um nome, e sempre na mesma linha. Quer dizer, a gente nunca saiu da meta da gente. Tivemos momentos difíceis, tivemos momentos melhores. Até que a empresa, há uns quatro anos atrás, começou a se estabilizar. Aí, teve aquele boom da internet. Que a internet era tudo, no dia seguinte ela não era nada; quem trabalhasse nesse negócio era louco, isso não dava dinheiro. A gente insistiu e hoje a empresa é reconhecida no mercado como uma empresa que provê soluções de altíssima qualidade, uma empresa séria. Nós fundamos também, pra acabar esse mito do sobrinho e da empresa, uma associação chamada AETI [?], que é Associação das Empresas de Tecnologia da Informação, onde a gente criou um código de ética de convivência. Quer dizer, até porque todas as empresas que são baseadas em Recife, 90 acho, são ótimas. As que estão assim em boa situação no mercado local, 10% a 12% do faturamento dela vem do mercado local. E tem casos, como o nosso, que praticamente 93% do faturamento é fora do estado de Pernambuco. Então você tem que alcançar esse reconhecimento fora e, ao mesmo tempo, não adiantava a gente ficar se digladiando pelos clientes que restavam aqui. Então a gente criou uma empresa que hoje é uma associação que começou aqui. Hoje já tem vários estados que estão querendo se associar e abrir representações nos seus estados. É uma empresa que visa criar uma ética de relacionamento, valorizar os empregados das empresas. Enfim, criar um ambiente mínimo favorável pra que estas empresas briguem por novos clientes, e não fiquem brigando entre si e muitas vezes abaixando o preço demais, excessivamente, que só vai levar todos a quebrarem. Então a gente fez isso e é uma coisa que está funcionando. Hoje a Globaltec tem como principal cliente a Rede Globo. Uma das poucas soluções homologadas dentro do ambiente da Globo de internet é nossa. E que é uma ferramenta de comércio eletrônico, de publicação, de cisão estratégica de web. Então hoje as emissoras usam parte desse software, ou o software todo, pra fazer a gestão dos seus negócios web.
P/1 – Perfeito. E como surgiu a ideia do CDI [Comitê para Democratização da Informática] e o contato com o CDI?
R – Bom, aí vem o lado da constatação. Quem anda um pouquinho por Recife, não precisa muito, você vai ver que a gente é uma cidade que tem desigualdades absurdas. Você tem pessoas que são extremamente ricas – há muitas décadas Pernambuco não é a principal economia do Nordeste, mas, quando você pega as pessoas mais ricas, todos moram aqui. Do Nordeste. Então, as grandes fortunas do Nordeste estão aqui. Mas não é o maior PIB [produto interno bruto], não é a maior economia do Nordeste. Há anos a Bahia... há décadas a Bahia já passou isso. Mas essa desigualdade social é uma coisa predominante. Então, eu me lembro claramente que a primeira coisa que me fez refletir sobre isso é que eu saí da escola e tinha uma senhora. E, até hoje, está no mesmo sinal. Quando eu passava de carro, ela estava batendo lá no vidro pra pedir dinheiro. Ela é uma senhora já, naquela época já de uma certa idade. Ela tem um problema na coluna, ela é muito curvada. Aí, vem uma pergunta básica: Em que momento da vida ou como era decidido que você podia ter escola, casa, oportunidade de trabalhar, e o outro não, nada? Tudo era negado. Não tinha escola, não tinha família, não tinha casa, não tinha dinheiro, não tinha nada. Então, isso é uma pergunta que passou muito tempo na minha cabeça. Quando eu fui pra universidade... Curso de Administração é engraçado porque você vê Psicologia, você vê Contabilidade, você vê não sei o que mais, você vê Filosofia. E eu passei um semestre inteiro visitando centros sociais e uma série de outras coisas por causa do professor de Filosofia. Ele não dava aula. Na aula dele a gente tinha que ir pra algum lugar. Cada um ia pra um lugar. E voltava com um relatório do que é que tinha aprendido. E aí eu comecei a trabalhar. Multinacional é um negócio completamente maluco. Muitas vezes eu entrava às seis da manhã e saia às duas horas da madrugada, porque eram muitas coisas pra fazer. Por muito tempo isso não ficou presente na minha cabeça, mas ficou aquele desejo de um dia que eu tivesse algum tempinho entender como é que alguém é voluntário. Como é que... na minha cabeça, só existia tipo movimento religioso. Você tinha que se engajar em alguma coisa, tipo pastoral de alguma coisa, pra poder fazer alguma coisa. O tempo foi passando. Eu montei essa empresa. Veio um outro turbilhão, fazer a empresa funcionar, a gente sobreviver e tal. E a Câmara Americana de Comércio saia de São Paulo e começava a abrir as filiais. Aqui teve uma filial que foi proposta ser aberta. Se juntou, na época, eu, da parte da tecnologia – e mais uns dois –, e um grupo de advogados. A gente topou começar a liderar uma Câmara Americana em Recife. Aí, eram “tantos”, que só tinham os dois ______, tecnologia e legislação. E a Câmara foi crescendo. Até engraçado. Eu já passei por várias coisas que começam. Na época da Câmara Americana, pra gente poder ter quorum pra fazer reunião, a gente tinha seis associados e doze trainees. Então os trainees tinham que assistir todas as reuniões que a gente fazia pra poder ter quorum pra ter reunião. O presidente da Câmara Americana na época, que era o John, conheceu o Rodrigo Baggio e, aí, começou a apoiar o CDI. Ele começou a achar interessante a ideia do Rodrigo, e o CDI no Rio tinha uma demanda de abrir CDIs no Nordeste, porque ainda não tinham CDIs no Nordeste. Especificamente em Recife e em Fortaleza. E ele falava: “Em Recife eu posso lhe ajudar pagando uma passagem para alguém ir até Recife explicar o que é o CDI. E eu posso convocar as pessoas da Câmara Americana” – quer dizer, a “multidão” que era na época – “pra você apresentar o que é o CDI”. Aí, foi feita uma reunião com umas seis ou sete pessoas. Mas o intuito do Marcos, na época, que era a pessoa do CDI, não era naquele grupo identificar uma pessoa que ia montar o CDI ou liderar um CDI, mas sim de saber se alguém naquele grupo conheceria alguém, ou a esposa ou alguém do relacionamento ou da igreja, que quisesse fazer um trabalho social numa área de tecnologia. Que topasse montar um CDI aqui. Aí ele me perguntou: “Você conhece?”, e eu: “Não. Eu queria fazer”. Eu sempre queria fazer alguma coisa pelo social, mas até então ninguém tinha me explicado como fazer. Aí o CDI nessa época era menor, quer dizer, era uma coisa pra começar também. Então a gente começou a montar isso em agosto de 2000. Eu me lembro que o único contato que eu tive pra entender o que era o CDI foi só que era uma coisa que interessava. Trabalhava com jovens. Trabalhava com educação. Trabalhava com a inclusão digital. Mas “jovem” e “educação” foram palavras-chaves naquele momento. Eu me lembro que uma semana o Marcos foi pra Fortaleza. Acho que uns dias depois me liga ele do Rio de Janeiro pra me passar pro Rodrigo Baggio, que era o cara, que era o presidente do CDI e tal, não sei o quê. O Rodrigo tinha só uma dúvida: se eu ia ser o coordenador executivo ou se eu ia só ajudar o CDI. Eu disse: “Não, eu tenho uma empresa. Não posso largar tudo pra...” – essa é uma pergunta que ele me faz até hoje, inclusive – “... pra ficar só com o CDI”. Aí eu disse: “Olha, eu não sei o que é que eu vou ser. Eu quero ajudar”. Ele disse: “Então você fica como presidente aí”. E ele disse: “Eu só te dou um conselho. Não monta logo uma ONG. Começa como um movimento. Essa coisa tem chance. Tem fôlego aí e tal”. Quando foi mais ou menos em outubro, a matriz conseguiu um financiamento. Foi o primeiro financiador do CDI em Pernambuco. Praticamente três meses depois, a gente já começou com um staff mínimo, que era um coordenador executivo e um assistente. Então nós já tínhamos... nós tivemos o privilégio, diferentemente de muitos outros CDIs, de já começar com uma estrutura profissionalizada. Isso foi em outubro. Em março do ano seguinte, a gente era oficialmente... em março de 2001, a gente fundou a ONG, quer dizer, Comitê para a Democratização da Informática de Pernambuco. A gente já tinha seis escolas; e eu achando que, assim, a gente estava devagar. Foi quando eu soube que a Bahia tinha anos e tinha cinco. Aí eu disse “bom”, então a gente foi crescendo. Fomos abrindo novos parceiros, novos amigos. Eu sempre chamo “os amigos do CDI”. Eu passei a utilizar uma estratégia que eu uso até hoje: nas minhas reuniões de negócio, eu vou conversar com você pra vender um produto da minha empresa _____; depois que eu cumpro aquele papel, eu digo: “Você tem mais dez minutos?”. E os dez minutos são o CDI. Então eu sempre começo a explicar. Isso levou a gente ter esse universo de dez financiadores e 29 parceiros hoje em dia que, de alguma forma, estão com a gente todos os dias e contribuem com o CDI.
P/2 – Onde você buscava pessoas pra agregar à ideia do CDI?
R – Você diz como parceiros ou...?
P/2 – É. Não. Como equipe, como pessoas envolvidas com a ideia mesmo.
R – Como equipe sempre, não só com o CDI, mas também na minha empresa, onde eu trabalho até hoje. O currículo pra mim é só pra eu saber seu nome. Então eu sempre procuro, sempre que eu ____, até hoje, e cada vez mais, o ____ recebe grandes currículos. Você vê pessoas muito jovens com MBA [Master Business Administration], com pós-graduação, com três línguas, com não sei o quê. Eu sempre digo pro meu pessoal, eu sempre procuro ver se atrás daquele grande currículo tem uma grande pessoa. Então as minhas apostas sempre foram nas pessoas. Cada pessoa que está aqui dentro foi porque ela falou algo ou ela demonstrou alguma coisa. Ela tinha alguma coisa de especial pra estar aqui. Porque, tanto aqui como na empresa, sempre investi muito no relacionamento emocional das pessoas. Hoje a gente tem uma família aqui dentro. Então faz uma analogia: se você tem uma família – e você tem – e alguém quer ingressar nessa tua família, como namorado da tua irmã ou qualquer coisa, você sempre vai analisar que cara é esse, quais são as intenções, o que ele faz. Esse é o raciocínio que a gente segue aqui dentro, pras pessoas que trabalham. Para os voluntários também. Nem todo mundo... Ninguém aqui é voluntário de primeira hora. Ou seja, o cara chega aqui: “Ah, vi vocês no jornal e queria ser voluntário”. Não. Nós sempre nos apoiamos em uma outra ONG que trabalha com voluntariado. “Você quer mesmo ser voluntário?”, porque existe aquele voluntário que é o pagador de promessas, alguma coisa. O cara fez uma grande besteira na vida; aí, ele acha que passa seis meses como voluntário, Deus perdoou e ele não precisa mais aparecer na ONG. Então, para esses assim, que são pra perdão de alguma coisa, a gente aconselha que eles busquem uma igreja ou outra coisa, e não o CDI. Os que estão aqui têm realmente compromisso com o jovem. Então, os voluntários: um foi trazendo o outro. As empresas, até hoje... a gente tem um grupo que sempre vai indicando um e outro. Mas nunca é um relacionamento rápido. Aqui é um relacionamento construído. A gente não tem pressa de quem está aqui dentro nem de quem vai apoiar, mas a gente quer ter certeza que, uma vez que você diga sim, você saiba exatamente o que é que a gente faz, quais são as nossas intenções, por que a gente está aqui, por que a gente trabalha todos os dias.
P/2 – E como foi, quer dizer, a criação de EIC [Escolas de Informática e Cidadania] aqui no estado também? Quer dizer, eram demandas que chegavam, eram iniciativas de vocês, como foi?
R – As primeiras foram iniciativas nossas. Porque, como a gente sabia o que era CDI, sempre tinha que ir pra algum lugar e dizer: “Olha, o que é CDI”, né? Então fazíamos palestras, visitas. As seis primeiras não foram porque as pessoas queriam, até porque elas não poderiam desejar o que elas não conheciam. Depois a gente teve um boom assim de: abre EIC, abre EIC, abre EIC... Depois a gente viu que não era... uns dois anos e meio atrás, três anos, logo no começo a gente viu que a ideia não era abrir EIC, era a qualidade desse trabalho. Então a gente começou a fechar algumas escolas que não tinham compromisso com o CDI ou, às vezes, nem com os próprios jovens. Fomos fazendo isso. Isso é um exercício permanente. A gente hoje recebe projetos. A gente tem muito mais projetos do que a capacidade de abrir uma escola. Então, cada um hoje é analisado com muito critério. Principalmente hoje a gente tem certeza do seguinte: nós temos uma equipe de 19 profissionais, e a equipe fez um exercício com a consultoria _______ pra você atender com qualidade, pra você fazer as capacitações que você se propõe, pra você poder visitar as escolas, enfim, pra que tudo aconteça do jeito que está no planejamento. Então, vamos fazer aqui um tipo hora/homem e quantidade de EIC. Chegou a ser um número que a gente hoje tem 45 como padrão. A gente tem uma variação de, no máximo, três pra mais ou três pra menos e navega nesse número. Então a gente mantém hoje entre 42 e 48 escolas que a gente pode dar um bom atendimento.
P/1 – Você poderia falar, Marcelo, continuar falando sobre as etapas dos CDIs?
R – A gente, até recentemente, recebeu uma pessoa de uma fundação que _____ trabalhar com o CDI do México. E fizemos um exercício aqui: O que é que a gente passou nesses quatro anos? Quais foram as lições que a gente aprendeu? Então, no começo tem aquele momento de abertura e de que todo mundo faz tudo. Era muito normal você ver todo mundo carregando máquina. E aí teve o primeiro dia D, que hoje é o dia da inclusão digital. Era aquela coisa muito, assim, militante. Você pega uma coisa de um lado, arrasta pro outro. E o CDI, ele era duas vezes: dentro da minha sala, dentro da empresa. Porque na minha sala da empresa eu puxei tudo pra um lado, a gente colocou duas mesinhas lá, que o Paulo e a Sabrina trabalhavam. E, aí, você vai vendo o seguinte... Bom, a primeira constatação, que hoje é uma realidade no CDI, mas na época não era: ninguém era pedagogo, e você trabalhava com educação. Aí, veio a primeira necessidade básica da gente ter uma pessoa que entendesse da parte de pedagogia. Só que, pra você ter um pedagogo, você precisa captar dinheiro pra poder pagar o salário de pedagogo. É um exercício interessante porque todo mundo tem a noção de que eu faço alguma coisa e isso daqui é valorado. Eu vou pro mercado, ofereço. Alguém se interessa. A pessoa paga por aquilo. E eu mantenho, ou me mantenho, mantenho uma empresa. Mas como é que você vai pedir algo para uma coisa que, teoricamente, não tem retorno? Você não está entregando nada de volta. A pessoa tem que acreditar na sua ideia e tem que acreditar que aquilo vai fazer a diferença na vida de ene pessoas, mas que não é uma coisa tangível. Você não vai, em momento nenhum do processo, retornar alguma coisa física ou tangível para aquela pessoa. Então, começou a ter essa dificuldade. Como captar recurso, já que você precisava de mais gente na equipe, que você precisava do pedagogo. A captação de recursos demanda muito tempo. Você precisava de alguém para dar manutenção nas máquinas porque o número de EIC começava a crescer e o CDI historicamente trabalha com computadores que já são seminovos ou bem antigos – a gente tem os dois universos – e que, às vezes, quebram e não têm peças, enfim. Aí, a gente começou a ver o seguinte: a gente precisava envolver mais pessoas nesse processo e a gente precisava ter duas situações, uma que eram pessoas permanentes dentro do CDI e pessoas que não onerassem muito, que a gente não ficasse com saltos de orçamentos muito grandes. Depois, que nem tudo que a gente queria fazer podia ser feito com funcionários. Então, aí começa. Desde essa época, a gente investia no relacionamento com o voluntário. E que não era só apresentar, fazer alguma coisa. A gente sempre registrou o voluntário, sempre mantemos contato. A gente sabe o seguinte, se a gente precisa de um advogado, tem dois escritórios de advocacia, que são voluntários nossos. São os dois escritórios mais importantes da cidade. A gente precisava de alguém de rede de uma empresa. Até hoje, quer dizer, essa semana mesmo, a gente ontem estava dando palestra numa nova empresa que veio fazer a sensibilização dos funcionários. Mas aquilo não é aquele voluntário de primeira ordem. Então, o cara quer ser. Ele passa por um curso de voluntário, ele trabalha com a gente, ele vê como é a empresa, acompanha. Até ele ter certeza de que ele quer fazer isso. Hoje a gente tem um quadro de 266 voluntários que trabalham permanentemente, todos os dias, no CDI. E tem mais, acho que uns cento..., eu não me lembro o número agora, uns 190, que são aqueles identificados pra ações. Ou seja, recebemos muitas máquinas de uma vez só quando teve a campanha da mega-ajuda. Então, para colocar aquelas máquinas todas em ordem, colocar nas escolas, às vezes num dia, num fim de semana, trabalhavam 60, 80, 100 pessoas. Já chegamos até 180 pessoas num dia. Normalmente vem sempre aquela pergunta: “Olha, eu trabalho na área de Recursos Humanos. Eu só sei ligar o computador”. Eu digo: “Oh, você sabe carregar, passar um pano, essas coisas?” “Sei.” “Então pronto, você já pode ser voluntário.” Não precisa ser técnico em informática. É muito engraçado porque você pega as fotos da gente e vai ver que tem professor de Educação Física fazendo exercício laboral pros voluntários que estão horas ali. Aí, tem alguém que sabe cozinhar e vai fazer um lanche pro voluntário. Tem alguém que está fazendo entretenimento. Tem gente fazendo massagem. Tem gente fazendo... Enfim, cada um pega o seu talento naquele momento e leva para aquele momento do CDI. Então, a gente tem todo esse pessoal identificado sempre aqui, e é com isso que o CDI foi crescendo. Mas, mesmo assim, a gente tinha que pegar novos projetos. A gente tinha que contratar pessoas para trabalhar fisicamente, se dedicar integralmente ao CDI. Aí, precisava mais dinheiro; e o CDI, como cresceu, começou a ter um problema: se todo o CDI fosse sair para todo lugar captar dinheiro, então o que ___ CDI, uma empresa poderia ter 15 propostas diferentes de 15 CDIs diferentes com 15 presidentes diferentes. Então, começaram a fazer uns acordos de convivência, vamos dizer assim, entre a rede CDI definindo como é que se capta recurso, procurando-se trabalhar mais com as empresas locais. E vem os outros inúmeros desafios com isso. Se você tem mais gente, você precisa de mais espaço. Mais espaço demanda mais móveis. Mais móveis depende de mais telefones, mais pontos de rede. Então começou, o CDI sempre tem essa luta. Ele cresce, as escolas são autossustentáveis, mas o regional não. Tem que estar captando recursos. Você precisa de espaço. Aí, você precisa pagar a conta de luz, você precisa pagar, precisa de máquinas pros funcionários trabalharem, e por aí vai. E cada vez isso vai se tornando uma exigência maior. Você vai profissionalizando, as pessoas vão demandando mais recursos, não só financeiros como técnicos. A área pedagógica está sempre demandando alguma coisa para fazer capacitação, para fazer dinâmicas. A gente começou a fazer encontros. A gente, já há dois anos, faz encontros de todos os educadores do CDI em Pernambuco. Esse encontro, no começo, eram oito pessoas. O último que a gente fez aqui tinham mais de 200. Se você desloca todo mundo pra cá, não pode ser mais na sala. É no auditório. Se você for oferecer bolacha com suco de qualquer coisa e água pra 200 pessoas, hoje já custa R$ 600,00, R$ 700,00 esse encontro, oferecendo, assim, um mínimo pras pessoas, vamos dizer, uma contrapartida mínima. Então vêm aqueles velhos problemas. A gente brinca que a padaria aqui do lado é muito feliz quando a gente faz encontro, porque ela vende 200 pães doces de uma vez só. É o que a gente pode pagar e aquilo que não é nem dar um lanche. É dizer: “Olha, gente, obrigado por estar aqui. Eu sei que eu tenho por todos vocês um carinho, um gesto de carinho mínimo por vocês estarem aqui”. Então, tinha outras dificuldades. Por exemplo, a gente desloca muito computador, leva pra uma EIC, o monitor queima. Pega, vai e tal. A realidade do Nordeste é que essas comunidades são muito pobres. Então, pegar um táxi pra eles virem aqui ou eles virem com quatro, cinco, cada um segurando uma peça do computador no ônibus... Realmente, nem as peças chegam aqui porque, em algum momento, corre-se o risco de eles serem roubados ou de elas quebrarem, enfim. Então, a gente fez um esforço pra comprar um carro pro CDI Pernambuco. O CDI Pernambuco tem um carro que dá apoio às comunidades. A gente sempre faz uma parceria. Quer dizer, a coisa é difícil, mas não precisa ser intransponível. Não precisa ser aquele sacrifício absurdo. As coisas não precisam ser assim. Então é esse exercício que a gente faz todos os dias aqui. Mas são grandes desafios: você manter uma folha de pagamento de 20 pessoas; você manter toda a estrutura que vocês viram aqui no CDI Pernambuco. O espaço físico. Você vai colocando mais gente, a sua conta de telefone vai subindo. Enfim, são coisas naturais. E, apesar de tudo, eu acho que nós somos certamente um dos CDIs que consegue acompanhar com mais frequência as escolas, que consegue dar um acompanhamento muito bom, que dá muita capacitação e que tem um custo de acompanhamento muito baixo. Justamente porque a gente faz esse exercício de parceria constantemente com essas empresas para que ajudem a gente ora com combustível, ora com alguma coisa, de forma que a gente otimize ao máximo os recursos que estão aqui.
P/2 – A fase de qualificação, profissionalização do CDI, você disse que envolveu contratação de profissionais, estabelecimento de novas parcerias, a inclusão de voluntários. Que outras características são dessa fase?
R – Olha, muita ajuda externa. A gente teve e tem muitas consultorias externas que ajudam a gente a pensar.
P/2 – Foi a contratação mesmo de consultorias?
R – São sempre doações.
P/2 – Ah, doações.
R – Então, por exemplo, toda a parte estratégica da gente, financeira, em termos de planejamento, foi feito com uma equipe de sete pessoas da Deloitte. Mas para isso a gente não pagou a Deloitte. Pra toda a nossa parte contábil também, de impostos, de tudo, é uma empresa que doa os serviços pra gente. Então a regra é: se a gente tiver o dinheiro no orçamento para pagar aquilo, a gente só vai pagar se depois de todas as tentativas a gente não conseguiu... Não é só uma questão de não pagar. É porque eu acho que é uma maneira da gente conseguir trazer outras empresas e essas empresas falarem pros seus clientes que existe uma causa de inclusão digital séria que trabalha efetivamente pelos jovens, com os jovens, conhecendo esses jovens. Por exemplo, a Deloitte, quando veio pra cá, a primeira pergunta que foi feita pra eles foi: “Vocês têm experiência em trabalhar com organizações do terceiro setor?”. Eles disseram: “Não”. Então, eles passaram por um estágio de quase dois meses visitando escolas, visitando aqui, conversando com funcionário, conversando com coordenador de escola, conversando com a mãe do menino, com o menino, com o líder comunitário. Aí, então, foi muito interessante porque, quando a gente começou a fazer o planejamento, alguns questionamentos vinham à tona e automaticamente alguém dizia: “Não, ah, é isso e isso e isso”. E aqueles cinco consultores e mais três diretores da Deloitte diziam: “Não, isso está no seu discurso político. A gente não viu isso na prática naquela escola. Quando aquele jovem disse isso, a gente não sentiu isso”. Isso levou a gente a fazer uma série de reflexões: até que ponto a gente estava se convencendo de certas coisas e até que ponto a gente efetivamente estava fazendo aquilo. Isso é muito importante, você parar para fazer essas reflexões, sair do discurso político e checar se na prática, aquilo que você disse, está acontecendo. Então, isso foi muito interessante. Além disso, hoje existe um trabalho que é sempre feito em equipe. Tudo aqui dentro. Existe uma tarefa, um prazo ou o que se deseja alcançar. Quem é a pessoa responsável. Mas essa pessoa responsável tem que articular qual é a rede de apoio dela interna. Se você olhar a gente, diversos quadros de gestão que estão lá, as áreas têm que interagir o tempo todo, elas têm que trocar, têm que se ajudar. Porque não é a meta daquela pessoa, é a meta da equipe. E a equipe, em alguns momentos, aquela pessoa do outro lado, do financeiro ou do pedagógico ou de projetos, é fundamental, por exemplo, pra uma atividade do cara que está desenvolvendo o software de TI conseguir alcançar aquela meta dele. Ele precisa de uma consultoria ou de um apoio daquela outra pessoa para alcançar. E a gente veio meio que passando isso também para as organizações. Algumas disseram: “Não, olha, eu não estou a fim disso”, ou “isso foge do meu escopo”, ou “eu não quero fazer esse trabalho”. E a gente sempre, de uma forma muito bem construída, foi descredenciando algumas escolas. Ou aquelas pessoas que tentavam desvirtuar os objetivos do CDI. Usavam aquilo para fins políticos, qualquer coisa. Essas são descredenciadas automaticamente. Aqui no Nordeste isso é muito sério, porque o envolvimento político, se você deixar, toma conta de qualquer organização – e isso é uma coisa que a gente toma muito cuidado. Então, esse processo todinho foi um processo de ver a gente realmente aplicando a TTP (?), a gente realmente estar fazendo o que se propõe. Aquilo tem sido feito com qualidade? As pessoas aqui dentro têm entendimento do que está sendo feito? Tudo o que a gente quer fazer realmente está sendo construído com as escolas como a gente diz que faria? Enfim, isso leva a um raciocínio da qualidade, do acompanhamento, da parceria mesmo entre CDI, comunidade, escola, EIC. Se isso tudo funciona bem, a escola está bem. Se alguma coisa não funciona bem, a gente sabe que tem uma fila enorme de outras comunidades que gostariam de ter uma oportunidade. A gente transfere essa oportunidade para quem queira fazer.
P/1 – Você falou dessa fase, dessa transição pra uma fase mais de qualidade, diminuindo a quantidade. O que motivou essa fase? Teve alguma orientação da matriz ou foi uma _____ interna?
R – Não, o dia a dia mesmo mostrava o seguinte, que naquele volume de escola que estava sendo aberto não existia um acompanhamento condizente. Não existia uma capacitação. Quer dizer, a gente falava sempre em capacitação, mas a gente capacitava na Universidade aqui do lado, na Universidade Federal, ou numa outra Universidade particular. Aí, começou a ter aquele problema de racionamento de energia elétrica. Então, onde a gente utilizava não deixava a gente utilizar mais porque tem que ligar o ar-condicionado, tem que ligar os computadores. Ia estourar a meta de energia do cara e tal. Então isso foi mostrando que uma série de coisas, que eram o principal do CDI, tinha que estar sob o controle do CDI. Tipo laboratório de capacitação. O pessoal de casa que iria capacitar não podia ser voluntário. Então começou o CDI. O principal fator é: a qualidade do nosso trabalho depende de um educador bem formado, de um educador com qualidade, de um coordenador de EIC bem formado. A gente não pode estar presente, e o CDI não tem como política ser ele o executor da aula na comunidade. Pra isso, a gente precisava ter capacitações permanentes, precisava ter esse trabalho, essa qualidade sempre sendo investigada, tanto que a gente fez uma opção. O pedagógico fez uma opção na época de não pegar um voluntário e dizer assim: “A gente te dá toda a capacitação de A a Z e você vai pra comunidade”. A gente dá abecedê. Ele vai pra comunidade. Depois ele volta. Às vezes, é um processo longo, é um processo demorado, mas é um processo que garante que a gente esteja sempre em contato com o educador; que o pessoal da gente, que forma o educador, sempre esteja convivendo com ele, que tenha um contato permanente com a gente. E vira e mexe ele está aqui pra fazer uma outra capacitação, ou por demanda da própria escola hoje em dia, ou porque ele está dentro do contrato que a gente tem da capacitação dele. Mas isso o motiva a manter contato e proporciona que a gente tenha contato permanente com eles. Então a gente está sempre visitando a escola, eles estão sempre aqui. Aí, você vai criando uma relação muito boa porque eles vão sentindo que o CDI pertence a eles, como eles pertencem ao CDI. Então hoje, quando a gente precisa fazer qualquer coisa aqui, a gente tem problema de excesso de voluntário. Porque toda EIC quer ajudar, quer mandar um jovem pra cá. O jovem quer vir. Então, desse rápido passeio que a gente deu lá, vocês viram aqueles dois garotos. Um já está como funcionário. O Felipe é voluntário. Ele tem 16 anos, mas ele adora. Ele vem pra cá e ele gosta de aprender. Como eles, a gente diariamente tem um trânsito muito grande de jovens dentro do CDI. Porque aqui não é alguma coisa que é pra gente. Quer dizer, é pro CDI, é o regional, é o administrativo. E o deles é na comunidade. Eles sentem que eles entram aqui, eles conhecem todos os funcionários, eles conhecem todo mundo pelo nome. O pessoal daqui conhece normalmente os jovens pelo nome. Sabe da história deles, falam-se ao telefone. Você cria realmente uma relação. Então eu acho que isso é o que a gente buscou com essa questão da qualidade, do acompanhamento, ter isso com cada uma das escolas.
P/2 – Que mecanismo de controle vocês têm para acompanhar o trabalho?
R – Pois é, isso daí é um problema, principalmente comigo, pessoal. Era a coisa que me incomodava demais. Normalmente, sempre vinha aquela primeira pergunta: “Quantos alunos o CDI tem?”. Aí, você fazia uma média ou você sabia, pela questão das últimas planilhas, que eram mais ou menos tanto, você dizia. Olha, daí o cara fazia. Eu tinha sempre medo da segunda pergunta. Seja ela qual fosse, as mais básicas. São mais garotos ou mais meninas? Eu já não sei. Quanto tempo eles ficam no CDI? Quantos conseguiram emprego? Olha, pelo nosso sentimento... Então, veio o seguinte, que o maior indicador de ONG é pelo sentimento que a gente tem. Esse é o indicador-padrão de todas as organizações sociais. Isso incomodou muito a gente. A gente passou por uma consultoria, por um financiador que construiu coletivamente, com cada pessoa da equipe, o que é que cada área gostaria de ter investigado, contemplado. O que era informação útil. Que informações dariam retorno para uma EIC. E a gente começou a criar um sistema de gestão, tanto interno como da gente com os financiadores, da gente com a matriz e, principalmente, da gente com as escolas. Hoje a gente está a alguns dias de saber exatamente quantos alunos a gente tem, onde eles estão, como é a família deles, qual é a vida escolar deles. Enfim, conhecer o que seria o nosso cliente, o jovem. A gente já conhece isso, por exemplo, de todos os nossos educadores. De todos os nossos educadores e de todos os nossos voluntários. Então, a história de cada comunidade está sendo levantada. Essa comunidade está sendo documentada. A gente usa muito vídeo, muita fotografia, muito texto. Quer dizer, a gente montou uma parafernália de servidores, de tudo, para que cada pessoa, quando volte da rua, registre a experiência dela. Veja que coisa interessante: as escolas se comunicam, a gente se comunica e isso tudo é registrado hoje. Então, o principal era a gente conhecer profundamente o que era o CDI. Existem outras etapas. Num plano de zero a dez, eu diria que a gente está no três. A gente tem ainda a parte de projeto, a parte de doação, a parte de inventário de máquinas, a parte da execução financeira do projeto, da execução dos programas e dos projetos que são desenvolvidos pelo regional e pelas EICs. Que resultados dá isso. Mas o importante é que a gente sabendo agora quando o jovem entrou no CDI, quando ele saiu. A gente tem um acompanhamento dele enquanto está com a gente, como era a vida dele antes, como é que foi essa trajetória dele dentro do CDI. Daqui a um ano, no fim de 2005, a gente vai poder, de repente, ligar pra todos, ou entrar em contato com todos, e saber: “Olha, o que é que isso influiu na tua vida? Você recomendaria? Como é que foi essa tua trajetória? O que é que isso mudou? Impactou? Não impactou?”. Porque a gente precisa se avaliar, a gente precisa ver constantemente se aquilo que a gente está fazendo efetivamente causa um impacto social. Que impacto é esse? O que a gente proporciona ou deixou de proporcionar? Qual foi a expectativa que a gente atendeu? Qual foi a que a gente não atendeu? Isso é que eu acho importante, sabe? A gente, por exemplo, trabalha muito a parte de cidadania. Mas o CDI não pode ser e não é uma organização de domínio público. Eles hoje têm muito problema, no Nordeste tem muito problema de meninas e meninos violentados, de drogas, de abuso sexual e uma série de coisas. Então, a gente começou a trazer organizações que, às vezes, têm EICs, ou que não têm EICs, mas que são parceiras em algum outro fórum que a gente transita. Eles dão hoje palestras constantemente, têm feito trabalho. Mas a gente ainda precisa investigar mais profundamente que questão social, qual é o problema efetivo que tem em cada comunidade dessa, pra que a gente seja até muito mais efetivo na parte de cidadania. Então, toda essa parte de gestão está sendo desenvolvida agora, junto com a matriz. A gente está unindo esforços junto com o César, que é um braço da Universidade Federal de Pernambuco. Tem 400 engenheiros de sistemas aqui. É uma fábrica de software. E a Universidade. E essas três forças que a gente tem, CDI Pernambuco, César, da Universidade, e CDI matriz. A gente pretende desenvolver um software que seja utilizado por Pernambuco e, depois, por todos os regionais. E a matriz, por sua vez, vai ter o consolidado de tudo isso. Então, a matriz poderá falar de um financiador com propriedade sobre todos os regionais e cada regional vai se conhecer, vai conhecer o seu cliente, vai conhecer com quem ele trabalha, as comunidades que ele trabalha, um a um. Ele pode ir no detalhe de uma pessoa e ver tudo aquilo que está...
P/2 – O histórico?
R – O histórico. E o financiador, por sua vez, vai ter acesso a essas informações, às informações de efetividade, de qualidade, de aproveitamento. E da execução financeira, do orçamento, de tudo. Então ele vai poder... A ideia é que o CDI quebre um paradigma e ele seja uma instituição 100% transparente, auditada, e que mostre a efetividade e a grandeza do trabalho que é desenvolvido. Então, a gente não quer ficar em discurso. A gente quer realmente ser efetivo na vida de cada um desses jovens.
P/2 – O que representa a iniciativa do CDI no estado de inclusão digital frente a outras?
R – Olha, tem.
P/2 – Existem outras, quer dizer, ele é pioneiro? Como é que você analisa ______?
R – O CDI é pioneiro. Agora, o importante é que o CDI... a ideia é fantástica não só pela questão da inclusão digital, mas por tudo que é feito. Quer dizer, toda essa parte de cidadania. Aqui a gente tem, como eu já te falei, diversas outras iniciativas. Muitas são muito localizadas. Eu diria que nada que se compare ao CDI. Não querendo ser superior ou inferior a alguém, mas a gente tem diferenciais. Não é só na qualidade, mas na proposta. Principalmente na proposta e pelo CDI ser isento e ético em todos os momentos. Que dizer, nesses quatro anos que eu estou no CDI, eu nunca ouvi falar... Já ouvi falar diversas críticas, mas nunca sobre a idoneidade das pessoas. Nunca sobre a transparência. Nunca sobre alguma coisa que denegrisse alguém ou a instituição. E aqui, por exemplo, até o... quando o CDI se instalou... existe uma outra organização que tem um trabalho de inclusão digital que é conhecido, mas 100% com fins políticos. Tanto que o aluno, quando senta na frente do computador, para ele destravar o computador para começar a trabalhar, ele tem que botar o número do candidato e dar enter. Aí vem a fotinho do candidato. É de uma senhora e do filho. Ela é deputada estadual e ele é vereador. Então, dependendo da eleição, você fica, sabe, digitando aqueles números. Eu acho que você chega na urna eletrônica e não tem nem como fazer diferente. Já viciou na sequência dos números. Então isso diferencia muito o CDI. A gente, nesses quatro anos o que eu tive de visita de deputados, de vereadores, de secretários, de prefeituras, de prefeitos que vêm aqui e eu digo: “Olha, mas isso, se nós abrirmos uma escola onde o senhor está querendo, naquela comunidade, o senhor não vai poder dar o nome da escola, o senhor não vai poder tirar fotografia com os meninos, o senhor nunca vai poder dizer que foi aquela sua promessa de campanha que o senhor está concretizando”. Enfim, nós temos um termo hoje especialmente para políticos. E normalmente a frase seguinte é: “É exatamente isso que eu queria, minha preocupação é o social. Vamos marcar uma segunda reunião já pra colocarmos pra frente”. Em quatro anos nunca houve a segunda reunião. Então eles saem daqui e não voltam. Isso, acho, que é a diferença do CDI, é a gente não vender a instituição ou não se propor a uma série de coisas que fogem. Isso é uma preocupação da rede inteira. A rede briga muito pela transparência, pela idoneidade, pela independência de qualquer outra coisa que pudesse, de alguma forma, prejudicar ou distorcer as atividades do CDI.
P/1 – Você pode falar um pouquinho dessa articulação com a matriz? Teve uma mudança do regional com a matriz? _______ ____ rede, ____?
R – Teve. Eu acho que qualquer relação que você passa na vida tem aquele momento de encantamento e tem o momento de, sabe, “Não era bem isso que eu esperava de você”. E tem aquele momento da maturidade. Eu diria que o CDI Pernambuco e a matriz hoje, numa história recente, não é tão longa assim, a gente já passou pelas duas fases. Assim, de estarmos completamente deslumbrados; depois, completamente decepcionados. Depois entramos num estágio de maturidade no relacionamento. A gente hoje tem construído muitas coisas juntos. E uma coisa que eu acho que é importante que se registre é que hoje eu estou com 39 anos. Trabalho desde os 17. Tenho 22 anos de estrada. Eu nunca passei por uma organização que aprendesse tanto em tão pouco tempo. Você vê uma mudança muito radical, muito forte, do CDI de quatro anos atrás pro CDI de hoje, do relacionamento que a matriz tem com os regionais. Eu acho que o Rodrigo foi uma pessoa que amadureceu muito como líder, como empreendedor e como ser humano. Ainda não é uma relação, assim, perfeita – e acho que relações perfeitas não existem. Mas temos muito que caminhar. _____ relação excelente, mas ela já é uma relação muito boa. Então eu acho que o básico do CDI é que você encontra pessoas, ou um conjunto de pessoas, que têm objetivos muito fortes. Que brigam porque, como qualquer relação, brigam pelo melhor, não por uma questão política ou por uma questão de fofoca, alguma coisa. Mas que é uma organização que tem aprendido demais, a passos muito largos. Poucas empresas que eu conheço, com grandes estruturas, com grandes consultores, com muito dinheiro, conseguiriam evoluir tão rápido como o CDI evoluiu. A gente tem muita coisa ainda para ajustar, tem muita coisa para aperfeiçoar, mas hoje é uma organização fantástica. Hoje é uma organização muito séria, é uma organização efetiva naquilo que se propõe e é uma organização que ainda tem muito a evoluir. Quanto mais ela evoluir, mais ela vai dar, eu acho, até outros sinais de aprendizado externamente. Porque vai ser uma organização que vai ensinar efetivamente como o terceiro setor pode trabalhar com as empresas – que é uma coisa que a maioria das organizações não fazem, não querem fazer ou têm medo de fazer, ou criaram fantasmas sobre essa relação. E o CDI consegue trabalhar muito bem sem se corromper, sem se vender, sem se prostituir. Então esta é a grande lição que o CDI talvez agregue ao país: que empresas e organizações podem construir uma realidade completamente diferente. Nem a empresa precisa ser outra empresa e nem a organização precisa ser outra organização. Mas as duas podem se dar a liberdade de trabalhar e de aprender em conjunto, sendo capazes de fazer uma grande revolução social.
P/1 – Seria o grande diferencial do CDI essa articulação, _______?
R – Um dos grandes diferenciais do CDI é isso, é essa articulação com a empresa, com a sociedade. E, principalmente, com o respeito que o CDI sempre teve com as organizações parceiras, com os parceiros e com as comunidades e com os jovens que estão com a gente.
P/1 – E o que foi essa mudança na relação? No que ela se constituiu?
R – Olha, eu me lembro, alguns anos atrás, a matriz, por exemplo, nunca com uma intenção negativa – sabe aquela relação que muitas vezes você repete enquanto você é pai, né, você decide coisas pelos teus filhos dizendo o seguinte: “É o melhor pra você” –, tinha uma relação muito assim, desenhava projetos e entregava projetos pra você sem saber se você queria aquele projeto. Se aquele projeto era aquilo que você precisava. Eram sempre coisas muito centralizadas, apesar de a gente ser uma rede. A rede não tinha muita influência nas decisões ou ela não se manifestava, o que também era um erro da rede. Enfim, tem vários erros desses de aprender a conviver mesmo. Hoje é muito diferente, quer dizer, quando a gente vai fazer alguma coisa, a gente se consulta, se fala, a gente discute. Ou eu vou ao Rio, ou eles vêm aqui. Você fala por telefone. Você procura identificar os regionais que estão desenvolvendo alguma coisa diferente, permeia essa informação, documenta essas coisas. O CDI não documentava as coisas. Quer dizer, a matriz se profissionalizou muito melhor. A gente hoje tem grandes colegas na matriz como tem grandes colegas em outros regionais. Então, é uma troca de conhecimentos, de ações, num nível muito alto hoje. Isso favorece o crescimento de todo mundo porque você tem que subir certas horas em diversas coisas para você alcançar o raciocínio do outro, o conhecimento que o outro tem. Você tem que... e é uma relação hoje muito mais respeitosa, muito mais democrática, muito mais transversal, que você consegue permear tudo. A matriz tem algumas coisas tipo assim: “Não, olha, a gente não contou antes pra não criar expectativa”. Até que ela aprendeu que as expectativas fazem parte do... sabe, você não só pode ter sucesso. Eu não posso querer sair hoje pra buscar uma coisa, achar que tudo aquilo que eu vou buscar eu sempre vou voltar com um sim. Eu tenho expectativas todos os dias que são frustradas. Isso faz parte do aprendizado. Então essa, talvez essa bolha de superproteção, essa intenção do regional não sofrer tanto... Hoje a coisa é mais construída em conjunto, com muito mais respeito. A gestão é muito mais participativa. O CDI tem uma outra coisa que eu acho que é fantástica. Eu vejo isto em raríssimas organizações. A gente hoje tem um conselho efetivo. O conselho fez muito bem pro CDI e a gente hoje também costuma dizer que o CDI fez muito bem para o conselho porque nós temos nove empresários no conselho do CDI, e isso é engraçado porque você tem uma ONG.
P/2 – Aqui? O CDI?
R – Não, o CDI matriz. O Brasil. Internacional. Você tem um grupo de nove conselheiros com oito grandes executivos ou empresários, mas todos do segundo setor. Todos convivem, passam seus dias em pleno capitalismo, do mais selvagem possível. E temos uma jornalista, temos uma mulher dentro do conselho. Ainda precisamos melhorar a questão de gênero, pois só temos uma mulher. Mas é engraçado você ver como esse conselho trabalha, como ele se dedica, como ele é sério, como ele procura entender. Ao mesmo tempo, mais um grande exemplo: apesar de a gente ter oito empresários no conselho, eles nunca usaram o CDI pros seus interesses e nunca impuseram ao CDI qualquer coisa. Inclusive aprenderam que, mesmo como presidente de grandes empresas, como vice-presidentes, como diretores, acostumados a suas ordens não serem contestadas, e sim obedecidas. Teve um exemplo clássico fantástico no encontro do ano passado em que o conselho foi apresentar um projeto e os regionais disseram: “Não. Não gostamos da ideia. Não vamos fazer. Achamos que vocês têm que amadurecer isso daí. Não gostamos disso”. E, sabe, eles aceitam isso hoje. Então, quer dizer, essa própria convivência democrática pra eles é muito bom, pra ver que tem outros valores que não são aqueles que eles defendem todos os dias. Que, às vezes, quando você vem de fora, do segundo setor, e entra numa organização do terceiro setor, você não entende certas coisas. Você acha que é uma babaquice aquilo que o cara está defendendo. É um sonhador. É um tolo. Mas que, se fosse pra gente defender as mesmas coisas, a gente não precisaria do terceiro setor. O terceiro setor força uma reflexão de que o ser humano é muito mais do que um currículo ou do que os cursos que ele fez. E que as comunidades precisam de outras coisas que não uma cesta básica no fim do ano. Então são valores diferentes, é uma ética diferente, é uma relação interpessoal diferente. Eu acho que o CDI também – do mesmo jeito que as empresas nos ajudam muito, se elas permitem – faz um bem enorme pra essas empresas. Seja na sua administração, seja na sua relação com os funcionários, seja na sua produtividade. Porque os funcionários vão se sentir de outra forma. E vão sentir que eles trabalham numa empresa que vai além de um demonstrativo contábil ou de metas que possam ser alcançadas ou não.
P/1 – Talvez falar rapidamente a questão do levantamento dos recursos, a captação de recursos. Como é feito regionalmente? ____
R – A captação de recursos é um grande problema porque, quanto mais a tua organização cresce... você fala de valores, ordens de grandeza muito diferentes. E as ordens de grandeza não são proporcionais ao teu crescimento. Elas crescem mais do que... você cresce dois, mas o teu orçamento cresce dois e meio, porque tem algumas variáveis aqui que crescem mais. Então existe uma dificuldade enorme, e isso não é só no CDI Pernambuco. É que as empresas brasileiras não se envolvem com a doação de dinheiro. E quando elas o fazem, elas na realidade querem cumprir um programa. Elas querem terceirizar a execução de alguma coisa de social que elas pensaram. Elas não querem saber o que você faz. Ela quer que você faça aquilo que eles pensaram – e, normalmente, quem pensou foi o departamento de Marketing, foi o departamento de Recursos Humanos. São pessoas que têm pouco conhecimento. É essa relação que precisa ser melhorada no Brasil. As empresas precisam entender que elas fazem coisas muito bem, e que a gente faz coisas muito bem. Ambos podemos aprender muito uns com os outros. Então, o que acontece? Numa cidade como o Recife, você tem uma dificuldade enorme porque você fala com um empresário e ele fala assim: “Olha, eu vou reformar o escritório agora. Eu preciso ampliar uma estrutura ou eu preciso fazer tal coisa”. E ele fala: “Você vem aqui que eu dou a tinta ou eu dou...”. Tem empresas aqui que doam o papel todo mês. mas não doam dinheiro. Dinheiro não. “Vamos fazer o seguinte. Vamos doar papel. Você usa papel na escola?” “Uso.” Mas as pessoas esquecem que eu tenho 20 profissionais, que eu tenho conta de telefone, de água, de luz, que eu tenho transporte. Enfim, que tenho capacitação, tenho um monte de coisas. Então, qual é a grande dificuldade? Não existe ainda uma sensibilidade de doação nesse ponto. Isso é uma coisa que não é uma questão de você vender a causa. Você precisa primeiro criar a cultura. Até você conseguir vender a causa. Então a gente hoje tem uma dificuldade muito grande porque todos os nossos colaboradores não são de Pernambuco. A gente só tem uma parceria com...
(troca de CD)
E isso é uma coisa que não é uma questão de você vender a causa. Você precisa primeiro criar a cultura. Até você conseguir vender a causa. Então a gente hoje tem uma dificuldade muito grande porque todos os nossos doadores não são de Pernambuco. A gente só tem uma parceria com o Governo do Estado aqui, que é o único local, e os centros de decisão hoje, em qualquer lugar do Brasil, não estão no local que você está. Estão todos em São Paulo. Ou 99,9% deles. Você tem até uma regional, você tem um diretor. Mas, quando você leva o projeto, ele fala assim: “Olha, eu tenho um colega lá não sei onde que é quem cuida da área de ___________, ou de responsabilidade social, ou seja lá o que for. E eu preciso mandar isso pra ele”. Então você já perdeu aquela defesa que você faria pessoalmente, ou o cara conhecer a causa ou ele se sensibilizar com os jovens, com o que você faz. Então é muito difícil. A gente precisa, na realidade, criar essa cultura de as empresas localmente começarem a se envolver com as causas, mas não só financeiramente. A gente hoje tem grandes exemplos aqui, como a IBM, como a Philips, como a Basf, como outras empresas que têm o dinheiro, têm o trabalho, têm o voluntariado, têm o estar junto conosco, pensando no dia a dia. Empresas que você diz assim: “Poxa, caiu um problema no colo agora”, e você pode, de repente, ligar pra lá e debater aquele problema e, se a pessoa não conhece, sabe que o colega do lado tem um conhecimento suficiente pra te apoiar.
P/1 – OK.
P/2 – Eu queria te fazer uma pergunta que é o seguinte. Pernambuco é um estado com um posicionamento político muito forte, de expressão nacional. E com a raiva, brigas camponesas, tem um choque político muito forte. Eu queria saber como isso lhe marcou, marcou a tua história pra um lado ou pro outro.
R – Olha, eu acho que a única forma que me marcou é que isto nunca foi positivo pro Estado. Então, as pessoas aqui não brigam porque vai melhorar a vida de alguém. Elas são teses de mestrado. O cara assume o governo e a tese dele é aquela. Então, não importa quem vai sofrer por aquilo ou quem vai ganhar. Sem falar que se fala muita coisa que, quando você vai ver, aquilo ou é muito localizado, tem pouca expressão, ou é, de uma forma geral, muito discurso. Na prática ___ essas ligas camponesas, esse negócio assim. Então aqui, pelo menos na época do governo Arraes, eu estava nessa multinacional e eu viajava muito pelo interior. E você passava por estradas onde tinham pessoas capinando. Sabe, o que aquilo agregou? Quer dizer, só pra ocupar as pessoas. Só pra dizer que você está pagando ou dando alguma bolsa ou alguma coisa. E pra não dizer que não está dando pra nada, você mandava capinar. Sabe, em vez de pegar aquelas pessoas e já... Porque, como a cultura... o que é a cultura da cana-de-açúcar? Você tem seis meses que você trabalha e tem seis meses que você não tem o que fazer. Porque a cana foi plantada e está crescendo. Você tem que sentar na beira da estrada e ver ela crescer, não tem o que fazer. Então nunca se fez... eu acredito que em quase todo esse país não se investe em educação. Era muito melhor ter pego aquelas pessoas e ter dado algum ofício a elas e as ter ensinado abertamente, ter dado educação, e não um estrovênio (?) ou alguma coisa e ensiná-las a capinar. Você via em quilômetros aquelas pessoas capinando e eu digo: “Pra quê?”. Então você tem um estado que tem, até hoje, problemas com os grupos políticos que defendem seus interesses e suas teses de administração ou sua forma de administrar, mas que nunca investiram fortemente em educação. Você vê os nossos próprios jovens aqui. Você os coloca pra procurar emprego e aí: “Ah, vamos procurar emprego na internet”. Aí, ele coloca i, m, p, r. Ele não consegue nem escrever a palavra emprego e bota “imprego”. Ele escreve como pronuncia. Uma educação de baixa qualidade. Você tem uma pior desigualdade social do Nordeste. Muita gente muito rica e uma quantidade, a grande maioria, 59% da população do Recife, vivendo abaixo da linha da pobreza. E você tem muito poucas obras de infraestrutura. Você tem pouquíssimas opções de emprego. Onde o Estado investiu é em alta tecnologia, é em alta não sei o quê que exige uma qualificação muito grande. Então você tem projetos maravilhosos, como o Ponto Digital, mas que é localizado. Atendem quem trabalha com T.I. Tem hoje 69 empresas e mais ou menos 1 500 pessoas trabalhando. Todos têm ou nível superior, ou pós-graduação, ou mestrado, porque você está desenvolvendo software de ponta que é autorizado por uma Motorola, por uma não sei o quê, tarará. São coisas de classe mundial. Essa outra camada, que é a grande camada da sociedade, não se enquadra aí, entendeu? Então são muitos. O Estado sofreu ao longo desses anos com esses discursos políticos, mas com péssimas administrações, administrações ineficazes. Não fizeram o Estado. O Estado não cresce. A cidade do Recife, economicamente, não cresce há 20 anos. Então você tem um cenário desfavorável. Muita coisa que se faz, essas lideranças _____ é tipo. Eles até podem ser grandes líderes, ou podem ter se projetado nacionalmente, mas isso nunca trouxe um privilégio ao Estado nem tampouco se investiu na coisa que é mais básica aqui, que é a questão da educação, que é péssima em Pernambuco. A educação pública é de baixíssimo nível. E na questão da qualidade mínima das pessoas quando se fala de saúde e de acesso à informação e ao conhecimento.
P/1 – Marcelo, teve algo que você queria colocar ou alguma experiência que você queria relatar que nós não perguntamos?
R – Não, eu só acho, assim, que hoje um dos meus projetos pro futuro é trabalhar mais os empresários, não só os daqui. Mas dizer pra eles que todos nós que temos qualquer negócio, independente do porte que ele tenha, todo mundo acumulou um grande conhecimento. Você, na tua vida profissional, você agrega. Alguns dos grandes executivos são acostumados a todos os dias viajarem pra diversos lugares no mundo. Viverem experiências maravilhosas. Acumularam experiência de vida. As empresas, brasileiras ou não, de capital brasileiro ou não, que estão aqui têm muito conhecimento, muita coisa pra passar. Se esse conhecimento fosse passado pro terceiro setor, fosse dividido com o terceiro setor, ao mesmo tempo que elas se abrissem pra ver o que o terceiro setor faz de positivo, você conseguiria sim fazer alguma coisa significativa pela sociedade. Não esse programa de eu passo um cheque, ou eu financio um programa, ou eu terceirizo a execução de um programa, mas você realmente se envolver. Você entender como ele entende a empresa dele, como ele entende o negócio dele. Que eles estivessem nos conselhos ou mesmo dando aulas ou vendo a parte financeira. A gente precisa de mais Antônio Ermírio de Moraes, mais pessoas feito o Paulo Ferraz, feito o Marcio ________ e tantos outros que estão no nosso conselho. Que não são aquelas pessoas que ouviram falar ou que colocaram o seu nome em alguma ata pra dizer que fazem pelo social e figuram no conselho de alguma instituição. Mas que, efetivamente, procurem entender e procurem passar os seus conhecimentos e contribuir efetivamente. Se a gente consegue fazer isso, esse empresário hoje que não dá dinheiro vai começar a se sentir confortável, porque ele está vendo que ele está investindo no país dele e na cidade dele, no estado dele. Está investindo no progresso de uma nação e está vendo que o dinheiro dele, muitas vezes, ali, é muito mais efetivo, é muito mais bem utilizado e bem aproveitado do que em qualquer outra área. E é nesse momento que a gente vai conseguir que o empresário nacional se junte ao terceiro setor. É no momento que ele entenda e que ele participe, e não que ele apenas assista a uma palestra de responsabilidade social ou que tenha algum instituto que fique falando como é que ele faz responsabilidade social. Mas que efetivamente ele, numa pequena ou numa grande organização, participe. A gente não precisa criar mais organizações. A gente não precisa criar mais fundações. A gente tem muitas organizações que têm tecnologia e que fazem um trabalho social de altíssima qualidade. O que elas precisam é de apoio, principalmente na sua área de gestão, na sua área de desenvolvimento, e que as empresas participem efetivamente e que entendam que essa relação não é uma relação de domínio, um manda sobre o outro ou um prevalece sobre o outro, mas uma relação efetivamente de troca. Aí sim você começa a mudar a sociedade.
P/1 – Perfeito. O que você achou de dar este depoimento, Marcelo?
R – Calorento.
[Risos.]
R – E longo. Mas acho que foi bom. Obrigado.
P/1 – E a iniciativa do CDI de resgatar a memória da instituição?
R – Ah, isso aí eu acho fundamental. Isso eu acho, eu lamento que muita coisa que a gente já tenha feito e produzido, tenha se perdido ou esteja na memória de um ou de outro, mas efetivamente não esteja registrado. Então eu acho que a preocupação que todos os regionais tem que ter é ter uma câmera, seja ela mais amadora, seja mais profissional que conseguir. Ter uma máquina fotográfica digital. Que você tenha algum lugar que você armazene, mas que você registre, fotografe e documente, todos os dias, as emoções, as derrotas, as vitórias, os êxitos e os fracassos que você tem ao longo da vida. Porque esta história é muito rica.
P/1 – Perfeito. Obrigado, Marcelo. Em nome do CDI e do Museu da Pessoa nós agradecemos. Obrigado.
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